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Este caderno é parte integrante do Jornal da Associação Médica Brasileira (AMB) – Coordenação: Hélio Barroso dos Reis
Bimestral Julho/Agosto de 2010 – Nº 4
Série Cérebros
Energy, 2006
Acrílico sobre tela
Dimensões: 160 x 120 cm
Boa Leitura
O
alemão João Gutenberg, ou Johannes Gens- suplemento cultural, a despeito dos grandes avanços
fleisch zur Laden zum Gutenberg, nascido tecnológicos como o livro digital.
em Mainz, arcebispado de Mogúncia, por
Instrumento de real grandeza, a tipografia veio nos
volta de 1398, foi o responsável por dar início ao rela-
brindar tantos anos após o feito de Gutenberg, através
cionamento do ser humano com os livros impressos,
de um percurso vitorioso. É por isso que reforçamos o
como também jornais, nos idos do século XV, por
volta de 1439, em Estrasburgo, na França. Após essas convite aos médicos de todo o Brasil a participar deste
relações seculares de sucesso, ainda nos dias atuais meio de comunicação, enviando suas manifestações
comemoramos a impressão do JAMB Cultura, nosso culturais para a Associação Médica Brasileira.
N
a véspera da noite de Natal do ano de 1888 de pintar retratos, já que achava suas paisagens satura-
bate à porta do prostíbulo um pintor estranho das de tinta. Porém, encontrava inúmeras dificuldades
que morava no mesmo bas fond em Arles (sul para conseguir modelos, de modo especial prostitutas,
da França), na (hoje famosa) casa amarela, trazendo que temiam que as pessoas fossem rir dos retratos e
à mão uma pequena lembrança para uma das prosti- assim ficariam desacreditadas, ridicularizadas perante
tutas. Certamente quem recebeu o pacote deve ter se os seus clientes.
surpreendido muito ao encontrar dentro, ensanguen-
A bem ver, os retratos que Van Gogh pintava pare-
tado, um pedaço da orelha de Vincent Van Gogh que,
ciam feios e, portanto, enfeiadas estariam as pessoas
com esse propósito, acabara de seccioná-la.
por ele retratadas. À época não foram somente os incul-
O prostíbulo era o número 1, da Madame Chose, tos que esconderam nos cantos e nos porões das casas
ao qual fora na véspera com seu amigo Paul Gauguin. as telas de Van Gogh, mas até pessoas aparentemente
Naquela noite, Vincent disse a uma das moças que lá abertas para os avanços da arte o faziam. Ou seja, era
trabalhavam que gostaria de pintar o seu retrato, a cujo difícil alguém se sujeitar ao pós-impressionismo, pois
convite ela recusou e, em tom de pilheria, disse que um ainda imperava o clássico, há séculos.
presente muito melhor seria uma de suas orelhas, à
Então, na noite em que foi ridicularizado no caba-
qual dava puxõezinhos e piparotezinhos para o diver-
ré, quando a prostituta recusou-se a ser o seu modelo,
timento e riso desbragado dos frequentadores... naque-
Vincent chegou à superexitação mental. Assim, carre-
le momento.
gado de tensões e não querendo ser por elas domina-
O ato de cortar a orelha se explica pelos absintos do e cair em depressão, reagiu em valente exaltação
ingeridos ininterruptamente pelo gênio Van Gogh, a e automutilou-se, decepando um pedaço da orelha
gerar mais e mais inquietações àquela mente já inquie- esquerda, para presenteá-la àquela que troçara de sua
ta por natureza. genialidade.
À época, Vincent andava às voltas com os seus Tivesse Rachel — assim se chamava a destinatária
quadros e chegou a escrever ao irmão Theo que gostaria do presente — assentido ao convite para posar, hoje
estaria, certamente, imortalizada em importantíssimo
quadro. Entretanto, por outro lado, não teríamos os
dois lindos autorretratos pintados no dia 7 de janeiro
de 1889, ou seja, cerca de 15 dias após o fato, em que
Van Gogh aparece com a orelha vendada (um deta-
lhe: no quadro é a orelha direita, imagem invertida,
pois usara espelho para se retratar), nem o retrato do
psiquiatra que o atendeu, Felix Rey (1867-1932).
Sobre a atitude automutiladora as pessoas da cidade
de Arles não entenderam nada, e ficaram apavoradas e
Van Gogh rapidamente saiu de lá e internou-se (volun-
tariamente) no hospício da cidade de Saint-Rémy,
em uma cidadezinha próxima de Arles. Ali produziu
algumas de suas mais fantásticas obras, Pátio do hospí-
cio, Enfermeiro Trabuc e a famosa Noite estrelada, em
que as estrelas e a lua são cor de laranja e as pequenas
pinceladas evoluíram para curvas espiraladas.
A propósito, Van Gogh era epiléptico, psicose epilé-
tica, com certeza.
Foto: AMB
declarou posteriormente em inúmeras entrevistas
concedidas à imprensa. As aulas eram desinteres-
santes e o cheiro de formol o deixava enjoado. O
grande responsável por sua permanência teria sido Já com renome internacional pelo seu trabalho
o médico italiano contratado para ministrar as aulas como pesquisador, cirurgião e professor, Zerbini
de Anatomia da Faculdade, Alfonso Bovero, cujo realizou o primeiro transplante cardíaco no Brasil,
brilhantismo acabou por cativar o jovem estudante. em 1968, com enorme repercussão. No ano seguin-
Zerbini formou-se em 1935, tendo como paraninfo te, com a aposentadoria de Alípio Corrêa Netto,
o grande benemérito Celestino Bourroul. A partir tornou-se titular da cadeira de Clínica Cirúrgica
desta data, passou a dedicar-se com afinco ao traba- da Faculdade de Medicina, onde desenvolvera sua
lho, estudo e ensino. brilhante carreira.
Ainda como acadêmico, iniciou seu aprendiza- Um dos grandes sonhos de Zerbini e de Luís
do junto à cadeira de Clínica Cirúrgica, orientada Décourt, seu companheiro dos tempos de estudan-
na época por João Alves de Lima e, mais tarde, por te, era formar um Instituto do Coração. O projeto
Alípio Corrêa Netto, seu grande mestre. Zerbini foi foi finalmente concretizado em 1978. Para garantir
então introduzido na prática da cirurgia torácica e, o funcionamento desse novo centro de cardiologia,
posteriormente, cardíaca, notabilizando-se entre Zerbini idealizou a criação de uma fundação, que
seus pares. hoje ostenta seu nome e é motivo de orgulho da clas-
se médica brasileira.
Em 1941, com a tese “O pneumotórax extrapleu-
ral”, conquistou o título de livre-docente da cadei- A morte do grande “mestre do coração”, como
ra, e procurou aperfeiçoar-se continuamente. Mais era conhecido, consternou a população brasileira,
tarde, na Escola Paulista de Medicina, orientou o em outubro de 1993. Sua obra, no entanto, é conti-
tratamento cirúrgico de pacientes com afecções do nuamente lembrada pelas famílias dos pacientes cuja
coração e dos grandes vasos, junto ao Departamento vida prolongou e, mais do que tudo, pelos discípu-
de Clínica Médica, dirigido por Jairo Ramos. los que, fiéis aos ensinamentos dele recebidos, não
cessam de aprimorá-los.
Casou-se em 1949 com a médica Dirce Costa,
que seria sua eterna companheira e colaboradora. Yvonne Capuano (São Paulo/SP),
Tiveram três filhos: Roberto, Eduardo e Ricardo. Médica Clínica
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Jamb Cultura
Espaço poético
Importante
É com os pacientes a dor compartilhar
é ter alma que não se considera única
Chorando sem as lágrimas revelar
mas,
É dedicar-se a todos com prioridade
sim,
Relacionando-se com qualidade
parte de um todo maior
- natureza e humanos –
É exercê-la de maneira responsável
com o qual convive
e interage Dedicando-se ao próximo de forma incansável
de modo fraterno e constante. É sorrir e transmitir confiança
E dizer a verdade com esperança
Importância é levar,
ao longo dos anos, É comportar-se com responsabilidade
em permanente vivência, E no trato com os colegas ter dignidade
toda pureza, É nunca esquecer o dever para com os seus
alegrias e beleza, É, enfim, a melhor maneira de
vividas na infância. se aproximar de Deus
Pavarotti e Caruso
Sou um ser predestinado – vejo e ouço todos os dias, terá cometido realmente alguma traição, ou será essa
Pavarotti e Caruso. Além deles, contemplo extasiado, a história contada pelos vencedores? Mata Hari, ou
a seus lados, duas figuras femininas redimidas – Mata seja, “o olho da madrugada”, a dançarina holandesa
Hari e Salomé. Caruso, só houve um – ninguém o de estilo hindu, Margareth Gertrude, seria uma heroína,
suplantou. Pavarotti, só existe um – ninguém o iguala no talvez até uma Joana d’Arc desvirginada, se o resultado
dó de peito. Mata Hari é imortal, assim como Salomé, da guerra fosse outro?” Fico com a dúvida, e a
duas mulheres que dois mil anos separam na vida e enterneço na minha gaiola.
na morte, e uma eternidade condena pela vilania, que
Salomé é outro caso; não me reporto a uma das
não sabemos ao certo se é verdade ou hipocrisia. Junto
três mulheres que ao lado de Madalena e de Maria,
assim, em duas belas gaiolas, pedaços eternos da arte,
a mãe de Tiago, surpreenderam vazio o túmulo de
da história, das religiões e das guerras, esses motores de
Jesus – refiro-me à filha de Herodíades, que ao bailar
civilização e cultura que acionam o meu modus vivendi.
elegantemente no banquete de aniversário do seu
Luciano Pavarotti é o maior tenor contemporâneo. ao padrasto, Herodes Antipas, agradou tanto que o
lado de José Carreras e Plácido Domingo, conseguiu tetrarca lhe disse: – “Pede-me o que bem quiseres e te
realizar algo impensável apenas umas poucas décadas darei”(Mc 6,22). Instigada por sua ardilosa mãe, ela
passadas – popularizar a música clássica, trazer o pediu a cabeça de João Batista, o profeta encarcerado
povo inculto à contemplação das mais belas óperas e nos calabouços do palácio real, justamente por haver
árias napolitanas, uma espécie de musicoterapia da condenado pública e tenazmente o casamento de
ignorância. Antipas com Herodíades, sua ex-cunhada: – “Não
Enrico Caruso, o maior intérpetre de óperas de todos os te é lícito possuir a mulher de teu irmão”(Mc 6,18);
tempos, morreu precocemente, aos 47 anos de idade, “Não te é permitido tê-la como mulher” (Mt 14,4).
ironicamente vitimado por uma afecção de garganta, O resultado dessa dança macabra, ou melhor, dessa
quando o mundo inteiro se prostrava aos pés da sua voz. trama diabólica, foi a decapitação daquele que mesmo
É por isto que me extasio quando os vejo transfigurados hoje, dois mil anos passados, ainda festejamos com
e os ouço, maviosos, na varanda da minha casa, fogueiras joaninas, fogos de artifício e animados forrós;
enclausurados, mas muito bem tratados, “a pão- e cuja cabeça jazeu sangrando, na bandeja de Salomé
de-ló com manteiga”, em dois amplos gaiolões de – mas é lícito supor – se a história é verdade inteira –
luxo. Pavarotti e Caruso são meus dois calafates Salomé, uma jovem talvez inexperiente, inebriada pela
machos, fogosos, cantores eméritos a cuja siringe corte como o demonstram seus régios casamentos
nenhum ornitólogo hesitaria conferir, talvez um tanto posteriores, foi certamente induzida e forçada pela
entusiasticamente, a abrangência de pelo menos perfídia de sua mãe, Herodíades. Até quando, e quanto,
seis oitavas. Sei que estou exagerando, mas que eles Salomé é realmente culpada?
cantam, cantam ... e muito bem. Pavarotti é alvo como Gosto de História. Como médico e literato, sou um
uma garça imaculada; Caruso, cinza brilhante, como amante das artes. Estudo religião – não como religioso,
uma salva de prata; contrastando ambos, a plumagem, teólogo, mas pela reverência à sacralidade do mundo
com o lacre dos bicos vermelhos próprios dos pardais em que vivemos. Quero a natureza dentro do meu
da Ilha de Java. Mata Hari é igual a Pavarotti; não espaço – assim, sou mais que um velho passarinheiro;
existe, casualmente, dimorfismo sexual entre eles. tornei-me um ornitólogo amador; os meus calafates,
Mas Salomé é colorida, como bem concerne a uma por isto mesmo, não podem ser simplesmente pardais
bailarina audaz e volátil. Não sei bem porque nominei de Java, munia oryzivora, aves passeriformes da
assim as minhas pardocas javanesas, especialmente família ploceidae. Eles são algo mais, concatenando
quando as casei com nomes altamente positivos das e coordenando as minhas ideias e pensamentos. São
referências históricas masculinas.
Pavarotti, Caruso, Mata Hari e Salomé.
A primeira, fuzilada em 1917, condenada por
espionagem em favor da Alemanha na Primeira Grande Ernane N. A. Gusmão (Salvador /BA),
Guerra. Era uma mulher bela, voluptuosa, sedutora – Clínico e Nefrologista
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Jamb Cultura
Dicas culturais
PORTO ALEGRE
Theatro São Pedro Colaboração
A CANÇÃO BRASILEIRA O JAMB Cultura é um espaço aberto que estimula
18 de outubro de 2010, segunda-feira, às 21h a literatura e valoriza as manifestações culturais do
Villa-Lobos, Cláudio Santoro/ Vinícius de Moraes Brasil. Por isso, convidamos os médicos a enviar artigos,
Lorenzo Fernandez, Waldemar Henrique crônicas, poesias, textos sobre cultura e história da
Ronaldo Miranda e Paulo Guedes Medicina para o Conselho Editorial.
Solista: Céline Imbert (soprano) A/C Hélio Barroso dos Reis (Diretor Cultural): Rua São
Local: Pç. Marechal Deodoro, s/n° Theatro São Carlos do Pinhal, 324 – Bela Vista – São Paulo/SP - CEP:
Pedro, Centro - Porto Alegre – RS 01333-903 - ou pelo e-mail: heliobarrosoreis@gmail.com
Informações: www.orquestrasp.org.br, (51) 3226- e cultural@amb.org.br - Participe e colecione!
2005
Normas para publicação de artigo no Jamb Cultura
São Paulo 1) ser médico associado da Associação Médica Brasileira,
Hiroshima e Nagasaki: Um Agosto para Nunca através da Federada de sua região.
Esquecer! 2) texto de aproximadamente 1 lauda, em arial 12.
Até 30 de setembro de 2010 3) se houver fotografias, favor identificá-las, colocar o
Com o objetivo de provocar reflexões sobre esse crédito e enviar em 300 dpi, anexadas fora do texto
trágico momento da história mundial, que comple- (gip ou tip).
ta 65 anos em 2010, a mostra reúne 30 pôsteres 4) o material será apreciado pelos membros do Conselho
com imagens e textos informativos e DVDs com Editorial, antes de sua aprovação de publicação.
testemunhos dos sobreviventes, documentários e 5) ao enviar para ao Conselho, enviar autorização de
animações, todos vindos do Japão especialmente publicação.
para o evento. A exposição é direcionada principal-
6) Assinar o artigo: nome, especialidade, cidade, estado
mente aos mais jovens, no sentido de promover
e endereço para correspondência.
uma ação educativa pela paz entre os povos.
Local: Associação Paulista de Medicina (APM),
Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 278 - Bela Vista
Informações e agendamento de visitas: (11) JAMB CULTURA
Edição bimestral | julho e agosto de 2010
3188-4304 ou email pinacoteca@apm.org.br - www.amb.org.br | cultural@amb.org.br
Grátis, de segunda a sexta-feira, das 12h às 21h. Presidente: José Luiz Gomes do Amaral
Curadoria: Dr. Ruy Tanigawa (São Paulo/SP), Mé- Coordenador e Diretor Cultural: Hélio Barroso dos Reis
Diretor de Comunicação: Elias Fernando Miziara
dico Acupunturista. Conselho Editorial (2010-2011):
Armando José China Bezerra (Brasília/DF - região Centro-Oeste)
Carlos David Araújo Bichara (Belém/PA - região Norte)
Gilson Barreto (São Paulo/Campinas – região Sudeste)
Giovanni Guido Cerri (São Paulo/SP – região Sudeste)
Guido Arturo Palomba (São Paulo/SP – região Sudeste)
Hélio Barroso dos Reis (Vitória/ES – região Sudeste)
José Luiz Gomes do Amaral (São Paulo/SP – região Sudeste)
Murillo Ronald Capella (Florianópolis/SC – região Sul)
Roque Andrade (Salvador/BA – região Nordeste)
Yvonne Capuano (São Paulo/SP – região Sudeste)
Revisão: Natália Cesana
Apoio cultural: Departamentos de Comunicação e Marketing da AMB
Assessoria em Comunicação e Cultura: Flávia Negrão
Projeto Editorial: Sollo Comunicação
Foto: Luigi Beneduci
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da Associação Médica Brasileira
Pôsteres na exposição Hiroshima e Nagasaki: Um Agosto para Nunca Esquecer!