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Educação

Um guia para o conhecimento e o desenvolvimento integral de nosso ser


De Mira Alfassa (“A Mãe”)
Revista “Ananda”, Caderno Especial VII, Novembro-Dezembro 1977

I
A ciência de viver
Uma vida sem objetivo é uma vida sem alegria.
Tenham todos um objetivo. Mas não se esqueçam de que da qualidade de seu objetivo
vai depender a qualidade de sua vida.
Que seu objetivo seja elevado e vasto, generoso e desinteressado; assim, sua vida se
tornará preciosa para vocês mesmos e para os outros.
No entanto, qualquer que seja o ideal a que vocês se proponham atingir, vocês só
poderão realizá-lo perfeitamente se realizarem a perfeição em vocês mesmos.
O primeiro passo neste trabalho de auto-aperfeiçoamento é tornar-se consciente de si,
das diferentes partes de seu ser e de suas respectivas atividades. É preciso aprender a
distinguir estas diferentes partes uma da outra, para que vocês se dêem conta
claramente da origem dos movimentos que se produzem em vocês, dos impulsos, das
reações, das veleidades diversas que os impelem a agir. É um estudo assíduo que exige
muita perseverança e sinceridade; pois a natureza do homem, especialmente sua
natureza mental, tem a tendência espontânea de dar uma explicação favorável a tudo o
que nós pensamos, sentimos, dizemos e fazemos. Somente observando estes
movimentos com muito cuidado, fazendo-os passar, por assim dizer, diante do tribunal
de nosso ideal mais alto, com uma vontade sincera de nos submetermos a seu
julgamento, é que podemos esperar educar em nós um discernimento que não se engana
de modo algum. Pois se quisermos realmente progredir e adquirir a capacidade de
conhecer a verdade de nosso ser, isto é, aquilo para que somos realmente feitos, o que
podemos chamar nossa missão sobre a terra, precisamos, muito regularmente e muito
constantemente, rejeitar de nós ou abolir em nós o que está em contradição com a
verdade de nossa existência, o que se opõe a ela. É assim que pouco a pouco todas as
partes, todos os elementos de nosso ser podem ser organizados em um todo homogêneo
em torno de nosso centro psíquico. Este trabalho de unificação exige muito tempo para
ser levado a algum grau de perfeição; assim, para realizá-lo, devemos armar-nos de
paciência e perseverança, determinados a prolongar nossa vida tanto quanto for
necessário para termos êxito em nosso empreendimento.
Ao mesmo tempo em que vocês prosseguem com este trabalho de purificação e
unificação, é preciso dar bastante atenção ao aperfeiçoamento da parte exterior e
instrumental de seu ser. Quando a verdade superior se manifestar, será preciso que ela
encontre em vocês um mental rico e flexível o suficiente para ser capaz de conferir à
idéia que quer se expressar a forma de pensamento que conserve sua força e sua
clareza. Este pensamento, por sua vez, quando quiser revestir-se de palavras, deve
encontrar em vocês um poder de expressão suficiente para que as palavras revelem o
pensamento e não o deformem de modo algum. E esta fórmula da qual vocês terão
revestido a verdade deve ser manifestada em todos os seus sentimentos, todas as suas
vontades, todas as suas ações, todos os movimentos de seu ser. Finalmente, estes
próprios movimentos devem, por um esforço constante, atingir sua mais alta perfeição.
Tudo isto pode ser realizado com a ajuda de uma quádrupla disciplina cujas grandes
linhas vão ser dadas aqui. Estes quatro aspectos da disciplina não excluem um ao outro,
e podem ser seguidos ao mesmo tempo; de fato, é preferível que seja assim. O ponto de
partida será o que pode ser chamado a disciplina psíquica. Damos o nome “psíquico” ao
centro psicológico de nosso ser, a sede, em nós, da mais alta verdade de nossa
existência, aquilo que tem o poder de conhecer e pôr em movimento esta verdade. É
portanto de importância capital tornar-se consciente de sua presença em nós,
concentrarmo-nos nesta presença, até que ela seja um fato vivo para nós e possamos
nos identificar com ela.
Através do tempo e do espaço muitos métodos foram preconizados para obter esta
percepção e finalmente realizar esta identificação. Certos métodos são psicológicos,
outros religiosos, outros mesmo mecânicos. Na realidade, cada um deve encontrar o que
melhor lhe convém; e se sua aspiração for ardente e tenaz, se sua vontade for
persistente e dinâmica, é certo encontrar, de uma maneira ou de outra, exteriormente
pela leitura ou pelo ensinamento, interiormente pela concentração, meditação, revelação
e experiência, a ajuda de que se precisa para atingir seu objetivo. Só uma coisa é
absolutamente indispensável: a vontade de descobrir e realizar. É preciso que esta
descoberta e esta realização sejam a preocupação primordial do ser, a pérola de alto
preço que se adquire custe o que custar. O que quer que vocês façam, sejam quais
forem as suas ocupações e suas atividades, a vontade de descobrir a verdade de seu ser
e de se unir a ela deve estar sempre viva e presente atrás de tudo o que vocês fazem,
tudo o que vocês experienciam, tudo o que vocês pensam.
Para completar este movimento de descoberta interior, é bom não negligenciar o
desenvolvimento mental. Pois o instrumento mental pode ser tanto uma grande ajuda
quanto um obstáculo muito grande. A mentalidade humana, em seu estado natural, é
sempre limitada em sua visão, estreita em sua compreensão, rígida em suas concepções.
É preciso portanto fazer um esforço constante para alargá-la, torná-la flexível e
aprofundá-la. Assim, é muito necessário considerar cada coisa de tantos pontos de vista
quanto possível. Neste sentido, existe um exercício que dá muita flexibilidade e elevação
ao pensamento. É o seguinte: coloca-se uma tese, formulando-a claramente. Depois,
opõe-se a ela sua antítese, formulada com a mesma precisão. Em seguida, por reflexão
cuidadosa, é preciso ampliar o problema ou elevar-se acima dele, até que se encontre a
síntese que una os dois contrários em uma idéia mais vasta, mais alta e mais
abrangedora. [Nota de Pausa para a Filosofia: O livro “Pequeno Tratado das Grandes
Virtudes”, de André Comte-Sponville, ilustra esta técnica sugerida por Mira Alfassa.]
Muitos outros exercícios do mesmo tipo podem ser feitos; alguns têm um efeito benéfico
sobre o caráter e têm assim uma dupla vantagem: a de educar o mental e a de
estabelecer um controle sobre os sentimentos e suas conseqüências. Por exemplo, não
se deve nunca permitir a seu mental julgar coisas e pessoas; porque o mental não é um
instrumento de conhecimento; é impossível para ele encontrar o conhecimento, mas ele
deve ser movido pelo conhecimento. O conhecimento pertence a um domínio muito mais
elevado que o da mentalidade humana, bem acima da região das idéias puras. O mental
deve estar silencioso e atento, para receber o conhecimento do alto e para manifestá-lo;
pois ele é um instrumento de formação, de organização e de ação; e é nestas funções
que ele atinge seu valor pleno e sua real utilidade.
Um outro hábito que pode ser muito proveitoso para o progresso da consciência consiste
– quando se está em desacordo com alguém sobre um assunto qualquer, uma decisão a
tomar, um ato a cumprir – em nunca ficar fechado em sua própria concepção, seu
próprio ponto de vista. Ao contrário, é preciso esforçar-se para compreender o ponto de
vista do outro, colocar-se em seu lugar e, em vez de discutir ou mesmo brigar, é preciso
encontrar a solução que possa satisfazer razoavelmente as duas partes: há sempre uma
para pessoas de boa vontade.
É aqui que deve ser mencionada a disciplina do vital. O ser vital em nós é a sede dos
impulsos e dos desejos, do entusiasmo e da violência, da energia dinâmica e das
depressões desesperadas, das paixões e das revoltas. Ele pode pôr tudo em movimento,
construir e realizar; mas pode também destruir e estragar tudo. Assim, talvez, no ser
humano, ele é a parte mais difícil de disciplinar. É um trabalho de longo fôlego e de
grande paciência, que exige uma sinceridade perfeita, pois sem sinceridade desde os
primeiros passos nós nos iludiremos, e toda tentativa de progresso será vã. Com a
colaboração do vital nenhuma realização parece impossível, nenhuma transformação
impraticável. Mas a dificuldade é obter esta colaboração constante. O vital é um bom
trabalhador, mas na maioria das vezes procura sua própria satisfação. Quando ela lhe é
recusada totalmente ou mesmo parcialmente ele fica perturbado, mal-humorado e faz
greve; a energia desaparece mais ou menos completamente e deixa em seu lugar
repugnância por coisas e por pessoas, desencorajamento ou revolta, depressão e
descontentamento. Nesses momentos é bom ficar quieto e recusar-se a agir; pois são os
momentos em que se faz besteiras e onde, em alguns instantes, pode-se destruir ou pôr
abaixo meses de esforços regulares e o progresso que resulta deles. Estas crises são
menos duráveis e menos perigosas no caso daqueles que estabeleceram suficientemente
o contato com seu ser psíquico, assim mantendo viva em si a chama da aspiração e a
consciência do ideal a realizar. Com a ajuda desta consciência, eles podem lidar com seu
vital como se lida com uma criança revoltada, pacientemente e com perseverança,
mostrando-lhe a verdade e a luz, esforçando-se para convencê-lo e acordar nele a boa
vontade que por um momento esteve velada. Graças a esta paciente intervenção, cada
crise pode ser mudada em um novo progresso, em um passo a mais em direção ao
objetivo. Os progressos podem ser lentos, as recaídas podem ser freqüentes, mas
mantendo uma vontade corajosa é certo triunfar um dia e ver todas as dificuldades se
dissolverem e desaparecerem diante da irradiação da consciência da verdade.
Finalmente, é preciso, por uma educação física racional e que vê claramente, tornar
nosso corpo forte e flexível o suficiente para que ele se torne no mundo material o
instrumento apropriado da força de verdade que quer se expressar através de nós.
De fato, o corpo não deve reger; ele deve obedecer; e por sua própria natureza, ele é
um servidor dócil e fiel. Infelizmente, ele raramente tem a capacidade de discernimento
necessária em relação a seus mestres, a mente e o vital. Obedece-lhes cegamente, em
grande detrimento de seu próprio bem-estar. O mental com seus dogmas e seus
princípios rígidos e arbitrários, o vital com suas paixões, seus excessos e
extravasamentos, apressam-se em destruir o equilíbrio natural do corpo e criar nele os
cansaços, as exaustões e as doenças. É preciso tirá-lo desta tirania, e isto só pode ser
feito pela união constante com o centro psíquico do ser. O corpo tem uma notável
capacidade de adaptação e resistência. Ele está apto a fazer bem mais coisas do que
geralmente se pensa. Se, em vez dos mestres ignorantes e despóticos que o governam,
ele for regido pela verdade central do ser, ficaremos maravilhados com aquilo de que ele
é capaz. Calmo e tranqüilo, forte e equilibrado, ele poderá a cada minuto produzir o
esforço que lhe for exigido, pois terá aprendido a encontrar o repouso na ação, e a
recuperar, pelo contato com as forças universais, as energias gastas útil e
conscientemente. Nesta vida equilibrada e sadia, uma nova harmonia se manifestará no
corpo, refletindo a harmonia das regiões superiores, que dará a ele a perfeição das
proporções e a beleza ideal das formas. E esta harmonia será progressiva, pois a verdade
do ser nunca é estática; ele é o perpétuo desdobramento de uma perfeição crescente,
cada vez mais total e abrangedora. Assim que o corpo tiver aprendido a seguir este
movimento de harmonia progressiva, ser-lhe-á permitido, através de uma transformação
ininterrupta, escapar à necessidade da desintegração e da destruição. Assim a
irrevogável lei da morte não mais terá razão de existir.
Quando tivermos atingido este grau de perfeição que é nosso objetivo, perceberemos
que a verdade que procuramos é constituída de quatro aspectos principais: o amor, o
conhecimento, o poder e a beleza. Estes quatro atributos da verdade se expressarão
espontaneamente em nosso ser. O psíquico será o veículo do amor puro e verdadeiro, o
mental o do conhecimento infalível, o vital manifestará o poder e a força invencíveis e o
corpo será a expressão de uma beleza e de uma harmonia perfeitas.

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