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Aula 2º

Excepcionalidade, deficiência
ou pessoas com necessidades
especiais?

Depois de conhecermos as concepções do desenvolvimento


e aprendizagem, podemos agora, investigar o universo da
inclusão, mas antes de entrarmos diretamente no tema,
precisamos estudar os conceitos relacionados ao atendimento
das pessoas com deficiência, como exatamente devemos
chamá-las? O que significa cada termo? O que seria mais
adequado, excepcionais, deficientes, pessoas com deficiências,
portadores de necessidades especiais? Enfim, existe uma
vasta terminologia, vamos estudá-las!
Figura 10: Pessoas com deficiências.
Fonte: http://4.bp.blogspot.com.2012.

Boa aula!

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Educação Especial e Escola Inclusiva

mais difícil negar a política e a organização


Objetivos de aprendizagem que as diferenças vem assumindo,
ultimamente, tanto nos países avançados
Ao término desta aula, vocês serão capazes de: quanto no chamados subdesenvolvidos
(FERREIRA, 2003, p. 39)

• refletir sobre as diferenças;


É visível o desenvolvimento da sociedade para a
• compreender o processo histórico e a evolução
aceitação das diferenças, diante de tanta diversidade como:
dos termos relacionados às pessoas com deficiência;
etnia, cor, classe social, fica impossível ser indiferente.
• identificar qual terminologia seria mais
adequada a ser utilizada no modelo de inclusão.
Por que há tanto interesse na igualdade? As escolas, por
exemplo, padronizam os estudantes ao usarem o mesmo
instrumento de avaliação. O que está por traz disso?
Seções de estudo

1 − Diferença ou igualdade? Do mesmo modo, considerar a diferença


2 − Excepcionalidade e deficiência também pode ser um risco. Enfatizar as diferenças
pode trazer prejuízos, pois é possível que haja
a estigmatização da pessoa, que, por isso, vez
pode ser barrada em empregos, escolas e outras
1 – Diferença ou igualdade? oportunidades na sociedade. De toda forma,
será que se tratarmos de maneira semelhante os
Ser diferente é um risco de qualquer maneira diferentes poderíamos nos tornar insensíveis as
(FERREIRA, 2003 p.40). essas diferenças? E assim também estigmatizá-los.
Em ambos os casos existem riscos (PIERUCCI,
1999 apud FERREIRA, 2003).
Antes de abordamos os conceitos de excepcionalidade
e deficiência, falaremos um pouco sobre igualdade e
desigualdade. Assunto muito discutido nos dias atuais.
Para Refletir
Vamos refletir!! Você alguma vez já se sentiu diferente?
Segundo Ferreira (2003), a questão gira em torno Como se comporta diante da diversidade ou diferença do outro?
de: todos são iguais ou diferentes? Nesse sentido,
diante das leis de Deus e do próprio homem a resposta
seria que todos são considerados iguais. A ideia de Entraremos a seguir na discussão sobre a
igualdade surge então com o cristianismo, pois na evolução do conceito de deficiência.
antiguidade clássica a desigualdade não era encarada
como um problema, não gerava questionamentos.
Dessa forma, a ideia cristã de igualdade perante 2 − Excepcionalidade e deficiência
Deus foi aperfeiçoada e transmitida como igualdade
perante a lei e assim todos os seres são iguais com os
mesmos direitos e deveres.

Para Refletir
Qual é a sua opinião? Somos iguais ou diferentes?

No que diz respeito à discussão sobre


igualdade, diferença, desigualdade e Figura 11: Corcunda de Notre Dame
Fonte: http://blogs.diariodepernambuco.com.br. 2012.
diversidade, percebe-se que é cada vez

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Após discutimos alguns aspectos da educação e Segundo o mesmo autor, o Renascimento
seu processo de ensino-aprendizagem e abordamos foi uma época de perspectivas humanistas para o
as dificuldades em considerar as diferenças, teremos portador de deficiências, pois era visto de maneira
agora um momento para refletirmos acerca das mais natural, no entanto, não mais aceitável.
deficiências, excepcionalidades ou, ainda, pessoas Esse pensamento marcado por preconceitos,
com necessidades educacionais especiais. desvalorização e por incapacidades, durou até o
advento da ciência no século XVIII e permaneceu
Segundo a Organização Mundial de Saúde,
até o século XX.
o termo Deficiência trata-se da ausência ou a
Na atualidade, os acontecimentos apontam para
disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou
uma crescente evolução do conceito de deficiência,
anatómica, inserida na biologia da pessoa. Dessa assim como das condições das pessoas com
forma, o termo pessoa com deficiência refere-se deficiência, tratando-se dos direitos, necessidades
a qualquer pessoa que possua uma deficiência. É de inserção e de integração.
preciso observar, pois em contextos legais o termo
pessoas com deficiências é utilizado de forma mais
restrita, estando sob o amparo da lei.
Olá pessoal, estão acompanhando???
Ao longo dos séculos, a forma concebida de
Parece que as atitudes e pensamentos em relação às
deficiência vem sofrendo alterações estruturais,
deficiências começam a mudar a partir do final do século XX,
assim como a forma de a sociedade lidar com os
entrando no século XXI com atitudes mais positivas e proativas.
portadores de tal deficiência.

Olá, Pessoal! A seguir faremos uma Vizin (1997), em seu histórico sobre deficiência,
retomada desde a antiguidade, para mostra que o termo está carregado de negatividade
percebermos esta transformação e foi construído por meio de práticas sociais de
que vem acontecendo tanto na exclusão. O que se torna evidente é a visão de algo
terminologia aplicada quando aos
incompleto, ineficiente, deficiente, não funcional
preconceitos e atitudes referentes
dentro dos parâmetros legítimos da sociedade.
as pessoas com deficiências.
Dando continuidade, a autora coloca que a
ideologia cristã defendeu que essas pessoas, apesar de
Na Grécia antiga, a perfeição do corpo era deficientes, eram consideradas humanas, impedindo
algo extremamente cultuado. Os portadores de assim a prática de eliminação dos deficientes vivos.
deficiência eram sacrificados ou escondidos. Em
Eram amparadas pela igreja em troca de serviços
Roma, eram levados a participar de purificações,
braçais, ou eram torturadas e condenadas nos tribunais
para livrá-los dos seus maus desígnios. Na idade
média, somente os portadores de deficiência da Santa Inquisição. Um exemplo clássico é retratado
eram considerados loucos, criminosos ou, ainda, na história do “Corcunda de Notre Dame”.
possuídos por demônios. Eram, portanto, excluídos
e afastados do convívio social ou até mesmo
sacrificados em alguns momentos. Santo Agostinho
(354-430 d.C.) atribuía à deficiência mental a culpa,
punição e expiação dos antepassados pelos pecados
cometidos. São Tomás de Aquino, seis séculos mais
tarde, considerou a deficiência como uma espécie de
demência natural e não absolutamente um pecado.
Tanto na antiguidade quanto na idade média, os
portadores de deficiências eram vistos de formas
Figura 12: Corcunda de Notre Dame
distintas, ora eram sacrificados, como um mal a ser Fonte: http://blogs.diariodepernambuco.com.br. 2012.
evitado, perseguidos e evitados como possuídos
pelos demônios, ora privilegiados, como detentores
de poderes, protegidos e isolados como insanos e Na imagem acima podemos observar o menino
indefesos ou ainda lamentados, como reparadores com deficiência e sua autoridade com a feição um
de pecados cometidos contra Deus (VIZIN, 1997). tanto hostil!
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Diante do exposto, é possível perceber que o


Curiosidade termo deficiente é considerado impróprio, pois
Pode parece estranho e inacreditável, mas a imagem
levar consigo uma carga negativa, o que pode
demoníaca sobre a deficiência se faz presente nos dias
gerar ou levar ao preconceito. Não podemos
atuais, conduzindo famílias a benzimentos e exorcização na
considerar as pessoas por parte, é preciso vê-las
busca de cura ou ainda pelo sentimento de castigo divino.
como um todo. O fato de ser ou ter dificuldades
ou comprometimentos para executar determinadas
tarefas não as impede de realizar outras. Se pararmos
Importante frizar
para pensar, todos nós somos deficientes em
É possível observar que o conceito tem avançando por
algo, ninguém é possivelmente perfeito ou possui
meio de estudos da ciência moderna, dando agora uma
visão, mais naturalista e pedagógica. Nesse processo, a
habilidades em diversas tarefas.
deficiência deixa de ser entendida como lesões irreversíveis Fica difícil, então, consideramos uma pessoa
e passa a ser considerada uma carência de experiências como deficiente. O que devemos é ver as pessoas
sensoriais ou motoras. O termo excepcionalidade está mais como capazes de superação. Contud, é sabido
especificamente relacionado à deficiência mental, contudo que existem pessoas com deficiências um pouco
não muito utilizado. mais acentuadas em determinados aspectos, como
Na verdade, definir saúde e doença, normalidade e aquelas que necessitam de cadeiras de rodas ou que
patologia são tarefas difíceis, pois perpassa o âmbito tenham deficiência auditiva, visual, mental, entre
da subjetividade, através de construções sociais, a outras. Estas, geralmente precisam de atendimento
partir de interesses políticos, entre outros. O que gera especializado, seja para fins terapêuticos, como
mais tarde o preconceito. fisioterapia ou estimulação motora, seja para que
possam aprender a lidar com a deficiência e a
desenvolver as potencialidades. Mas isso não quer
Conceito dizer que não possam compartilhar e desempenhar
A subjetividade é a forma não objetiva ou concreta de tarefas úteis ao convívio social.
pensar, sentir e perceber, ou seja, é a forma emocional e
peculiar de cada ser interpretar os acontecimentos externos
e internalizá-los a sua maneira (BOCK, 2004).

Para Refletir
E você, por onde andam seus preconceitos? O que você está
sentindo em relação a toda essa evolução da deficiência?

Entre as décadas de 60 e 80, muitas terminologias


foram aplicadas a fim de tentar esclarecer a
diversidade, vejamos algumas delas: indivíduos
“defeituosos”, “deficientes” ou “excepcionais”.
Nesse período, a sociedade não se direcionou para Figura 12: Criança com deficiência física.
Fonte: <http://2.bp.blogspot.com>.2012.
a ausência de qualquer capacidade mental ou física
das pessoas. Passando para os anos 90 o termo Ao abordar o legado da história, explicando
que mais se utilizou foi: pessoas portadoras de através da mitologia, da religiosidade e da
deficiências, passando a atribuir à deficiência um supersticiosidade, alguns aspectos se destacam,
valor agregado à pessoa. Dessa forma, substituiu-se ou melhor, ideias e sentimentos que marcaram
o termo deficiência por “necessidade”, contudo este profundamente a consciência coletiva, gravados na
também foi eliminado. E, na atualidade, o termo psique humana, através de inúmeras e sucessivas
aplicado é pessoas com deficiência dando lhes o vivências do homem em relação à deficiência. Tal
aumento da autonomia na tomada de decisões legado, que traz a discriminação como fardo social,
e aumento das responsabilidades no sentido de reflete no imaginário coletivo que se forma sobre
favorecer a inclusão (ZAVAREZSI, 2009). a concepção de corpo ideal, corpo novo, desejado,

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belo, forte, produtivo, com profunda repercussão Mais louco é quem me diz
em leis e na educação das pessoas, de uma maneira E não é feliz, não é feliz
geral (FERREIRA, 2003, p. 49)
O contexto vem sendo discutido ao longo da Eu juro que é melhor
história e na atualidade se torna emergente. Não ser um normal
Com a Declaração de Salamanca (1994, Se eu posso pensar
UNESCO), surgiu o termo necessidades educativas Que Deus sou eu
especiais, que veio a substituir o termo criança
especial, anteriormente utilizado em educação para Se eles têm três carros
designar a criança com deficiência. Porém, esse novo Eu posso voar
termo não se refere apenas à pessoa com deficiência, Se eles rezam muito, eu sou santa
pois engloba toda e qualquer necessidade considerada Eu já estou no céu
atípica e que demande algum tipo de abordagem Mais louco é quem me diz
específica por parte das instituições, seja de ordem E não é feliz, não é feliz
comportamental, seja social, física, emocional ou
familiar. Aqui são consideradas também as dificuldades Eu juro que é melhor
de aprendizagem ou, ainda, as crianças chamadas de Não ser um normal
superdotadas, as que apresentam problemas de conduta Se eu posso pensar
e de ordem emocional. (WIKIPÉDIA, 2012 ) Que Deus sou eu

É importante entender que jamais houve Sim, sou muito louca


ou haverá um único termo correto
válido definitivamente em todos os
Não vou me curar
tempos e espaços, ou seja, latitudinal Já não sou a única
e longitudinalmente. A razão disso Que encontrou a paz
reside no fato de que a cada época são Mais louco é quem me diz
utilizados termos cujo significado seja
compatível com os valores vigentes em
E não é feliz
cada sociedade enquanto esta evolui Eu sou feliz !
em seu relacionamento com pessoas
que possuem este ou aquele tipo de
deficiência (SASAKI, 2005, p.12).
Retomando a aula
A partir da Declaração de Salamanca, dentre
outros documentos importantes, a sociedade
concentra-se no trabalho especializado e inclusivo Chegamos, assim, ao final da segunda aula. É
com crianças que apresentem necessidades educativas importante que o conceito de deficiência e a
especiais. É o que veremos nas próximas aulas. aplicabilidade do mesmo tenham ficado claros.
É preciso recordar que: Com a Declaração
Texto complementar: música de Rita Lee,
de Salamanca, (1994) (UNESCO), surgiu o
que retrata um pouco, a realidade de ser diferente.
termo necessidades educativas especiais,
que veio a substituir o termo criança especial,
Balada do Louco anteriormente utilizado em educação para
Dizem que sou louca designar a criança com deficiência.
Por pensar assim
Se eu sou muito louca
1 – Diferença ou igualdade?
Por eu ser feliz
É importante salientar o que é ser igual ou
Mais louco é quem me diz
diferente. Pois, em uma sociedade na qual se
E não é feliz, não é feliz estabelece padrões de beleza, comportamento,
fica difícil harmonizar tais conceitos. A grande
Se eles são bonitos questão, aqui, é que estes pontos perpassam pela
Eu sou a Sharon Stone subjetividade. Assim, o que pode ser diferente pra
Se eles são famosos você pode ser igual pra mim. Desta forma, é preciso
I’’m a Rolling Stone tratar diferente para tratar com igualdade.
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Educação Especial e Escola Inclusiva

2 – Excepcionalidade e deficiência
Tenha em mente qual é o conceito de deficiência, Vale a pena assistir
e toda a sua trajetória. Para fixar, apresento novamente
o conceito pela OMS. “Deficiência é a ausência ou
• O corcunda de Notre Dame, 300 e Borboletas de
a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou
anatómica, inserida na biologia da pessoa”. Zagorsk. <http://www.youtube.com/watch?v=bA_
Portadores de necessidades especiais segundo a GMtqUGeQ>.
Declaração de Salamanca
A declaração de Salamanca não se remete
exatamente às pessoas com deficiências. Ela
coloca a importância das necessidades educativas
especiais e estas se relacionam também as altas
habilidades, dificuldades de aprendizagem e
déficit de atenção e hiperatividade.

Vale a pena

Vale a pena ler

SASSAKI, R.K. Como chamar as pessoas com


deficiência. São Paulo: Cortez, 2005.
ZAVAREZE, T. E. (2009). A construção histórico
cultural da deficiência e as dificuldades atuais na promoção
da inclusão. Disponível em: <www.psicologia.com.
pt>. Acesso: 2012.
MACIEL.R.,C. Portadores de deficiência a questão
da inclusão social. São Paulo em perspectiva. v.14, n.2,
2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
spp/v14n2/9788.pdf>. Acesso em fev. 2012.
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/
pdf/aee_da.pdf>. Formação Continuada a Distância
de Professores para o Atendimento Educacional
Especializado/ Pessoa com Surdez.
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/
pdf/aee_df.pdf>. Formação Continuada a Distância
de Professores para o Atendimento Educacional
Especializado/ Deficiência física.
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/
pdf/aee_dm.pdf>. Formação Continuada a Distância
de Professores para o Atendimento Educacional
Especializado/ Deficiência mental.
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/
pdf/aee_dv.pdf>. Formação Continuada a Distância
de Professores para o Atendimento Educacional
Especializado/Deficiência visual.

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