Jorge Vicente
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pergunto-te se os rios que correm
fazem perguntas: um texto não
precisa de respostas nem de velhos
pontos de interrogação que evitam
a sua fragilidade intocada.
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5.
toda a literatura
toda a tradição
num baixo-corpo
prenhe de linguagem.
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6.
há um instante quando a
agulha penetra a pele
e o dragão é a única verdade
do sangue
há um instante
[e há toda a eternidade
quando o terreiro sagrado
se ilumina com os pés
das águias].
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8.
não há
nem pode haver memória
que o corpo possa suportar,
apenas a ânsia de vida
e de calor humano
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9.
não morri,
mas olhei de perto os
passos de um deus em fogo.
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a cidade voa,
e com ela os pássaros:
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e o longo abraço do
vento, e o punhal
dançando, dançando
sobre o ventre de asas feridas.
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14.
é bom escrever
num risco sempre grande de morte
sem posteridade
e com esse corpo imenso
que nos questiona
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sabes, Walt,
um livro nunca terá a dimensão de uma vida ou
de um corpo,
nem as suas palavras estremecem como estremece
um lago, um rio ou um oceano
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esse pássaro
ser-de-madrugada e de palavras livres
pássaro quase-materno e quase-feliz
com as asas abertas sem metáforas
e sem língua para escrever,
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poderei nascer
[ou desnascer
na leveza de uma catástrofe],
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sim,
porque escrevo com o coração recortado
e com um grande lago
aberto para todas as janelas.
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traz-me o inferno
[o inverno
a secura das estações
em constante movimento]
traz-me a água
[tão desgastada e sem verbo
e sem aquele constante calor
dos dias de sol]
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[água,
uma corrente de sol a iluminar a escritura].
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29.
gravidez
ou pequena-morte-de-vida,
não importa:
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“Não quero que vás à monda” da Ronda dos Quatro Caminhos
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[sem remorso].
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volta d' mar
voltadmar@gmail.com