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HELÊNICAS

CAPÍTULO 01

Cabo de Santo Agostinho, cidade a 33 quilômetros de Recife, mais conhecida por suas
praias, agora em franco crescimento graças aos negócios da refinaria de Suape. Ficando no
caminho para a famosíssima Porto de Galinhas, tem quem acabe se encantando com a parte
litorânea ou se empolgando com o potencial econômico do lugar. Mas não é exatamente de
economia que essa história vai falar, embora tenha um de seus pés fincado nela.

Maria Helena é uma mocinha com seus 23 anos, bonitinha, magrinha, cabe direitinho
naquelas saias retas na altura do joelho que as meninas usam para ir à Assembleia de Deus, com o
diferencial de que essa não é de frequentar a igreja e só compra as tais saias porque é mais barato e
até caem bem nela.
E sobem fácil quando ela se encontra com Gustavo.
Havia quatro anos que o casalzinho levava esse namoro escondido, nos becos do Mercadão
onde ela vendia frutas com a tia Mariluce. Um namoro daqueles tecnicamente impossíveis de
acontecer: enquanto ela vendia frutas em uma humilde barraquinha no Mercadão; ele vendia frutas,
verduras, biscoitos, cereais, produtos de limpeza e até eletrodomésticos ... Quer dizer, ele não. Os
pais dele, atuais donos da rede de hipermercados Ceres. Na verdade não importava muito se era o
pai ou o filho; o importante é que nessa história ele entrava com o dinheiro para as saídas e ela com
o resto [se é que vocês entendem].
- Gu, eu tava pensando num negócio.
- No quê?
- Que você nunca...
- Que eu nunca te chamo de amor, de gatinha, de flor?
- Não! Pra isso eu não ligo... O último cara que me chamou de amor foi o cabeleireiro viado
ali da esquina, aquele que ganhou o Miss Parada Gay do ano passado. É que a gente nunca ficou
junto numa cama daquelas bem grande, bem fofa... Queria tanto. Vamos pra sua casa?
- Não! Tu sabe que não dá pra ir pra minha casa; meus pais tão lá e eu acho que eles te
conhecem...
- Conhecem nada; eles nem pisam aqui na feira, vão me conhecer.
- Mesmo assim, eu acho melhor não, vai ser muita pergunta. Mas eu te levo no melhor
motel do Recife agora, se você quiser.
- Agora?
- Já.
Ela só queria uma cama king size para se espalhar com seu amor; e ele oferecia uma ida ao
motel mais chique. Aquilo bastava para deixá-la nas nuvens: um homem que dava mais do que ela
pedia. Esqueceu até que eram ainda duas da tarde, horário de trabalho; e foi embora pendurada nos
braços do namoradinho, para entrar direto no Ford Ka preto que o moço tinha ganho quando
passou no vestibular. Ganharam a rua.
Na casa de Gustavo, o pai provavelmente não perceberia se o único filho passasse por aí
com Maria Helena e se enfiasse corredor adentro. Olívio estava ocupado demais vendo corrida de
cavalos na TV e apostando dinheiro com os coleguinhas na internet acessada via Blackberry.
Flávia, para variar, estava ao telefone fazendo o sagrado DDI do fim de semana para seu irmão,
Cássio.
- E sua esposinha?
- A minha es-po-sa vai muito bem, obrigada. Vem cá, qual é o teu problema com a
Kimberly? Eu achei que você ia gostar dela, que iam trocar figurinhas...
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- É que quando você disse que ia casar com uma americana, eu achei que fosse o padrão
novaiorquino; não essa caipira que você arranjou.
- Pelo menos a caipira é linda, inteligente, prendada, ótima mãe e me faz feliz pra caramba.
Ao contrário de certas pessoas...
- Tá dizendo que eu sou infeliz com o Olívio?
- Ah, não! É que eu esqueci uma parte da frase, deixa eu completar. Além de me fazer
muito feliz, eu a escolhi. Ao contrário de certas pessoas... Agora sim, pode comentar.
- Tá dizendo que eu sou infeliz porque não escolhi o meu marido? Pois saiba que
escolherem Olívio foi a melhor coisa que fizeram por mim.
- Então tá, quem dorme com ele é você...
- Isso dá certo, acredite! Vai dar certo com os nossos filhos também.
Do outro lado da linha Cássio não falou nada. Estava com uma cara estranha, de quem não
parece gostar muito do que acaba de ouvir. Mais ou menos a mesma cara de quem está dormindo
tranquilamente no domingo pela manhã e é acordado por Testemunhas de Jeová com a Sentinela na
mão. Kimberly cruzava a sala com os cabelos molhados presos em coque para não respingar a tinta
vermelha que usava desde que tinha entrado na casa dos cinquenta; mas passou rápido e, julgando
que ele estivesse ocupado ouvindo a irmã, nem disse oi.

[.]

Lemonade Hotel. Também conhecido como o motel mais suntuoso do Recife, a


transformação de limões e limonadas em algo altamente afrodisíaco. O Ford Ka de Gustavo
entrando, outros carros saindo e um carro - também verde - parado bem na porta. Dentro daquele
carro verde, quem estaria? Uma mulher que carregava no rosto a dor de ter amputado um braço ou
uma perna.
Telma era recém-divorciada. E pouco antes do break-up, tinha perdido um filho também.
Um filho de apenas 10 anos, que estava crescendo, ficando cada vez maior, chamando a atenção
de todo mundo, dando orgulho... Tinha um futuro daqueles. Ela e Bartolomeu tinham vislumbrado
O futuro. As festas de aniversário de 15, 20, 25, 30 anos; quantas vidas seriam afetadas e
alegradas por aquela... Produtora de vídeos.
Em 15 anos de união, Bartolomeu e Telma nunca tinham tido filhos no sentido mamífero
da coisa. Mas a Lobo Produções havia sido gerada como se fosse uma criança. Seu embrião
surgiu num quarto daquele motel numa noite daquelas em que uma trepada só não basta para
amenizar o fogo. Duas, três vezes. E eles se riam, suados, roupas e lençois no chão, brincavam
que àquela noite o desempenho tinha sido digno de filme pornô. Se tivessem uma câmera ali...
Podiam vender e fariam o maior sucesso porque tem muita gente que gosta de putaria a preço de
banana. As pesquisas de mercado apontam o contrário porque isso é coisa que não se assume nem
a pau. Filmes. Saíram de lá gravidíssimos de uma grande ideia.
E a produtora nasceu três meses depois, contando com uma filmadora e uma salinha
comercial que servia de estúdio. Apenas Bartô e Telminha para tudo: cenografia, figurinos... Eles
eram os atores também. E o primeiro filme foi justamente o tal pornô. Mas quando iam lançar a
fita no mercado, ela desistiu e enfurnou a produção colchão abaixo. Nunca souberam como seria a
vida se tivessem liberado o tal filme, mas até que se deram bem fazendo comerciais, vídeos
institucionais, um ou outro curta-metragem, filmagem de casamento e festa de aniversário... Aos
poucos foram ganhando respeito. Conseguiram fechar contrato com uma emissora local para
produzir uma série, o auge! Foi aí que começaram os problemas. Crise, brigas, contrato não
cumprido, contrato cancelado e FIM de empresa e de casamento. Agora ela estava ali dentro do
carro velhinho - único bem que era só dela desde o começo - rememorando toda a história. Doía
como se tivesse perdido um filho no sentido humano da coisa. Ela chorava como se perdesse o
fruto de seu próprio ventre. Na verdade um pouco menos, mas chorava porque era dela que tinha
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saído o primeiro suspiro do projeto. Ela havia dado uma das facadas. Ainda sangrava - dívidas a
pagar.
Uma hora havia se passado ali, remoendo toda a história mais de uma vez. Uma hora
parada bem na porta da garagem que agora se abria.
Apenas uma hora que havia valido por um dia inteiro de sonho para Maria Helena.
- Vamos fazer de novo quando?
- Amanhã.
- Você vai me trazer aqui amanhã de novo?
- Não, por quê?
Armou-se uma carranquinha.
- Eu achei que...
- Ah, você fez a pergunta errada.
- Gostei tanto daqui...
- E de mim?
- Gosto sempre. - desarmou-se a carranquinha.
- Então não fique com essa cara de abuso; ainda vou te levar pra outros lugares legais,
palavra.
Ainda estavam parados na saída, e outros dois carros atrás, esperando. Buzinavam como se
a culpa fosse deles.
- Peraí, caramba!
Gustavo começou a buzinar para Telma, que enxugava as lágrimas. Ela deu partida,
estancou, respirou fundo e se foi.
Bartolomeu também curtia seu luto passeando pela sala onde a produtora havia se firmado.
Depois haviam adquirido a segunda sala e finalmente podiam passear por um corredor como se
fosse uma grandissíssima empresa. Ensaiavam para a grande empresa que teriam se não tivessem
acabado com tudo. Ele também sofria porque se sentia como o pai. Se não tivessem transado três
vezes naquele dia, Telma teria a ideia?
Caminhava pelas duas salas vazias tentando se acostumar com a ideia de que o projeto,
assim como o seu casamento, estava acabado. Vazio como no começo, mas agora ele estava
sozinho. Não sabia se sofria por estar sem trabalho [e consequentemente sem dinheiro] ou por estar
sem mulher. Talvez por tudo. Perdia a mulher porque não havia mais trabalho; perdera o trabalho
porque estava perdendo a mulher. Tudo ao mesmo tempo. E parecia não ter juntado coragem
suficiente para sair dali e encarar a grande pergunta que o esperava lá fora: e agora?
Telma também guardava sua chave e também teve a ideia de ir para lá uma última vez, se
despedir de uma vez de tudo. Entrou na primeira sala, onde tudo começou; não viu o ex-marido que
já estava no fim do tour. Mas para sair ele teria de voltar àquela sala. Foi o que aconteceu: se viram.
Um minuto de silêncio constrangedor que só os reencontros pós briga homérica são capazes de ter.
Ele o quebrou.
- Ah, oi.
- Oi.
Mais um pouco de silêncio.
- Parece que tivemos a mesma ideia, não é?
- O que não quer dizer que a gente pense igual.
- Que a gente pensa mais ou menos igual sim, né?
- Não!
- O que você veio fazer aqui?
- Lembrar dos bons dias.
- Eu também. Tá vendo como a gente pensa igual?
- Não tô vendo nada.
- Tá ouvindo como a gente pensa igual?
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- Vou embora.
- Ih, de novo. Eu também vou embora.
- Já que é assim, vou ficar.
- Tchau!
Bartolomeu abriu a porta para sair, mas logo a fechou e deu meia volta.
- Ô Telma, e aquela fita?
- Que fita?
- A nossa. Onde foi que você guardou?
- Ah, aquela fita... Sei lá. Acho que mofou e eu joguei fora na última faxina.
- O que teria acontecido se a gente tivesse botado aquela fita na roda?
- A gente não ia poder sair na rua.
- Se você encontrar, o que vai fazer?
- Jogar fora, por quê?
- Não, é que seria uma saída boa... Pornô ainda vende pra chuchu naquelas barracas piratas.
- Vender aquilo pra todo mundo comprar e me fazer lembrar que a gente transou um dia? Eu
ia me matar, não ia nem aproveitar o dinheiro.
- Isso, cospe no prato que você comeu bem comido e mais de uma vez!
- Cuspo e vomito se for necessário. E tchau!
Dizendo aquilo e se esforçando para fazer cara de nojo, Telma disparou corredor adentro e
Bartolomeu se foi de uma vez para encarar a pergunta que não gostaria de. E agora?
Quando Bartolomeu saiu do prédio de apenas dois andares que abrigava a finada Lobo
Produções, o dono do imóvel chegava acompanhado de outras duas pessoas. Olhavam o prédio de
alto a baixo, de baixo a cima e ele parou para tentar ouvir o que o trio conversava. Entendeu apenas
uma palavra que resumia tudo: reforma. Aquela palavra congelava tudo dentro dele, toda a história
seria apenas uma história assim que o prédio fosse reformado. Sem referências que pudessem ser
escavadas por pretensos arqueólogos daqui uns anos [como se o ex-casal fosse muito importante]. A
sala não seria mais aquela sala onde tudo ganhou forma e nasceu. O corredor não seria o mesmo
corredor por onde ele e Telma andaram como se fosse um corredor branco-acinzentado de
multinacional. E achou bom.
- Tomara que derrubem! - ele murmurou, passando bem pertinho do seu ex-senhorio e
torcendo para que ele ouvisse.

[.]

Muito longe dali, num lugar onde não havia prédios, produtoras de vídeo nem nada; duas
mulheres arrumavam uma mala.
- Não precisa, mãe. Nem tenho tanta coisa assim pra levar...
- Deixa eu arrumar, Lucinha. Vai ser a última coisa que vou poder fazer por você.
Jeane parecia tranquila ao fechar a mala, mas o barulho do zíper se fechando encobria um
solucinho. Estava de coração dissolvido por ver a filha saindo do jeito que chegou à sua porta: tão
frágil, levando em si nada além de esperança e uma mudinha de roupa.
- Quando tudo estiver certinho lá, eu volto pra levar vocês pra minha casa, tá?
- Não precisa se preocupar com a gente... Vá e faça a sua vida, mas nunca esqueça daquilo
que eu e seu pai ensinamos, hein?
- Não vou esquecer nunca. É tudo o que eu sei nessa vida, mãe. Por isso que eu vou vir
buscar vocês assim que eu tiver um emprego e uma casa. E não vai demorar muito, tenho certeza.
- Tão bom ter uma filha como você, meu anjinho... A desalmada que te abandonou não sabe
o bem que fez pra mim e pro seu pai te colocando na nossa porta!
Não conseguiram ir adiante. Uma enxurrada de lágrimas tomou conta da conversa.
Despedidas, sempre tão tristes.
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Uma kombi ia passar para levar Lúcia Helena à rodoviária, poupando aos pais a dor de
prolongar a despedida. Na sala de portas abertas aguardando a kombi chegar, a menina dava as
últimas recomendações.
- Pai, o senhor faria uma coisa pra mim?
- Qual coisa?
- Se matricula numa daquelas escolas que tem sala pra jovens e adultos.
- Minha filha, eu já...
- Nada de "minha filha"! Quando eu voltar pra vir buscar vocês, quero que o senhor já saiba
ler alguma coisa.
- Buscar a gente?
- É, quando eu tiver trabalho e uma casinha boa por lá, eu venho buscar vocês dois.
A kombi chegou e já foi buzinando. Era a hora. Lúcia Helena abraçou e beijou pai e mãe e
saiu correndo, levando sua única mala, já tão gasta.

[.]

Telma deixou o prédio aparentemente mais calma. Os olhos não estavam inchados nem
vermelhos; mas só porque ela tinha esperado mais ou menos duas horas para desfazer os estragos
que uma hora de chororô haviam feito em seu rosto. O dono do prédio ainda estava lá com os
engenheiros e plantas na mãos, pensando nos detalhes do prédio residencial que ocuparia aquele
espaço. Sem sequer pensar em prestar atenção ao que conversavam, entrou no carro e seguiu rua
afora, dobrando uma esquina logo depois.
A 20 minutos dali tinha o Edifício Filipe Camarão, um prédio imenso, recém-construído e
com poucos moradores. Era para lá que Telma se dirigia; mas ao chegar, não entrou com o carro no
prédio. O deixou encostado na calçada, desceu, foi ao interfone e a porta se abriu instantes depois.
Obviamente, ela vão vivia ali.
Subiu ao 19º andar e ao sair do elevador, arriscou dar uma olhadinha para baixo. Viu o
Recife inteiro debaixo de seus pés como se fosse o take de um fil... quer dizer, como se fosse uma
maquete. Afastou-se da enorme janela de vidro que de tão limpa dava a impressão de não existir e
tocou a campainha. Depois do segundo toque, uma moça bonitinha, magrinha, de cabelos cacheados
curtinhos [só uma mecha maior caindo pelas costas] vestindo um short jeans surrado e uma blusa
rosa desbotada.
- Oi!
- Célia, sua mãe tá aí?
- Tá, Telma, entra aí que eu vou chamar.
Célia Helena abriu caminho para a visita – que era também sua madrinha – e largou Telma
sozinha na sala, se enfurnando corredor adentro. Depois Clara, a mãe, vinha exatamente daquele
corredor para recebê-la.
- Oi, Telminha! Como...
Antes que Clara terminasse a frase, Telminha voltou a romper em prantos, dessa vez
molhando o ombro da amiga.
Célia Helena divide o quarto com a irmã mais nova, Marly; e neste exato momento estão as
duas ocupando o espaço, cada qual em sua cama. Marly lê um livro e, sem olhar para a irmã, dá o
comando.
- Faz um milk shake pra mim?
- Eu, hein? Tá me achando com cara de cozinheira?
- A empregada chegou?
- Não, e parece que hoje ela não vem. Saco!
- Poxa, custava nada você voltar lá e fazer o milk shake!
- Ah, custa. Custa o tempo de eu procurar testes pra fazer por aí.
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- Se eu escrever uma peça e a protagonista for uma cozinheira, tu perde o papel por falta de
laboratório.
Marly tinha falado as palavras mágicas: peça, protagonista, papel. Célia Helena levantou, se
inclinou para a irmã e tirou das mãos dela o livro que estava lendo.
- Jogo baixo. - E foi saindo, mas ainda ouviu a última recomendação de Marly.
- Morango!

[.]

O milk shake de Marly seria feito com Nesquik, como sempre. Mas já era tempo de
morangos e as pessoas acabavam com o estoque da fruta na barraca de Mariluce e Maria Helena. Já
eram quase cinco horas, quase hora de encerrar o expediente; e Mariluce ali, sozinha. Não dava para
arrumar aquilo tudo e partir sozinha - quer dizer, até dava; mas não na idade em que ela estava. A
sobrinha era bem mais rápida, aguentava um pouco mais de peso apesar de ser tão magrinha. A
ausência da moça estava a deixando preocupada demais, tanto que Mariluce não pensou duas vezes
antes de largar mercadorias, dinheiro e tudo para ir se abalar ao único lugar para onde Maria Helena
poderia ir [ao menos segundo a lógica da tia desesperada]: a lan house.
Para variar, naquele horário o estabelecimento estava lotado de meninos jogando GTA, Need
For Speed e similares; tinha gente na fila de espera, umas duas meninas incluídas. E nenhuma delas
era Maria Helena! Agora Mariluce não estava preocupada; estava quase em pânico.
E enquanto a feirante se consumia de medo pelo que poderia ter acontecido à Maria Helena,
o Ford Ka de Gustavo era estacionado perto de uma lanchonete na pracinha. O casal desce.
- Agora preciso ir.
- Vem me ver amanhã?
- Venho, claro.
- Com surpresa?
- Vamos ver...
Com um beijo rápido o suficiente para que ninguém na rua reparasse, Gustavo se despede da
namorada e entra outra vez no carro. Maria Helena volta para o Mercadão a passos largos e lentos,
como se saltasse nuvens. Quase que pisava em uma casca de manga, tamanha a distração. Mas
Mariluce chega bem na hora e segurou a sobrinha pelos dois braços. Ela não deu nem mais um
passinho.
- Eu rezei tanto pra que você voltasse inteira pra casa, minha filha!
- Ah foi?
- Claro! Era pra ter o gosto de eu mesma te quebrar no cacete!
Era a primeira vez que Mariluce fazia uma ameaça daquelas e por ser a primeiríssima vez,
era muito sério. No mesmo instante a mocinha desceu das nuvens e saiu correndo, saltando todas as
cascas de frutas, pedregulhos e outros que tais até chegar à barraca, onde estaria salva... Ou não.
Tudo estava absolutamente destruído. As frutas que sobraram haviam sido saqueadas, tudo
virado, uma bagunça. Continuou correndo para dar uma canseira na velha e não apanhar.

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