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ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO – FICHAMENTO DOS TEXTOS

Texto 15: GEERTZ, Clifford. A religião como sistema cultural. In: A interpretação das
culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2006. pp. 66-91.
Final tópico I (pg.66)
• Para Geertz, existem 4 pontos de partida inevitáveis para qualquer teoria
antropológica da religião
→ Durkheim e a discussão sobre a natureza do sagrado
→ Weber e a metodologia Verstehenden (compreensão)
→ Freud e o paralelo entre rituais pessoais e coletivos
→ Malinowski e a exploração sobre a diferença entre religião e senso comum
• Esses pontos de partida precisam ser ampliados: C. Geertz o fará a partir do
desenvolvimento da dimensão cultural da análise religiosa
→ cultura: um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em
símbolos, por meio do qual os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu
conhecimento e atividades em relação à vida
→ desenvolver os termos ‘símbolo’, ‘significado’ e ‘concepção’
Tópico II (pg.66-89)
• Clifford Geertz vai lidar com o termo significado
• Um paradigma: que os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um
povo e sua visão de mundo
→ a noção de que a religião ajusta as ações humanas a uma ordem cósmica
imaginada e projeta imagens da ordem cósmica no plano da experiência humana não
é uma novidade: todavia, o arcabouço teórico que nos permitiria fornecer um relato
analítico do assunto não existe
• Para Geertz, definições (ao serem ‘desenroladas’) são um caminho efetivo para
desenvolver uma nova linha de pesquisa: definição – uma religião é:
→ (1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes
e duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de
conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal
aura de factualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente
realistas
1. Um sistema de símbolos que atua para
• O termo símbolo para C. Geertz
→ o símbolo é usado para qualquer objeto, ato, acontecimento, qualidade ou relação
que serve como vínculo a uma concepção (que é o ‘significado’ do símbolo)
→ elementos simbólicos: incorporações concretas de ideias, atitudes, julgamentos
ou crenças – formulações tangíveis de noções
• Iniciar o estudo da atitude cultural (na qual o simbolismo forma o conteúdo
positivo) não é abandonar a análise social
→ atos culturais são acontecimentos sociais, ainda que não sejam exatamente a
mesma coisa
→ por mais profundamente mesclados que estejam o cultural, o social e o
psicológico na vida cotidiana, é útil separá-los na análise e isolar os traços genéricos
de cada um
• Comparação genes/símbolos: padrões culturais – sistemas ou complexos de
símbolos
→ traço genérico: representam fontes extrínsecas de informações
- extrínseco: estão fora dos limites do organismo do indivíduo, ao contrário dos
genes (intrínsecos)
- fontes de informações: fornecem um diagrama ou gabarito em termos do qual se
pode dar forma definida a processos externos a eles mesmos, como os genes
→ os padrões culturais fornecem programas para a instituição dos processos social e
psicológico que modelam o comportamento público
• Padrões culturais são modelos? Os dois sentidos do termo
→ modelo da realidade: se enfatiza a manipulação das estruturas simbólicas de
forma a colocá-las num paralelo com o sistema não-simbólico – funcionam não para
fornecer fontes de informação em termos das quais processos podem ser
padronizados, mas para representar esses processos padronizados como tal, para
expressar sua estrutura num meio alternativo
→ modelo para a realidade: se enfatiza a manipulação dos sistemas não-simbólicos,
em termos das relações expressas no simbólico
• Diferente dos genes e outras fontes de informação não-simbólicas, que são modelos
‘para’ e não ‘da’ realidade, os padrões culturais têm um aspecto duplo
→ a intertransponibilidade dos modelos ‘para’ e dos modelos ‘da’ que a formulação
simbólica torna possível é a característica mais distinta da mentalidade humana
2. Estabelecer […] disposições e motivações nos homens através da
• Concepções e símbolos concretos expressam o clima do mundo e o modelam
induzindo o crente a um certo conjunto distinto de disposições – um caráter crônico
→ disposição (mood): descreve uma probabilidade de uma atividade ser exercida ou
de uma ocorrência se realizar em certas circunstâncias
• As atividades religiosas induzem duas espécies de disposições diferentes: ânimo
[Geertz não fala sobre] e motivação
→ motivação: uma tendência persistente, uma inclinação crônica para executar
certos tipos de atos e experimentar certas espécies de sentimentos em determinadas
situações
• As diferenças entre disposição e motivação
→ motivações: são qualidades vetoriais, têm um molde direcional; são ‘tornadas
significativas’ no que se refere aos fins para os quais são concebidas e conduzidas –
consumação
→ disposições: são qualidades escalares, variam em intensidade (não levam a coisa
alguma); são ‘tornadas significativas’ no que diz respeito às condições a partir das
quais se concebe que elas surjam – fontes
3. Formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e
• Religião x moralismo: a formulação de ideias gerais de ordem
• O maior problema dos homens: confrontar-se com o Caos – um túmulo de
acontecimentos aos quais faltam não apenas interpretações, mas interpretabilidade
→ o problema do significado (Weber): os desafios colocados pela experiência –
perplexidade e capacidade analítica; sofrimento e poder de suportar; paradoxo ético
e introspecção moral
• O 1º desafio da experiência: o tema da perplexidade – o menos investigado pelos
antropólogos sociais modernos
→ aspectos intelectivos do problema do significado: afirmação da explicabilidade
final da experiência
→ considerar as crenças religiosas como tentativas de trazer acontecimentos
anômalos ou experiências para o círculo das coisas pelo menos potencialmente
explicáveis: busca de lucidez e ansiedade metafísica
→ dar conta de tudo que é diferente, estranho, misterioso ou, pelo menos, ter a
convicção de que é possível dar conta dos fenômenos
→ a questão embaraçosa de saber se as crenças sobre a natureza funcionam
realmente, se os padrões de verdade são válidos
• O 2º desafio da experiência: o problema do sofrimento (principalmente doença e
luto)
→ Malinowski e a teoria de que a religião ajuda as pessoas a suportarem ‘situações
de pressão emocional’
→ como problema religioso, o problema do sofrimento não é como evitá-lo, mas
como sofrer: tornar o sofrimento ‘sofrível’ – afirmação da tolerância final da
experiência (aspectos efetivos do problema do significado)
→ os símbolos religiosos oferecem uma garantia cósmica não apenas para a
capacidade de compreender o mundo, mas também para que, compreendendo-o,
deem precisão ao sentimento, uma definição às emoções que permita suportá-las
• O 3º desafio da experiência: o problema do mal – as ameaças a nossa capacidade de
fazer julgamentos morais corretos
→ o paradoxo ético: o hiato entre o que julgamos merecido e o que se recebe; a
discrepância entre as prescrições morais e as recompensas materiais
• Esses 3 desafios levantam a suspeita inconfortável de que talvez o mundo, e
portanto a vida do homem no mundo, não tenha de fato uma ordem genuína
qualquer
→ a resposta religiosa não é negar que existem acontecimentos inexplicados, que a
vida machuca ou que a chuva cai sobre o justo; mas é negar que existam
acontecimentos inexplicáveis, que a vida é insuportável e que a justiça é uma
miragem
• A afirmação e a negação no problema do significado
→ afirma (reconhece) a inescapabilidade da ignorância, da dor e da injustiça no
plano humano
→ nega que essas irracionalidades sejam características do mundo como um todo: a
esfera mais ampla
4. Vestindo essas concepções com tal aura de factualidade que
• Questão: como se chega a acreditar nessa negação? → o que significa exatamente a
‘crença’ num contexto religioso?
• A crença religiosa não envolve uma indução baconiana da experiência cotidiana
mas, ao contrário, uma aceitação prévia da autoridade que transforma essa
experiência
→ a base onde repousam as crenças: justificamos uma crença religiosa como um
todo fazendo referência à autoridade
• Perspectiva religiosa: um modo de ver, apreender, entender – é uma perspectiva
entre outras
→ questões: o que é considerado, de forma geral, uma ‘perspectiva religiosa’ e
como os homens chegaram a adotá-la?
• Para saber o que constitui a perspectiva religiosa, Geertz a compara com outas 3
perspectivas de mundo
→ perspectiva do senso comum: o mundo da vida cotidiana e sua aceitação; objetos
dados – realismo ingênuo e motivo pragmático
→ perspectiva científica: esse ‘dado’ desaparece – dúvida, pesquisa e suspensão do
motivo pragmático
→ perspectiva estética: as aparências, a ilusão artística, o afastamento da crença
• Perspectiva religiosa: repousa no sentido do ‘verdadeiramente real’ e as atividades
simbólicas da religião como sistema cultural se devotam a produzi-lo e, tanto quanto
possível, torná-lo inviolável pelas revelações discordantes da experiência secular
• Como os homens a adotam: é no ritual, i.e., no comportamento consagrado, que se
origina (de alguma forma) essa convicção de que as concepções religiosas são
verídicas e de que as diretivas religiosas são corretas
→ encontro das disposições e motivações induzidas pelos símbolos e as concepções
gerais de ordem da existência que eles formulam: o mundo vivido e o mundo
imaginado se fundem sob a mediação de um único conjunto de formas simbólicas,
tornando-se um mundo único
• Apesar de qualquer ritual religioso envolver essa fusão simbólica do ethos com a
visão de mundo, são principalmente os rituais mais elaborados e geralmente mais
públicos que modelam a consciência espiritual de um povo
→ cerimônias totais: ‘realizações culturais’ (Singer)
→ modo de exibição: como é entendido pelos ‘visitantes’ ≠ como é entendido pelos
‘participantes’
→ são nesses dramas plásticos que os homens atingem sua fé, na medida em que a
retratam: exemplo – uma representação cultural de Bali (Rangda x Barong)
• Portanto, a aceitação da autoridade que enfatiza a perspectiva religiosa
corporificada decorre da encenação do próprio ritual
5. As disposições e motivações parecem singularmente realistas
• O mundo cotidiano de objetos de senso comum e de atos práticos é que constitui a
realidade capital da experiência humana: o mundo no qual estamos solidamente
enraizados
→ as disposições que os rituais religiosos induzem têm, assim, seu impacto mais
importante fora dos limites do próprio ritual
• A religião é sociologicamente interessante não porque ela descreve a ordem social,
mas porque ela a modela: o movimento pendular (de ida e volta) entre a perspectiva
religiosa e a do senso comum
→ algo muito negligenciado pelos antropólogos sociais: a crença religiosa no meio
ritual e a crença religiosa como um pálido e relembrado reflexo dessa experiência na
vida cotidiana não são precisamente a mesma coisa – o homem em movimento
→ Lévy-Bruhl: se preocupava com a visão da realidade especificamente religiosa
→ Malinowski: se preocupava com a visão da realidade estritamente de senso
comum
→ ambos falharam por não darem conta da forma como interagiam esses dois tipos
de ‘pensamento’
• O reconhecimento e a exploração da diferença qualitativa entre a religião pura e a
religião aplicada
• A correção e a complementação do mundo do senso comum que as concepções
religiosas fazem, não têm o mesmo conteúdo em todo lugar: as crenças dos homens
são tão diversas quanto eles próprios o são
→ uma avaliação geral do valor da religião em termos tanto morais como funcionais
é impossível: é preciso fazer emergir, na análise científica da religião, as
implicações social e psicológica de crenças religiosas particulares
Tópico III (pg.90-91)
• A partir das funções culturais da religião fluem as suas funções social e psicológica:
as crenças não são meras intérpretes dos processos social e psicológico em termos
cósmicos, mas também os modelam
• O estudo antropológico da religião é uma operação em 2 estágios
1) análise do sistema de significados incorporados nos símbolos que formam a
religião
2) o relacionamento desses sistemas aos processos sócio-estruturais e psicológicos

Texto 16: ASAD, Talal. A construção da religião como uma categoria antropológica. In:
Cadernos de Campo, v. 19, p. 263-284, 2010.
Página 263
• Século XIX e religião: pensamento evolucionário
→ uma condição humana primeira: direito, ciência e política moderna emergiram da
religião e dela se separaram
→ noção racionalista: a religião é uma forma primitiva e ultrapassada das
instituições que temos hoje
• Século XX e religião: abandono do pensamento evolucionário e da noção
racionalista
→ a religião é um espaço distinto da prática e da crença humanas que não pode ser
reduzido a nenhum outro
→ essência da religião não deveria ser confundida com a essência da política
• Louis Dumont e as sociedades compósitas: política e religião entrelaçadas e
sobrepostas – a cristandade medieval
→ aspecto totalizante e coletivo da religião medieval
Página 264
• Nesse sentido, a religião medieval ainda seria identificável analiticamente, mesmo
infiltrando e englobando outras categorias: a insistência na tese de que a religião
teria uma essência autônoma
→ a religião como um fenômeno trans-histórico e transcultural
• No entanto, essa separação entre religião e poder é uma norma Ocidental moderna,
produto de uma singular história pós-Reforma
• Objetivos de Asad: explorar a definição universalista de religião a partir de
“Religião como sistema cultural”, de Clifford Geertz; identificar alterações
históricas envolvidas no processo de produção do conceito de religião como trans-
histórica
→ religião medieval ≠ religião moderna: o poder religioso era distribuído de outra
forma e tinha um ímpeto distinto
→ não pode haver uma definição universal de religião: seus elementos constituintes
e suas relações são historicamente específicos; essa definição de religião é ela
mesma o produto histórico de processos discursivos
→ uma definição trans-histórica de religião não é viável
• Geertz pretende exatamente uma definição universal (i.e., antropológica) da religião
Página 265
→ citação da definição de religião de C. Geertz
O conceito de símbolo como uma pista para a essência da religião
• A definição do conceito de símbolo para Geertz: símbolo e concepção – manter
símbolos e objetos empíricos bem separados
→ objeto ou evento que serve como veículo a um significado
• Mistura entre questões cognitivas e comunicativas: dificulta a investigação do modo
como discurso e compreensão são conectados nas práticas sociais
→ símbolo para Asad: um conjunto de relações entre objetos ou eventos agregados
singularmente como complexos ou conceitos – significância intelectual,
instrumental e emocional
→ como sua formação se relaciona a uma variedade de práticas: Vygotsky – a
formação do símbolo é condicionada pelas relações sociais
Página 266
→ O status autoritativo das representações/discursos é dependente da produção
adequada de outras representações/discursos: ambos estão intrinsecamente, e não
apenas temporalmente, conectados
• A concepção de padrões culturais de Geertz e a dificuldade de entender como a
mudança social pode vir a acontecer: a suposição de que existem dois níveis
separados em interação – o cultural (símbolos) x social e psicológico
→ símbolos para Geertz são externos, e não intrínsecos, às condições sociais e aos
estados subjetivos – símbolos separados de estados mentais
→ colocação de Asad: não é apenas a devoção, mas as instituições sociais, políticas
e econômicas em geral, no interior das quais as biografias individuais são vividas,
que conferem estabilidade ao fluxo de atividades e à qualidade de sua experiência
Página 267
• Como o poder religioso cria a verdade religiosa? A relação poder e verdade no
pensamento cristão – Santo Agostinho: a função religiosa criativa do poder
→ coação (condição para a realização da verdade) e disciplina (essencial para a
manutenção da verdade)
Página 268
→ não são apenas os símbolos que implantam disposições verdadeiramente cristãs,
mas o poder: não foi a mente que se moveu espontaneamente em direção à verdade
religiosa; foi o poder que criou as condições para que esta verdade fosse
experimentada
• As configurações de poder têm variado na cristandade de um período para outro →
os padrões religiosos têm variado
Da leitura de símbolos à análise de práticas
• Geertz: supõe que existe um sistema simbólico separado das práticas
→ mistura de dois tipos de processo discursivo: discurso envolvido em prática e
discurso envolvido em falar sobre a prática – o desejo de Geertz de distinguir
disposições seculares e religiosas
Página 269
• Discurso autoritativo e convicções dos praticantes: a Igreja Católica medieval – não
procurou estabelecer a uniformidade absoluta das práticas; sempre se preocupou em
especificar diferenças, gradações, exceções
→ verdade e falsidade: inúmeras vezes a fronteira entre o religioso e o secular foi
redesenhada
• Na época moderna: as igrejas assumem uma posição clara acerca da necessidade de
distinguir o religioso do secular – a disciplina (intelectual e social) iria
gradualmente abandonar o espaço religioso, cedendo seu lugar à ‘crença’, à
‘consciência’ e à ‘sensibilidade’
A construção da religião no início da Modernidade europeia
• Século XVII: primeiras tentativas sistemáticas de produzir uma definição universal
da religião
Página 270
→ fragmentação da unidade e da autoridade da Igreja de Roma e as consequentes
guerras religiosas que dividiram os principados europeus
→ De veritate, Herbert: a busca do denominador comum de todas as religiões –
religião natural: crenças (em um poder supremo), práticas (devoção organizada) e
ética (código de conduta baseado em recompensas e punições após esta vida)
• Mudança de foco: das palavras para os trabalhos de Deus – a importância da
‘Natureza’
→ a ideia de Escritura não era essencial a esse denominador comum
Página 271
• A ideia de religião natural foi um passo crucial na formação do conceito moderno de
crença, experiência e prática religiosas: foi uma ideia desenvolvida em resposta a
problemas específicos da teologia cristã numa conjunção histórica particular
→ Kant (1795): “só pode existir uma única religião válida para todos os homens e
em todos os tempos […] as crenças apenas contêm o veículo da religião, que é
acidental e pode variar segundo os tempos e os lugares”
→ o que aparece aos antropólogos de hoje como auto-evidente, i.e., que a religião é
essencialmente uma questão de significados simbólicos ligados a ideias de ordem
geral (expressos através de ritos e/ou doutrinas), que ela tem funções/características
genéricas, e que ela não deve ser confundida com nenhuma outra de suas formas
históricas ou culturais particulares, é de fato uma visão que tem uma história cristã
específica
Religião enquanto significado e os significados religiosos
• Geertz insiste na primazia do significado em detrimento dos processos através dos
quais os significados são construídos
Página 272
→ a relação entre teoria religiosa e prática da religião: cognitiva, mente (Geertz) x
problema de intervenção, mundo (Asad)
• Perguntas de Asad: como o discurso teórico define a religião? Como o poder cria a
religião? Quais tipos de afirmação, de significado, devem ser identificados a uma
prática de modo que ela seja qualificada como religião?
Página 273
• A sugestão de que a religião tem uma função universal na crença: a crença religiosa
sempre envolve uma ‘aceitação prévia da autoridade’ – ordem e desordem
→ esta posição parece assumir que crenças religiosas existem de modo
independente das condições mundanas que produzem perplexidade, dor e paradoxo
moral, mesmo que a crença seja primariamente um modo de vir a termos com elas
→ problema: as mudanças no objeto da crença mudam essa crença; e enquanto o
mundo muda, assim o fazem os objetos da crença e as formas específicas de
perplexidade e paradoxo moral pertencentes a este mundo
• O tratamento de Geertz da crença religiosa é um modo cristão privatizado e
moderno, na medida em que ele enfatiza a prioridade da crença enquanto um estado
mental ao invés de uma atividade constitutiva no mundo
Página 274
→ na sociedade moderna: o apologista cristão tende a conceber a crença não como a
conclusão de um processo cognitivo, mas como sua pré-condição – crença como um
estado mental distinto
→ para um cristão piedoso do séc. XII, conhecimento e crença não estavam tão
claramente em conflito: a crença cristã era construída com base no conhecimento –
incorporada na prática e no discurso
A religião como perspectiva
• O vocabulário fenomenológico que Geertz emprega: duas questões – sua
incoerência e sua adequação à moderna noção cognitivista de religião
→ análise das perspectivas em Geertz: religiosa, científica, estética e senso comum
Página 275
→ análise das perspectivas em Geertz: religiosa, científica, estética e senso comum
Página 276
• A abordagem fenomenológica não permite examinar se, e em caso positivo, em que
medida e de que modo, a experiência religiosa se relaciona a algo localizado no
mundo real habitado pelos indivíduos que creem
→ os símbolos religiosos são tratados, de modo circular, como pré-condição para a
experiência religiosa, e não como uma condição para se engajar com a vida
Página 277
→ em uma abordagem fenomenológica, os símbolos religiosos são sui generis,
demarcando um domínio religioso independente
Conclusão
• Citação de Geertz sobre os dois estágios do estudo antropológico
• Os dois estágios propostos por Geertz são, para Asad, apenas um
→ os símbolos religiosos – sejam pensados em termos de comunicação ou
cognição, como guias para a ação ou para expressar emoção – não podem ser
compreendidos independentemente de suas relações históricas com os símbolos não
religiosos ou de suas articulações no interior e sobre a vida social, na qual trabalho e
poder são sempre cruciais
Página 278
→ diferentes tipos de prática e discurso são intrínsecos ao campo em que as
representações religiosas adquirem sua identidade e sua veracidade: sua
possibilidade e seu status autoritativo devem ser explicados enquanto produtos de
forças e disciplinas historicamente específicas
→ o objetivo de Asad foi problematizar a ideia de uma definição antropológica da
religião
• Notas
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• Notas
Página 280
• Notas
Página 281
• Notas
Página 282
• Notas
Página 283
• Notas
• Referências bibliográficas
Página 284
• Referências bibliográficas

Texto 17: HERTZ, Robert. A preeminência da mão direita: um estudo sobre a polaridade
religiosa. In: Religião e Sociedade, v. 6, p. 99-128, 1980.
Página 99
• Informações (dos editores) sobre os objetivos da ‘Religião e Sociedade’ e sobre
Robert Hertz
→ membro da escola sociológica francesa: princípio básico da religião – a oposição
entre o sagrado e o profano
→ tese de que o coletivo ou espiritual superimpõe-se ao orgânico e individual: a
oposição entre a mão direita e a esquerda está carregada de significados culturais,
servindo como representação das divisões e hierarquias sociais
Página 100
1. Assimetria orgânica
• Toda hierarquia social afirma estar baseada na natureza das coisas: de acordo com a
opinião geral, a predominância da mão direita resulta diretamente do organismo –
tentativas de atribuir uma causa anatômica à desteridade
→ Broca: “somos destros na mão porque canhotos no cérebro” – a estrutura
assimétrica dos centros nervosos
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• Qual é a causa e qual é o efeito: por que não “somos canhotos de cérebro porque
destros de mão”?
→ exercício, alimentação e crescimento de um órgão
• O fato de que os animais mais próximos aos homens são ambidestros: rejeição
teórica da explicação anatômica da preeminência da mão direita – as causas seriam
exclusivamente exteriores ao organismo
→ isto é, para Hertz, uma negação radical: existem os fatores internos (organismo),
ainda que difíceis de distinguir e insuficientes, e os fatores externos (sociedade) – a
influência externa e a tendência orgânica
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→ não existe necessidade de negar a existência de tendências orgânicas para a
assimetria, mas fora os casos excepcionais, a vaga disposição para a desteridade,
não seria suficiente para fazer surgir a preponderância absoluta da mão direita se
isto não fosse reforçado e fixado pelas influências estranhas ao organismo
• Por que a mão esquerda é reprimida e mantida inativa? Por que seu
desenvolvimento é metodicamente frustrado?
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→ nos casos em que a mão esquerda é adequadamente exercitada e treinada, por
necessidade, é quase tão útil quanto a direita: os resultados do método de educação
bimanual aplicado em escolas inglesas e norte-americanas
• Não é porque seja fraca ou sem poder que a mão esquerda é desprezada: a
desteridade é um ideal ao qual todos precisam conformar-se e que a sociedade nos
força a respeitar por meio de sanções
• Nota de nº 12: “a maior parte dos fatos etnográficos nos quais se baseia este estudo
vem dos Maori, ou mais exatamente de uma tribo muito primitiva chamada Tuhoe”
Página 104
• A assimetria orgânica no homem é um fato e um ideal: a estrutura do organismo (o
fato) não explica a origem do ideal, a razão para sua existência
2. A polaridade religiosa
• A diferença em valor e função entre os dois lados de nosso corpo possui, num grau
extremo, as características de uma instituição social, e um estudo que tente explicá-
la pertence à sociologia
→ as ideias secularizadas que ainda dominam nossa conduta nasceram em forma
mística, no reino de crenças e emoções religiosas: temos, portanto, que explicar a
preferência pela mão direita num estudo comparativo de representações coletivas
• A oposição fundamental do mundo espiritual primitivo: o sagrado e o profano
Página 105
→ na classificação que dominou a consciência religiosa desde o início e em graus
crescentes, existe uma afinidade natural e quase que uma equivalência entre o
profano e o impuro: as duas noções são combinadas e, em oposição ao sagrado,
formam o polo negativo do universo espiritual
Página 106
→ o dualismo, que é a essência do pensamento primitivo, domina a organização
social primitiva
→ mesmo com a evolução da sociedade, o princípio pelo qual se atribui aos homens
posição e função permanece o mesmo: a polaridade social é ainda um reflexo e uma
consequência da polaridade religiosa
Página 107
→ a oposição sagrado/profano na natureza, na divisão em lado masculino (tama
tane)/lado feminino (tama wahine) entre os Maori, religião/magia
Página 108
→ a oposição na adoração: a cerimônia tira
• Como poderia o corpo humano, o microcosmo, escapar da lei da polaridade que
governa tudo? Só o organismo humano deveria ser simétrico? Isto é uma
impossibilidade
→ seria não apenas uma anomalia inexplicável, mas arruinaria toda a economia do
mundo espiritual
Página 109
→ se a assimetria orgânica não existisse, ela teria que ser inventada por causa da lei
da incompatibilidade dos opostos válida para todo o mundo da religião
3. As características da direita e da esquerda
• O modo diferente pelo qual a consciência coletiva concebe e avalia a direita e a
esquerda aparece claramente na linguagem: o contraste entre as palavras que
designam os dois lados na maioria das línguas indo-europeias
Página 110
→ a multiplicidade e a instabilidade dos termos para a esquerda, e o seu caráter
evasivo e arbitrário
• O mesmo contraste aparece ao se considerar os significados das palavras ‘direita’ e
‘esquerda’
Página 111
• Entre os Maori o direito é o lado sagrado, a sede dos poderes bons e criativos; o
esquerdo é o lado profano, não possuindo nenhuma outra virtude exceto certos
poderes perturbadores e suspeitos
→ o mesmo contraste reaparece no curso da evolução da religião, em formas mais
precisas e menos impessoais
Página 112
• Esquerda: morte, baixo, mundo subterrâneo e terra, norte, oeste / direita: vida, alto,
céu, leste, sul
Página 113
• Esquerda: escuridão, exterior, tama wahine / direita: luz, interior, tama tane
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• Esquerda: passiva / direita: ativa
4. As funções das duas mãos
• A diferença em posição e funções que existem entre as duas mãos
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• As mãos são usadas apenas incidentalmente na expressão de ideias: elas são
primordialmente instrumentos com os quais o homem age sobre os seres e as coisas
que o circundam – é nos diversos campos de atividade humana que precisamos
observar as mãos trabalhando
→ na devoção: a mão direita e as benesses
Página 116
→ parte considerável do culto religioso é devotada a conter ou apaziguar os seres
malevolentes, a banir ou a destruir más influências: neste reino é a mão esquerda
que prevalece
→ as práticas mágicas: aqui a mão esquerda está à vontade
Página 117
• Se a mão esquerda é desprezada e humilhada no mundo dos deuses, no mundo dos
mortos ele tem seu reino e de onde a mão direita é excluída: mas esta é uma região
mal afamada
→ a mão esquerda muito dotada e ágil é sinal de uma natureza contrária à ordem
corrente, de uma disposição perversa e diabólica
→ a preponderância exclusiva da direita e a repugnância em adquirir o que seja da
esquerda são as marcas de uma alma associada com o divino e imune ao que é
profano ou impuro
→ é por isso que a seleção social favorece os destros e porque a educação é dirigida
no sentido de paralisar a mão esquerda enquanto se desenvolve a direita
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• A vida em sociedade envolve um grande número de práticas que, sem serem
integralmente parte da religião, estão estreitamente ligadas a ela
→ tal como acontece com as formalidades jurídicas, também as regras de etiqueta
derivam diretamente da adoração
→ todos estes usos, que parecem ser puras convenções hoje, são explicados e
adquirem significado quando relacionados às crenças que lhes deram origem
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→ o domínio dos conceitos religiosos na culinária, nas artes e nas técnicas
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→ o domínio dos conceitos religiosos nas artes e nas técnicas
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• De um extremo a outro do mundo, em qualquer lugar, uma lei imutável governa as
funções das duas mãos
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→ a supremacia da mão direita é ao mesmo tempo um efeito e uma condição
necessária da ordem que governa e mantém o universo
5. Conclusão
• A diferenciação obrigatória entre os lados do corpo é um caso particular e uma
consequência do dualismo inerente ao pensamento primitivo: mas como o lado
sagrado é invariavelmente o direito e o profano o esquerdo?
→ as explicações naturalistas: a diferenciação é inteiramente explicada pelas regras
da orientação religiosa e da adoração ao sol; considera-se que o contraste entre luz e
trevas, entre calor e frio, tenham ensinado aos homens a distinguir e a opor sua
direita e sua esquerda
• O mundo externo enriquece e dá precisão às noções religiosas, que surgem das
profundezas da consciência coletiva, mas não as cria
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→ não há nada que nos permita afirmar que as distinções aplicadas ao espaço são
anteriores às que dizem respeito ao corpo humano
→ é preciso procurar na estrutura do organismo a linha divisória que dirige o fluxo
benéfico dos favores sobrenaturais em direção ao lado direito
Página 124
• É porque o homem é um ser duplo (homo duplex) que ele possui uma direita e uma
esquerda profundamente diferenciadas
• Parece impossível explicar o significado e a gênese da distinção sem tomar partido,
ao menos implicitamente, de uma ou de outra das doutrinas tradicionais da origem
do conhecimento
→ distinção inata x experiência
• A aplicação do método experimental e sociológico a problemas humanos põe fim
neste conflito
→ as representações intelectuais e morais da direita e da esquerda são verdadeiras
categorias, anteriores a toda experiência individual, já que estão ligadas à própria
estrutura do pensamento social
→ mas não cabe falar de instintos imutáveis ou de dados metafísicos absolutos:
estas categorias são transcendentes apenas em relação ao indivíduo – colocadas em
sue cenário original, a consciência coletiva, elas aparecem como sujeitas à mudança
e dependentes de condições complexas
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• A tendência de nivelar o valor das duas mãos não é um fato isolado ou anormal em
nossa cultura: as ideias religiosas antigas que colocam uma distância intransponível
entre coisas e seres, e que em particular fundou a preponderância exclusiva da mão
direita, estão hoje em retirada completa
• Referências
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• Referências
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• Referências
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• Referências

Texto 18: ELIADE, Mircea. O espaço sagrado e a sacralização do mundo. In: O Sagrado e
o Profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1996. pp.25-61.
[Mircea Eliade (1907, Romênia-1986, EUA), tese de doutorado a partir da experiência de 4
anos na Índia estudando sânscrito e yoga]
Homogeneidade espacial e hierofania (pg.25-28)
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• Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo: há porções de espaço
qualitativamente diferentes das outras – espaço sagrado e espaço não-sagrado
→ a experiência de Moisés no Monte Sinai: a ‘terra santa’
→ essa não-homogeneidade espacial traduz-se pela experiência de uma oposição
entre o espaço sagrado e todo resto
• A experiência religiosa da não homogeneidade do espaço constitui uma experiência
primordial, que corresponde a uma fundação do mundo
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→ a manifestação do sagrado (hierofania) funda ontologicamente o mundo: a
hierofania revela um ‘ponto fixo’ absoluto, um ‘Centro’ – orientação
→ nada se pode fazer sem uma orientação prévia, e toda orientação implica a
aquisição de um ponto fixo
→ a descoberta ou a projeção de um ponto fixo, o ‘Centro’, equivale à Criação do
Mundo: o valor cosmogônico da orientação ritual e da construção do espaço sagrado
• Para a experiência profana, o espaço é homogêneo e neutro: nenhuma rotura
diferencia qualitativamente as diversas partes de sua massa – o espaço geométrico
→ sem diferenciação qualitativa: sem nenhuma orientação
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→ é preciso não confundir o conceito do espaço geométrico homogêneo e neutro
com a experiência do espaço “profano” que se opõe à experiência do espaço sagrado
→ o que interessa à nossa investigação é a experiência (não o conceito) do espaço
tal como é vivida pelo homem não religioso, quer dizer, por um homem que recusa
a sacralidade do mundo, que assume unicamente uma existência “profana”,
purificada de toda pressuposição religiosa
→ tal existência profana jamais se encontra no estado puro: até a existência mais
dessacralizada conserva ainda traços de uma valorização religiosa do mundo
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→ na experiência do espaço profano ainda intervêm valores que, de algum modo,
lembram a não-homogeneidade específica da experiência religiosa do espaço:
exitem locais privilegiados, qualitativamente diferentes dos outros – comportamento
cripto religioso do homem profano
• Degradação e dessacralização dos valores e comportamentos religiosos
Teofanias e sinais (pg.28-32)
• A fim de pôr em evidência a não homogeneidade do espaço, tal qual ela é vivida
pelo homem religioso, pode-se fazer apelo a qualquer religião: uma igreja, por
exemplo
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→ a porta, o limiar: onde se pode efetuar a passagem do mundo profano para o
mundo sagrado, onde esses dois mundos se comunicam
→ uma função ritual análoga é transferida para o limiar das habitações humanas:
numerosos ritos acompanham a passagem do limiar doméstico
• No interior do recinto sagrado, o mundo profano é transcendido
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→ o templo constitui, por assim dizer, uma “abertura” para o alto e assegura a
comunicação com o mundo dos deuses
• Todo espaço sagrado implica uma hierofania, uma irrupção do sagrado que tem
como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna
qualitativamente diferente
→ a teofania consagra um lugar pelo próprio fato de torná-lo “aberto” para o alto,
ou seja, comunicante com o Céu, ponto paradoxal de passagem de um modo de ser a
outro
→ inúmeras vezes nem sequer há necessidade de urna teofania ou de uma hierofania
propriamente ditas: um sinal qualquer basta para indicar a sacralidade do lugar
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→ quando não se manifesta sinal algum nas imediações, o homem provoca-o,
pratica, por exemplo, uma espécie de evocatio com a ajuda de animais: são eles que
mostram que lugar é suscetível de acolher o santuário ou a aldeia
• Esses poucos exemplos mostram-nos os diferentes meios pelos quais o homem
religioso recebe a revelação de um lugar sagrado
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→ o desejo do homem religioso de mover se unicamente num mundo santificado,
quer dizer, num espaço sagrado: se elaboraram técnicas de orientação, que são,
propriamente falando, técnicas de construção do espaço sagrado
→ o ritual pelo qual o homem constrói um espaço sagrado é eficiente à medida que
ele reproduz a obra dos deuses
Caos e cosmos (pg.32-35)
• As sociedades tradicionais e a oposição nosso mundo (Cosmos) / outro mundo
(Caos)
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→ é preciso observar que, se todo território habitado é um “Cosmos”, é justamente
porque foi consagrado previamente, porque, de um modo ou outro, esse território é
obra dos deuses ou está em comunicação com o mundo deles: ele foi fundado – no
sentido de que fixara-se os limites e estabelecera-se a ordem cósmica
• O ritual védico concernente à tomada de posse de um território: um altar do fogo
consagrado a Agni
→ a consagração de um território equivale à sua ‘cosmização’: o erguimento de um
altar a Agni não é outra coisa senão a reprodução – em escala microcósmica – da
Criação
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• Um território desconhecido, estrangeiro, desocupado (no sentido, muitas vezes, de
desocupado pelos “nossos”): o homem transforma-o simbolicamente em Cosmos
mediante uma repetição ritual da cosmogonia
→ a transformação do Caos em Cosmos pelo ato divino da Criação

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