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COMMIMES I , HUES

SOBRE
A

DA

CI1)AU£ IMP RIO »E .IAM IHO

THESE
DE

c ffiwtetdcù P
c/e ( /tvct ya - /""/' •
Or. em Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro
s
MEMBRO
Correspondente da Sociedade de Sciencias Medicas de Lisboa
Honor á rio da Sociedade Emulaçã o Pbylosophica
EOectivo da Sociedade Pharmaceutics Brasileira , encarregado pela mesma da
organisa çâ o de hum codigo pharmaceutico nacional , c da redacçfio
do 2.0 anno de t u a Revista.
Medico nomeado para o Hospital do Senhor Bom Jesus do Calvario o Via Sacra -
CANDIDATO Á CADEIRA DE LENTE SUBSTITUTO DE SCIENCIAS MEDICAS DA ESCOLA
DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO .
.
Natura locorum mui

^t genera mortmruni

RIO DE JANEIRO
TYPOGRAPHY GUANABARENSE DE L. A . .
F DE MENEZES,
RUA DE S. JOSÉ N. 47.
IS51,
&M7UA93 S 3 KUXCZU 1 SID 303 YAlSXftf . »
DIRECTOR.
O SK . CONSELHEIRO DR . JOSÉ MARTINS DA CRUZ JOBIM .
LENTES PROPIETARIOS.
i
OS SENUORES DOUTORES :
l .° ANNO .
——
F. DE P. C AN Dl DO. Physica Medica .
F. F. ALLEMAO. Bota nica Medica , e princ í pios elementares dc Zoologia .
. .

—. —
2° ANNO
.1. V. TORRES HOMEM . Chimica Medica , e princ í pios elementares de Mineralogia.
J . M . NUNES GARCIA . Anatomia geral e descripliva .
3.° ANNO .

. ——
J . M. NUNES GARCIA
.
!. DE A. P. DA CUNHA
Anatomia geral e descripliva
Physiologia.
.
. ANNO.

J . B. DA ROSA . —— .
Pathologia externa
.J J . DA SILVA . Pathologia interna.
J . J . DI: CARVALHO. — Pharmacia, Materia Medica , especial mente a Brasileira ,
Thcrapeutica c Arte de formular.
3.° ANNO.
C. R . MONTEIRO. — Operações, Anatomia topographies e Apparclhos.
meninos recem- nascidos.
'

L. DA CI NII V FEIJO . Partos Moléstias de mulheres pejadas c paridas, c de
,
6.° ANNO.

]M . F. P. DE CARVALHO.
——
T. G . nos SANTOS. Hygiene e Historia de Medicina.
J . M . DA C . JOBIM . Medicina Legal .

Clinica externa e Anatomia Pathologies respectiva.
!M . DE V. PLMENTELf /- Clinica interna e Anal. Pathol , respectiva .
LENTES SUBSTITUTOS .
. .
A M I » E MIRANDA E CASTRO. Sec ção das Sciencias accessorias.
J
. .
F G DA ROCHA FREIRE S .
I
A . F. MARTINS, t
Secção Medica .
F. F. DE ABREO i . .
V . B DE ABREO Secção Cir ú rgica
. .'
SECRETARIO.
DR . LUIZ CARLOS DA FONSECA .
CANDIDATOS.
Os DOUTORES : MANOEL MARIA MORAES VALLE .
FRANCISCO DE MENEZES DI AS DA CRUZ.
JOSE MARI A DE NORONHA FEITAL.
FRANCISCO LOPES DE OLIVEIRA ARAUJO.
. . -
.V li A Faculdade n ã o approva , nem reprova as opini ões emltlldas nas Theses que lhe sã o apre
sentadas, as quaes devem ser consideradas como proprias de seus autores .
A mm w&x*
A Ml Mi A MULHER

3), TCUftlttlSIMl 3i2 t> n û 'Jl 3)2 ÜÄ S'JRD ARAUJO *

A MEUS FILHOS
FRANCISCO E FRANCISCA .
A MEU CUNHADO
o III. ®0
SNR.
ï THOMAZ DE CASTRO ROZO
Expressã o de sympalhia .

AO MEU AMIGO
MR . .
MARCEI IAO PEREIRA DA KILVA HIAOF I . ..
AOS III. mos SNRS. I) RS.
K
Jo ão de Siqueira Queiroz
José Pereira Rego
Coronel Antonio José Ramos

lraco signal de reconhecimento pela benignidade e atten çã o com que se tem


dignado honrar- me.

.
DR . O ARAIJO.
CONSIDERAÇÕES GERAES
SÖ HRE

TOPOGRAPHIA PHISICO - MEDICA


1> V

CIDADE DO RIO DE JANEIRO. ( * )

ï.
É BC V cie trezentos e vinte annos ha que viajor illustre
.
c corajoso Martini AfTonso de Souza , avido de aequi -
si çã o de um estabelecimento futuro, e de gloria a man -
dado de líl-Kei I ). Joã o HI de Portugal veio reconhecer
as terras do Sul do Brasil , at é o Bio da Prata , para
em lugar apropriado fundar uma colonia. Chegado á
vista de terras do novo mundo as foi costeando de
Norte para Sul ; penetrou a enseiada do Bio de Janeiro
c fundeou por detraz do Pão de Assucar , no lugar hoje dito Praia Vermelha ,
.
onde se demorou por algum tempo Beceioso poré m dos Ind í genas , Ttmwt/ os ,
que occupavà o toda a costa desta enseiada , teve de levantar ferros, e sc foi ca -
minho do Sul estabelecer a povoa çã o portugueza na ilha de S. Vicente Bm 1534 .
dividido o território do Brasil em Capitanias, coube em partilha ao mesmo
Martim AlTonso a que elle appellidou do Bio de Janeiro , que compreliendia com
todo o interior o litoral desde o Cabo de S‘. Thom é até a já estabelecida po -
.
voa çã o de S Vicente, sendo este o unico lugar habitado por Portuguezes, em
.
t ã o extenso territ ó rio, como o desta Capitania No entanto algumas na ções eu -
ropeas atlrahidas pelas riquezas e preciosidades encontradas no novo mundo ,
cubi çosas de adquiril-as, e considerando a import ncia futura que lhes promet -
â
tia esse continente ha pouco descoberto , conquistado c possu í do por huma mo-
narchia ent ã o já pouco forte, armarã o expedi ções aventureiras que, estabelecen -
do rela ções com os Ind genas , formarã o no paiz mesmo hum forte apoio para
í

usurpal -o a seus verdadeiros possessores.

— — - ..
( ' ) Sempre que empregarmos a palavra Cidade entenda se que fdllamos do espa ç o
prebende as Freguezlas que form ã o a segunda delegacia de policia
2
delia que tom -
— 6

Os FrancezéS tomar ã o a dianteira, c conduzidos por hum verdadeiro aventu -
-
reiro, o V íce Ahniranle Nicoínu Durand de Villegaignon com determina çã o de
estabelecer á imita çã o de Portugal e Hespanlia huma colonia para a cor ò a de
Fran ça, atravessarão o Atlâ ntico e vierã o em demanda da bahia do Rio dc Janei -
-
ro , Mctheroy chamada pelos Ind í genas , e ligando se com elles fundarão alguns
estabelecimentos na costa , e na ilha de Urueumerim hum forte que ainda hoje
.
conserva o nome de seu Chefe ( * ) Assim estabelecidos os Francezes, admira
como a Corte Portugueza cousenlio que se elles ahi tranquillos conservassem , j á
-
extorquindo lhe riquezas que de direito lhe pertenci ã o , já fazendo se mais po - -
derosos no paizeom o engrandecimento de seus estabelecimentos, e mais ainda
com a continua e boa allian ç a que entretinhã o com os selvagens , e que só mais
de cinco annos depois entendesse o preju í zo que elles lhe causav ã o, e que con -
-
vinha d’alii expelil os inteiramente, e fundar nesse mesmo lugar huma colonia de
.
seu dominio Em consequ ê ncia partio Estacio de Sá , de Portugal para a Bahia
-
com dous galeões a reunir se com seu tio, o Governador Mendo de Sá , que jun -
tando algnns Mamelucos e Tnpinambásixs forçasportuquezas, veio bater os Fran -
cc7.cs , o que conseguio no dia vinte de Janeiro de 15G 7, expulsando essa borda
de aventureiros quasi toda para suas plagas , e obrigando os de mais com seus
.
alliados, os Tumoyos, a se refugiarem para o interior dos sert ões De então data a
.
funda çã o da cidade do Rio de Janeiro , chamada de S Sebastiã o em lembran ça do
iriumpho das armas portugue /.as no dia que comm é mora este martyr.
Iminediatamenlc depois da victoria , o Governador Geral obdeccndo á suas
inslrucçôcs, tra çou sobre a margem occidental da bahia o plano da nova cidade ,
que quasi dous séculos depois ( i 7( > 3 ) foi erigida em mé tropole da America Por -
tugueza , que mais tarde foi a séde dessa monarchia , quando o Principe R égente
o Senhor D. Joã o VI , depois liei de Portugual , para aqui veio ( 180S) com toda
a Famiiia Real, em consequê ncia da guerra com o Imperador dos Francezes, e
que actualmente figura , gra ças ao Sr. I ). Pedro I e ao patriotismo nacional ,
como a capital do Imp é rio Americano , e uma das primeiras no quadro das ci -
dades commerciaes de hum e outro liemisplierio , sendo a primeira da America
do Sul pela sua extens ã o , riqueza , popula çã o e por muitos estabelecimentos
seientifícos, lilterarios e art í sticos que em si contem , e que de dia cm dia se
mui tip li cã o .
De principio foi a nova cidade quasi que exclusivamente edificada sobre o
morro do Gastello , nã o s6 porque os Portuguezes, que se arreceia v ã o de alguma
excursã o c attaque imprevisto dos naturacs do paiz, se dolles resguardar ão pela

vr de r
,
' ï'iiro uo' mesmo*1'’ Ul"a ^ ma S 1,01,1 siluj<las c "iHliur constru í das do uosso rorio e
emin ê ncia dessa montanha , t ã o apta para sua conserva çã o c defesa , mais ainda
-
porque achando se a plan í cie toda coberta de frondosas selvas, c de immensos e
disseminados pantanos, preciso era que a civilisa çã o com seus artefactos elimi -
nasse estes, e destru ísse aquellas para fazel-a habitavel . Pouco e pouco o en -
grandecimento da popula çã o europea , «fue para aqui emigrava e que couisigo
importava o llagello das bexigas, que nos Ind í genas causava horr í vel c extraor -
din á rio estrago , os fez ir maise mais internando, de sorte que passados liem pou -
cos annos se vir ã o os Portuguezes ú nicos e tranquillos possuidores de toda a cos -
ta , e assim livres de novas invasões externas, por isso que a retirada dos selvagens
para os sert ões cohibia que na ções extranhas viessem de f ô ra com elles travar
rela çõ es. A seguran ça individual assim adquirida , as riquezas que continha o
paiz, e mais que tudo o dedo de Deos que parecia proteger e favorecer os desti -
nos da terra de Santa Cruz rapidamente augmentar ã o, e animar ã o a emigra çã o
para esta nascente cidade : breve cresceu sua popula çã o , e a civilisa çã o , apezar
, de todos os seus vicios, começou de aformoseal a. Mission á rios Jcsuilas a quem
-
o Brasil deve t ã o grandes e iunumeraveis serviços vier ã o com fé robusta e com
seus exemplos fortificar e ensinar a religi ã o de Jesus Christo, e a tosca pedra
-
’ encontrada á margem do rio poliu-se á acçà o civilisadora , e tornou sc um rico e
lusente brilhante ; e da planicc coberta de pantanos, habitada por ferozes selva
gens surgio uma bella cidade, a capital do Impé rio Brasileiro , que contem em si
-
-
mesmo porporções bastantes para , dilatando se por campos e montes como a
antiga Roma , competir em grandeza e magestade com as primeiras cidades dos
Impé rios mais florescentes do globo.
.
Na America meridional quasi a ‘23.° de latitude , e hb ° de longitude occidental
do meridianno de Paris, est ã situada a cidade do Rio de Janeiro . Assentada em
-
uma immensa plan í cie de fô rma mais ou menos simi circular é dia de um lado ,
ao oriente , banhada pelo oceano Atlâ ntico , que penetrando por entre os penedos
do Pico e Pã o de Assucar, onde lava com suas aguas as muralhas das Fortale -
zas de Santa Cruz e S. Jo ã o, fornece a vasta bahia de Nictheroy , que bordando a -
em uma linha curva muito irregular oflerece seguro porto de ancorngcm capaz
.
de em si conter todas as armadas das pot ê ncias mar í timas Do outro lado , ao
occidentc , est ã cercada por uma continua successã ode montanhas, parle da Ser -
ra dos Órgã os, que dirigida de S. para N. cabe todavia um pouco para N. E.
.
Lan çada nesta extensa superficie corre a cidade nos rumos de O. S. O para E.
.
N E. e de N. N. O. para S. S. E.
Assim pois a cidade oflerece um aspecto já plano, já montanhoso. Na plan í cie
mesmo poré m encontr ã o-se algumas eminê ncias ou pequenas montanhas que
ainda que disseminadas parecem todavia guardar alguma regularidade Se per - .
— — s
corrermos a costa encontraremos o pitoresco e poético outeiro em que est á si
tuada a Igreja da Gloria ; o morro do Gastello , onde começ ou a funda çã o desta
-
cidade , eonde se v ê o edifício que servio de convento aos frades da Companhia
de Jesus, e em que aetualmente est á alojado o Hospital Militar, e onde també m
se acha hoje um outro convento, o dos mission á rios Capuchinhos ; depois vere -
mos o morro de S. Bento occupado pelos frades da mesma ordem , o morro da
Concei çã o , séde episcopal do Bispado do Rio de Janeiro , e finalmente o do
.
Livramento A partir do morro do Castello, tirando uma linha para o infe-
rior da cidade , veremos ainda o morro de Santo Antonio, occupado pelos mon -
ges Franciscanos, e mais para o centro o morro de Catumby Entre as monta - .
nhas que concorrem para o complemento da Serra , notaremos principalmente o
Páo d’ Assiicar, á entrada da barra como já mencionamos, formado quasi todo
de granito , c entretendo bem pouca vegeta çã o ; o Corcovado , a Tijuca , e o Pico da
Boa Vista , not á veis principalmente por sua emin ê ncia, c que reunidos a outros
de menor altura , form ã o a cordilheira que nos abriga dos ventos de terra , e que «
vistos do alto mar figur ã o o gigante que dorme ( * ). Elevados a mais de mil e seis-
centos pés sobre o nivcl do mar. d ã o origem a nascentes de cristalinas agnas que
abra çando-os e percorrendo-os em mil diversos sentidos, depois de ter embalsa ,

.
mado essa atmospbera vivificadora que se respira cm nossas montanhas, vem
.
finaluientc reunindo -se á s do Maracann ã abastecer a cidade Pouco habitadas, he
certo , mas cobertas de huma constante verdura , a íTormoseã o essas montanhas o
nosso panorama , e entreté m em redor de nós huma primavera eterna , que lau -
-
ta admira ção excita ao recem chcgado. Muito « le nossa vontade deixamos de
mencionar mais algumas proinineneias montanhosas, que se apresentã o na ci -
dade. já por que mais distantes de seu centro sã o eilas pouco frequentadas, já
porque sua rela çã o com as outras nada auginentaria á s considera ções, que á res -
peito leremos de expor .
As ruas da cidade em geral estreitas e pouco inclinadas para o esgoto das
aguas acompanliã o a direcçã o da cosla ou d’alii partem , e v ã o terra dentro atra -
.
vessando a cidade velha ganhar a nova Entre as prineipaes ruas que seguindo a
direc çã o da cosla , e mais ou menos parallelas entre si cort ã o as que d’ali partem ,
notaremos a Direita , Quitanda , e Ourives , todas de muito commercio e .
formadas , como quasi todas as desta cidade , de casas aglomeradas umas sobre
outras , e guarnecidas de pequenas aberturas que as fazem consequentemente
.
pouco arejadas. As outras ruas , isto lie as que partem da costa , sã o mais regu -
.
lares que as primeiras em sua direcçã o entre eilas notaremos principalmentc

. .
{•) Ko alto mar ao correr < l i c«> ta figura esta cordilheira um gigante deitado t ão perfeito que alguns
viajante* France/es acháo nos tra ços da parte que simula o rosto o perfil do infeliz rei Luiz .
9

as da Assembléa , Sabã o , c S. Pedro, que percorrem ioda a cidade velha , ganh ã o
o Campo de Santa Anna , atravessã o-o , v ã o-se continuai na Cidade Nova e se -
guem caminho da Serra : a primeira continua sempre em direccão mais ou menos
recta e conduz ao Engenho Velho, Andarahy , e Serra da Tijuca , lugares já bas-
tante povoados , mas constantemente floridos e cobertos de verdura ; onde de -
-
pois do laborar de huma vida activa vae se nas calmosas noites do estio fruir
.
huma atmosphera fresca e embalsamada pelos aromas vegetaes Si ã esquerda
desse trilho geral tomarmos dons atalhos que se nos oflerecem iremos pela rua
dos Coqueiros passado o Cemitcrio de S. Francisco de Paula encontrar hum
formoso vallc que se vae estreitando at é subir o cume das montanhas , de onde
-
descendo para o lado opposlo, commeça a alargar se de novo e fó rma o deli-
cioso vallc das Larangeiras , que se estende at é á praia do Flamengo ; si mais
adiante tomarmos o segundo caminho passaremos ao Rio Comprido , sitio sau -
d á vel e apraz í vel que deve seu nome a hum regato , que vindo das montanhas
o percorre em toda a sua extensã o .
As ruas do Sabã o , e S. Pedro, que como já mencionamos, partem da costa ,
atravessá o paralellamente toda a cidade em sentido longitudinal , e chegã o ao
* mangue da Cidade Nova , ahi se termina a primeira por ainda n ã o se achar ater-
rado esse mangue, foco de imund í cias, e de miasmas, que torn ã o insalubre esse
lugar ; a outra continua , e vae ganhar S. Christov á o. Em caminho dessa estrada
encontraremos hum edifício , que terminado deve servir de malodouro, e para o
corte da carne verde para consumo da popula çã o, id éa infeliz, que tornará esse
sitio ainda mais insalubre , quando esse lugar poderá mais appropriada e civil-
-
mente utilisar se em hum quartel de cavallaria , para o que tem as necess á rias
.
proporçõ es , c est á situado convenientemente Mais adiante encontraremos a
quinta e Palacio da Boa Vista , habita çã o ordinarin da Familia Imperial . Conti -
nuando, a estrada se bifurca ; á direita conduz por huma via muito frequentada
ao interior do Brasil, e á esquerda vae ter ao Engenho Novo . cortado por im
-
menses aguas, alTormoseado por sua vegetaçã o constante, sitio ermo e solit á rio ,
que deslembra o labor da vida , concentra nos em n ós mesmos, c faz amar a
solid ã o com todos os seus encantos ao ente que nella se apraz.
Si collocado no largo do Pa ço percorrermos a costa , encontraremos á esquer -
da a Praia dos Mineiros, que banha o cacsdo mesmo nome, a Prainha cm frente
de huma pra ça , onde est á hoje collocadu a Academia dc Marinha, a Pra ça e caes
da Imperatriz, assim chamado por ahi ter cila desembarcado, quando chegada
á
nossas plagas ; as Praias da Saude e Gamboa , o Caes do Gamb á no Sacco do Al
feres , a Praia dos Lasaros, banhando huma pequena montanha , em cujo cume
-
se vc o hospital, em que se recolhem e trat ã o os aflectados de Elephantiases dos
— 10

Gregos, depois conti mia se a praia do Cajú , onde se aclia o cemité rio geral , e
-
mais adiante a quinta Imperial com sua casa de hanhos, e vingando essa ponta ,
.
cliega -sc á praia de Inhauina , onde desagua o Maracann ã I)o outro lado á direi-
ta do observador (*) , ternos a praia de Santa Luzia , Gloria e Flamengo , onde o
mar embravecido as mais das vezes, vem quebrar suas aguas contra huma areia
clara , limpa e brilhante ; á estas succedem as praias do Botafogo c Vermelha , con -
trastando com sua placidez o embraveciinento das outras. E ’ nesta ultima que se
vô hum espa çoso e bello edilicio destinado para o hosp í cio de alienados , c hum
pouco mais longe o segundo cemiterio geral, dito do Hosp í cio de Pedro II.
O plano sobre que repousa a cidade está muito pouco elevado sobre o nivol do
mar. Edificada sem methodo , mais assistio a seu estabelecimento a economia ,
.
que os interesses de salubridade publica Examinemos sua altura sobre o uive
do mar a quinhentas bra ças da costa pouco mais ou menos ; tomemos a porta da
Gamara Municipal (soleira ) , e veremos que está ella collocada á 23, 395 palmos
-
acima da Baixa - mar , 16,565 da Prea mar , c 11 , 565 da parte superior do caes
do Arsenal de Marinha ; do ladoopposto do Campo, no seu crusamento com a
-
rua do Sabã o achamos 18,167 palmos sobre a Baixa mar. Até aqui a cidade
quasi nem huma eleva çã o apresenta , d a h i se collige a impossibilidade do esgoto
das aguas, a humidade do terreno e inutilidade para remediar esses inconvenien -
tes, dos diversos systeinas de cal çamento , que tem sido empregados, einquanlo
leis fortes de Policia Sanitaria , e utilidade geral n ã o lizerem elevar seu plano
consideravelmente. Do Ilocio pequeno por diante a cidade sobe rapidamente
at é a falda das montanhas , que se elevã o quasi perpendicularmenle, domin ã o e
abrigâ o todo seu fundo.
» O terreno sobre que est á edilicada a cidade é sem duvida devido á alluviões mo-
dernas ; porque entre os raros fosseis que se tem achado, só se encontrã o con-
chas marinhas similhantes á s que vivem actualmente no mar , que banha nossas
praias. Estas alluvi ões compõe se , em geral , de areias, e argilas: as primeiras
-
abund â o na plan í cie, as outras form ã o as collinas pouco altas, que se encontr ão
disseminadas pela superficie do terreno , e de que já fizemos men çã o. Estas col -
linas sã o compostas inleiramente de argillas de varias côres, contendo abundan
cia de oxidos e hydratos de ferro. He de suppor que sã o ellas muito mais antigas
-
que o plano acima do qual apparecem , e sua forma çã o pó de ser devida , ou a se
dimentos depositados eui é pocas já mui afTastadas, ou á decomposi çã o de rochas
-
schistosas primitivas.
As montanhas que domin ã o c cercã o a cidade , muito mais altas c extensas ,
s ã o compostas de granito massi ço, e de granito schistoso. Estas
moutanhas
.
f ) Lembrc-sc o leitor que collocamos o observador no Largo do Pa ço, voltado para o mar
— 11

gran í ticas sã o geralmente micaccas, e contem pouco fcldspatho , salvo unia on
outra montanha, onde elle predomina muito , como se v ô na Gloria e no Gattete.
Ahi a rocha gran í tica lie hum pcginutito decomposto em todas as faces expostas
-
directaroente á acçâ o das aguas, ou da athmosphera , á ponto de ter se converti -
-
do em kaoUni , que poderá aproveitar se para fabrico de porcelana .
Gonsideremos geognosticainente o nosso terreno dividido em alturas ou mon -
tanhas, e superfície, e estudemos estas duas divisões .
-
As alturas ou montanhas comp õe se de rochas gran í ticas c de argilas A su - .
perlicie e o que está situado abaixo della , a partir do ponto mais baixo, compõe -
se : 1.° de uma massa continua de rochas gran í ticas, similhante á s das alturas,
que serve de base a todo o terreno, e se acha collocada muito abaixo do nivcl do
mar ; 2. ° de camadas de areia misturadas com fragmentos de diversas rochas ;
.
3.° de camadas mais ou menos expessas de argila ; h ° de atterros artiliciaes. As
areias e argilas sâ o detritos das montanhas visinhas, devidos a acçâ o erosia vio -
, lenta em é pocas remotas, lenta por é m continua na actualidade. As areias predo -
inin â o quasi exclusivamenle na costa ; as argilas abund â o mais desde que o terre -
no comera a elevar-se .
-
Goinpondo sc a maior parle de nossas montanhas de rochas gran í ticas , geo -
logicamente poder í amos provar que a base é da mesma mat é ria ; porque o gra -
.
nito repousa sempre sobre granito sem solu çã o de continuidade Mas como esta
verdade nos pó de ser contestada , observemos a constru çã o de nossos poços : a
-
huma maior ou menor porfundidade encontra se sempre rochas gran í ticas, ainda
que nem sempre este granito seja compacto. Algumas vezes encontra se gneiss -
muito alterado pelas infiltra ções, altera çã o comniiim nas rochas schistosas .
Situados perlo do equador , sob a influencia iinmediata do tropico de Gapri
cornio, pó de-se dizer que n ã o temos esta ções bem pronunciadas. O estio que
-
começa em meio de Dezembro , confunde-sc com o outono que principia pela
mesma é poca de Março ; o inverno c primavera , que começã o irez e seis mezes
depois, quasi que lambem se confundem . A abundancia das chuvas, a proximi -
dade do mar , a vegeta çã o de nossas montanhas, os ventos que sopr ã o com regu -
laridade torn ã o temperado o clima de nossa cidade , apezar de sua posi çã o geo
graphica, por isso deixemos de parle as divisões meteorol ó gicas das esta ções do
-
anno, e estudemos os phenomeiios naturaes, a chuva , e os ventos, que mitigã o a
calma , que nos devia abrasar , d ã o á nossa cidade um clima temperado , c nelle
entretem uma primavera continua .
Gom huma regularidade quasi constante os ventos soprã o no Rio de Janeiro.
.
Da meia noite ao meio dia o vento NE ( terral) sopra do lado da Serra , e desta
.
hora at é a meia noite sopra SE. ( viração) N ã o se v á pensando, que queiramos
—— 12
marcar Imina regularidade precisa na dura ção dos ventos , bem ao contrario nos
mezes de Dezembro , Janeiro, Fevereiro e Mar ço, a vira çã o cabe mais tarde,
e termina mais cedo, durando algumas vezes apenas très ou quatro boras, no
entanto que em Junho , Julho e Agosto vem muito antes de meio dia , e pro -
longa -se para muito al é m de meia noite. Esta regularidade de ventos póde at é
certo ponto ser explicada pelo movimento do nosso planeta , e pelo calor do sol ,
sendo de notar, que os ventos que sopr à o do mar e que percorrem sua vasta
extensã o, sã o ein geral mais frescos, e menos impregnados de humidade , ao
-
tempo que os ventos , que sopr ã o de terra sã o sempre mais quentes, e mais h ú
-
midos. Todos os mais ventos s ã o pouco constantes, e demor á o se pouco ; de
sorte que devem ser considerados como ventos de transi çã o. O vento NO. que
sopra com alguma frequê ncia em Agosto e Setembro, lie sempre acompanhado
de excessivo calor , e percursor de grandes tempestades.
As chuvas que acompanh ã o ordinariamente a esta çã o calmosa, s ã o precedidas
quasi sempre por trovoadas, começã o em Novembro, v ã o augmentando •
de dura çã o e quantidade at é Fevereiro, e dahi diminuem da mesma maneira ,
-
e podem estender se em geral até Maio, este e os mezes seguintes até Setembro
sã o commummentc privados de chuvas, ou ao menos sã o ellas pouco duradou -
ras ; em Setembro e Outubro começão os ventos do equinocio. lie facto cons -
tante que, quando na esta çã o calmosa faltã o as chuvas, sobrevem ellas nos mezes
de Abril , Maio, Junho c Julho.
O thermometro apresenta uma variedade de n ã o pequena extensão : cm
.
Fevereiro sobe até 8h° Far , para em Junho e Julho descer a 60°, existindo
portanto regra geral uma dii ïereu ça de 18° entre a maior e menor temperatura
almospherica , que tomamos por termo medio. Altendendo por é m a que esta
temperatura augmenta , ou diminue gradativamente , e que quasi sempre sua
eleva çã o coincide com maior humidade da athmosphcra , claro fica que essa
dii -
ïeren ça torna se quasi nulla , ou pouco sens í vel.
-
Pelo que expendido fica , se vê que o Rio de Janeiro , ainda que sob a influen
cia dirccta , e iinmediata do tropico , e por consequ ê ncia collocado na zona
tropical , podia , mas n ã o deve ser considerado na catliegoria dos Paizes quentes.
Banhado pelo mar , d’onde quotidianamenle soprã o ventos regulares, que refri
gerados pelo oceano vem mitigar o calor do clima , garantido por elevadas
-
montanhas, cobertas de verduras, entretendo huma vegeta çã o eterna , que em -
balsama o ar , corrige suas vicia ções , diminue a intensidade da luz solar , e
minora o grã o de temperatura , que cila devera produzir , abastecido de fontes
nativas, cortado de immensidadc de pequenos rios , que abra çã o e percorrem
suas elevadas montanhas, c d éliassé lan ção para os diversos pontos do litoral ,
refrescado prias brisas que descem da
tura auibieiilc é
— 13

parle dessas iiioiilanlias, sua tempera
suave, c u ào sull'uca como ados paramos da Arabia .
-
Concorrendo ( odas estas circumstancias, a Cidade seria sem duvida huma
das mais saiidavers ; entre n ós poré m a salubridade publica vai entregue á mcrc é
do acaso ; ã venda de gé neros corruptos e deteriorados, á falsifica çã o das bebi -
das espirituosas , á falta de asseio no interior das habita ções, ao lixo e immun -
dicia , que se encontra pelas ruas e pra ças publicas, aos despejos feitos em
todas as nossas praias, ao pouco ou nenhum esgoto das valias , que passão ainda
por muitas ruas desta Cidade , accresce ainda a falta de vegeta çã o em seu interior ,
e a humidade devida á natureza da base sobre que cila repousa , e á sua pouca
-
eleva çã o. Km verdade elevando sc nosso terreno apenas alguns palmos sobre
o uivei do mar , essa pouca eleva çã o seria bastante para tornal -o h ú mido ,
mesmo nã o dando considera çã o ã s depressões que cm hum ou outro ponto d ã o
origem a panlanos permanentes ; mas este mal sc augmenta , ou antes elle se
* origina principalmente da natureza da rocha , que forma a base sobre que elle
assenta. As areias e argilas prest ã o se facilmente ã s in filtra ções ; poré m o
-
, granito sendo impenetr á vel a essas infiltrações, todas as aguas das chuvas mui
copiosas entre n ós , como em todos os paizes tropicacs, n ã o achando sabida nein
inferior, nem latcralmente para o mar , accumul ã o-se nas camadas superiores,
ecliegã o quasi até ã superfície ; formnri â o mesmo bum lago sc o calor do clima
n ã o as lizossc evaporar em grande parte .
-
Conviria pois para restituir lhe a salubridade alienada por lodos esses agentes
corruptores da sa ú de publica :
l’ó r em execu çã o as medidas já apresentadas contra os falsilicadores de
bebidas espirituosas, e vendedores de gener ös deteriorados .
Aterrar iminediatamentc os panlanos existentes, e condemnar as valias que
ainda existem.
Cuidar da limpeza das praias , ruas , e pra ças publicas , obrigar por meio
de medidas en é rgicas aos particulares a manter o asseio no interior de suas
habita ções.
Cuidar cm estabelecera maneira de fazer a transferencia das mat é rias excre
-
menciaes, c lixo para fó ra da Cidade .
^ lar cuidadosamente a inhuma çã o dos cadaveres , obrigar a que todas as
covas indistinctainentc tcnli ã o pelo menos 5 pés de profundidade, e que cada ca
daver seja enterrado em separado , sobretudo n ã o indo em caixã o fechado c
-
forrado dc chumbo .
3
— —l /i

Transferir o matadouro parafera da cidade, inutilisar os restos de carne, que


costum ã o nos a çougues guardar e salgar, depois de já corruptos , inspeccionar
a sanidade do gado que é fornecido ao consumo da popula çã o .
Proliibir o fabrico de vellas de sebo, ecortunie de coros . Ordenar a extin çã o
( na cidade) das fabricas, em cujo trabalho se emprega o carv ã o dc pedra , e os
estanques de tabaco.
Estabelecer jardins p ú blicos cm diversos pontos da cidade.
Cuidar no immediato alargamento das ruas e plantio das pra ças.
Elevar todo o terreno da cidade muitos palmos sobre o nivel do mar, c cer -
-
cal a de um caes ; assiiu as aguas achar ã o facil esgoto, c as ondas n ã o arroja-
r áõ ás praias os restos vegetaes, e auimaes já putrefactos.
Todas estas medidas empregadas com diligencia , actividade e rigor accarrela -
rião incontestavelmente a salubridade geral ; algumas est ã o , ou podem ser já
postas cm execu çã o ; outras poré m demand ã o muitos dispê ndios c tempo ; no *
entanto quanto mais cedo começarem , mais brevemente terminarã o , mas des-
gra çadamente entre n ós , preciso fôra que horr í vel calaclysma a destru í sse até
seus fundamentos, para que delle surgisse a cidade regenerada .
IL
HOMEM n ã o est á como o vegetal absolutamente sujeito á influencia do
terrreno em que vive ; e si esta verdade póde ser posta em duvida ,
c hc pouco sensí vel na iofancia de uma na çã o, cila se faz evidenteincnle
coiuprehender á medida que a civilisa çã o se adianta ; todavia o clima repre -
senta , conjunctamente com outras , uma das causas modificadoras do organismo
do homem , e de suas inclina çõ es. O clima pó de modificar a cô r da pelle ,
alterar mesmo, obrando lenta e continuamente, seu tecido , fazer predominar
* .
certos apparelhos de orgã os, aclivando suas fune ções prolongar ou abrevia1'
a vida ; por é m n ã o imprimir á nova fô rma ao esqueleto humano , n ã o mudará
a disposiçã o das orbitas, nem alongará o angulo facial, tornando-o mais ou
menos agudo .
Si o vegetal relido no solo que o vio nascer, ahi profunda suas raizes ,
ou eleva seus vigorosos ramos, recebendo desse mesmo solo todas as modifica -
çõ es que lhe sã o proprias, c si transplantado perde sua belleza , definha , c parece
apenas hum arremedo do que foi , o mesmo n ão acontece ao homem : avan -
çando caminho da civilisa çã o , si a natureza obra sobre elle, elle reage pode -
rosamente contra ella . e se cria huma nova exist ê ncia .
As diversas latitudes do globo podem , he verdade, influir sobre o desen -
.
volvimento de força muscular , mas n ã o o determin ã o absolutamente N ã o lie
só nos povos do Norte que se encontra a intrepidez, c o vigor da consti -
tui çã o , effeitos que resultã o mais da pouca excita çã o do clima , que do desen -
volvimento das forças physicas. Hum gr ã o elevado de calor constante deve ,
provocando desejos muitas vezes satisfeitos, e excitando transpira ções abun -
dantes , relaxar necessariamente as libras musculares , c produzir uma acçã o
-
enervadora ; mas segue sc d ’ahi que o homem n ã o possa resistir á suas in
fluencias ? tal n ã o lie nossa maneira de pensar ; ao contrario opinamos, que
-
adoptando hum viver regular, elle pó de n ã o só resistir , mais ainda pôr se
completamente ao abrigo dessas influencias. Huma constitui ção robusta , a
-
actividade , agilidade, e perseveran ça no trabalho, s ã o apanagios do Flumi -
nense ; e ahi est ã o os Toneleros , e Campos de Moron , alteslando a intre
pidez da nossa marinha, e a coragom do exercito brasileiro.
-
— I fi

Fxpostos nos ardores do Imin sol abrasador e quasi perpendicular vivendi».
cercados por limna alhinosphera excessivamente aquecida pelos raios solares ,
reflectidos pelas praias cobertas de areias brancas , que circund ã o nossa cidade ,
sens habitantes primitivos tinli ã o a fronte elevada e saliente , os olhos pequenos
e protegidos por espessas sobrancelhas de côr preta , proprias a absorver os
raios luminosos, e diminuir a intensidade da luz.
Quer o Fluminense descenda de l \tis Fiiropôos , ( pí er destes e de Africanos ,
die he sempre caracterisado por huma constituiçã o robusta , altura regulando 5
pé s e 2 pollegadas, corpo agil e esbelto , cabellos mais ou menos negros, barba
.
geralmente espessa , algumas vezes rara Nos primeiros a pelle he perfeilamenle
alva , ã excepçà o da face e m ã os, que devem seu tostado á unica acçã o do sol :
ordinariamente d ócil , alíavel . soci á vel , crédulo, amador e apreciador do hello ;
bravo, generoso , e hospitaleiro, lai lie sua constitui çã o phvsiea , taes são suas
qualidades moraes mais salientes. O crioulo negro , lie geralmente muito mais
intelligente e bem conformado que os Africanos, e se approxima por suas
fô rmas physicas, e faculdades intellecluaes á ra ça branca ; os descendentes
de Pais Africanos e Furopè os se approxiin ã o por suas fôrmas physicas e quali-
dades moraes e intellecluaes a uma ou outra das ra ças de que tir ão origem A .
ignor â ncia com que o orgulho dos Kuropêos se aprazia em mimosear- nos,
desappareceu de entre n ós, e nos tempos coloniaes elln era lillia unicamente
da isola çã o ein que viv íamos, e n ã o dependente da iulluencia do rlima , ou
pouca energia moral , como lhes convinha explical a. -
As Fluminenses sã o hrllas, lindas, meigas, commiinicativas e sociá veis. 'l'ã o
claras como as originarias de Albion , em algumas a côr da cutis imita o amo -
renado do jambo. I )e fô rmas hem contorneadas e arredondadas dinlinguem sc -
principalmenle pelo delgado de suas cinturas e pela peqiicnhcz de seus pés ;
ornadas de longos e bastos cabellos acastanhados ou negros, coroã o-lhes a
fronte hellas e encantadoras madeixas ; cxcessivamenle espirituosas , expri -
-
mem se facilmente com uma eloqu ê ncia toda natural , c com taes atlractivos se
torn ã o suinmumcntc interessantes. Dotadas ihr todas as virtudes, parecem es|M*-
lliar em si os encantos e helleza de seu paiz natal.
As letras, as sciencins, as armas, e as artes liheraes s ã o indislinctamente enl-
tivadas pelos Fluminenses. Seu gé nio lie huma vasta capacidade opta á s aequi -
si ções a que o querem destinar , e capaz de elevar -se á s mais altas concepções da
poesia e do calculo , da philosophia e da pol í tica , das finan ças e da musica , do
discurso e da eslralegia , da pintura e da diplomacia. O ('ommereio. partilha
.
quasi exclusiva dos estrangeiros, tem exclu í do de si os nacionnes e as artes
mccanicas. exercidas em grande parle pela popula çã o escrava , afast ã o de si
— 17

os homens livres, cujo pundonor e capricho dillicilmcnte os sujeitaria ao en
sino, e preceitos de huma ra ça, que a classe ignorante despreza , e supp õc infe -
-
rior a si , em qualquer circumstaucia em ( pie a encontre.
Alguns preju í zos rid ículos se encontrã o ainda na classe infima da popula çã o
livre , apezar do progresso em que vai a civilisa çã o , que acompanha os passos
da Europôa ; isto lie grandemente devido á influencia da popula çã o escrava ,
com cujo leite bebem ein geral nossos filhos esses preconceitos, c n ã o poucas
vezes princí pios morbidos, e se mais tarde uma educa çã o desvelada destroc
os primeiros , os ú ltimos muitas vezes determin ã o a morte , ou só se termin ão
com a vida .
Regidos como todos os demais Brasileiros , por um Governo Monarchico
Constitucional e Representativo, os Fluminenses, conservã o inda hoje , apezar
de separados da m ã i patria , quasi as mesmas leis, e os mesmos usos e cos -
tumes. A Religi ã o dominante no paiz, lie a Catholica Apost ólica Romana , no
’ entanto sã o toleradas todas as outras, uma vez que se n ã o demonstrem por
templos e cultos p ú blicos.
, -
A popula çã o do munic í pio neutro comp õe se, segundo o recenceamento do
.
Illin Sr. Dr. Hadock Lobo , feito em 1SA 9, de 266. A 66 almas, dividida quanto
ã sua naturalidade, condi çã o e sexo , do modo seguinte :

Homens. Mulheres.
Livres e libertos nacionaes. .. 53:280 56:205
Escravos nascidos no paiz. . .. 22:A 02 22:140
75:7 AS 7S:3 A 5
15A:0t)3
Excesso em favor das mulheres. . 2:597
Livres e libertos estrangeiros. . . 3A:088 12:285
Escravos estrangeiros A 3:129 22:871
77:217 35: 166
112:373
Excesso a favor dos homens. A 2:061
Sommados quanto a sexo . sem at-
tendee á nacionalidade ou con
di çã o
-
152:965 113:501
.
Excesso a favor dos homens . . . 39:464
Somma total da popula ção. . . . 266:A 66
— is

Considerando Iodas essas cifras veremos que o numero de homens excede
mui lo ao numero dc mulheres, o que lie contrario a todas estat ísticas dos paizes
estrangeiros, c que entre n ós lie devido á maior emigra çã o de homens na popu .
Ja ção estrangeira , tanto assim que na popula çã o nascida no paiz, o numero de
mulheres excede ao dos homens .
Yò se també m dessas mesmas cifras, que a popula çã o livre excede ã escrava *
-
Abstracçã o feita de 28.817 indiv í duos livres, e 31.704 escravos, que sommados
d ã o o numero total dos que est ã o comprehendidos na primeira delegacia de
Policia , teremos 205.905 , que comp õe a popula çã o da Cidade propriamente dita.
Demos preferencia entre os differentes trabalhos do mesmo geuero, ao do
IH in. Sr. Dr. Hadock Lobo, n ã o só por ser elle o mais moderno , por é m ainda
por o suppormos o mais cxacto, altenlos o zelo c esfor ç os , que esse mesmo
Sr. empregou em formulal-os.
Comparando o numero total dos mortos em todo o munic í pio neutro, que
sobe a 8.713, resultado que obtivemos , colhendo as differentes estat ísticas
mortu á rias dos cemit é rios geraes c particulares, que aqui transcrevemos :

Muppa dos cadaveres sepultados nos di ß erenles cemit é rios desta Cidade, cm 1851 .

CEMIT É RIOS . LIVRES E LIBERTOS. ESCRAVOS . .


Ilomens . Mulheres . .
Homens Mulheres.
TOTAL

Geraes 3:228 1: 139 1 :637 899 6:903


S. Francisco dc Paula 853 63 A 30 /iS 1:571
Ordem 3. a do Carmo. 53 23 76
Penitencia 27 9 36
Gainbôa 115 12 127
...
Total A :276 1:817 1 :673 9A 7 8:713

-
Vê se que a mortalidade geral he de 3 por cento sobre a popula çã o , ou que
morre hum iodivido sobre 33 ou 3 A , mortalidade que comparada com a que
se observa nas estat ísticas da Italia , Austria, Hollanda e Hespanha, paizes tem
-
perados c geralmcntc reputados salubres , iguala á das duas ultimas, e diffé ré
.
para meuos da das primeiras Por ahi se collige lambem , que a mortalidade,
guardadas as convenientes proporções, lie muito maior nos homens que nas
mulheres, e bem assim maior na popula çã o livre, que na escrava. Altribuimos
no primeiro caso a maior mortalidade dos homens, a que sã o elles que
sent ã o o maior numero na cifra dos emigrantes, c que ainda n ã o
repre -
aclima -
[ados , loin sido
— 19

vidimus da epidemia que tem ultimanietile reinado entre nos,
e mais ainda por serem elles os que mais se expõe á s influencias m ó rbidas inh é -
.
rentes ao nosso terreno No segundo , a maior mortalidade na popula çã o livre
lie devida a que tendo cessado a importa çã o de Africanos, achando se portanto -
todos os que existem na Cidade já familiarizados com o clima , c sendo dotados
de constitui çã o muito mais forte, que a dos indiv í duos da classe livre , est ã o
por isso menos sujeitos que elles aos estragos produzidos por todos os agentes
inorbidos que nos rodei ã o.
Si bem reflectirmos e compararmos a mortalidade do anno ultimo , no muni -
c í pio neutro , com a dos annos antecedentes, que se observa nos relat ó rios
do minist é rio do Impé rio , veremos que cila se augiueulou de quasi 50 por
cento , mas nein ainda assim nos collocou esse excesso na categoria dos ter -
renos insalubres ; si compararmos ainda essa mesma mortalidade excessiva
com o numero de nascimentos no munic í pio , c entrada de estrangeiros, con -
» cluiremos, que a somma de liuus e outros excede muito á cifra mortuaria ,
e que portanto a Capital continua , apezar do augmento da mortalidade , a tor-
nar-se mais populosa .
O estudo da mortalidade sobre os casos inorbidos, feito sobre o quadro
.
estat í stico de differentes hospitaes desta Cò rtc que aqui apresentamos, lambem
nos conduz a conclusões n ão menos satisfactorias.

.1/ uppa dos doentes tratados em differentes hospitaes desta Cidade , em 1851.
3
t&
.
d d & J
ord
HOSPITAES. d
3
'2 , 2
3
U 2 Mortalidade .
2 Scs :

1 -

3
« Io *

Hospital Geral
Ilospfdo de Pedro I!
ar> 4 5:051 1:305 1 :508 5OS 6:105 21.91. por °lo.
70 136 110
. .. ..
8 88 200 3.88 » »
Nossa Senhora do Livramento 907 675 1 «9 13 907 20, 83 » »
ordem Terceira do Carmo
. . 35 238 207 22 11 273 10,06 » »
S Francisco de Paula
Penitencia
Permanentes
32
26
21
251
295
995
211
28
980
. 22
19
15
20
16
21
286
321
1.016
7 , 69
5 ,91
1 , 13
»
»
»
o
»
»
Total . . . 038 8:776 6:807 1 :873 731 9:111

Nao fizemos mensão das estat í sticas, nem dos hospitaes de guerra , nem
do de marinha ; por isso que a esses hospitaes concorrem indiv í duos já com
pequenas altera ções de sa ú de, já mesmo com moléstias simuladas , para se
isentarem do servi ço, acrescendo mais, que sendo as estat í sticas conhecidas,
— — 20

fundadas anles sobre cifras , que sobre o movimento de pra ç as , sua aprecia çã o
nos conduziria a resultados menos verdadeiros.
.
Examinando por este quadro a mortalidade dos differentes hospitaes nota se -
a diffcrcu ça extraordin á ria que entre elles existe : considerando poré m , que para
o hospital geral afflue a classe mais miser á vel d ’esta cidade, que os senhores , a
elle fazem recolher seus escravos já em casos desesperados , para se pou -
parem ao desgosto de vel - os morrer , e aos cncommodos do enterramento, tanto
que grande numero de mortes segue immediatameule, ou poucos dias depois a
entrada dos enfermos ; eque para o de N.“ S.* do Livramento se recolhi ã o quasi
.
todos os indiv í duos affetadosde febre a narella , que buscarã o os hospí cios de cari-
-
dade , que erà o em grande parte estrangeiros recem cliegados, e que bem
assim para ali forã o mandados lodos os Africanos enfermos, ultimamente apprc -
hendidos , explicada lica essa differeuca extraordin á ria , e n ã o deve admirar seu
excesso de mortalidade.
Os hospitaes das diversas confrarias apresent ã o huma mortalidade regular.
Torna -se notá vel pela diminuta mortalidade, que nem chega á hum e meio por
cento, o hospital do Corpo Municipal Permanente , formado de mo ços na ll ò r
e vigor da idade , em geral quasi todos filhos do paiz, aquartellados comiuoda -
mente , c cxcellentemente alimentados, concorre á seu favor al é m destas cir-
cunstancias o desvello e zello incansá vel de seu mui digno Commandante.
Si exccpluados os dons primeiros hospitaes de que fal í amos , por isso que col -
locados em circumstancias inlciramenle oxcepcionaes, como fizemos notar , n ã o
devem ser levados em linha de conta , lizessemos hum estudo comparitivo entre a
mortalidade dos outros, c a dos hospitaes francezcs , cuja mortalidade regula de
oito a dez por cento, ter í amos a vantagem cm nosso favor.
\ é-se pois do que exposto lica , que apezar de tantas causas que entre n ós con -
correm , capazes de produzir graves enfermidades, das poucas medidas que ga
rant ã o a salubridade publica , c da immediata influencia de destruiçã o que com
-
seu h á lito mort í fero nos tem causado a importa çã o da febre amarella , n ã o só a
mortalidade n ã o excede á de alguns paizes reputados salubres, mais ainda o es
tudo dessa mesma mortalidade sobre os casos morbidos, nos nossos hosp í cios
-
iguala , sen ão diffè re para menos, do que se observa no paiz cl á ssico das scien
ces medicas ( a França ).
-
A longevidade no Brasil ser á t ã o extensa e frequente como o pensã o alguns
cscriptorcs ? Para tratar a presente quest ã o com a exactid ã o math matica queella
-
mcrece , fall ã o nos materiacs que o governo só poderia fornecer. Nã o podendo
raciocinar sobre factos , reflexionaremos sobre algumas observa ções que por ahj
.
correm escriplas As Antilhas nos apresent ã o exemplos de longevidade extraor-
— — 21

dina ria , e os Cara í bas clicgã o at é a idade do cento c ciucocnta annos ( * ) . Sob a
zona torridn , no centro d’ Africa os viajores dizem 1er visto negros de idade mui
.
avan çada No Brasil , diz o Visconde de Cayr ú ( * * ) , a longa vida se faz notavd
principalmeute nos campos lavradios, c dc pastarias O mesmo Visconde de .
. .
Cayrú obra citada , traz o seguinte treclio de W Temple : N ã o sei si póde baver
alguma causa no clima do Brasil mais propicia á saude do que ein outros paizes :
alé m do que foi observado entre os naturalistas nas primeiras descobertas dos
-
Européos, lembra me ouvir dizer a D. Franciscode Mello, Embaixador de Portu -
gal em Inglaterra , que era frequente neste paiz para homens descabidos por ida -
de, e outras causas, já n ã o tendo esperan ç as de um ou dous annos devida , Mans
portando -se em alguma frota ao Brasil , ahi viverem vinte á trinta annos , e mais
por for ça do vigor que recobrarã o com a transmigra çã o.
Como estes outros muitos trechos poderamos apresentar , antes poré m de es -
tabelecer sobre elles applica çòespbisiologicas , preciso fora verilicar sua autlien -
»
-
ticidadc, parecendo nos muito mais razoavel que a sciencia collija factos mais
bem averiguados, para delles colher verdadeiras iIla ções He de presumir, consi. -
derando os agentes conservadores c destruidores da vida humana , que huma re -
gi ã o temperada, huma boa constituiçã o individual, huma posiçã o social ao abri -
go da misé ria e dos cuidados inh é rentes à huma ambi çã o insaci á vel , o exerc ício
continuo c moderado, eliuina sobriedade constante s ã o condições eminentemente
.
proprias ã prolongar ã o da vida Os povos selvagens n ã o vivem mais que os ci -
vilisados ; ao contrario, cercados por todos os agentes destruidores da sa ú de, en -
tregues ora á huma severa e for çada abstin ê ncia de sustento, ora á huma intem -
peran ça excessiva , a misé ria em que a maior parte vegeta , raras vezes lhes per -
.
mute chegar ao termo ordin á rio da vida Em geral no Brasil , e bem assim no
Rio de Janeiro a popula çã o branca ou de ra ça crusada , c os Européosjá aclima-
tados vivem mais tempo que os negros, c sobretudo que os importados da
Africa .

(* )
{" ) —
Rochefort. Histoire des Antilles
— .
Hutorla dos prluclpaes successos politico » do Impé rio do Brasil
A
m.
-
ó DE SE cm those geral alfirmar, que entre n ós as mol éstias se apresent ã o
fra ti ca men te, e Sou diagnostico lie cm geral facil , ainda que soffrimen-
tos do systema nervoso ou insidias de alguma affecçâ o intermittente
venli ã o por vezes perturbar sua marcha , e tornar as indica çõ es menos seguras.
Som esta ções bem deslinctas, o que n ã o acontece em geral no territ ó rio curopò o ,
n ã o havendo por assim dizer entre n ós sen ã o duas o estio e inverno, claro fica
que nã o poderemos dar essa differen ça e destin çã o, que segundo as differentes es-
ta çõ es do anno se observa nas enfermidades em outros paizes. Entretanto dire -
mos que no estio e principio do outono grass ã o com mais freguencias as febres 1

intermittentes benignas ou perniciosas , as febres gastricas, biliosas ou typhoides


com ou sem plicnomenos ccrebracs, sendo de notar que estes ú ltimos se inani '

fest ã o com mais frequ ê ncia na passagem do estio para o outono, as dysenterias
ou diarrheas mais ou menos intensas e ligadas a a Recedes intestinaes , as angio -
leuticitcs, cmfiiu as differentes altera çõ es de tecido cellular, como sejã o fur ú n
culos e anthrazes. No outono, que é quasi sempre chuvoso, not à o -se as differen
-
-
tes affecçõ es catarracs, as pneumonias, pleurises, diarrheas e as mol éstias
.
exanthematicas No fim do inverno e principio da primavera comer ã o de appa -
reccr as ophtalmias e a coqueluche , quando por ventura rcinã o : as affecções ty -
phoidcas e gastricas, as febres intermittentes e les ões ccrebracs sã o lambem fre -
quentes por esse tempo. Em summa , sobre este ponto repetimos, nada se póde
dizer com acerto , porquanto as esta çõ es confundem -se por tal fô rma entre n ós,
-
e são tão variaveis as altera ções de temperatura , a ponto de observar se no mesmo
dia huma differen ç a thcrmomctrica de mais de 20°, de sorte que , n ã o sendo des -
tinctas nessas differentes é pocas do anuo os agentes morbidos dependentes da
alhmosphera, n ão é bem possí vel descriminar as affec ções que nellas rcin ã o.
Deixando de considerar as mol éstias que de preferencia grassã o cm certas é po
cas, c encarando - as cm geral sob o ponto de vista , e cm rela çã o á s diffé rencies
-
idades poderemos dizer alguma cousa de mais aproveit á vel, encerrando- nos to -
davia nos limites , que est ã o ao alcance de hum trabalho desta ordem Conside. -
rando as moléstias em rela çã o á s idades, as dividiremos cm 1 res ordens ou cate
gorias disliuctas : mol éstias da infancia , dos adultos, e dos velhos. Comprei i e u -
-
.
d remos na primeira ordem ou cathcgoria as mol éstias , que sobrevé m desde o
— 23

nascimento até a segunda denti çã o, na segunda as da adolescê ncia e das outras
idades at é á velhice, cujas moléstias formaráõ as de terceira ordem. Bem pro -
vavelmente seremos arguidos por esta divisã o resumida das differentes é pocas da
vida ; adoptamol -a poré m para nos poupar á longas c intermin á veis subdivisões
desnecessá rias, atlendendo a que nos limitamos neste trabalho a apresentar ideas
geraes c sumniarias relativas ao caso vertente.
Na primeira calhegoria , isto lie, nas moléstias da infancia comprehendcremos
-
a apoplexia e asphyxia do recem nascido, devidas á compressã o da cabeça c do
cord ã o umbellical , por imper í cia ou descuido das pessoas que assistem ao tra -
-
balho do parto ; o t é tano dos rcccm nascidos, e as pé ritonites, resultado quasi
sempre das a pp li ca ções intempestivas e impr ó prias sobre o cord ã o umbellical ;
as congest ões de fígado, collicas intestinaes, c inleriles nos primeiros dias da
vida extra -uterina , mol éstias estas de que succumbem n ã o poucas crian ç as en -
tre n ós, cm virtude da importâ ncia c susccptibilidade do apparelho gastro-hepa -
-
, to intestinal nestas idades, e que sã o o maior numero de vezes devidas ao uso
inveterado, cm que estã o as nossas patr í cias, de serem acompanhadas durante o
parto, c cuidadas nos dias subsequentes por mulheres iuteiramente inhabilita -
’ das, sendo n ã o raras vezes cilas ou seus filhos victimas da imper í cia dessas cha-
.
madas comadres Seguem-sc a estas as bronchites c pneumonias , devidas ordi -
nariamente ao resfriamento proveniente do pouco cuidado de livrar as crian ç as
da influencia das mudan ças s ú bitas de temperatura , tã o communs no Uio de Ja -
neiro. Vemapozellas as diarrheas, dysenlerias e gastro-interites acompanha -
das algumas vezes de convulsõ es sympaiicas , estas altera çõ es reconhecem
por causa já as varia çõ es constantes de temperatura , já huma amamen -
ta çã o viciosa, ou desvio nos preceitos, que devem presidir á alimenta çã o das
crian ç as. Coincidem com os phenomenos dc primeira dentiçã o as differentes
especics de convul ções, que quanto á n ós dep uulein geralmente , ou da supres -
sã o rapida da diarrhea , que acompanha quasi sempre a evolu çã o dentaria, ou do
abuso, que entre n ós se observa, de nutriras crian ças com alimentos solidos, mui -
to codimentados, e de difficil digestã o. Mais tarde apparccem erupções dc
natureza syphilitica, sobre tudo nos escravos, c os tubé rculos nicsenlericos,
reconhecendo quasi sempre como causa essencial o vicio syphilitieo ou escro -
pliuloso, c o uso de m á alimenta çã o. Finahnente sã o mui frequentes nesta
idade as febres intermittentes, a angioleucitc e a asthma , depedentes das influen -
cias m ó rbidas que nos cercã o c da natureza de nosso terreno.
Em resumo poder í amos dizer que nesta é poca da vida sã o mais frequentes no
Kio dc Janeiro as lesõ es de tubo digestivo c orgã os thoracicos, coincidindo ou
.
n ã o com pyrexias intermittentes
N ;»
— —2 /i

segunda calhegoria , nas en forni idades que acommettcm os indiv í duos de


dez á cincoenta an nos comprehendcremos : as febres intermittentes benignas ou
perniciosas, quegrassã o cm todas as esta ções e em qualquer localidade, c pare -
cem devidas a huma causa constante e continua , a humidade atlimospherica , e
os pan ta nos que inda entre n ós existem ; as pneumonias e pleurises, que quasi
sempre reconhecem por causa as suppressões de transpira çã o devidas as varia-
ções de temperatura e hnmidadedoar : concebe-se facilmente que , quando huma
reacçã o fraca succéd é á impressã o de huma atlimosphera fria ou sohcarregada
de humidade , a pleura ou o parencliima pulmonar liçã o engorgitados em huma
maior ou menor extensã o , de sorte a nessa parte do organismo determinarem as
alterações de que he quest ã o. Qualquer destas llegmasias se desenvolve as mais
-
das vezes com intensidade extraordiná ria , e apresenta se com syinptomas ater -
radores ; a marcha dos symplonias lie rapida, e a termina çã o em geral tem lugar
iminediatamente ou pela resolu çã o , ou pela morte : suas termina ções poucas
vezes funestas nos levã o a crer que a supura ção lie menos frequente entre n ós, que
em outros pa í zes. Sem determinar si os tubé rculos, preexistindo constanteinente
em tndos os casos de phtisica pulmonar , determinão mais facilmente a inllama -
çã o do parencliima pulmonar, ou si antes esta mesma inflama çã o da origem ã
formação dos tubé rculos , elites activa a fusã o, ainda que a phtisica pulmonar
seja mais frequentemente observada nos lugares, em que mais grassã o as pneu -
monias , diremos que ella se mostra com tanta frequ ê ncia entre n ós, que poder í a -
mos afian çar, sem temor de errar , que ella representa o principal papel no qua -
dro mortu á rio do l\ io de Janeiro, montando talvez a hum oitavo da mortalidade
total o numero de victimas que faz nnnualmente , e cujas causas mais essenciaes
sã o, alé m das condi ções climat é ricas j á enumeradas, o viciosyphilitico. que desde
a infancia se nos infiltra com a amamentaçã o mercen á ria , os excessos venereos,
a masturba çã o, o onauismo , e o abuso de bebidas alco ólicas. A aiigioleucile ,
que como as febres intermittentes , grassa em todas as esta ções e localidades, o
inuitas vezos a ollas se associa ; hem que hoje menos frequentes que em é pocas
mais remotas, n ã o deixa ainda de se appresentar de sorte que n ã o lique no nu -
mero das mol éstias endemicas, e mereça a atten çã o dos pr á ticos pela insidiosi -
dade com que acommette suas vicliinas. A opila çã o ( hypocrmia intertropical) ,
que posto que n ã o seja mui freguente no cora çã o da cidade, o lie em seus arre-
haldes, e sobre tudo para o interior da prov í ncia nos lugares percorridos por
rios alagadi ç os, eonde lia grande numero de mangues ou brejos mais ou menos
extensos , a ponto de ahi figurar como moléstia endemica ; ella lie muito mais
frequente na popula çã o escrava que na livre , ou que a alimenta çã o d é lies contri-
bua para a depaupera çã o do Unido nutritivo, ou que sua exposi çã o aos rigores
— — 55

da esta çã o , /is humidades do sereno da noite, ea respira çã o de hum ar insalubre


.
concorra para o seu apparecimento A hepatite aguda ou chronica , predomi -
nando quasi sempre a ultiiua.
Sã o lambem frequentes nesta é poca da vida os tub rculos .csentericos , se -
é ir

n ã o nos habitantes do centro da cidade, ao menos em seus arredores, particular -


men te nos escravos tendo quasi sempre por causa essencial o vicio bobatico de-
generado , cujo desenvolvimento lie favorecido pelo abuso dos farin á ceos, c pela
habita çã o em casas h ú midas, pouco asseiadas, sem arejamento e renova çã o de
ar , assim como pela repeti çã o de febres intermittentes mal tratadas, as gastro-
enterites as diarrlnas e dysenterias com ou sem phenomenos graves: estas ulti -
mas sã o t ã o frequentes quasi todo o anno, que se poderia at é certo ponto consi -
derar como moléstia end é mica , todavia essa frequ ê ncia maior em certas esta ções,
c seu limitado numero em outras as faz antes considerar como mais especiaes e
.
proprias de certas esta ções, que n ã o endemicas As febres gastricas c biliosas,
e bem assim as exanihemalicas, ainda que appareç io mais frequentemente em
certas e determinadas esta ções, costuin ã o geralinente reinar em uma ou outra
sob a fô rma epidemica , e raro lie que alguns casos se observem , e que n ã o sejá o
• o preludio de huma epidemia mais ou menos intensa .
Na terceira categoria , na velhice sã o frequentes as lesões orgâ nicas de
cora çã o , í n ó rmcntc as altera ções valvulares ; talvez porque a actividade maior
da circula çã o no Uio de Janeiro, conscguintemente o excesso de exerc í cio do
cora ção ein bum tempo dado , gaste com mais promptid ão seus elementos de
-
vitalidade, e apresse as altera ções de sua estriiciura , observã o se n ã o poucas
vezes cm indiv íduos de idade n ã o mui avan çada , de pouco mais de quarenta
.
annos Sã o igualmenlc frequentes as colloeeões serozas, quer ligadas á s les ões
precedentes, quer á altera ções organicas do ligado e aflccçõ es clironicas do
peritoneo e do tubo digestivo ; a diarrhea que humas vezes se liga a lesõ es
-
clironicas do tubo gastro intestinal , outras vezes depende de huma aberra çã o
das funcçOes do ligado sem lesã o notável de sua eStriictura , nnm dos outros
-
orgã os do ventre ; as alterações do utero nolà o sc lambem nesta é poca espe
.
cialinente o cancro do collo, e estado scirroso de todo o orgào A ossifica çã o
-
das art é rias e grangrena senil , moléstias proprias de idades mui avan çadas,
raramente se observâ o entre n ós, tanto que apenas huma unica vez encon
tramos em nossa pratica um caso de grangrena seuil e ossifica çã o vascular .
-
Das considera ções precedentes se collige que consideramos corno moléstias
endemicas : as febres intermittentes benignas ou perniciosas, originadas pelos
charcos e p â ntanos ( pie existem nesta cidade , e bem assim por tantos outros
focos do infec çã o por nlii espalhados , e devidos ao estado de abandono de poli -
— —20

cia medica , c á nenhuma allen çà o á s regras dc hygiene publica ; a elcphaniia .se


dos Arabes, que parece especialinente reconhecer por causa a humidade do
solo e das habita çõ es , e o predom í nio da composi çã o argilosa dos terrenos ;
a opila çã o que parece ser devida á reuni ã o das causas acima mencionadas, e
ao uso constante dos fariná ceos e leguminosos ; esta enfermidade se observa
com mais frequ ê ncia nos escravos e classes pobres , e sobretudo para o inle -
rior da Prov í ncia, os tubé rculos nicscntericos, que reconhecem tamb é m por
causas as mesmas antecedentemente mencionadas, e o vicio syphilitico dege-
nerado ; a leucorréa ( ll ò res brancas) , que ataca hum grande numero dc mulhe -
res, e se apresenta tantas vezes na pratica , que se pôde admiltir nesta cidade
como endemica , e determinada por causas constantes ; as hemorrhoidas, que
acommetlem os indiv í duos de ambos os sexos, principalmente aos homens , c
sobretudo aos da classe abastada , quasi todas as enfermidades que tem por séde
hum dos orgã os contidos em qualquer das tr ès grandes cavidades, sã o muitas
vezes devidas ã alfecçã o hemorrhoidal , ou que ella se manifeste por seus sympto-
mas ordiná rios, ou que exista de hum modo latente ; íinalmcnlcos tubé rculos 9

pulmonares, bem que estes sejã o devidos antes a causas geraes, e communs a
todas as cidades populosas, que n ã o a causas que nos sejã o especiaes, n ã o
devendo portanto , rigorosainente fallando , serem considerados como moléstia
endemica .
Muitas outras considera ções poderamos juntar a este nosso trabalho, por é m
os limites e a natureza de huma these n ã o nos permillindo entrar em detalhes
mais circumstanciados, aqui o terminamos , guardando- nos para mais tarde ,
quando o tempo e a observa çã o tiverem melhor amadurecido nossas ideas,
reunir novas ás considera çõ es já expendidas nesta disserta çã o. Felizes de n òs
se o breve esboç o que apresentamos, como resultado de nossas lucubra ções
c pratica medica , puder provar a nossos ju í zes, cujas li ções seguimos , que n ã o
só aproveitamos suas luzes, mais ainda que á cabeceira do enfermo, junto ao
leito de d õ r da humanidade so íTredora, em nossa miss ã o toda religiosa de
medico colligimos conhecimentos bastantes, estudando as condi ções medicas
de nossa cidade natal , para com elles contribuir ao allivio c felicidade de
nossos conterrâ neos .
VIRE.

.
TYP GUAN'ABAHEXSK .
nyppoCBATis APHORISMI ,

Morbi alii ad alia têmpora bcn è vcl mal è sc liabeiil et qmedam jet â tes ad anui
— .
têmpora, loca, et vict ús genera. Sect. Ill , apli .‘1.

iNaturarura quædain ad æstatcm , ali æ vcrò ad hyemcin bcn è vcl male se


— .
liabent. Sect. Ill , aph *2.

, Quilibct in quibusvis anni teinporibus morbi tiunt, nonnulli tarnen in qui -



busdaiu turn magis fiuut , turn exacerbai!lu r. Sect. Ill , aph. 10.

Aulumno in Universum morbi aculissiini et pcrniciosissimi limit : ver autem



saluberrimtim et minus exitiale. Sect. Ill , jipli. 0 .
Qu ù m æstas (il veri similis, sudorcs iu febribus multos e.xpectare oportet.
.
Sect . Ill , aph 0. —
Per anni tê mpora , quand ò cadcm die mod ò calor, modo frigtis lit , autom -
nales morbos expectoreconveuit.

Sect . III . aph. A .

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