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MODALIDADE: COMUNICAÇÃO
SUBÁREA: PERFORMANCE
Daniele Briguente
Escola Municipal de Música de Embu das Artes - cantando.voz@gmail.com
Flávio Apro
Universidade Estadual de Maringá – flavioapro@hotmail.com
Resumo: Este artigo aborda a performance vocal, destacando o corpo do cantor como recurso
técnico e expressivo. Ressalta, ainda, a relação entre o gesto corporal do cantor e a estrutura formal
da obra executada. O conceito de interpretação é considerado como processo criativo
interdisciplinar no qual a personalidade do intérprete, produto de sua história de vida, deve
estabelecer relação com a estrutura formal da obra, a fim de obter um resultado interpretativo
equilibrado.
Abstract: this article approaches vocal performance, pointing out the singer body as a technical
and expressive resource. In addition, the article highlights the relation between body gesture of
singer and the formal structure of the played piece. The interpretation concept is considered as an
interdisciplinary creative process, where the interpreter personality, which is the result of their life
history, should set relationship with the formal structure of the piece, in order to achieve a
balanced interpretative result.
1. Interdisciplinaridade e performance
A voz humana, enquanto recurso fonador integrante da fisiologia humana,
perpassa toda a dinâmica cotidiana. Assim, a voz falada apresenta finalidades práticas e
intenções, além de servir “para expressar sinais biológicos, sensações e sentimentos.”
(VALENTE, 2013, pag. 24). Para realizar os propósitos vocais cotidianos, o indivíduo,
apoiado em sua autopercepção e intuição, desempenha um gerenciamento de sua fisiologia
como um todo, o que inclui movimentos e gestos.
No entanto, as exigências apresentadas pelo alto desenvolvimento do canto, em
suas diferentes estéticas, extrapolam os recursos utilizados no cotidiano, uma vez que as
linhas melódicas tornaram-se mais sofisticadas, “exigiram fôlego e resistência, tessitura ampla
e muito controle, fazendo do corpo um instrumento demasiadamente limitado para os seus
propósitos expressivos.” (VALENTE, 2013, p. 24).
Para Fucci Amato (2006), a arte de cantar requer desenvolvimento técnico e treino
específico para se alcançar determinados resultados estéticos. Para a autora, cantar e falar são
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atividades essencialmente diferentes. No entanto, “o canto deve ser assim entendido como
uma forma de expressão e comunicação dos sentimentos, tanto quanto a fala, sem dicotomizar
a racionalidade que está presente na voz falada e a emoção inserida na voz cantada.” (FUCCI
AMATO, 2006, p. 66).
Para que o cantor obtenha os resultados interpretativos adequados às obras que
executa, é importante dominar amplo conhecimento técnico. Tomando a interpretação como
produto de um processo criativo, entendemos que há aí, “uma correspondência entre música e
as propriedades do corpo, ou seja, entre gestos e sensibilidade, envolvendo o imaginário e o
real traduzidos por símbolos” (LABOISSIÈRE, 2007, p. 114).
O conhecimento amplo e interdisciplinar, coloca-se como condição à qualidade da
performance vocal. Esse posicionamento opõe-se à visão fragmentada das diferentes áreas do
conhecimento, uma vez que isto leva a “conhecimentos estanques, não produtores de ações
eficazes no cotidiano social” (FUCCI AMATO, 2006, p. 66). A autora considera
indispensável para cantores, professores de canto e regentes corais, os conhecimentos
advindos das áreas da fonoaudiologia, otorrinolaringologia e pneumologia e afirma que por
meio do diálogo científico interdisciplinar, será criada “a possibilidade de informação e
formação de profissionais mais aptos e capazes de veicular o ensino de voz cantada com
fundamentos fisiológicos vigorosos, baseados em procedimentos estudados e comprovados.”
(FUCCI AMATO, 2006, p. 67).
Faz-se imprescindível, ainda, combater a dicotomia entre teoria e prática, presente
em nossas instituições. Sobre esse problema, Apro (2006) afirma:
A relação entre interpretação e conhecimento está sendo cada vez mais recolocada
sob bases epistemológicas, mesmo sob olhares céticos. Trabalhos recentes na área
da performance musical no Brasil têm comprovado o efeito salutar da absorção do
conhecimento numa execução: desde história da música, passando por uma sólida
base teórica em harmonia, contraponto etc, até o diálogo com os domínios mais
amplos da história geral, sociologia, filosofia e congêneres. (...) Numa performance,
o que antes era explicado meramente como inspiração divina (intuição), “maneira
correta” (tradição) passa, agora, a ser paulatinamente substituído por consistentes
reflexões teóricas revertidas em conhecimentos aplicados na prática. (p. 27).
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O instrumentista que interpreta e executa uma peça musical e o ator que representa
um drama no palco, exercem uma atividade que tem como intuito exprimir e traduzir
a obra, fazê-la viver na sua vida própria e executá-la em sua plena realidade audível
e visível. O seu trabalho consiste não somente em decifrar a escrita simbólica e
convencional em que a obra se acha registrada nas páginas ou no pentagrama, nem
somente em apresentar a obra a um público sugerindo-lhe e facilitando-lhe a via de
acesso à obra, mas consiste sobretudo em fazer de tal sorte que esse conjunto de
sons reais, de palavras faladas, de gestos e movimentos que resulta de sua execução
seja a própria obra em sua plena e acabada realidade. (PAREYSON, 1993, p. 211,
itálico do autor).
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referência a essas condições, que o intérprete deve orientar-se na busca pelo equilíbrio em
suas performances.
(...) pareceu provável que momentos estruturais chave (um trecho de cadência, por
exemplo) foram os mais óbvios indicadores da intenção expressiva no movimento.
Em outras palavras, um momento estrutural significante forneceu um ponto central
em torno do qual uma expressão de movimento específica poderia ser organizada.
(DAVIDSON, 2001, p. 239, tradução nossa).
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A penetração [da obra] constitui o prêmio da simpatia, a descoberta ocorre como ato
de sintonia e a revelação corresponde à afinidade espiritual: isso explica as
dificuldades e as falhas da interpretação, quando a diferente espiritualidade produz
situações não congeniais e incompatíveis e provoca antipatia e insensibilidade
(PAREYSON, 1993, p. 234).
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Referências
APRO, Flávio. Interpretação musical: um universo (ainda) em construção. In: LIMA, Sonia
Albano de (Org.) Performance e Interpretação Musical: uma prática interdisciplinar. São
Paulo: Musa editora, 2006. p. 24-37.
APRO, Flávio. Os Fundamentos da Interpretação Musical: aplicabilidade nos 12 estudos
para violão de Francisco Mignone. São Paulo, 2004. 121 p. + anexos. Dissertação de
Mestrado – Mestrado em Música, Instituto de Artes, UNESP, São Paulo, 2004.
DAVIDSON, J. The role of the body in the production and perception of solo vocal
performance: a case study of Annie Lennox. 2001 Disponível em:
http://msx.sagepub.com/content/5/2/235. Acesso em: 25 abr. 2016.
ECO, Umberto. Los Limites da la Interpretacion. Tradução de Helena Lozano. Barcelona:
Lumen, 1992.
FUCCI AMATO, Rita de Cássia. Voz cantada e performance relações interdisciplinares e
inteligência vocal. In: LIMA, Sonia Albano de (Org.) Performance e Interpretação Musical:
uma prática interdisciplinar. São Paulo: Musa editora, 2006. p. 65 - 79.
LABOISSIÈRE, Marília. Interpretação Musical: a dimensão recriadora da “comunicação”
poética. São Paulo: Annablume, 2007.
PAREYSON, Luigi. Estética: teoria da formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1993.
STRAVINSK, Igor. Poética Musical em 6 Lições. Tradução de Luiz Paulo Horta. Rio de
Janeiro: Zahar Editora, 1996.
VALENTE, Heloísa de A. Duarte; Os grãos quase graúdos da voz. In: VALENTE, Heloísa de
A. Duarte & Coli, Juliana (org.). Entre Gritos e Sussurros: os sortilégios da voz cantada. São
Paulo: Letra e Voz, 2013. p. 21-33.