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Dados do acórdão

Classe: Apelação Cível


Processo: 2005.036539-6
Relator: Domingos Paludo
Data: 2009-11-24

Apelação Cível n. , da Capital

Relator: Des. Domingos Paludo

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E


VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. ATRASO
NA ENTREGA DA OBRA. DEVER DE INDENIZAR PERDAS E DANOS.
ALUGUERES. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. IPTU E TAXAS
CONDOMINAIS DE RESPONSBILIDADE DO ADQUIRENTE APÓS A IMISSÃO
NA POSSE. RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. , da comarca da Capital


(2ª Vara Cível), em que é apelante Cota Empreendimentos Imobiliários Ltda., e
apelados Edisom Luiz Martini e outro:

ACORDAM, em Câmara Especial Temporária de Direito Civil, por votação unânime,


conhecer e negar provimento ao recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Edisom Luiz Martini e Cristina Maris de Melo Martini ajuizaram ação de indenização
por perdas e danos em desfavor de Cota - Empreendimentos Imobiliários Ltda..

Pontuaram que consta no contrato particular de compromisso de compra e venda de


imóvel em construção prazo previsto para conclusão das obras como outubro de 1997;
somente em novembro de 1998 houve a entrega das chaves, mediante a assinatura do
termo aditivo ao contrato celebrado com confissão de dívida e ratificação; devido à
demora na entrega do imóvel, deixaram de auferir rendas mensais de 1º de novembro de
1997 a 03 de outubro de 1998, mas arcaram com as taxas de condomínio e impostos de
IPTU, frisando que tal tributo foi emitido em nome da empreendedora.

Requereram o pagamento da indenização por perdas e danos consistente em aluguéis


mensais devidos de novembro de 1997 a outubro de 1998, cada um na quantia mensal
de R$ 800,00, bem como devolução corrigida de todos os valores por eles pagos - taxas
de condomínio e IPTU.

Citada, a ré respondeu que a conclusão da obra era para outubro de 1997, requereu a
improcedência dos pedidos porque em 03.04.97 cientificou aos autores a contratação de
empréstimo junto ao Banco Itaú, que deveriam ter efetuado o pagamento da "parcela
final do preço" consoante o estipulado na cláusula oitava do contrato; os autores
receberam correspondência que informava a data de entrega do prédio, o que resultava
no condicionamento à regularização para efetivar a entrega, e somente em julho de 1998
apresentaram ao Banco Itaú a documentação exigida para formalizar o financiamento e
a entrega das chaves realizou-se em novembro de 1998 (fls. 33-42).
Houve réplica à contestação (fls. 63-67).

Sobreveio a sentença na lavra da Juíza Denise Volpato, porque devidamente instruído,


julgou antecipadamente a lide e deferiu parcialmente o pedido inicial para condenar a
construtora no pagamento de indenização por perdas e danos no valor de R$ 8.000,00
(correspondente a dez meses de aluguéis), acrescida de juros legais e correção
monetária desde a data da citação; e restituir todos os valores pagos a título de IPTU e
condomínio anteriores à imissão na posse do imóvel, devidamente atualizados pelos
índices legais a partir de cada desembolso; e fixou os honorários advocatícios em 20%
sobre o valor da condenação (fls. 74-85).

Com o intuito de reformar a sentença, Cota - Empreendimentos Imobiliário Ltda.


interpôs apelação alegando que a entrega do imóvel somente se deu em novembro de
1998 porque os autores não formalizaram e tampouco concluíram as obrigações que
lhes competia para o recebimento das chaves; alegou que o termo aditivo a
compromisso de compra e venda de imóvel com confissão de dívida e ratificação
firmado entre as partes, em outubro de 1998, fixou esta data para entregar as chaves, o
que modificou as disposições constantes no contrato original; asseverou que a obrigação
de restituir os encargos tributários é de quem os recebeu, ressaltando que a cláusula
décima quarta do contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel em
construção, ratificado pelo termo aditivo, estabelecia que tais obrigações eram
exclusivas dos compradores; por fim, requer que os ônus da sucumbência, despesas e
custas processuais sejam suportadas pelos apelados (fls.91-101).

Transcorreu in albis o prazo para apresentação das contrarrazões.

Ascenderam os autos a este egrégio Tribunal de Justiça.

É o relatório.

VOTO

O recurso é próprio e tempestivo, presentes os requisitos de admissibilidade, merece ser


conhecido.

A existência do contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel em


construção (08-17) é incontroversa e cabe ressaltar que a matéria aqui versada rege-se
também pela sistemática preceituada pelo Código de Defesa do Consumidor, em
especial o disposto no art. 3º, in verbis :

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou


estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Dessarte, as teses aventadas no apelo serão analisadas à luz das normas e princípios
insertos no CDC.
A data estimada para a conclusão da obra, constante no item 9 do contrato, é o "mês de
outubro de 1997", ou seja, idêntica aquela para ser efetuado o financiamento, conforme
extrai-se das cláusulas contratuais oitava e nona:

Cláusula Oitava: O COMPRADOR pagará, ainda, como parte de preço, a parcela


indicada no campo "8.3" do Quadro de Informações, designada "PARCELA FINAL DO
PREÇO" através de financiamento a ser obtido junto a entidade do Sistema Brasileiro
de Poupança e Empréstimo, na data que consta do mesmo campo.

Cláusula Nona: Se não for obtido financiamento através do Sistema Brasileiro de


Poupança e Empréstimo, o COMPRADOR pagará a parcela mencionada no campo
"8.3" do Quadro de Informações, em 42 (quarenta duas) prestações mensais de valor
inicial igual, vencendo-se a primeira 30 dias após a data prevista para a formalização do
financiamento e as demais, mensalmente, na mesma data.

Acerca do financiamento, o referido contrato estabelece em seu item 8.3:

8.3. PARCELA A SER FINANCIADA PELO SBPE OU PELA VENDEDORA

R$48.960,00 (Quarenta e oito mil e novecentos e sessenta reais.)

Esta parcela será reajustada a partir desta data e até a data estabelecida para a
formalização do financiamento de acordo com a variação mensal e acumulativa do
CUB-CUSTO UNITÁRIO BÁSICO MÉDIO divulgado pelo
SINDUSCON/FLORIANÓPOLIS.

O financiamento deverá ser feito em 06/10/1.997 .

(sem grifo no original)

O financiamento efetuado pela construtura operou-se em fevereiro de 1997 (fl. 43),


porquanto, em desacordo com o previsto no item 8.3 acima transcrito.

Emerge dos autos que a entrega do apartamento n. 1102 e vaga de garagem n. 35


localizados no Edifício Solar de Cadiz prevista para o mês de outubro de 1997 somente
se realizou em 03 de novembro de 1998, após a assinatura do termo aditivo ao contrato
particular de compromisso de compra e venda, porquanto em data muito além daquela
acordada.

O atraso na entrega do imóvel objeto do contrato avençado caracteriza-se como lesivo


ao consumidor que estabeleceu legítima expectativa de receber o produto adquirido e
auferir rendimentos ou usufruí-lo.

O contrato celebrado entre as partes foi firmado sob a égide do Código Civil de 1916 e
de acordo com o seu art. 1.092, que consagra o princípio "exceptio non adimpleti
contractus", os autores não estavam obrigados a pagar a "parcela final do preço"
prevista na cláusula oitava do "compromisso de compra e venda de imóvel em
construção".

Maria Helena Diniz, ao comentar o art. 1.092 do CC/16, elucida que:


[...] a exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao
contrato bilateral. Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações
sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contraentes poderá, antes
de cumprir sua obrigação, exigir o implemento da do outro. ( Código Civil Anotado .
São Paulo: Saraiva, 1995. p. 703).

A previsão de conclusão da obra para o mês de outubro de 1997 está expressamente


estampada no contrato e o seu descumprimento gerou a obrigação da promitente-
vendedora de indenizar os compromissários-compradores, haja vista ser incontroverso
que os adquirentes pagavam as prestações regularmente.

Sabe-se que no contrato de compra e venda o promitente vendedor deve cumprir a


obrigação que assumiu e o "descumprimento da obrigação de consentir na conclusão do
contrato definitivo sujeita o inadimplente ao pagamento de perdas e danos". (GOMES,
Orlando. Contratos . 26. ed. rev. atual e aum. de acordo com o Código Civil de 2002.
Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 288).

A propósito, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Compra e venda de imóvel.


Rescisão do contrato. Culpa da incorporada. Perdas e danos.

1. Cabe a indenização "pelo descumprimento do prazo acertado para a entrega de


imóvel, objeto de compromisso de compra e venda" (REsp nº 320.417/RJ, Quarta
Turma, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 20/5/02). No caso
presente, caracterizado o descumprimento do contrato por parte do incorporador, devida
a indenização.

2. Agravo regimental desprovido"(AgRg no Ag n. 523139/RJ, Min. Carlos Alberto


Menezes Direito, j. 03.06.2004).

A imissão na posse se deu somente em novembro de 1998 porque os apelados firmaram


o termo aditivo com confissão de dívida e ratificação das fls. 18-21, em outubro de
1998, evidenciando o prejuízo aos compradores que deixaram de usufruir do imóvel
desde a data prevista para a entrega da unidade (outubro de 1997).

O caso em tela enquadra-se aos arts. 1056 e 1059 do CC/16, senão veja-se:

Art. 1.056. Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no


tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos.

Art. 1.059 . Salvo as exceções previstas neste Código, de modo expresso, as perdas e
danos devidos ao credor, abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que
razoavelmente deixou de lucrar.

Parágrafo único. O devedor, porém, que não pagou no tempo e forma devidos, só
responde pelos lucros, que foram ou podiam ser previstos na data da obrigação.
Nesse liame, é prudente que o ressarcimento a título de indenização por perdas e danos
abranja apenas o período em que os apelados deixaram de auferir possíveis lucros como
aluguéis, por exemplo.

Nesse passo, adota-se a bem lançada fundamentação exposta pela Magistrada Denise
Volpato, que muito bem explica o período a ser indenizado, ipsis litteris :

Contudo, os requerentes providenciaram somente em julho/98 a entrega dos


documentos necessários ao pedido de financiamento junto ao banco Itaú para
pagamento da "parcela final do preço", ou seja, dois (02) meses após a efetiva entrega
da obra (maio/1.998).

Desta forma, há que se reconhecer o direito à indenização por perdas e danos, no valor
equivalente a dez (10) meses, correspondente ao período de novembro/97 a maio/98 e
agosto/98 a outubro/98, tendo em vista a reconhecida concorrência de culpa dos
requerentes no atraso em dois (02) meses após a entrega da obra, para fornecimento da
documentação ao banco Itaú. (fl. 82).

No que se refere às parcelas a serem indenizadas pela construtora, não se diverge da


sentença lavrada em primeiro grau também, que as entendeu como devidas de
novembro de 1997 a maio de 1998 e de agosto a outubro de 1998, equivalentes a 10
meses.

Quanto ao montante a ser indenizado, vê-se que a apelante não impugnou os valores
apresentados pelos apelados para o ressarcimento, consistentes em aluguéis que
deixaram de receber com o imóvel por não lhes ser entregue no prazo estabelecido.

Os apelados apresentaram três avaliações de corretores de imóveis inscritos no CRECI


(fls. VER), indicando o menor valor a ser cobrado para o cálculo da indenização,
correspondendo ao aluguel mensal de R$ 800,00.

Acerca da cobrança de aluguéis, é a jurisprudência pátria:

CIVIL. PROCESSO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA


ENTREGA DO IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. CONDENAÇÃO AO
PAGAMENTO DE ALUGUERES. LEGALIDADE. [...] A condenação aos alugueres
não está atrelada à eventualidade de uma locação por parte do adquirente, mas sim ao
simples fato de este não ter a posse dos bem, pelo período em que teria direito. Apelo
conhecido e não provido. (TJDFT - AC 20030610059618, Desª. Ana Maria Duarte
Amarante Brito, j. em 02.07.2008).

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - RESCISÃO CONTRATUAL C.C.


DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS - Mora da compromissária vendedora
caracterizada (atraso na entrega da unidade compromissada à venda) - Culpa da apelante
pela rescisão da avença - Alegação de força maior, em razão de exigências
supervenientes da prefeitura de São Vicente/SP para finalizar a obra, não reúne o
condão de afastar o pleito de restituição dos valores recebidos do apelado - Inocorrência
da hipótese prevista no artigo 1.058 do Código Civil de 1916 (então vigente) - Pedido
de indenização, por perdas com aluguéis correspondente ao tempo de atraso, diante da
mora da vendedora - Sentença mantida - Recurso improvido. (TJRS - AC 1981484000,
Des. Salles Rossi, j. em 29.04.2009).

Este egrégio Tribunal de Justiça não destoa:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO


CONTRATUAL C/C PERDAS E DANOS E DANO MORAL. PROMITENTE
VENDEDORA DO IMÓVEL QUE ATRASA O TÉRMINO DAS OBRAS.
DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. MORA DA EMPRESA CONSTRUTORA
CONFIGURADA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO A TÍTULO DE PERDAS E
DANOS. DESPESAS COM ALUGUEL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANOS
MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA
CORRETAMENTE APLICADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 21 DO CÂNONE
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO IMPROVIDO. (AC
, Des. Carlos Adilson Silva, j. em 28.09.2009).

Logo, aos apelados assiste o direito aos lucros cessantes, tendo em vista que, com o
atraso na entrega dos imóveis, deixaram de usufruir o bem, devendo receber a quantia
equivalente aos alugueres mensais, equivalentes a 10 meses, totalizando a quantia de R$
8.000,00.

A apelante também se insurge contra a obrigação de restituir os encargos tributários, ao


argumento de que a obrigação é devida por quem os recebeu.

Como bem ressaltado pela Juíza Singular, o art. 34 do CTN, que trata do imposto sobre
a propriedade predial e territorial urbana - IPTU, classifica como contribuinte do
imposto "o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a
qualquer título" e "segundo a Cláusula Sexta, os requerentes foram imitidos na posse do
imóvel na data da celebração do Termo Aditivo, ou seja, em 30/10/98. Portanto, são
devedores do IPTU e das taxas de condomínio, tão-somente, a partir de 30/10/98".

Nesse diapasão:

Nos termos dos arts. 32 e 34, do Código Tributário Nacional, o sujeito passivo do
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é o proprietário do imóvel, ou o titular do
seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título, motivo pelo qual o promitente
vendedor em nome de quem o terreno se encontra registrado no Cartório Imobiliário
responde pelo débito tributário que sobre ele recaiu, ainda que a posse do imóvel já
esteja em mãos do promitente comprador. Efetivamente, "a existência de possuidor apto
a ser considerado contribuinte do IPTU não implica a exclusão automática, do polo
passivo da obrigação tributária, do titular do domínio (assim entendido aquele que tem a
propriedade registrada no Registro de Imóveis)." (REsp 1028389/RJ, Rel. Min. LUIZ
FUX, j. 04.11.2008, DJe 01.12.2008). (AC , Des. Jaime Ramos, j. em 04.06.2009).

Não há imputar aos apelados a condição de sujeito passivo dos tributos por eles
quitados, no período de outubro de 1997 a outubro de 1998, eis que nesse período
(época do lançamento) a apelante era a detentora/proprietária da coisa.

Por fim, cabe à apelante arcar com os ônus da sucumbência, despesas e custas
processuais nos termos estabelecidos na sentença.
Portanto, o atraso na entrega da obra gerou o dever de a apelante indenizar os apelados
em perdas e danos, correspondendo aos alugueres que deixaram de auferir pelo simples
fato de não terem a posse do imóvel. Outrossim, a construtora deve ressarcir os valores
pagos referentes ao imposto de propriedade territorial urbana (IPTU) e taxas de
condomínios, uma vez que a propriedade do bem era da recorrida, nos termos do art. 34
do CTN, bem como os ônus da sucumbência, despesas e custas processuais devem ser
suportados pela empreiteira.

Diante do exposto, deve-se conhecer da apelação para negar-lhe provimento.

É como voto.

DECISÃO

Ante o exposto, esta Câmara Especial Temporária de Direito Civil, de acordo com o
voto do Relator, resolve conhecer o recurso e negar-lhe provimento.

O julgamento, realizado no dia 9 de novembro de 2009, foi presidido pelo


Desembargador Luiz Cézar Medeiros, com voto, e dele participou o Desembargador
Jânio Machado.

Florianópolis, 09 de novembro de 2009.

Domingos Paludo

Relator

Gabinete Des. Domingos Paludo

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