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D h a r m a : a Ba se da Vida H u m a n a

Sw a m i Pa r a t pa r a n a n da

( * ) Pu blica do na e diçã o de N ov/ D e z de 1 9 8 4 da r e vist a “Ve da n t a Ke sa r i”

( Cedo ou t arde o hom em descobre que os prazeres que os sent idos


t razem a ele são ext rem am ent e t ransient es e at é cont ra- produt ivos. É o
Dharm a que o coloca em cont at o com o m undo supra- sensório da
Realidade e o eleva da exist ência do brut o para a vida Divina. Swam i
Parat parananda, dirigent e do Ram akrishna Ashram a, Argent ina 1 e um ex-
edit or da “ Ve da n t a Ke sa r i” 2 , explica com o Sri Ram akrishna enfat iza que
o principal ingredient e do Dharm a ou disciplina religiosa é a renúncia –
ext erna, se possível, m as int erna, cat egoricam ent e) .

Vários são os significados dest e t erm o sânscrit o, Dharm a. Por


exem plo, ret idão, a nat ureza inat a de algo, deveres devido ao nascim ent o
e posição na vida, são alguns deles. Nós lidarem os aqui com o
m encionado em prim eiro lugar, ist o é, ret idão, ret it ude ou religião com o é
algum as vezes definido. É claro que na Í ndia a religião inclui deveres de
acordo com varna e âsram a ( nascim ent o e posição na vida) apesar de
que est es são conceit os não t ão rigidam ent e prat icados hoj e em dia.
Religião ou Dharm a é algo m ais do que a m era conform idade com
obrigações sociais, rest rições ou regras; m ais do que m eros dogm as e
credos. Regras sociais e códigos m orais podem e realm ent e m udam de
acordo com a época e lugar. Por exem plo, o que é considerado com o
im oral em alguns países pode ser aceit o com o t ot alm ent e norm al ou
nat ural em out ros, et c. Mas m era m oralidade não é a m et a e finalidade do
hom em . É apenas o m eio para at ingir algo superior, algo et erno e est e
algo é o suj eit o da religião ou Dharm a. Pode- se cham ar est e suj eit o com o
Deus ou Espírit o ou por qualquer out ro nom e.
A quest ão que surge na m ent e do hom em m oderno é: que papel
pode a religião desem penhar na at ual era de ciência e t ecnologia? Poderá
ela sobreviver aos at aques dest as forças? Devem os lem brar que a ciência
e a t ecnologia lidam com a m at éria, coisas perecíveis e não et ernas. A
m at éria, por m ais que possa durar, um dia se dest rói; ela não pode durar
para sem pre, não pode ser perm anent e. Tendo sido com post a de
elem ent os, deve ret ornar m ais cedo ou m ais t arde aos seus elem ent os; e
aquilo que não é perm anent e não pode dar felicidade duradoura. O
hom em nunca consegue felicidade duradoura. O hom em nunca se sat isfaz
com a riqueza. Quant o m ais ele t em , m ais ele desej a. Assim t am bém é o
1
O Swami foi dirigente espiritual do Ramakrishna Ashrama, Buenos Aires, Argentina de 1973 a 1988.
2
O Swami foi Editor da revista em inglês Vedanta Kesari de 1962 a 1967.

1
caso com os prazeres dos sent idos. O corpo pode ficar fraco, m as o
desej o por eles não deixa o hom em . Habilm ent e Bhart rihari disse no seu
Vairagya Sat aka: bhogâ na bhukt â vayam eva bhukt âh , “ Os prazeres
m undanos não foram desfrut ados por nós; pelo cont rario nós m esm os
t em os sido devorados” . 3 E ele cont inua: t rsnâ na j irnâ vayam eva j irnâh ,
“ O desej o não é enfraquecido, apesar de que nós m esm os nos
debilit am os” . 4 E m ais: valibhir m ukham âkrânt am pâlit ena ankit am sirah,
gât râni sit hilâyant e t rsnaikâ t arunâyat e , “ A face est á cobert a por rugas, a
cabeça pint ada de branco ( por causa dos cabelos grisalhos) , os m em bros
se t ornaram fracos, apesar de que apenas o desej o é sem pre
rej uvenescido” . 5 Est a é a condição do hom em ent regue à sat isfação dos
sent idos. A ciência e a t ecnologia ainda não descobriram m ét odos de
parar ou prevenir est e declínio ou det erioração das forças físicas e
m ent ais do hom em nem t razer a ele a sat isfação que pode durar m esm o
sob circunst âncias adversas com o enferm idade e senilidade, et c.
Cont udo, nós não dizem os que não exist am pessoas que ignorem as
realidades da vida e t ent em desfrut ar dos prazeres. Com o o avest ruz, que
quando caçado, se diz, corre t ant o quant o pode e enfia sua cabeça na
areia e acredit a que não há m ais perigo ou inim igos. Para est as pessoas
est e m undo é t udo quant o exist e. No Kat hopanishad, Yam a diz: “ O além
nunca aparece diant e das pessoas t olas, enganadas pela ilusão da
riqueza. Aqueles que pensam : ‘Est e é o único m undo e não há nenhum
out ro’, caem sob m eu dom ínio inúm eras vezes” . 6 Swam i Vivekananda diz:
“ Som ent e os t olos correm at rás dos gozos dos sent idos. É fácil viver nos
sent idos. É m ais fácil andar pelo velho cam inho com o piso bat ido,
com endo e bebendo, m as o que est es m odernos filósofos querem dizer a
você é que peguem est as idéias confort áveis e coloquem o selo da religião
nelas. Tal dout rina é perigosa. A m ort e j az nos sent idos. A vida no plano
do Espírit o é a única vida, a vida em qualquer out ro plano é apenas a
m ort e” . 7 Aqui nós encont ram os a respost a t am bém para aqueles que
querem fazer da religião algo confort ável, adapt ada ao plano sensório.
O hom em busca a felicidade e acha que pode obt ê- la nos obj et os
dos sent idos; m as, t rist em ent e, ele descobre que a felicidade que est es
obj et os podem dar é de m uit o pouca duração e que ele t em que ganhá- la
a um cust o m uit o elevado. Ele com eça com t rem endo ot im ism o, m as
quando fica velho, gradualm ent e t orna- se um pessim ist a. Swam i
Vivekananda declara: “ A felicidade real não est á nos sent idos, m as acim a
dos sent idos e est á em t odos os hom ens. O t ipo de ot im ism o que vem os
no m undo é o que levará at é a ruína at ravés dos sent idos.” 8
3
Vairagya Sataka, 7.
4
Ibid.
5
IBID. 8.
6
Kathopanishad, II.6.
7
Complete Works of Swami Vivekananda, 5:267
8
Ibid., 283.

2
Novam ent e, por m ais que o hom em t enda a ignorar o fat o de que o
sofrim ent o, físico e m ent al é inevit ável no plano sensório e m ergulhe
com plet am ent e nele, um dia chegará quando ele pergunt ará a si m esm o:
“ É ist o t udo? Será a m et a da vida viver com o plant as e anim ais por
alguns anos e m orrer?” I st o é um im perat ivo, pois enquant o o hom em
ret iver a faculdade do raciocínio, ele não pode deixar de colocar est as
quest ões para si m esm o quando deparar com t erríveis e insuperáveis
circunst âncias. E est e raciocínio deveria levá- lo a aut o- análise e
gradualm ent e à Religião, pois t endo sofrido no plano dos sent idos ele não
t em out ra alt ernat iva além de t ent ar conseguir consolo de algo superior e
não perecível.
Agora vam os ver o que a Religião realm ent e significa e o que ela
pode fazer por nós. Religião é um sist em a de disciplinas que t raz um a
penet ração int uit iva na nat ureza real do m undo espirit ual, pelo cont role
dos sent idos e a conquist a da m ent e. Com est a penet ração int uit iva, nós
chegam os a conhecer o propósit o real da vida hum ana, com o t am bém
sobre a vacuidade do m undo sensual. Swam i Vivekananda afirm a: “ Est e
nosso universo, o universo dos sent idos, racional, int elect ual, est á
cercado de am bos os lados pelo ilim it ado, o não- conhecível, o sem pre
desconhecido. Nist o est á a busca, nist o est ão as invest igações, aqui est ão
os fat os; dist o vem a luz que é conhecida para o m undo com o religião. A
Religião pert ence ao Supra- sensório e não ao plano sensório. Est á além
de t odo raciocínio e não est á no plano do int elect o. É um a visão, um a
inspiração, um m ergulho no desconhecido e não- conhecível, fazendo o
não- conhecível m ais do que conhecido, pois ele j am ais poderá ser
conhecido.” 9 I st o parece ser um paradoxo, à um a prim eira leit ura, m as se
nós pararm os e reflet irm os, poderem os ser capazes de com preender a
verdade por det rás dest a afirm ação. A m ent e hum ana em sua form a
im pura pode conhecer apenas coisas apresent adas a ela pelos cinco
sent idos e nada m ais. É por isso que o Espírit o é cham ado de não-
conhecível; m as quando est a m esm a m ent e se livra de sua im pureza, seu
apego e desej os, ela é capaz de perceber o não- conhecível, fazendo- o
m ais do que conhecido. Pergunt a Yaj navalkya: “ Com o quê você
conhecerá o Conhecedor” - vij nat aram are kena vij aniyat . Est e
desconhecido pode ser percebido som ent e at ravés de um a m ent e pura,
afirm a o Kat hopanishad: m anasaivedam apt avyam , “ Som ent e pela m ent e
ist o será realizado.” 10
O m elhor t est em unho com relação à vida int erior é daqueles que
m ergulharam profundam ent e nela e eles são os hom ens capazes de falar
sobre o assunt o. Vam os ver o que Swam i Vivekananda diz sobre a
necessidade dest a busca do que est á além : “ A vida será um desert o, a
vida hum ana será em vão, se nós não puderm os conhecer o que est á
além . É m uit o bom dizer: Cont ent e- se com as coisas do present e. As

9
Ibid., 3:1
10
Kathopanishad, IV.11

3
vacas e os cães est ão e est ão t am bém t odos os anim ais e ist o é o que os
faz anim ais. Port ant o se o hom em cont ent a- se com o present e e
abandona t oda busca do que est á além , a hum anidade t erá que volt ar ao
plano anim al de novo. É a religião, a invest igação do que est á além que
faz a diferença ent re um hom em e um anim al.” 11 Respondendo à um a
pergunt a sobre o que a religião pode fazer por nós, ele afirm a: “ A
salvação não consist e na quant idade de dinheiro que est á em seu bolso
ou na roupa que você vest e ou na casa em que você vive, m as na riqueza
do pensam ent o espirit ual em seu cérebro. I st o é o que prom ove o
progresso hum ano, est a é a font e de t odo progresso m at erial e
int elect ual, o poder m ot ivador at rás do ent usiasm o que em purra a
hum anidade para a frent e.” 12
Além dist o, a Religião pode nos dar a vida et erna, t razer- nos a Luz
que j am ais falha e a paz e t ranqüilidade const ant es. Cont udo a religião
não deveria ser j ulgada do pont o de vist a das posses ou coisas m at eriais.
Swam i Vivekananda com ent a: “ Várias vezes você escut a est a obj eção
levant ada: ‘Pode ela ret irar a pobreza dos pobres?’ Suponha que ela não
possa, ist o provaria a inverdade da religião? Suponha que um a criança se
levant e ent re vocês quando você est á t ent ando dem onst rar um t eorem a
ast ronôm ico e diz, ‘I st o vai m e dar biscoit os de gengibre?’ ‘Não, ist o não
vai dar’, você responde. ‘Ent ão’, diz a criança, ‘não serve para nada’.
Crianças j ulgam o universo int eiro de seu pont o de vist a, de produzir
biscoit os de gengibre; e assim t am bém fazem as crianças do m undo. Nós
não devem os j ulgar as coisas superiores de um baixo pont o de vist a... A
Religião int erpenet ra t oda a vida do hom em , não apenas o present e, m as
o passado, present e e fut uro... É lógico m edir seu valor por sua ação
sobre cinco m inut os da vida hum ana?” 13 Ele cont inua: “ A Religião fez do
hom em o que ele é e fará dest e hum ano anim al um Deus. I st o é o que a
religião pode fazer. Tire a religião da sociedade hum ana e o que rest ará?
Nada além de um a florest a de brut os.” 14
Do que foi dit o nós vem os com o a religião est á inerent em ent e
absorvida na est rut ura da exist ência hum ana, m ais ainda, a própria
exist ência do hom em depende dela. E é por isso que o Senhor se encarna
sem pre que houver o declínio de Dharm a e o crescim ent o de Adharm a,
com o Ele m esm o diz no Bhagavad Git a. Agora nós verem os quais são as
disciplinas que a religião recom enda para at ingir o suprem o est ado da
Et erna Bem - avent urança que ela prom et e. A prim eira e m ais im port ant e
dest as disciplinas é a renúncia, sem ela o hom em não pode avançar em
direção à m et a. Pode- se pergunt ar: são t odas as pessoas capazes de
renunciar ao m undo? Cert am ent e que não. Ent ão a salvação que a

11
Complete Works of Swami Vivekananda, 3:3
12
Ibid.
13
Ibid., 3-4
14
Ibid., 4

4
religião prom et e é para uns poucos? Se for assim , por que deveria a
m aioria da hum anidade t er int eresse nela? Sri Ram akrishna responde:
“ Não é possível adquirir a renúncia de form a repent ina. O fat or t em po
deve ser levado em consideração. Mas t am bém é verdade que um hom em
deveria escut ar sobre ela. Quando a hora cert a chegar, ele dirá a si
m esm o: ‘Ó, sim , eu escut ei sobre ist o.’ Você deve t am bém se lem brar de
out ra coisa. Const ant em ent e ouvindo sobre a renúncia, o desej o pelos
obj et os do m undo gradualm ent e se desvanece” . 15 Sri Ram akrishna
aconselha aos chefes de fam ília a cult ivarem a renúncia int erna e am or
por Deus, a serem desapegados pelas coisas do m undo e a buscarem a
com panhia de pessoas sant as. Mas ele cat egoricam ent e diz que sem a
renúncia, pelo m enos a int erna, não se pode at ingir a Met a.

15
Gospel of Sri Ramakrishna (New York: Ramakrishna Vivekananda Center), p. 502

5
A GRAÇA DIVINA
26-09-1979

Por Swami Paratparananda

Poucas são as pessoas que t ent am levar um a vida verdadeiram ent e


espirit ual, pois, com o j á vim os em ocasiões ant eriores, est a não consist e
em aceit ar ou crer em alguns dogm as e credos, nem em fazer
det erm inados exercícios físicos, nem em buscar e fazer m ilagres, nem
t am pouco no m ero saber livresco das escrit uras. Significa dedicação a
Deus, seguir um cam inho que culm ine na aniquilação da ignorância e na
realização do Ser Suprem o, na percepção diret a e ínt im a da Realidade.
I st o não é um a t arefa fácil, se necessit a infinit a paciência, const ância na
prát ica da oração, dom ínio sobre os sent idos e sobre a m ent e e
finalm ent e a graça divina. Ainda que m encionam os est a no final, nem por
isso é de m enor im port ância; pelo cont rário, t odos os out ros fat ores
dependem dela. Sem a graça divina não se pode avançar nem um passo
na vida espirit ual.
Pode- se pergunt ar: Por acaso a graça divina não age no m undo?
Afast ou- se Deus do m undo? Se est a é Sua criação, com o pode abandoná-
la? Além dist o, não dizem as escrit uras que Deus m ora em t odos os
seres, e que é onipresent e? Ent ão que significa dizer que só na vida
espirit ual age a graça divina? Por cert o est as são pergunt as sem
respost as, ou m elhor dit o, não se pode responder de out ra m aneira senão
adm it indo que Deus nunca se afast ou do m undo e que o cuida bem , que
sua graça desce por igual sobre o m alvado e piedoso, assim com o o sol
brilha sobre t odo o universo sem fazer nenhum a dist inção, ou com o a
chuva cai indist int am ent e sobre a t erra fért il e a est éril, e ist o em um
sent ido, é m uit o m ais cert o.
Est am os conscient es dest e fat o, m as há dist int as m aneiras de
beneficiar- se com a graça divina. Alguns o fazem no m undo m at erial,
aproxim ando- se de Deus para conseguir coisas m at eriais. Quando Deus
lhes responde á seus pedidos, por exem plo, de cura de enferm idades,
pensam que lograram um alt o nível de elevação espirit ual, e assim
envaidecidos, perdem de vist a a m et a da vida.
Deus é com o um a m ãe indulgent e que nos perdoa t udo. Além disso,
cum pre nossos pedidos por m ais daninhos que sej am para nós, para que
não nos sint am os enganados ou abandonados. Deixa que aprendam os,
pelas am argas experiências de nossas ações, com o são o m undo e seus
obj et os. Bendit o é aquele que vê a graça divina em seus sofrim ent os e
t ent a ver em que consist e a verdadeira felicidade, e depois se esforça
para consegui- la. Mas, desgraçadam ent e, as pessoas sem pre buscam
coisas prazerosas m esm o depois de repet idos fracassos em suas
t ent at ivas para obt ê- las. E espera que o m undo m ude e lhes proporcione

1
algum dia e para sem pre os obj et os desej ados e sem nenhum a am arga
conseqüência. Essa gent e é com o os cam elos que gost am de cert os
arbust os espinhosos, e enquant o os com em suas bocas sangram , m as
ainda assim não deixam de com ê- los. Essas pessoas cont inuarão pedindo
a Deus os m esm os obj et os sensórios; são com o aqueles que foram ver a
um rei generoso e lhe pediram coisas de pouco valor com o abóboras ou
bat at as. Por cert o, pensam que são obj et os preciosos, porque são
pessoas de visão curt a, desej am só o que podem perceber por seus
sent idos, sem indagar por seu valor nem nas conseqüências que ist o pode
t razer.
Tam bém se pergunt a: “ Por que Deus não nos t ira o apego pelos
obj et os do m undo?” As crianças gost am de brincar no quint al, com
diferent es t ipos de brinquedos, e eles não gost am que sua m ãe os t ire de
lá enquant o eles se sent em ent ret idos. Vão chorar e grit ar se ist o
acont ece. Só quando se fart am ou se m achucam , deixam de brincar e
cham am a m ãe; do m esm o m odo Deus sabe que se de repent e t ira dos
aspirant es o apego aos seus ent ret enim ent os, est es se sent irão infelizes.
Ensina- lhes pouco a pouco a vacuidade de t udo que os sent idos podem
apreciar. Est a t am bém é a graça divina: fazer- nos saber que o m undo
com t oda sua beleza panorâm ica é um a ilusão. Sri Ram akrishna
cost um ava dizer: “ Só Deus é real, e t oda out ra coisa é irreal; só o m ago é
real e sua m agia irreal, exist e por um m om ent o e depois desaparece” .
Mas, t al é nosso apego ao efêm ero, que seguim os agarrados a ele ainda
que nos doa. Na j uvent ude, quando o sangue ferve, t udo parece form oso,
cheio de alegria e encant o. Mas à m edida que vão passando os dias, esse
m esm o m undo m uda seu aspect o e ent ão o hom em não som ent e vê a
alegria com o t am bém o pesar e o sofrim ent o. Mais t arde vê que há m uit a
t rist eza e pouco prazer nest e m esm o m undo que lhe havia parecido t ão
form oso ant es. No ent ant o, os hábit os que cult ivou e os deveres com que
se com prom et eu t oda a vida não o deixam sair do casulo que ele m esm o
const ruiu. Ent re m ilhares t alvez um se at reva a sair de lá pela graça
divina. Out ros, sem poder desfazer- se do apego e do encant o do m undo
arrast am os dias que lhes sobram de um ou out ro m odo, m uit as vezes
j ogando a culpa de sua desgraça no dest ino ou em Deus. Herói é aquele
que m esm o nest e m om ent o pode ver que ist o t am bém é a graça divina,
m as haverá m uit o poucos que possam sent ir assim , pois sent indo est a
condição, t ent ariam rem ediar as coisas ou pelo m enos resolveriam m udar
o rum o de suas vidas no m esm o m om ent o, ou desej ariam com t odas suas
forças não repet ir os m esm os erros que fizeram durant e est a vida. Só a
pessoa que vê em t udo, não som ent e no agradável, a m anifest ação da
graça divina, pode dizer que ela reina sem pre no m undo.
Agora vam os ver porque post ulam os que os out ros fat ores que nos
levam at é Deus t am bém dependem de Sua graça. Com o vim os, a rede da
ilusão é vast a, e int rincada a m aneira em que at ua. Por isso Sri Krishna
disse: “ Est a Minha divina m aia, const it uída pelos gunas é difícil de
t ranscender; só os que se refugiam em Mim ( o Senhor) podem at ravessá-
la” . Todos os seres sem exceção est ão suj eit os à ilusão, pois t udo no

2
m undo est á feit o dos t rês gunas, os const it uint es de m aia. A força dos
gunas é considerável; t ranscende- los é um a t arefa sum am ent e difícil, e
pode conseguir- se unicam ent e pela graça de Deus. Para t ranscender a
ilusão ou o feit iço que proj et a o m undo, se necessit a de desapego, o qual
se chega a t er se houver discernim ent o ent re o que é Real, et erno e o que
é irreal, t ransit ório e est rit am ent e aderir- se ao Real ou Deus, descart ando
t odo desej o de gozo m undano. Em seguida é necessário prat icar o
dom ínio sobre os sent idos e a m ent e. Sabem os quão vacilant e é est a. Se
não t em os a convicção de que o m undo e seus obj et os são de pouca
duração, a m ent e cont inuará sua corrida at rás das coisas de seu gost o e
nos envolverá na ilusão t oda nossa vida. Port ant o est a convicção deve ser
apoiada por um fort e desapego às coisas que dão prazer. Depois vem a
prát ica das virt udes com o a paciência, a fé nas palavras das escrit uras e
coisas sem elhant es. Tudo o qual est á sob a j urisdição de m aia, a ilusão,
para vencer a qual necessit am os, com o j á vim os, da graça divina.
Às vezes at é os aspirant es se queixam de que Deus é parcial, que a
alguns dá a oport unidade e lhes abre o cam inho, enquant o a out ros não
m ost ra Sua graça. Sri Krishna responde a ist o no Bhagavad Guit a: “ Eu
t rat o por igual a t odos os seres, não t enho preferências, nem desprezo a
ninguém ; m as os que adoram a Mim ( ao Senhor) est ão em Mim e Eu
neles” . Sri Shankaracharia com ent ando est e verso disse: “ O Senhor
afirm a que Ele é com o o fogo: assim com o o fogo não t ira o frio dos que
est ão longe, m as o faz aos que se aproxim am dele, do m esm o m odo Deus
m ost ra Sua graça a Seus devot os e não a out ros. Os que adoram ao
Senhor, por causa dest a m esm a adoração se t ornam lim pos de coração,
um lugar apt o para sua m orada” . Tam bém , assim com o a luz do sol,
ainda que caia sobre t odos os obj et os, é reflet ida nit idam ent e em um
espelho lim po, do m esm o m odo, a m ent e pura do devot o reflet e a luz de
Deus m ais que a das out ras pessoas. Além disso, Ele olha o fundo do
coração do aspirant e. Um a pessoa que levou um a vida m á durant e um
longo t em po, m as depois a t ransform a, não est á perdida a seus olhos;
t am bém est a pessoa pode chegar a ser sant a, com o afirm a Sri Krishna no
verso seguint e: “ At é se um m alvado da pior cat egoria Me adora com sua
m ent e por com plet o dedicada a Mim deve ser considerada boa pessoa,
pois t om ou um a det erm inação corret a. Logo se t ornará puro e logrará a
paz et erna. Ó filho de Kunt i, proclam a ao m undo que Meu devot o j am ais
perece! ” Vem os assim que para Deus ninguém é desprezível nem
condenável pela et ernidade.
Com o at ua a graça divina no cam po espirit ual? Sri Ram akrishna
cert a vez disse: “ Se alguém se refugia em Deus e Lhe roga com grande
anelo, Deus com t oda segurança escut a; com cert eza lhe abrirá o
cam inho. Talvez o devot o não se case e assim poderá dedicar t oda sua
at enção a Deus. Ou t alvez seus irm ãos ganhem o suficient e para a
subsist ência da fam ília, ou pode ser que um filho t om e sobre si a
responsabilidade da fam ília. Ent ão o aspirant e não t erá problem as com o
m undo; poderá dar cem por cent o de sua m ent e á Deus” . Tam bém
cost um ava cont ar um a est ória para ilust rar com o t inha que rogar a Deus

3
e com que classe de anelo: “ Cert as pessoas m e pergunt am - dizia Sri
Ram akrishna - Senhor, por que Deus criou est e m undo em que quase
t udo é sofrim ent o? Não há saída para nós? Eu lhes digo: Por que não há
de haver um a saída? Tom e refúgio em Deus e rogue- lhe com um coração
anelant e pedindo vent o favorável para que as coisas se arrum em . Se O
cham ais com anelo cert am ent e vos escut ará” . Depois cont ou a est ória:
“ Havia um a vez um hom em , cuj o filho est ava a pont o de m orrer. Em seu
desespero pediu rem édios a varias pessoas. Um a delas lhe disse: ‘Há um
rem édio; prim eiro deve chover quando a est rela Svat i est ej a no
ascendent e; depois, um pouco dessa chuva deve cair em um a caveira;
em seguida um a rã deve aproxim ar- se e beber est a água e um a serpent e
deve caçá- la; e quando a serpent e est ej a a pont o de picar a rã, est a deve
dar um salt o e o veneno deve cair na caveira. Em seguida, é preciso dar
ao enferm o um pouco do veneno com a água da chuva que est á na
caveira.’ O pai se apressou ansiosam ent e para encont rar a fórm ula
salvadora, no inst ant e em que a est rela Svat i est ava no céu. Com eçou a
chover. Fervorosam ent e o hom em rogou a Deus: ‘Ó Senhor, Te rogo,
consegue- m e um a caveira.’ Buscando aqui e ali, finalm ent e encont rou
um a caveira com água de chuva dent ro. Novam ent e rogou á Deus: ‘Ó
Senhor, Te im ploro, aj uda- m e a encont rar a rã e a serpent e.’ Devido a
seu grande anelo, conseguiu a rã e t am bém a serpent e. Em um abrir e
fechar de olhos viu com o a serpent e caçava a rã, e quando se dispunha a
picá- la, o veneno caiu na caveira” . Se o rogo é fervoroso Deus não pode
deixar de escut á- lo.
As pessoas sem pre se queixam dizendo que não t em po para rezar
ou fazer suas prát icas diárias. O que acont ece é que não sent em a
necessidade de fazê- las. Se um hom em t em que sair ás quat ro horas da
m adrugada para t rabalhar, o faz sem t it ubear, porque a necessidade de
ganhar a vida o im pele, o obriga a fazê- lo. Quando sint am os a m esm a
urgência para chegar a Deus, ent ão, só ent ão, não t erem os queixa
algum a, farem os t udo com gost o. At é ent ão é necessário obrigar a m ent e
a fazer as disciplinas espirit uais diárias e, com um pouco de insist ência
podem os persuadi- la. O fat o é que o m undo ocupou dem asiado a nossa
m ent e, e pode ser ret irado de lá unicam ent e pela graça divina. Mas é
preciso fazer um pouco de esforço para que essa graça desça sobre nós.
Sri Ram akrishna dizia: “ O vent o da graça divina sopra sem pre, é preciso
solt ar as velas para recebê- lo” . Um pouco de prát ica das disciplinas
espirit uais é com o solt ar as velas. Quando Deus vê que o aspirant e est á
realm ent e ansioso para avançar at é Ele, ent ão Deus t am bém o aj uda.
Mais ainda, Sri Ram akrishna disse que Deus dá dez passos at é nós se
dam os um passo at é Ele.
Quais são os im pedim ent os m ais fort es no cam inho espirit ual? Sri
Ram akrishna advert e que são a luxuria e a cobiça. São as at rações que
m ant ém em seu poder ao ser hum ano. Preso na rede dest as paixões o
hom em sofre incessant em ent e, m esm o assim acha quase im possível
livrar- se de seus t ent áculos. I st o é m aia, ilusão. Um a pessoa resolve não
cair na arm adilha dessa ilusão, m as quando chega o m om ent o não pode

4
m ant er- se firm e, pois são t ão fort es as paixões e aquele que nunca
t ent ou cont rolá- las acha m uit o difícil resist ir às t ent ações. É um a lut a
t rem enda e para a m aioria, at é para os aspirant es, dura quase t oda a
vida. O êxit o nest a lut a depende da graça divina. Se Deus não nos faz ver
claram ent e onde est am os indo subm et idos às paixões, não há com o
resist i- las. O Senhor nos ensina ist o de várias m aneiras: apresent a diant e
de nós exem plos de vida desenfreada e suas conseqüências, nos t raz
enferm idades e calam idades, nos põe em cont at o com pessoas sant as e
assim por diant e. Em nossa vida devem os t er passado por t odas est as
coisas algum a vez. Aprendem os a lição? Talvez um a ou out ra pessoa a
t enha aprendido. A m aioria, m esm o ent re os aspirant es, t om a t odas est as
at ribulações com o cast igo provenient e de Deus. Dizem : “ Que fiz para
m erecer est e sofrim ent o?” Em vez de reflexionar, “ Qual será o propósit o
dest e ensinam ent o do Divino Mest re? Pois Ele j am ais nos faz o m al.” Se
aprofundam os dest a m aneira podem os descobrir que o Senhor nos est á
t irando as ligaduras que nos m ant êm am arrados ao m undo.
Muit as vezes acont ece que os laços m undanos são t ão fort es que
rom pê- los é com o arrancar o coração. No ent ant o, o que quer t er a paz
duradoura ou felicidade et erna, não pode cont inuar at ado ao m undo, pois
est as coisas não exist em aqui. Est a é a experiência de t odo ser hum ano;
ainda que um a pessoa que est ej a em um a sit uação côm oda o negue
m om ent aneam ent e, cedo ou t arde se dará cont a disso. Aquele que
aprende cedo na vida que o m undo, com o a am eixa silvest re, é quase só
caroço e casca, com m uit o pouca polpa, que est á cheio de sofrim ent o e
m uit o pouco prazer, e não se deixa enganar por seu feit iço, j á ganhou
m eia bat alha; logo, se ele se esforçar um pouco, chegará à m et a da vida.
Sri Ram akrishna, que conhecia as regras essenciais da vida espirit ual,
apreciava m uit o aos j ovens que se haviam m ant ido puros de coração
evit ando as at rações da luxúria e da cobiça. Dizia que eles podem t er
êxit o na vida religiosa com m uit o pouco esforço, e que podiam
com preender as verdades sut is por seu agudo int elect o não em baraçado
com as preocupações m undanas, e por serem lim pos e sim ples. Est as
duas palavras usadas freqüent em ent e nos livros religiosos, t alvez
necessit em serem elucidadas. Lim pos de coração significam os que não
abrigam nenhum a m alícia cont ra ninguém , que não est ão afet ados por
pensam ent os perversos, que não est ão suj eit os às paixões e livres de
t odo ódio, m edo e ira. Sim ples são aquelas pessoas que não sabem
ocult ar seus pensam ent os, são verazes e falam o que pensam , não t em
m ot ivos de engano para os dem ais. São virt udes que cont ribuem para a
fort aleza do hom em , para sua viagem a Deus.
O t erceiro obst áculo no cam inho de um aspirant e à vida m ais
elevada é o ego. Apresent a- se diant e dele de várias m aneiras: ego de
erudição, ego de riqueza, de nascim ent o, de raça, de posição social, de
poder, e assim por diant e. E não se dá cont a dele at é que se enraíza bem
profundam ent e. Um a pessoa pode parecer sim ples e hum ilde, no ent ant o
pode abrigar um alt o conceit o de si m esm a, de sua sant idade ou
erudição. Cert a vez Sri Ram akrishna visit ou Devendranat h Tagor, o pai do

5
poet a Rabindranat h, ao int eirar- se que pensava m uit o em Deus. Mas
quando o viu observou que t inha vaidade, pois era respeit ado com o um
hom em de conhecim ent o espirit ual, descendent e de um a fam ília
arist ocrát ica e líder de um a nova seit a, o Brahm o Sam aj a. Sri
Ram akrishna foi vê- lo acom panhado de Mat huranat h Biswas, o genro de
Rani Rasm ani, fundadora do t em plo de Kali de Dakshineswar. Mat hur
havia sido condiscípulo do líder brahm o no colégio. Observando
m inuciosam ent e os rasgos físicos de Devendranat h e dando- se cont a de
sua vaidade, pergunt ou a Mat hur: “ Bom , Mat hur, a vaidade é o result ado
do conhecim ent o ou da ignorância? Pode um conhecedor de Brahm an t er
sent im ent os t ais com o: Sou um erudit o, sou um j nani, sou rico?” A m era
erudição, se não é acom panhada de renúncia e desapego, serve para
obt er renom e, fam a e t alvez riqueza, m as j am ais leva alguém a Deus. Sri
Ram akrishna com parava aos m eros erudit os com os abut res que voam
alt o nos céus, m as cuj o olhar est á sem pre dirigido para baixo, para a
carniça. Os m eros erudit os ainda que falem alt issonant em ent e sobre a
filosofia e a religião m ant ém fixo seu olhar nas coisas do m undo. A
erudição que não nos ensina a discernir ent re o que é Real e o que é
ilusório, não serve no cam inho espirit ual. Mas a ignorância hum ana é t al
que lendo alguns livros o hom em pensa que j á é com pet ent e para guiar
aos dem ais.
É difícil ent ender o verdadeiro significado dos t erm os da vida
espirit ual. Cert a vez o Mest re est ava falando com Mahendranat h Gupt a, o
com pilador do Evangelho de Sri Ram akrishna, quando de repent e lhe
pergunt ou: “ Sabe o significa a renúncia?” O discípulo respondeu:
“ Significa não som ent e t er desapego pelo m undo, m as t am bém
desenvolver anelo por Deus” . Sat isfeit o pela respost a o Mest re disse:
“ Pela graça de Deus com preendest e ist o. Sem Sua graça j am ais se pode
desfazer- se das dúvidas. O im port ant e é, de um m odo ou de out ro
cult ivar am or e devoção por Deus. De que serve conhecer m uit as coisas?
Bast a cult ivar am or por Deus seguindo qualquer cam inho” .
O fanat ism o é o quart o obst áculo para o que quer chegar a Deus.
Todos pensam que unicam ent e sua própria religião é verdadeira e out ras
não. Est e conceit o chega às vezes a t al pont o que pessoas pert encent es a
duas seit as de um a m esm a religião brigam ent re si. Cada um crê que
possui t odo o conhecim ent o sobre Deus e que Deus não pode ser de out ra
m aneira senão com o ele o concebe. Por acaso pode com preender t udo de
Deus um ser hum ano com seu pequeno int elect o? I nfinit os são seus
aspect os e infinit as são as m aneiras em que se m anifest a no universo.
Além disso, ele não se esgot a em sua m anifest ação senão que m ant ém
t am bém um aspect o não- m anifest ado. E as pessoas, que não podem
com preender em sua t ot alidade nem um só planet a de Sua criação, se
at revem a declarar que sabem t udo sobre Ele! Que pode ser m ais ridículo
que ist o? No ent ant o os fanát icos crêem que t em razão. Brigam pela
posse da cest a enquant o as frut as vão caindo ao chão. Deus est á longe
da pessoa que som ent e faz dem onst ração de sua erudição e não faz nada
para por os ensinam ent os em prát ica e am á- lo.

6
O fanat ism o cega ao hom em ; não lhe perm it e ver os pont os bons
em out ros, nem t am pouco seus próprios defeit os. Em seguida dest rói sua
sensibilidade; t orna- se desapiedado e cruel, com o podem os ver at ravés
de t oda a hist ória do m undo. E est a gent e fala em nom e de Deus! São
suas próprias am bições que as im pulsionam a at uar dest a m aneira, e não
o am or por Deus, nem pelo próxim o. Claro, ist o t am bém acont ece pela
vont ade de Deus, não há dúvida. Quando o com preendam os de coração,
int im am ent e, e o aceit em os com calm a, est arem os aproxim ando- nos do
est ado de equanim idade, o ult im o degrau rum o à m et a, a realização de
Deus.
Mas est e est ado de nenhum a m aneira pode com parar- se com a
at it ude de um a pessoa egot ist a, a quem a dor alheia não com ove em
nada, e quem para lograr seu próprio int eresse não vacila em pisot ear
nos dem ais. Est e est ado não pode ser alcançado a m enos que se t enha
lim pado a m ent e de t odo desej o de gozo aqui e no além e que se t enha
sent ido o t orm ent o, a agit ação, o desassossego e o desespero por
com bat er os m ales que afet am a hum anidade. Quando vem os que
cont udo não podem os m udar nada, ent ão, pela graça divina, chega o
ent endim ent o de que “ t em os direit o a at uar m as j am ais aos result ados” ,
com o disse Sri Krishna no Bhagavad Guit a. Arj una t am bém buscou um
arranj o côm odo quando quis abandonar o m undo em vez de um a guerra
j ust a, sem possuir as requeridas qualidades de um erm it ão. Para ensiná-
lo e m ediant e ele, á t oda hum anidade, quem realm ent e pode e est á
capacit ado a renunciar ao m undo, Sri Krishna pronunciou o grande
discurso que agora conhecem os com o o Bhagavad Guit a.
Mencionam os apenas alguns dos obst áculos que um aspirant e
encont ra no cam inho espirit ual; para at ravessar os quais se requer
im ensa força de ânim o e perseverança. Os im pedim ent os são sut is e
enganadores; aparecem em form a de am igos, com o coisas favoráveis.
Port ant o deve- se t er um discernim ent o agudo para descobri- los e é
preciso est ar sem pre alert a. Além disso, com o j á dissem os, a sut ileza das
verdades espirit uais não se pode com preender desde o inicio, é preciso
passar pelas disciplinas durant e m uit o t em po. E à m edida que se vai
avançando nest as disciplinas encont ra que os m esm os ensinam ent os que
pareciam sim ples de ent ender, levam um significado m uit o m ais
profundo. Cada dia se vai dando cont a de que é pouco o que se pode
saber sobre Deus pela leit ura. Tam bém sent e que o que um aspirant e
necessit a é desenvolver am or pelo Senhor. Sri Ram akrishna repet idas
vezes expressou: “ Bhakt i ( devoção) é a única coisa essencial. Quem pode
conhecer a Deus pelo raciocínio? Eu quero am or por Ele. Que necessidade
t enho de conhecer Suas infinit as glórias? Se com um a garrafa de vinho
m e em briaga, que necessidade t enho de saber quant os galões de vinho
há na t averna? Um j arro de água é suficient e para apagar m inha sede.
Não necessit o saber a quant idade de água que há na t erra.”
Falando da im port ância da graça de Deus Sri Ram akrishna
declarava: “ Podes t ent ar m ilhares de vezes, m as não poderás conseguir
nada sem a graça de Deus. Não se pode vê- Lo sem Sua graça. Por acaso

7
é fácil receber a graça divina? Deve- se renunciar t ot alm ent e ao egot ism o;
não se pode vê- Lo enquant o sint a que ‘eu sou o fazedor’. Deus não
aparece facilm ent e no coração do hom em que sent e que ele é seu próprio
dono. Mas, pode- se vê- Lo no m esm o m om ent o em que Sua graça descer.
Ele é o sol do conhecim ent o. Um só raio Seu ilum inou o m undo com a luz
do conhecim ent o. Daí que podem os ver- nos um ao out ro e adquirir
variado conhecim ent o. Pode- se ver a Deus só se Ele volt ar Sua luz para
Seu próprio rost o.”
A graça divina é im prescindível m esm o depois de t er sua visão, pois
ainda assim exist e o perigo de equivocar- se e est ancar. Equivocar- se a
respeit o da nat ureza de Deus e crer que Ele é com o lhe apareceu e nada
m ais. Só por Sua graça pode- se ficar convencido de que não se pode
sondar a profundidade de Suas glórias e que t er am or por Ele é suficient e
para sua liberação.
Que o Senhor m isericordioso nos conceda sua graça para que
possam os vê- Lo nest a m esm a vida e t erm inar com a ronda de
nascim ent os e m ort es.

8
O H OM EM EM BUSCA D A FELI CI D AD E
Sw a m i Pa r a t pa r a n a n da

Tradução do art igo em I nglês “ The Man in Search of Happiness” publicado na revist a
“ Vedant a for East and West ” n° - 159.

O desej o pela felicidade é inat o em t odos os seres. O hom em não é


exceção a est a regra. Se analisarm os bem nossas ações descobrirem os
que, m ovidos por est e desej o, adquirim os cert os obj et os e evit am os
out ros, nos t ornam os ínt im os de cert as pessoas e evit am os a com panhia
de out ras; em sum a, evit am os coisas desagradáveis e buscam os as
agradáveis com a idéia de at ingir a felicidade. Est a busca pela felicidade
t em sido o poder m ot ivador det rás de t odos os esforços do hom em , quer
sej a no cam po t em poral com o no espirit ual. Todas as suas descobert as no
dom ínio da ciência t iveram est a m et a em vist a. Se hoj e, o hom em est á
ansioso para conseguir a suprem acia sobre as forças nat urais e para
subj ugá- las visando servir as suas necessidades, é apenas para est e
propósit o. Se, no passado ou m esm o no present e, alguns poucos
abandonaram o cam inho t rilhado pela vast a m aioria da hum anidade e
evit aram buscas m undanas e se ret iraram para um a florest a ou para
dent ro de si m esm os, ist o t am bém é devido à sua busca pela felicidade
et erna.
Mas a idéia de felicidade difere de acordo com o gost o e o
desenvolvim ent o int erno de cada indivíduo. A m aioria da hum anidade
est á sat isfeit a com a grat ificação dos sent idos ou acha a felicidade nela.
Est e m undo, com seus obj et os grosseiros, é t udo em que eles est ão
int eressados. No Kat ha Upanishad, Yam a descreve com m uit a capacidade
a m ent alidade dessas pessoas: “ Vivendo em m eio dos obj et os
t ransient es, est as pessoas ignorant es, considerando- se sábias e de
resolução firm e, dão volt as e volt as, da m esm a form a que um cego
conduzido por out ro cego. O que est á além dest a vida é im percept ível
para os ext raviados e int oxicados com a riqueza; pensando que est e
m undo é t udo que exist e, eles caem sob m inha influência repet idas
vezes” . 1 Tais pessoas se cercam de obj et os que dão prazer, m as são
im perm anent es; m esm o assim eles acredit am que essas coisas são
et ernas e im ut áveis. E o fat o de que eles t êm sido capazes de possuí- las,
engendram em suas m ent es um a ót im a opinião de si m esm os, com o
pessoas capazes e sábias. Assim , em briagados com o vinho da riqueza e
do poder eles vagam por est e m undo sem nenhum a m et a m ais elevada
em vist a. Para est as pessoas, que j ulgam t udo por suas percepções
sensórias, o além é um m it o, pois não pode ser capt ado pelos sent idos.
Port ant o, acredit ando que est e é o único m undo que exist e, eles
m ergulham nos prazeres, adquirem o que podem e, com o result ado, são

1
at raídos repet idas vezes para ele.
Sri Ram akrishna divide os hom ens em quat ro t ipos: Os ligados, os
buscadores de liberação, os liberados e os sem pre- livres. Ele ilust ra est a
divisão com um exem plo: “ Suponha que um a rede foi j ogada em um lago
para pescar peixes. Alguns peixes são t ão espert os que j am ais são presos
pela rede. Est es são os sem pre- livres. Mas a m aioria dos peixes é presa
pela rede. Alguns deles t ent am se libert ar dela, e eles são aqueles que
buscam a liberação. Mas nem t odos t êm sucesso nest e esforço. Alguns
pulam para fora da rede, fazendo um grande ruído. Ent ão o pescador
grit a: ‘Vej a, lá vai um grande! ’ Mas a m aioria dos peixes presa na rede
não pode escapar nem fazem qualquer esforço para sair. Pelo cont rário,
eles penet ram na lam a com a rede em suas bocas e ficam lá quiet os,
pensando: ‘Nós não precisam os t er m ais m edo, est am os t ot alm ent e
seguros aqui! ’ Mas est es pobres peixes não sabem que o pescador irá
ret irá- los com a rede. Est es são com o os hom ens ligados ao m undo” . 2 De
novo, falando sobre felicidade, Sri Ram akrishna disse que exist em t rês
t ipos: Vishayananda, prazer que se consegue na sat isfação dos sent idos;
bhaj anananda, felicidade que se obt ém pelas prát icas espirit uais, e
Brahm ananda, a bem - avent urança que se at inge na realização de Deus. A
últ im a não pode ser m edida ou com parada com qualquer out ra felicidade,
ela não pode ser nem m esm o im aginada. Os Upanishads t ent aram dar
um a indicação de sua vast idão de vários m odos. Por exem plo, no
Tait t irya, encont ram os um a passagem onde a felicidade dos diferent es
t ipos de seres, com eçando com o hom em e indo at é Brahm a, o criador é
descrit a e com parada. Ent ão ela cont inua declarando que m esm o a bem -
avent urança do Criador não é nada com parada com aquela que se obt êm
ao realizar à Brahm an. Em out ro Upanishad lem os que t oda a criação est á
sust ent ada por um a infinit esim al fração dest a bem - avent urança, m at rena
upaj ivant i. Agora surge a quest ão: Se ist o é assim , por que o hom em , um
ser int eligent e, um ser dot ado com a capacidade de raciocinar e discernir,
corre at rás das insignificant es e sem valor coisas do m undo,
negligenciando t al m ina de bem - avent urança que é seu direit o de
nascim ent o? Há duas respost as para est a quest ão: ( 1) m uit os não
conhecem sobre a exist ência de t al felicidade e por isso não a buscam ; e
( 2) m uit os apesar de que cient es de sua exist ência acham difícil vencer a
influência dos sent idos dirigidos para o ext erno.
O Kat ha Upanishad descreve ist o de form a bela: “ O aut o- exist ent e
Senhor, prej udicou os sent idos criando- os com a t endência de se dirigir
para fora; por isso eles percebem apenas os obj et os ext ernos e não o
At m an que m ora dent ro. Mas aquele de m ent e fixa e det erm inação firm e
percebe o At m an que m ora dent ro ret irando os olhos com o obj et ivo de
at ingir a I m ort alidade” . 3 Na frase, olhos represent am t odos os out ros
sent idos t am bém . Apenas quando os sent idos são ret irados de seus
obj et os é que a m ent e pode fixar- se no Ser. De out ro m odo acont ece o
que est á declarado no verso seguint e do m esm o Upanishad. “ Os hom ens
de pouca int eligência, im pelidos por seus desej os, caem nas arm adilhas
da m uit o difundida m ort e.” I st o quer dizer, repet idam ent e t ornam - se
suj eit os ao nascim ent o, doença, velhice e m ort e. Port ant o um a pessoa

2
com discernim ent o não vê nenhum a felicidade em cont at os sensórios. Ele
percebe quão passageiros t odos eles são e a sede que eles criam nele por
m ais e m ais gozos. Além disso, ele descobre que não há felicidade real
neles. O sabor de um alim ent o delicioso não é m ais sent ido quando o
m esm o não est á m ais sobre a língua, assim dem onst rando a
t ransit oriedade dos prazeres sensórios. Por isso, as pessoas de
discernim ent o não oram por nada dest e m undo de coisas passageiras.
Mas que grandes dores e aflições deve- se suport ar para adquirir at é
m esm o est as coisas perecíveis e m ut áveis! Exist e um verso sânscrit o que
descreve quão m iserável t orna- se a vida de um a pessoa ent regue à
paixão desenfreada pela riqueza: “ É com grande sofrim ent o que se ganha
dinheiro, m ais doloroso ainda é a lut a e a preocupação em preservar o
que se conseguiu, e ainda m ais sofrim ent o se sent e quando t em que
gast ar o que se acum ulou. Desprezo t al riqueza que é a font e de
sofrim ent o” . Pode- se pergunt ar: “ Com o podem os viver se não ganharm os
dinheiro?” O que é depreciado aqui não é o dinheiro em si m esm o, m as
sim um apego desordenado por ele, que faz do hom em seu escravo. A
t ent ação da riqueza é t al que o hom em se perde em sua busca e quant o
m ais a possui, m ais a desej a; e para adquiri- la se subm et e a quaisquer
m eios result ando na perda de t odos os sent im ent os hum anos em sua
louca busca.
Agora, desfrut am os realm ent e dos prazeres? Bhart rihari em seu
Vairagyashat akam diz: “ Nós não desfrut am os dos prazeres, pelo
cont rário, nós m esm os som os devorados nest e processo” . 4 Quer dizer, na
ansiedade infinit a em buscar est es prazeres, nossa energia se esvai e
ficam os com apenas o ardent e desej o por eles, sem a força para gozá- los.
Assim enganados, por assim dizer, nós sofrem os m ais do que podem os
gozar na busca dos prazeres dos sent idos. Sri Krishna diz no Bhagavad
Git a: “ Qualquer gozo que é produzido pelo cont at o com o m undo ext erno
é apenas um a font e de sofrim ent o. Ele t em um início e um fim , por isso
um hom em sábio, ó filho de Kunt i, não se ent rega a eles.” 5 Mas t al é o
poder que cobre a realidade, da Grande I lusão, que as pessoas esquecem
suas dificuldades e sofrim ent os e correm at rás dos m esm os prazeres que
eles com provaram cem vezes serem sem subst ância, dolorosos e
enganadores. Sri Ram akrishna descreveu a condição deles com grande
pat hos: “ As criat uras ligadas, enredadas na m undanalidade, não volt arão
aos seus sent idos de m odo algum . Eles sofrem t ant a m iséria e agonia,
eles enfrent am t ant os perigos, e m esm o assim não despert arão. O cam elo
adora com er arbust os espinhosos. Quant o m ais ele com e os espinhos,
m ais o sangue j orra de sua boca. Mesm o assim ele deve com er plant as
espinhosas e j am ais as abandonará. O hom em de nat ureza m undana
passa por t ant o sofrim ent o e aflição, m as ele esquece t udo em alguns
dias e com eça sua velha vida novam ent e” . 6
Nós vim os com o, para um a pessoa de discernim ent o, os prazeres
m undanos são apenas um show vazio, incert eza e im perm anência sendo
t odo o seu valor. O m esm o é t am bém verdadeiro com relação à nom e e
fam a, erudição e habilidade de expor as Escrit uras. Est es não podem dar
ao hom em felicidade et erna, apesar de que ele pode encont rar algum a

3
sat isfação neles por algum t em po. I st o fica claro no diálogo ent re Narada
e Sanat kum ara que ocorre no Chandogya Upanishad. Um a vez Narada
aproxim ou- se de Sanat kum ara e pediu ao sábio para ensiná- lo.
Sanat kum ara pediu a ele que narrasse o que j á sabia. Narada ent ão deu
um a longa list a de assunt os que ele t inha est udado, com eçando do Rig
Veda à Ast ronom ia e Art es, e acrescent ou: “ Reverendo senhor, eu sou
apenas um conhecedor de palavras e rit uais, m as não um conhecedor do
At m an. Eu t enho escut ado de precept ores com o o senhor que um
conhecedor do At m an vai além dest e oceano de sofrim ent o, m as com o eu
não obt ive o conhecim ent o do At m an eu est ou em um est ado de aflição.
Sej a m isericordioso e leve- m e at ravés dest e oceano” . 7
Se apenas a erudição fosse suficient e para at ingir a felicidade
et erna, ent ão Narada, com t odo o seu vast o conhecim ent o deveria ser
m uit o feliz, m as ele não era. Ele sent ia que falt ava algo que era a
essência da felicidade. Onde ent ão se encont ra est a felicidade, verdadeira
e im ut ável? No conhecim ent o do At m an, na realização de Deus ou
Brahm an. Não é ao m ero conhecim ent o t eórico ou livresco à que Narada
se refere, quando ele diz: Shrut am heya m e bhagavaddrishebhyah, t arat i
shokam at m avit it i, “ Eu t enho escut ado realm ent e de precept ores com o o
senhor que o conhecedor do At m an vai além de t oda aflição” , m as à
experiência diret a de Brahm an ou At m an. Os Rishis dos t em pos ant igos,
que buscavam aquela infinit a Bem - avent urança, at ingiram - na após
int ensos esforços; e sua vida era de um t ipo diferent e, de rígida
brahm acharia, 8 e cont role dos sent idos. Cont udo, eles não disseram que
eram os únicos capazes de at ingir est e est ado. Pelo cont rário, eles
convocaram a t odos, at é aqueles que residiam nas regiões celest iais à
t ent ar e obt er seu direit o de nascim ent o, a I m ort alidade. Por exem plo, no
Shvet ashvat ara Upanishad o Rishi declara: “ Escut em t odos vocês, os
filhos da I m ort alidade, e m esm o vocês que habit am as regiões celest iais,
eu conheço o Et erno Purusha, que est á além da escuridão e brilha com o o
brilhant e sol. Som ent e conhecendo a Ele se vai além da m ort e. Não há
out ro m odo de cruzar est e oceano de t ransm igração.” 9
Os Upanishads est ão cheios de passagens que indicam a
profundidade e vast idão da bem - avent urança de Brahm an: um a bem -
avent urança que é im aculada, que pode ser experim ent ada m esm o aqui,
nest e m undo, com a condição de que a pessoa que a busca, viva sua vida
de acordo com o padrão est abelecido pelos Rishis, que at ingiram
Brahm an.
Sri Shankara em seu Vivekachudam ani nos alert a: ” Aquele que faz
da grat ificação do corpo o principal obj et ivo de sua vida e ainda assim
aspira realizar o At m an, é com o o idiot a ignorant e que erroneam ent e, se
segurando em um crocodilo pensando ser um t ronco de m aneira, t ent a
cruzar o rio” . 10 Ou sej a, aquele que quer realizar a Deus ou At m an, t em
que abst er- se da indulgência sensual. O conhecim ent o de Brahm an e os
prazeres dos sent idos, sendo pólos afast ados, não podem ser
experim ent ados ao m esm o t em po. O Bhagavat a diz: “ Qual aquisição ou
gozo pode agradar a um hom em enquant o a m ort e est á próxim a?
Cert am ent e eles não são agradáveis para ele. É com o oferecer gram a a

4
um anim al que est á sendo arrast ado ao m at adouro” . 11 Em out ro lugar ele
recom enda: ” Tendo, após m uit os nascim ent os, obt ido est e corpo hum ano
ext rem am ent e raro, que apesar de frágil, serve com o um veículo para o
suprem o bem - est ar do hom em , um a pessoa de discernim ent o deve
esforçar- se seriam ent e pela Liberação, ant es que o corpo, que est á
sem pre suj eit o à m ort e, decaia; pois os gozos dos sent idos podem ser
experim ent ados em qualquer corpo” . 12 Som ent e o hom em , equipado com
a faculdade do discernim ent o, est á equipado para vencer a at ração dos
sent idos. No ser hum ano com um est a faculdade est á adorm ecida,
port ant o ele é at raído pelos ganhos t angíveis que pode t er e pelos obj et os
palpáveis e agradáveis que pode agarrar e desfrut ar. Com o o Kat ha
Upanishad diz: “ O bom e o agradável se aproxim am do hom em . O
hom em de int eligência, os t endo analisado, separa os dois e escolhe o
bom em lugar do agradável, enquant o o hom em de pouca int eligência
opt a pelo que dá prazer visando o crescim ent o e prot eção ( do corpo,
et c.) .” 13 A diferença ent re est es dois t ipos de obj et os é discernível
som ent e para um hom em sábio que t em a paciência de considerar a
im port ância ou insignificância deles com o t am bém os frut os que eles
geram ; enquant o a pessoa com um m au inspirada pelos ganhos im ediat os,
perde de vist a a m et a da vida.
Mas t ão grande deve ser a im ensidão da Bem - avent urança que se
obt êm ao at ingir à Deus, ou realizar o seu próprio Ser, que m uit o poucos
que a experim ent aram , ret ornaram para dizer ao m undo sobre ist o. Sri
Ram akrishna ilust ra est e pont o por m eio de um a parábola: “ Um a vez,
quat ro am igos, no m eio de um a cam inhada viram um lugar por um m uro
alt o. Todos eles ficaram ansiosos de conhecer o que havia dent ro. Três
deles, um após o out ro, escalaram a parede, viram o lugar, deram um a
grande gargalhada e pularam para o out ro lado. Est es t rês não puderam
dar nenhum a inform ação sobre o que havia dent ro. Som ent e o quart o
hom em ret ornou e cont ou às pessoas sobre ele. Ele é com o aqueles que
ret êm seus corpos, m esm o após at ingir Bram aj nana, para ensinar os
out ros.” 14 Tal é a at ração daquele est ado que quando um a pessoa o
at inge esquece t odo o rest o e o m undo, com t odas as suas figuras
caleidoscópicas aparece para ele com o m era cinzas do crem at ório.
Quaisquer dúvidas que possam t er exist ido em sua m ent e sobre a
et ernidade da Realidade e sobre a t ransit oriedade dest e m undo
desaparecem para sem pre. Mas nós t em os que t rabalhar m uit o para ret ê-
lo, de out ro m odo, m esm o se por acaso nós o at ingirm os, não serem os
capazes de suport ar seu im pact o.
Um incident e que ocorreu na vida de Sri Ram akrishna explicará est e
fat o. Mat huranat h Biswas, um genro de Rani Rasm ani, um a vez pediu ao
Mest re fazê- lo experim ent ar bhava sam adhi. Sri Ram akrishna t ent ou
dissuadi- lo, m as ele não o escut ou. Pelo cont rário, ele insist iu para que o
Mest re o abençoasse com aquele est ado. Por fim , quando t odos os
argum ent os para convencer à Mat hur falharam , Sri Ram akrishna disse:
“ Bem , eu direi à Mãe e Ela fará o que Lhe agradar.” Em alguns dias t eve
seu desej o sat isfeit o, m as ele descobriu ser im possível pensar em algo
excet o Deus; ele não podia volt ar sua m ent e em direção de seus deveres

5
m undanos. I st o assust ou Mat hur t ant o que ele cham ou Sri Ram akrishna e
quando o Mest re chegou, ele narrou sua experiência, a difícil sit uação em
que ele se encont rava, e im plorou ao Mest re para t irar est e est ado. Assim
nós vem os que a m enos que um a pessoa se equipe corret am ent e,
purificando sua m ent e, cont rolando seus sent idos, et c., não será capaz de
cont er est a bem - avent urança ilim it ada, que chega com a realização do
Divino.
Nós m encionam os ant eriorm ent e que a bem - avent urança im ort al é
nosso direit o de nascim ent o e que a t ot alidade da criação exist e devido à
um a fração dest a bem - avent urança de Brahm an; t am bém que um a das
razões porque os hom ens não lut am para at ingi- la é devido à sua
ignorância sobre sua exist ência. Coisas sim ilares algum as vezes
acont ecem nest e m undo: por exem plo, devido aos caprichos do dest ino
filhos de pais ricos podem se perder e podem nunca chegar a conhecer
seu parent esco ou heredit ariedade; ou alguém pode ent errar seu t esouro
quando em grande perigo de perder sua vida e fugir do lugar
apressadam ent e e quando o perigo passa ret orna ao lugar para
desent errá- lo, m as sendo incapaz de localizar o exat o lugar, anda sobre o
t esouro um a e out ra vez. O Chandogya Upanishad dá um a analogia
sim ilar: “ Da m esm a form a com o as pessoas que não conhecem a região,
andam repet idas vezes sobre o t esouro escondido no subsolo e não o
encont ram , assim t am bém , t odas est as criat uras aqui, apesar de que
ent rem diariam ent e no m undo de Brahm an, não O descobrem , pois elas
são deixadas levar pelo falso” . 15 Seus desej os por obj et os passageiros as
conduzem erroneam ent e. O m undo de Brahm an falado aqui é aquele de
nossa nat ureza real, no qual nós ent ram os quando em sono profundo;
quando nem as dist rações do est ado de vigília nem aquelas do m undo dos
sonhos se apresent am . Cont udo, perm anece a ignorância devido aos
desej os inerent es pelas coisas m undanas. Som ent e se poderá t er a
verdadeira felicidade quando est es desej os, j unt am ent e com suas raízes
forem rem ovidos da m ent e. O hom em iludiu- se a si m esm o por seu apego
ao corpo considerando- o com o sendo a sua verdadeira nat ureza. Cont udo,
se analisar claram ent e descobrirá que ele não é nem o corpo nem os
sent idos, nem m esm o a m ent e, m as algo m ais. Verem os com o se pode
chegar à est a conclusão. Se o hom em fosse apenas o corpo, ent ão no
sono, quando não se é conscient e dele, ele deixaria de exist ir. Mas ist o
não acont ece; é o m esm o hom em que foi dorm ir, que ret orna dele. Se ele
fosse apenas a m ent e, ent ão no sono profundo ele deixaria de exist ir, pois
m esm o a m ent e não funciona ent ão, m as ist o t am bém não acont ece.
Port ant o nós som os forçados a concluir que o hom em não é apenas um
ser psicofísico, porém algo m ais. A consciência que est e ser psicofísico
reflet e, que dá a ele sua ident idade, não é sua própria, m as do Espírit o
I nt erno, que é cham ado At m an em sânscrit o. As escrit uras Hindus dizem
que Ele é da nat ureza de Sat , Chit e Ananda, ist o é, Exist ência,
Conhecim ent o e Bem - avent urança Absolut a. Quando est e Ser é realizado
em sua form a m ais pura ele é idênt ico com Brahm an, de quem t oda a
criação em anou, em quem ela exist e e a quem ret ornará. Os Upanishads
são enfát icos e sem am bigüidade em sua proclam ação: “ Aquilo que é

6
infinit o é apenas bem - avent urança; não há felicidade no lim it ado; no
infinit o apenas est á a bem - avent urança, port ant o deve- se indagar sobre o
infinit o apenas” . 16 Nest a palavra ‘lim it ado’ usada pelo Upanishad est á
incluído t udo que não é Brahm an, m esm o os elevados céus. Est es céus
são lugares de gozo e suj eit os à dest ruição com o t udo m ais que é criado;
além disso, os prazeres que se gozam nest as regiões engendram novos
desej os. E desej o significa m iséria, e j am ais a m iséria foi vist a gerando
felicidade nest e m undo.
Port ant o o Kat hopanishad declara: “ A et erna bem - avent urança
pert ence à aqueles sábios que vêem que aquele Único Senhor, - que
perm eia t udo, é independent e, e que se m anifest a em diferent es form as,
- residindo em seus corações, e à ninguém m ais. Som ent e à aqueles
sábios pert ence a paz et erna que percebe o Senhor - que é o et erno em
m eio ao efêm ero, que é o único dispensador dos frut os das ações dos
m uit os - com o residindo dent ro de seus próprios corações e à ninguém
m ais.” 17
Quem pode realizar est e At m an, ou que est ado nós nos t ornam os
com plet am ent e bem avent urados? Est e est ado é realizado naquele est ado
quando não se vê um segundo ser, não se ouve um segundo som , não se
conhece um a segunda coisa, ou sej a, quando t udo nest e m undo que
exist e com o nom e e form a m ergulha dent ro Daquele. Em out ras palavras
quando se realiza a ident idade com Brahm an; quando des- ident ifica- se do
corpo, dos sent idos e da m ent e, ou com o Swam i Vivekananda cost um ava
dizer, quando nos des- hipnot izam os.
Com o pode o At m an ser realizado? As Escrit uras dizem : “ Ele deve
ser ouvido, cogit ado, e ent ão m edit ado” . 18
Deve- se ouvir Dele de um a pessoa com pet ent e, o acharya, porque
som ent e ele pode expor o significado dos t ext os das Escrit uras
aut ent icam ent e; som ent e ele pode nos m ost rar o cam inho corret o. O
próprio Shrut i declara: “ Quando um a pessoa inferior fala do Ser, Ele não
pode ser adequadam ent e conhecido, pois é pensado de vários m odos.
Mas quando é ensinado por aquele que se ident ificou com Ele, não rest ará
nenhum a duvida com relação à Ele.” Após ouvir de um a pessoa
com pet ent e deve- se t ent ar pensar sobre o que escut ou e ent ão m edit ar
sobre o At m an com o ensinado pelo m est re.
O que se consegue quando se realiza o At m an, o Ser Et erno?
Um a vez que est a realização sej a nossa, as escrit uras dizem que nós
verem os aquele Ser Et erno, nosso próprio At m an, m anifest ado em t oda
part e e t oda a ilusão e t odo sofrim ent o desaparecerão. O Bhagavad Git a
diz: “ At ingindo o qual, não se considera que haj a nada m ais elevado à ser
at ingido e est abelecido no qual, não se é abalado nem m esm o pelo m aior
dos sofrim ent os.” 19
Cont udo, deve ficar claro que est a bem - avent urança não é
alcançada apenas por aqueles que t rilham o cam inho do conhecim ent o,
m as pode ser experim ent ada t am bém por aqueles que seguem o cam inho
de bhakt i. Eles t am bém experim ent am aquela bem - avent urança sem
lim it es na proxim idade de seu I deal Escolhido. Um devot o da Divina Mãe,
com o Ram prasad, sem pre im erso na bem - avent urança, cant ou e dançou

7
em Seu nom e e perm aneceu sem pre livre. Na t ot alidade de seu coração
ele cant ou: “ Um a pessoa que t em com o sua Mãe, a Bem - avent urada, não
pode viver no sofrim ent o! A Divina Mãe o m ant ém feliz nest e m undo e no
próxim o” . Sant os em t oda a Í ndia, que adoraram a Deus com form as
alcançaram est e bendit o est ado. Ele não é propriedade exclusiva de
nenhum a seit a ou classe da sociedade. Todos, onde quer que est ej am
colocados, podem lut ar por ele. A est e respeit o, a afirm ação dada por Sri
Krishna é m uit o encoraj adora: “ Se m esm o a m ais m alvada pessoa m e
adora com devoção única, ele deve ser considerado com o piedoso, porque
t om ou um a resolução corret a. Breve ele se t ornará virt uoso e at ingirá a
paz et erna; saiba com cert eza, ó filho de Kunt i, que Meu devot o j am ais é
dest ruído” . 20

Referências
1
Katha Upanishad, I.ii.5&6
2
Gospel of Sri Ramakrishna, Traduzido por Swami Nikhilananda, publicado pelo
Ramakrishna Vivekananda Centre of New York, edição de 1942, pgs. 86-87.
3
Katha Upanishad, II.i.1
4
Vairagyashatakam 7
5
Bhagavad Gita, V.22
6
Gospel of Sri Ramakrishna, pg.165
7
Chandogya Upanishad, VII.i. 1-3
8
Castidade, continência.
9
Shevetashvatara Upanishad II.5 & III.8
10
Vivekachudamani 86
11
Bhagavata XI.v.20
12
Ibid.XI.iv.29
13
Katha Up.I.ii.2
14
Gospel of Sri Ramakrishna, p.268
15
Ch.Up. VIII.iii.2
16
Ibid.VII, xxivi.1
17
Katha Up.II.ii.12&13
18
Br.Up.II.iv.5.
19
Bhagavad Gita VI.22
20
Ibid IX, 30, 31

8
O Livre Arbítrio e a Vontade Divina
(1979)

Swami Paratparananda

É comum o conceito de que o homem tem livre arbítrio ou vontade livre,


que possui a faculdade de agir por reflexão e escolha. Se bem que não podemos
negar este conceito tampouco podemos aceitá-lo em sua totalidade como
verdade. Por que não podemos assegurar de um modo ou de outro? Por que
vacilamos entre aceitá-lo ou rechaçá-lo? Primeiro vamos estudar a definição de
livre arbítrio. Significa a faculdade de agir por reflexão e escolha, independente
de outros fatores, como por exemplo, a inclinação natural. Os filósofos hindus
chamam a esta “ faculdade de discernir e decidir” , em sânscrito, buddhi.
Segundo eles esta é uma das partes, por assim dizer, do antahkarana, sentido
interno do homem, cujas outras partes são: manas (mente), chitta (substância
mental), e ahankara (ego). Talvez seja necessário aqui explicar as funções ou
poderes destas partes do instrumento interno para compreendê-lo melhor.
Manas é que recebe todas as impressões dos objetos que os sentidos lhe
apresentam, mas não decide se deve perseguir, aceitar ou rechaçar tais objetos.
Neste momento intervém o buddhi (intelecto), a faculdade de discernir, e decide
o que vai fazer. Chitta é o depósito das tendências inatas e das impressões que o
homem vai recebendo através desta vida. Qualquer experiência ou impressão
que o intelecto recebe, ao reflexionar, compara com as que já estão armazenadas
no chitta e vê qual foi o resultado desta experiência no passado, antes de
decidir. O ahankara (ego) é o que pensa que é o agente. Este é o significado
literal da palavra ahankara: “ aquele que diz: ‘sou o agente’” . Todos estes são
apenas instrumentos, pois não têm poder algum se a consciência do homem não
está unida à eles.
A primeira objeção que se pode formular contra esta teoria do livre
arbítrio é: Como pode um instrumento ser livre? Se isto fosse certo, então a
pena do escritor, o pincel do pintor, o formão do carpinteiro, o cinzel do
escultor, a marreta do ferreiro e outras ferramentas semelhantes teriam
trabalhado por si sós. A isso se pode responder: não é ao próprio instrumento
que nos referimos aqui, senão a faculdade ativada pela consciência. Então
respondemos: neste caso não é que o arbítrio ou vontade sejam livres, senão a
pessoa que os possui. Neste conceito também há uma trava, pois para a maioria
da humanidade sua personalidade significa no máximo a identificação com o
ego, o “ eu” . Surge então a pergunta: O ego é livre? O “ ego” , segundo o monista,
é uma falsa identificação do Ser ou Atman com a mente, corpo ou sentidos
segundo as circunstancias ou momentos, devido à ignorância da realidade.
Como pode ser livre o que está sob o encanto da ignorância? No entanto isto é
exatamente o que acontece: quando estamos vendo magia vemos somente as
1
coisas que o mago quer que vejamos ainda que não existam, e pensamos que
são reais. Neste momento não nos damos conta de que são irreais ou ilusórias.
Assim mesmo, os que estão a favor desta idéia de livre arbítrio não vão discutir
ou raciocinar deste modo; eles gostam da idéia e a aceitam. Mas uma coisa é
aceitar uma teoria e outra totalmente diferente é colocá-la em prática na vida
diária. Um homem que realmente possua este livre arbítrio não teria que
desanimar-se pelas circunstâncias adversas. Teria que cumprir com todas suas
resoluções e não deveria preocupar-se nem perturbar-se pelos resultados. Mais
ainda, deveria manter-se calmo até mesmo quando o resultado fosse
desfavorável. Por acaso o homem que aceita esta teoria do livre arbítrio pode
enfrentar todas as circunstâncias com calma, pode levar a cabo todas suas
resoluções? Isto é muito importante; isto é o que realmente vale: pois a meta
final do homem é chegar a ter a tranquilidade, a paz duradoura. Todos seus
esforços e lutas são para alcançar este estado de equanimidade, de bem-
aventurança. O conceito de livre arbítrio também se originou daí, ter a
liberdade de atuar e desfrutar. Pergunte-se se duvidam disto: Por que quero a
liberdade? Porque só nela está a paz e a felicidade. Na prisão, na limitação, na
sujeição, existem muitas obrigações que nos impelem a atuar e a nos comportar
contra nosso desejo e vontade, apesar de nós mesmos. Além disso, estamos
inibidos pelas circunstâncias e induzidos a atuar por nossas tendências inatas.
Quando a situação é assim, ou seja, tendo tantos impedimentos e
limitações, como pode alguém pensar que é livre? Realmente não podemos.
Para verificar isso não necessitamos indagar muito; tratemos de desfazer-nos de
um mau hábito e cultivar outro bom, então veremos se realmente temos o livre
arbítrio.
Fazemos boas resoluções pela manhã, mas à tarde todas elas, na maioria
de nossos casos, são varridas pela corrente dos hábitos e não fica nenhuma; e
isto acontece dia após dia, mês após mês, ano após ano. Passam os anos e as
boas resoluções ficam sem cumprir-se, sem podê-las levar a cabo. É essa a
indicação do livre arbítrio? Vemos assim que o arbítrio não é tão livre quanto
acreditamos.
Na definição do livre arbítrio que já citamos encontramos duas palavras:
reflexão e escolha. Reflexão significa, segundo o dicionário, exame cuidadoso de
algo. Se o homem fosse guiado pela reflexão, como poderia atuar mal, como
poderia, conscientemente, convidar a desgraça e os sofrimentos, produto de
suas obras? Por isso temos que admitir que as tendências herdadas das vidas
passadas têm muito a ver com o comportamento de cada indivíduo. Não
obstante, existe essa idéia no homem e Deus a permitiu para que atue como um
incentivo à ação. Se tudo fosse automático, se não existisse este impulso, não
haveria nenhuma evolução no homem, talvez o ser humano fosse ainda hoje tão
primitivo em seus hábitos, costumes e moralidade como era na época
paleolítica, vivendo nas cavernas e movido somente pelas paixões e instintos
como os animais. O homem é homem porque pode lutar contra a natureza
externa e interna. Tem essa liberdade. Sri Ramakrishna falando do livre arbítrio
certa vez disse: “ Foi Deus quem plantou na mente do homem o que o ‘inglês’

2
chama de livre arbítrio. As pessoas que não alcançaram Deus se meteriam em
atos ainda mais daninhos se Ele não houvesse semeado esta noção do livre
arbítrio neles. O pecado haveria aumentado se Deus não houvesse feito sentir
ao malvado que só ele é o responsável por seus atos pecaminosos. Os que
alcançaram à Deus estão conscientes de que o livre arbítrio é uma mera
aparência e que na realidade o homem é a máquina e Deus o Maquinista, o
homem é a carruagem e Deus o condutor.”
Também podemos ver que as leis não teriam sentido se cada um não
fosse feito responsável por suas ações e tudo seria, nesse caso, um caos, um
pandemônio. Como exemplo desta atitude de irresponsabilidade podemos ver
o que ocorre com as pessoas que interpretam erroneamente a teoria do karma.
Se alguém lhes pergunta que significa esta teoria não podem dar uma resposta
convincente, só vão dizer que é o resultado das ações de vidas anteriores. Não
se detêm a pensar quem foram os que fizeram estas ações no passado cujo
resultado estão agora desfrutando ou sofrendo. Cada um colhe o que semeou
ou semeia, ou seja, o fruto de suas próprias ações e não as de outro. Na terra
pode administrar-se equivocadamente a justiça, pois o juiz tem que depender
das provas e testemunhos diante ele. Mas Deus, estando presente no coração de
todos e sendo Ele mesmo a Testemunha de todas nossas ações, inclusive a mais
oculta que o homem possa fazer, jamais se equivoca. Só os débeis, ociosos e
ignorantes não querem perseguir esta linha de raciocínio, pois então se
encontrarão com a seguinte questão: se as ações das vidas anteriores
produziram estes frutos, por que não esforçar-me para mudar o modo de minha
vida atual e moldá-la melhor para o futuro? O homem tem certa liberdade, é
por isso que não podemos negar totalmente o conceito do livre arbítrio.
Mas devemos repetir que o homem não tem uma liberdade total. Vamos
narrar aqui uma estória que se encontra no Kena Upanishad: Certa vez
Brahman conseguiu que os devas, seres celestiais, vencessem aos demônios. Os
devas se orgulharam disso e acreditaram que foi por seus próprios esforços que
haviam logrado esta vitória. Brahman, dando-se conta disto, apareceu diante
dos devas na forma de um Espírito. Curiosos para saber quem era este Espírito,
os devas enviaram a Agni, a divindade do fogo. Quando este se lhe acercou, o
Espírito lhe perguntou: “ Quem és?” “ Sou a divindade do fogo,’ respondeu o
deva. “ Que poder tens?” perguntou o Espírito. “ Ah, eu posso queimar tudo
quanto existe na terra,” respondeu Agni. O Espírito então colocou diante de
Agni uma simples palha e lhe pediu que a queimasse. A divindade do fogo
tentou fazê-lo com toda a sua força, mas não conseguiu. Humilhada, voltou
para os devas. Depois enviaram Vayu, a divindade do vento, com o mesmo
resultado. Por mais que tenha se esforçado para levar a palha soprando não
pôde nem movê-la. Desta maneira, um por um, os devas se apresentaram
diante do Espírito, fracassaram em comprovar suas respectivas forças e
voltaram humilhados. Ao final quando Indra, o rei dos devas, se adiantou, o
Espírito desapareceu e em seu lugar apareceu uma mulher belamente
adornada. Era Uma, a Força Cósmica. Indra se aproximou e lhe perguntou:
“ Quem é este Magno Espírito?” Respondeu Ela: “ É Brahman. Foi por Sua força

3
que vocês tiveram a glória.” Aqui vemos que toda a força, até a dos seres
celestiais, depende da força de Deus e que os vários devas ou deuses são apenas
Seus instrumentos. Lemos nos Upanishads: “ Por Sua força o fogo queima, o
vento sopra, a água molha e a morte cumpre sua função.”
Certa vez Swami Saradananda, um discípulo direto de Sri Ramakrishna,
relatou este incidente de sua própria vida falando sobre o problema do livre
arbítrio. Em sua juventude era um estudante de medicina e como outros jovens
daqueles dias, ao final do século dezenove, era cético, não acreditava na
existência do Ser ou Deus. Certo dia este jovem foi visitar Sri Ramakrishna e lhe
falou do livre arbítrio, dizendo: “ Senhor, onde intervém a vontade de Deus? Eu
posso fazer tudo que quero. Estou fazendo ensaios e qualquer coisa que quero
fazer, consigo.” Sri Ramakrishna lhe aconselhou que seguisse esta mesma linha
de pensamento durante um tempo e observasse o que ocorresse. Mais ou menos
um mês depois o jovem voltou a visitar o Mestre e lhe disse: “ Senhor, descobri
algo; estive observando-me estes dias e vejo que agora não posso fazer nada por
minha própria vontade, nem sequer a coisa mais insignificante; antes podia
fazer grandes obras. Não compreendo, estou confuso.” Sri Ramakrishna lhe
disse que escutasse com atenção a canção que ia cantar, a aprendesse de
memória e meditasse sobre seu significado todos os dias. Em seguida cantou:

Tu és meu Tudo em Tudo, oh Senhor – a Vida de minha vida, meu ser mais
recôndito;
Não tenho a ninguém nos três mundos senão a Ti, a quem chamar meu.
Tu és minha paz, minha alegria, minha esperança; Tu, meu sustém, minha
riqueza, minha glória;
Tu és minha sabedoria e minha força.
Tu, meu lar, meu lugar de descanso; meu amigo mais íntimo, meu parente mais
próximo;
Meu presente e meu futuro Tu és; meu céu e minha salvação.
Tu és minhas escrituras, meus mandamentos; Tu meu sempre bondoso Guru;
Tu és a Fonte de minha bem-aventurança sem limite.
Tu és o Caminho; Tu, a Meta, Tu, oh adorável Senhor!
Tu és a Mãe de terno coração, Tu, o Pai que castiga,
Tu, o Criador e Protetor; Tu, o Timoneiro que guia
Minha barca através do mar da vida.

Swami Saradananda seguiu as instruções de seu Mestre e como


conseqüência pode resolver todas suas dúvidas. Vemos nesse relato que o ser
humano tem certa liberdade de atuar, mas não é total. O homem tem que
depender da vontade divina para lograr êxito na vida, especialmente na vida
espiritual.
Agora vejamos, de onde surgiu esta idéia de liberdade, ou seja, a idéia do
livre arbítrio? Sabemos que existem algumas noções fundamentais no homem,
por exemplo, a vida eterna, a felicidade absoluta e a liberdade total. O monista
diz que esta é a natureza do Atman, a essência do homem. Portanto não é
possível para ele esquecer sua natureza, por mais que esteja submetido à
4
ignorância, por mais que esteja impedido pelos upadhis, as limitações, como
corpo, sentidos e mente. Assim como um homem que teve um pesadelo
continua assustado por um tempo mais, mesmo depois de despertar-se, da
mesma forma a natureza interna do homem, ainda que coberta por pesadas
incrustações, persiste em afirmar-se de alguma maneira. E a idéia do livre
arbítrio é uma delas.
A questão que agora se apresenta é: Por que não chamar de livre o que já
é? Não vamos confundir uma coisa com outra. É certo que o Ser é livre; mas no
estado em que esse Ser se identifica com o corpo. O Ser não tem nenhuma ação
que empreender, nada para alcançar; o que falta para alcançar aquele que já é
eterno, imaculado, iluminado e livre por natureza? Nada. E toda ação se faz
com um propósito, quer seja satisfazer uma necessidade ou cumprir um desejo.
É claro que um ser que alcançou a Deus, que O viu cara a cara é uma exceção a
esta regra, como é o caso das Encarnações Divinas. Estes seres vêm a terra para
redimir a humanidade, para mostrar-lhe o caminho; não têm nenhum motivo
pessoal. Sri Krishna declara no Bhagavad Gita: “ Oh Arjuna, não tenho nos três
mundos nenhum dever que cumprir, nem falta nada para alcançar que não
tenha alcançado; no entanto Me ocupo na ação.” Todos os outros, salvo estes
seres excepcionais, são movidos por algum motivo pessoal, seja elevado ou
baixo. Os motivos elevados tais como alcançar a Deus, lograr bhakti (devoção)
são bons e não prendem os homem a este mundo, não os fazem continuar na
ronda de nascimentos e mortes. Pelo contrário, os ajudam a ser mais e mais
livres, à medida que se vão fortalecendo. Os motivos baixos, que são na sua
maioria egoístas e que consistem na satisfação dos desejos de gozo mundano,
não nos liberam, pelo contrário, adicionam um elo a mais na corrente das
nossas amarras. Vemos assim que o próprio fato de estar ocupado na ação,
repetimos, salvo nos casos excepcionais já mencionados, implica imperfeição.
Como pode haver perfeição em um estado imperfeito? Todos nós viemos aqui a
terra porque somos imperfeitos, porque temos vários desejos insatisfeitos. Em
tal estado não existe um arbítrio totalmente livre. Um homem pode satisfazer
seus desejos e como conseqüência dos transtornos e sofrimentos que padece, é
possível que se dê conta da vacuidade de todo gozo mundano e lute para
escapar das garras mortíferas do desejo e alcançar a perfeição. Mas não
devemos confundir a pouca liberdade de vontade que gozamos com a
perfeição, ou plena liberdade. Na maioria das vezes isto é o que acontece:
consideramos que como Ser somos livres e ao mesmo tempo o confundimos
com o corpo, sentidos ou mente, querendo ver perfeição no imperfeito, melhor
dizendo, vendo o imperfeito como perfeito.
Pela graça divina esta confusão não dura para sempre, as dificuldades e
o sofrimento que sofremos nos ensinam algo cada dia e gradualmente
chegamos a conhecer que o que havíamos considerado como nosso Ser não o
era e chamá-lo livre foi um erro. Mas este firme conhecimento vem quando se
alcança a Deus; até então, ainda que de vez em quando se tenha um vislumbre
dele, se perde em seguida e volta a cometer o erro anterior. Por isso devemos
ter esta firme convicção de que o arbítrio não é totalmente livre ainda que tenha

5
uma aparência de liberdade. Sri Ramakrishna explica isto com um exemplo
muito simples: Uma vaca está amarrada a um poste em uma em uma grande
pradaria com uma corda longa. A pradaria é infinita e cheia de pasto verde. A
vaca pode mover-se livremente dentro da área representada pelo círculo com a
extensão da corda como raio e nem um pouco mais. Se agradar ao dono, ele
pode aumentar a corda e permitir que a vaca possa pastar sobre um espaço
maior. A vaca pode pensar que é livre, mas se dará conta de que não é, quando
queira ir além do que a corda amarrada ao seu pescoço lhe permita, pois sentirá
o puxão. A vontade do homem também é exatamente igual, lhe foi outorgada
certa liberdade, mas não mais.
A impotência humana ante suas debilidades é óbvia na pergunta que um
herói como Arjuna faz: “ Então, movido por qual força comete um homem más
ações, ainda que não queira, como se fosse obrigado?” Sri Krishna responde: “ É
este desejo, esta ira, originado de rajas, é voraz e malvado; conhece-o como teu
inimigo aqui.” Sri Krishna não distingue o desejo e a ira como sentimentos
separados, pois o segundo é o efeito do desejo obstruído, por esta razão usa o
verbo no singular. Onde está o livre arbítrio quando se move constantemente
com tanta facilidade ao ser atacado pelos desejos e paixões? Damos-nos conta
de nossas limitações só quando as tormentas dos fracassos agitam nossa barca
neste mar da vida. Um jovem, são, rico e poderoso não o sente, pensa que é
supremo. Inclusive as pessoas avançadas na idade que não padeceram
nenhuma grande calamidade custa a entender isso. Mas chega o momento na
vida de cada um em que tem que encarar a vida com é e não como um sonho
prazeroso. Só existe uma vontade que é livre e essa é a do Altíssimo. Aquele
que se submete à vontade de Deus atravessa sem muito dano as tormentas e
dificuldades.
Conta-se uma estória na Índia: Havia um yogui, que certa vez estava
parado na praia, quando se levantou um vendaval. Ele viu um barco que ia
sendo levado pelos fortes ventos. O yogui havia adquirido alguns poderes
sobrenaturais, podia controlar até os elementos da natureza. Movido pela
compaixão pelos passageiros deste barco, exclamou: “ Que se acalme a
tormenta” e suas palavras se cumpriram. Mas como o vento se acalmou de
repente, o barco afundou causando a morte de todos a bordo. Sem dúvida o
yogui tinha boa intenção, mas sua visão era limitada, não podia ver além das
aparências. Assim são os juízos do homem, propensos à equivocação. Portanto
é necessário que tratemos de conformarmos com a vontade de Deus. Sri
Ramakrishna ensinou uma parábola sobre a vontade de Rama, que ilustra esta
idéia de submissão à vontade divina. Havia um tecelão, um grande devoto, que
cumpria com todo o dever que lhe correspondia e ao mesmo tempo recordava a
Deus. Até em seus negócios via a vontade de Rama, seu Ideal escolhido. Era
honesto e por conseguinte as pessoas tinham confiança nele. Aos que iam
comprar tecidos lhes dizia: “ Pela vontade de Rama o valor do fio é tanto; pela
vontade de Rama o custo do trabalho é tanto e pela vontade de Rama o ganho é
tanto.” As pessoas da aldeia lhe queriam. Certa noite, quando não podendo
dormir estava sentado no oratório de sua casa pensando no Senhor, alguns

6
ladrões, que necessitavam de um homem para carregar o que iam roubar, o
levaram a força. Depois cometeram um roubo em uma casa e puseram a carga
roubada sobre a cabeça do tecelão. Nesse momento chegou a polícia, os ladrões
fugiram, mas o tecelão foi capturado e levado para a cadeia. No dia seguinte foi
levado diante do juiz para ser julgado. Os aldeões se inteiraram do que havia
acontecido e foram ao tribunal. Disseram ao juiz: “ Sua Senhoria, este homem
jamais pode cometer um roubo.” O juiz pediu ao tecelão que fizesse sua
declaração. O homem disse: “ Sua Senhoria, pela vontade de Rama acabara de
jantar a noite. Depois, pela vontade de Rama estava sentado no oratório. Era
noite avançada, pela vontade de Rama. Pela vontade de Rama estava pensando
em Deus e cantando Seu Nome e Suas Glórias, quando pela vontade de Rama,
passou por ali um bando de ladrões. Pela vontade de Rama me levaram a força
com eles. Pela vontade de Rama cometeram roubo em uma casa e pela vontade
de Rama chegou a polícia e pela vontade de Rama fui preso. Depois, pela
vontade de Rama a polícia me prendeu durante a noite e esta manhã, pela
vontade de Rama, fui trazido diante de Sua Senhoria.” O juiz se deu conta de
que o tecelão era um homem piedoso e ordenou sua liberdade. Em seu caminho
de regresso à casa, o tecelão disse aos seus amigos: “ Pela vontade de Rama, fui
posto em liberdade.”
Mas este tipo de submissão à vontade divina não se obtém de repente,
mas pela longa prática de disciplinas espirituais e levando uma vida de pureza
e abnegação. Também tem que haver conformidade entre o que se diz, faz e
pensa. Esta pessoa é chamada de grande alma. Se pudermos seguir este
princípio, gradualmente poderemos nos desfazer de nosso ego e submeter-nos à
vontade de Deus.
Qual é a utilidade desta submissão? Não se parece com escravidão?
Falamos menosprezando as pessoas que se submetem à vontade divina ou nos
sentimos rebaixados ao mero pensar que temos que aprender a submeter-nos a
ela, mas não nos sentimos humilhados quando temos que adaptar-nos à
vontade de pessoas de quem esperamos beneficio material. E neste caso, o que
ganhamos? Intranquilidade e sede, desejo de ter mais e mais bens, enquanto
que a submissão à Deus tira a agitação e traz a paz. Nada perturba a pessoa que
se submeteu à vontade de Deus, como vimos no caso do tecelão da parábola. Se
pode argumentar que isto é apenas uma estória e que não há certeza de que tal
acontecimento aconteceu alguma vez. No entanto, têm existido pessoas em todo
o mundo cuja vida está bem refletida nesta parábola; mas eles não fazem
demonstração de sua santidade ou de suas nobres qualidades. Essas pessoas se
entregam por completo à vontade divina, não porque esta seja inevitável, mas
porque sentem alegria em fazê-lo, sabendo que a bem-aventurança depende
desta entrega. Sri Ramakrishna costumava dizer: “ Assim como uma pessoa que
confia seu negócio à um bom homem pode estar tranqüilo, do mesmo modo
aquele que se entrega totalmente à Deus pode estar seguro de que não vai lhe
acontecer nenhum mal, que o Senhor lhe vai cuidar bem.”
Enquanto acreditamos que somos entidades separadas com distintas
vontades, estaremos pensando cada um em nosso próprio interesse: os deveres,

7
desejos e ambições. E enquanto existam estes variados interesses haverá conflito
e brigas. E as vontades que levam ambições não podem ser livres, já que uma
vai limitar a outra. E a menos que todos os pensamentos fluam em uma só
direção, para Deus, não pode haver união da [nossa] vontade com a [vontade]
de Deus. E sem conseguir que essa união seja estabelecida não haverá término á
insegurança e às paixões.
Tratemos de cultivar confiança em Deus, sem afrouxar nossos esforços
para chegar a Ele; pois todos os grandes mestres espirituais afirmaram que a
graça de Deus é imprescindível para o progresso espiritual do homem.
Que o Senhor nos outorgue confiança Nele para que possamos alcançá-
Lo e terminar com este círculo de nascimentos e mortes!

8
1

ONDE BUSCAR CONSOLAÇÃO 1

Swami Paratparananda
Abril de 1978

É um fato bem conhecido que este mundo é um mistura de bem e mal, de


prazer e dor, de concordância e discordância, de carinho e medo, de união e
separação, de criação e destruição. Onde está um desses pares de opostos, está
também o outro. Não se pode separar um do outro nem se pode achar em uma
pessoa comum um só deles isoladamente. Até o ladrão ou assaltante que rouba
e mata sem piedade tem em seu coração carinho por sua família ou por uma
pessoa em particular, roubando ou matando talvez para mantê-los. Vemos em
todos, não somente entre os seres humanos, estes dois sentimentos. Até os
pássaros que se comportam como inimigos dos vermes, o fazem com o
propósito de alimentar aos seus filhotes. Em outras palavras, podemos dizer
que é evidente que o mundo inteiro é um conjunto desses pares de opostos. O
que está sob a influência de um, também está sob o domínio do outro. E
nenhum dos dois nos permite sair de suas garras e liberar-nos. Todo esforço
humano é precisamente ir além destes pares de opostos e alcançar a bem-
aventurança plena e eterna. O ser humano tenta lograr este estado de várias
maneiras: alguns adquirindo riquezas, outros tendo filhos, estes mediante
logros intelectuais, aqueles adquirindo poderes, quer sejam terrenos ou ocultos,
no entanto nenhum deles chega a alcançá-lo. Em vez da paz e consolação que
buscam através destes meios, se encontram em meio de um labirinto de
inquietude, provocada pela sede de possuir mais e mais dessas coisas ou na
conservação do já adquirido.
O mundo que criamos desta maneira absorve a mente em sua totalidade
e quanto mais nos apegamos aos objetos, tanto mais nos identificamos com eles.
O resultado é que a angústia que se sente ao afastar-se deles se faz mais aguda.
O homem sabe tudo isto, no entanto não pode desfazer-se do apego pelos
objetos e o triste do caso é que a maioria da humanidade nem o tenta. Sri
Ramakrishna costumava dizer: “O camelo come arbustos espinhosos e
enquanto o faz sua boca sangra abundantemente, não obstante, não cessará de
comê-los”. É assim também a vida do ser humano. Sabe que tem que passar por
incontáveis sofrimentos neste mundo uma vez que se enreda nele, no entanto
não pode evitar envolver-se. O que é que o compele a fazê-lo? Arjuna, o grande
herói do Mahabharata, faz uma pergunta idêntica a Sri Krishna: “Então o que,
por assim dizer, obriga ao homem a levar uma vida cheia de erro, ainda que
não queira?” Sri Krishna lhe responde: “É este desejo, é esta ira, produto de
rajas, que o obriga. É voraz e malvado. Conhece-o, com certeza, como teu pior
inimigo aqui”. Vemos aqui que se usou o verbo no singular, ainda que

1
Traduzido do original em espanhol “Donde Buscar Solaz”.
2

aparentemente existam dois sujeitos, ‘desejo e ira’. Shankaracharia comentando


este verso diz que a ira é outro aspecto do desejo; quando se impede o
cumprimento do desejo este se converte em ira, portanto no texto o verbo está
no singular. Em realidade, a base de toda atadura deste mundo é o desejo. E
enquanto se tenha ainda que seja um vestígio de desejo, não pode ir além dos
pares de opostos.
Por que acontece isto? Por que não é possível desfazer-se do desejo? Não
é que todos não possam fazê-lo. Pelo contrário, sabe-se que alguns se liberaram
rompendo a corrente do desejo. Mas muito poucas são as pessoas que
pertencem a esta classe. A maioria da humanidade vem à terra devido ao
impulso desse desejo, que eles haviam abrigado durante vidas anteriores.
Geralmente buscamos felicidade e consolação no externo, fora de nós, por
estarmos sujeitos às nossas paixões e desejos.
Os sankhias, psicólogos hindus de épocas anteriores, dizem que a criação
ou o universo é o produto do desequilibro dos três elementos constituintes da
Prakriti ou Natureza. Eles os chamam gunas. Estes três gunas existem em toda a
criação, tanto no ser humano como em qualquer outra coisa vivente; mas são
perceptíveis, pelas qualidades que eles engendram, de uma maneira mais clara
no homem. Cada um destes gunas tem suas peculiaridades; cada um produz no
ser vivo certas inclinações. O Bhagavad Gita em seu décimo-quarto capítulo
descreve detalhadamente a influência de cada um deles: “Sattva, rajas e tamas
são os três gunas que se originam da Prakriti. Atam ao ser imutável que mora
no corpo. Sattva, sendo sem mácula, é brilhante e tranqüilo, no entanto ata ao
ser por seu apego à felicidade e ao conhecimento”. A felicidade e o
conhecimento à que se refere aqui não são os mais elevados, mas os relativos a
este mundo objetivo, por exemplo, a felicidade que se sente contemplando um
panorama natural de paisagens ouvindo musica, etc, e o conhecimento do
múltiplo. Esta felicidade e esse conhecimento não levam alguém a Deus, ainda
que estejam em um nível mais alto que os das pessoas comuns. O apego a esta
classe de felicidade e conhecimento, a pesar de ser mais fino, prende o homem
ao mundo.
O Bhagavad Gita continua: “Sabe que rajas é da natureza da paixão, a
fonte da sede e do apego, prende fortemente ao ser encarnado pelo apego à
ação.” Aqui ‘sede’ se refere ao desejo por coisas não adquiridas. Sabemos que
não há saciedade para esta sede. Pensamos que logrando tal ou qual objeto
estaríamos satisfeitos. Com este motivo trabalhamos duramente, mas tão logo o
logramos a mente sugere outro objeto mais brilhante, mais atrativo como meta.
Por acaso obtendo-o o homem fica satisfeito? Não. Sua busca segue sem parar.
É assim como rajas impele ao ser humano a meter-se em um turbilhão de
atividade.
“Tamas, - diz Sri Krishna, - é produto da ignorância, que ilude todos os
seres e submetendo-os ao erro, preguiça e sono os prendem fortemente”. O que
está sob a influência deste guna, vê tudo ao contrário: toma o transitório pelo
eterno, o mal pelo bem e assim por diante.
Sri Ramakrishna compara a esses gunas com ladrões, por que todos eles
privam ao homem de sua faculdade de discernir e lhe ocultam a Verdade. Para
3

explicar isto, o Mestre relata uma estória: “Certa vez um homem passava por
um bosque quando três ladrões lhe assaltaram e lhe roubaram tudo o que tinha.
Um deles dizendo: ‘De que serve deixá-lo com vida?’ estava por matá-lo com
sua espada quando o segundo ladrão lhe deteve dizendo: ‘Oh não! De que serve
matá-lo? Ata-lhe os pés e as mãos e deixe-o aqui.’ Em seguida os ladrões
fizeram isto e se foram. Depois de um tempo, o terceiro ladrão voltou e disse ao
homem: ‘Ah, sinto muito.Você está ferido? Vou te soltar as cordas.’ Depois de
libertá-lo o ladrão lhe disse: ’Venha comigo. Vou levá-lo até a estrada.’ Depois
de um longo tempo chegaram ao cominho principal. Então o ladrão disse ao
homem: ‘Siga por este caminho. Lá está sua casa.’ A isto o homem respondeu:
‘Senhor, Tu foste muito bom comigo. Venha à minha casa’. ‘Oh não! – disse o
ladrão. Não posso ir lá, a policia saberá.’”
Sri Ramakrishna explicou: “Este mundo mesmo é o bosque. Os três
ladrões que andam aqui são sattva, rajas e tamas. São eles os que roubam ao
homem o Conhecimento da Verdade. Tamas quer destruí-lo. Rajas o ata ao
mundo. Mas o sattva lhe salva das garras de rajas e tamas. Sob a proteção de
sattva o homem se salva da ira, luxúria e outros maus efeitos de tamas. Além
disso sattva solta as amarras do mundo. Mas sattva também é um ladrão. Não
pode dar ao homem o Conhecimento final da Verdade, ainda que lhe mostre o
caminho que conduz à Suprema morada de Deus. Ao mostrar-lhe o caminho,
sattva diz: ‘Olhe lá, sua casa está daquele lado.’ Mesmo sattva está muito longe
do Conhecimento de Brahman.”
Já dissemos que estes três gunas existem em todo ser vivo; em alguns
predomina um dos gunas e em outros outro deles, e segundo qual deles
predomina em um ser humano, este manifesta tranqüilidade, atividade ou
preguiça. Rajas inquieta ao homem, o faz correr atrás de todo tipo de atividades
e prazeres. Impulsionado pelos desejos, o ser humano comete erros e como
conseqüência colhe seus frutos amargos. Então se sente miserável. Tamas,
devido à letargia que engendra no homem e pelas idéias equivocadas que
planta nele, é muito mais perigoso. Estando preso na rede da ignorância, sob o
domínio de tamas, o pobre ser humano crê que é um sábio. Este tipo de crença
não o libera do sofrimento que vem como resultado de suas ações errôneas. É
então quando trata de jogar a culpa de seu sofrimento em alguém, ignorando
que está colhendo o fruto de suas próprias ações. Só então o homem busca
consolação. A questão é saber onde deve buscá-lo.
Um agnóstico ou cético que não crê em um Ser Supremo ou Deus,
depende da matéria, das comodidades materiais para reconfortar-se. Mas por
acaso o logra? Não. Então tenta esquecer seu sofrimento talvez com bebidas
alcoólicas ou drogas. Mas o efeito de todas estas coisas é momentâneo. Quando
o efeito passa, o sofrimento o ataca, como se com vigor redobrado. Além disso,
a mente que este pobre homem quer adormecer ingerindo estes tóxicos, é tão
ingrata que não somente não lhe deixa esquecer os danos causados pelos
demais ou os erros cometidos por ele mesmo, senão que lhe lembra tão
constantemente que não o deixa em paz. Talvez se possa escapar da observação
das pessoas, mas de nenhum modo de sua própria mente. Esta o acompanha
4

por todas as partes e em todos os momentos como uma sombra. Sua censura é
mais aguda, quando não se vê uma saída para seu sofrimento.
Vejamos, talvez exista o sofrimento no mundo como um corretivo para a
humanidade que erra. Se pode perguntar: “Bem, por acaso não sofrem aqueles
que crêem em Deus ou levam uma vida espiritual? Vemos que eles sofrem mais
do que os que não crêem em nada.” Certamente eles também sofrem. O mundo,
como dissemos ao início desta conversa, é uma mistura de prazer e dor.
Nenhum deles é permanente. Felicidade e sofrimento se alternam na vida do
homem. O corpo é de matéria e tudo que é material é mutável e mutante.
Portanto todos os seres encarnados estão sujeitos a estas mudanças da matéria.
Além disso, como Swami Vivekananda disse: “A vida está e deve estar
acompanhada pelo mal. Um pouquinho de mal é a fonte da vida.” Que quer
dizer ele com esta última frase? Um ser perfeito não necessita encarnar-se, salvo
nos poucos casos dos que vêm à terra para ensinar a humanidade. Um ser nasce
porque é imperfeito, tem desejos e até que não consiga a perfeição terá que vir a
este mundo uma e outra vez. Isto é o que afirmam os Upanishads quando
declaram: “Pelas ações meritórias se alcançam os mundos superiores e pelas
más ações se alcançam os mundos inferiores e com um equilíbrio entre estes
dois tipos de ações se volta ao mundo do ser humano.” Ou seja, nasce como
homem.
Aquele que crê em Deus e segue o caminho da retidão e do espírito sabe,
ou melhor dito, deve saber que sua crença em Deus, sua intenção e seus
esforços para seguir este caminho não o liberam de seus sofrimentos físicos nem
das preocupações. O verdadeiro amante de Deus não busca milagres, nem reza
pela cura de suas enfermidades ou por seu bem-estar. Ama à Deus por amor à
Ele. Tenta desenvolver o gosto por levar esta vida, sem ostentação. Não espera
nem sequer o reconhecimento das pessoas. Sabe que o amor por Deus que ele
busca é em si mesmo a recompensa de suas duras práticas e austeridades. Luta
com suas paixões e sentidos, os quais querem arrastá-lo para o caminho da
escuridão. E ao final chega a ter uma paz que mesmo a duras penas só alguns
poucos alcançam. Sente a proximidade do Senhor e não se sente abandonado
em nenhum momento ainda que o mundo inteiro esteja contra ele. Sri Krishna
disse sobre isto: “A Suprema Bem-Aventurança com certeza vem a este yogui,
cuja mente se tranqüilizou, cuja paixão se aquietou e que se tornou Brahman,
havendo-O realizado e que não tem mancha.”
Vejamos, a verdadeira habilidade consiste em poder ir além do bem e do
mal, porque só então se pode alcançar a paz e a consolação. Como podemos
fazê-lo? Confiando em Deus e submetendo-nos à Sua vontade. Como podemos
saber qual é Sua vontade? Tudo o que acontece, acontece por Sua vontade.
Neste caso por que não deve pensar alguém que o que está fazendo também é
por Sua vontade? Verdade, não há argumento contra isto. Mas está certo que é
Sua vontade que está trabalhando por meio dele? Sendo assim não se sentirá
exaltado com o êxito e nem se sentirá deprimido pelo fracasso. Caso contrário,
ainda que sinta só um pouquinho de exaltação ou orgulho por haver alcançado
algo ou pensa que é ele o agente da ação, então esta pessoa não crê no que diz. É
hipocrisia o que a faz dizer que a vontade de Deus trabalha por meio dela.
5

Surge outra pergunta: “Devemos submeter-nos, sem fazer esforço algum, a todo
tipo de calamidades?” Ninguém aconselha isto. Enquanto uma pessoa seja
consciente de que ela é o agente de suas ações deve resistir a tudo que considera
como maldade. O ensinamento “não resista ao mal” é para as almas muito
evoluídas. Não significa somente a resistência física senão também a mental. Na
pessoa que segue este ensinamento não deve surgir nem sequer uma idéia
contrária, ou um sentimento de ódio por quem lhe prejudica. Só se pode falar
de cumprir com este preceito na sua totalidade quando se alcança o estado em
que a mente se mantém equânime sob todas as circunstâncias. Mas para as
pessoas comuns que são movidas ainda pelas menores mudanças no
comportamento dos demais em relação a elas, o caminho consiste em resistir ao
mal, não somente o que se origina de fora, senão também o que está dentro
delas mesmos.
Pode chegar a consolação e a paz a alguém que crê que é a vontade de
Deus a que atua no mundo? Vamos ser explícitos: se por consolação e paz se
entende de que não vai sofrer mais, que não vai ter mais preocupações, então
ninguém no mundo a terá. Mesmo para aquele que toma refúgio em Deus
chega o sofrimento físico e não se suaviza o golpe que cai sobre ele; acontecerão
as calamidades se tem que passar por elas, mas junto com as mesmas virá
também a força para enfrentar o perigo e as tribulações. Não se desesperará
quando se encontre em situações difíceis, sabendo que é a vontade de Deus que
age aqui e que Ele irá fazer o que é bom para ele.
Tem um crente comum esta confiança, essa força? Isto depende da
intensidade da fé de cada um. Diz-se que a fé pode mover montanhas, mas ela
tem que ser inamovível como uma montanha. Há uma estória que Sri
Ramakrishna costumava contar à seus discípulos que explica sobre os
diferentes tipos de fé: “Em certa aldeia vivia um brahmin, a quem uma pastora
que vivia no outro lado do rio, dava leite todos os dias. As vezes ela demorava
em levar o leite. Um dia o brahmin se zangou e lhe perguntou porque
demorava. Ela lhe explicou que tinha que esperar o bote que às vezes se
encontrava do outro lado e que o barqueiro também aguardava os passageiros e
tudo isto era a causa se sua demora. No mesmo instante o brahmin lhe disse:
“Mulher, as pessoas cruzam este oceano do mundo repetindo o nome de Deus,
e tu não podes cruzar este pequeno rio fazendo o mesmo?”A mulher, simples
como era, aceitou esta reprimenda e acreditou nas palavras do brahmin. A
partir do dia seguinte ela levava o leite sem demoras. Observando isto, o
brahmin lhe perguntou: “Por que não demoras mais em vir aqui?”A mulher
respondeu: “Repetindo o nome de Deus, como o senhor me indicou, cruzo o rio
e não preciso esperar mais o barco.” Assombrado e não podendo acreditar
nisto, o brahmin lhe pediu que lhe mostrasse como o fazia. Ambos desceram ao
rio e a mulher com toda a facilidade caminhava sobre as águas repetindo o
nome de Deus. Mas voltando-se notou que o brahmin, ainda que repetisse o
nome de Deus, levantava suas roupas para que não se molhassem. Então a
pastora lhe disse: ”Senhor, repetes o nome de Deus e ao mesmo tempo levantas
suas roupas. Tu não crês no que dizes.” Aqui estão os dois tipos de fé. E a
maioria das pessoas é como este brahmin, fala da fé mas não a tem. Mas é claro,
6

a fé inquebrantável vem com a visão de Deus ou sendo simples como esta


pastora ou como uma criança.
Como se desenvolve esta fé? Sendo simples e cândido como um menino.
Quando alguém é cândido confia nas palavras das escrituras e dos grandes
mestres espirituais. Em seguida põe em prática seus ensinamentos sem
vacilação nem dúvida. Esta prática fortalece sua fé em Deus, pois nela encontra
uma força que não é deste mundo.
Vejamos agora, o que acontece com os que não são francos e simples? Se
eles querem ter consolação e paz também têm que lutar duramente para vencer
seus defeitos. Têm que rezar ao Senhor com todo o coração para que os
coloquem no bom caminho e possam corrigir-se. Pode surgir a dúvida: E se as
orações não forem respondidas? A própria dúvida demonstra que não tomamos
o caminho a sério, que não temos o verdadeiro anelo. Porque esta dúvida não
tem base. Por acaso não nos asseguram os grandes mestres da humanidade, que
realizaram a meta da vida, que viram à Deus, que Ele é nosso guia interno e
escuta nossas orações quando são sinceras? Por exemplo, o Senhor Jesus Cristo
afirma: “Peçam e lhe darão; busquem e acharão; chamem e lhe abrirão. Porque
qualquer um que peça, recebe e o que busca, acha e ao que chama, lhe será
aberta [a porta]. Que homem entre vós, a quem se o filho pedir pão, lhe dará
uma pedra? E se lhe pedisse um peixe, lhe dará uma serpente? Pois se vós,
sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai que
está nos céus, dará boas coisas aos que lhe pedem.” Portanto, se rezando uma
vez não conseguimos resposta, não devemos pensar que Deus não escuta nossa
oração. Swami Vivekananda disse: “Quantas tempestades e ondas é preciso
enfrentar antes de chegar ao porto de Paz! Quanto maior foi o homem, mais
terríveis foram as provas pelas quais teve que passar.” Assim, se queremos uma
coisa valiosa, devemos estar preparados para pagar seu preço. E a paciência e a
perseverança são o preço da paz eterna. Não devemos fraquejar nem afrouxar
nossos esforços, mas continuar com a luta, não importa o que aconteça. Porque
não há consolação em nenhum outro lugar senão em Deus. Se O deixamos, a
que outro lugar podemos recorrer em busca de paz? Em que podemos confiar?
Em riquezas, em filhos, em parentes ou amigos? Até quando podem eles
ajudar-nos e como podem dissipar nossos sofrimentos que estão além da ajuda
humana? Sabendo que não temos a ninguém senão ao Senhor neste mundo a
quem podemos chamar propriamente nosso, devemos tomar refúgio n’Ele.
Swami Vivekananda aconselha: “Renuncie a todo ‘eu e meu’, pois o Senhor
chega àquele que não tem nada neste mundo.” Estas palavras surgiram de sua
própria experiência, não é mero palavreado. É por isso que ainda enchem ao
leitor com estremecimento e lhe infundem confiança em si mesmo. As palavras
daquelas pessoas que tocaram e apalparam o infinito levam uma força própria.
Estas palavras consomem, por assim dizer, como o fogo, toda dúvida, todo
temor e vacilação dos que as ouvem ou lêem.
Por que então se queixam e gemem até os crentes quando estão em
circunstâncias difíceis? Porque ainda não aceitaram ao Senhor como seu no
sentido mais pleno. Além disso, entregar-se à Deus não é tão fácil como parece
enquanto exista tão sequer um pequeníssimo vestígio do desejo de gozar,
7

enquanto haja imperfeição no homem. Porque aquele que se entrega totalmente


à Deus não tem nada que temer, pois Sri Krishna nos assegura: “Eu (o Senhor)
Me encarrego daqueles que sempre pensam em Mim unicamente, Me servem e
Me adoram, e lhes provejo do que lhes faz falta e cuido do que já têm.”
Ouvindo isto se pode atribuir parcialidade a Deus e dizer que em tal caso
Ele também, como qualquer ser humano, está sujeito a todas as debilidades,
como ódio, parcialidade e coisas assim. Esta acusação não tem fundamento
como veremos do que disse Sri Krishna: “Eu me manifesto igualmente em todos
os seres. Ninguém é odioso nem mui querido para Mim. No entanto, Eu estou
naqueles devotos que Me adoram com devoção e eles estão em Mim.” O Senhor
está em todos os seres como seu guia interno, como seu Ser mais recôndito.
Como podemos então odiar alguém? O significado é que o devoto por sua
intimidade com Deus perde a noção de diferenciação e distância que um
homem comum sente entre ele mesmo e Deus. Para o devoto, o Senhor é muito
seu, muito íntimo e as coisas do mundo não tem muito valor para ele. Sua vida
se centra em Deus. Pelo contrário, para o homem mundano Deus é uma palavra
e os objetos sensórios são como se fossem sua própria vida. Sri Ramakrishna
costumava dizer: “Deus está em todas as partes, mas se manifesta de uma
maneira especial no coração do devoto.” Eis aqui um canto que expressa a
atitude do devoto por Deus:

Ó Senhor, Tu és meu Tudo em tudo, a Vida de minha vida, a


Essência da essência;
Nos três mundos não tenho a ninguém senão a Ti a quem possa
chamar meu.

Tu és minha paz, minha alegria, minha esperança;


Tu, meu apoio, minha riqueza, minha glória,
Tu, minha sabedoria e minha força.
Tu és meu lar, meu lugar de descanso, meu amigo íntimo, meu
parente mais querido.

Meu presente e meu futuro Tu és; meu céu e minha salvação;


Tu és minhas escrituras, meus mandamentos, Tu, meu sempre
bondoso Gurú.
Tu és a fonte de minha bem-aventurança sem limite.

Tu és o caminho; Tu, a meta; Tu, ó Adorável, ó Senhor.


Tu és a mãe de coração terno; Tu, o pai que castiga.
Tu és o Criador e o Protetor. Tu, o Timoneiro que guia minha barca
através do mar da vida.

Aqui vemos como desaparece da vista do devoto a barreira do


resplendor e glória que interferem na relação de um ser individual com o Ser
Supremo. Para o devoto, Deus não é um estranho, por conseguinte, sente Sua
8

proximidade. Em troca, o homem comum, devido a sua ignorância, constrói


barreira sobre barreira entre ele e Deus; barreiras do ego, riqueza, renome,
fama, orgulho e assim por diante. São estas que nos impedem de ver a Deus,
que mora em nosso coração.
O que acontecerá com aqueles que levam uma vida imoral e má, aqueles
que cometem erros? Não há saída para eles? O Bhagavad Gita promete a
salvação para eles também: “Ainda que um homem seja o pior dos malvados, se
Me adora com a devoção de todo coração, deve ser considerado como uma
alma nobre, pois tomou uma boa determinação.” O significado é este: O ser
humano comete erros, por vários motivos, mas por esta razão não deve ser
condenado por toda vida. Se ele se arrepende e toma refúgio em Deus existe a
possibilidade de que suas tendências viciosas desapareçam e caiam dele, como
as folhas secas de uma árvore no outono. Sri Krishna agrega: “Em pouco tempo
este homem se converte em um santo e alcança a paz imortal. Ó filho de Kunti,
proclama ao mundo que Meu devoto jamais perece.” Temos aqui a promessa
inequívoca do Senhor.
Qual é a atitude que melhor convém ao devoto, está explicado por Sri
Ramakrishna. Cita o exemplo do gatinho: “O gatinho só sabe chamar a sua mãe,
dizendo ‘miau, miau’. Fica contente aonde quer que a mãe o ponha. A gata o
põe às vezes na cozinha, às vezes no solo e outras vezes sobre a cama. Quando
o gatinho sofre, grita, ‘miau, miau’, não sabe fazer outra coisa. Mas tão logo a
mãe gata ouve este grito, aonde quer que esteja, vem até ele. Clama por Deus,
— conclui Sri Ramakrishna — desta maneira, com um coração anelante, então
com toda certeza poderás vê-Lo.”
Surge outra vez a velha dúvida, que já foi respondida, de outra forma:
“Por que Deus não outorga a todos fé n’Ele? Por que só dá à alguns e não à
outros? E por que, mesmo à estes poucos, dá a fé de diferentes graus? O
Bhagavad Gita o aclara: “O Senhor não obriga ninguém à atuar, não cria para as
pessoas nem os objetos nem a união com os frutos das ações. É a natureza que
atua. O Senhor não recebe nem o mal nem o bem de ninguém. O conhecimento
está coberto pela ignorância, por conseguinte, os seres ficam iludidos.”A
natureza ou Prakriti, por seus poderes de ocultar a realidade e projetar a
irrealidade, rouba do ser individual sua faculdade de discernimento e ele
identificando-se com a natureza toma o irreal pelo Real, o transitório pelo
Eterno e permanece apegado ao mundo. O dia em que cessar de fazê-lo se dará
conta de sua verdadeira natureza e se liberará para sempre.
Vejamos agora, como podem aqueles que já estão presos no mundo,
chegar à Deus, a morada da consolação? Não podem de repente romper sua
relação com aqueles com quem convive, nem desfazer-se de seus deveres. A
eles Sri Ramakrishna aconselha: “Cumpra com todos os deveres, mas mantenha
vossa mente em Deus. Viva com todos, com esposa e filhos, pai e mãe, e sirva-
os. Trate-os como se fossem seus mui queridos, mas saiba no mais íntimo de
vosso coração que eles não lhe pertencem; que Deus é vosso amigo, parente e
morada.”
Que possamos alcançar à Deus, a morada da consolação, nesta mesma
vida, por Sua misericórdia!
O LUGAR D O GURU N A VI D A ESPI RI TUAL( * )

Por Sw a m i Pa r a t pa r a n a n da

* Edit orial da revist a The Vedant a Kesari – Fevereiro de 1965; Vol. 51; pág. 487

UMA I NTERESSANTE pergunt a colocada por pensadores, que de


algum m odo t em um vago conhecim ent o de que a divindade é a
verdadeira nat ureza dos seres hum anos é: ‘Se nós t odos som os fagulhas
do m esm o divino Espírit o, que necessidade exist e de um hom em aj udar
out ro a realizá- la?’ É um a colocação sincera e int eligent e. Podem os sent ir
que aquele que quest iona é sincero. Talvez um pouco de t udo t enha
pert urbado t al m ent e — e exist em t ant as novas filosofias surgindo, o
suficient e para confundir qualquer hom em com um .
Qual é a respost a para t al quest ionam ent o? Vam os colocar em
prova aquele que quest iona. Com o ele sabe que é um a fagulha da
divindade? Ele sabe por sua própria experiência ou de livros, lit erat ura ou
de out ras pessoas? Bem , se ele conheceu ist o de out ras pessoas ou livros,
ele foi derrot ado por sua própria pergunt a. Pois se ele pode acredit ar em
cert as coisas dit as em algum lugar e por algum as pessoas que o im pede
de acredit ar na necessidade de confiar na eficácia e na ut ilidade de um
guia espirit ual, um a pessoa, t alvez, m ais regular em suas orações e
m edit ações, sincera at é o âm ago em sua vida espirit ual e de carát er puro
e im aculado? I st o, é claro, o quest ionador não pode responder excet o
concordando que sua prem issa est ava errada. Ainda assim ele pode sent ir
que sua pergunt a perm anece sem respost a. Port ant o vam os nos volt ar
para o lado prát ico da quest ão. Vam os t om ar o exem plo de um filho
ocupado com seu j ogo. O j ogo o absorveu e ele esquece seus est udos.
Não é necessário que a m ãe o lem bre de seus est udos? No m undo
espirit ual nós som os t odos crianças at é que t enham os at ingido os m ais
alt os est ágios da realização. Precisam os de um guia, o Guru, para
lem brar- nos, m ais ainda, aj udar- nos realm ent e a vencer os obst áculos
em nosso cam inho.
Por que nós não podem os fazê- lo por nossos próprios esforços?
Talvez ist o sej a possível em casos m uit o raros onde o anelo por Deus é
int enso, onde a renúncia é com o um fogo flam ej ant e, m as para os
aspirant es com uns um guia espirit ual é essencial. É verdade que nossa
nat ureza é divina, que som os filhos da I m ort alidade. Mas som os
conscient es dest e fat o? Quant os dias em um ano som os conscient es dist o,
quant os m inut os em um dia? Tem os que confessar que m uit o raram ent e
som os conscient es dist o. A idéia das prát icas espirit uais é a de t ornar- nos
conscient es dest a divindade m ais e m ais. Agora, os cam inhos espirit uais
são num erosos, qual deveria um det erm inado aspirant e escolher? Todas

1
est as quest ões int rincadas são resolvidas por um verdadeiro m est re por
sua percepção profunda da vida do discípulo. De out ra form a os
aspirant es serão t ent ados a seguir quaisquer cam inhos que se
apresent em a eles com o at rat ivos, com o fáceis. Será com o cavar em
busca de água em det erm inado local agora e em seguida em out ro, m as
não suficient em ent e fundo para at ingir o veio da água. É preciso ser
perseverant e e persist ent e se desej ar qualquer result ado na vida
espirit ual. Apenas flut uar nas águas não nos levará às gem as que
repousam no leit o do oceano. Deve- se m ergulhar fundo, diz Sri
Ram akrishna.
O Kat hopanishad advert e os fut uros aspirant es à vida espirit ual de
form a rígida: ‘Não é para m uit os nem m esm o escut ar sobre ist o. E
m esm o ent re aqueles que escut am sobre Ele, m uit os não com preendem .
Maravilhoso é o m est re e afort unado o que obt ém est e ensinam ent o.
Ainda m ais m aravilhoso é aquele que O com preende quando ensinado por
um sábio. 1 Muit as vidas t êm sucum bido nos m ares dest a exist ência. Um
sábio pilot o é necessário. Se m esm o depois de repet idas inst ruções nós
não som os capazes de com preender o Suprem o Espírit o, ent ão com o
podem os por nossos próprios esforços at ingi- lo!
Tom ando com o cert o que algum dia a fagulha em nós se acenderá
se as condições se t ornarem propícias, com o nós podem os saber que
out ras circunst âncias perm it irão a ela brilhar? Se, por exem plo, um a
grande carga de lenha m olhada é j ogada sobre brasas, est as serão
capazes de consum ir a lenha? Nunca. O fogo dim inuirá e se apagará em
breve. Mas supondo que se conheça com o acender o fogo com est a
fagulha, irá m anuseá- la com sabedoria e o faria crescer e brilhar m ais
adicionando folhas secas, não seria est e m esm o fogo capaz de queim ar
at é m esm o um a florest a? A condição do hom em é quase idênt ica. Um a
grande quant idade de t endências est á abafando a divina fagulha e
t ornando im possível um a m elhor visão daquele brilho divino. A luxúria e a
cobiça são as duas principais dificuldades que oprim em sua m ent e
t ornando im possível para ele est ar conscient e de sua divindade.
A parábola de Sri Ram akrishna do t igre com edor de ervas descreve
corret am ent e a condição do hom em . Um t igre recém - nascido que foi
deixado no m eio das ovelhas, m esm o ant es de t er bebido o leit e de sua
m ãe, seguiu os m odos das ovelhas — com ia gram a e balia quando
am eaçada por um perigo. Um dia out ro t igre at acou o rebanho e quando
viu um t igre balindo e fugindo, ficou surpreso. Cont udo ele agarrou o t igre
com edor de ervas e pergunt ou, ‘Por que você est á fugindo? Você é um
t igre com o eu.’ Mas o t igre com edor de ervas não podia acredit ar nist o.
Ent ão o out ro t igre o arrast ou at é um lago; m ost rou á ele seus reflexos
na água e em purrou um pouco de carne em sua boca e rugiu. O t igre
com edor de ervas, assim convencido de sua nat ureza e t endo provado a
carne, rugiu em respost a. Aqui é com o o verdadeiro m est re aj uda um
aspirant e. Nós nos esquecem os de nossa verdadeira nat ureza e presos
nas redes do m undo acredit am os ser ovelhas. Port ant o dúvidas surgem
em nossa m ent e m esm o quando nos dizem que som os a própria

2
divindade. O out ro t igre é o Guru que nos t orna conscient e de quem
som os.
Agora vam os analisar out ra ilust ração. Swam i Vivekananda deu o
exem plo sobre plant ar um a sem ent e. ‘Você faz crescer um a plant a?’ ele
pergunt ou. Não. A vit alidade para germ inar est á na própria sem ent e.
Você não pode infundir est a vit alidade nela. ‘O que você pode fazer é
colocá- la em um solo adequado, aguá- la e assim aj udá- la a crescer. Você
apenas rem ove os im pedim ent os e obst áculos no seu cam inho perm it indo
que ela cresça por si só’. Da m esm a form a a divina fagulha no hom em é
para ser sent ida e não sim plesm ent e conhecida t eoricam ent e. O t rabalho
do Guru é aj udar o discípulo a sent i- La, realizá- La, descobrindo e
rem ovendo os im pedim ent os que bloqueiam seu cam inho.
Nós t em os apenas que verificar a m aneira com a qual Sri
Ram akrishna t reinou seus discípulos para com preender est a relação ent re
o Guru e o sisya. Prim eiro houve sua seleção dos discípulos apropriados e
ent ão seu t reino deles. Ele conhecia o passado, present e e fut uro
daqueles que ele t om ou em suas m ãos para m oldar com o seus discípulos.
Não foi apenas Sri Ram akrishna que possuía t ais poderes. Jesus t am bém
os t eve diant e dele. Não escolheu Jesus alguns de seus discípulos ent re
pescadores? As Encarnações podiam com um olhar conhecer a nat ureza
de qualquer hom em que t ivessem cont at o.

Conhecendo assim seus m ais ínt im os pensam ent os as Encarnações


podiam corrigir seus discípulos sem pre que agissem errado. Jesus previu
para seu rebanho apenas um dia ou dois ant es da crucificação: Um ent re
vocês m e t rairá. E eles ficaram t rist es, pois o Senhor não acredit ava
neles. Mas est a profecia não foi cum prida? Pois ele disse a Pedro, ‘Você
m e negará t rês vezes ant es do galo cant ar’ e não foi ist o cum prido? E
Pedro não negou firm em ent e que t al coisa fosse possível para ele? E
ainda assim com o ist o veio a acont ecer? I st o m ost ra que Jesus podia ver
não apenas o que iria acont ecer com si m esm o, m as t am bém que
pensam ent os surgiriam nas m ent es daqueles próxim os a ele. I st o prova
que as Encarnações de Deus t em o poder de conhecer t udo que querem
saber. Nada fica escondido ao seu olhar. Por isso eles t êm o m ais alt o
lugar com o Gurus, com o m est res de hum anidade, em t odas as épocas.
O m inist ério espirit ual de Sri Ram akrishna foi um fenôm eno
m aravilhoso. É com o um a paisagem de t onalidades em const ant e
m udança, sem pre at rat ivas e nunca cansat ivas, o j ogo espect ral de cores,
cont udo apont ando para a m esm a m et a, que é Deus. Algum as vezes ele
cost um ava fazer seus j ovens discípulos rolarem no solo de t ant o rir por
seu hum or; em out ros m om ent os ele cant ava canções para eles sobre o
divino e os t ransport ava a um a região exalt ada. Em out ros m om ent os
haviam discussões sobre as filosofias de diferent es seit as em diferent es
épocas. E ent ão ele os exort ava a um a vida aust era e de m edit ação. Um a
vez quando um discípulo disse a ele que t ent ava m edit ar, m as sua

3
m edit ação não era m uit o profunda e nem sem pert urbações, Sri
Ram akrishna escreveu algo sobre a língua do discípulo e o m andou para o
ret irado Panchavat i em Dakshineswar. O discípulo, m esm o enquant o ia
para o cit ado lugar foi perdendo sua consciência ext erna e a perdeu
t ot alm ent e t ão logo chegou ao lugar e se sent ou sob aquela árvore. Ele
volt ou a si, para usar um a expressão m undana, som ent e quando Sri
Ram akrishna m assageou seu corpo, do peit o para baixo. Num erosos são
os exem plos na vida do Mest re e seus discípulos em que ele acent uou o
pot encial espirit ual de seus discípulos.
Um a pergunt a pode ser feit a: Por que você diz que exist e a
divindade em t odos os seres hum anos, se deve ser at ingida por duros
esforços e a aj uda de um m est re? Pela sim ples e óbvia razão de que um
obj et o não pode m udar sua nat ureza e perm anecer o m esm o. Nós nunca
escut am os falar de fogo gelado e gelo quent e, excet o com o um a form a de
expressão. Se o fogo não fosse quent e, de que serviria? Um obj et o pode
m anifest ar apenas o que é inerent e nele. Se um hom em não fosse divino
ele j am ais poderia se t ornar assim . Mas a nossa experiência é t ot alm ent e
opost a. Nós vem os personagens divinos m anifest ando- se e seres
hum anos se t ornarem divinos. Assim a proposição de que o hom em não é
divino m ais at inge a divindade não é t am bém verdadeira. O que acont ece
pelos esforços é que eles descobrem a si m esm os, se descart am das
incrust ações que os envolvem um a por um a. Port ant o a única solução
aceit ável e racional é que o hom em é divino, cham e- o de fagulha da
divindade ou um filho de Deus ou do que você quiser.
Agora verem os a assist ência que o Guru realm ent e prest a ao
discípulo. A vida espirit ual t em alguns assunt os que devem ser
considerados com o reais, assunt os que você não pode desvendar pelo
raciocínio. Mas não é fat o que a vida religiosa é desprovida de t odo
raciocínio. É dada grande im port ância para a razão na religião e filosofia
Hindu. Você é livre para quest ionar e inquirir, m as quando se t orna um
caso de m era argum ent ação, aí os sábios ant igos colocam um lim it e.
A razão seria cega quando não exist ir com parações a fazer. O
raciocínio é possível e benéfico enquant o se referir ao m undo fenom enal.
Se você t em que inferir, você deve t ecer um paralelo e o que exist e que
possa se com parar com a vida t ranscendent al? Se o t ranscendent al pode
ser reduzido ao fenom enal, ele não m ais perm aneceria t ranscendent al;
em out ras palavras o t ranscendent al j am ais poderia se t ornar fenom enal.
As leis do m undo fenom enal j am ais poderão, port ant o, ser aplicadas ao
t ranscendent al. O At m an, por exem plo, não pode ser vist o pelos olhos,
nem m esm o o m ais poderoso m icroscópio pode revelá- lo. Mas ele é o ser
m ais recôndit o do hom em . Quando o hom em m orre algo se ret ira dele.
Ele não pode ser im pedido, pois ele não é visível. Mas que algo, que
est ava m ovendo o corpo e o fazia vivo m esm o ant es do m om ent o da
m ort e, est ava no corpo não pode ser negado. A vida espirit ual lida com
aquele ser, o At m an. Port ant o, da m esm a form a que você busca aprender
m úsica de um m úsico e não de um professor de lógica, t em os que
aprender a ciência da alm a som ent e de um m est re espirit ual. Ele conhece

4
ou descobrirá quais as nossas at it udes e inclinações e nos guiará de m odo
adequado.
Os seres hum anos não são t odos iguais; eles t êm diferent es gost os
e várias nat urezas. Talvez t odos concordam os com est a declaração.
Agora, o que é m elhor — deixar o hom em crescer em seu proprio m odo
nat ural, que é facil para ele ou forçá- lo a seguir um padrão de disciplina
rígido, fixo e int olerant e, que cert am ent e lhe causará dano e dest ruirá sua
nat ureza? Os sábios Hindus pensaram ser m elhor deixar o hom em crescer
em seu proprio m odo rum o a Deus; eles não t ent aram m odificar sua
nat ureza inerent e.
Por isso exist em t ant os cam inhos para se aproxim ar de Deus
descrit os nas escrit uras Hindus. Assim t am bém sobre a form a ou ausência
de form a de Deus que o aspirant e gost a de adorar. Um a form a part icular
de Deus apela m ais para um hom em e assim ele é capaz de concent rar
seus pensam ent os em Deus m ais facilm ent e, m esm o que haj a out ras
form as que, apesar de ser do m esm o Divino Espírit o, não provocam o
m esm o nele. É o Guru que descobre qual form a da Divindade é m ais
adequada para cada discipulo, seleciona um m ant ra ou um a fórm ula
sagrada pela qual ele pode invocá- Lo e o inst rui com o deve prosseguir em
seu cam inho. Tudo ist o o Guru faz sem qualquer m ot ivo. O único desej o
do Guru é que o discipulo possa realizar a Deus, possa se libert ar das
redes de Maya, do m undo. I st o é com paixão sem m ot ivo, am or inegoíst a
que im pele o Guru a t om ar para si a t arefa de despert ar o pot encial
espirit ual do discipulo. Assim nós vem os que alt a posição o verdadeiro
Guru ocupa no plano do Espírit o. Ele é considerado com o um pai, m ãe,
am igo, filósofo e guia. Com o um pai o Guru nos pune quando erram os,
com o um a m ãe am orosa nos aj uda quando hesit am os, com o am igo fica
conosco em nossas dificuldades e com o um filósofo ele nos aconselha
quando não sabem os com o prosseguir.
Por t udo ist o fica claro que o Guru ocupa um a posição suprem a na
vida do aspirant e espirit ual. Muit os hinos foram escrit os sobre o Guru,
ent re os quais o Guru- Git a é fam oso.
O Mundakopanishad dá a descrição do verdadeiro m est re: srot riya,
bem versado nas escrit uras – e brahm anist ha, est abelecido em
Brahm an 2 . Sri Sankara em seu Vivekachudãm ani am pliando est e conceit o
e em concordância com as passagens da Srut i diz que aquele que est á
possuído de profundo espírit o invest igat ivo e de runúncia deve se
aproxim ar de um Guru, ‘que é versado nos Vedas, im aculado, int ocado
pelo desej o e um conhecedor de Brahm an par excellence, que ret irou- se
em Brahm an, que é calm o com o o fogo que consum iu seu com bust ível,
que é um oceano de com paixão sem nenhum a razão e um am igo de t odas
pessoas boas que se prost ernam à ele’. 3 Est e é o verdadeiro m est re de
quem se nos aproxim arm os est arem os cert os de encont rar nosso cam inho
e a paz duradoura.
1
Kathopanishad 2.7.
2
1.2.12.
3
Vivekachudamani, 33. 33.

5
SRI RAM AKRI SH N A, O TYAGI 1

Por Sw a m i Pa r a t pa r a n a n da

( Sri Ram akrishna j am ais se cansou de repet ir que a essência da disciplina


espirit ual é a renúncia de Kam a- kanchana, luxúria e cobiça. Swam i
Parat parananda, dirigent e do Ram akrishna Ashram a, Buenos Aires, Argent ina 2 e
ant eriorm ent e Edit or da revist a The Vedant a Kesari 3 , explica com o a liberdade
dos desej os carnais e da avareza aj uda na realização de Deus e com o Sri
Ram akrishna, o cient ist a dem onst rou por sua própria vida que ist o pode ser
alcançado.)

O exem plo é m elhor que o preceit o, diz o velho adágio. I st o é


aplicável em um sent ido m ais fort e na vida espirit ual. Todas as religiões
t êm suas escrit uras e são sublim es seus ensinam ent os, m as de m aneira
geral a hum anidade não pode com preendê- las corret am ent e se não ver
diant e dela pessoas nas quais t ais princípios est ão encarnados em ações.
Os Upanishads, que form am a part e final dos Vedas, a suprem a
aut oridade ent re as escrit uras hindus, diz: "Nem pelo t rabalho, nem pela
procriação, nem pela riqueza, m as pela Tyaga ( Renúncia) apenas eles
at ingiram a im ort alidade" 4 . O propósit o de t odas as religiões é ensinar e
equipar o hom em a at ingir a im ort alidade, a liberdade de t odos os t ipos
de escravidão, escravidão criada pelo apêgo às coisas m undanas, às
pessoas, ao seu próprio corpo, et c. Com o a passagem acim a claram ent e
expressa, a im ort alidade não é possível sem t yãga, renúncia. A passagem
acim a não é um exem plo solit ário. No Brihadarnyaka Upanishad est á
claram ent e declarado que a im ort alidade não pode ser at ingida pela
riqueza 5 . No Kat hopanishad Yam a oferece à Nashiket a donzelas celest iais,
carruagem , riqueza ilim it ada, vida longa, et c., em lugar do Conhecim ent o
sobre a vida após a m ort e. Nashiket a rej eit a- as t ot alm ent e com o
t ransit órias e evanescent es e insist e em ser ensinado sobre aquele
Conhecim ent o, adquirindo o qual t orna- se im ort al 6 . As escrit uras
1
O texto original em inglês foi publicado na revista “The Vedanta Kesari”; Sri Ramakrishna Post-
Centenary Golden Jubilee Number Nov-Dec 1985, Vol. LXXII No. 11 & 12.

2 O Swami foi dirigente espiritual do Ramakrishna Ashrama, Buenos Aires, Argentina de 1973 a 1988.
3 O Swami Editor da revista em inglês Vedanta Kesari de 1962 a 1967.

4 Kaivalya Up. 2; também Mahanarayana Up. 12-14.

5 Brihadaranyaka Up. 2.4.2

6 I. 25-26

1
classificaram os desej os que im pedem o hom em de realizar à Deus em
desej o pela procriação, pela riqueza e desej o de desfrut ar no céu ou em
out ros m undos 7 . O abandono dest es desej os é renúncia. Todos est es
ensinam ent os das escrit uras não t eriam nenhum significado a m enos que
houvesse pessoas que os prat icassem e at ingissem aquele bem -
avent urado est ado que é prom et ido. Est a ausência foi preenchida pela
vida de Sri Ram akrishna.
O advent o de Sri Ram akrishna ocorreu em um t em po quando
bhoga, gôzo acom panhado do m at erialism o, reinava, quando a religião
era considerada o ópio dos pobres e o Hinduísm o um a m assa de
superst ições. A pesar de que haviam surgido algum as organizações, t ais
com o o Brahm o Sam aj , para reviver a vida religiosa da Í ndia, elas se
preocupavam com reform as sociais, que t ocavam apenas a periferia e não
o coração do problem a. Elas est avam apenas t ent ando adapt ar a religião
à at m osfera exist ent e. O t em a cent ral da religião, t yãga, renúncia, est ava
t ão longe de sua visão quant o daquela dos m at erialist as. E apesar de que
à Í ndia não falt avam renunciant es, Sannyasins, eles em sua m aioria
viviam nas regiões dos Him alayas, longe da m aioria da hum anidade,
desconhecidos por ela. Agora era a vida nas cidades que det erm inava o
padrão e aqui, sob a influência do pensam ent o ocident al as pessoas,
especialm ent e os j ovens, est avam com eçando à duvidar da veracidade
dos ensinam ent os das escrit uras Hindus. Por isso, não pode ser negado
que o advent o de Sri Ram akrishna nest e m om ent o crít ico foi um efet ivo e
sólido rem édio para os m ales que est avam at ingindo a sociedade. I st o
será am plam ent e verificado se nós olharm os at ravés de alguns dos
m aiores event os de sua vida.
Um a das prát icas essenciais para se levar um a vida espirit ual é o
discernim ent o ent re o real e o t ransit ório. Desde sua infância Gadadhar,
com o Sri Ram akrishna era ent ão cham ado, possuía est a virt ude em um
grande grau. Ele era t am bém um agudo observador. A piedade, dedicação
e dependência de Deus de seu pai não deixou nenhum a dúvida na m ent e
do m enino sobre o real propósit o da vida hum ana. Os m enest réis que
cost um avam ir às aldeias recit ando est órias m it ológicas dos épicos e
Puranas cost um avam inspirar os habit ant es à execut ar peças t eat rais
sobre elas. Gadadhar nunca perdia est as funções e sendo possuidor de
um a m aravilhosa m em ória repet ia est es dram as diant e de seus am igos.
Assim “ ele dirigia t odas suas energias ao est udo das vidas e carát er dos
heróis espirit uais” 8 . A m ort e de seu pai quando o m enino t inha set e anos
de idade o fez buscar a solidão e passava longas horas absorvido em seu
pensam ent o. Além disso a com panhia de m onges errant es que passavam
alguns dias na casa de repouso da aldeia em seu cam inho à sagrada
cidade de Puri, fort aleceu nele o sent im ent o da t ransit oriedade dest e
m undo, algo que est ava com eçando a se m anifest ar nele. A const ant e

7 Brihadaranyaka Up. 3.5.1.

8 Life of Sri Ramakrishna, (Advaita Ashrama, Calcutta. 1977) p.13 (daqui para frente 'Life')

2
com panhia dest es m onges, escut ando seus discursos e leit uras das
escrit uras deu ao m enino um incent ivo para a m edit ação. A invest idura
com o cordão sagrado que deu a ele a oport unidade de adorar a
divindade fam iliar Raghuvir lhe grande felicidade e elevou sua m ent e a
um nível sublim e, no qual ele t eve ext raordinárias visões.
Assim est ava o grande renunciant e se preparando para o at o final,
t ant o que na época que ele t inha dezesset e anos, sua decisão de
abandonar a educação que o proveria apenas com prosperidade m at erial,
j á t inha sido t om ada. Por isso, quando seu irm ão Ram kum ar o
repreendeu por negligenciar sua educação, pront am ent e veio a respost a:
“ I rm ão, o que farei com um a educação para se ganhar o pão apenas? Ao
invés disso quero adquirir aquela sabedoria que ilum inará m eu coração e
conseguindo a qual t orna- se sat isfeit o para sem pre” 9 .
O m esm o espírit o de independência e desej o por liberdade o fez
fugir de t odas as propost as de um em prego no t em plo de Kali apesar de
que ele vivia lá com seu irm ão Ram kum ar. Por t rás dest a at it ude havia
t am bém a int ensa convicção que o principal obj et ivo da vida era at ingir a
consciência de Deus pela conquist a da carne e a renúncia da riqueza. A
m ort e de Ram kum ar, sobre quem ele t inha derram ado t oda sua afeição
filial após o falecim ent o de seu pai, foi um t rem endo choque para ele,
pois acont eceu quando sua m ent e est ava buscando por algo que era real
e im perecível nest e m undo t ransit ório. Ele est ava convencido de que o
hom em poderia ir além de t odo sofrim ent o e at ingir a im ort alidade
apenas realizando à Deus, a font e da et erna bem - avent urança. Sua
designação com o o sacerdot e do t em plo de Kali o aj udou a dirigir t oda a
energia para t er Sua visão e derram ar sua devoção sobre a Mãe sem pre
afet uosa. Est a devoção uni- dirigida e a ansiedade para sent ir a presença
da Divina Mãe devorou, por assim dizer, t odo pensam ent o sobre o
confort o corpóreo, m ais ainda, m esm o suas necessidades básicas. Assim
a difícil lut a para conquist ar a carne se t ornou fácil e não havia lugar em
sua m ent e para pensam ent os sobre a riqueza. E assim que ele t eve a
visão da Divina Mãe sua m ent e j am ais se dirigiu aos obj et os dos sent idos,
pelo cont rário sua ânsia de sent ir a perpét ua presença da Mãe aum ent ou
de form a ext raordinária.
Cont udo ele não est ava a salvo de passar por algum as provas. O
est ado int oxicado por Deus pelo qual Sri Ram akrishna passou, fez com
que ele algum as vezes agisse aparent em ent e de form a est ranha. Rani
Rasm ani e Mat hur suspeit ando que ist o fosse devido à algum problem a
nervoso, inicialm ent e arranj aram para seu t rat am ent o por um m édico
experient e, m as com o ist o não t rouxe nenhum alívio, eles acharam que
um pequeno desvio da rígida prát ica da cont inência lhe faria bem . “ Assim
eles cont rat aram duas m ulheres de m á reput ação para que ent rassem no
quart o em Dakshineswar e t ent assem est e filho da Divina Mãe” 10 . Ao vê-

9 Ibid., p. 34.

10 Ibid., p. 68.

3
las Sri Ram akrishna t om ou refúgio aos pés da Mãe, repet indo Seu nom e
em voz alt a. Diz- se que em out ra ocasião Mat hur levou Sri Ram akrishna à
Calcut t a e parou em um a casa onde havia m uit as j ovens bonit as
esperando e ret irou- se o deixando só no m eio delas. I m ediat am ent e Sri
Ram akrishna perdeu t oda consciência ext erior repet indo o nom e da Mãe.
Vendo- o naquele est ado as j ovens ficaram t em erosas das conseqüências
de se t ent ar um sant o e com eçaram a im plorar seu perdão. Mat hur
ouvindo o ruído ent rou no quart o e ficou espant ado com est a m aravilhosa
prova do t ot al cont role de Sri Ram akrishna sobre suas paixões.
I st o foi novam ent e dem onst rado quando ele experim ent ou as
prát icas Tânt ricas sob a direção da Bhairavi Brahm ani. Muit as dest as
prát icas foram realm ent e provas suprem as m as ele passou por elas
perm anecendo int ocado. Ele podia ver a Mãe do Universo m anifest a em
t odas as m ulheres, m esm o na m ulher da rua. Port ant o sua renúncia da
luxúria, t yãga, foi t ot alm ent e perfeit a.
A culm inação dest es t est es veio de Sri Ram akrishna m esm o.
Quando a sant a Mãe veio pela prim eira à Dakshineswar, ele perm it iu que
ela com part ilhasse seu leit o e " um dia vendo sua esposa adorm ecida ao
seu lado, Sri Ram akrishna disse à si m esm o: 'Aqui est á um corpo de
m ulher que o m undo considera t ão querido. Mas aquele que encont ra
prazer nele est á confinado ao corpo e não pode realizar à Deus. Diga- m e
francam ent e se você quer ist o ou Deus. Se quer o prim eiro ent ão aqui
est á. 11 '" Sua m ent e pura respondeu à est a quest ão ínt im a ent rando em
um Sam adhi t ão profundo que durou a noit e int eira. Mesm o no dia
seguint e foi com grande dificuldade que ele foi t razido de volt a à
consciência do m undo pela repet ição do nom e do Senhor em seu ouvido.
Nem est e foi um exem plo solit ário. Meses se passaram dest e m odo e
ainda assim nunca, nem m esm o por um m om ent o, sua m ent e desceu ao
plano sensório.
Agora nos volt arem os ao segundo obst áculo no cam inho espirit ual,
ou sej a, a riqueza e verem os com o ele encont rou est e im pedim ent o. Nós
j á m ost ram os quão cat egoricam ent e ele recusou adquirir o que
denom inou de " educação para ganhar o pão" , ou sej a um a educação que
dará riqueza, nom e e fam a. Ele nunca deu um só pensam ent o a est as
coisas. Não apenas ist o, quando a riqueza era oferecida a ele, se sent ia
ext rem am ent e desconfort ável, pois ele t inha banido de sua m ent e t odo
pensam ent o sobre a riqueza, descart ando- a com o não t endo m ais valor
do que um punhado de t erra: " Pelo raciocínio ele chegou a cert eira
conclusão de que um a pessoa que fez da realização de Deus a única m et a
de sua vida não conseguiria m ais aj uda do ouro do que de um punhado
de t erra. Por isso, repet indo várias vezes 'Rúpia é t erra e t erra é Rúpia',
ele at irou am bos no Ganges” 12 . Seguindo est a disciplina, est a idéia ficou
t ão firm em ent e gravada em sua m ent e que qualquer idéia de posse
levant aria, por assim dizer, um a t em pest ade em sua m ent e.

11 Ibid., p. 192.
12 Sri Ramakrishna, The Great Master, (Sri Ramakrishna Math, Madras, 1963)pp. 166-167.

4
Um a vez Mat hur quis fazer um a provisão para a m anut enção do
Mest re. Ao fazer t al propost a Sri Ram akrishna cont est ou: “ Você quer m e
fazer um hom em m undano?” 13 “ Ent re as m uit as pessoas que vieram
visit ar Sri Ram akrishna havia um rico senhor Marwari cham ado Lakshim i
Narayan, que t inha o Mest re em grande est im a” . 14 Nós narrarem os aqui
as circunst âncias com o encont ram os na biografia: “ Um dia Lakshim i
Narayan not ou um a colcha m anchada sobre a cam a do Mest re e
im ediat am ent e ofereceu- se para deposit ar no banco em seu nom e um a
som a de dez m il rúpias, para que suas necessidades fossem sem pre
sat isfeit as. Est a propost a foi t ão dolorosa para Sri Ram akrishna que ele
im plorou com as m ãos j unt as que est e assunt o nunca fosse m encionado
de novo. Vendo seus pedidos inút eis, o Marwari em seguida se aproxim ou
de Hriday e o pressionou para que aceit asse o dinheiro em nom e da
Sant a Mãe, que assim seria capaz de cuidar do confort o do Mest re.
Quando ist o chegou ao conhecim ent o do Mest re, ele de novo obj et ou,
dizendo que m esm o nest e caso o dinheiro seria prat icam ent e seu e ele
não poderia suport ar a idéia de possuir qualquer coisa. O hom em
generoso ainda insist iu. Vendo que seus argum ent os não eram aceit os o
Mest re grit ou angust iado: “ Ó Mãe, por que Tu t razes t ais pessoas aqui,
que querem afast ar- m e de Ti?” Ao ouvir est e apelo pat ét ico, aquele senhor
desist iu. Referindo- se à est e incident e o Mest re m ais t arde declarou:
“ Com as ofert as de Mat hur e Lakshim i Narayan eu m e sent i com o se
alguém est ivesse enfiando agulhas at ravés de m eu crânio'” . 15 A renúncia
de Sri Ram akrishna era com plet a e t ot al. Ele não podia abrigar a idéia de
posse m esm o por coisas t riviais. Seu sist em a nervoso se cont raía apenas
com a idéia de acum ular. Nós podem os ent ender ist o m elhor se derm os
aqui um exem plo. “ O Mest re gost ava de m ascar cert as especiarias de vez
em quando, especialm ent e após as refeições. Um dia, depois de t er t ido
sua refeição no quart o em que Sri Sarada Devi a Sant a Mãe ficava em
Dakshineswar, ela deu a ele algum as especiarias em um pequeno
saquinho de papel e pediu à ele que as levasse para o seu quart o. O
Mest re saiu em direção do seu quart o m as se sent iu confuso. Ele se
dirigiu em linha ret a a m urada e est ava para cair dent ro do rio. Sarada
Devi não sabia o que fazer. Ela era m uit o t ím ida para sair no m eio das
pessoas e segura- lo. Subit am ent e ela viu o sacerdot e do t em plo e pediu à
ele que cham asse Hriday, que salvou o Mest re da im inent e cat ást rofe.
Evident em ent e, para Sri Ram akrishna, carregar um pequeno pacot e de
especiarias era um at o de acum ular” 16 .
O próprio t oque de m et al que sim boliza o dinheiro causava int ensa
dor à ele. Um dia, após sua últ im a doença t er com eçado, um grande

13 Ibid., p. 435

14 'Life', pp. 225-226.

15 Ibid.

16 Swami Nikhilananda, Holy Mother, (Ramakrishna-Vivekananda Center, New York, 1962) p. 69 (daqui
em diante 'Holy Mother')

5
m édico cham ado Bhagavan Rudra foi cham ado. Cont aram ao m édico t udo
sobre a doença do Mest re. Sri Ram akrishna ent ão com eçou a conversar
com o dout or. “ Bem , o que você acha disso? Quando eu t oco um a m oeda
m inhas m ãos ficam cont orcidas, m inha respiração para. Mais ainda, se eu
faço um nó no cant o da m inha roupa, eu não posso respirar. Minha
respiração pára at é que o nó sej a desat ado” , disse o Mest re. “ Ele pediu à
um devot o para t razer um a rúpia. Quando Sri Ram akrishna segurou- a em
sua m ão, a m ão com eçou a cont orcer com dor. A respiração do Mest re
t am bém parou. Depois que a m oeda foi ret irada, ele respirou
profundam ent e t rês vezes e suas m ãos relaxaram .” 17 Mesm o um t oque
inconscient e de dinheiro produzia o m esm o result ado com o nós vem os no
seguint e incident e de sua vida. “ Um dia quando o Mest re est ava ausent e
em Calcut t a, Narendra veio à Dakshineswar. Vendo que não havia
ninguém em seu quart o, um desej o surgiu em sua m ent e de t est ar a
renúncia do Mest re à riqueza. Assim ele secret am ent e colocou um a rúpia
sob a cam a e foi ao panchavat i para m edit ar. Depois de um t em po Sri
Ram akrishna ret ornou. Tão logo ele t ocou a cam a ele recuou com grande
dor. Espant ado ele olhou ao redor quando Narendra ent rou e observou- o
silenciosam ent e. Um at endent e exam inou a cam a e a presença da rúpia
foi descobert a. 18 ” Tendo assim observado o Mest re por m uit os anos com o
ele prat icou a renúncia, não apenas no plano conscient e m as m esm o no
inconscient e, Swam i Vivekananda em seu hino em Bengali sobre o Mest re
descreve a ele com o Tyãgisvara, suprem o ent re os renunciant es.
Nós concluirem os com o que a Sant a Mãe disse dest a caract eríst ica
única da vida de Sri Ram akrishna. “ Um dia um discípulo pergunt ou à ela
sobre a especial m ensagem de Sri Ram akrishna. Não foi a harm onia das
religiões que ele experim ent ou e ensinou? A Mãe respondeu: 'Meu filho, o
que você diz sobre a harm onia das religiões é verdadeiro. Mas nunca m e
ocorreu que ele t ivesse prat icado as disciplinas de diferent es fés com a
idéia definida de pregar est a harm onia. Dia e noit e o Mest re perm anecia
subm erso no divino êxt ase. Ele desfrut ou do j ogo de Deus seguindo os
cam inhos dos Vaishnavas, Crist ãos, Muçulm anos, et c. Mas parece para
m im , m eu filho, que a principal caract eríst ica da sãdhana do Mest re foi
sua renúncia. Alguém j á viu algum a vez t al renúncia nat ural? A renúncia
é seu grande ornam ent o. 19 '”

17 Gospel of Sri Ramakrishna, (Ramakrishna Vivekananda Center, New York) p. 845.

18 Life' p. 267.

19 'Holy Mother', p. 216.

6
A VIDA ESPIRITUAL E O DESAPEGO
JUNHO 1978 

SWAMI PARATPARANANDA

A vida espiritual ou religiosa consiste primeiro em desenvolver em si mesmo


o anelo por conhecer o Desconhecido, ou Deus, ou como quer que O chame, em
seguida sentir sua presença intimamente, pois a religião, em essência, pertence ao
plano interno, supra-sensório e não ao plano dos sentidos. “A religião—diz Swami
Vivekananda, - está além de todo raciocínio e do plano intelectual. É uma visão, uma
inspiração, um mergulho no desconhecido e incognoscível; que faz ao incognoscível
mais que conhecido, já que a Ele jamais se pode ‘conhecer’. Esta busca tem estado na
mente humana, creio eu, - continua Swami Vivekananda, - desde o princípio da
humanidade. O raciocínio e o intelecto humanos não podem haver permanecido, em
nenhum período da história do mundo, sem esta luta, sem esta busca do além.” Aqui
pode parecer que Swami Vivekananda está falando em termos contraditórios
quando diz que a religião ‘faz ao incognoscível mais que conhecido, já que a Ele
jamais se pode conhecer’. Deus ou o que está além, não pode ser conhecido por estes
nossos sentidos como qualquer outro objeto do mundo, no entanto, pode ser
percebido por uma mente pura, despojada de todo tipo de desejo mundano, e
quando o percebe é muito mais real que os objetos do mundo apalpados pelos
sentidos. É por isso que fala nestes termos.
Mas na época atual a maior das questões é: Supondo que o conhecível e o
conhecido estão circunscritos pelo incognoscível e eternamente desconhecido, por
que devemos lutar para conhecer o incognoscível? Por que não devemos ficar
satisfeitos com o conhecido? Porque isto não satisfaz ao ser humano, sendo uma das
razões que o conhecido, esta manifestação, é uma parte do não-manifestado; o
universo sensório é, por assim dizer, tão só uma projeção de uma partícula desse
infinito universo espiritual, ao plano da consciência dos sentidos. Como se pode
explicar ou entender esta partícula, sem conhecer o que está além, ou seja, a fonte e
origem? Diz-se que um dia, quando Sócrates estava falando em Atenas se encontrou
com um brahmin, que havia viajado à Grécia. Sócrates disse ao brahmin que a maior
indagação da humanidade é o homem. No mesmo instante o brahmin lhe disse:
”Como pode o senhor saber sobre o homem a menos que conheça a Deus?” Swami
Vivekananda comenta: “Este Deus, este eternamente Incognoscível, Absoluto,
Infinito ou como quer que O chames, é a única explicação das razões em que se

 
baseiam o conhecido e o conhecível ou esta vida atual.” Ou seja, o universo sensório
não tem existência separada do Absoluto, de Deus.
Como podemos saber que é assim? Vamos responder com as palavras de um
Upanishad. O Kena Upanishad começa com esta indagação: “Movida por qual
vontade, a mente se dirige ao objeto? Ordenado por quem, o prana principal (a força
vital) cumpre com suas funções? Por qual vontade se move a fala do homem? Quem
é o deus que dirige os olhos e os ouvidos?” Daqui podemos concluir que o discípulo
que faz estas perguntas já sabe que a mente e os sentidos não são independentes, é
algum outro que os maneja, ainda que a crença comum é que a mente pensa por si
só. Se isto fosse certo, então um homem inteligente não pensaria em coisas más; no
entanto é sabido que mesmo dando-se conta de que vai colher frutos amargos, a
mente abriga às vezes pensamentos viciosos. E a pesar de ser advertido por outros,
se é impelido a agir mal e sofrer suas conseqüências desagradáveis. Por conseguinte
é correto supor que a mente não está totalmente livre em suas atividades. É uma
crença comum que o corpo, que consta dos sentidos e membros, comanda uma
pessoa a atuar e que a mente também está sob o controle do corpo. Mas um homem
inteligente se dá conta que o corpo, os sentidos e a mente, na realidade todas as
coisas em uma pessoa encarnada salvo o Ser mais recôndito, são mutáveis,
impermanentes e materiais. A mente e todo o restante cumprem suas funções pela
mera vontade do Atman.
O discípulo pergunta ao preceptor sobre este Atman imutável e eterno. O
mestre responde: “Ele é o Ouvido do ouvido, a Mente da mente, a Fala da fala, o
Prana do prana e o Olho do olho. Tendo se desligado dos sentidos e renunciado ao
mundo, os sábios alcançam a imortalidade.”
Sri Shankaracharia comentando este verso, diz: “Ao discípulo que era
qualificado ou apto para o conhecimento, o preceptor explica quem é aquele que
dirige a mente e todos os outros instrumentos no corpo.” A segunda palavra
‘ouvido’ se refere ao instrumento de ouvir, que é o órgão sutil por meio do qual se
ouve o som. No entanto, segundo o Upanishad, não é o próprio órgão que ouve;
funciona desta maneira por causa da presença do Atman, que é luminoso, todo-
penetrante e a inteligência eterna. Não é que o mestre esteja se referindo a outro
ouvido, mas ao Atman cuja presença dá ao instrumento ou órgão, sua sensibilidade
de ouvir, pensar e ver respectivamente. Como não há outra maneira de referir-se, ou
melhor dito, de conhecer ao Atman senão mediante as funções de cada um dos
instrumentos, o preceptor ensina que este Atman é aquele que está por trás de todas
as funções dos órgãos. O que é certo no microcosmo também o é no macrocosmo, o
que se vê em um individuo também pode dizer-se do universo. Daí a conclusão a
que chegamos antes.

 
Lemos também no Chandoguia Upanishad que assim como conhecendo um
torrão de argila se conhece a natureza de todas as coisas feitas de argila, conhecendo
um pedaço de ouro se conhece a natureza de todos os adornos feitos de ouro e
conhecendo uma navalha feita de aço se conhece a natureza de todos os objetos de
aço, do mesmo modo, conhecendo o Absoluto se pode conhecer todo o universo, já
que as diferentes formas e nomes são só superficiais, sendo a substância principal o
Absoluto. É por isso que não se encontra paz nem felicidade duradouras no externo,
quando se esquece do principal.
Swami Vivekananda diz: “A vida será um deserto, a vida humana será em
vão, se não podemos conhecer ao além (o desconhecido). É muito fácil dizer ‘estejam
contentes com as coisas do mundo’. As vacas e os outros animais estão e é isto que os
tornam animais. Assim, se o homem permanece satisfeito com o presente e
abandona toda a busca do além, a humanidade terá que voltar ao plano animal. É a
religião, esta indagação sobre o além, que faz a diferença entre o homem e um
animal. Bem se disse que o homem é o único animal que por natureza olha para
cima; todo outro ser vivo, por índole, olha para baixo. Este olhar para cima e elevar-
se e chegar a ser perfeito é o que se chama salvação e quanto mais cedo um homem
começa a elevar-se tanto mais cedo compreenderá esta idéia da verdade como
salvação. Esta não consiste na quantidade de dinheiro que se tem em seu bolso, ou
no traje que se veste, ou na casa em que se vive, mas na riqueza do pensamento
espiritual que tem em seu cérebro. Isto é o que contribui ao progresso humano; essa
é a fonte de todo progresso material e intelectual, a força motriz e o entusiasmo que
empurra para frente a humanidade.”
Em outra oportunidade Swami Vivekananda comentou: “Não se deve julgar a
religião segundo as normas materiais, de utilidade material. Se pergunta: ‘Que bem
pode fazer a religião? Pode tirar a pobreza dos pobres? Suponhamos que não possa,
provará isto a falsidade da religião? Suponhamos que um menino se ponha de pé
diante de vós, quando estais tentando demonstrar uma teoria de astronomia e lhes
pergunte: ‘Isto me dará guloseimas?’ ‘Não, não dará,’ respondereis. ‘Então, - dirá o
menino, não serve.’ Os meninos julgam ao universo inteiro desde seu ponto de vista,
de dar-lhes guloseimas e desta maneira fazem os meninos do mundo espiritual. Não
devemos julgar as coisas elevadas desde o nosso baixo ponto de vista. Se devem
julgar todas as coisas pela norma que lhe corresponde e o infinito deve ser julgado
pela norma da infinitude. A religião interpenetra toda a vida do homem, não
somente o presente, mas o passado, o presente e o futuro. É a relação eterna entre o
Ser eterno e Deus eterno. Por acaso será lógico medir seu valor pela sua ação sobre
cinco minutos da vida humana? É certo que não.”
A contribuição da religião ao homem é muito mais sólida, duradoura e
enobrecedora. Fez do homem o que é, e poderá transformá-lo em um Deus. Isto é o

 
que a religião pode fazer. Este é o propósito da religião: converter ao homem animal
primeiro em humano e depois em divino. Fazer-lhe sentir a presença divina que está
em seu interior. Para alcançar este estado a religião ensina vários métodos, entre os
quais os mais proeminentes são: de devoção, de ação desinteressada, de
conhecimento e controle psíquico. Se pode dizer que há tantas religiões, tantas seitas;
cada uma pretende ser o único caminho para Deus; qual delas nós devemos seguir?
Todas as religiões são verdadeiras e no fundamental não estão em desacordo. Mas as
diferenças que vemos ou encontramos às vezes são devido ao clima, temperamento
das pessoas e o ambiente em que as religiões foram espargidas ou divulgadas
primeiro. Podem haver diferenças entre os ritos e rituais que duas religiões seguem
mas nos princípios não se encontra muita diferença.
Se estudarmos cuidadosamente as disciplinas que recomendam as diferentes
religiões, ou os diferentes caminhos de qualquer religião, chegaremos a conclusão de
que há certas práticas que são comuns em todas elas, por exemplo, a renúncia. Os
Vedas declaram: “Não pela ação (recomendada pelos Vedas) nem tendo filhos nem
riquezas, mas unicamente pela renúncia, alguns alcançaram a Imortalidade.” Jesus
disse ao jovem rico que tinha se aproximado e perguntado: “Bom Mestre, que bem
farei para ter a vida eterna?”—Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão um,
ou seja, Deus; e se queres entrar na vida, guarda os mandamentos. ‘Disse-lhe:
’Quais?’ E Jesus disse: ‘Não matarás, não adulterarás, não dirás falso testemunho.
Honra à teu pai e tua mãe, e amarás o próximo como a ti mesmo.’ Disse o mancebo:
‘Tudo isto guardei desde a minha juventude. Que mais me falta?” Disse-lhe Jesus:
“Se queres ser perfeito, anda, vende o que tens e dá aos pobres e terás tesouro no
céu; e vem, siga-me.” Aqueles que querem se aprofundar mais podem estudar os
ensinamentos das diferentes religiões por eles mesmos e encontrarão que as
divergências estão nas coisas superficiais, enquanto que no fundamental não existe
diferença alguma em seus ensinamentos.
Entre as disciplinas que ensinam os diferentes yogas e os requisitos que
exigem existem algumas práticas imprescindíveis para seguir qualquer um deles,
por exemplo, o discernimento entre o Real e o transitório, o desapego pelas coisas do
mundo e um anelo forte para alcançar a liberação, ou chegar à Deus. A religião não é
somente para os poucos que renunciam ao mundo formal e mentalmente, mas para
todos aqueles que aspiram a uma vida mais elevada, uma vida do Espírito; por
conseguinte, deve ser factível para os que estão vivendo uma vida doméstica, com
seus pais, esposa e filhos. Sri Krishna disse no Bhagavad Gita: “Cumprindo com os
próprios deveres torna-se perfeito; e ouve como se pode chegar a ter a perfeição
dedicando-se aos deveres. Aquele de quem se originou todos os seres, por quem
tudo isto está interpenetrado, adorando a Ele por meio do cumprimento dos
próprios deveres o homem alcança a perfeição.” No mundo ninguém pode estar

 
ocioso, sem trabalhar, já que todos têm seus deveres a cumprir. Mas na maioria dos
casos se trabalha pelo apego ao trabalho, por interesse pessoal, ou outro objetivo, ou
seja, sempre por algum motivo pessoal. O resultado é que se apega cada vez mais ou
à ação ou ao motivo e assim se enreda cada vez mais fortemente. Além disso, toda
ação tem uma reação ou resultado que tem que colher aquele que a faz. É um
labirinto em que damos voltas e voltas sem poder sair dele. Os resultados das ações
das vidas anteriores nos fazem renascer e com as ações que estamos fazendo nesta
vida acumulamos mais resultados para um futuro nascimento e deste modo segue o
ciclo sem cessar. Não há modo de salvar-nos deste ciclo de nascimento e morte? Na
passagem já citada do Bhagavad Gita, Sri Krishna nos brinda com um dos métodos
mediante o qual o homem pode pelos próprios atos de sua vida diária liberar-se de
seus efeitos. Não necessitamos fazer nada especial nem descuidar de nossos deveres;
pelo contrario, temos que cumprir com eles com sumo cuidado e ao mesmo tempo
dedicá-los ao Senhor. Em outro lugar do mesmo livro Sri Krishna diz à Arjuna:
“Qualquer coisa que faças, qualquer alimento que comas, qualquer sacrifício que
ofereças, qualquer coisa que dês, qualquer austeridade que pratiques, faça tudo
como uma oferenda a Mim. Desta maneira te libertarás das amarras das ações que
são fonte de bons e maus resultados e com o coração firme na yoga da renúncia e
liberado virás à Mim.”
Sem dúvida custa-nos muito oferecer tudo à Deus com sinceridade, pois neste
caso não poderemos desfrutar de nosso êxito, nem sentir exaltação com as boas
obras que fazemos. Um homem que sempre esteve levando um tipo de vida distinto
não pode fazê-lo em seguida, no entanto, se quiser ir além das limitações e amarras,
deve tentar dedicar as ações ao Senhor, deve aprender a desapegar-se dos resultados
de seu trabalho.
O desapego às coisas transitórias desempenha um grande papel em todos os
yoga e não apenas no caminho da ação abnegada ou karma yoga. Por que um devoto
que segue o caminho da devoção não pode desde o princípio dedicar as ações à
Deus, a quem ele quer amar? Por causa do apego aos resultados. Também porque os
objetos do mundo são tão tangíveis e tão atrativos que não podemos de repente
desapegar-nos deles. E a menos que possamos fazê-lo estaremos longe da vida
espiritual e ainda mais distantes de Deus. Temos apegos incontáveis, apego à
riqueza, às coisas adquiridas, aos parentes, aos amigos, ao renome, fama e muitos
outros. Estes apegos nos cegam. Sri Krishna afirma: “O homem que pensa
continuamente nos objetos dos sentidos desenvolve apego por eles, em seguida
surge o desejo e quando este é obstruído produz a ira. Esta ofusca a mente e por
conseguinte perde a faculdade de recordar as coisas em sua própria perspectiva e
portanto o discernimento e ao final causa sua morte espiritual.” Pelo contrário,

 
aquele que está livre do apego e aversão, ainda que esteja atuando entre os objetos
sensórios, controlando sua mente, logra a paz.
Há uma estória no Mahabhárata, uma das maiores epopéias da Índia, que nos
demonstra com clareza quão perigoso é este apego: Havia um rei chamado Bhárata,
quem durante muitos anos reinou sobre seu império e quando envelheceu, colocou
ao seu filho sobre o trono, como era o costume então, e se retirou aos bosques nos
Himalayas, para dedicar o resto de sua vida ao pensamento de Deus. Construiu com
suas próprias mãos uma choça perto de um riacho e viveu ali se alimentando com as
frutas e as raízes que ele mesmo recolhia e meditando no Senhor. Passaram-se dias,
meses e anos, um dia uma cerva sedenta foi ao riacho para beber água. Neste
momento ouviu o rugido de um leão que se encontrava a certa distância. A cerva,
muito assustada, deixou de beber a água e tentou cruzar o riacho de um salto. Estava
prenha e por causa do susto repentino e demasiado esforço, dando a luz a um
cervinho, caiu morta. O cervinho por sua vez caiu na água do riacho e estava sendo
levado rapidamente pela corrente. O rei que estava meditando, observou isto e
lançando-se ao rio, salvou o cervinho, o levou a sua cabana e aquecendo-o perto da
fogueira, restaurou-lhe a vida. Vendo a condição desamparada do animal, o rei o
criou alimentando-o com pasto tenro e frutas, até que se convertesse em um cervo.
Mas aquele que tinha tido a força mental para cortar o apego de toda a vida, o poder,
a posição e família, ficou preso na rede do carinho pelo pequeno cervo que ele havia
salvado de uma morte iminente. Sentiu uma forte atração pelo animal e quanto mais
aumentava seu carinho pelo cervo menos podia concentrar sua mente em Deus. Se o
animal ia ao bosque para pastar e se demorava em voltar, a mente do rei se punha
inquieta, ansiosa e preocupada. Pensava: “Talvez meu pequeno tenha sido atacado
por um tigre ou esteja correndo algum outro perigo, se não por que a demora?”
Passaram-se alguns anos mais desta maneira e a morte se aproximava do rei.
Este em vez de pensar no Senhor, a razão pela qual havia renunciado ao seu reino,
família e todas as outras comodidades, ficava preocupado pelo cervo. Ao final,
quando chegou o momento, olhando aos olhos tristes de seu animal favorito, o rei
deixou seu corpo. E por conseguinte renasceu como um cervo. Mas jamais se perde
algum karma bom e todas as boas ações que o rei havia feito quando governava seu
reino e depois como sábio, deram seu fruto. Este cervo nasceu yatismara, isto é, com
a memória do que ocorreu em sua vida anterior. Ainda que não pudesse falar e vivia
em um corpo de animal, se afastava de seus companheiros e instintivamente buscava
pastar na proximidade das ermidas, onde se faziam oferendas ao fogo e predicavam
sobre os Upanishads.
Depois de viver os anos que correspondem a um cervo, morreu e nasceu de
novo, desta vez como o filho mais novo de um rico brahmin. Neste nascimento
também recordou sua vidas anteriores. Como conseqüência, desde sua infância

 
estava decidido a não envolver-se mais no bem nem no mal da vida. O menino era
forte e são, mas se comportava como um mudo. Vivia como uma coisa inanimada ou
como um louco, por medo de prender-se nos assuntos do mundo. Seus pensamentos
eram sempre do infinito e levava a vida para esgotar seu prárabdha karma, ou seja,
os resultados das ações das vidas passadas que causaram este corpo. Com o passar
do tempo o pai do menino morreu e os irmãos dividiram a propriedade entre eles
mesmos e pensando que o menor era mudo e imbecil, se apoderaram de sua parte
também. No entanto tiveram a piedade de dar-lhe alimento e roupa. As esposas de
seus irmãos não o tratavam com simpatia, o faziam trabalhar duramente; se o rapaz
não podia fazer tudo o que elas mandavam, brigavam com ele. Mesmo assim o rapaz
não mostrava raiva ou medo, tampouco pronunciava palavra alguma. Quando lhe
tratavam muito mal, saía da casa e ia sentar-se embaixo de uma árvore durante
horas, até que as cunhadas se acalmassem. Depois retornava a casa.
Um dia em que elas o trataram com maior severidade que o normal, Bhárata
saiu da casa como era seu costume e se sentou a sombra de uma árvore para
descansar. Neste momento passava por ali o rei do país em um palanquim levado
sobre os ombros de carregadores. Como um deles se enfermara repentinamente, os
servidores do rei buscavam a uma pessoa para substituí-lo. Vendo à Bhárata sentado
sob a árvore, lhe perguntaram se queria tomar o lugar do enfermo para levar o
palanquim. Não recebendo resposta alguma e observando que ele era um homem
forte e são, o levaram pela força e colocaram a base do palanquim sobre seu ombro.
Mesmo assim Bhárata não pronunciou nem uma palavra, e seguiu o caminho. Logo
o rei observou que o palanquim não se movia como deveria e isto lhe causava
incômodo; por conseguinte olhando para fora, se dirigiu ao novo carregador:
“Tonto, descansa um pouco, se lhe doem os ombros.” Bhárata, baixando a base do
palanquim, falou pela primeira vez: “A quem, ó rei, chamas tonto? A quem está
ordenando que baixe o palanquim? A quem dizes que está cansado? A quem se
diriges como ‘tu’? Se queres dizer, ó rei, pela palavra ‘tu’ esta massa de carne, então
está composta do mesmo material que a tua; é inconsciente e não conhece o cansaço,
não conhece a dor. Se queres significar por esta palavra a mente, esta é a mesma que
a tua, é universal. Mas se a palavra ‘tu’ está aplicada a algo que está mais além, então
é o Ser, a realidade em mim que é a mesma que está em ti e é o Único no universo.
Queres dizer, ó rei, que o Ser pode, por acaso, estar cansado, que pode machucar-se?
Eu não quis, ó rei, - este corpo não quis, - pisotear os vermes que se arrastavam no
caminho e por isso como estava tentando evitá-los, o palanquim se movia
erraticamente. Mas o Ser jamais esteve cansado, nunca esteve débil; nunca levou o
palanquim, pois é onipotente e onipresente.” Desta maneira falou eloqüentemente
sobre a natureza do Ser e sobre o conhecimento mais elevado. O rei, quem estava
orgulhoso de sua erudição, conhecimento e filosofia, desceu do palanquim e se

 
prosternou diante de Bhárata dizendo: “Te peço perdão, ó grande alma, eu não sabia
que tu eras um sábio quando te pedi que me levasses.” Bhárata o abençoou e se
despediu. Logo retomou o mesmo ritmo de vida de antes até que esgotou seu karma
e quando deixou seu corpo ficou liberado para sempre das amarras do nascimento.
Assim podemos ver quão perigoso é o apego pelas coisas efêmeras. Um rei
que tinha tudo, desfrutava dos prazeres do palácio e governava sobre milhões,
abandonou tudo com a finalidade de dedicar-se ao pensamento de Deus, mas este
laço de apego pelo pequeno cervo o arrastou duas vezes à este mundo. É por isso
que se dá muita importância a essa prática de desapego.
Agora se pode perguntar: isto está bem para os que renunciaram ao mundo,
mas para nós que vivemos nele como podemos deixar de nos prendermos aos nossos
parentes, amigos, casa, propriedade e riqueza? Como podemos ser cruéis com
nossos filhos? A religião não nos ensina a sermos cruéis, pelo contrário, aquele que
segue realmente um caminho espiritual jamais abandona suas obrigações no mundo.
Sri Ramakrishna aconselha aos que levam uma vida doméstica: “Viva no mundo
como a criada da casa de um homem rico. Ela cuida de todos os afazeres da casa,
mas os seus pensamentos estão em seu próprio lar em sua aldeia natal. Cria aos
filhos de seu patrão como se fossem seus próprios filhos e até chega a dizer, ‘Meu
Harí’ ao filho do patrão. Mostra a casa e diz; ‘Esta é a nossa casa. ’ Ela diz tudo isto,
mas no mais íntimo de seu coração sabe que nem a casa, nem Harí lhe pertence. Do
mesmo modo faça todos os seus deveres, mas mantenha sua mente em Deus. Viva
com todos, esposa e filhos, pai e mãe, e sirva-os. Trate-os como se fossem vossos mui
queridos, mas saiba no íntimo de vosso coração que não lhes pertencem.” É
necessário imprimir esta idéia em nossa mente até que chegue à recebê-la e assimilá-
la, pois a mente é caprichosa e rechaça qualquer nova idéia ou novo pensamento.
Pode surgir uma dúvida: Praticando o desapego, não vamos perder nosso
afeto aos que dependem de nós? Se realmente buscamos à Deus não há possibilidade
de perdermos as virtudes como simpatia, carinho, compreensão e outras
semelhantes. E aquele que chega a alcançar à Deus se enche dessas virtudes como
vemos em todos os grandes mestres espirituais. Além disso, o afeto humano é
sempre motivado por interesse egoísta, quer seja uma recompensa imediata ou
futura; e até os que dependem de nós deixam de ser queridos uma vez que se
comportem contra nossa vontade ou desejo. O carinho nesse caso desaparece e a
indiferença ou aversão toma seu lugar. Em troca, uma pessoa que continua
avançando no caminho espiritual não espera nenhum resultado de suas ações e
tampouco diminui sua atenção aos seus deveres. Sri Ramakrishna é muito claro
sobre isto: “Um chefe de família tem seus deveres para cumprir, dívidas a pagar: sua
dívida aos deuses, aos antepassados, aos rishis e à sua esposa e filhos. Se uma esposa
é fiel, o marido deve sustentá-la; também deve criar seus filhos até que sejam

 
maiores.” Também repreendeu severamente a um de seus discípulos por ter se
afastado de seus pais, dizendo: “Por acaso pai e mãe são pouca coisa? Nenhuma
prática espiritual produzira fruto a menos que eles estejam satisfeitos. Chaitanya
estava embriagado de amor por Deus, mesmo assim, antes de tomar o voto de
monge, tentou persuadir a sua mãe para que lhe outorgasse sua permissão para
renunciar ao mundo, durante muitos dias. Teus pais te criaram. Você mesmo é pai
de vários filhos. No entanto deixaste o lar com tua esposa. Enganaste a teus pais.
Saíste do lar com tua esposa e filhos e sentes que converteste em um santo. Um
homem não pode avançar nada sem pagar as dívidas que deve aos seus pais.” Aqui
vemos claramente a posição verdadeira de uma pessoa que quer seguir o caminho
espiritual; não pode fugir de seus deveres senão cumpri-los com perfeição e ao
mesmo tempo não esperar nenhum tipo de recompensa. É só esta forma de desapego
que pode nos levar à perfeição, conduzir-nos à Deus. Sem este desapego ninguém
jamais pode, pode ou poderá alcançar à Deus.
Que o misericordioso Senhor nos outorgue este desapego e nos dê refúgio à
Seus Pés!

 
OS REQUISITOS PARA A VIDA ESPIRITUAL

Swami Paratparananda 1

13-6-1972

É conhecim ent o com um que t odos os hom ens do m undo, qualquer


que t enha sido a esfera de sua ação, obt iveram êxit o e chegaram ao
cum e de suas carreiras m ediant e perseverança, dedicação e m ét odos
sist em át icos. Tom em os por exem plo os pint ores e m úsicos renom ados
que apreciam os m uit o; os que t êm apt idão para est as art es e querem
brilhar com o eles devem est udar seus m ét odos e segui- los. Não há at alho
para a grandeza. É o t rabalho árduo e persist ent e que lhes perm it em
alcançá- la. I gual é na vida espirit ual. Mais vale algum as gram as de
prát ica que t oneladas de t eoria, com o dizia Swam i Vivekananda. Aquele
que aspira levar est a vida deve seguir as rot as dos grandes seres
espirit uais, ou sej a, prat icar as disciplinas com que eles m esm os se
exercit aram . “ Não exist e out ro cam inho para chegar ao Alt íssim o” , disse
um dos Upanishads.
Est ando claro a im port ância e a necessidade da prát ica, agora
vam os falar das disciplinas. A ve r a cida de ocupa o prim eiro lugar ent re
elas, pois Deus é a Verdade, declaram os Upanishads. Com o se pode
alcançar a Verdade seguindo um cam inho opost o? Além disso, a
veracidade é indispensável m esm o em nosso t rat o cot idiano com as
pessoas. O hom em confia em um a pessoa veraz m ui facilm ent e. Pelo
cont rário, ainda que sej a at raído por out ra com suas prom essas
fascinant es, perde a fé nela quando descobre que não é honest a, que não
cum pre com suas prom essas. Há um dit ado sânscrit o: “ Unicam ent e
t riunfa a Verdade, nunca a m ent ira.” Est a, a prim eira vist a, pareceria um a
declaração t ont a porque percebem os que no m undo só prosperam os que
seguem o cam inho da ast úcia e da m ent ira. Mas se t em os a paciência de
observar os cham ados êxit os dessa gent e, verem os que t udo o que é
logrado pelo m au cam inho não dura m uit o t em po, nem t am pouco lhes
proporciona a felicidade e paz que buscavam . Pois t êm m edo de serem
descobert os, m edo de confiar em alguém , incluindo seus parent es m ais
próxim os. Podem os qualificar ent ão essa sua exist ência com o feliz?
Dist int a é a sit uação de um seguidor da verdade. Se um hom em fala
com o pensa, at ua segundo suas palavras e aceit a t udo o que result a de
suas ações com calm a, ent ão não t em m edo de nada. Porque pensa bem

1
Swami Paratparananda foi o líder espiritual do Ramakrishna Ashrama, Buenos Aires, Argentina e do Ramakrishna Vedanta
Ashrama, São Paulo, Brasil (1973-1988).

1
e corret am ent e ant es de falar e at uar; não deixa nada ocult o. Só quando
se ocult a algo ou se faz algum a ação m á ou cont ra as leis sociais ou do
país e as escondidas, é que se t em e ser descobert o e cast igado e para
encobrir um a m ent ira se recorre a m il out ras; no ent ant o não se pode
esconder a verdade. Est a, com o o sol do m eio- dia não deixa nada de
escuridão, m ost ra a luz, revela t oda m ent ira. É por isso que t odos os
precept ores espirit uais, desde os t em pos rem ot os, deram um a posição
proem inent e à verdade ent re as disciplinas espirit uais. Dizem os
Upanishads: “ Não deveis desviar- vos da verdade.” “ O cam inho do céu
est á feit o da verdade” . Ent re as qualidades piedosas ou divinas que Sri
Krishna enum era no Bhagawad Git a t am bém encont ram os a veracidade.
Sri Ram akrishna, a quem m ilhões na Í ndia e fora dela aceit am com o a
Encarnação Divina dest a época, declara: “ A veracidade const it ui a m aior
disciplina espirit ual para a era at ual.” E cont inua: “ Se um hom em adere-
se com t enacidade à verdade, ao final realiza a Deus. Sem est e respeit o
por ela [ a verdade] , gradualm ent e perde- se t udo. Depois que t ive a visão
da Divina Mãe, lhe roguei, com um a flor em m inha m ão: ‘Mãe, aqui est á
Teu Conhecim ent o, e aqui est á Tua ignorância. Tom e am bos e brinde- m e
solo com o am or puro. Aqui est á Tua sant idade e aqui est á Tua corrupção.
Tom e am bas, Mãe, e dá- m e o am or puro. Aqui est á Tua bondade e aqui
est á Tua m aldade. Tom e am bas, Mãe, e proporcione- m e o am or puro.
Aqui est á Tua correção e aqui est á Tua inj ust iça. Tom e am bas e brinde-
m e com o am or puro.’ Mencionei t udo ist o, m as não pude dizer, ‘Mãe,
aqui est á Tua verdade e aqui est á Tua falsidade. Tom e am bas.’ Subm et i
t udo aos Seus pés m as não pude decidir em abandonar a verdade.”
Nest a cit ação encont ram os um a frase m ui reveladora: “ Se um
hom em adere- se com t enacidade à verdade, ao final realiza a Deus.”
Talvez se pergunt e: ‘Mesm o um hom em que não é religioso chega a t er a
visão de Deus se é veraz?’ Mui possivelm ent e, se esse hom em não se
afast ar da verdade por nada, em t odas as circunst âncias e durant e t oda
sua vida, por m ais adversas que elas sej am , ent ão os véus de ilusão
diant e dos olhos de sua m ent e desaparecerão pouco a pouco. Deus o
conduzirá a um verdadeiro sant o e, est ando em sua com panhia, recobrará
sua consciência espirit ual, e logo dedicará seu t em po em pensar em
Deus, at é que alcance Sua visão.
Todos vocês conhecem o significado da palavra ‘verdade’. Não
obst ant e cit arem os algum as acepções [ dest a palavra] dadas pelo
dicionário, para aclarar a que nos referim os quando a ut ilizam os: “ A
verdade é a qualidade do que é cert o. Conform idade do que se diz com o
que exist e. Sinceridade.” Devem os agregar, “ Conform idade do que se diz
com o que se faz.” I st o é, se digo algo devo fazê- lo, cust e o que cust ar.
Assim pois, quando nos referim os a est a palavra incluím os em seu
significado t odas est as acepções. Se o hom em cult iva a verdade em t odo
est e sent ido, sem dúvida algum a alcançará à Deus, a Suprem a Realidade,
a seu devido t em po.

2
Passarem os agora a out ra disciplina m uit o im port ant e na vida
espirit ual: a r e pe t içã o do n om e de D e u s. Para m uit os ist o parece pouca
coisa. Pergunt am : ‘Que há nist o? Com o pode aj udar- nos?’ t ent arem os
responder- lhes. Suponham os que um a pessoa est á cam inhando na rua
em um a part e da cidade onde não é conhecida por ninguém ; de repent e
ouve alguém grit ar seu nom e. Que faz? I m ediat am ent e se det ém e olha
at é a direção de onde veio a voz. Mas logo se dá cont a de que o cham ado
não era para ela, pois não vê a ninguém que reconheça, m as sim a out ra
pessoa que cert am ent e t em o seu nom e, falando com um a t erceira e sem
prest ar nenhum a at enção a out ros. Mesm o sabendo que era est ranha
naquele bairro, a prim eira não pode deixar de verificar se o cham ado era
para ela. Vem os assim que o nom e t em sua pot ência.
Est a repet ição do sagrado nom e de Deus se cham a “ Japam ” em
sânscrit o. Pat anj ali, o grande m est re, que escreveu os aforism os sobre a
Yoga, disse: “ Japam consist e em pensar no significado do m ant ram , ou
fórm ula sagrada, enquant o se lhe repet e.” Nossa m ent e est á cheia de
t endências boas e m ás, im pressões das ações das vidas ant eriores e
t am bém dest a vida. A m aioria delas se encont ra lat ent e e cada um a se
m anifest a no m om ent o oport uno quando vem um est ím ulo part icular do
que [ m undo] ext erno. Repet ir o nom e de Deus e pensar Nele é despert ar
as boas t endências. E a m edida que se vai repet indo est a prát ica, sua
inclinações viciosas gradualm ent e vão sendo vencidas. Deus é am or puro,
exist ência e bem - avent urança et erna. Pensando sem pre Nele a m ent e
t am bém se t orna pura e desenvolve am or por t odos e sent e algo da bem -
avent urança et erna. Crem os que com est a explicação respondem os às
pergunt as sobre a ut ilidade dest a prát ica.
A t erceira disciplina const it ui a com pa n h ia dos sa n t os. Sri
Ram akrishna deu m uit a im port ância a est a. Há um dit ado: “ Diga- m e com
quem andas e t e direi quem és” . Que significa isso? Que a com panhia
influi em alt o grau no carát er das pessoas. Est ando na com panhia dos
sant os ou devot os piedosos assim ilam - se suas boas qualidades. Além
disso, devido a que os sant os sem pre falam de Deus, engendram
naqueles que os acom panham sede por vê- Lo. Sri Ram akrishna
cost um ava dizer: ‘A com panhia dos devot os é com o a água de arroz [ que
lavou o arroz] para aquele que vive no m undo, pois t ira a em briaguez
m undana’. Um provérbio sânscrit o diz: “ Um m om ent o da com panhia dos
piedosos aj uda ao hom em a cruzar est e oceano da vida” . Vam os narrar
um incident e da vida de Swam i Vivekananda. Cert a vez, quando ainda
não havia se t ornado fam oso, est ava viaj ando pelo nort e da Í ndia. Viaj ava
só, dependendo t ot alm ent e de Deus, se alim ent ava com o que davam as
pessoas, e não aceit ava dinheiro algum . Mas às vezes os devot os o
forçavam a viaj ar por t rem proporcionando- lhe o bilhet e para seu próxim o
dest ino. Em um a dessas ocasiões desceu do t rem em cert a est ação e se
sent ou em um cant o de sua plat aform a. Depois que o t rem part iu, o chefe
da est ação, que est ava para ir para sua casa, o viu sent ado no solo. Ao
vê- lo ficou at raído pela aura de espirit ualidade que rodeava o j ovem

3
m onge e se aproxim ou para oferecer- lhe seus serviços. Depois de saudá-
lo, Sarat Chandra Gupt a, o chefe da est ação, lhe pergunt ou: “ Swam ij i,
est á com fom e?” O m onge respondeu: “ Sim ” . “ Ent ão m e faça o favor de
vir com igo a m inha casa” . O m onge respondeu com a sim plicidade de um
m enino: “ Mas o que você m e dará para com er?” Cit ando um verso de um
poem a persa, o chefe lhe disse: “ Ó querido, t u viest e ao m eu lar.
Prepararei o prat o m ais delicioso para t i com a carne de m eu coração” . O
Swam i aceit ou o convit e. Mais t arde, Sarat ouviu ao Swam i cant ar um a
canção em bengali que dizia: “ Meu querido deve visit ar- m e com cinzas
em sua t est a” . O j ovem devot o desapareceu para aparecer de novo
despoj ado de seu uniform e oficial e com cinzas em sua t est a. Uns dias
m ais t arde o Swam i decidiu deixar o lugar. Em seguida o Chefe conseguiu
um subst it ut o para que ficasse a cargo de seus deveres e acom panhou ao
Swam i com o discípulo. Nunca m ais volt ou a sua vida ant erior. I ngressou
na Ordem e se fez m onge e foi conhecido pelo nom e de Swam i
Sadananda. Est e hom em , ant es de seu encont ro com Swam i
Vivekananda, ainda que levasse um a vida honest a e corret a, não sabia
m uit o da religião. Mas ao conhecer a um gigant e espirit ual, despert aram
nele t odas suas inclinações m ais elevadas adorm ecidas, e t odo o
pensam ent o sobre o am anhã que assalt a a um hom em do m undo se
desvaneceu para sem pre de sua m ent e. I st o ilust ra bem claram ent e o
provérbio j á cit ado.
Est e não é de m odo algum o único exem plo na vida espirit ual do
m undo. Todos vocês conhecem a t ransform ação que acont eceu nos
pescadores Sim ão e André, seu irm ão, quando Jesus os viu e lhes disse:
“ Venham a m im , e eu os farei pescadores de hom ens” . Ent ão eles,
deixando no m esm o inst ant e as redes, o seguiram . Vem os assim que a
com panhia dos sant os e Encarnações Divinas é um fat or m uit o pot ent e na
vida espirit ual.
A ca st ida de form a um dos fundam ent os im prescindíveis da vida
espirit ual. Os j ovens que querem levar est a vida devem aderir- se a ela
est rit am ent e, e os casados devem viver um a vida bem m oderada se
anelam ver a Deus. Ninguém na hist oria da religião chegou a t er a visão
de Deus sem prat icar est a virt ude.
Na Í ndia, os que seguem o cam inho do conhecim ent o, dão prim azia
ao disce r n im e n t o e n t r e o Re a l e o ir r e a l. Só Deus é Real, t odas as
out ras coisas do m undo são irreais, im perm anent es, t ransit órias.
Enquant o se considere ao m undo e seus obj et os com o reais não se pode
afast ar- se deles, m ais ainda, aferra- se a eles int ensam ent e, ansia gozos
nest e m undo e anela prazeres no além , nos céus. Não se dá cont a que
t odo prazer m undano é fugaz, m om ent âneo. Quando descobre ist o por
sua própria experiência nest a vida ou em vidas passada, ent ão, só ent ão,
não se envolve nas coisas m undanas. Com eça a discernir e a pergunt ar-
se: “ Quem sou? Por que vim aqui, a est e m undo? Qual é a m et a, o
obj et ivo da vida hum ana?” Com est a reflexão com eça a vida espirit ual.

4
Os grandes Mest res dest e cam inho prescrevem a pr á t ica da s se is
vir t u de s seguint es: Prim eira, sham a, dom ínio sobre a m ent e; segunda,
dam a, dom ínio dos órgãos dos sent idos; t erceira, uparat i, não deixar a
m ent e ident ificar- se com as m odificações dos obj et os apresent ados pelo
ext erno; quart a, t it iksha, suport ar t odas as dores e pesares sem queixas
nem angúst ias; quint a: shraddha, fé sem reserva, ou plena, nos
ensinam ent os das escrit uras e do Guru, precept or espirit ual; sext a,
sam ádhana, est abelecer sem pre e firm em ent e o int elect o ou a m ent e em
Deus. Por últ im o, eles insist em em que se deve t er um de se j o a r de nt e
pe la libe r a çã o.
O que significa sham a, ou dom ínio sobre a m ent e? Sabem os que a
m ent e sem pre vaga pelos obj et os apresent ados pelos sent idos, e pensa
neles ainda que não est ej am present es. Não perm it ir que a m ent e ande
buscando os prazeres, m as que se dirij a à sua própria m orada, ou sej a
Deus, const it ui seu dom ínio.
Dam a consist e em cont rolar e est abelecer os órgãos dos sent idos,
t ant o os ext ernos com o os int ernos, nos lugares que lhe correspondem .
Exist e um quadro j aponês de t rês m onos, em que um cobre seus olhos
com as m ãos; out ro, os ouvidos e out ro a boca, que represent a
sim bolicam ent e o conceit o de que não se devem ver coisas suj as ou
im orais; nem ouvir palavras frívolas e inút eis; nem t am pouco falar ou
dizer coisas não corret as, t riviais e fút eis. Há um a oração nos Upanishads
que diz: “ Que escut em os t udo o que é bom , vej am os o que é auspicioso,
execut em os com nossos m em bros ações que agradem à Deus, t oda nossa
vida” . Esse é o significado de dam a.
Ret irar a m ent e dos obj et os se cham a uparat i. À m edida que se vai
prat icando as duas disciplinas ant eriores logra- se a força para desapegar-
se das coisas ext ernas e est abelecer- se em pensam ent os de Deus.
Falam os em um a de nossas conversas ant eriores sobre t it iksha,
m ais am plam ent e. Por t ant o não o repet im os aqui.
A fé ou shraddha na palavra do Guru é indispensável para um
aspirant e espirit ual. Mesm o no m undo não se pode lograr nada se não se
confia em alguém . Sri Ram akrishna cost um ava dizer que um devot o deve
t er um a fé com o a de um a criança. Se a m ãe diz ao m enino que t al ou
qual pessoa é seu irm ão, ele o crê sem reserva. Narrarem os um a est ória
para m ost rar quão cert a é est a declaração do Mest re.
Havia um a pobre viúva em cert a aldeia que t inha um filho. Para
educá- lo o enviava a um a escola longe de sua casa. O cam inho at é ela
at ravessava um bosque. Um dia o m enino disse a sua m ãe: “ Mãe, sint o
m edo quando passo pelo bosque” . A m ãe, com o era pobre, não podia dar-
lhe um acom panhant e para prot egê- lo das feras e do m edo dos
fant asm as. Pensou um pouco e com o era devot a de Sri Krishna,
ent regando- lhe m ent alm ent e o cuidado de seu filho, disse a ele: “ Olhe
filho, t u t ens um irm ão m ais velho que se cham a Madhusudana ( um nom e
de Sri Krishna) que vive no bosque. Quando sint as m edo cham e- O e Ele
aparecerá diant e de t i e t e acom panhará” . O m enino confiou na palavra

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de sua m ãe e enquant o at ravessava o bosque no dia seguint e grit ou: “ Ó
irm ão Madhusudana, vem logo, t enho m edo! ” De im ediat o ouviu um a voz
que dizia: “ Já vou, irm ão, não t e assust es,” e apareceu um j ovem de
brilhant e aspect o que o acom panhou at é o final do bosque. Assim o
m enino t eve um acom panhant e t odos os dias que ia à escola. E
brincavam enquant o cruzavam o bosque. O m enino cont ou a m ãe t udo o
que acont ecia. Um dia houve um a fest a na casa do m est re e se pediu a
t odos os alunos que levassem present es. Est e m enino t am bém pediu a
sua m ãe que lhe desse algo para levar ao precept or. A m ãe que apenas
podia sust ent ar- se a si m esm a e à seu filho, lhe disse: “ Peça a t eu irm ão
e ele t e proporcionará o m elhor present e que possas levar.” O m enino
seguiu a inst rução da m ãe e quando seu irm ão apareceu no dia seguint e,
ele lhe pediu o present e. O j ovem t rouxe um pequeno pot e de leit e e o
ent regou ao m enino ao sair do bosque. O precept or, que recebia
present es valiosos, não prest ou nenhum a at enção a est e m enino. Ao final
da cerim ônia o m est re lhe pergunt ou: “ Que t rouxest e para m im ?” O
m enino present eou seu pot e de leit e, o qual ele recebeu com desprezo,
dizendo a um de seus alunos que derram asse o cont eúdo em um a
vasilha. Mas acont eceu algo assom broso. O pequeno pot e de leit e não
som ent e encheu t odas as vasilhas que o m est re possuía, m as ainda assim
perm anecia cheio. Maravilhado o m est re pergunt ou ao m enino: “ Bom ,
m eu filho, onde conseguist e est e pot e?” O m enino relat ou t odo o ocorrido.
De novo o precept or lhe disse: “ Queres apresent ar- m e a esse t eu irm ão?
Anelo m uit o vê- lo.” O m enino consent iu logo com alegria, e am bos foram
ao bosque. O m enino cham ou em alt a voz a seu irm ão por seu nom e. Mas
dest a vez não acont eceu nada. O irm ão não apareceu. Ent ão m uit o aflit o,
o m enino chorando, disse: “ I rm ão, se não aparecer m eu m est re m e
considerará um m ent iroso, por favor revela- t e diant e de nós.” Com o
respost a a est e rogo, só ouviram um a voz dizendo: “ I rm ão, eu est ou
sem pre dispost o a aparecer diant e de t i, m as t eu m est re ainda não é
digno de ver- m e, ele t erá que esperar m uit o.” Ouvindo est as palavras o
m est re ficou m uit o envergonhado, pediu perdão ao m enino por t ê- lo
t rat ado com desprezo e o abençoou com t odo coração.
Vem os assim , que a m era erudição sem as prát icas espirit uais,
m uit as vezes form a um a barreira ent re nós e Deus. Pelo cont rário, a
plena fé nos aj uda a alcançá- lo. Não t em os que considerar est a est ória
com o um cont o para ent ret er as crianças. Tudo ist o acont eceu na Í ndia
não m uit o ant iga. Tam pouco é um incident e único. Há casos sim ilares que
lem os na hist ória das religiões, em t odas as part es do m undo. Vam os
cit ar out ro exem plo.
Havia um Brahm in piedoso que sem pre fazia o cult o a seu I deal.
Um dia, na hora de oferecer a com ida ao Senhor, t eve que sair por
algum a causa. Ant es de part ir disse ao seu filho de t enra idade que
fizesse a oferenda ao I deal. O m enino levou os prat os e os colocou no
alt ar e pediu ao Senhor que se servisse da com ida. Quando viu que o
Senhor, a I m agem , não m ost rava nenhum sinal de m ovim ent o, com eçou

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a chorar, dizendo: “ Ó Senhor, m eu pai t eve que ir a out ro lugar, ele m e
encarregou de t e oferecer est e serviço. Parece que Tu est ás zangado
com igo. Desculpe- m e se com et i algum erro; por favor sirva- se, senão
m eu pai brigará com igo” . Ouvindo est as palavras sim ples do sim ples
m enino, o Senhor apareceu diant e dele e com eu t odas as oferendas nos
prat os. Depois de alguns m inut os as pessoas da casa cham aram ao
m enino para que t rouxesse a oferenda, m as o m enino disse que o Senhor
j á havia com ido t oda a com ida. Assom brados, eles foram ao t em plo e
viram que os prat os est avam lim pos. E quando o pai volt ou e ouviu sobre
o acont ecido, ficou alegre e t rist e ao m esm o t em po, pois seu filho com
sua fé infinit a e int ensa havia vist o a Deus; t rist e, porque ele m esm o
depois de t odos os seus esforços e cult os para ver a Deus, não havia
chegado a t er Sua visão.
Observam os assim que a fé é indispensável na vida de um aspirant e
espirit ual, qualquer que sej a seu cam inho para Deus. Mas
desgraçadam ent e a debilidade de nossa época consist e em não crer em
nada, especialm ent e na vida religiosa, enquant o não t enham os provas
t angíveis sobre ela. Prat icam ent e j á afast am os o Espírit o do nosso t erreno
de pensam ent o e ação. Fecham os a port a de nosso coração para Ele.
Devem os rem ediar est a sit uação. Devem os convert er ao coração em
t em plo de Deus e, com o disse Jesus, expulsar a t odos aqueles que
vendem e com pram , ou sej a, as inclinações que nos dirigem ao prazer
m undano e afirm ar com o Ele que ‘m inha casa, casa de oração será
cham ada’. Devem os abrir nosso coração para que ent re a fé nele. Sri
Krishna disse no Bhagawad Git a: ‘Assim com o é a fé de um hom em , de
igual m odo é a form ação de seu carát er’. O hom em sát vico adora a Deus,
naquele que t em fé nos seres celest iais predom ina as qualidades
raj ásicas; e aqueles que t êm inclinações ou propensões t am ásicas,
adoram aos fant asm as ou ao m undo m at erial. Sej am os adoradores de
Deus, afast ando- nos do puro m at erialism o.
Agora irem os discut ir sobre o sam ádhana ou t ranqüilidade m ent al.
Todos sabem com o a m ent e é inconst ant e; aquiet á- la é um esforço de
t oda a vida, para a m aioria da hum anidade. No ent ant o, sem dirigi- la à
Deus não se consegue a t ranqüilidade, a paz et erna. Só quando se
prat icam t odas as disciplinas j á m encionadas ou out ras sem elhant es, é
possível alcançar est e est ado. Se não, é difícil, m ais ainda, im possível que
logrem os t ê- la, pois a t ranqüilidade não est á na felicidade m at erial. A
sede do hom em pelas coisas m at eriais não se apaga nunca, senão que
aum ent a cada vez m ais. E com t odas est as preocupações, com o se pode
t er a t ranqüilidade m ent al? É ao cont rário o que acont ece. Tudo ist o agit a
a m ent e em lugar de acalm á- la. Além disso, o que busca a m aior part e da
hum anidade não é a t ranqüilidade, senão a felicidade e ist o o fazem
m esm o sabendo que é passageira, que t raz consigo inum eráveis
dificuldades e pesares e que t am bém debilit a a pessoa física e
m ent alm ent e. Sri Krishna disse no Bhagawad Git a: “ Est á ausent e a
faculdade de discernir naquele que se ocupa dos prazeres. Aquele que a

7
perdeu [ a faculdade de discernir] não é capaz de pensar em coisas m ais
elevadas. Aquele que não pensa no Ser ou Deus não t em paz, ent ão,
com o pode lograr a felicidade ou bem - avent urança et erna? Em t roca,
aquele que est á livre dos pares de opost os, t ais com o o afet o e a
repulsão, ainda que viva no m undo, os subj uga por sua vont ade e alcança
a equanim idade. Um a vez lograda a serenidade se desvanecem t odos os
pesares para est e hom em ” .
Os hindus crêem que um ser hum ano renasce repet idas vezes at é
que alcance a liberação. Liberação de quê? Liberação dest es nascim ent os
e m ort es, liberação de t odas as corrent es que nos prendem ao m undo.
Tam bém crêem , que é o próprio ser hum ano que fabrica seus
renascim ent os nest a t erra, m ediant e suas ações. Cada um t em que
passar pelas experiências do m undo ant es que chegue a t er desapego aos
prazeres. Só ent ão se dispõe a valorizar as coisas pert encent es ao reino
do Espírit o. Se não, por m ais que se lhe aconselhe ou ensine, não é capaz
de crer na necessidade de levar um a vida espirit ual. Port ant o, um anelo
ardent e é im prescindível para lograr a visão de Deus ou conseguir a
liberação.
N a vida e spir it u a l a gu ia de u m m e st r e é n e ce ssá r ia , m as
devem os t er ext rem o cuidado ant es de escolher ou subm et er- nos a um
Guru. Sri Shankara em seu livro Viveka Chudam ani dá alguns signos
pelos quais se pode reconhecer ao verdadeiro m est re espirit ual. Diz:
“ Aquele que est udou as Escrit uras Sagradas, aquele que é sem m ácula, a
quem os desej os não m ovem , quem conhece a Brahm an, a Suprem a
Realidade, cuj o descanso est á em Brahm an, que realizou a Brahm an, cuj a
personalidade é com o o fogo sem fum aça, que é com o um oceano de
com paixão por t odos os que se aproxim am com o desej o de liberar- se, é
um verdadeiro Guru” . Nele não exist e o desej o de ganhar dinheiro, fam a
ou renom e. Tudo o que lhe dá o im pulso para ensinar aos dem ais é sua
com paixão pelos aflit os do m undo. Mas é difícil encont rar a alguém que
realizou e viu a Deus. I st o não quer dizer que o m undo carece de pessoas
que levam um a vida com plet am ent e ent regue a Deus, que nunca pensam
em seu próprio bem est ar m at erial quando t ent am com part ilhar suas
experiências espirit uais com os dem ais. Esse deve ser o crit ério com que
se deve escolher um Guru. Hoj e em dia é m oda m udar de m est re
espirit ual t ão frequent em ent e quant o sej a possível. Por que as pessoas
não sabem o que querem . Seu ideal é m uit o nebuloso; às vezes crê que
anela a Deus, m as no inst ant e seguint e dirige sua m ent e para seus bens,
sua saúde ou com o sair de algum apuro. Se observar- se, se achará que a
m aior part e dest as pessoas busca som ent e est as coisas e não à Deus. É
por isso que andam visit ando a um Guru e a out ro, sem t er um a ideia fixa
do que querem . Mas ist o é j ust am ent e o que não deve fazer um aspirant e
espirit ual, porque m ost ra sua falt a de fé no m est re que se aproxim ou e
por conseguint e, não logra nada nest e m undo nem no além . Deve- se
observar ao m est re durant e um longo t em po ant es de subm et er- se ao
seu cuidado. Um a vez aceit o, nunca deve m udar senão seguir suas

8
inst ruções ao pé da let ra e em seu espírit o, at é a m ort e, sem vacilar.
Porque só Guru pode m ost rar o cam inho adequado a um discípulo
part icular, segundo suas inclinações. O rest o depende dele m esm o. Só em
casos m uit o especiais em que o Guru é a Encarnação Divina ou um sant o
de m uit o alt a cat egoria e o discípulo possui algum as boas qualidades bem
proem inent es, é que o m est re t ira os obst áculos do cam inho espirit ual do
discípulo por seu m ero t oque. Tam pouco um precept or espirit ual aceit a a
um discípulo m uit o facilm ent e. O observa durant e um longo período. O
subm et e a m uit as provas e só quando se assegura que o discípulo o
seguirá sem reservas e não se afast ará do cam inho espirit ual, lhe concede
sua graça.
O cam inho da devoção não exige m uit as das disciplinas do cam inho
do conhecim ent o, no ent ant o, insist e na fé, t ant o nas Escrit uras com o no
Guru; t am bém na repet ição do sant o nom e de Deus. Mas ist o não
significa que perm it e a ausência das virt udes enum eradas ant eriorm ent e.
Nest e cam inho, o aspirant e, pela int ensidade de sua devoção, desenvolve
nele t odas as boas qualidades, com o por exem plo, com paixão, nat ureza
suave, dom ínio sobre a m ent e, t ranqüilidade e out ras sem elhant es, e at é
que não as alcance não consegue a visão de Deus.
Resum indo, os requisit os para a vida espirit ual consist em em
prat icar disciplinas t ais com o a veracidade, a cast idade, a com panhia dos
sant os, a repet ição do sant o nom e de Deus, o dom ínio sobre a m ent e e os
órgãos dos sent idos, a int ensa fé nas palavras dos t ext os sagrados e no
Guru, e por últ im o, se bem não m enos im port ant e, a guia do Precept or
espirit ual. Além disso é necessária um a int ensa ansiedade para liberar- se
dos nascim ent os e m ort es. Bem - avent urados serão aqueles que
encont ram um verdadeiro Guru e seguem prat icando int ensa e
firm em ent e as disciplinas que ele aconselha.

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A DEVOÇÃO QUE NOS LEVA A DEUS
21-11-1979

Por Swami Paratparananda

Muit os aspirant es à vida espirit ual de t odas as part es do m undo se


queixam que Deus não escut a às suas orações, e que apesar de t ê- Lo
suplicado durant e anos Ele não Se revelou. Há algo verdadeiro nest a
queixa que se ouve frequent em ent e? Todas as Encarnações Divinas
afirm am que Deus out orga t udo que se Lhe pede; por exem plo, Sri
Krishna disse, no Bhagavad Git a: “ Fixa t ua m ent e em Mim ( no Senhor) ,
sê Meu devot o, oferece- Me t odo t eu sacrifício e saúda- Me; dessa form a,
t endo a Mim com o t ua Met a Suprem a, chegarás a Mim .” O Senhor Jesus
afirm a: “ Pedi e vos será dado; buscai e achareis; cham ai e abrir- se- vos- á.
Porque qualquer que peça, recebe; e o que busca, achará; e ao que
cham a, se abrirá.” Ele t am bém assegura: “ Vinde a m im , t odos os que
est ais cansados e oprim idos, e eu vos aliviarei” 1 . Quando pergunt aram a
Sri Ram akrishna se Deus escut a nossas preces, ele respondeu: “ Deus é o
Kalpat arú, a Árvore que realiza os desej os. Seguram ent e você receberá o
que pede a Ele. Mas você deve pedir de pé pert o dessa Árvore. Som ent e
ent ão se cum prirá seu pedido. Você deve recordar de out ra coisa: Deus
conhece nossos sent im ent os ínt im os. Um hom em consegue sat isfazer o
desej o que abriga durant e as suas prát icas espirit uais. Recebe- se de
acordo com o que se pensa.”
Est es grandes m est res não t inham nenhum m ot ivo para falar assim
se não fosse cert o, se não fosse verdade. Além disso, ensinavam por
am or à hum anidade e falavam a part ir da própria experiência. Est ou cert o
de que os aspirant es aos quais nos referim os no princípio dessa palest ra
conhecem est as afirm ações; ent ão, o que nos im pede de alcançar Deus?
Que t ipo de devoção pode nos levar a Deus? Nas palavras j á cit adas de
Sri Ram akrishna encont ram os um indício de com o devem os rezar a Deus.
Em sua m aioria, os aspirant es que t ent am prat icar suas disciplinas
espirit uais o fazem com suas m ent es vagando por t oda part e, sem fixar o
pensam ent o no Senhor, m as nas coisas dest e m undo. O apego que se
desenvolveu pelas coisas daqui é t ão fort e que ocupa quase t oda a
m ent e. Para explicar ist o, Sri Ram akrishna relat ou um a parábola: “ Um
m ago est ava fazendo dem onst ração de seus t ruques a um rei. De vez em
quando ele exclam ava ‘Vem confusão! Vem ilusão! Oh Rei, dá- m e
dinheiro, dá- m e roupa! ’ De repent e sua língua deu um a volt a e se pregou
no céu da boca. O m ago experim ent ou kum bhaka ( ret enção da
respiração) . Não pôde art icular nem um a palavra ou som e ficou sent ado,
im óvel. Acredit ando que havia m orrido, const ruíram um a cript a de
ladrilhos e o ent erraram nessa post ura. Depois de m il anos, quando
1
Mt 11:28

1
alguém abriu a cript a, deram - se com um hom em sent ado em sam adhi.
Pensaram que fosse um sant o e o adoraram . Quando o m overam , sua
língua se despregou do céu da boca e volt ou à posição norm al. O m ago,
ao t ornar- se conscient e do m undo ext erior, grit ou com o fez m il anos
at rás: ‘Vem confusão! Vem ilusão! Oh Rei, dá- m e dinheiro, dá- m e
roupa! ’” . Tal é a força do apego às coisas do m undo que, m esm o depois
de anos t ent ando nos afast ar delas, elas nos m ant êm presos e sem pre
volt am a int erferir em nossas orações. Nosso pensam ent o ret orna um a e
out ra vez im pet uosam ent e ao m undo m at erial, at é durant e as orações,
por causa desse apego.
Podem os dividir os aspirant es em quat ro t ipos, de acordo com o
m ot ivo porque se aproxim am de Deus: os aflit os, os que buscam
conhecim ent o, os que desej am riqueza ou out ro prazer e os sábios. Sri
Krishna disse que t odos eles são pessoas de bons m érit os, m as que o
sábio, sem pre firm e e dedicado ao Senhor, é quem se sobressai: “ pois” ,
acrescent a Sri Krishna, “ Eu sou suprem am ent e querido por ele e ele é
querido por Mim .”
Porque o sábio não adora ao Senhor para conseguir algo d’Ele, m as
o faz porque sabe que o Senhor é seu próprio Ser int erno e que t odas as
out ras coisas são t ransit órias, fugazes, e som ent e t raz t ranst ornos e
pert urbações. A m aioria dos aspirant es pert ence às prim eiras t rês
cat egorias acim a m encionadas: rezam a Deus para que cure suas
enferm idades, lhes dê boa saúde, filhos com preensivos, riqueza em
abundância e coisas desse t ipo.
Exist em out ros que querem conhecer a nat ureza de Deus. Em
qualquer desses casos, quando não se consegue o que buscam ( um a
recom pensa im ediat a) , ent ão com eçam a se queixar ou abandonam o
cam inho. Com que ent usiasm o com eçam ! Dizem que não querem nada
além de chegar a Deus, que não lhes int eressa nenhum a out ra coisa. Sem
dúvida, quando não encont ram form as de avançar, pois suas próprias
m ent es se t ornam um grande obst áculo no cam inho, exigindo a sat isfação
de seus desej os at é ent ão ocult os, abandonam com plet am ent e seus
esforços e volt am às suas vidas ant eriores e t alvez m ergulhem m ais
fundo no m undo m at erial.
As escrit uras hindus sobre bhakt i ( devoção) falam de dois t ipos de
devoção, a vaidhí bhakt i, ou a prát ica da devoção segundo os
m andam ent os, e o prem a bhakt i, o am or espont âneo e ext át ico por Deus.
O principiant e desse cam inho deve seguir os m andam ent os: repet ir cert o
núm ero de vezes o m ant ram , ou fórm ula sagrada do nom e de Deus,
j ej uar algum as vezes por m ês, cant ar as glórias do Senhor e prat icar
out ras disciplinas espirit uais para t ent ar m ant er sua m ent e n’Ele. À
m edida que segue o cam inho, sua at ração pelo Senhor vai aum ent ando,
se est iver cum prindo os m andam ent os da m aneira devida. Sem dúvida,
ist o não acont ece se o aspirant e t em um fort e apego ao m undo m at erial e
é m ovido facilm ent e pelas paixões. Est as são com o o last ro para o globo;
se há m uit os last ros o globo não pode ser rem ont ado no céu, pois ficará

2
flut uando num a det erm inada alt ura. É ist o que acont ece com m uit os
seguidores do cam inho espirit ual: quando decai o ent usiasm o que
sent iam no início, dim inui a concent ração e t am bém os esforços para
chegar à m et a. De out ro lado, surgem desej os de renom e, fam a e
com odidades com o recom pensa pelas poucas aust eridades ou dedicação
que fizeram .
Sri Ram akrishna disse repet idas vezes aos seus ouvint es: “ Acaso
vocês podem conseguir as pérolas que se encont ram no fundo do m ar,
flut uando sim plesm ent e sobre a superfície das águas?” . Tam bém
cost um ava ent oar um a canção que expressa esse sent im ent o. A
cit arem os aqui:

Mergulhe fundo, ó m ent e, levando o nom e de Kali,


Nas águas do oceano do coração,
Onde est ão escondidas m uit as pedras preciosas.
Jam ais acredit e que o fundo do oceano carece das gem as
Se seus prim eiros m ergulhos forem infrut íferos;
Com firm e det erm inação e aut odom ínio
Mergulhe e abra cam inho para o reino da Mãe Kali.
Ali em baixo, nas profundezas do oceano de Sabedoria Celest ial,
Est ão as pérolas m aravilhosas da Paz, ó m ent e;
E você m esm a pode recolhê- las,
Se t iver som ent e am or puro e obedecer às escrit uras.
Nas águas profundas do oceano, t am bém
Espreit am seis crocodilos - luxúria, a ira e as out ras paixões -
Movendo- se sem pre em busca de sua presa.

Unt e- se com a cúrcum a do discernim ent o


Seu sim ples odor lhe resguardará de suas m andíbulas.
No leit o do oceano est ão espalhadas
I ncont áveis pérolas e pedras preciosas;
Mergulhe, disse Ram prasad, e recolha- as a m ãos cheias.

Nessa canção est ão descrit os os requisit os para se chegar a Deus:


prim eiro ensina que devem os ret irar a m ent e dos obj et os ext eriores e
dirigi- la para dent ro, levando o nom e de Deus. Porque t udo que
buscam os no ext erior – felicidade, paz e t ranquilidade - est á dent ro e não
do lado de fora. No ext erior t udo é t orvelinho, redem oinho, conflit os,
querelas e m al- ent endidos. Com o podem os esperar que o m undo se
m odifique?
Port ant o, os sábios espirit uais ensinam que devem os ir para dent ro.
A segunda lição é que nunca devem os esperar result ados im ediat os, nem
nos desesperar por causa dos prim eiros fracassos em nossas t ent at ivas
de alcançar um est ado de est abilidade ou concent ração, m as que com
firm e det erm inação, e cont rolando t odos os sent idos, devem os persist ir

3
nos esforços at é chegar à m et a, a Deus. A Paz não pode ser alcançada no
ext erior, m as em si m esm o. Ninguém pode consegui- la para nós senão
nós m esm os, ao cum prir os m andam ent os das escrit uras e obt er o am or
puro pelo Senhor. O poet a est á conscient e da exist ência das paixões, as
quais com para com os crocodilos fam int os, e para enfrent á- las recom enda
cult ivar o discernim ent o. Sem discernim ent o, m esm o um a pessoa que
segue o cam inho da devoção não pode avançar, porque o discernim ent o
at ua com o um vigilant e que im pede que as paixões lhe causem prej uízo.
As pérolas m aravilhosas que alguém pode recolher são a bem - avent urada
visão de Deus e result ant es paz, t ranqüilidade e equanim idade. Est a é a
devoção que pode nos levar a Deus: um a devoção firm e, guiada pelo
discernim ent o e pela renúncia. Não devem os nos assust ar ao ouvir a
palavra “ renúncia” . Sabem os que a renúncia t ot al não é possível para
t odos, m as para se alcançar Deus é preciso renunciar pelo m enos
int ernam ent e, quer dizer, desapegar- se de t odas as coisas m at eriais.
Porque com o disse o Senhor Jesus Crist o, não podem os servir a dois
senhores, a Deus e a Mam m ón.
Com o dissem os no início dest a palest ra, os obj et os do m undo t êm
um a at ração irresist ível para o ser hum ano, e quem cai em sua rede
raríssim as vezes consegue sair dela, e a m enos que escape dali, não será
possível chegar a Deus. Na canção que acabam os de cit ar é m encionado o
am or puro. O que significa isso? No m undo, ou o am or quase sem pre é
egoíst a ou est á suj eit o à reciprocidade. O am or m ot ivado, sej a qual for, é
condicionado pelas circunst âncias, sit uações e coisas do t ipo. Bem raras
vezes se encont ra pessoas cuj o am or pelos out ros não t enha algum
int eresse pessoal. O am or puro é aquele que não exige nenhum a
ret ribuição, m ais ainda, não espera nenhum a recom pensa, e flui sem pre
da m esm a form a para o obj et o do am or sob quaisquer condições. Não se
dirige esse am or para Deus com a esperança de coisa algum a. A pessoa
que o possui am a a Deus porque sent e que o Senhor é seu único parent e
e am igo ínt im o. Est á dispost a a servi- Lo de t odas as m aneiras possíveis, e
sent e- se feliz ao fazê- lo.
Sri Ram akrishna cert a vez disse: “ Pode- se falar das escrit uras, da
filosofia, da Vedant a; m as não se encont rará Deus em nenhum deles.
Jam ais será possível alcançar a Deus, a m enos que sua alm a se inquiet e
por Ele. Deve- se est ar ansioso por Deus, e prat icar disciplinas espirit uais
com int ensidade. Acaso é possível obt er a visão de Deus de repent e, sem
nenhum preparat ivo?” O preparat ivo consist e em levar a cabo as
indicações das escrit uras, pôr em prát ica o que elas ensinam e t ent ar
desenvolver o anelo por Deus. Sem esse anelo, ninguém pode alcançá- Lo.
As escrit uras hindus t am bém m encionam cinco graus de devoção ou
at it udes com as quais o aspirant e pode se aproxim ar de Deus; a saber,
shant a, pacífica, na qual o devot o segue suas prát icas firm em ent e,
considerando a Deus com o Pai ou Mãe, m as não com m uit a ansiedade por
alcançá- Lo. A m aioria dos verdadeiros buscadores é dessa classe. Depois
vem dasia, a at it ude do servidor; é m uit o m ais fort e que a ant erior; o

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devot o t ent a agradar ao Senhor de t oda m aneira, e est á sem pre alert a
para prat icar os ensinam ent os das escrit uras. Depois vem a at it ude de
sakhia, de am izade, o am or de um am igo por out ro; nest a e nas
seguint es form as de devoção o devot o não prest a m uit a at enção às
glórias de Deus, pois est as não t êm im port ância para ele, j á que não
busca nada do Senhor, anela som ent e vê- Lo e est ar em com unhão ínt im a
com Ele. O próxim o grau m ais elevado é o da at it ude de vát salia, a de
um a m ãe para com seu filho; esse devot o considera a Deus com o um
filho, que necessit a de seu cuidado; m uit as m ulheres na Í ndia t êm est a
at it ude para seu I deal.
Finalm ent e est á a at it ude de m adhur, a de um a am ant e para seu
am ado; est a at it ude abarca t odas as ant eriores, e o devot o nunca pensa
em seu próprio confort o, m as est á sem pre dispost o a servir ao I deal
durant e t odo t em po. Mas est a últ im a é m uit o difícil de prat icar e não é
para t odos ou qualquer um . Som ent e as Encarnações Divinas podem
suport ar a angúst ia da separação de Deus que é sent ida quando se
prat ica est a at it ude. Além disso, a pessoa que quer prat icá- la deve t er
um a m ent e despoj ada de t odas as paixões, não deve t er nenhum vest ígio
de desej os m undanos. Todas est as at it udes levam o buscador a Deus
quando são cum pridas sem nenhum desej o de gozar aqui ou no além .
Lam ent avelm ent e a m aioria dos que recorrem à vida religiosa se
rest ringe à let ra das escrit uras e não se esforça para seguir o seu
espírit o; celebram as fest as, frequent am os t em plos com regularidade,
fazem um pouco de caridade e t alvez um a ou out ra, ent re elas, procure
dedicar alguns m om ent os de sua vida diária à oração. Tam bém pode ser
que levem um a vida m oral e bem disciplinada, m as pensam que não há
m ais nada a se fazer para chegar ao Senhor. Deus não pode ser
alcançado at ravés dest e t ipo de devoção. Às vezes as pessoas, est ando
equivocadas acerca dos valores das coisas, usam o im pedim ent o na vida
espirit ual com o aj uda. Há um a hist ória sobre Guru Govinda Singh, um dos
grandes líderes espirit uais dos Sikhs da Í ndia, e um rico discípulo seu,
que ilust ra isso. “ Cert a vez Guru Govinda Singh est ava sent ado rezando à
m argem do Yam uná. Era à hora do crepúsculo, quando chegou Raghunat ,
um rico discípulo, que o saudou prost rando- se e disse: ‘Senhor, peço- lhe
que aceit e est e pequeno present e com o um a lem brança do m eu carinho.’
Feit o isso, colocou pert o dos pés do m est re dois bracelet es de ouro
incrust ados com pedras preciosas. O Guru aceit ou as j oias e para poder
m ost rar sua alegria, com eçou a brincar com um dos bracelet es, at irando-
o ao ar e apanhando- o nas palm as de suas m ãos. De repent e ele deixou
que deslizasse de sua m ão e caísse no rio.
“ O discípulo encarou isso com o um acident e lam ent ável, e salt ou no
rio para recuperá- lo. Cont inuou buscando- o at é que o m est re, sem
m ost rar m ais int eresse pelo assunt o, absorveu- se em m edit ação. Várias
horas depois, Raghunat h ret ornou frust rado de sua busca, com um a face
t rist e. Disse: ‘Mest re, lam ent o m uit o, não t ive êxit o at é agora para
encont rar a j oia, m as no ent ant o, t alvez eu possa encont rá- la se o senhor

5
m e indicar o lugar exat o onde ela caiu caiu.’
“ Sabendo exat am ent e o que se passava na m ent e do discípulo, o
Guru pegou o out ro bracelet e e o at irou ao rio dizendo: ‘Raghunat h, foi
exat am ent e ali.’
“ O discípulo ficou est upefat o e confuso ao ver essa ação deliberada
do m est re. Não conseguia ent ender o que o Guru queria ensinar ao at irar
t am bém essa segunda j oia. Depois de alguns inst ant es o m est re se
levant ou de seu assent o e abraçando o discípulo disse: ‘Raghunat h, eu
m e livrei dos bracelet es de propósit o. Percebi com o sua m ent e est ava
apegada a eles e ist o gerava um a barreira ent re você e eu. Abandone sua
vaidade de riqueza.’
“ O discípulo reconheceu o seu erro, prost rou- se diant e dos pés do
m est re e desde aquele m om ent o m udou com plet am ent e.”
Da m esm a m aneira, m ant em os com m uit a t enacidade barreiras
com o est a ent re nós e Deus, e depois nos queixam os de que Ele é quem
não Se revela. São m uit as as barreiras: vaidade de riqueza, de posição,
de religiosidade, de sant idade, das paixões, apegos e coisas desse t ipo.
Cada um a é com o um a m ont anha m uit o difícil de cruzar se não anelam os
por Deus. Esse anelo nos fort alece a t al pont o que podem os fazer o
im possível. Ao cont rário, se nos cont ent am os com um pouco de oração
diária, nossa recom pensa t am bém será da m esm a equivalência: t erem os
nom e e fam a de hom ens piedosos, bons ou sim pát icos aqui na t erra, m as
não alcançarem os Deus. Sri Ram akrishna cost um ava aconselhar aos seus
discípulos: “ Diz- se que é possível ver a Deus dirigindo a Ele a int ensidade
reunida dessas t rês at rações: a at ração que um a m ãe sent e por seu filho,
a que um a fiel esposa sent e por seu esposo e a que t em um hom em
m undano por seus bens m at eriais.” Pergunt em o- nos se possuím os est e
anelo por Deus, se não o possuím os não t em os direit o de nos queixar.
Mas essas lágrim as não devem ser derram adas para ganhar o
reconhecim ent o das pessoas; devem surgir espont aneam ent e, não para
dem onst ração, nem para fazer um a exibição de sant idade, m as pela
agonia que se sent e pela separação de Deus. A ansiedade que devem os
sent ir para alcançar a Deus é ilust rada na seguint e parábola: “ Um
discípulo visit ava seu m est re e lhe pedia que lhe dissesse com o ele
poderia ver a Deus. O m est re não lhe respondeu nada no prim eiro dia.
Mas o discípulo não desist iu e visit ou o m est re no dia seguint e, e
novam ent e fez a m esm a pergunt a. Out ra vez o Guru não deu nenhum a
respost a. Depois que o discípulo o visit ou várias vezes e repet iu a
pergunt a, um dia o Guru fez com que ele o acom panhasse at é um lago.
Quando am bos est avam na água, o m est re de repent e m ergulhou a
cabeça do discípulo e a sust ent ou assim por um inst ant e. Quando solt ou
sua cabeça, esperou que se recobrasse de seu sust o e pergunt ou: ‘O que
você sent iu?’ ‘Sent i com o se fosse m orrer e anelava por um pouco de ar.”
Deve- se desenvolver esse t ipo de am or por Deus, ent ão Ele não pode
deixar de se revelar ao devot o.
Há um cant o de um sant o de Bengala que expressa esse

6
sent im ent o.

Clam a por t ua Mãe Shyam a com verdadeiro clam or, ó m ent e!


E com o pode Ela esquivar- Se de t i?
Com o pode Shyam a não aparecer?
Com o pode t ua m ãe Kali Se m ant er afast ada?

Oh, m inha m ent e! Se t ens fervor, leva a Ela um a oferenda


de folhas de bel e flores de hibisco;
Põe a Seus pés a t ua oferenda
E m ist ure com ela a fragrant e past a de sândalo do Am or.

Est as não são m eras palavras, m as a expressão da experiência que


esse sant o t eve, por isso é t ão cat egórico em sua declaração. Se t em os a
firm e fé de que Deus é nosso Pai ou Mãe, não podem os duvidar que Ele
escut a nosso cham ado quando som os sinceros, e nos dá o que pedim os.
Porque com o disse Jesus: “ Que hom em há ent re vós, a quem se seu filho
pedir pão, lhe dará um a pedra? E se lhe pedir um peixe, lhe dará um a
serpent e? Pois se vós, sendo m aus, podeis dar boas dádivas aos vossos
filhos, quão m ais vosso Pai, que est á nos céus, dará boas coisas aos que
Lhe pedem ?” Mas prim eiram ent e t em os que sent ir essa relação ínt im a
com Deus, se não a sent im os nem t am pouco t em os essa fé n’Ele, ent ão
fica difícil ent regarm o- nos t ot alm ent e à Sua vont ade, m esm o que m ilhões
de vezes repit am os a oração: “ Sej a feit a a Tua vont ade, assim na t erra
com o no céu.”
Som os gent e de pouca fé, dirigim o- nos a Deus com o nosso Pai ou
Mãe, m as não acredit am os nisso com plet am ent e; se o fizéssem os, com o
poderíam os nos queixar de que Deus não escut a as nossas orações? O
que acont ece é que t odo nosso am or e apego ficam dist ribuídos ent re os
parent es – esposa e filhos –, am igos e obj et os do m undo. Não sobra
quase nada para dar a Deus, e o pouco que querem os oferecer parece
m uit o para nós. Vam os reit erar a palavra “ querem os” , pois realm ent e não
Lhe dam os, porque o pouco t em po que dedicam os às orações passam os
pensando em coisas dest e m undo e t ent ando solucionar não som ent e os
problem as pessoais m as t am bém os alheios. Com essa m ent e, com esse
t ipo de devoção, com o poderem os esperar alcançar Deus? Com o
poderem os vê- Lo? Ao Senhor t em os que dar t odo o nosso am or, porque
não exist e ninguém no universo m ais querido e m ais próxim o que Ele. É
nosso Ser m ais ínt im o, Alm a de nossa alm a. Tem os que gravar essa idéia
em nossa m ent e para que possam os verdadeiram ent e am á- Lo, fundir
nosso m ais t erno sent im ent o n’Ele. Som ent e quando puderm os querê- Lo
assim , poderem os dizer que est am os clam ando por Ele verdadeiram ent e.
Nos Vedas se diz: “ Oh, Senhor, clam am os a Ti com o a vaca que
m uge pelo bezerro.” Os que presenciaram essa at ração da vaca pelo
bezerro, perceberam sua força. A devoção que não despert a esse t ipo de

7
am or não nos leva a Deus, ainda que aqui t enham os t ít ulo de pessoa
espirit ual ou religiosa.
Mas com o desenvolver esse t ipo de devoção? Sri Ram akrishna
sugere que se deve viver na solidão de vez em quando, afast ado dos
fam iliares e de suas preocupações, e prat icar as disciplinas espirit uais.
Aconselha t am bém viver na com panhia dos seres avançados
espirit ualm ent e, pois é difícil seguir um cam inho se não se encont ra um
exem plo vivo. A m era t eoria não pode sat isfazer ao hom em . Vendo a vida
de abnegação em sua frent e, lhe é possível com preender que Deus não é
um m it o e que os que dedicam sua vida para t ent ar chegar at é Ele não
são t ont os ou loucos. Porque na com panhia de um verdadeiro sant o se
sent e um a paz que não é dest e m undo. Desvanecem - se, pelo m enos
nesses m om ent os, as dúvidas sobre a vida espirit ual, da exist ência de
Deus e coisas sem elhant es. Cant ar o nom e e glórias de Deus é a t erceira
aj uda nest e cam inho. Supost am ent e t odas est as aj udas nos são de
grande valor se possuím os desapego e discernim ent o, se podem os
discernir ent re o que é Real, Et erno e o que é irreal, perecível e
t ransit ório. Quando se est á capacit ado em dist inguir o que é bom do que
é m al para sua vida espirit ual, adquire- se o desapego.
Agora sim , pode- se pergunt ar “ Por que alguns conseguem êxit o na
vida espirit ual em pouco t em po, enquant o out ros nunca o conseguem
nest a vida?” Os hindus acredit am que est a não é a única vida do ser
hum ano, que passam várias vezes pelo nascim ent o e que cada vez que
vem à t erra os seres t ent am se elevar m as nem sem pre conseguem . Sem
dúvida, t ant o o bom com o o m al que se prat icou deixa um respect ivo selo
na m ent e e est e form a as t endências inat as, quando volt am a nascer.
Quem se esforça para chegar à m et a, m as devido a fraquezas resvala de
seu est ado elevado, quando volt a a nascer, t raz consigo t odos os m érit os
adquiridos e com eça dali; consequent em ent e, ao que falt ava pouco para
chegar à m et a, consegue êxit o em pouco t em po nest a vida. Sri
Ram akrishna ilust ra ist o com um exem plo bem fam iliar: “ A verdade é que
um hom em consegue bast ant e êxit o por causa das t endências herdadas
das vidas ant eriores. A gent e pensa que ele o alcançou de repent e. Um
hom em bebeu um a garrafa de vinho at é o am anhecer, com a qual ficou
com plet am ent e em briagado. Com eçou a se com port ar indevidam ent e. As
pessoas se assust aram ao ver que ele ficou em briagado a t al pont o
t om ando som ent e um copo de vinho. Mas out ro hom em lhe diz: ‘Por que
você est á assom brado? Ele est eve bebendo durant e t oda a noit e.’”
Nenhum esforço para o bem é em vão, t udo se acum ula e nos aj uda
em nossa vida. Port ant o, vam os cont inuar nos esforçando, m esm o que às
vezes deslizem os no cam inho. Com perseverança e pela graça de Deus
chegarem os à m et a.
Que o Senhor m isericordioso nos abençoe para que possam os
desenvolver o am or puro aos Seus pés e para que t enham os a visão d’Ele
ant es de nos despedirm os dest e m undo!

8
A SÍNTESE DOS YOGAS EM SWAMI VIVEKANANDA

Swami Paratparananda1

Outubro de 1976

Hoje em dia o nome de Swami Vivekananda é amplamente


conhecido em quase todas as partes do mundo pela mensagem da
Eterna Religião que ele fez conhecer a toda humanidade, sem fazer
discriminação de raça, credo ou cor: uma mensagem cheia de
esperança ao pisoteado, ao caído, ao menosprezado e ao infeliz, uma
mensagem de harmonia e paz. Quando pela primeira vez a grande
assembléia do Parlamento das Religiões, que teve lugar no ano de 1893
na Exposição Mundial em Chicago, escutou esta mensagem do
hinduísmo, de tolerância e aceitação de todas as religiões como
verdadeiras, a mensagem de que todas elas são outros tantos caminhos
até a mesma Realidade, citando estes dois belos versos dos livros
sagrados: “Assim como os diferentes rios, ainda que tenham sua
origem em distintos lugares, vertem suas águas e se misturam nas do
oceano, da mesma forma, ó Senhor, os diferentes caminhos que os
homens seguem, devido as suas distintas tendências, ainda que
pareçam como diferentes, por tortuosos ou retos que sejam, todos
levam a Ti”, “Qualquer um que se acerque a Mim (o Senhor), de
qualquer maneira, Eu vou a ele, por todos os homens lutam por
distintos caminhos, os quais ao final conduzem a Mim”, aquela
assembléia ficou, por dizer assim, enfeitiçada e ao final do discurso
ovacionou ao orador, mostrando assim sua total aprovação destes
sentimentos. Neste mesmo Parlamento expressou o seguinte na seção
final: “Se o Parlamento das Religiões demonstrou algo ao mundo é isto:
Provou que a santidade, a pureza e a caridade, não são posses
exclusivas de nenhuma igreja do mundo, e que todos os sistemas
produziram homens e mulheres do mais sublime caráter. Se alguém,
contra esta evidência, sonha com a sobrevivência exclusiva de sua
própria religião e a destruição das demais, lhe compadeço de todo meu
coração e lhe indicarei que sobre a bandeira de cada religião logo será
escrito, apesar da oposição: ‘Ajuda mútua e não luta’, penetração
mútua e não destruição’, ‘Harmonia e Paz e não dissensão’”.
Desde aquele dia durante três anos seguidos, espargiu esta e
outras mensagens da Vedanta nos Estados Unidos sem descanso
algum. Uma grande parte dessas conferências e práticas se perdeu para

1
Swami Paratparananda, um monge da Ordem Ramakrishna, foi editor da revista em
inglês Vedanta Kesari (1962-1967) e líder espiritual do Ramakrishna Vedanta Ashrama,
São Paulo, Brasil (1973-1988).

1
sempre e o que se pode reunir chegou a formar oito tomos no idioma
inglês2.
Agora vejamos, qualquer um pode falar ou escrever sobre
religião, mas muito poucos podem levar sua convicção ao ouvinte ou
leitor, porque como Sri Ramakrishna costumava dizer, “Quem lhe vai
escutar ou fazer caso se não tens o mandato de Deus?”; porque a
religião é algo que se transmite diretamente e se alguém não realizou a
Deus, como pode falar Dele com certeza e autoridade? Podemos passar
horas em discussões sobre Deus e os meios para chegar a Ele, mas isto
não nos capacitará para dar um só passo até Ele, pelo contrário, é
possível que nos confunda ainda mais.
Swami Vivekananda, além de haver realizado o mais elevado
estado espiritual, recebeu o mandato de seu Mestre para ensinar a
humanidade. Teve que fazê-lo mesmo contra sua vontade. Toda vez
que ele quis retirar-se para um lugar solitário e viver totalmente
absorto em Deus, um ou outro de seus condiscípulos, a quem o Mestre
havia deixado ao seu cuidado, adoecia ou ele mesmo padecia de
alguma doença muito grave, a qual o obrigava a abandonar seu projeto,
até que a poderosa vontade de Sri Ramakrishna, que sempre estava
por trás dele, lhe impeliu a lançar-se ao campo da intensa atividade,
para levar a mensagem de seu Mestre ao Ocidente e a todas as partes
da Índia. E isto significava não somente a prédica, senão também o
treinamento de seus condiscípulos e discípulos e o socorro ao ser
humano faminto tanto espiritual quanto fisicamente. A sede das
pessoas pelas águas vivificantes da espiritualidade, que ele possuía em
abundância, fez com que ele se oferecesse sem reservas, mediante
conferências, práticas íntimas, entrevistas e treinamento. O motivo de
sua viagem ao Ocidente foi o de despertar o interesse do povo
americano pelo bem-estar dos pobres da Índia, a Índia que havia sido
apresentada diante deste povo como um país habitado por gente
selvagem e inculta, que jogava as crianças recém-nascidas aos
crocodilos e estórias semelhantes. Ele mesmo foi a aquele país como
resposta direta aos caluniadores. Sua sabedoria e a mensagem
deslumbrante da religião hindu que ele apresentou diante daquele povo
fez pensar a imprensa norte-americana e a comentar: “Ao escutar-lhe,
sentimos o absurdo de enviar missionários a esta sábia nação.” Não
havia motivo pessoal algum, nem por renome, nem pela fama, nem
muito menos pela riqueza, por trás de seus esforços para fazer
conhecer a humanidade em que consistia a verdadeira religião. Queria
somente o bem do ser humano.
Só quando um mestre espiritual assim, que realizou, que viu a
Deus e que não se sente motivado por nenhum interesse pessoal, fala
de Deus, as pessoas lhe escutam com toda a atenção e aprendem dele
o modo de acercar-se a Divindade e viver nela. E este mestre, mesmo

2
Atualmente são nove tomos.

2
depois de seu desaparecimento físico, infunde coragem mesmo às
pessoas mais débeis. Swami Vivekananda era um desses mestres
espirituais, a leitura de cujas obras, mesmo agora, produz em uma
pessoa deprimida algo assim como uma corrente elétrica de ânimo e
vitalidade, fazendo-a descartar toda pusilaminidade e erguer-se e
enfrentar tudo o que lhe possa sobrevir, com calma e intrepidez. A força
com que esses mestres pronunciaram suas mensagens não se perde
nunca, pelo contrário, ajuda sempre a todos aqueles que buscam
socorro espiritual.
Dissemos que os grandes mestres espirituais nunca ensinam o
que eles mesmos não experimentaram e que por esta razão o método
que aplicam é seguro, inequívoco. Swami Vivekananda sobre cada um
dos quatro yogas principais e ensinou a alguns a maneira de meditar
segundo o raja yoga. Tendo em conta o perigoso que é praticar este
yoga sem um guia adequado e para não deixar nenhuma ambiguidade
sobre o procedimento, tomou a precaução de escrever em detalhe e
com claridade um tratado sobre ele. Tudo isto pode fazer porque tinha a
experiência direta. Agora vamos ver como estes yogas se manifestam
nele.
Se as vidas das grandes personalidades espirituais são estudadas
com um pouco de penetração, se achará que a grandeza do adulto
surge através de comportamento espontâneo na infância, que a
semente da futura gigantesca árvore espiritual já estava nelas e que
desde a infância ia crescendo. Afortunadamente, no caso de Swami
Vivekananda temos amplos dados desde sua infância. Mesmo quando
era um menino brincava de meditação e esta brincadeira despertava
nele emoções espirituais muito profundas. Os meninos da vizinhança às
vezes se uniam a ele nesta brincadeira. Certo dia quando estava
meditando junto com seus companheiros apareceu ali uma cobra,
vendo a qual os outros meninos se assustaram e advertindo com gritos
o perigo a Narén3, saíram correndo dali. Mas ele, que já havia perdido
completamente a consciência externa, não os ouviu e, por conseguinte
não se moveu do lugar. A serpente permaneceu algum tempo e depois
suavemente se arrastou e desapareceu. Houve outro incidente similar.
Certa vez o menino que tinha só cinco anos, escutou a estória de Rama
e atraído por Sua vida comprou uma imagem de Sita e Rama e a
instalou em um dos quartos sobre o terraço de sua casa. Depois, junto
com um amigo de sua idade se fechou no aposento e os dois
começaram a meditar. Ao não encontrarem a Narén, começaram a
buscá-lo por todas as partes e ao final chegaram ao aposento fechado,
mas mesmo depois de chamá-lo várias vezes, ao ver que não se abria a
porta, tiveram que forçá-la. Uma vez aberta, encontraram aos dois
meninos sentados imóveis diante da imagem de Sita e Rama.

3
Seu nome de infância e juventude (de Narendranath).

3
Havia outro fenômeno peculiar que era natural em Narén. Cada
noite lhe trazia alguma visão estranha. Singular era a maneira em que
adormecia. Tão logo se deitava e fechava os olhos, aparecia entre suas
sobrancelhas uma maravilhosa luz que mudava de cor e que se
expandia até estourar, banhando todo seu corpo com seu brilho e
enquanto a mente se ocupava em contemplar este fenômeno, ele
adormecia. Narén pensou que isto era natural em todos os seres
humanos e um dia perguntou a um amigo seu se ele também tinha este
tipo de experiência. Quando o amigo lhe respondeu que não a tinha, lhe
aconselhou que observasse bem antes de adormecer. Este fenômeno
ficou com ele até o fim de sua vida, se bem que ao final não era tão
frequente nem tão intenso. Tudo isto mostra a profundidade do estado
de meditação a que havia chegado sua alma e o natural que se havia
tornado para ele. Mais tarde, quando Narén se aproximou de Sri
Ramakrishna em sua busca de um homem que tivesse visto a Deus, o
Mestre certa vez lhe perguntou: “Vês uma luz antes de adormecer?” e
quando o jovem respondeu que sim, exclamou: “Ah, isto é verdade.
Este rapaz é um dhyana siddha, consumado na meditação desde seu
nascimento”. A meditação forma uma parte importante da vida
espiritual e consiste em dirigir a mente exclusivamente a um só objeto,
a uma só ideia, assim como se verte o azeite de uma vasilha a outra
ininterruptamente, até ficar absorvida neste pensamento. Um homem
comum passa quase toda sua vida tentando conseguir um pouco de
concentração e raras vezes chega a alcançar a meditação, em seu
verdadeiro sentido. É o penúltimo degrau, segundo o raja yoga, sendo o
próximo o samadhi. E sem ter este poder de meditar, retirando a mente
de todos os outros objetos e pensamentos, não se pode progredir no
caminho espiritual. E como se sabe, yoga significa a união do ser
individual com o Ser Supremo e por extensão o caminho que nos leva a
obter esta união também é chamado yoga. Em Swami Vivekananda
vemos como desde sua infância todos os elementos necessários para
essa união com Deus já estavam presentes, só faltava o toque final da
mão mestra para que chegasse a culminação, ao cume. Voltaremos ao
tema do raja yoga mais adiante.
Sri Ramakrishna descreve assim a primeira visita de seu
discípulo: “Narendra entrou no quarto pela porta a oeste. Pareceu ser
indiferente por seu corpo e sua vestimenta e ao contrário dos demais,
não prestava atenção ao mundo externo. Seus olhos assinalavam que
tinha uma mente introspectiva, como se uma parte dela estivesse
sempre concentrada em algo interno. Fiquei assombrado ao descobrir
que uma alma tão espiritual viesse da atmosfera, do ambiente
materialista de Calcutta. Cantou a meu pedido alguns cantos bengalis.
Um deles era um canto comum do Brahmo Samaj4, que começa com
estas palavras: ‘Ó minha mente, vá a tua própria morada; neste mundo

4
Organização social e religiosa hindu.

4
estranho, porque vagas inutilmente como um forasteiro?’ Mas o cantou
com todo seu coração e infundiu tanto sentimento nele que eu não pude
conter-me mais e entrei em um estado de êxtase.” Aqui temos dois
aspectos proeminentes de Swami Vivekananda: a introspecção unida à
indiferença pelo corpo e a ternura ou sentimento que derramava por
Deus. Como se sabe, antes de chegar a ter contato com Sri
Ramakrishna, Narendra, em sua busca por Deus, recorreu a muitas
pessoas destacadas e reconhecidas como líderes espirituais e até se
tornou membro do Brahmo Samaj, onde se adorava a Deus sem forma,
mas com atributos. Pelo contrário, Sri Ramakrishna adorava a deus com
forma, como a Divina Mãe, Kali. Havia praticado também as disciplinas
do monismo e alcançado o Nirvikalpa Samadhi, onde não existe a
diferença entre o adorador e o adorado, melhor dizendo, onde tudo é o
Único, sem segundo, em que o adorador se submerge no absoluto.
Experimentando esse estado, Sri Ramakrishna havia se unido com a
mente cósmica e, por conseguinte podia medir a profundidade das
almas dos seres com quem ele entrava em contacto. Quando viu a
Narendra pela primeira vez, logo o reconheceu; no entanto durante sua
segunda e terceira visita quis comprovar os antecedentes do discípulo,
fazendo-o mergulhar nas regiões mais recônditas de sua alma. Ao ter a
confirmação de suas visões sobre Narendra, começou a treiná-lo de
uma maneira muito diferente dos demais discípulos. Durante suas
visitas frequentemente lhe pedia que lesse para ele o Ashtavakra
Samhita ou outro tratado sobre Advaita ou monismo, com a intenção de
familiarizar a Narendra com essa filosofia. Mas estes tratados pareciam
a Narendra, um firme aderente do Brahmo Samaj, heréticos e dizia
abertamente: “É uma blasfêmia, porque não há nenhuma diferença
entre tal filosofia e o ateísmo. Não existe pecado maior no mundo que
crer-se idêntico ao Criador. Eu sou Deus, Tu és Deus, estas coisas
criadas são Deus – que pode ser mais absurdo do que isto! Os sábios
que escreveram estas coisas devem ter sido loucos.” Sri Ramakrishna
se divertia com seu modo brusco e lhe dizia: “Não é necessário que tu
aceites as opiniões destes sábios. Mas como pode insultá-los ou limitar
a infinitude de Deus? Continue rezando ao Deus da Verdade e creia em
qualquer de Seus aspectos que Ele revele a Ti.” Mas Narendra não se
submeteu facilmente. Qualquer conceito que não concordava com a
razão o considerava como falso e era sua natureza opor-se à falsidade.
Por conseguinte não deixou passar nenhuma oportunidade de
ridicularizar a filosofia Advaita, monista. Não obstante, Sri
Ramakrishna, que sabia melhor que o discípulo que seu caminho era o
do Conhecimento, insistiu em falar-lhe sobre esta filosofia. Certo dia o
Mestre tratou de convencê-lo sobre a ideia de que o ser individual é
idêntico com Brahman, mas sem sucesso. Narendra saiu do quarto e
começou a ridicularizar e rir-se disto com outra pessoa que vivia
naquele tempo no Templo de Dakshineswar. Sri Ramakrishna, ouvindo
a risada de Narendra, também saiu de seu quarto em um estado semi-

5
consciente e sorrindo perguntou: “Olá, de que estás falando?” Dizendo
isso tocou à Narendra e entrou em samadhi. O efeito do toque foi
estupendo.
Narendra mesmo o descreve assim: “O toque mágico do Mestre
naquele dia, de imediato produziu uma maravilhosa mudança em minha
mente. Fiquei estupefato ao ver que na verdade não havia nada no
universo que não fosse Deus! Vi claramente isso, mas guardei silêncio,
para ver se a ideia durava. A impressão não diminuiu este dia. Voltei a
minha casa, mas ali também tudo o que via parecia ser Brahman.
Sentei-me para comer e encontrei que tudo – o alimento, o prato, a
pessoa que me servia e até eu mesmo – não era nada mais que Aquele,
o Absoluto.” Essa experiência, relata o Swami, durou alguns dias sem
interrupção. “Depois – continua Swami Vivekananda – quando me
normalizei, me dei conta que devo ter tido um vislumbre do estado de
Advaita. Então me ocorreu que as palavras das Escrituras Sagradas não
eram falsas. Desde então não pude negar as conclusões da filosofia
Advaita, monista.” Assim, pouco a pouco, saiu de todo conceito objetivo
da Divindade até chegar a ter a gloriosa consciência da natureza
subjetiva do Verdadeiro Ser, além da forma, do pensamento, dos
sentidos, além de todo bem e mal relativos. Tudo isto não aconteceu
em um dia. Teve que descartar os conceitos anteriores e modo de
meditar; o trabalho era duro, no entanto não desanimou. Tendo a
capacidade de isolar sua mente de todos os pensamentos que não
fossem do modo particular de rezar, começou a orar de uma maneira
nova e se submergia durante as noites na profundidade de seu interior
a tal ponto que ficava como embriagado. Não sentia desejo de levantar-
se do assento da meditação. Sri Ramakrishna também lhe ensinava os
diferentes modos de meditar.
Apesar de ter respeito e reverência por Sri Ramakrishna como
uma pessoa de total renúncia e pureza, Narendra não podia aceitar a
Deus com forma, um conceito fundamental no caminho da devoção,
Bhakti. O Mestre certa vez observando minuciosamente as
características físicas de seu discípulo, lhe havia dito: “Teus olhos
mostram que não és um gñani seco; em ti estão unidos
harmoniosamente a terna devoção e o profundo conhecimento.”
Havendo conhecido este fato, Sri Ramakrishna não ia deixar que o
desenvolvimento espiritual de seu querido discípulo fosse parcial e em
pouco tempo a oportunidade se apresentou. O pai de Narendra morreu
e a família se encontrou desprevenida e apesar de todos os esforços o
jovem não conseguiu nenhum trabalho para manter a sua mãe e
irmãos. Quando esgotou todos os meios que lhe podiam ajudar a aliviar
o sofrimento de sua família, Narendra se aproximou de Sri Ramakrishna
e lhe disse que pedisse à Mãe que tirasse a penúria da família. O Mestre
respondeu: “Meu filho, eu não posso pedir estas coisas. Por que não vai
você mesmo e pede para a Mãe? Todo seu sofrimento é devido à teu
desprezo por Ela.” Narendra respondeu: “Eu não conheço a Mãe, por

6
favor, fale o senhor por mim.” Sri Ramakrishna respondeu com grande
ternura: “Querido, já te disse várias vezes, mas como tu não A aceitas,
Ela não me faz caso. Bom, hoje é terça-feira, - um dia auspicioso para
os adoradores da Mãe – vá esta noite ao templo de Kali, prosterna-te
diante da Mãe e peça a Ela qualquer dom que queiras e o conseguirás.
Ela é o Conhecimento Absoluto, o Poder Inescrutável de Brahman. Por
Sua mera vontade deu a luz ao mundo. Pode dar o que quiser”. Relata o
próprio Swami Vivekananda o que ocorreu depois: “Acreditei em cada
uma dessas palavras e esperei ansiosamente que anoitecesse. Às nove
da noite o Mestre me mandou ao Templo. Quando ia senti uma divina
embriaguez, tremiam minhas pernas, meu coração batia fortemente
com a esperada alegria da visão da vivente Mãe e o desejo de ouvir
Suas palavras. Estava preenchido por esta ideia. Quando cheguei ao
Templo e dirigi meu olhar à imagem, realmente vi que a Divina Mãe era
viva e consciente, a Fonte Perene do Divino Amor e Beleza. Fiquei preso
em uma onda de devoção e amor. Em um êxtase de alegria, me
prosternei várias vezes diante da Mãe e rezei: “Mãe, dá-me
discernimento, dá-me renúncia, dá-me conhecimento e devoção!
Bendiga-me para que eu possa ter Tua visão ininterrupta”. Esqueceu
tudo da família e da penúria, reinava em seu interior uma paz
indescritível e ainda que se lembrou, ao voltar a habitação de Sri
Ramakrishna, o propósito com que havia ido ao templo, não pode pedir
nada das coisas do mundo em sua segunda e terceira visita a Ela nesta
noite. Disse ele: “Ao entrar no templo pela terceira vez, uma terrível
vergonha se apoderou de mim. Pensei: ‘Que coisa tão insignificante eu
vim pedir a Mãe! É como pedir algumas verduras a um rei bondoso!’”
Mas indo de volta ao quarto de Sri Ramakrishna insistiu que ele devia
abençoá-lo para que sua família não sofresse de aguda pobreza. O
Mestre finalmente cedeu e lhe assegurou que as pessoas de sua casa
não mais sofreriam por falta de comida e roupa. Depois lhe ensinou um
canto à Divina Mãe, o qual ele contou durante toda a noite com um
coração transbordante de amor por Ela. Assim foi iniciado no caminho
de Bhakti, devoção e abençoado com a visão da Divina Mãe. É por isso
que ele pode ensinar as pessoas que a devoção não consiste em amar a
Deus para conseguir coisas do mundo, chamava esta forma de querer a
Deus como negócio.
Mais tarde, quando Sri Ramakrishna se enfermou de câncer e o
levaram a Calcutta para dar-lhe uma melhor atenção médica, os jovens
reunidos ao redor dele, ficaram na casa de Casipur para servi-lo.
Quando Narén se deu conta que a enfermidade do Mestre era grave e
que possivelmente ele logo deixaria seu corpo, seu desejo de realizar a
Deus aumentou cada dia mais. Reunia aos seus jovens condiscípulos e
os incentivava a praticar disciplinas espirituais advertindo-os de quão
grave era a enfermidade do Mestre e que com toda intensidade
tratassem de ter a visão de Deus, antes que Sri Ramakrishna partisse.
Certa vez o Mestre lhe iniciou com o mantram de Rama, dizendo que

7
ele mesmo o havia recebido de seu Guru. Como consequência surgiram
ondas de emoção em Narendra a tal ponto que a tarde deste dia
começou a dar voltas ao redor da casa repetindo o nome do Senhor
com voz excitada. Havia perdido totalmente a consciência externa e
estava inundado de êxtase. Deste modo, Sri Ramakrishna treinava e
preenchia seus discípulos com o amor por Deus, enquanto permaneceu
na casa-quinta de Casipur, em que jazia gravemente enfermo. Não se
pode descrever com que intensidade Narendra amava a Deus. Certa vez
estando em casa, foi repreendido pelos familiares por haver se
descuidado de seus estudos, mas quando tentou fazê-lo se apoderou
dele um grande susto, como se estudar fosse uma coisa horrível.
Vamos narrar o que aconteceu com suas próprias palavras: “Começo
uma grande luta em meu coração. Nunca em minha vida chorei tanto!
Em seguida deixando meus livros e o resto, vim correndo sem parar até
chegar aqui (Casipur). Meus chinelos saíram de meus pés e se
perderam não sei onde.” Referindo-se a este estado de Narendra, Sri
Ramakrishna, ainda que não pudesse falar devido a sua enfermidade,
indicou esta noite através de sinais o maravilhoso estado em que se
encontrava Narendra. “Houve um tempo – disse em voz baixa – em que
ele não acreditava no aspecto Pessoal de Deus. Vejam agora como
deseja com ânsia a Realização!
Na casa-quinta de Casipur cada um dos discípulos de Sri
Ramakrishna havia sido abençoado com uma ou outra experiência
espiritual. Narendra, ainda que tivesse as experiências já mencionadas,
se sentia privado deste privilégio. Um dia se queixou diante do Mestre:
“Todos foram abençoados com algum tipo de realização. Que eu
também tenha algo. Quando todos o tiveram, serei eu somente o
excluído?” Sri Ramakrishna respondeu: “Organize os seus assuntos
familiares e em seguida terás tudo. Que queres?” Narendra expressou
seu desejo de permanecer submerso em Samadhi durante três ou
quatro dias seguidos e em seguida baixar ao plano normal só para
alimentar-se. Respondeu o Mestre: “Que tonto que tu és! Há um estado
ainda mais elevado do que esse. Não és tu que cantas: ‘Tudo o que
existe és Tu’? Venha depois de prover a tua família, logo realizarás um
estado mais elevado que o Samadhi.”
Passaram-se os dias. Narendra, atraído pela vida de Buddha, foi
ao lugar de Sua Iluminação e meditando sob a árvore bodhi veio a ter
uma experiência muito elevada. A renúncia de Buddha agora ardia
sempre na mente de Narendra. Ele queria realizar o mais elevado
estado espiritual, em que se perde o ego por completo e a Consciência
brilha em sua prístina glória. Certa tarde esse anelo seu se cumpriu
inesperadamente. Estava meditando, quando de repente sentiu uma luz
atrás de sua cabeça, como se uma lanterna houvesse sido colocada ali.
Em seguida essa luz aumentou de intensidade e cresceu e ao final
parecia estourar. Sua mente se submergiu nela; o que aconteceu
depois não pode ser descrito com palavras, pois esse estado Absoluto

8
está além da palavra e da mente, afirmam os Upanishads. Nesse
momento, só Narendra e outro discípulo de Sri Ramakrishna, Gopal, o
mais velho, estavam nesse quarto meditando, tudo estava silencioso.
Subitamente o condiscípulo ouviu Narendra gritar: “Irmão, onde está
meu corpo?” Baixando parcialmente a consciência normal, Narendra
sentia só sua cabeça. O outro surpreendido respondeu: “Está aqui, está
aqui!” e em seguida vendo o corpo rígido de Narendra, foi depressa
pedir ajuda a Sri Ramakrishna, a quem encontrou intensamente calmo,
mas cujo rosto emanava uma seriedade profunda, como se soubesse o
que estava acontecendo no quarto adjacente. Em resposta ao pedido de
ajuda, disse o Mestre: “Deixe que fique neste estado por um tempo.
Atormentou-me tanto tempo por isto!”
Quando Narendra recobrou completamente sua consciência
normal, viu que estava rodeado por seus ansiosos condiscípulos. Sentia
como se estivesse submerso em uma paz inefável. Seu coração
transbordava de êxtase. Mais tarde, ao apresentar-se diante de Sri
Ramakrishna, o Mestre olhando profundamente em seus olhos lhe
disse: “Bem, a Mãe te mostrou tudo. Assim como se guarda em uma
caixa com chave a um tesouro, do mesmo modo a realização que
acabas de ter será guardada e a chave ficará comigo. Tu tens trabalho
para fazer. Quando terminares meu trabalho a caixa se abrirá e saberás
tudo, como sabes agora.” Depois o advertiu que cuidasse de seu corpo
por um tempo e que tivesse muito cuidado em relação à comida e com
a escolha de companheiros e aceitasse só aos mais puros. Vemos assim
como a tendência natural de introversão de Narendra era como se fosse
a precursora da mais elevada realização espiritual, a do Nirvikalpa
Samadhi, o objetivo do caminho do Conhecimento. A menos que se
transcenda a ideia de que se é o corpo, não se pode avançar neste
yoga. Sri Shânkara explica claramente: “Aquele que seguindo uma vida
de prazeres sensórios, quer alcançar o Absoluto, perecerá como aquele
que tomando equivocadamente ao crocodilo por um tronco de madeira,
quer cruzar ao rio.” A des-identificação com o corpo é a condição
essencial neste yoga e Swami Vivekananda, como vimos, a possuía
desde a infância enormemente; por isso lhe foi possível realizar a meta
deste caminho em tão pouco tempo.
Ao começo desta conversa nos referimos à facilidade com que
Narendra se perdia na meditação e como esta forma também uma
prática importante do raja yoga. Os dias de Casipur, como já dissemos,
foram para os discípulos jovens de Sri Ramakrishna, um período de
intensas práticas espirituais, de serviço dedicado ao Mestre e de
diferentes e elevadas experiências. Uns meses antes do acontecimento
que acabamos de mencionar, Narendra teve outra experiência. Um dia
estava meditando. De repente sentiu uma sensação peculiar em seu
peito. O senhor “M” a quem relatava isto disse: “Foi o despertar da
Kundalini (a energia espiritual que jaz na base da coluna dorsal)”.
“Talvez fosse – disse Narendra. Percebi claramente os nervos Ida e

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Pingala. Pedi a Hazra que colocasse sua mão sobre meu peito. Ontem
contei isto ao Mestre.” Deste modo Narendra avançava rapidamente
pelo caminho do raja yoga também. O compêndio que ele escreveu
sobre este yoga não deixa dúvida alguma de que este texto foi uma
anotação de sua própria experiência.
Nos falta agora dizer como está manifesto em Swami
Vivekananda o karma yoga. Se recordarão das palavras de Sri
Ramakrishna à Narendra depois que este obteve o Nirvikalpa Samadhi,
em Casipur: “Já conheceste tudo, agora esta realização, como um
tesouro, será guardada fechada com chave. Tu tens que fazer meu
trabalho e quando o termines se abrirá a caixa, não antes.” O primeiro
trabalho foi o cuidado dos jovens discípulos do Mestre. Ele o encarregou
expressamente que cuidasse dos rapazes para que não retornassem aos
seus lares, mas que se tornassem monges para levar adiante sua
mensagem. Espargir esta mensagem no ocidente foi a segunda tarefa e
a terceira foi infundir vitalidade à nação debilitada e prostrada. Cumpriu
tudo isto enfrentando muitas resistências, calúnias e outros fatores
adversos, mas sem motivo pessoal algum, sem querer renome ou fama.
As tarefas eram enormes e os anos que lhe restavam eram poucos,
portanto se impacientava quando o trabalho não se adiantava como
queria. Por conseguinte, às vezes é visto repreender severamente
inclusive a seus condiscípulos, por quem tinha carinho e respeito; era só
para prepará-los a fim de encarar a obra quando ele partisse. Era um
karma yogui sem igual, trabalhou até o último dia de sua vida e em
meio ao trabalho intenso, se sentia profundamente calmo. Vemos assim
que a vida de Swami Vivekananda é uma síntese de todos os yogas.
Mais se pensa na vida de Swami Vivekananda, mais se fica
maravilhado. Toda pequenez desaparece da mente. É maravilhoso ler
como essa pessoa, espiritualmente gigantesca, se punha ao nível do
estudante para que este se sentisse livre de temor reverente e
esquecendo a grandeza do Swami, pudesse sentir uma relação íntima
com ele.
Que Deus nos dê a capacidade de seguir pelo menos um dos
yogas com constância e afinco!

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