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O Mourão é o coringa chinês no poker estadunidense no Brasil?

Mário Maestri

I. Origens e Consolidação do confronto inter-imperialista China - USA

A restauração capitalista na China, iniciada em 1979, com Deng Xiaoping, transformou


o país em espaço privilegiado da acumulação capitalista mundial, apoiada na super-exploração
de força de trabalho disciplinada chinês e na vampirização dos investimentos socialistas
anteriores. Com a crescente globalização e a desregulamentação, proliferaram na China
inicialmente pequenas e médias empresas. Muito logo, grandes grupos estrangeiros
estabeleceram-se no país, em geral associadas a empresários locais ou ao Estado, para produzir
mercadorias de baixo valor tecnológico e alta intensidade de trabalho vivo.
Esse movimento alavancou produção de mercadorias de maior composição tecnológica,
voltadas à exportação e, a seguir, ao mercado interno. Em 2013, a direção chinesa passou a
apoiar a expansão do mercado interno de um bilhão e 400 milhões de habitantes e a exportação
de produtos e serviços de alta tecnologia. O governo seguiu investindo em infra-estruturas e
alavancando a pesquisa e a inovação tecnológica, diminuindo o hiato relativo com os USA,
superados em algumas áreas importantes, como biotecnologia, tecnologia da informação,
inteligência artificial.
A Bandeira do Capital é o Capital
Os capitais estabelecidos na China se comportaram segundo sua natureza profunda, ou
seja, despreocupados com as sequelas em seus países desse movimento sócio-econômico de
proporções jamais conhecidas. Com pouco mais de 25% da população chinesa, os Estados
Unidos sofreram as sequelas da deslocalização de indústrias de alta intensidade de mão de
obra, que acelerou a queda já em curso do valor médio do salário mínimo dos Estados Unidos e
do poder de consumo da população do país. O movimento acelerou igualmente a concentração
de renda. Os déficits públicos abismais yankees foram sustentados pela compra chinesa de
títulos da dívida USA, financiada pelo enorme desequilíbrio do balanço comercial
estadunidense em favor da China.
O desbordar internacional quantitativo e qualitativo da produção não foi ato voluntarista
do governo chinês. Ele nasceu naturalmente do processo de superação da capacidade de
absorção do mercado interno e externo tradicional da reprodução ampliada do capital nacional e
internacional investido na China. A produção em escala e os capitais excedentes exigiam
necessariamente uma aplicação rentável no exterior. Ainda mais que parte dos capitais chineses
deprimia-se no entesouramento em Títulos da Dívida Pública USA, de rendimento não raro
negativo. A monumental produção chinesa dependia da importação ininterrupta e a preços
decrescentes de enormes quantidades de matérias-primas.
China como nação imperialista
A exteriorização chinesa de capitais registrou-se no recuo relativo da compra de títulos
da dívida USA e na expansão da exportação de capitais públicos e privados, através de
financiamento de infra-estruturas, compra de empresas, joints-ventures, etc. A aquisição de
empresas de ponta permitia a obtenção de tecnologia não possuídas. Fundaram-se bancos de
investimentos na Eurasia, intercontinentais como o Brics, etc. Em 2004, os investimentos
diretos externos chineses explodiram, disparando em 2014-6, dirigidos sobretudo para a Ásia
(70%) e com destaque para a América Latina (17%). No Brasil, os investimentos chineses
avultaram-se a partir de 2010, somando, entre 2007 e 2018, US$ 58 bilhões.
Como os países capitalistas que os precederam, em forma apenas relativamente diversa,
a China tornou-se nação imperialista, na acepção leninista do termo, dependente da exportação
de capitais. Apoiado em seus recursos monumentais, o capital chinês propõe caminho doce para
o avanço mundial de seus capitais, uma verdadeira necessidade, já que, apesar de ter
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conquistado a hegemonia econômica, os USA mantém a hegemonia militar, diplomática,
política e financeira, mantendo sob sua subordinação nações sub-imperialistas como o Japão, a
França, a Inglaterra, a Alemanha. Os USA dominam ainda importantes áreas tecnológicas. A
China dispõe-se a financiar “comunidade [mundial] de destino associado”, sobretudo através do
projeto o “Cinturão e a Rota”, com investimento, em 2016-2020, de 10 trilhões de dólares,
dedicado sobretudo ao financiamento de infra-estruturas. Esse projeto ensejou que inúmeros
países, sobretudo africanos, estejam hoje endividados junto aos entes chineses de
financiamento.
Guerra Inter-Imperialista
Os USA assentam sua hegemonia imperialista no domínio do dólar como moeda de
troca-refúgio internacional, que se apoia no domínio militar-diplomático e, portanto, da
espoliação mundial. O dinamismo econômico do imperialismo chinês corrói a hegemonia
financeira e, consequentemente, militar. Em uma estreita janela de tempo, os USA necessitam
reconquistar o dinamismo econômico e a hegemonia plena, programa a ser realizado
inevitavelmente através da desorganização do Estado russo e, sobretudo, chinês. Trata-se de
projeto de desorganização soft, se for possível, hard, se for necessário, do dinamismo chinês.
Os USA conheceram dez anos de expansão econômica ininterrupta, alcançando taxas
históricas mínimas de desemprego, sem retomar substancialmente o poder de compra dos
trabalhadores e assalariados estadunidense - trabalhos de baixa qualidade, de meia jornada, etc.
Em boa parte a passada expansão apoiou-se na retomada da produção de petróleo e gás
cracking, o que mascarou a decadência do parque industrial do país. Em 1950, o PIB USA era
50% do PIB Global - hoje é 14%. Atualmente, o poder de compra da China supera o dos USA.
A China tem investido fortemente em armamento, com destaque para a marinha de
guerra, para defender suas rotas mundiais de abastecimento e comércio. Os USA tem onze
porta-aviões, arma hoje essencialmente de “projeção de poder” de um Estado longe das suas
fronteiras, sem serventia no confronto entre grandes nações, devido sobretudo aos novos
mísseis hipersônicos. A China tem dois porta-aviões e planeja construir mais dois. Os USA
mantém oitocentas bases militares no mundo, que pesam duramente sobre seu orçamento - a
China estabeleceu sua primeira, em Djibuti, no nordeste da África.
Cada Vez mais Agressivo
A superioridade USA em ogivas atômicas é neutralizada pela capacidade de retaliação da
China e da Rússia. Agora, os Estados Unidos investem em armas atômicas táticas. Os USA
talvez vencessem guerra localizada contra a China ou a Rússia. A China se arma vigorosamente
e a Rússia dispõe de pequena força armada, em relação a URSS, mas de altíssimo nível
tecnológico, financiada parcialmente pelas exportações. Os USA já não podem lutar contra a
China e a Rússia unidas.
O tempo urge para o imperialismo USA, o que o torna cada vez mais agressivo. Procura
ferir a Rússia e a China fortalecendo tensões sociais e políticas internas, confrontos militares
indiretos e terceirizados. Se esforça para bloquear o acesso às matérias-primas, aos mercados, à
tecnologia. Usou esses métodos contra a URSS e segue usando contra Cuba, Irã, Venezuela,
Coréia do Norte, com destaque para a China e a Rússia. Sobretudo a Rússia tem respondido
com contra-medidas dura, até agora vitoriosas - Ossétia do Sul; Ucrânia/Crimeia; Síria, etc. O
imperialismo estadunidense acirra a disputa pelo Mar da China Meridional e envia seus navios
de guerra para regiões reclamadas pela China como águas territoriais. Estreita laços com Taiwan;
apoia os separatistas de Hong Kong; agride diretamente a Huawei.
O ataque estadunidense se dá ainda sobretudo no plano econômico, tentando fazer
retroceder a expansão mundial mercantil chinesa. As dificuldades são muitas: após a União
Européia e os USA, o terceiro parceiro comercial chinês são suas nações vizinhas, mercado de
mais de seiscentos milhões de habitantes, já com relações estreitas com o Império do Meio. A
China se aproxima da Itália para penetrar na Europa. Nos últimos vinte anos, os USA não
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desenvolveram sequer uma grande iniciativa econômica estratégica, fora ou dentro do país.
Suas guerras no exterior e a crise de 2008 dessangraram-no economicamente. Em crise, o
imperialismo estadunidense pratica a política do bastão, sem a cenoura, com aliados e não
aliados, para mantê-los no redil e utilizá-los na ofensiva contra a Rússia e a China.
Apoiando-se no enorme déficit comercial USA, Trump impôs mega-tributação das
importações chinesas, procurando reindustrializar o país. Entretanto, empresas que se retiraram da
China, não voltaram para os USA, mas estabeleceram-se em geral em outras nações do Oriente.
Trump, comportando-se como bandido na disputa comercial, sobretudo quanto às empresas de
computação e comunicação de ponta, com destaque para a Huawei, procurando recuperar o atraso
USA no 5G e na inteligência artificial.

II. O Covid-19 acelerou as contradições inter-imperialista


A pandemia do Covid-19, iniciada na China em novembro de 2019, acelerou fortemente as
tendências dominantes das contradições inter-imperialistas entre a China e os USA. Após vacilar
inicialmente, a direção chinesa compreendeu a importância da crise, para seu país sob o duro ataque
estadunidense. Foi imposta rígida quarentena para a província Wuhan -60 milhões de pessoas-,
debelando-se o surto em inícios de abril - umas cinco mil vítimas-, com a pandemia já espalhada no
mundo. As sequelas econômicas foram grande, mesmo que a produção industrial chinesa jamais
tenha sido interrompida em outras regiões do país. Espera-se crescimento positivo do PIB chinês de
1,5% a 2% em 2020. Ou seja, estima-se queda de pouco mais de 4% do esperado. Cresceu o
desemprego no país. A recuperação da economia chinesa depende fortemente da retomada do
consumo mundial, com regressão ainda difícil de ser estimada. Devido a isso e ao acirramento da
crise com os USA, o governo projeta expansão do mercado consumidor interno.
A pandemia teria chegado nos USA em 15 de janeiro. Pressionado pelos empresários
estadunidenses, Trump assumiu posição negacionista: minimizou e ridicularizou a emergência
sanitária gravíssima e confrontou-se com os governadores sobretudo democratas que tomam medida
de diversa intensidade quando a crise assumiu caráter dramático - Nova Iorque, Nova Jérsei, Illinois,
Califórnia, Massachusetts, Pensilvânia, Estados, todos eles, com mais de cinco mil mortos.
Atualmente, os mortos reconhecidos ultrapassam os 100 mil.
Apesar da resistência de Trump, as medidas de quarentena se estendem através do país, que
marcha em direção aos quarenta milhões de trabalhadores desempregados, fora os semi-
desempregados e mal-empregados. A produção manufatureira alcançou seu mínimo em em onze
anos. A queda do preço internacional do petróleo atirou por terra as empresas petrolíferas (cracking),
que devem 200 bilhões para os bancos. Com queda do PIB de quase 5% no primeiros trimestre,
esperando-se retrocesso de 6 a 7% em 2020, estados começam a por fim às medidas de quarentena.
A expectativa é um retrocesso lento em 2021, devido, entre outros motivos, à degradação do
consumo interno, grande apoio da economia USA.
Ofensiva Geral Imperialista
A China sai rengueando da crise do Covid-19 e os USA com as duas pernas quebradas. Para
os USA, é corrida perdida já na partida, se retomar apenas à disputa anterior, mesmo com as
cotoveladas que distribuía mesmo sob os olhos dos juízes no concorrente chinês. Trump ensaia partir
para um tudo ou nada contra a China, atualmente o saco de pancada de sua campanha eleitoral,
devido à crescente perda de apoio motivada pela crise sanitária e pelo recuo da economia.
Entretanto, vença ele ou um democrata, o ataque à China está inscrito nos destinos dos Estados
Unidos como nação imperialista.
Apenas saiu da pandemia, a China empreendeu -assim como a Rússia e Cuba, em menor
dimensão-, campanhas de apoio, ajudando não apenas os países sub-desenvolvidos na luta contra o
Convid-19. O presidente da Sérvia beijou discretamente a bandeira da China. Isso, enquanto os USA
confiscavam ventiladores pulmonares e máscaras cirúrgicas que passavam por seu território em
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direção de nações necessitadas, em operações de literal pirataria, sob a bandeira da consigna First
America! Operações vergonhosas que registraram um atraso industrial que obriga o país a comprar
máscaras, respiradores, etc. na China.
Os USA exigem investigações sobre o Conviv-19 e propõem campanha internacional pela
indenização dos países atingidos pela China, devido a pandemia ter explodido ali China e pela
demora do governo em combatê-la. Isso, quando as autoridades estadunidenses seguem negando-se
a combater realmente a pandemia no país. Trata-se de campanha de ódio, já que não há base material
e jurídica para tal proposta. Entretanto, países servos dos USA na diplomacia, como a Austrália, já
abraçaram a iniciativa demagógica. Trump estreita os laços com Taiwan e prepara retorções contra
Hong Kong devido à China ter criminalizado atividades separatistas, terroristas e anti-estatais, assim
como interferência estrangeira naquela região. O enclave financeiro é a principal ponta de lança
imperialista estadunidense contra a China.
Para fazer frente ao projeto Cinturão-Rota, os USA criaram banco de financiamento para os
países semi-colonial, com capital desmilinguido de 60 bilhões de dólares. Uma de suas finalidade é
financiar a Ericson e a Nokia na disputa contra a Huawei pelo 5G. Os USA realizam investimentos
bilionários em armamentos de ponta, em forma acelerada. Em 15 de maio, Trump ameaçou nada
menos do que cortar todas as relações com a China e que não pretende mais falar com Xi, ao menos
por enquanto. Os USA se retiraram do acordo “Céus abertos” com a Rússia, medida de distensão
militar entre os dois países. Navios da OTAN navegam no mar de Barents, no Círculo Ártico,
próximo das águas territoriais russas.
O Brasil como Campo de Batalha
O golpe de 2016, objetivava retirar o controle do país das classes dominantes caboclas, em
favor do grande capital imperialista, sob a direção estadunidense. Com a vitória golpista, o país
iniciou transição do status semi-colonial, onde suas classes dominantes mantinham ainda o controle
político sobre a nação, para o status neo-colonial globalizado, onde as grandes decisões políticas e
econômicas são já tomadas fora de suas fronteiras. Projeto iniciado no governo Obama e concluído
na administração Trump, em um viés religioso-obscurantista republicano. Esse movimento tinha
dois grandes objetivos.
O primeiro objetivo era escancarar o país para o capital estadunidense e mundial,
transformando-o em produtor de grãos e minérios e produtos de baixa tecnologia, com a destruição-
privatização de suas empresas públicas e privadas de capital monopólico. O segundo, barrar o acesso
do Brasil ao capital chinês, impedindo-o de comprar empresas estratégicas e não estratégicas de
porte, e controlando-onerando suas compras de minérios, petróleo e grãos. Havia no governo lulista
e dilmista militantes do PT e do PCdoB com fortes e antigos vínculos políticos com a China, que se
reciclaram e se reciclam em lobistas.
Em 2018, candidato à Presidência, Bolsonaro propôs que a "China não compra no Brasil. A
China está comprando o Brasil”. O que não era novidade, havia décadas, no relativo a outros países!
Já eleito, neo-presidente, seus ministros terraplanistas e sua progenitura -Eduardo, sobretudo- não
cessaram de imprecar contra a China, em pronunciamentos desconjuntados, mas todos dirigidos pela
diplomacia estadunidense. O pai extremoso tentou mas não conseguiu emplacar o filho playboy
como embaixador nos USA! Os ataques à China causaram problemas diplomáticos, contornados
com pedidos de desculpas de Bolsonaro, viagem do Mourão àquele país, declarações do presidente
da Câmara, etc.
Aqueles ataques foram enfrentados com paciência chinesa pelos ofendidos, que não
deixaram de lembrar que a China compra no Brasil como pode comprar em outras regiões - há mais
de dez anos a China é o principal parceiro comercial do país, com um enorme superávit para o
Brasil. O país é um dos grandes investidores no país. Após forte regressão em 2018, 290 milhões de
dólares, devido ao clima eleitoral, os investimentos chineses voltaram a crescer fortemente no Brasil,
aproximando-se dos dois bilhões de dólares, já emparelhando com os investimentos USA. A
economia brasileira já engatinhando após o golpe de 2016, não se aplastou totalmente devido
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precisamente ao agro-negócio, com destaque para as vendas de grãos, destinadas sobretudo para a
China.
Empresários Tupiniquins
Empresários tupiniquins enfeitiçados com o programa golpista de redução da classe
trabalhadora a situação de assalariados semi-escravizados, seguem esperando que os sobressaltos
com o grande parceiro econômico sejam resolvidos e superados sem deixar sequelas. Não poucos
sequer compreendem -ou não querem compreender- a partida atualmente em jogo. Seguem
apostando, ainda que cada vez mais desanimados e assustados, suas fichas na nova ordem
militarizada em implantação, esperando uma próxima volta ao passado e recuperação econômica,
que jamais acontecerá.
Guedes e Bolsonaro seguem como dois cavaleiros do Apocalipse, distribuindo miséria,
tristeza e morte, sem que ninguém no empresariado proponha realmente que sejam apeados. Há
entretanto grandes interesses, não apenas nacionais, com a sorte atada aos destinos das relações sino-
brasileiras. Após os impropérios de Eduardo Bolsonaro, em meados de março, a “Frente Parlamentar
da Agropecuária (FPA)” divulgou nota apoiando a China e se dissociando do deputado. E há também
os que se perguntam quem financiará a retomada do Brasil, no sentido que for, após superação da
pandemia. A resposta é sempre uma: só pode ser a China, que tem bala na agulha.
O alto comando das forças armadas, com destaque para as de terras, agem hoje como
representantes dos interesses do imperialismo e do grande capital no Brasil, dispostos a tudo alienar
e vender, Amazônia inclusive, e lançar a população na miséria negra, desde que bem remunerados.
O alto comando é hoje o parlamento informal, de última instância, mas decisivo, para o qual
começam a se voltar, direta ou indiretamente, as reivindicações e projetos das classes proprietárias
brasileiras. Isso, enquanto se alastra a insatisfação popular com a cáfila de militares no governo
federal.
Os chineses tem como norma não se imiscuírem nas questões políticas nacionais nos países
onde investem seus capitais. Não possuem portanto qualquer contradição de princípio com o golpe
de 2016, que certamente rentabiliza seus capitais no país. Desde que não contradiga suas
necessidades. E nesse caso, o Brasil é um peão demasiadamente importante no atual confronto
internacional, para deixar que seus interesses sejam manipulados grosseiramente pelo imperialismo
estadunidense, através do governo Jair Bolsonaro. O deslocamento brusco do Brasil em favor de
uma das partes em confronto terá certamente forte repercussão em grande parte da América Latina.
Reunião Ministerial
A publicização da reunião ministerial de 22 de abril, revelou muito mais do que a já
conhecida rusticidade intelectual e golpista do presidente e de enorme parte de seus ministros,
mesmo os mais próximos. Nas quatro referências não censuradas sobre a China, Bolsonaro fala de
agentes chineses infiltrados em diversos ministérios e, sobretudo, da necessidade de seguir
comerciando com a China, mas de se “aliar com quem tem (…) alguma afinidade conosco.”
Proposta reafirmado por Guedes ao propor que se deve vender, sabendo a orientação “geo-política”
do governo do país. Ou seja, os USA.
O Ernestinho, o menino que brinca com as relações exteriores do Brasil, foi mais longe, ao
propor que a globalização criou uma situação onde “no centro da economia internacional está um
país que não é democrático, que não respeita direitos humanos”. Ou seja, a China. Há outros trechos
em que os despropósitos sobre a China seriam ainda maiores. Quais os sentidos dessas declarações,
em uma reunião ministerial que deveria articular iniciativas -sejam quais forem- e não enfatizar
propostas ideológicas de campanha? A reafirmação programática anti-chinesa e a proposta de
espiões chineses infiltrados no governo tiveram certamente um destinatário presente, que se manteve
ao lado do presidente com expressão facial própria a um Buda. O vice-presidente Mourão, general
de cinco estrelas, político por excelência, neo-liberal extremado e vende-pátria raiz, é tido como o
homem simpático no governo ao capital chinês.

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Em 29 de abril, o general Mourão propôs aprofundar o relacionamento com a China, já que o
“casamento” entre os dois países é “inevitável” e a globalização, após o Corona-19 certamente
aumentará a importância geo-econômica da Ásia. Tudo em contrário ao proposto pelo Ernestinho.
No passado recente, interviu reiterada vezes para por de volta nos trilhos as boas relações com a
China, devido aos ataque bolsonaristas. Viajou à China e tem recebido altos dignitários daquele
governo.
Confundindo as Cartas
A mais paradigmática declaração de Mourão foi em 27 de abril, quando propôs a venda da
Embraer para a China, após o fracasso da negociação com a Boeing, registro das dificuldades do
capitalismo estadunidense.“A China é o país que, no presente momento, é que está expandindo este
tipo de aviação”.“Então, é um momento em que a Embraer poderá se aproximar. Nós já temos
penetração no mercado local com aeronaves da Embraer, e isso poderá ser aprofundado”. Uma
declaração que causou excitações na China e certamente despertou as iras do inferno no
Departamento de Estado estadunidense. Para essa fusão, é necessário licença do atual governo - ela
fica, portanto, para uma próxima administração.
As baionetas servem para tudo, menos para se sentar nelas. Um descompasso forte entre as
necessidades do comércio com a China e dos investimentos desse país no Brasil, devido a pressões
crescentes ideológicas estadunidenses, abrirão conflito e fissuras no governo e nas forças armadas. O
exército brasileiro é historicamente filo-estadunidense - hoje se transformou política e
ideologicamente em um quase puxadinho dos USA. É difícil saber quais são os apoios de Mourão no
exército e qual o investimento que os chineses podem fazer nele. Entretanto, a crise política e
econômica geral enfraquecem fortemente o governo Bolsonaro e obrigam os generais a andar sobre
ovos, sobretudo quando cresce a oposição a participação dos fardados no governo federal, sobretudo
entre os segmentos trabalhadores.
O importante leilão para o estabelecimento do 5G no Brasil pode conhecer atraso, com
provável realização apenas em 2021. Vai ser um momento de importante teste da capacidade de veto
estadunidense nessa área extremamente importante para a disputa entre os dois países. Setores
políticos pró-burgueses na oposição, com ainda algum eleitorado popular, como o PC do B, com
Flávio Dino à cabeça, já apostam no páreo em curso no chinês, como treinador e, quem sabe, como
jóquei de 2022. Uma data hoje enormemente distante, devido ao acirramento das contradições
internas no Brasil e externas entre Usa e China. O fortalecimento da atual proposta de rendição
incondicional da oposição faz de conta (como um todo) para afastar Bolsonaro do governo e
substituí-lo pelo vice, certamente fortalece essas contradições. (Duplo Expresso, 28/05/2020).
Mário Maestri, 71, historiador, é autor de Revolução e contra-revolução no Brasil: 1530-2019.
https://clubedeautores.com.br/livro/revolucao-e-contra-revolucao-no-brasil

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