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ISSN 2359-4799

Volume 1 / nº. 1 - Caderno Especial de Letras/ 2019 - p. 03-15


DOI:10.36524/ric.v1i1.400

A AVALIAÇÃO DA AUTORIA NO ENEM: DIÁLOGOS A PARTIR DE


MIKHAIL BAKHTIN E MICHEL FOUCAULT

AUTHORSHIP EVALUATION IN ENEM: DIALOGUES FROM MIKHAIL


BAKHTIN AND MICHEL FOUCAULT

Guilherme Brambila1
Luciano Novaes Vidon2*
1
Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: guilhermebrambilamanso@hotmail.com
2
Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: profvidon@gmail.com
*
Autor para correspondência

Artigo submetido em 14/10/2019, aceito em 05/11/2019 e publicado em 20/12/2019

Resumo: Este trabalho tem o objetivo de suscitar reflexões a respeito da autoria na conjuntura da
prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Pretende-se, especificamente, analisar
como a autoria é vista e requerida em uma cartilha de redação oficial do exame, publicada no ano de
2016. O norteamento teórico-filosófico que guia este estudo está embasado nos conceitos de autor em
Mikhail Bakhtin (2011), em interface ao de autor em Michel Foucault (2006). O trabalho guia-se
metodologicamente por uma perspectiva indiciária (GINZBURG, 1986) fundamentada em uma base
dialógica de observação. Os resultados da análise apontam que a visão institucional sobre a autoria no
Enem afasta tal processo do campo da subjetividade dialógica e o aproxima de uma racionalização
monológica pela via da escrita.
Palavras-chave: Enem; autoria; avaliação.

Abstract: This paper aims at promoting discussions about authorship at the juncture of the High
School National Exam (Enem) essay test. Specifically, we intend to analyze how authorship is viewed
and required in an official writing exam booklet, published in 2016. The theoretical-philosophical
perspective that guides this study is based on the author's concepts in Bakhtin (2011), in interface to
the author concept in Foucault (2006). The work is methodologically guided by an indiciary
perspective (GINZBURG, 1986) based on a dialogic basis of observation. The results of the analysis
indicate that the institutional view on authorship in Enem takes this process away from the dialogical
field of subjectivity and brings it closer to a monological rationalization through writing.
Keywords: Enem; authorship; evaluation.

1 INTRODUÇÃO
O diálogo, no sentido bakhtiniano do interação verbal, por exemplo, colocamos
termo, propicia aos sujeitos oportunidades em tensão nossa existência no mundo e em
de se constituírem autores. Em meio à relação aos outros com os quais dialogamos
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na e pela linguagem. Assim, é possível que Diante dessa rápida


já estabeleçamos que a autoria, nesse prisma contextualização, o presente artigo tem
dialógico de observação, é um processo que como proposta principal um estudo crítico
reflete-refrata a singularidade de cada do discurso institucional do sistema de
sujeito em suas enunciações. avaliação do Enem a respeito da autoria. Em
Em posse dessa perspectiva acerca outras palavras, trabalharemos focados no
da autoria, somos convidados a pensá-la em objetivo de investigar dialogicamente quais
sociedade como uma construção singular de perspectivas o Estado brasileiro,
cada sujeito e que se justifica pelas responsável pela produção e aplicação do
intenções discursivas e interativas que cada Enem, tem em relação à autoria, a fim de
um pretende estabelecer com o outro, em compreender possíveis motivações que o
esferas de interação e por meio de gêneros leva a pautar a autoria como passível de
discursivos diversos. avaliação e atribuição de valor.
Todavia, assim como todo elemento Como base teórica desta
próprio da dialogicidade humana, a autoria investigação, buscaremos dialogar com as
pode passar por idealizações que, perspectivas de autoria em Mikhail Bakhtin
consequentemente, a enclausuram em um (2011), em interface com a perspectiva de
modus operandi específico, exigindo Michel Foucault (2006), na intenção de
sujeitos autores que atendam a essa construir uma rede dialógica de
modelização (BRAMBILA, 2018). Como compreensão deste processo e que possa
exemplo, e que é alvo da problematização orientar as problematizações destinadas ao
deste artigo, a autoria como item a ser corpus.
avaliado no sistema de competências da Por meio de uma perspectiva de
redação do Exame Nacional do Ensino observação indiciária (GINZBURG, 1986),
Médio (Enem)1 é um caso em que analisaremos trechos que dizem respeito à
perceberemos uma idealização que atinge autoria no e-book Redação do Enem 2016:
uma considerável parte da população cartilha do participante, manual fornecido
brasileira todos os anos. gratuitamente pelo Instituto Nacional de
A prova de redação, item Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep).
constituinte do Enem e que repetidamente é Este trabalho traz à tona resultados
exigida no gênero texto dissertativo- obtidos em uma pesquisa de mestrado
argumentativo, requer a produção de um (2017), e justifica sua existência por suscitar
texto em que o candidato disserte sobre um questionamentos atuais que dizem respeito
tema de cunho social fornecido pelo exame. ao sistema de avaliação textual do Estado
Há textos motivadores para auxiliar no brasileiro e, consequentemente, se reflete no
entendimento do tema e uma das exigências ensino-aprendizagem de produção de textos
para o texto é que haja uma proposta de da esfera escolar.
intervenção à problemática contida no
assunto. O texto produzido pelo candidato
passa por uma banca avaliadora que, com
2 A INTERFACE DIALÓGICA DA
base em uma tabela de competências, atribui
AUTORIA EM BAKHTIN
uma nota que poderá variar de 0 a 1000.
Falar de autoria, em Bakhtin, pode
nos colocar dentro de uma gama de
1 discussões. É possível que nos reportemos
O Enem é uma avaliação do Ministério da
Educação, iniciada em 1998, com o objetivo de às polêmicas envolvendo a autoria de
avaliar a qualidade do ensino médio no país. Além algumas obras produzidas pelo chamado
disso, seu resultado também é utilizado para
ranqueamento e acesso ao ensino
Círculo de Bakhtin – como é o caso, por
superior em universidades públicas brasileiras, por exemplo, de Marxismo e Filosofia da
meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), assim Linguagem ([1929] 2017), que
como em algumas universidades no exterior.
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historicamente foi cercado de extensas falsos e atos inesperados em função


discussões sobre a autoria de Bakhtin ou das respostas volitivo-emocionais e
dos caprichos de alma do autor [...].
Volóchinov na obra –, ou também sobre
autoria enquanto conceito, oriundo da Tal questão nos instiga a pensar que,
interface com a literatura – por conta, apesar de certa soberania do autor em seu
principalmente, de discussões em ato criativo sobre a personagem, esta, como
Problemas da Poética de Dostoiévski fruto de um processo dialógico, poderá
(2005) e no ensaio “O autor e a comportar uma não exatidão no plano
personagem”, publicado em Estética da estético, transbordando para o ético.
criação verbal (2011 [1979]). Sobre essa Percebemos, então, que a autoria, em
questão, Faraco (2005, p.37) evidencia que Bakhtin, está intimamente ligada à
subjetividade, sendo esta sua precedente. É
O tema do autor e da autoria está
presente, em maior ou menor grau, em
pela subjetividade que se realiza a polifonia
quase todos os escritos conhecidos de de discursos alimentados pela interação
Bakhtin. Trata-se de um tema que histórica e social. É por essa via que o autor
envolve uma extensa elaboração de se constitui em relação ao outro e a si
natureza filosófica (já que, desde cedo, mesmo, tendo, portanto, a capacidade de
Bakhtin esteve empenhado em
construir uma estética geral) e que
criar e dialogar com a criação e a
conheceu diferentes desdobramentos a impossibilidade de tê-la criado “sozinho”.
cada novo retorno a ele. Vale, também, ressaltar que os
postulados de Bakhtin (e do Círculo) sobre a
Fizemos essa rápida retomada como subjetividade pautam-se no materialismo
uma forma de salientar que, apesar das já histórico-dialético. Em outras palavras,
constantes contribuições e leituras sobre entende-se o sujeito como aquele que
essa questão, haverá sempre algo ainda a ser vivencia social e historicamente valores e
dialogado. contextos discursivos de maneira real, sendo
Partindo da constante demanda em sua atividade ética e estética um reflexo
torno do assunto e tendo como intenção dessa vivência. Tal perspectiva se afasta,
também trabalhar a possibilidade de se portanto, de noções abstratas, idealistas e
pensar a subjetividade e a autoria na psicologicistas2 de sujeito, já que ele, na
contemporaneidade, traremos, nas próximas visão bakhtiniana, é constituído por suas
linhas, perspectivas bakhtinianas que práticas e interações por meio de
tangem o sujeito e o processo de autoria, circunstâncias reais de enunciação.
buscando constatar a rede de alcances e Essa não abstração/idealização da
possibilidades do conceito para os estudos subjetividade e do processo de autoria,
da linguagem. defendida por Bakhtin, também nos leva à
Como dito anteriormente, no texto atenção acerca do acabamento do
“O autor e a personagem”, Bakhtin dedica enunciado, que também é real e concreto.
grande reflexão à questão do autor. Bakhtin Haverá, nesse plano, um conjunto de
(2011, p. 4) defende a impossibilidade de construções relativamente estáveis que dão
que o autor, principalmente o da obra acabamento, mesmo que não
literária, tenha controle absoluto sobre sua completamente, ao enunciado,
personagem no plano estético: proporcionando ao leitor o todo estético do
texto e da personagem. Esse todo estético,
O autor não encontra de imediato para
a personagem uma visão não aleatória,
portanto, torna-se uma arena de interação na
sua resposta não se torna qual os sujeitos tomam suas vozes de
imediatamente produtiva e de
princípio, e do tratamento axiológico 2
É possível incluir aqui certa visão romântica da
único desenvolve-se o todo da psicanálise freudiana, como discutido por
personagem: esta exibirá muitos Bakhtin/Volochínov em O freudismo: um esboço
trejeitos, máscaras aleatórias, gestos crítico ([1927] 2012).
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autores e enchem o enunciado de posicionar as vozes de seu discurso na


possibilidades discursivas dialogicamente. tentativa de colocá-las em tensão de
É nesse raciocínio que conseguimos maneira única e singular.
pontuar a interface do dialogismo com a Assim, o texto de um autor, na
questão da autoria. O diálogo é algo perspectiva bakhtiniana, enquanto
constitutivo da interação dos sujeitos que enunciado concreto (BAKHTIN 2011
são motivados, constantemente, a enunciar e [1979]), não é enxergado como aquele em
a responder às vozes dos outros que os que há um eu que prevalece. Esse
atravessam nessa(s) interação(ões). O texto/enunciado é aquele em que o sujeito
processo de autoria, então, surge da ação do autor recupera e dialoga com vozes
sujeito que se põe a responder às vozes que discursivas diversas e realiza esse processo
o atravessam constitutivamente, por meio da de maneira única, irrepetível.
proposição de um eu estético – o autor- Por meio do entendimento do
criador, na arquitetônica bakhtiniana –, processo de autoria como algo próprio da
atravessado por um eu ético – o autor- enunciação do sujeito, que é única e
pessoa, no plano do ‘vivido’ –, que se irrepetível, é possível problematizar certas
incumbe da responsabilidade de fazer essas construções ilusórias que se fazem sobre a
vozes acontecerem no todo do enunciado. subjetividade e a produção textual,
Entretanto, tal processo não encontra especificamente as que acontecem dentro de
sua finidade na completude do enunciado, já circunstâncias avaliativas, como a redação
que os mesmos são de natureza dialógica e do Enem.
continuam seu movimento quando entram Ao percebermos a impossibilidade
em contato com a discursividade do outro de conceber um autor desprovido de sua
que os recepciona, nunca passivamente. subjetividade dialógica, consideraremos
Este outro, como já afirmado por Clark e problemática também a existência de
Houlquist (2004), é um destinatário ativo, parâmetros que avaliem a autoria,
um ser que não se limita à compreensão principalmente no campo textual-discursivo.
passiva diante do locutor. Dessa forma, nem Nesse prisma, notamos que a imposição de
a obra tampouco a autoria, dentro da autoria e subjetividade específicas –
perspectiva bakhtiniana, são estanques. monológicas - em nada se aproxima de uma
Haverá sempre alguém que terá certa tentativa bem-intencionada de potencializar
autoria autorizada a recepcionar essa obra e o processo enunciativo-textual subjetivo,
transformá-la por meio de sua enunciação, mas, sim, atua de modo a dessubjetivar
tendo algo a mais a dizer sobre ela. (VIDON, 2013) aquele que escreve, para
A partir dessas considerações, o inseri-lo ou exclui-lo de grupos e esferas
autor em Bakhtin pode ser compreendido sociais.
para os estudos da linguagem como aquele Buscaremos, na próxima seção,
que não parte de uma gênese adâmica, mas trazer as considerações de autoria em
que se constitui a partir de suas relações Foucault (2006), estabelecendo um diálogo
com outros sujeitos que o enriquecem, que o com a proposta bakhtiniana, a fim de
constituem axiologicamente pela via de um construir uma base teórico-filosófica que
diálogo que é tenso, inconcluso e contínuo. nos guiará nas análises pretendidas.
Ao posicionarmos essa autoria
dentro do campo textual discursivo
poderemos, consequentemente, entendê-la
3 O AUTOR A PARTIR DE
como a incapacidade de o sujeito se colocar
FOUCAULT
como autoridade única de seu texto, mas
que consegue fazer escolhas, que são Em Foucault (2006), o autor está
próprias de sua subjetividade, constituídas relacionado à sua função na obra. Possenti
de vivências materiais e concretas, para
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(2001, p. 17) esclarece o que seria essa discursivo”. Podemos refletir sobre a função
função-autor, ao afirmar que que o nome do autor possui como um ponto
socialmente visível que reflete para a
[...] a função-autor é, em primeiro sociedade os discursos que esse autor traz
lugar, histórica, tanto no sentido de
que não se caracteriza a partir de uma
em sua obra.
personalidade quanto no sentido de Assim, compreendemos a função
que ela se modifica em decorrência das que o nome tem para o autor como um
alterações e diversificações das elemento de caráter dúbio. O nome, que se
modalidades enunciativas. apresenta antes mesmo do próprio sujeito
que produz a obra, poderá ser significado
A partir dessa primeira para exaltar ou destruir o autor perante a
consideração, sigamos para alguns sociedade. Isso se deve, claramente, ao fato
parâmetros, traçados por Foucault (2006, p. de que o autor não garante a sua autoria em
264-265), que circundam o autor: si mesmo, mas às formas de interação que a
1º) O nome do autor: impossibilidade
sociedade realizará com aquilo que estiver
de tratá-lo como uma discrição em seu nome.
definida; mas impossibilidade É nessa elaboração que percebemos,
igualmente de tratá-lo como um nome nas palavras de Foucault, um caráter
próprio comum. enfático ao afirmar que o nome do autor não
2º) A relação de apropriação: o autor
não é exatamente nem o proprietário
se relaciona com o caráter stricto do termo,
nem o responsável por seus textos; não mas que funciona de maneira
é nem o produtor nem o inventor deles. exclusivamente social. É na sociedade, em
Qual é a natureza do speech act que que as vozes institucionais estão incluídas,
permite dizer que há obra? que o nome do autor será significado e
3º) A relação de atribuição: O autor é,
sem dúvida, aquele a quem se pode
valorado, conforme interagem com o que é
atribuir o que foi dito ou escrito. Mas a produzido pelo mesmo.
atribuição - mesmo quando se trata de Na sequência, e de maneira
um autor conhecido - é o resultado de relacionada ao primeiro aspecto, Foucault
operações críticas complexas e estabelece uma relação de apropriação ao
raramente justificadas. As incertezas
do opus.
lidar com aquilo que o autor produz.
4º) A posição do autor: Posição do Encontramos, nesse ponto, uma
autor no livro (uso dos convergência com os pressupostos
desencadeadores; funções dos bakhtinianos sobre a polifonia. Isso se
prefácios; simulacros do copista, do justifica porque, assim como Bakhtin,
narrador, do confidente, do
memorialista). Posição do autor nos
Foucault defende a impossibilidade de
diferentes tipos de discurso (no invenção de discursos, propondo pensarmos
discurso filosófico, por exemplo). na autoria desse autor como parte de um
Posição do autor em um campo movimento dialógico e subjetivo que só
discursivo (o que é o fundador de uma existe por intermédio da existência de outras
disciplina? O que pode significar o
‘retorno a...’ como momento decisivo
vozes discursivas que permearão as escolhas
na transformação de um campo e, consequentemente, a constituição autoral.
discursivo?) Entretanto, ao nos atentarmos à rede
de significados que o signo possui,
Analisemos o primeiro parâmetro poderemos pensar na possibilidade de que o
que se atrela ao autor na perspectiva autor pode não ser o dono soberano de suas
foucaultiana, a respeito do nome. Conforme palavras, mas, ao mesmo tempo, habilita-se,
Dorigatti (2004, p. 2), “o nome de autor por meio de suas escolhas discursivas, a
assegura uma função classificativa, onde tomar posse de enunciados e significá-los
agrupa e delimita determinados textos, dentro de sua obra, para que se apresentem
caracteriza um certo modo de ser como seus.
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É relevante refletirmos sobre essa Outra pontuação importante desse


possibilidade de apropriação em Foucault, aspecto se concentra no status que o autor
pois isso torna possível pensarmos no adquire quando alcança a função de
processo de autoria também regido pela referência. É possível compreendermos a
premissa da subjetividade. Apesar da posição desse autor como a materialização
notória importância social na função do de seu processo de inserção social. Como
autor, não podemos pensá-lo como uma exemplo, verificamos que autores como
marionete facilmente manipulável. Foucault e Bakhtin são constantemente
Contrariamente, o autor funciona posicionados e referenciados em nossos
socialmente dentro de suas escolhas enunciados, o que significaria, dentro da
subjetivas e é rechaçado ou aplaudido por proposta foucaultiana, que seus nomes já
conta das mesmas que se expressam em sua foram validados socialmente, podendo ser
autoria. retomados e desempenhar um novo tipo de
O terceiro elemento, relacionado à função: o de auxiliar na composição da
atribuição, justifica aquilo que já foi função de novos autores, dando
mencionado em linhas anteriores sobre a continuidade ao ciclo.
autoria não ser autossuficiente na As proposições de Foucault acerca
perspectiva foucaultiana. Isso se deve ao do autor colaboram com o presente trabalho
fato de que o autor não exerce sua função por guiarem o horizonte analítico com vistas
social baseado apenas no que produz ou na a identificar de que maneiras o autor do
noção que faz de si mesmo. Ainda, o autor Enem, idealizado como aquele que atinge
conta com as formas como a sociedade o nota 1000 na competência relacionada à
enxerga e verifica sua relevância. autoria (que será analisada), adquire de
Dessa forma, ao autor são atribuídos, maneira instantânea essa função no plano
socialmente, certos lugares de existência discursivo do Exame. Em outras palavras,
que são determinados por critérios que os postulados foucaultianos são relevantes,
podem ou não concordar com sua pois nos permitem compreender como na
subjetividade. Esse aspecto mostra-se sociedade, em grande parte ainda em fase
interessante ao posicionarmos as percepções escolar, é imposto um modo de autoria, a
foucaultianas sobre o autor em nossa partir de um paradigma bem definido, com
sociedade contemporânea. Quando lidamos representatividade discursiva e social que
com a escrita em circunstâncias avaliativas, força os sujeitos a repeti-lo, na busca por
por exemplo, encaramos um alcançar e pertencer a tal idealização.
estabelecimento institucional de autoria A partir das notórias contribuições
idealizada que se confronta com esse autor, da perspectiva em torno da função do autor
punindo-o ou acolhendo-o, conforme seu por Foucault, nos lançaremos, na seção
nível de aproximação com tais pressupostos. seguinte, a analisar criticamente a cartilha
O quarto e último aspecto, que se de redação do Enem de 2016, publicada e
refere à posição do autor, traz à tona aquilo divulgada pelo Inep, que autor e/ou que
que podemos entender como o resultado da autoria estão no horizonte do Estado
autoria em sociedade. O autor ganha sua brasileiro em relação à produção de textos
posição, seja nas seções de um livro ou em para o Enem.
outras esferas discursivas à medida que a
interação eleva seu discurso a um plano
mais referencial. Em outras palavras, os
demais sujeitos se referem ao autor quando
encontram nele a força discursiva capaz de
dar conta de suas próprias incompletudes, as
quais os motivam a buscar outros dizeres na
perspectiva de encontrar aprimoramentos.
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4 A AUTORIA E O AUTOR NA “ERA referência do Enem que pode ser


ENEM”3 visualizado a seguir.
Nesta seção, e já incomodados com algumas
Quadro 1: competências do manual de
reflexões sobre a avaliação da autoria
redação do Enem
lançadas anteriormente, analisaremos as
perspectivas do manual de redação do Enem Demonstrar domínio da
Competência 1 modalidade escrita formal
de 2016, publicado pelo Inep, a respeito da
da língua portuguesa.
autoria. O principal objetivo vislumbrado Compreender a proposta de
nesta etapa é analisar dialogicamente aquilo redação e aplicar conceitos
que o sistema de avaliação de texto do das várias áreas de
Enem enxerga como autoria, bem como conhecimento para
Competência 2
suas perspectivas e expectativas sobre o desenvolver o tema, dentro
sujeito autor. dos limites estruturais do
O e-book Redação do Enem 2016: texto dissertativo-
cartilha do participante é um manual digital argumentativo em prosa.
fornecido pelo Inep gratuitamente em sua Selecionar, relacionar,
plataforma virtual constituído de duas organizar e interpretar
partes. Na primeira, há explicações acerca informações, fatos,
Competência 3
opiniões e argumentos em
da estrutura da redação do Enem, bem como defesa de um ponto de
dos critérios de avaliação dos textos. Nessa vista.
parte do manual, a tabela de competências, Demonstrar conhecimento
quadro de referência para a avaliação das dos mecanismos
redações, é explicada e acompanhada de Competência 4 linguísticos necessários
exemplos que indicam como as pontuações para a construção da
são aplicadas. Na segunda parte, há argumentação.
redações que obtiveram nota 1000 no Enem Elaborar proposta de
em edições passadas. Esses textos são intervenção para o
acompanhados de comentários da banca Competência 5 problema abordado,
avaliadora que justificam as notas respeitando os direitos
humanos.
alcançadas.
Fonte: Inep (2016).
Apesar da configuração de um autor
e texto ideal dentro de um sistema de A competência 3, que se refere à
avaliação nacional como o Enem ser um capacidade de selecionar, relacionar,
elemento bastante instigante para nossas organizar e interpretar informações, fatos,
problematizações, nossa atenção principal opiniões e argumentos em defesa de um
será na primeira parte do documento, em ponto de vista, já se apresenta passível de
que há posicionamentos e perspectivas problematizações em sua definição. Em
acerca da autoria, a partir do olhar primeira leitura, por se tratar de
institucional do Estado que aplica e avalia competência, termo que nos remete a
as provas de redação. Especificamente, nos noções próximas da cognição e do que é
ateremos à competência 3, do quadro de individual. Em segunda instância, notamos
que a proposição de avaliação de
competência para esse tipo de atividade
3
“Era Enem” (BRAMBILA, 2017) é um termo que humana com a linguagem configura-se,
propõe que o Exame Nacional do Ensino Médio, consequentemente, como uma forma de
diante de seu grande alcance e influência na vida dos demarcar subjetividades que são mais ou
brasileiros, não pode mais ser compreendido como menos competentes para essa realização.
apenas uma avaliação, mas sim como um contexto
político e social que tem regido e delineado Apesar de já estar claro no referido guia que
caminhos a esferas sociais importantes, dentre elas a textos com posicionamentos que firam os
escola brasileira.
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direitos humanos serão desclassificados do autodenomina como responsável pela


exame, o que em nossa leitura é algo avaliação da autoria. Assim como ocorre
louvável, ainda há a pressuposição de que nas demais competências, a 3 é introduzida
nem toda forma de relacionamento e/ou por uma sucinta explicação de seus critérios
interpretação do tema será acolhida pela de avaliação, seguida de uma tabela em que
banca avaliadora. simulações de pontuações são dadas, e de
A avaliação das formas com que o após uma rápida explicação do manual,
sujeito se relaciona e dialoga com uma justificando o que é preciso para atingir tal
determinada temática é, consequentemente, nota.
uma avaliação que ultrapassa as O texto da competência 3, assim
delimitações do texto e passa a julgar a como ocorre nas outras competências,
subjetividade de cada um. Dentro da evidencia a interlocução com o sujeito
circunstância avaliativa de proporção candidato, deixando claro que há uma voz
nacional que é o Enem, esse tipo de institucional discursiva que sabe que está
avaliação erradia um modus operandi de sendo recepcionada por um sujeito que tem
ser, que precisará se refletir no texto, para a intenção ou está prestes a fazer parte do
que o candidato seja considerado sistema de avaliação do Enem. É possível
competente nesse quesito ao paradigma do identificar tal aspecto diante de expressões
exame. como “em seu texto”, “a forma como você
Ainda, e pensando na autoria, seleciona, relaciona, organiza...” (BRASIL,
principalmente sob um viés dialógico de 2016, p 14), “você deve procurar atender às
observação, não é possível conceber que seguintes exigências” BRASIL, 2016, p.
nesta competência haverá acolhimento das 14), entre outros.
subjetividades e identidades diversas Ao destacarmos essa característica
refletidas no texto a respeito da temática do material na competência que, muito
proposta. Contrariamente, e para dar conta provavelmente, mais se aproxima da
do grande volume de redações que o Enem singularidade subjetiva do sujeito candidato,
recebe todos os anos, o sistema de avaliação temos a clareza de que há uma intenção para
de texto fica fadado a estipular uma além da descrição do sistema avaliativo,
identidade autoral pré-definida como alcançando um panorama que dita a forma
idealizada, o que beneficiará candidatos que na qual o texto precisa ser produzido aos
melhor dominem a repetição dessa que ainda farão o exame.
identidade. Podemos, entretanto, ser facilmente
Para dar ainda mais base a essa confrontados com o aspecto generalista das
primeira problematização da análise, exigências da competência 3, como é
podemos citar a divulgação dos textos nota possível observar em (BRASIL, 2016, p.
1000, na segunda parte do manual. Parece- 21).
nos, inclusive, estratégico ao sistema de • apresentação clara da tese e seleção
avaliação do Enem ditar suas expectativas dos argumentos que a sustentam;
não só textuais, mas também discursivas e • encadeamento das ideias, de modo
autorais, e expor textos ideais dentro dessa que cada parágrafo apresente
informações novas, coerentes com o
conjuntura. Tal proposta corrobora para a
que foi apresentado anteriormente, sem
implementação de uma noção fragmentada e repetições ou saltos temáticos;
cartesiana do processo de enunciação na • congruência entre as informações do
superfície do texto, fazendo com que esta texto e a realidade;
arena perca sua potencialidade dialógica e • precisão vocabular
se configure como área de silenciamento e Apesar da presença de aspectos
subserviência discursiva. comumente observados em avaliações de
Sigamos, então, para a estrutura texto em geral, precisamos retomar à
avaliativa da competência 3, que se lembrança que no mesmo manual há as
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redações nota 1000, que aparecem como Apresenta informações, fatos e


formatos prontos de textos que realizam opiniões não relacionados ao
0 ponto
essas exigências de uma maneira muito tema e sem defesa de um ponto
de vista.
específica, garantindo a nota máxima.
Fonte: Inep (2016).
Assim, detectamos como passível de
problematização a combinação quesito + Interessa-nos, aqui, destacar que em
molde, existente no manual, motivados momento algum do texto descritivo da
principalmente pela abrangência e competência 3 (Quadro 1) o termo “autoria”
influência do Enem na sociedade brasileira. foi mencionado, tampouco houve qualquer
Afinal, diante da obrigatoriedade de se atenção do manual em especificar o que se
produzir um texto, em um gênero que se considera como autoria (ou a falta dela).
repete todos os anos, e tendo ao alcance Mesmo assim, notamos que o termo aparece
modelos institucionalmente bem avaliados, na tabela da competência, sendo
qual seria o espaço da escrita como arena diretamente relacionado com a pontuação
tensa e dialógica na sociedade brasileira recebida.
contemporânea da “era Enem”? E qual seria Compete à análise proposta também
o espaço para uma enunciação autoral? evidenciar a expressão “ponto de vista”,
Por fim, chegamos ao quadro com presente nas quatro últimas pontuações,
simulações de notas que o candidato pode sendo apenas acrescida do termo “autoria”
obter na competência 3, com breves nas duas primeiras. Apreende-se dessa
descrições do que foi feito para que a nota organização que há na voz institucional do
tenha sido obtida. Estado uma delimitação clara do ponto de
vista com e sem autoria, apesar de não haver
Quadro 2: tabela de notas para a quaisquer explicações ao longo do material
competência 3 que evidenciem como se define essa cisão.
Apresenta informações, fatos e A falta de clareza explicitada no
opiniões relacionados ao tema
parágrafo anterior, quando levado em conta
proposto, de forma consistente e
200 pontos o lugar marginalizador que a voz do Estado
organizada, configurando
autoria, em defesa de um ponto pode atingir em suas diretrizes acerca da
de vista. produção textual, são encarados como
Apresenta informações, fatos e indícios de que a autoria no Enem está
opiniões relacionados ao tema, afastada de sua interface dialógica, uma vez
160 pontos de forma organizada, com que a falta de enunciados concretos que
indícios de autoria, em defesa de evidenciem suas nuances demanda do
um ponto de vista.
Apresenta informações, fatos e
candidato a repetição de propostas de escrita
opiniões relacionados ao tema, arbitrariamente definidas como apropriadas
limitados aos argumentos dos para essa avaliação.
120 pontos
textos motivadores e pouco Diante dessa circunstância,
organizados, em defesa de um evidenciamos que o manual não deixa claro
ponto de vista. em que ponto de vista sobre a autoria a
Apresenta informações, fatos e pontuação está baseada, o que parece
opiniões relacionados ao tema,
problemático, visto que o mesmo
mas desorganizados ou
80 pontos contraditórios e limitados aos documento se direciona a sujeitos que
argumentos dos textos precisarão se colocar como autores de seus
motivadores, em defesa de um textos. Pode-se constatar, todavia, que a
ponto de vista. presença de autores/redações nota 1000 no
Apresenta informações, fatos e mesmo manual é o que fornece indícios
opiniões pouco relacionados ao sobre que concepção de autoria o Estado
40 pontos
tema ou incoerentes e sem
demanda, construindo a ideia de que esse
defesa de um ponto de vista.
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processo é passível de repetição, destituindo possibilidade de que há uma percepção rasa


o sujeito dessa dinâmica com a linguagem. a respeito da autoria, ignorando sua
Focalizando a discussão nas duas existência como processo tenso e dialogal,
primeiras linhas da tabela, correspondentes como nos alertam Bakhtin e Foucault, para
à primeira e à segunda maiores notas da uma simplificação equacionada que coloca a
competência 3, em que o termo “autoria” é própria existência do sujeito em seu texto
mencionado, encaramos novamente o em xeque.
caráter fragmentado da produção de textos O último destaque dessa análise
para o Enem, que se reflete também em uma destina-se ao sujeito candidato, que, pela
visão cartesiana sobre o processo da autoria. boa realização da competência 3, se torna
Ao mencionar que a autoria se configura autor para o sistema de avaliação de texto
diante de determinadas atitudes, há uma do Enem. Não pretendemos, com isso,
proposta de caráter equacional do processo diminuir a potencialidade dialógica da
autoral. Parece-nos que a autoria no Enem autoria de cada um perante sua produção
acontece da seguinte forma: textual, mas sim questionar uma
pressuposição tão imediatista do “tornar-se”
Informações + fatos + opiniões = autoria autor para o sistema de avaliação de texto
do Enem, sistema este que pode também ser
Essa esquematização, por nós compreendido como um cronotopo
ilustrada, à qual a tabela faz alusão, e que institucional (BRAMBILA, 2018).
nos parece problemática do ponto de vista Como exemplo, os autores e textos
linguístico-discursivo, pois estamos nos nota 1000, expostos no manual de redação
referindo a um processo dialógico do sujeito do Enem, podem ser percebidos como
com a linguagem e com seu outro, deixa representações do que é ser autor para o
transparecer um retrocesso na relação com a Enem. Por terem atingido a nota máxima
linguagem, mostrando-se grave, visto que em todas as competências, inclusive a que
essa perspectiva precisará ser fortemente trata da autoria, os autores desses textos são
trabalhada no final do Ensino Médio, enunciados pelo sistema como detentores de
quando os estudantes já farão o Enem. uma autoria plena, integral, sistematizada
Na segunda linha, não se menciona como a união de informações, fatos e
uma autoria plena, completa, finalizada em opiniões.
si mesma, como parece na nota mais alta. Tal dado colabora com a
Fala-se agora de “indícios de autoria”, isto recuperação da própria noção de autor, em
é, de uma autoria aparentemente incompleta Foucault, principalmente no que toca sua
e que se difere da ideal pela falta de função. Os autores de redações nota 1000,
consistência, termo presente na primeira ao terem sua autoria consolidada e
linha e ausente na segunda. Tal panorama é certificada como completa pelo sistema de
problemático, pois pressupõe uma avaliação, são deslocados de seu contexto
realização subjetiva e autoral, que precisará de vida – visto que alguns desses autores
ser tanto bem traduzida pelo candidato no podem estar apenas completando sua
tempo-espaço que tem de realização da formação básica na escola regular –, para
prova de redação, quanto para o avaliador, tornarem-se balizas linguístico-discursivas
que precisará julgar se naquele tempo- do que é recomendado e do que precisa ser
espaço houve uma revelação consistente da retomado para que se entre nesse sistema.
autoria do sujeito que produziu aquele texto. Desse modo, a construção da
Certamente, podemos lidar tanto redação com autoria nota 1000 pode ser
com a hipótese de que há um contrassenso considerada um modelo de representação,
naquilo que a competência 3 estipula que que constitui um sujeito-autor bem definido,
deve ser alcançado em relação à autoria, repetível, para fora de suas relações
como também podemos levantar a dialógicas com a linguagem. A partir de tal
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circunstância, é facilmente possível que haja prova de redação do Enem é psicologicista,


certa deturpação da constituição autoral, no sentido proposto por
criando o imaginário de que ela se basta a Bakhtin/Volochínov (2011; 2012), indo na
tirar a nota máxima em uma prova de direção da ideologia meritocrática e,
redação. consequentemente, neoliberal. Os
Com isso, é possível constatarmos indivíduos que, praticamente sozinhos,
que os autores nota 1000, ao serem conseguirem se apropriar do modelo de
colocados em um manual de redação do autor proposto, merecem fazer parte do
Estado, ganham um estatuto de autores sistema, o que não dá qualquer garantia de
similar à concepção de autoria foucaultiana. que esse seja um sistema para todos.
Entretanto, esse estatuto se dá de maneira Ademais, constata-se aqui que há um
muito mais instantânea, o que beiraria a afastamento do processo de escrita como
uma autoria líquida, em uma sociedade que interação humana, tensa e dialógica, para
assim também é (BAUMAN, [1999] 2001), dar lugar a uma instrumentalização do ato
o que nos leva à reflexão de que a tensão de escrever, aproximando-o de uma
discursiva do sujeito com seu texto tem combinação repetida de registros.
perdido força para que necessidades Tal reflexão acerca do (não) lugar da
aparentemente emergenciais, como tirar autoria na produção de textos para o Enem
uma boa nota no Enem, se concretizem. mostra-se também preocupante pelo caráter
decisivo que o exame tem na vida de jovens
de todo o território nacional. Atrelada a um
5 CONCLUSÕES caráter redentorista, em uma sociedade que
se segrega socialmente também pela
Apropriando-nos das reflexões já
presença/ausência de diploma universitário,
tecidas no decorrer do texto, pontuamos
a prova de redação do Enem carrega um
algumas observações que tocam não apenas
discurso institucional de que a subserviência
o lugar da autoria na produção de textos
textual, discursiva e ideológica a uma
para o Enem, mas também na sociedade
produção de textos específica garantirá a
brasileira contemporânea.
entrada em uma universidade pública e,
A autoria para a redação do Enem,
consequentemente, uma mudança de vida.
diante do estudo dialógico da tabela de
Diante de tal oferta, parece-nos claro que
competências, nos é apresentada como uma
questões da ordem da subjetividade serão
combinação de habilidades específicas que,
sublimadas para que a urgência da
se repetidas, garantem ao candidato o
aprovação seja alcançada.
sucesso no ingresso em uma universidade.
Trazendo a questão para um nível
Em outras palavras, haverá uma consciência
macro de discussão podemos, também,
dualista: a de “autoria certa” e a de “autoria
enxergar que essa nova perspectiva em
errada”, visto que tal processo é explicado
torno da autoria também afeta a relação que
de maneira cartesiana como resultado
o sujeito tem com seu fazer textual e autoral
configurado da soma de informações, fatos
em outros âmbitos de escrita. Isso nos é
e opiniões.
claramente visualizado com a realidade de
O que nos parece preocupante na
escolas públicas e particulares que, no
perspectiva percebida é um fazer autoral
Ensino Médio, se veem obrigadas a
que não necessariamente se atrela à
focalizar sua prática com a área da
subjetividade do candidato que se coloca a
linguagem pensando na redação do Enem,
escrever. Há uma subjetividade subjacente,
sempre na tentativa de conseguir em seu
individual, próxima da ideia cognoscente do
curto tempo-espaço, moldar autores ao
ser. Pela análise, não se torna possível
estilo do exame que se encaixem nesse
encarar uma perspectiva de sujeito
sistema.
dialógico, social e histórico e dialético. Por
isso, a base da proposta de avaliação da
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Ainda, e como consequência da mais um diálogo a uma área de investigação


realidade trazida no parágrafo anterior, o tão densa como os estudos da avaliação
ensino-aprendizagem de textos e a interação textual, em especial a da redação do Enem.
com gêneros discursivos na esfera escolar Percebe-se, com isso, que inúmeras
passam a ser cada vez mais afunilados, questões e problematizações de ordem
especificando tarefas e não necessariamente textual, discursiva e sociológica podem
propiciando interações dialógicas e emergir desse campo, cabendo a nós,
significativas na e pela linguagem. enquanto sociedade, debatermos tais temas
Portanto, este trabalho buscou, ao em todas as esferas, inclusiva a dos estudos
longo de seu desenvolvimento, adicionar da linguagem.

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