SOBRE
A
DA
THESE
DE
c ffiwtetdcù P
c/e ( /tvct ya - /""/' •
Or. em Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro
s
MEMBRO
Correspondente da Sociedade de Sciencias Medicas de Lisboa
Honor á rio da Sociedade Emulaçã o Pbylosophica
EOectivo da Sociedade Pharmaceutics Brasileira , encarregado pela mesma da
organisa çâ o de hum codigo pharmaceutico nacional , c da redacçfio
do 2.0 anno de t u a Revista.
Medico nomeado para o Hospital do Senhor Bom Jesus do Calvario o Via Sacra -
CANDIDATO Á CADEIRA DE LENTE SUBSTITUTO DE SCIENCIAS MEDICAS DA ESCOLA
DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO .
.
Natura locorum mui
^t genera mortmruni
RIO DE JANEIRO
TYPOGRAPHY GUANABARENSE DE L. A . .
F DE MENEZES,
RUA DE S. JOSÉ N. 47.
IS51,
&M7UA93 S 3 KUXCZU 1 SID 303 YAlSXftf . »
DIRECTOR.
O SK . CONSELHEIRO DR . JOSÉ MARTINS DA CRUZ JOBIM .
LENTES PROPIETARIOS.
i
OS SENUORES DOUTORES :
l .° ANNO .
——
F. DE P. C AN Dl DO. Physica Medica .
F. F. ALLEMAO. Bota nica Medica , e princ í pios elementares dc Zoologia .
. .
—. —
2° ANNO
.1. V. TORRES HOMEM . Chimica Medica , e princ í pios elementares de Mineralogia.
J . M . NUNES GARCIA . Anatomia geral e descripliva .
3.° ANNO .
. ——
J . M. NUNES GARCIA
.
!. DE A. P. DA CUNHA
Anatomia geral e descripliva
Physiologia.
.
. ANNO.
V°
J . B. DA ROSA . —— .
Pathologia externa
.J J . DA SILVA . Pathologia interna.
J . J . DI: CARVALHO. — Pharmacia, Materia Medica , especial mente a Brasileira ,
Thcrapeutica c Arte de formular.
3.° ANNO.
C. R . MONTEIRO. — Operações, Anatomia topographies e Apparclhos.
meninos recem- nascidos.
'
—
L. DA CI NII V FEIJO . Partos Moléstias de mulheres pejadas c paridas, c de
,
6.° ANNO.
]M . F. P. DE CARVALHO.
——
T. G . nos SANTOS. Hygiene e Historia de Medicina.
J . M . DA C . JOBIM . Medicina Legal .
—
Clinica externa e Anatomia Pathologies respectiva.
!M . DE V. PLMENTELf /- Clinica interna e Anal. Pathol , respectiva .
LENTES SUBSTITUTOS .
. .
A M I » E MIRANDA E CASTRO. Sec ção das Sciencias accessorias.
J
. .
F G DA ROCHA FREIRE S .
I
A . F. MARTINS, t
Secção Medica .
F. F. DE ABREO i . .
V . B DE ABREO Secção Cir ú rgica
. .'
SECRETARIO.
DR . LUIZ CARLOS DA FONSECA .
CANDIDATOS.
Os DOUTORES : MANOEL MARIA MORAES VALLE .
FRANCISCO DE MENEZES DI AS DA CRUZ.
JOSE MARI A DE NORONHA FEITAL.
FRANCISCO LOPES DE OLIVEIRA ARAUJO.
. . -
.V li A Faculdade n ã o approva , nem reprova as opini ões emltlldas nas Theses que lhe sã o apre
sentadas, as quaes devem ser consideradas como proprias de seus autores .
A mm w&x*
A Ml Mi A MULHER
A MEUS FILHOS
FRANCISCO E FRANCISCA .
A MEU CUNHADO
o III. ®0
SNR.
ï THOMAZ DE CASTRO ROZO
Expressã o de sympalhia .
AO MEU AMIGO
MR . .
MARCEI IAO PEREIRA DA KILVA HIAOF I . ..
AOS III. mos SNRS. I) RS.
K
Jo ão de Siqueira Queiroz
José Pereira Rego
Coronel Antonio José Ramos
.
DR . O ARAIJO.
CONSIDERAÇÕES GERAES
SÖ HRE
ï.
É BC V cie trezentos e vinte annos ha que viajor illustre
.
c corajoso Martini AfTonso de Souza , avido de aequi -
si çã o de um estabelecimento futuro, e de gloria a man -
dado de líl-Kei I ). Joã o HI de Portugal veio reconhecer
as terras do Sul do Brasil , at é o Bio da Prata , para
em lugar apropriado fundar uma colonia. Chegado á
vista de terras do novo mundo as foi costeando de
Norte para Sul ; penetrou a enseiada do Bio de Janeiro
c fundeou por detraz do Pão de Assucar , no lugar hoje dito Praia Vermelha ,
.
onde se demorou por algum tempo Beceioso poré m dos Ind í genas , Ttmwt/ os ,
que occupavà o toda a costa desta enseiada , teve de levantar ferros, e sc foi ca -
minho do Sul estabelecer a povoa çã o portugueza na ilha de S. Vicente Bm 1534 .
dividido o território do Brasil em Capitanias, coube em partilha ao mesmo
Martim AlTonso a que elle appellidou do Bio de Janeiro , que compreliendia com
todo o interior o litoral desde o Cabo de S‘. Thom é até a já estabelecida po -
.
voa çã o de S Vicente, sendo este o unico lugar habitado por Portuguezes, em
.
t ã o extenso territ ó rio, como o desta Capitania No entanto algumas na ções eu -
ropeas atlrahidas pelas riquezas e preciosidades encontradas no novo mundo ,
cubi çosas de adquiril-as, e considerando a import ncia futura que lhes promet -
â
tia esse continente ha pouco descoberto , conquistado c possu í do por huma mo-
narchia ent ã o já pouco forte, armarã o expedi ções aventureiras que, estabelecen -
do rela ções com os Ind genas , formarã o no paiz mesmo hum forte apoio para
í
— — - ..
( ' ) Sempre que empregarmos a palavra Cidade entenda se que fdllamos do espa ç o
prebende as Freguezlas que form ã o a segunda delegacia de policia
2
delia que tom -
— 6
—
Os FrancezéS tomar ã o a dianteira, c conduzidos por hum verdadeiro aventu -
-
reiro, o V íce Ahniranle Nicoínu Durand de Villegaignon com determina çã o de
estabelecer á imita çã o de Portugal e Hespanlia huma colonia para a cor ò a de
Fran ça, atravessarão o Atlâ ntico e vierã o em demanda da bahia do Rio dc Janei -
-
ro , Mctheroy chamada pelos Ind í genas , e ligando se com elles fundarão alguns
estabelecimentos na costa , e na ilha de Urueumerim hum forte que ainda hoje
.
conserva o nome de seu Chefe ( * ) Assim estabelecidos os Francezes, admira
como a Corte Portugueza cousenlio que se elles ahi tranquillos conservassem , j á
-
extorquindo lhe riquezas que de direito lhe pertenci ã o , já fazendo se mais po - -
derosos no paizeom o engrandecimento de seus estabelecimentos, e mais ainda
com a continua e boa allian ç a que entretinhã o com os selvagens , e que só mais
de cinco annos depois entendesse o preju í zo que elles lhe causav ã o, e que con -
-
vinha d’alii expelil os inteiramente, e fundar nesse mesmo lugar huma colonia de
.
seu dominio Em consequ ê ncia partio Estacio de Sá , de Portugal para a Bahia
-
com dous galeões a reunir se com seu tio, o Governador Mendo de Sá , que jun -
tando algnns Mamelucos e Tnpinambásixs forçasportuquezas, veio bater os Fran -
cc7.cs , o que conseguio no dia vinte de Janeiro de 15G 7, expulsando essa borda
de aventureiros quasi toda para suas plagas , e obrigando os de mais com seus
.
alliados, os Tumoyos, a se refugiarem para o interior dos sert ões De então data a
.
funda çã o da cidade do Rio de Janeiro , chamada de S Sebastiã o em lembran ça do
iriumpho das armas portugue /.as no dia que comm é mora este martyr.
Iminediatamenlc depois da victoria , o Governador Geral obdeccndo á suas
inslrucçôcs, tra çou sobre a margem occidental da bahia o plano da nova cidade ,
que quasi dous séculos depois ( i 7( > 3 ) foi erigida em mé tropole da America Por -
tugueza , que mais tarde foi a séde dessa monarchia , quando o Principe R égente
o Senhor D. Joã o VI , depois liei de Portugual , para aqui veio ( 180S) com toda
a Famiiia Real, em consequê ncia da guerra com o Imperador dos Francezes, e
que actualmente figura , gra ças ao Sr. I ). Pedro I e ao patriotismo nacional ,
como a capital do Imp é rio Americano , e uma das primeiras no quadro das ci -
dades commerciaes de hum e outro liemisplierio , sendo a primeira da America
do Sul pela sua extens ã o , riqueza , popula çã o e por muitos estabelecimentos
seientifícos, lilterarios e art í sticos que em si contem , e que de dia cm dia se
mui tip li cã o .
De principio foi a nova cidade quasi que exclusivamente edificada sobre o
morro do Gastello , nã o s6 porque os Portuguezes, que se arreceia v ã o de alguma
excursã o c attaque imprevisto dos naturacs do paiz, se dolles resguardar ão pela
vr de r
,
' ï'iiro uo' mesmo*1'’ Ul"a ^ ma S 1,01,1 siluj<las c "iHliur constru í das do uosso rorio e
emin ê ncia dessa montanha , t ã o apta para sua conserva çã o c defesa , mais ainda
-
porque achando se a plan í cie toda coberta de frondosas selvas, c de immensos e
disseminados pantanos, preciso era que a civilisa çã o com seus artefactos elimi -
nasse estes, e destru ísse aquellas para fazel-a habitavel . Pouco e pouco o en -
grandecimento da popula çã o europea , «fue para aqui emigrava e que couisigo
importava o llagello das bexigas, que nos Ind í genas causava horr í vel c extraor -
din á rio estrago , os fez ir maise mais internando, de sorte que passados liem pou -
cos annos se vir ã o os Portuguezes ú nicos e tranquillos possuidores de toda a cos -
ta , e assim livres de novas invasões externas, por isso que a retirada dos selvagens
para os sert ões cohibia que na ções extranhas viessem de f ô ra com elles travar
rela çõ es. A seguran ça individual assim adquirida , as riquezas que continha o
paiz, e mais que tudo o dedo de Deos que parecia proteger e favorecer os desti -
nos da terra de Santa Cruz rapidamente augmentar ã o, e animar ã o a emigra çã o
para esta nascente cidade : breve cresceu sua popula çã o , e a civilisa çã o , apezar
, de todos os seus vicios, começou de aformoseal a. Mission á rios Jcsuilas a quem
-
o Brasil deve t ã o grandes e iunumeraveis serviços vier ã o com fé robusta e com
seus exemplos fortificar e ensinar a religi ã o de Jesus Christo, e a tosca pedra
-
’ encontrada á margem do rio poliu-se á acçà o civilisadora , e tornou sc um rico e
lusente brilhante ; e da planicc coberta de pantanos, habitada por ferozes selva
gens surgio uma bella cidade, a capital do Impé rio Brasileiro , que contem em si
-
-
mesmo porporções bastantes para , dilatando se por campos e montes como a
antiga Roma , competir em grandeza e magestade com as primeiras cidades dos
Impé rios mais florescentes do globo.
.
Na America meridional quasi a ‘23.° de latitude , e hb ° de longitude occidental
do meridianno de Paris, est ã situada a cidade do Rio de Janeiro . Assentada em
-
uma immensa plan í cie de fô rma mais ou menos simi circular é dia de um lado ,
ao oriente , banhada pelo oceano Atlâ ntico , que penetrando por entre os penedos
do Pico e Pã o de Assucar, onde lava com suas aguas as muralhas das Fortale -
zas de Santa Cruz e S. Jo ã o, fornece a vasta bahia de Nictheroy , que bordando a -
em uma linha curva muito irregular oflerece seguro porto de ancorngcm capaz
.
de em si conter todas as armadas das pot ê ncias mar í timas Do outro lado , ao
occidentc , est ã cercada por uma continua successã ode montanhas, parle da Ser -
ra dos Órgã os, que dirigida de S. para N. cabe todavia um pouco para N. E.
.
Lan çada nesta extensa superficie corre a cidade nos rumos de O. S. O para E.
.
N E. e de N. N. O. para S. S. E.
Assim pois a cidade oflerece um aspecto já plano, já montanhoso. Na plan í cie
mesmo poré m encontr ã o-se algumas eminê ncias ou pequenas montanhas que
ainda que disseminadas parecem todavia guardar alguma regularidade Se per - .
— — s
corrermos a costa encontraremos o pitoresco e poético outeiro em que est á si
tuada a Igreja da Gloria ; o morro do Gastello , onde começ ou a funda çã o desta
-
cidade , eonde se v ê o edifício que servio de convento aos frades da Companhia
de Jesus, e em que aetualmente est á alojado o Hospital Militar, e onde també m
se acha hoje um outro convento, o dos mission á rios Capuchinhos ; depois vere -
mos o morro de S. Bento occupado pelos frades da mesma ordem , o morro da
Concei çã o , séde episcopal do Bispado do Rio de Janeiro , e finalmente o do
.
Livramento A partir do morro do Castello, tirando uma linha para o infe-
rior da cidade , veremos ainda o morro de Santo Antonio, occupado pelos mon -
ges Franciscanos, e mais para o centro o morro de Catumby Entre as monta - .
nhas que concorrem para o complemento da Serra , notaremos principalmente o
Páo d’ Assiicar, á entrada da barra como já mencionamos, formado quasi todo
de granito , c entretendo bem pouca vegeta çã o ; o Corcovado , a Tijuca , e o Pico da
Boa Vista , not á veis principalmente por sua emin ê ncia, c que reunidos a outros
de menor altura , form ã o a cordilheira que nos abriga dos ventos de terra , e que «
vistos do alto mar figur ã o o gigante que dorme ( * ). Elevados a mais de mil e seis-
centos pés sobre o nivcl do mar. d ã o origem a nascentes de cristalinas agnas que
abra çando-os e percorrendo-os em mil diversos sentidos, depois de ter embalsa ,
.
mado essa atmospbera vivificadora que se respira cm nossas montanhas, vem
.
finaluientc reunindo -se á s do Maracann ã abastecer a cidade Pouco habitadas, he
certo , mas cobertas de huma constante verdura , a íTormoseã o essas montanhas o
nosso panorama , e entreté m em redor de nós huma primavera eterna , que lau -
-
ta admira ção excita ao recem chcgado. Muito « le nossa vontade deixamos de
mencionar mais algumas proinineneias montanhosas, que se apresentã o na ci -
dade. já por que mais distantes de seu centro sã o eilas pouco frequentadas, já
porque sua rela çã o com as outras nada auginentaria á s considera ções, que á res -
peito leremos de expor .
As ruas da cidade em geral estreitas e pouco inclinadas para o esgoto das
aguas acompanliã o a direcçã o da cosla ou d’alii partem , e v ã o terra dentro atra -
.
vessando a cidade velha ganhar a nova Entre as prineipaes ruas que seguindo a
direc çã o da cosla , e mais ou menos parallelas entre si cort ã o as que d’ali partem ,
notaremos a Direita , Quitanda , e Ourives , todas de muito commercio e .
formadas , como quasi todas as desta cidade , de casas aglomeradas umas sobre
outras , e guarnecidas de pequenas aberturas que as fazem consequentemente
.
pouco arejadas. As outras ruas , isto lie as que partem da costa , sã o mais regu -
.
lares que as primeiras em sua direcçã o entre eilas notaremos principalmentc
. .
{•) Ko alto mar ao correr < l i c«> ta figura esta cordilheira um gigante deitado t ão perfeito que alguns
viajante* France/es acháo nos tra ços da parte que simula o rosto o perfil do infeliz rei Luiz .
9
—
as da Assembléa , Sabã o , c S. Pedro, que percorrem ioda a cidade velha , ganh ã o
o Campo de Santa Anna , atravessã o-o , v ã o-se continuai na Cidade Nova e se -
guem caminho da Serra : a primeira continua sempre em direccão mais ou menos
recta e conduz ao Engenho Velho, Andarahy , e Serra da Tijuca , lugares já bas-
tante povoados , mas constantemente floridos e cobertos de verdura ; onde de -
-
pois do laborar de huma vida activa vae se nas calmosas noites do estio fruir
.
huma atmosphera fresca e embalsamada pelos aromas vegetaes Si ã esquerda
desse trilho geral tomarmos dons atalhos que se nos oflerecem iremos pela rua
dos Coqueiros passado o Cemitcrio de S. Francisco de Paula encontrar hum
formoso vallc que se vae estreitando at é subir o cume das montanhas , de onde
-
descendo para o lado opposlo, commeça a alargar se de novo e fó rma o deli-
cioso vallc das Larangeiras , que se estende at é á praia do Flamengo ; si mais
adiante tomarmos o segundo caminho passaremos ao Rio Comprido , sitio sau -
d á vel e apraz í vel que deve seu nome a hum regato , que vindo das montanhas
o percorre em toda a sua extensã o .
As ruas do Sabã o , e S. Pedro, que como já mencionamos, partem da costa ,
atravessá o paralellamente toda a cidade em sentido longitudinal , e chegã o ao
* mangue da Cidade Nova , ahi se termina a primeira por ainda n ã o se achar ater-
rado esse mangue, foco de imund í cias, e de miasmas, que torn ã o insalubre esse
lugar ; a outra continua , e vae ganhar S. Christov á o. Em caminho dessa estrada
encontraremos hum edifício , que terminado deve servir de malodouro, e para o
corte da carne verde para consumo da popula çã o, id éa infeliz, que tornará esse
sitio ainda mais insalubre , quando esse lugar poderá mais appropriada e civil-
-
mente utilisar se em hum quartel de cavallaria , para o que tem as necess á rias
.
proporçõ es , c est á situado convenientemente Mais adiante encontraremos a
quinta e Palacio da Boa Vista , habita çã o ordinarin da Familia Imperial . Conti -
nuando, a estrada se bifurca ; á direita conduz por huma via muito frequentada
ao interior do Brasil, e á esquerda vae ter ao Engenho Novo . cortado por im
-
menses aguas, alTormoseado por sua vegetaçã o constante, sitio ermo e solit á rio ,
que deslembra o labor da vida , concentra nos em n ós mesmos, c faz amar a
solid ã o com todos os seus encantos ao ente que nella se apraz.
Si collocado no largo do Pa ço percorrermos a costa , encontraremos á esquer -
da a Praia dos Mineiros, que banha o cacsdo mesmo nome, a Prainha cm frente
de huma pra ça , onde est á hoje collocadu a Academia dc Marinha, a Pra ça e caes
da Imperatriz, assim chamado por ahi ter cila desembarcado, quando chegada
á
nossas plagas ; as Praias da Saude e Gamboa , o Caes do Gamb á no Sacco do Al
feres , a Praia dos Lasaros, banhando huma pequena montanha , em cujo cume
-
se vc o hospital, em que se recolhem e trat ã o os aflectados de Elephantiases dos
— 10
—
Gregos, depois conti mia se a praia do Cajú , onde se aclia o cemité rio geral , e
-
mais adiante a quinta Imperial com sua casa de hanhos, e vingando essa ponta ,
.
cliega -sc á praia de Inhauina , onde desagua o Maracann ã I)o outro lado á direi-
ta do observador (*) , ternos a praia de Santa Luzia , Gloria e Flamengo , onde o
mar embravecido as mais das vezes, vem quebrar suas aguas contra huma areia
clara , limpa e brilhante ; á estas succedem as praias do Botafogo c Vermelha , con -
trastando com sua placidez o embraveciinento das outras. E ’ nesta ultima que se
vô hum espa çoso e bello edilicio destinado para o hosp í cio de alienados , c hum
pouco mais longe o segundo cemiterio geral, dito do Hosp í cio de Pedro II.
O plano sobre que repousa a cidade está muito pouco elevado sobre o nivol do
mar. Edificada sem methodo , mais assistio a seu estabelecimento a economia ,
.
que os interesses de salubridade publica Examinemos sua altura sobre o uive
do mar a quinhentas bra ças da costa pouco mais ou menos ; tomemos a porta da
Gamara Municipal (soleira ) , e veremos que está ella collocada á 23, 395 palmos
-
acima da Baixa - mar , 16,565 da Prea mar , c 11 , 565 da parte superior do caes
do Arsenal de Marinha ; do ladoopposto do Campo, no seu crusamento com a
-
rua do Sabã o achamos 18,167 palmos sobre a Baixa mar. Até aqui a cidade
quasi nem huma eleva çã o apresenta , d a h i se collige a impossibilidade do esgoto
das aguas, a humidade do terreno e inutilidade para remediar esses inconvenien -
tes, dos diversos systeinas de cal çamento , que tem sido empregados, einquanlo
leis fortes de Policia Sanitaria , e utilidade geral n ã o lizerem elevar seu plano
consideravelmente. Do Ilocio pequeno por diante a cidade sobe rapidamente
at é a falda das montanhas , que se elevã o quasi perpendicularmenle, domin ã o e
abrigâ o todo seu fundo.
» O terreno sobre que est á edilicada a cidade é sem duvida devido á alluviões mo-
dernas ; porque entre os raros fosseis que se tem achado, só se encontrã o con-
chas marinhas similhantes á s que vivem actualmente no mar , que banha nossas
praias. Estas alluvi ões compõe se , em geral , de areias, e argilas: as primeiras
-
abund â o na plan í cie, as outras form ã o as collinas pouco altas, que se encontr ão
disseminadas pela superficie do terreno , e de que já fizemos men çã o. Estas col -
linas sã o compostas inleiramente de argillas de varias côres, contendo abundan
cia de oxidos e hydratos de ferro. He de suppor que sã o ellas muito mais antigas
-
que o plano acima do qual apparecem , e sua forma çã o pó de ser devida , ou a se
dimentos depositados eui é pocas já mui afTastadas, ou á decomposi çã o de rochas
-
schistosas primitivas.
As montanhas que domin ã o c cercã o a cidade , muito mais altas c extensas ,
s ã o compostas de granito massi ço, e de granito schistoso. Estas
moutanhas
.
f ) Lembrc-sc o leitor que collocamos o observador no Largo do Pa ço, voltado para o mar
— 11
—
gran í ticas sã o geralmente micaccas, e contem pouco fcldspatho , salvo unia on
outra montanha, onde elle predomina muito , como se v ô na Gloria e no Gattete.
Ahi a rocha gran í tica lie hum pcginutito decomposto em todas as faces expostas
-
directaroente á acçâ o das aguas, ou da athmosphera , á ponto de ter se converti -
-
do em kaoUni , que poderá aproveitar se para fabrico de porcelana .
Gonsideremos geognosticainente o nosso terreno dividido em alturas ou mon -
tanhas, e superfície, e estudemos estas duas divisões .
-
As alturas ou montanhas comp õe se de rochas gran í ticas c de argilas A su - .
perlicie e o que está situado abaixo della , a partir do ponto mais baixo, compõe -
se : 1.° de uma massa continua de rochas gran í ticas, similhante á s das alturas,
que serve de base a todo o terreno, e se acha collocada muito abaixo do nivcl do
mar ; 2. ° de camadas de areia misturadas com fragmentos de diversas rochas ;
.
3.° de camadas mais ou menos expessas de argila ; h ° de atterros artiliciaes. As
areias e argilas sâ o detritos das montanhas visinhas, devidos a acçâ o erosia vio -
, lenta em é pocas remotas, lenta por é m continua na actualidade. As areias predo -
inin â o quasi exclusivamenle na costa ; as argilas abund â o mais desde que o terre -
no comera a elevar-se .
-
Goinpondo sc a maior parle de nossas montanhas de rochas gran í ticas , geo -
logicamente poder í amos provar que a base é da mesma mat é ria ; porque o gra -
.
nito repousa sempre sobre granito sem solu çã o de continuidade Mas como esta
verdade nos pó de ser contestada , observemos a constru çã o de nossos poços : a
-
huma maior ou menor porfundidade encontra se sempre rochas gran í ticas, ainda
que nem sempre este granito seja compacto. Algumas vezes encontra se gneiss -
muito alterado pelas infiltra ções, altera çã o comniiim nas rochas schistosas .
Situados perlo do equador , sob a influencia iinmediata do tropico de Gapri
cornio, pó de-se dizer que n ã o temos esta ções bem pronunciadas. O estio que
-
começa em meio de Dezembro , confunde-sc com o outono que principia pela
mesma é poca de Março ; o inverno c primavera , que começã o irez e seis mezes
depois, quasi que lambem se confundem . A abundancia das chuvas, a proximi -
dade do mar , a vegeta çã o de nossas montanhas, os ventos que sopr ã o com regu -
laridade torn ã o temperado o clima de nossa cidade , apezar de sua posi çã o geo
graphica, por isso deixemos de parle as divisões meteorol ó gicas das esta ções do
-
anno, e estudemos os phenomeiios naturaes, a chuva , e os ventos, que mitigã o a
calma , que nos devia abrasar , d ã o á nossa cidade um clima temperado , c nelle
entretem uma primavera continua .
Gom huma regularidade quasi constante os ventos soprã o no Rio de Janeiro.
.
Da meia noite ao meio dia o vento NE ( terral) sopra do lado da Serra , e desta
.
hora at é a meia noite sopra SE. ( viração) N ã o se v á pensando, que queiramos
—— 12
marcar Imina regularidade precisa na dura ção dos ventos , bem ao contrario nos
mezes de Dezembro , Janeiro, Fevereiro e Mar ço, a vira çã o cabe mais tarde,
e termina mais cedo, durando algumas vezes apenas très ou quatro boras, no
entanto que em Junho , Julho e Agosto vem muito antes de meio dia , e pro -
longa -se para muito al é m de meia noite. Esta regularidade de ventos póde at é
certo ponto ser explicada pelo movimento do nosso planeta , e pelo calor do sol ,
sendo de notar, que os ventos que sopr à o do mar e que percorrem sua vasta
extensã o, sã o ein geral mais frescos, e menos impregnados de humidade , ao
-
tempo que os ventos , que sopr ã o de terra sã o sempre mais quentes, e mais h ú
-
midos. Todos os mais ventos s ã o pouco constantes, e demor á o se pouco ; de
sorte que devem ser considerados como ventos de transi çã o. O vento NO. que
sopra com alguma frequê ncia em Agosto e Setembro, lie sempre acompanhado
de excessivo calor , e percursor de grandes tempestades.
As chuvas que acompanh ã o ordinariamente a esta çã o calmosa, s ã o precedidas
quasi sempre por trovoadas, começã o em Novembro, v ã o augmentando •
de dura çã o e quantidade at é Fevereiro, e dahi diminuem da mesma maneira ,
-
e podem estender se em geral até Maio, este e os mezes seguintes até Setembro
sã o commummentc privados de chuvas, ou ao menos sã o ellas pouco duradou -
ras ; em Setembro e Outubro começão os ventos do equinocio. lie facto cons -
tante que, quando na esta çã o calmosa faltã o as chuvas, sobrevem ellas nos mezes
de Abril , Maio, Junho c Julho.
O thermometro apresenta uma variedade de n ã o pequena extensão : cm
.
Fevereiro sobe até 8h° Far , para em Junho e Julho descer a 60°, existindo
portanto regra geral uma dii ïereu ça de 18° entre a maior e menor temperatura
almospherica , que tomamos por termo medio. Altendendo por é m a que esta
temperatura augmenta , ou diminue gradativamente , e que quasi sempre sua
eleva çã o coincide com maior humidade da athmosphcra , claro fica que essa
dii -
ïeren ça torna se quasi nulla , ou pouco sens í vel.
-
Pelo que expendido fica , se vê que o Rio de Janeiro , ainda que sob a influen
cia dirccta , e iinmediata do tropico , e por consequ ê ncia collocado na zona
tropical , podia , mas n ã o deve ser considerado na catliegoria dos Paizes quentes.
Banhado pelo mar , d’onde quotidianamenle soprã o ventos regulares, que refri
gerados pelo oceano vem mitigar o calor do clima , garantido por elevadas
-
montanhas, cobertas de verduras, entretendo huma vegeta çã o eterna , que em -
balsama o ar , corrige suas vicia ções , diminue a intensidade da luz solar , e
minora o grã o de temperatura , que cila devera produzir , abastecido de fontes
nativas, cortado de immensidadc de pequenos rios , que abra çã o e percorrem
suas elevadas montanhas, c d éliassé lan ção para os diversos pontos do litoral ,
refrescado prias brisas que descem da
tura auibieiilc é
— 13
—
parle dessas iiioiilanlias, sua tempera
suave, c u ào sull'uca como ados paramos da Arabia .
-
Concorrendo ( odas estas circumstancias, a Cidade seria sem duvida huma
das mais saiidavers ; entre n ós poré m a salubridade publica vai entregue á mcrc é
do acaso ; ã venda de gé neros corruptos e deteriorados, á falsifica çã o das bebi -
das espirituosas , á falta de asseio no interior das habita ções, ao lixo e immun -
dicia , que se encontra pelas ruas e pra ças publicas, aos despejos feitos em
todas as nossas praias, ao pouco ou nenhum esgoto das valias , que passão ainda
por muitas ruas desta Cidade , accresce ainda a falta de vegeta çã o em seu interior ,
e a humidade devida á natureza da base sobre que cila repousa , e á sua pouca
-
eleva çã o. Km verdade elevando sc nosso terreno apenas alguns palmos sobre
o uivei do mar , essa pouca eleva çã o seria bastante para tornal -o h ú mido ,
mesmo nã o dando considera çã o ã s depressões que cm hum ou outro ponto d ã o
origem a panlanos permanentes ; mas este mal sc augmenta , ou antes elle se
* origina principalmente da natureza da rocha , que forma a base sobre que elle
assenta. As areias e argilas prest ã o se facilmente ã s in filtra ções ; poré m o
-
, granito sendo impenetr á vel a essas infiltrações, todas as aguas das chuvas mui
copiosas entre n ós , como em todos os paizes tropicacs, n ã o achando sabida nein
inferior, nem latcralmente para o mar , accumul ã o-se nas camadas superiores,
ecliegã o quasi até ã superfície ; formnri â o mesmo bum lago sc o calor do clima
n ã o as lizossc evaporar em grande parte .
-
Conviria pois para restituir lhe a salubridade alienada por lodos esses agentes
corruptores da sa ú de publica :
l’ó r em execu çã o as medidas já apresentadas contra os falsilicadores de
bebidas espirituosas, e vendedores de gener ös deteriorados .
Aterrar iminediatamentc os panlanos existentes, e condemnar as valias que
ainda existem.
Cuidar da limpeza das praias , ruas , e pra ças publicas , obrigar por meio
de medidas en é rgicas aos particulares a manter o asseio no interior de suas
habita ções.
Cuidar cm estabelecera maneira de fazer a transferencia das mat é rias excre
-
menciaes, c lixo para fó ra da Cidade .
^ lar cuidadosamente a inhuma çã o dos cadaveres , obrigar a que todas as
covas indistinctainentc tcnli ã o pelo menos 5 pés de profundidade, e que cada ca
daver seja enterrado em separado , sobretudo n ã o indo em caixã o fechado c
-
forrado dc chumbo .
3
— —l /i
Homens. Mulheres.
Livres e libertos nacionaes. .. 53:280 56:205
Escravos nascidos no paiz. . .. 22:A 02 22:140
75:7 AS 7S:3 A 5
15A:0t)3
Excesso em favor das mulheres. . 2:597
Livres e libertos estrangeiros. . . 3A:088 12:285
Escravos estrangeiros A 3:129 22:871
77:217 35: 166
112:373
Excesso a favor dos homens. A 2:061
Sommados quanto a sexo . sem at-
tendee á nacionalidade ou con
di çã o
-
152:965 113:501
.
Excesso a favor dos homens . . . 39:464
Somma total da popula ção. . . . 266:A 66
— is
—
Considerando Iodas essas cifras veremos que o numero de homens excede
mui lo ao numero dc mulheres, o que lie contrario a todas estat ísticas dos paizes
estrangeiros, c que entre n ós lie devido á maior emigra çã o de homens na popu .
Ja ção estrangeira , tanto assim que na popula çã o nascida no paiz, o numero de
mulheres excede ao dos homens .
Yò se també m dessas mesmas cifras, que a popula çã o livre excede ã escrava *
-
Abstracçã o feita de 28.817 indiv í duos livres, e 31.704 escravos, que sommados
d ã o o numero total dos que est ã o comprehendidos na primeira delegacia de
Policia , teremos 205.905 , que comp õe a popula çã o da Cidade propriamente dita.
Demos preferencia entre os differentes trabalhos do mesmo geuero, ao do
IH in. Sr. Dr. Hadock Lobo, n ã o só por ser elle o mais moderno , por é m ainda
por o suppormos o mais cxacto, altenlos o zelo c esfor ç os , que esse mesmo
Sr. empregou em formulal-os.
Comparando o numero total dos mortos em todo o munic í pio neutro, que
sobe a 8.713, resultado que obtivemos , colhendo as differentes estat ísticas
mortu á rias dos cemit é rios geraes c particulares, que aqui transcrevemos :
Muppa dos cadaveres sepultados nos di ß erenles cemit é rios desta Cidade, cm 1851 .
-
Vê se que a mortalidade geral he de 3 por cento sobre a popula çã o , ou que
morre hum iodivido sobre 33 ou 3 A , mortalidade que comparada com a que
se observa nas estat ísticas da Italia , Austria, Hollanda e Hespanha, paizes tem
-
perados c geralmcntc reputados salubres , iguala á das duas ultimas, e diffé ré
.
para meuos da das primeiras Por ahi se collige lambem , que a mortalidade,
guardadas as convenientes proporções, lie muito maior nos homens que nas
mulheres, e bem assim maior na popula çã o livre, que na escrava. Altribuimos
no primeiro caso a maior mortalidade dos homens, a que sã o elles que
sent ã o o maior numero na cifra dos emigrantes, c que ainda n ã o
repre -
aclima -
[ados , loin sido
— 19
—
vidimus da epidemia que tem ultimanietile reinado entre nos,
e mais ainda por serem elles os que mais se expõe á s influencias m ó rbidas inh é -
.
rentes ao nosso terreno No segundo , a maior mortalidade na popula çã o livre
lie devida a que tendo cessado a importa çã o de Africanos, achando se portanto -
todos os que existem na Cidade já familiarizados com o clima , c sendo dotados
de constitui çã o muito mais forte, que a dos indiv í duos da classe livre , est ã o
por isso menos sujeitos que elles aos estragos produzidos por todos os agentes
inorbidos que nos rodei ã o.
Si bem reflectirmos e compararmos a mortalidade do anno ultimo , no muni -
c í pio neutro , com a dos annos antecedentes, que se observa nos relat ó rios
do minist é rio do Impé rio , veremos que cila se augiueulou de quasi 50 por
cento , mas nein ainda assim nos collocou esse excesso na categoria dos ter -
renos insalubres ; si compararmos ainda essa mesma mortalidade excessiva
com o numero de nascimentos no munic í pio , c entrada de estrangeiros, con -
» cluiremos, que a somma de liuus e outros excede muito á cifra mortuaria ,
e que portanto a Capital continua , apezar do augmento da mortalidade , a tor-
nar-se mais populosa .
O estudo da mortalidade sobre os casos inorbidos, feito sobre o quadro
.
estat í stico de differentes hospitaes desta Cò rtc que aqui apresentamos, lambem
nos conduz a conclusões n ão menos satisfactorias.
.1/ uppa dos doentes tratados em differentes hospitaes desta Cidade , em 1851.
3
t&
.
d d & J
ord
HOSPITAES. d
3
'2 , 2
3
U 2 Mortalidade .
2 Scs :
1 -
‘
3
« Io *
Hospital Geral
Ilospfdo de Pedro I!
ar> 4 5:051 1:305 1 :508 5OS 6:105 21.91. por °lo.
70 136 110
. .. ..
8 88 200 3.88 » »
Nossa Senhora do Livramento 907 675 1 «9 13 907 20, 83 » »
ordem Terceira do Carmo
. . 35 238 207 22 11 273 10,06 » »
S Francisco de Paula
Penitencia
Permanentes
32
26
21
251
295
995
211
28
980
. 22
19
15
20
16
21
286
321
1.016
7 , 69
5 ,91
1 , 13
»
»
»
o
»
»
Total . . . 038 8:776 6:807 1 :873 731 9:111
Nao fizemos mensão das estat í sticas, nem dos hospitaes de guerra , nem
do de marinha ; por isso que a esses hospitaes concorrem indiv í duos já com
pequenas altera ções de sa ú de, já mesmo com moléstias simuladas , para se
isentarem do servi ço, acrescendo mais, que sendo as estat í sticas conhecidas,
— — 20
fundadas anles sobre cifras , que sobre o movimento de pra ç as , sua aprecia çã o
nos conduziria a resultados menos verdadeiros.
.
Examinando por este quadro a mortalidade dos differentes hospitaes nota se -
a diffcrcu ça extraordin á ria que entre elles existe : considerando poré m , que para
o hospital geral afflue a classe mais miser á vel d ’esta cidade, que os senhores , a
elle fazem recolher seus escravos já em casos desesperados , para se pou -
parem ao desgosto de vel - os morrer , e aos cncommodos do enterramento, tanto
que grande numero de mortes segue immediatameule, ou poucos dias depois a
entrada dos enfermos ; eque para o de N.“ S.* do Livramento se recolhi ã o quasi
.
todos os indiv í duos affetadosde febre a narella , que buscarã o os hospí cios de cari-
-
dade , que erà o em grande parte estrangeiros recem cliegados, e que bem
assim para ali forã o mandados lodos os Africanos enfermos, ultimamente apprc -
hendidos , explicada lica essa differeuca extraordin á ria , e n ã o deve admirar seu
excesso de mortalidade.
Os hospitaes das diversas confrarias apresent ã o huma mortalidade regular.
Torna -se notá vel pela diminuta mortalidade, que nem chega á hum e meio por
cento, o hospital do Corpo Municipal Permanente , formado de mo ços na ll ò r
e vigor da idade , em geral quasi todos filhos do paiz, aquartellados comiuoda -
mente , c cxcellentemente alimentados, concorre á seu favor al é m destas cir-
cunstancias o desvello e zello incansá vel de seu mui digno Commandante.
Si exccpluados os dons primeiros hospitaes de que fal í amos , por isso que col -
locados em circumstancias inlciramenle oxcepcionaes, como fizemos notar , n ã o
devem ser levados em linha de conta , lizessemos hum estudo comparitivo entre a
mortalidade dos outros, c a dos hospitaes francezcs , cuja mortalidade regula de
oito a dez por cento, ter í amos a vantagem cm nosso favor.
\ é-se pois do que exposto lica , que apezar de tantas causas que entre n ós con -
correm , capazes de produzir graves enfermidades, das poucas medidas que ga
rant ã o a salubridade publica , c da immediata influencia de destruiçã o que com
-
seu h á lito mort í fero nos tem causado a importa çã o da febre amarella , n ã o só a
mortalidade n ã o excede á de alguns paizes reputados salubres, mais ainda o es
tudo dessa mesma mortalidade sobre os casos morbidos, nos nossos hosp í cios
-
iguala , sen ão diffè re para menos, do que se observa no paiz cl á ssico das scien
ces medicas ( a França ).
-
A longevidade no Brasil ser á t ã o extensa e frequente como o pensã o alguns
cscriptorcs ? Para tratar a presente quest ã o com a exactid ã o math matica queella
-
mcrece , fall ã o nos materiacs que o governo só poderia fornecer. Nã o podendo
raciocinar sobre factos , reflexionaremos sobre algumas observa ções que por ahj
.
correm escriplas As Antilhas nos apresent ã o exemplos de longevidade extraor-
— — 21
dina ria , e os Cara í bas clicgã o at é a idade do cento c ciucocnta annos ( * ) . Sob a
zona torridn , no centro d’ Africa os viajores dizem 1er visto negros de idade mui
.
avan çada No Brasil , diz o Visconde de Cayr ú ( * * ) , a longa vida se faz notavd
principalmeute nos campos lavradios, c dc pastarias O mesmo Visconde de .
. .
Cayrú obra citada , traz o seguinte treclio de W Temple : N ã o sei si póde baver
alguma causa no clima do Brasil mais propicia á saude do que ein outros paizes :
alé m do que foi observado entre os naturalistas nas primeiras descobertas dos
-
Européos, lembra me ouvir dizer a D. Franciscode Mello, Embaixador de Portu -
gal em Inglaterra , que era frequente neste paiz para homens descabidos por ida -
de, e outras causas, já n ã o tendo esperan ç as de um ou dous annos devida , Mans
portando -se em alguma frota ao Brasil , ahi viverem vinte á trinta annos , e mais
por for ça do vigor que recobrarã o com a transmigra çã o.
Como estes outros muitos trechos poderamos apresentar , antes poré m de es -
tabelecer sobre elles applica çòespbisiologicas , preciso fora verilicar sua autlien -
»
-
ticidadc, parecendo nos muito mais razoavel que a sciencia collija factos mais
bem averiguados, para delles colher verdadeiras iIla ções He de presumir, consi. -
derando os agentes conservadores c destruidores da vida humana , que huma re -
gi ã o temperada, huma boa constituiçã o individual, huma posiçã o social ao abri -
go da misé ria e dos cuidados inh é rentes à huma ambi çã o insaci á vel , o exerc ício
continuo c moderado, eliuina sobriedade constante s ã o condições eminentemente
.
proprias ã prolongar ã o da vida Os povos selvagens n ã o vivem mais que os ci -
vilisados ; ao contrario, cercados por todos os agentes destruidores da sa ú de, en -
tregues ora á huma severa e for çada abstin ê ncia de sustento, ora á huma intem -
peran ça excessiva , a misé ria em que a maior parte vegeta , raras vezes lhes per -
.
mute chegar ao termo ordin á rio da vida Em geral no Brasil , e bem assim no
Rio de Janeiro a popula çã o branca ou de ra ça crusada , c os Européosjá aclima-
tados vivem mais tempo que os negros, c sobretudo que os importados da
Africa .
(* )
{" ) —
Rochefort. Histoire des Antilles
— .
Hutorla dos prluclpaes successos politico » do Impé rio do Brasil
A
m.
-
ó DE SE cm those geral alfirmar, que entre n ós as mol éstias se apresent ã o
fra ti ca men te, e Sou diagnostico lie cm geral facil , ainda que soffrimen-
tos do systema nervoso ou insidias de alguma affecçâ o intermittente
venli ã o por vezes perturbar sua marcha , e tornar as indica çõ es menos seguras.
Som esta ções bem deslinctas, o que n ã o acontece em geral no territ ó rio curopò o ,
n ã o havendo por assim dizer entre n ós sen ã o duas o estio e inverno, claro fica
que nã o poderemos dar essa differen ça e destin çã o, que segundo as differentes es-
ta çõ es do anno se observa nas enfermidades em outros paizes. Entretanto dire -
mos que no estio e principio do outono grass ã o com mais freguencias as febres 1
fest ã o com mais frequ ê ncia na passagem do estio para o outono, as dysenterias
ou diarrheas mais ou menos intensas e ligadas a a Recedes intestinaes , as angio -
leuticitcs, cmfiiu as differentes altera çõ es de tecido cellular, como sejã o fur ú n
culos e anthrazes. No outono, que é quasi sempre chuvoso, not à o -se as differen
-
-
tes affecçõ es catarracs, as pneumonias, pleurises, diarrheas e as mol éstias
.
exanthematicas No fim do inverno e principio da primavera comer ã o de appa -
reccr as ophtalmias e a coqueluche , quando por ventura rcinã o : as affecções ty -
phoidcas e gastricas, as febres intermittentes e les ões ccrebracs sã o lambem fre -
quentes por esse tempo. Em summa , sobre este ponto repetimos, nada se póde
dizer com acerto , porquanto as esta çõ es confundem -se por tal fô rma entre n ós,
-
e são tão variaveis as altera ções de temperatura , a ponto de observar se no mesmo
dia huma differen ç a thcrmomctrica de mais de 20°, de sorte que , n ã o sendo des -
tinctas nessas differentes é pocas do anuo os agentes morbidos dependentes da
alhmosphera, n ão é bem possí vel descriminar as affec ções que nellas rcin ã o.
Deixando de considerar as mol éstias que de preferencia grassã o cm certas é po
cas, c encarando - as cm geral sob o ponto de vista , e cm rela çã o á s diffé rencies
-
idades poderemos dizer alguma cousa de mais aproveit á vel, encerrando- nos to -
davia nos limites , que est ã o ao alcance de hum trabalho desta ordem Conside. -
rando as moléstias em rela çã o á s idades, as dividiremos cm 1 res ordens ou cate
gorias disliuctas : mol éstias da infancia , dos adultos, e dos velhos. Comprei i e u -
-
.
d remos na primeira ordem ou cathcgoria as mol éstias , que sobrevé m desde o
— 23
—
nascimento até a segunda denti çã o, na segunda as da adolescê ncia e das outras
idades at é á velhice, cujas moléstias formaráõ as de terceira ordem. Bem pro -
vavelmente seremos arguidos por esta divisã o resumida das differentes é pocas da
vida ; adoptamol -a poré m para nos poupar á longas c intermin á veis subdivisões
desnecessá rias, atlendendo a que nos limitamos neste trabalho a apresentar ideas
geraes c sumniarias relativas ao caso vertente.
Na primeira calhegoria , isto lie, nas moléstias da infancia comprehendcremos
-
a apoplexia e asphyxia do recem nascido, devidas á compressã o da cabeça c do
cord ã o umbellical , por imper í cia ou descuido das pessoas que assistem ao tra -
-
balho do parto ; o t é tano dos rcccm nascidos, e as pé ritonites, resultado quasi
sempre das a pp li ca ções intempestivas e impr ó prias sobre o cord ã o umbellical ;
as congest ões de fígado, collicas intestinaes, c inleriles nos primeiros dias da
vida extra -uterina , mol éstias estas de que succumbem n ã o poucas crian ç as en -
tre n ós, cm virtude da importâ ncia c susccptibilidade do apparelho gastro-hepa -
-
, to intestinal nestas idades, e que sã o o maior numero de vezes devidas ao uso
inveterado, cm que estã o as nossas patr í cias, de serem acompanhadas durante o
parto, c cuidadas nos dias subsequentes por mulheres iuteiramente inhabilita -
’ das, sendo n ã o raras vezes cilas ou seus filhos victimas da imper í cia dessas cha-
.
madas comadres Seguem-sc a estas as bronchites c pneumonias , devidas ordi -
nariamente ao resfriamento proveniente do pouco cuidado de livrar as crian ç as
da influencia das mudan ças s ú bitas de temperatura , tã o communs no Uio de Ja -
neiro. Vemapozellas as diarrheas, dysenlerias e gastro-interites acompanha -
das algumas vezes de convulsõ es sympaiicas , estas altera çõ es reconhecem
por causa já as varia çõ es constantes de temperatura , já huma amamen -
ta çã o viciosa, ou desvio nos preceitos, que devem presidir á alimenta çã o das
crian ç as. Coincidem com os phenomenos dc primeira dentiçã o as differentes
especics de convul ções, que quanto á n ós dep uulein geralmente , ou da supres -
sã o rapida da diarrhea , que acompanha quasi sempre a evolu çã o dentaria, ou do
abuso, que entre n ós se observa, de nutriras crian ças com alimentos solidos, mui -
to codimentados, e de difficil digestã o. Mais tarde apparccem erupções dc
natureza syphilitica, sobre tudo nos escravos, c os tubé rculos nicsenlericos,
reconhecendo quasi sempre como causa essencial o vicio syphilitieo ou escro -
pliuloso, c o uso de m á alimenta çã o. Finahnente sã o mui frequentes nesta
idade as febres intermittentes, a angioleucitc e a asthma , depedentes das influen -
cias m ó rbidas que nos cercã o c da natureza de nosso terreno.
Em resumo poder í amos dizer que nesta é poca da vida sã o mais frequentes no
Kio dc Janeiro as lesõ es de tubo digestivo c orgã os thoracicos, coincidindo ou
.
n ã o com pyrexias intermittentes
N ;»
— —2 /i
pulmonares, bem que estes sejã o devidos antes a causas geraes, e communs a
todas as cidades populosas, que n ã o a causas que nos sejã o especiaes, n ã o
devendo portanto , rigorosainente fallando , serem considerados como moléstia
endemica .
Muitas outras considera ções poderamos juntar a este nosso trabalho, por é m
os limites e a natureza de huma these n ã o nos permillindo entrar em detalhes
mais circumstanciados, aqui o terminamos , guardando- nos para mais tarde ,
quando o tempo e a observa çã o tiverem melhor amadurecido nossas ideas,
reunir novas ás considera çõ es já expendidas nesta disserta çã o. Felizes de n òs
se o breve esboç o que apresentamos, como resultado de nossas lucubra ções
c pratica medica , puder provar a nossos ju í zes, cujas li ções seguimos , que n ã o
só aproveitamos suas luzes, mais ainda que á cabeceira do enfermo, junto ao
leito de d õ r da humanidade so íTredora, em nossa miss ã o toda religiosa de
medico colligimos conhecimentos bastantes, estudando as condi ções medicas
de nossa cidade natal , para com elles contribuir ao allivio c felicidade de
nossos conterrâ neos .
VIRE.
.
TYP GUAN'ABAHEXSK .
nyppoCBATis APHORISMI ,
Morbi alii ad alia têmpora bcn è vcl mal è sc liabeiil et qmedam jet â tes ad anui
— .
têmpora, loca, et vict ús genera. Sect. Ill , apli .‘1.