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ABSTRACf

The Paraguayan War:


A Lesson for Contemporary Conflicts

The author of this article uses the conflict be-


tween Brazil and Paraguay, which took place dur-
Argentina and Uruguay) might have won, assum- CAMPESINATO E ESCRAVIDÃO: UMA PROPOSTA
íng that the politicai terms had been established.
ing the second half of the 19th century, to analyze
A consideration of available historical evidence
DE PERIODIZAÇÃO PARA A HISTÓRIA DOS
thé plausibUity of the theory established by Cala-
han, according to which four major sets of circum-
on the conflict leads the author to conclude in favor CULTIVADORES POBRES LIVRES NO 'NORDESTE
of the plausibility of the arguments originally
stances or conditions exist under which a war may
come to an end.
presented on the end of international two-sided con- ORIENTAL DO BRASIL. C 1700-1875*
flicts. The arguments hold implications for the
The author examines the military conditions historical understanding of the Vietnam War and
which would have permitted a Paraguayan victory the probable course of the current conflict between Guillermo Palacios
and the successive poínts at which the allies (Brazíl, the Soviet Union and Afghanistan.

RÉSUMÉ

La Guerre du Pantguay: APRESENTAÇÃO de numerosos grupos de camponeses, pe-


Une Leçon pour /es Conflits Contemporains quenos arrendatários e foreiros, mora-
Em fins de 1984, concluí um peque- dores de engenhos e fazendas, jornaleiros
no estudo - que na época pretendia ser rurais e vendedores ambulantes, artesões,
I.:auteur prend comme point de départ la thé- Uruguay) auraient pu vaincre, dans le cas ou la con- urna espécie de exercício em história das pequenos empregados e subempregados
orie de Calaban selon laquelle ii existe quatre grands dition politique nécessaire se soit établie. mentalidades - dedicado a analisar uma das vilas do interior, requerentes da cari-
moments ou conditions pour qu'une guerre puisse Considérant les évidences historíques disponi-
arriver à sa fin. II en analyse la plausibilité en ce
revolta de homens e mulheres pobres dade pública, vadios, mendigos e outras
bles concernarlt le conflit en question, l'auteur en
qui concerne le conflit qui a opposé le Brésil au conclut que les arguments présentés à !'origine sur livres que sacudiu Pernambuco e, em categorias e subcategorias dos porões
Pataguay dans la seconde moitié du XIXé siecle. la rm des conflits internationaux diadiques sont menor grau, outras provfnclas do nordeste da sociedade livre brasileira - dentre as
plausíbles. Cet argument a des implications sur la e do norte do Brasil (e Minas Gerais), quais predominavam, nitidamente, os cul-
I.:article étudie les conditions militaires qui compréhensíon hístorique de la guerre du Vietnam
auraient pennis la victoire du Paraguay et les mo-
durante os meses de dezembro-fevereiro tivadores pobres aufônomos - contra a
ainsi que du cours probable du conflit qui oppose
ments successifs ou les alliés (Brésil, Argentine et actuellement l'Union Sovíétique à I'Afganistan. de 18.51-18.52. A revolta, ao que tudo in- promulgação de duas leis que afetavam
dica, foi urna furiosa e fulminante reaçiQ di.ma e intimamente seus modos de vida:

Urna versão ligeiramente diferente do preamte texto faz parte da "IntroduÇão" ao meu estudo Cam-
pesina/o e Escravidão no Nordeste do Brasil, 1700-11175, cuja primeira parte, provisoriamente inti-
tulada "O Nascimento de um Campesinato: Os Cultivadores Pobres Livres da (4pitauia Geral de
Pernambuco na Primeira Metade do Século XVIII", jll està concluída. Agradeço a Leonilde S. Me-
deiros, Luís Jorge Werneck Vianna e, sobretudo, a Nelson G. Delgado, colegas do Curso de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Agrícola da UFRRJ, seus comentários e críticas a este ensaio, que
me permitiram evitar os erros mais crassos. Os restantes são, obviamente, da minha inteira respon-
sabilidade. Em Recife, Denis Bernardes de Mendonça tentou inutilmente advertir-me sobre aspec-
tos da problemática tratada que escaparam à millhll atençio, e que espero discutir em outra opor-
tunidade. Agradeço tambem a Raquel Abrantes Pego, pelo entusiasmo. Finalmente quero esclare-
cer que este artigo foi submetido à apreciação do Conselho Edítotial de Dados com um pequeno
número de notas, inseridas na introdução e nas considerações finais. No entanto, normas editoriais
de Dados, facilmente compreensíveis, recomendaram a inclusão de um "aparato erudito" formal,
de modo a permitir ao leitor possíveis chaves de comprovação.

dados -Revista de Ciincias Sociais, Rio de Janeiro, vol. 30, n. 3, 1987, pp. 325 a 356.

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a que estabelecia o Registro de Nascimen- Mata, um "triânguld' notável na histó- ção do processo percorrido pelos cultiva-
pobres livres do Norte e do Nordeste,
tos e Úbitos e a que determinava a iniciava-se assim. 2 ria contemporânea de Pernambuco, pre-
cisamente pela militância e organização
dores pobres livres do Nordeste oriental
(grosso modo, a Capitania Geral de Per-
elaboração periódica e sistemática de
Na terminologia de hoje, diríamos dos seus camponeses e trabalhadores ru- nambuco, conforme existia em princípios
levantamentos censitários modernos (a
"Lei do Censo"), ambas regulamentadas que se tratava simplesmente, no melhor rais. do século XVIII, isto é, desde o que hoje
dos casos, de um interessante episódio in- Em janeiro de 1985, instalei-me, pois, é o Estado de Alagoas até o Ceará) entre
pelo Império em 18 de junho de 1851. 1
serido no processo de constituição do no gelado prédio novo do Arquivo Na- os momentos da sua aparição enquanto
A proximidade entre a promulgação
de registros obrigatórios de pobres livres mercado de trabalho no Brasil, es- cional do Rio de Janeiro e comecei a tare- coletividades pqblicamente identificadas
pecificamente do mercado de trabalho fa de reconstituir os "antecedentes" dos por outros segmentos da sociedade e os
- que, pelas especificidades dos decretos,
agrícola. Mas é claro que o fatQ de os in- levantados. Em novembro desse ano, a anos da sua transformação na força de
eram os alvos preferidos das novas leis
surretos de 1851-52, aqueles 10, 15 mil pesquisa tinha retrocedido até a segunda trabalho necessária para dar continuidade
e a extinção do registro de escravos (os
homens e mulheres pobres e livres do metade do século XVII, mais particular- ao sistema agrário centrado nas planta-
únicos a serem, até esse momento, com-
campo e das povoações do interior, te- mente até os últimos anos do domínio tions, após a abolição da escravidão. Isto
pulsória e massivamente registrados),
rem percebido e manifestado claramente holandês em Pernambuco. No caminho, é, abrangendo, aproximadamente, o perí-
resultante da Lei Eusébio de Queiroz de
o seu medo de serem "cativados" o tinha virado e revirado os principais ar- odo compreendido entre 1700 e 1875. 3
4 de setembro do ano anterior, que pu-
que realmente lhes aconteceria 40 anos quivos e bibliotecas do Rio de Janeiro A primeira data corresponde
nha fim definitivamente à importação
depois, quando a "transição ao trabalho (que se não possuem uma documentação toscamente à década em que os homens
legal de africanos cativos para as plan-
livre" significaria o seu recrutamento exaustiva, parecem ter o que é central) e pobres livres do campo, camponeses e
tations brasileiras, foi, ao que parece, outros "rústicos", aparecem pela pri-
a noção determinante do conflito. Trans- praticamente compulsório para a mo- coletado material suficiente para produzir
vimentação das safras das plantations uma primeira visão geral e esquematiza- meira vez nas fontes regionais acessí-
formada num boato indomável, que per- veis como grupos diferenciados, como
correu em questão de dias centenas de - merece algumas reflexões. A primeira, da da história do campesinato no Brasil
a mais central e a de maior abrangência escravista. Naturalmente, conforme avan- coletividades identificadas por carac-
comunidades camponesas, povoações, vi- terísticas próprias que as sinalam e as dis-
las e lugarejos do imensurável interior do teria de estar dirigida a responder ques- çava na pesquisa, a procura de "an-
tões básicas que possibilitassem reformu- tecedentes" cedeu lugar às diversas tinguem do resto - no caso, isolamento,
Brasil setentrional, a insurreição, conver- pobreza,. agricultura de subsistência. A
tida simultaneamente em ondas de pâni- lar a visão que se tem do lugar dos problemáticas que iam aparecendo e
homens pobres livres - especificamente, desenhando o corpo do processo, fre- segunda, mais de um século e meio
co coletivo, em murmúrios de terror de depois, ultrapassando a própria data da
classe, traduziu, para a mentalidade dos dos cultivadores pobres, dos camponeses qüentemente mais através dos silêncios do
autônomos do norte e do nordeste do que da explicitação dos documentos, mais insurreição contra o Registro, equivale ar-
cultivadores e dos outros pobres livres, a bitrariamente aos anos que marcam, no
Lei do Registro de Nascimentos e Úbitos Brasil - na formação escravista con- como resultado das suas omissões do que
forme esta se aproxima, éomo se diz, de "achados" propriamente ditos. Algu- meu entender, a resolução do problema
em Lei do Cativeiro. Através dela - da transição do escravismo ao trabalho
propagavam as notícias-, o Estado na- inexoravelmente, do seu fim. mas questões foram aparecendo e se ins-
crevendo, assim, no rol dos "problemas" dito livre no nordeste do Brasil, resolução
cional brasileiro, na impossibilidade de Porém, enquanto preparava a versão que se fundamenta, como é amplamente
sustentar por mais tempo a reprodução da definitiva do texto, achei que uma das a serem solucionados; outras, no dos fa-
tores a serem, pelo contrário, "problema- sabido, na incorporação às plantations de
força de trabalho escrava, voltava-se para operações imprescindíveis para "dar cor- milhares de cultivadores pobres autôno-
tizados"; e outras, enfim, no dos pontos
os despossuídos e começava a contá-los po'' ao trabalho consistiria em "localizar" mos transformados em trabalhado-
de partida razoavelmente consolidados,
e a registrá-los com o intuito de subme- os grupos de insurretos, traçar a origem res/produtores diretos dependentes, isto
pelo menos nas suas linhas gerais. Foi o
tê-los à infamante disciplina do trabalho dos núcleos camponeses que encabeçaram é, moradores "de condição", camponeses
caso de um primeiro esboço de periodiza-
nas plantations e nas fazendas escravis- a revolta de 1852, situados na região de
tas. A transição, para os cultivadores Pau d'Alho, Limoeiro e S. Lourenço da
No caminho ''de volta" para procurar os antecedentes dos cultivadores pobres livres que tinham
protagonizado a revolta contra o Registro de Nascimentos, as fontes e os materiais disponíveis para
G~illermo ~alacios, A "Guerra dos Maribondos": Uma Revolta Camponesa no Brasil Escravista, a "reconstituição'' do processo foram ficando cada vez mais abrangentes em termos espaciais, con-
R1o de Janeuo, mimeo, 1984. Apenas um outro artigo, basicamente narrativo, foi dedicado ao mo- forme o limitado território da Província de Pernambuco, várias vezes mutilado, convertia-se na ex-
vimento de 1851-52: Mário Melo, "Guerra dos Maribondos", Revista do Instituto Arqueológico, tensa jurisdição da antiga Capitania Geral dos séculos XVII e XVIII. Nessa medida, as observações
Histórico e Geográfico de Pernambuco (de agora em diante RIAHGPE), vol. XXII, ns. 107-110 referentes ao setecentos e às primeiras décadas dó século XIX referem-se aos territórios incluídos
wm · na Capitania - e, nesse sentido, embora fazendo já toda sorte de abstrações, é que esta proposta
A consciência dos pobres livres sobre o sentido dos acontecimentos parece estar retratada clara- ousa falar no Nordeste oriental como um todo. Já para o último período, como o leitor constatará
mente em declarações como esta: "(. ; .) o motivo pelo qual o pôvo se ostenta tão descontente e pela documentação citada nas notas, a preocupação afunila-se e concentra-se em Pernambuco, que
ameaçador, he porque diz que as disposições do Decreto têm por fim captivar seus filhos, visto não é, de maneira alguma, "o nordeste", mas que pode, no meu entender, ser considerado bastante
que os lng/ezes não deixam mais entrar Africanos(. . .)". Juiz de Direito de Santo Antão ao Presi- representativo para o século XIX, dada a semelhança do seu processo formativo com os das outras
dente da Província de Pernambuco, Santo Antão, 6.0l.l852. Em APEP, Juizes de Direito, Mss, vol. provindas e a identidade dos impactos do capitalismo sobre a região.
7, 1851 (grifos meus). Ver também G. Palacios, A "Guerra dos Marimbondos" ... , op. cit., p. 18.

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em vias de perderem os últimos vestígios tro -,a estrutura do P'"'der no nordeste forças transformadoras da história", nas uma urgente necessidade de pesquisas
de autonomia e de liberdade. do Brasil. palavras de um conhecido sociólogo aprofundadas sobre o objeto em questão,
Entre essas duas datas, 1700-1875, A preocupação com a história dos paulista. de modo a podermos incorporar à nar-
que se espelham pela condição de misé- pobres livres, e especialmente com a dos Assim, pois, na medida em que um rativa histórica atual as reformulações -
ria e de isolamento do campesinato au- cultivadores não-escravistas, isto é, os seg- dos objetivos primordiais deste artigo é que certamente virão - decorrentes da
tônomo de Pernambuco (e do Nordeste mentos camponeses da sociedade coloni- discutir a existência de outras formas de consideração dos processos históricos de
oriental como um todo), desenvolve-se al, está inteiramente ausente de qualquer considerar a presença dos cultivádores um numeroso e participante campesina-
um longo e tortuoso processo de luta con- uma das obras que integram o corpo prin- pobres livres na sociedade dos primeiros to colonial. Dessa mudança, que implica
tra as plantations e contra o Estado, cipal da historiografia brasileira, aí incluí- séculos, isto é, mostrar que os processos repensar várias questões centrais à luz da
colonial e nacional, assim como um con- dos os trabalhos de pesquisadores econômicos, políticos e sociais que for- trajetória dos confrontos entre os cultiva-
fronto constante desse campesinato com estrangeiros. Somente Maria Sylvia de mam a história agrária dos séculos XVIII dores pobres livres, o Estado e as p/anta-
todas as formas de governo, confronto Carvalho Franco, com quem este ensaio e XIX foram também e de maneira fun- tions escravistas, surgirão naturalmente
que se cristalizou na distância interposta tem um evidente débito objetivo, aproxi- damental forjados como resultado das . uma série de desdobramentos relaciona-
pelos grupos de cultivadores pobres livres ma-se do tema no seu clássico Homens contradições existentes entre as dos com as particularidades regionaís e
entre suas áreas de reprodução e as Livres na Ordem Escravocrata, 4 embora comunidades camponesas autônomas e as com o processo global de formação do
diferentes sedes do poder. Para quem olha o faça de uma perspectiva que privilegia p/antations escravistas, nessa medida, capitalismo no Brasil, com reflexos nos
as duas datas sem observar o transcorrer explicitamente as relações individuais portanto, esta proposta se afasta das prin- conhecimentos disponíveis sobre a nature-
dos 175 anos que as unem, pouco parece entre diversos ''tipos" de homens livres - cipais visões disponíveis sobre a história za (e o conteúdo) do processo de forma-
ter mudado. Em ambos os momentos a e isso já nos estertores do Império, nos agrária do Brasil e, mais genericamente, ção do Estado nacional. Isso, espero,
condição primordial é a pobreza, a rela- momentos finais da agonia do escravis- daquelas obras de história ou de sociolo- ficará claro no decorrer da leitura, e essa
ção desigual com os proprietários da ter- mo. De resto, seguindo sem dúvida a tri- gia histórica que discutem os "caminhos" esperança me livra de ter de me estender
ra, a velada ou explícita desconfiança lha aberta por Caio Prado Júnior no seu específicos do desenvolvimento do nessa discussão. E, sobretudo, dada a
para com as formas legítimas de au- excelente Formação do Brasil Contem- capitalismo brasileiro. complexidade do assunto, me permite
toridade, a longuidão e o afastamento. porâneo, de 1942, onde, pela primeira vez, deixar ao leitor a tarefa de tirar suas
Mas, se, pelo contrário, acompanhamos os pobres livres do campo e dos núcleos As razões saltam à vista: resumem- próprias conclusões.
- ao menos de uma maneira superficial urbanos são mencionados no conjunto do se, no geral, na própria ênfase que os
- o desenvolvimento do processo, é pos- processo histórico colonial5 embora trabalhos aludidos dão ao escravo e ao es-
sível então perceber que ao longo desse como um amontoado amorfo de indiví- cravismo (como ingrediente de um "sis-
pouco mais de um século e meio, os cul- duos desclassificados, verdadeira "ralé" tema colonial" ou como "modo de PRIMEIRO PERÍODO:
tivadores pobres livres travaram um em- parásitária que não interessa estudar-, produção" específico) enquanto elemen- CRISE DA PLANTATION E
bate frontal com o Estado e com os a maior parte dos autores que se ocupam tos estruturais absolutos e suficientes para EMERGÊNCIA DA AGRICULTURA
interesses representados pelas plantations dos séculos XVIII e XIX dedica aos se entender a problemática agrária bra- DE BASE CAMPONESA.
escravistas e o perderam, mas não sem pobres livres apenas breves comentários sileira no período referido. (Isso, é cla- C.l700-60.
antes terem colocado em questão, por -se tanto-, via de regra destinados a ro, sem entrar na discussão de conheci-
duas vezes- primeiro, nas últimas déca- matizar a marginalidade e a minimizar· o das variantes que parecem postular que
peso e a relevância dessas extensas cama- essas questões todas só interessam a par- É o periodo que poderíamos chamar
das do século XVIII; depois, na conjun-
tura de 1849-52, que comunica os das da população na formação dos tir da expansão do café na Província de de "constitutivo", "originário" ou "for-
momentos mais populares da Revolta processos centrais da colônia-nação, São Paulo, quando surgiria uma "econo- mativo" para as comunidades de cultiva~
Praieira com a insurreição contra o Regis- sobretudo quando comparadas com "as mia mercantil-escravista cafeeira nacio- dores pobres livres de Pernambuco e, num
nal", ou quando a vinda de imigrantes sentido mais amplo, dado pelas próprias
europeus faria com que aparecesse fontes, do Nordeste oriental: Alagoas,
4 São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1969. Um trabalho que discute rapidamente a ques- finalmente no Brasil um verdadeiro cam- Pernambuco, Paraíba, em menor grau
tão da importância do campesinato livre é Shepard Fonnan, The Brazilian Peasantry, Nova Iorque, pesinato, embora criatura (e trabalhador) Rio Grande do Norte e, com certa fre-
Columbia University Press, 1975. Igualmente como exemplo de percepção dessa problemática, cf.
Antonio Barros Castro, "A Herança Regional do Desenvolvimento Brasileiro", in A.B. Castro, 7 do capital, que assim estaria se qüência, a Capitania do Ceará, que, em-
Ensaios sobre a Economia Brasileira, Rio de Janeiro, Forense, 1972. Para alguns estudos sobre li- reproduzindo num esquema endiabrado bora distante, estava subordinada, como
bertos veja-se Herbert S. Klein, "The Colored Freedmen in Brazilian Slave Society", Journal of de "produção capitalista de relações . todas as outras, à autoridade dos gover-
Social History, vol. 3, n. 1, outono de 1969 (traduzido em Dados, n. 17, 1978), e Robert Conrad, não-capitalistas de produção"). A propos- nadores e capitães-geraís de Pernambu-
1Umbeiros. O 'lhi.freo Escravista para o Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1985, especialmente pp. 171-86.
Essa primazia já foi notada por Laura de Mello e Souza, Os Desclassificados do Ouro. A Pobreza ta deste artigo, pelo contrário, sugere uma co. O característico desta primeira fase
Mineira no Século XVIII, São Paulo, Graal, 1982, pp. 14-5. Cf. Caio Prado Junior, Formação do alteração no enfoque, um deslocamento repousa na constituição de comunidades
Brasil Contemporâneo (19a. ed.), São Paulo, Brasiliense, 1986, pp. 159-61. da perspectiva de análise e, sobretudo, ·de cultivadores pobres e livres através de

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cremento do tráfico de escravos africanos, converteram-se em plantadores de taba-
um processo de conversão de homens e fundo da expansão camponesa: a crise da 8 co, até que o banimento desses interme-
mulheres pobres em plantadores de cul- agricultura escravista do Nordeste orien- determina do pela mineração. Nessa
nova conjuntura, ao que tudo indica, os diários/contrabandistas, na metade da
turas de subsistência e, crescentemente, tal, que afeta principalmente Pernambu- década de 1750, fechasse o mercado "ex-
conforme se avança em direção à metade co e Paraíba, e a gigantesca corrida às cultivadores pobres livres, organizados e
6 7 dinamizados, aparentemente, pelo peque- portador" para a produção camponesa de
do século, produtores de tabaco. Simul- minas do centro-oeste do Brasil. Os tabaco e diminuísse o ritmo de expansão
taneamente, opera-se a transformação dos efeitos desses processos resultaram na no capital mercantil não-monopolista 9
representado pelos comissários volantes, da agricultura dos pobres livres. No fi-
exígüos mercados originais da agricultura constituição de mercados "externos" , nal da década, as .autoridade s coloniais
dos pobres livres, alterados e ampliados formados pela movimentação interatlân- ampliaram sua produção de alimentos e
logo nas primeiras décadas do século tica do Império Português no século da
XVIII pela ação conjunta de outros dois grande migração motivada pela descober- do centro-oeste da Colônia em DH, vol 85, pp. 30-1, 58 e 60; DH, vol. 99, pp. 23-5 e segs., 85-6,
processos que proporcionam o pano de ta das minas e pelo igualmente notável in- 103-4, 165 e segs. e 212-3; DH, vol. 98, pp. 186 e 248; INVIABN 31, pp. 28 e 321; AIHGB!ACU ,
vol. 14, passim; "Informação Geral da Capitania de Pernambuco. 1749", Anais da Biblioteca Na-
cional, vol. 28, p. 350. Cf. também: Frédéric Mauro, "Portugal and Brazil: Politicai and Economic
Structures of Empire, 1580-1750", in CHLA, vol. I, pp. 457-64.
A elaboração desta hipótese está apoiada na abundante documentaçã o referente ao contrabando
6
As quantidades de mandioca e de outros gêneros alimentícios necessários para o sustento das fro-
de tabaco em diversos distritos da Capitania Geral de Pernambuco durante a primeira metade do
tas transoceãnicas não têm sido até agora dimensionadas, nem o seu significado discutido em ter-
século XVIII. As informações nela contidas mostram uma surpreendente expansão desse cultivo
mos de agricultura comercial peculiarmente inserida no chamado mercado exportador. Existem,
no .<!ontexto de uma das maiores crises de oferta de mão-de-obra escrava de que se tem notícia na
no entanto, numerosos indícios dispersos de que por trás do aprovisionamento das centenas de na-
reg~ão, e sugerem, por essa e por outras razões que serão adiante explicitadas, uma significativa
vios que chegavam anualmente aos portos do Brasil, e especialmente do Nordeste, estava uma im-
- senão predominante - participação dos cultivadores pobres livres nesse processo. Consulte-se,
portante estrutura produtiva e comercial que nem sempre interessava às plantations escravistas -
por exemplo, Documentos Históricos, publicados pela Biblioteca Nacional/Div isão de Obras Ra-
embora freqüentemente ocupasse seg~nentos de pequenos lavradores que trabalhavam com meia
ras e Publicações, em datas diversas (de agora em diante DH), vol. 85, pp. 68-70 e 117; vol. 99,
(de agora em dúzia de escravos ou menos. Novamente a contemporane idade da crise desses lavradores, os pri-
PP· 165-6 e 221, e vol. 100, pp. 148-9; AIHGB, Arquivo do Conselho Ultramarino
ao Brasil Existentes no meiros a serem atingidos pelas execuções dos capitalistas do porto, com a expansão do cultivo de
diante ACU), vol. 14, fls. 76 e 80; "Inventario dos Documentos Relativos
alimentos na Capitania de Pernambuco (às vezes precisamente nos mesmos distritos mencionados
Archivo da Marinha e Ultramar(... ) Organizado por Eduardo de Castro e Almeida. I. Bahia, como novos produtores de tabaco destinado ao contrabando) , levanta a questão da participação
1613-1762", Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 31, 1909 (de agora em diante
intensa dos cultivadores pobres livres na produção de mandioca para o mercado externo. Informa-
INV/ABN 31, 27-31, 69-70 e lll-2. Cf. também Joaquim de Amorim Castro "Memoria sobre as ções para fundamentar essa hipótese e para dimensionar, nem que seja grosso modo, o volume da
Especies de làbaco que se Cultivão na Va da Caxoeira (...). Vila da Caxoeira: c. 1788", reproduzi-
demanda de alimentos representada pelo transporte interatlãntico de escravos, de migrantes e de
do em José Roberto Amaral Lapa, Economia Colonial, São Paulo, Perspectiva, 1973, pp. 187-213;
soldados podem ser encontradas, para Pernambuco e Capitanias anexas, bem como para a Bahia,
André João Antonil, Cultura e Opul~ncia do Brasil (3? ed.), Belo Horizonte, Ed. Itatiaia 1982·
em DH, vol. 40, pp. 9-10 e 141-2; DH, vol. 85, pp. 169-70 (onde se informa que a chegada da frota
Rodolfo Garcia, ·~Capitania de Pernambuco no Governo de José Cezar de Menezes (1774-Ú87)":
ao Recife acabou com o estoque de farinha de mandioca disponível na cidade), 97-8 (onde o gover-
RIA_HGPe, t. 84, s/d., pp. 539-40. Sobre a conversão de portugueses pobres, recém-chegados, em nador da Bahia solicita ao seu colega de Pernambuco o envio urgente de "toda a farinha que for
cultivadores não-escraviStas de tabaco, veja-se Catherine Lugar, "The Portuguese Tobacco Trade
possível" para resolver uma quebra da safra local e enfrentar as "matalotagen s que precisamente
and Thbacco Growers of Bahia in the Late Colonial Period", in Davril Alden & Warren Dean, Es- se hão de fazer para todos os navios, naus de 8UmTa e da índia") e p. ll2; INV/ABN 31, pp. 89-90
says. Concerni~g the Socioeconomic History o! Braz:il and Portuguese lndia, Gainsville, The Uni- e 124, que embora reproduzam documentos referentes à Bahia, reforçam, porém, a impressão da
Versity of Flonda Press, 1977, p. 33. Visões gerais do problema podem ser encontradas em Carl
grandiosidade do comércio externo de mandioca, não só para as frotas d'El-Rei, "provimento da
Hanson, "Monopoly and Contraband in the Portuguese Tobacco nade, 1624-1702" Luso-Brazilian
Infantaria desta praça e guarnição das fragatas de Sua Magestade", mas também para "os senho-
Review, n. 19, inverno de 1982, pp. 149-68, e em Ulysses Pernambucan o Mello neio "O Fumo no res dos navios, que navegam desta Cidade para a Costa da Mina e Angola, a resgate de escravos
Nordeste'', RIAHGPe, vol. XLIX, 1977, pp. 253-92. Um estudo recente que co~testa' o predomlnio
extrahindo em cada hum anno milhares e milhares de alqueires da dita farinha, parte para sustento
de cultivadores pobres não-escravistas no plantio de tabaco na Bahia do século Xvlii é Stuart B.
dos ditos escravos e parte para negocio deste ~õ de Angola, onde se vendem por altíssimos pre-
Schwartz, "Colonial Brazil, c. 1580-c. 17 50: Plantations and Peripheries", in I..es1ie Bethell, ed., ços (...)". O comércio de mandioca com Angoíá já era uma prática corrente em princípios do
The Cambridge History of Latin America (a partir de agora, CHLA), vol. II, Cambridge, Cam- século XVII, quando a Capitania do Rio de Janeiro recebia "as naus que navegam do Reino para
bridge University Press, 1984, pp. 456-7.
Angola, onde carregam de farinha da terra, de que abunda toda esta capitania em grande quantida-
A crise da agricultura escravista do Nordeste oriental; como a da própria Bahia, resultou basica- de (...)". Cf. Ambrósio Fernandes Brandia. Didlogos das Grandezas do Brasil, São Paulo, Me-
mente, como se sabe, da entrada do açúcar antilhano no mercado internacional a partir das últimas
lhoramentos, 1977, p. 60. Sobre a dimensão da corrente migratória transportada da Europa para
décadas do século XVII e da conseqüente queda violenta dos preços. No caso da Capitania de Per- o Brasil nas primeiras décadas do século XVIII pelas frotas portuguesas, veja-se Maria Luiza Mar-
nambuco e dos seus t~rritórios anexos, a crise teve agravantes que lhe deram, ao que parece, aspec-
cílio. "The Population of Colonial Brazil", in CHLA, vol. II, especialmente pp. 47-51; A.J.R. Russell-
tos por vezes verdademunente catastróficos. O endividamento da grande maioria dos proprietários Wood, "Colonial Brazil: The Gold Cycle. c.1690-1750", ln ibid., p. 554; "Informação Geral da Ca-
de escravos e de terras, sna incapacidade para negociar novos financiamentos e uma certa indife- pitania de Pernambuco... ", op. cit., p. 146; Luiz da Cunha, Téstamento Político: Ou Carta Escri-
rença da Coroa para com a sorte dos ex-rebeldes senhores de engenho que tinham ousado colocar
ta pelo Grande D. · Luiz da Cunha ao Senhor Rei D. Jose I antes do Seu Governo, São Paulo,
em questão a autoridade da metrópole no incidente conhecido como a "Guerra dos Mascates" pro- Alfa-ómega, 1976, pp. 74-5; Joel Serrão. A Emigraçlio Portugut~sa. Sondagem Históric_a (3~ ed.),
vocaram urna brutal descapitalização dos produtores de açúcar. Confrontados com ameaças de exe- Lisboa, Livros Horizonte, 1977; José Roberto do Afilatal Lapa, A Bahia e a Carreira da Índia,
cuçõ.es judiciais, eles tiveram de vender a melhor parte dos seus plantéis de escravos e, em muitas
Sio Paulo, Companhia Editora Nacional, 1968, especialmente pp. 169-74, que tratam do abasteci-
ocasiões, abandonar suas terras, pressionados pelos homens de negócios do Porto do Recife. Não
mmto alimentar dos navios.
existem estudos específicos sobre a crise do século XVIII em Pernambuco, nitidamente mais vio-
!I O vínculo entre os comissários volantes e os cultivadores pobres livres dedicados ao plantio de ta-
len~ que a da Bahia. Para esta última, veja-se S.B. Schwartz, "Colonial Brazil. .. ", op. cít., e, es-
baw iul.s terras costeiras do Nordeste Oriental está, ao meu ver, claramente sugerido pela automáti-
pecialmente, Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society. Bahio, 155011835 Cambridge, Cà í!Upen.~~ão das queixas dos negociantes de Recife e da cidade da Bahia sobre contrabando de
Cambridge University Press, 1985. Para Pernambuco, consulte-se a documentaçã o das Câmaras
fWII6 patá a C{lsta d'África imediatament e após o banimento desses pequenos intermediários-
das vilas sobre as execuções de senhores de engenho e vendas maciças de escravos para as minas

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em Pernambuco constatavam o que pa- da produção não-escravista durante o Também é cabível questionar e redis- "agricultores de subsistência". Creio que,
recia ter sido o principal efeito da sus- setecentos, e o conteúdo preciso dessa dita cutir os elementos da suposta vinculação, muito pelo contrário, os cultivadores
pensão do cultivo de tabaco para expor- "marginalidade'' uma noção ainda ou dependência "estrutural", da "agricul- pobres livres formaram, durante a maior
tação pelas comunidades camponesas da usada por vários autores. Ou, ainda, o tura de subsistência" - fora da planta- parte do século XVIII, comunidades coe-
área: dezenas de milhares de homens e perfil sócio-cultural que as fontes, tion à "agricultura de exportação ", sas, autónomas e livres - nem que fosse
mulheres pobres livres "ociosos", isto é, sobretudo as do final do século XVIII, pois que essa divisão setorial inexistia na pela notória omissão do Estado em tudo
ocúpados apenas com o plantio da sua transmitem sobre o que seriam os cultiva- prática: tanto as plantations produziam quanto lhes dizia a respeito- , indepen-
própria subsistência. 10 dores pobres livres da época: indivíduos "agricultura de subsistência" e vendiam dentes das determinações da p/antation
ignorantes, isolados, brutos (referidos por eventualmente para o mercado regional escravista, que, na época, ainda estava
O estudo do período oferece alguns termos como "plebe", "ralé" etc.), man- (sendo que, a partir das primeiras déca- longe de encarnar a figura acabada de
pontos de partida para discutir diversas tidos distantes da civilização pelo das do século XIX, essa eventualidade forma dominante de produção e ninho
impressões que não têm sido, até agora, primitivismo das suas práticas e dos seus parece por vezes converter-se numa cons-
renovadas dentro da historiogr afia das relações hegemónicas da sociedade
pensamentos, primitivismo decorrente da tância subordinadora do campesinato), regional que viria a adquirir no decorrer
brasileira. Por exemplo, o velho proble~ precariedade da sua produção - embora quanto os cultivadores pobres livres "ex-
ma da conceituação e do dimensionamen- do século XIX, 14 como veremos.
seja possível visualizar, pelo contrário, portavam" tabaco e mandioca, através de Por último, é possível destacar dois
to do "mercado interno", cuja suposta com uma aproximação intencionada aos esquemas não integrados, ao sistema geral elementos derivados da recomposição do
exigüidape tem sido freqüentemente es- documentos, comunidades de cultiva- - isto é, através do contrabando dos período 1700-60. O primeiro é a constata-
grimida como a causa primordial a expli- dores pobres livres fluidamente i.Ptegra- comissários volantes. Essa interposição ção de que a conjuntura formativa das
car a hipotética inexistência de segmentos das ao mercado exportador e, no geral, ou superposição setorial se dava em ní- comunidades de cultivadores pobres livres
camponeses importantes no Brasil coloni- sempre à procura de "brechas" que per- veis muito mais significativos do que os no Nordeste oriental termina numa
al, 11 quando. na realidade, o que tem mitam furar o principal mecanismo des- admitidos pela historiografia atual. 13 grande expansão - espacial e numérica
sido exígüo e inexistente, no caso, é a sa sua "marginalidade", qual seja, o Por conseqüência, cabe discutir um dos - desse tipo de unidades produtoras, e
pesquisa sobre o tema (e/ou sua divulga- bloqueio imposto pelo complexo agroex- grandes lugares comuns da história da que essa expansão, vista contra o pano de
ção). Ou, então, a natureza "marginal" portador oficial. 12 agricultura no Brasil, ou melhor, da fundo do início das inovações tecnológi-
história das relações sociais e das es- cas da segunda metade do século e da
contrabandist as, e pelà subseqüente desaparição de informações substanciais, nas fontes pernam-
bucanas, sobre cultivo de tabaco em grande escala na Capitania. A pressão contra os comissários
truturas de poder económico e político no difusão do cultivo comercial do algodão,
pode ser constatada na "Representaç ão dos Homens de Negocias da Praça de Pernambuco a El- campo: aquele que opera a magia de fa- fundamenta, no entendimento de alguns
Rei", anexa à carta do Governador Luiz Diogo Lobo da Silva ao Conde de Oeiras, Recife, 18.05.1757, zer retroceder a modema subordinação observadores contemporâneos do proces-
em AIHGB, ACU, vol. 14, fls. 76 e 80. Consulte-se também, sobre os comissários-volantes, Ken- camponesa e suas diferenciadas variantes so - observadores extraordinariamente
neth R. Maxwen, "Pombal and the Nationalizatiop ofthe Luso-Brazilian Economy", Hispanic Ame-
contemporâneas e a apresenta como sen- bem situados, como o próprio governador
rican Historical Review (de agora em diante HAHR), vol. XLVIII, n. 4, nov., 1968; Francisco José
Calazans Falcon, A Época Pombalina (Politica Económica e Monarquia Ilustrada), São Paulo, do um elemento intrínseco à própria de Pernambuco, Luis Diogo LObo da Sil-
Ática, 1982, pp. 473-4; e Andrée Mansay-Diniz Silva, "Portugal and Brazíl: Imperial Reorganiza- constituição dos diversos segmentos de va -, a idéia de que existe uma "alter-
tion, 1750-1808", in CHLA, vol. I, p. 489. Os decretos ordenando o banimento dos comissários
volantes (sem referência específica ao problema aqui tratado) podem ser consultados em Collecção
das Leys, Decretos e A/varas que Comprehende o Feliz Reinado dei Rey Fidelíssimo D., Jozé o Couto Desagravos do Brasil e Glorias de Pernambuco, Rio de Janeiro, Officina lYPographica da
I(. . .), desde o Anno de 1750 até o de 1762, Lisboa, Officina de Antonio Rodrigues Galhardo, Biblioiheca Nacional, 1904, pp. 226-7. A culminação, dentro da tradição iluminista, está possivel-
1770. Vale advertir que nenhum dos estudos relacionados faz menção ao papel dos comissários na mente representada pelas sentenças de Luis dos Santos Vilhena, Recopi/ação de Noticias Brazilicds
articulação da pequena agricultura do Nordeste orienf;al. A menção mais direta nesse sentido está Contidas em Tres Cartas (. . .) Noticiando-se das Capitanias de Pernambuco, e Goyaz, e Termi-
em João Rodrigues de Brito, Cartas Economico-Po/itícas sobre a Agricultura, e Commercio da nando Finalmente com a Recopilação de Alguns Pensamentos Polítíéos Applicados em Parte às
Bahía, pelo desembargador (. . .) e outros (. . •), Lisboa, Imprensa Nacional, 1821, pp. 73-5. Colonias Portuguezas no Brazil (. . .), Mss., s/1., 1802. Vilhena é uma das fontes em que Caio Pra-
10 Ver o longo memorial do governador e capitão-geral de Pernambuco, Luiz Digo Lobo da Silva, do J unior se apóia para seus duros comentários sobre os "defeitos" das populações pobres do cam-
a Sebastião José de Carvalho e Mello, Recife, 09.05.1759, em AIHGB, ACU, vol. 14, fls. 63-5. po. Cf. Caio Prado Junior, Formação do Brasil ç:_ontemporâneo• .. , op._ ci!·~ p. 161 e 28l,J-!istória
li A formulação mais explícita em termos do Nordeste está em Peter L. Eisenberg, The Sugar 1n- Econômica do Brasil (20~ ed.), São Paulo, Brasiliense, 1977, p. 42, e HIStorza e Desenvolvimento.
dustry in Pernambuco, 1840-1910. Modernízation without Change, Berkeley, University of Cali- A Contribuição da Historiogrqfia para a TeoriR e Prdtíca do Desenvolvimento Brasileiro, São Paulo,
fornia Press, 1974, p. 7. Brasiliense, 1972, p. 46.
12 _
Uma recente afirmação dessa marginalidade está em Jacob Gorender, O Escravismo Colonial, São 13 A superposição das funções da agricultura de "exportação" e da de "subsistência" já tinha sido
Paulo, Ática, 1978, pp. 297-9. O "perfil" sócio-cultural dos pobres livres rurais (e da cidade tam- notada por Prado Junior em Formação do Brasil Contemporâ~eo• . -~ op. cit., ~as foi ~m gr~nde
bém, pois tanto a origem quanto os resultados eram os mesmos) aparece já em diversas crônicas medida "esquecida" pela historiografia subseqüente, que preferm praticar uma dicotomia mais ou
da "Guerra dos Mascates". Cf., por exemplo, Manuel dos Santos, "Narrativa Histórica das Cala- menos radical atribuindo aos cultivadores não-escravistas funções exclusivamente voltadas para
midades de Pernambuco Sucedidas desde o Ano de 1707 até o de 1715 com a Notícia do Levante o abasteciment o do mercado "interno", e à plantation, o monopólio ~a exportação, coisa que, se
dos Povos de Suas Capitanias", Revista do Instituto Histórico <e Geográfico do Brasil (a partir é verdadeira para o século XIX, pode ser contestada pelo menos parCialmente quando se trata. do
de agora RIHGB), t. 53, 2!' parte, vol. 82, 1890, pp. 38-47. O mesmo paradigma sócio-cultural da século anterior.
pobreza se reproduz no setecentos, em cronistas pernambucan os tais como D. Domingos Loreto 14 S. Foreman, The Brazilian Peasantry.. . , op. cit., cap. 2.

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nativa camponesa" ao escravismo. 15 Isto uma época caracterizada, no que ao obje- possÍvel, diante da decidida resistência Estado, os cultivadores pobres livres, a
já eml760. O segundo é a óbvia vincula- to deste estudo se refere, por uma expan- camponesa, procedeu-se a expulsá-las das plantation escravista adquiriu finalmente
ção da agricultura dos cultivadores pobres são sem precedentes do campesinato livre férteis áreas do litoral nordestino. Entre condições para consolidar-se como o cen-
livres do Nordeste oriental com o setor ex- do Nordeste oriental, impulsionada pela aproximadamente 1785 e 1799, milhares tro do sistema dominante de produção na
portador e as necessidades determinantes demanda de algodão proveniente do mer- de famílias de cultivadores pobres livres agricultura brasileira.
do mercado mundial. É o núcleo deste cado mundial c beneficiada pelas ainda que ao longo da crise dos engenhos es- É qua;e desnecessário ressaltar que,
mercado que comanda e realimenta os críticas condições de fornecimento de cravistas, durante o século XVIII, tinham nesses dois processos - a expan-
fluxos de recursos destinados a viabilizar mão-de-obra escrava na região. 16 A se estabelecido incontestemente, 'em pe- são/expropriação do campesinato nordes-
a exploração das minas, e no interior des- dimensão do crescimento dos cultivadores quenas comunidades, nas terras costeiras tino e a entronização da p/antation como
ses fluxos emergem, juntos e contem- pobres livres - tanto em função do plan- de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará forma (e do escravismo como relação)
porâneos, a crise das plantations e do tio do algodão quanto do cultivo e comer- e a parte oriental do litoral maranhense 18 dominante-, a força das determinações
escravismo nordestinos, a grande deman- cialização de mandioca para as foram hostilizadas, perseguidas e expul- do mercado mundial foi, talvez até com
da por tabaco e os espaços. para a ar- plantations açucareiras que, a partir da sas pelas forças armadas do Estado e pe- maior evidência do que na conjuntura
ticulação dos cultivadores pobres com a década de 1790, terão novamente condi- las diversas instâncias locais da estrutura "originária" da emergência dos cultiva-
engrenagem internacional. De impulsos ções para concorrerem no mercado do poder colonial. Esta expropriação dos dores pobres livres, preeminente.
dela provenientes ~sulta, na primeira me- internacional 17 - parece ter sido de tal cultivadores não-escravistas, que marca o A ofensiva do Estado colonial (e não
tade do século XVIII, a emergência da maneira alarmante para a engenharia deslanchar do seu processo de subordina- das p/antations propriamente ditas ou,
agricultura camponesa em Pernambuco. sócio-económica predominante que, com- ção aos interesses da p/antation, marca muito menos, das tímidas e inarticuladas
binada com a recuperação das unidades ·também, e conseqüentemente, o início do "classes dirigentes" agrárias) 19 contra os
SEGUNDO PERÍODO: escravistas no fim do período, determinou período áureo desta última forma de or- produtores nãó-escravistas - e que atin-
REVOLUÇÃO INDUSTRIAL uma violenta reação anticamponesa por ganizar a produção. Assim, uma vez var- giu também, embora em menor grau, os
E EXPROPRIAÇÃO CAMPONESA. parte do Estado. Tentou-se, primeiro, con- ridos e expulsos da região, pela força do pequenos proprietários de escravos, os
O TRIUNFO DA PLANTATION. trolar as comunidades de cultivadores
c. 1760-1810. pobres livres e submetê-las a determina-
18 Essa silenciosa ocupação de espaços agrários privilegiados por parte dos cultivadores pobres livres,
ções que obedeciam aos interesses das espaços normalmente pensados como tendo estado sempre sob a firme égide das plantations escra-
Existem abundantes indícios que plantations e do Estado colonial; depois, vistas, é amplan1ente constatável na documentação do fim do século que trata dos processos de
permitem considerar este período como quando isso mostrou-se claramente im- expulsão desse ean~pesinato, e que será citada logo a seguir. A ocupação foi certamente um fenô-
meno de intensidade irregular na região, e com grande probabilidade configurou-se sob a determi-
nação da maior ou menor vigilância e controle que os agentes da agricultura escravista conseguiram
15 Lobo da Silva a Carvalho e Mello. Cít. em nota lO supra. manter durante a crise sob as terras tradicionalmente ocupadas pela cana, grandes parcelas das quais
16 Para o impacto da demanda no Brasil, cf. Raymundo Jozé de Souza Gayoza, Compendio Historico- foranJ abandonadas, sobretudo nas Capitanias de ltamaracá e Paraiba, entre 1715 e 1740. Queixas,
Politico dos Principias da Lavoura do Maranhão( . ..), Paris, Officina de P. N. Rougeron, 1818, advertências e lan~entações de autoridades locais sobre o abandono, por vezes em regiões inteiras,
especialmente a segunda parte. A partir de inícios da década de 1770, ouvidores gerais das capita- de plantations e engenhos podem ser encontradas nas Consultas ao Conselho Ultramarino, espe·
nias nordestinas percorreram diversas vilas e povoações do litoral pronunciando palestras que fo- cialmente entre 1717 e 1725. Assim, oa primeira data, o Capitão-Morda Paraíba comunica os efei·
mentavanJ, com misturas equilibradas de anJeaças e promessas de lucros fáceis, o cultivo do algodão. tos perversos da combínaçãn da crise agrária com a expansão da mineração ~o Centro-Oeste, "(...)
O tono e o sentido do discurso está claramente dirigido a cultivadores não-escravistas. Cf. AIHGB, para onde desertou a maior parte dos seus moradores". Cf. DH, vol. 99, p. 23. Em 1722 é a vez
ACU, vol. 15, fls. 85-95 e 227-8, que abrangem os anos 1776-1778. Veja-se também Fernando A. dos Oficiais da Câmara de Goiana advertirem que plantadores e lavradores, "(...) com os poucos
Novais, Portugal e Brasil no Antigo Sistema Colonial (1777-1808), São Paulo, Hucitec, 1979, pp. escravos que puderanJ ocultar às penhoras, se botaranJ para as minas e ficaram os engenhos e parti-
270..5; Alice P. Canabrava, ·~Grande Propriedade Rural", in Sérgio Buarque de Holanda, ed., dos em pasto (...)". Ibid., p. 165. Como já foi advertido, precisamente nesses anos é quando a
História Geral da Civilização Brasileira (3~ ed.), t.l, vol. 2, São Paulo, Difel, 1973, pp. 213-5. região de Goiana começa a se notabilizar como produtora de tabaco e de mandioca. Consulte-se
n A recuperação vinha se processando desde meados da década de 1760, como resultado da injeção tanJbém a documentação relativa a sesmarias, na qual é possível perceber esse mesmo processo
de recursos feita na área açucareira pela Companhia Geral de Comércio de Pernan~buco e Para!'ba, que no sul, nos territórios da comarca das Alagoas e em Serinhãem, teve a reforçá-lo a persistência
fundada em 1759 por Pombal. A Companhia, em certo sentido, respondia os reclanJos dos nego- de quilombos e de grupos de negros fugidos remanescentes de Palmares. Documentação Histórica
ciantes locais para que fossem afastados da praça os comissários volantes e reestabelecido o mono- Pernambucano. Sesmarias, Recife, Secretaria de Educação e Cultura, 1954/1959, vol. 2, passim.
pólio comercial. Mas a grande recuperação produtiva do período foi motivada pela escassez de açúcar Para a questão das terras para a pequena produção não-escravista no Maranhão, ver Raymundo
no mercado ~nternacional provocada pelas irregularidades no abastecimento decorrentes 9os con- I.S. Gayoza, Compendio Histórico-Po/(tico . .. , op. cit., pp. 228-31, que oferece alguns pontos de
flitos europeus de fim de século, especialmente a Revolução Francesa- e.muito especialmente a partida para a compreensão do fenômeno.
revolução no Haiti. Parte substancial da documentação referente à CGCPP e a SCJJS conflitos com 19 "Tímidas e inarticuladas" talvez sejanJ adjetivos demasiadanJente imprecisos para os grupos men-
os plantadores e senhores de engenho pernan~bucanos e paraibanos está em AIHGB, ACU, vol. cionados, mas existem dados na documentação que permitem entrever, no final do século XVIII,
4, e em AIHGB, Correspondência do Governador de Pernambuco, 1777·1779. Ver também José uma relação muito mais direta entre os cultivadores pobres e os representantes do Estado do que
Ribeiro Júnior, Colonização e Monopólio no Nordeste Brasileiro. A Companhia Geral de Pernam- entre aqueles e os proprietários dos engenhos e canaviais - pelo menos na medida em que é válido
buco e Parafba (1759-1780), São Paulo, Hucitec, 1976, especialmente pp. 132-45; A.M.D. Silva, ''Por- falar em relações grupais, coletivas, entre ambos os segmentos. As raras mas por isso mesmo
tugal and Brazil.•• ", op. cit., p. 495; Dauril Alden, "Late Colonial Brazil. 1750-1808", in CHLA, reveladoras ocasiões em que aparecem conflitos cristalizados entre cultivadores pobres e proprie-
vol. II, p. 601; e Herbert S. Klein, Escravidão Africana na América Latina e Caribe, São Paulo, tários, estes últimos chanJam imediatamente pela intervenção da autoridade do Estado. Veja-se, por
Brasili~nse, 1987, .pp. 224-31. · exemplo, a documentação referente ao conflito entre cultivadores de mandioca e senhores de enge-

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lavradores - foi montada num tripé de quadrados das melhores terras ainda dis- sões entre as principais potências euro- relação conflituosa entre os camponeses
instrumentos expropriatórios que, no pra- poníveis e nas quais, ao longo dos últi- péias e seus aliados. Antes compatível e o Estado, relação que era, em certa me-
zo de pouco mais de duas décadas, esva- mos 40 anos, tinham se estabelecido inu- com a natureza camponesa dos recruta- dida, inerente à própria constituição do
ziaram amplos espaços até então ocupa- meráveis núcleos de cultivadores pobres dos, o mecanismo evoluiu para um siste- campesinato nordestino no contexto do
dos por comunidades camponesas. Esses livres, produtores de mandioca. A medi- ma que ignorava qualquer necessidade escravismo. Vista desta forma, a expro~
instrumentos foram: primeiro, a proibi- da do governo colonial provocou um mo- que não aquela que estava por trás da priação dos cultivadores pobres livres
ção terminante de que os pobres livres vimento migratório que teve sérias reper- ação do Estado: determinava-se o envio foi, para o Estado colonial, um recurso
plantassem algodão, proibição cuja ine- cussões no abastecimento de gêneros ali- de camponeses/soldados a frentes de ba- contra a desobediêncil~; para aqueles,
ficácia motivou que fosse rapidamente se- mentícios no mercado regional. 21 Final- talha situadas a milhares de quilómetros porém, foi a única alternativa à sua su-
guida de queimas de campos, erradica- mente, o terceiro instrumento foi um vio- das suas terras, privando as famílias de bordinação aos interesses da propriedade
ções "exemplares" de algodoais, prisões lento e intermitente processo de recruta- cultivadores pobres dos seus braços mais fundiária escravista. Mas, ao mesmo tem-
sistemáticas de cultivadores insubordina- mento militar dirigido preferencialmente fortes e sadios por períodos que alcança- po, a proibição dos plantios de algodão
dos e, finalmente, para fugir a tudo isso, contra os distritos camponeses, durante vam até 30 anos de serviço. 23 era uma tentativa de evitar que os cul-
do êxodo dos grupos e famílias que pre- o período 1782-90, que, de acordo com A expulsão das comunidades cam- tivadores pobres, que na segunda metade
feriram resistir às determinações do Es- testemunhas oculares dos seus efeitos, ponesas do Nordeste oriental nas últimas do século tinham se convertido em res-
tado para ·as regiões de fronteira da ex- obrigou incontáveis famílias de cultivado- décadas do século XVIII deveu-se, numa ponsáveis por boa parte do abastecimen-
pansão da cana, os chamados "agres- res pobres, comunidades e povoações in- primeira instância, à resistência ofereci- to alimentar para os mercados urbanos
tes";20 segundo, a "apropriação" formal, teiras, a fugirem para longe do alcance do da por esses segmentos às determinações regionais e para as p/antations, parassem
por parte da Coroa, de todas as terras de braço do Estado. 22 A sistemática do re- do Estado: negaram-se a suspender seus de comercializar gêneros de primeira
mata virgem localizadas entre o sul da en- crutamento nas últimas décadas do sécu- plantios de algodão e foram expulsos; necessidade e, levados pelo que na épo-
tão comarca das Alagoas e os arredores lo XVIII, é bom lembrar, tinha sido ra- negaram-se a fornecer seus melhores bra- ca convencionou-se chamar a "ambição
da vila da Fortaleza, no Ceará, num mo- dicalmente modificada em relação aos pa- ços para a guerra e foram expulsos; ne- do algodão", afetassem violentamente a
vimento de enclousure (iniciado em 1799) drões vigentes na primeira metade do sé- garam-se, finalmente, a deixar de plantar economia das plantations no momento
que abrangeu milhares de quilómetros culo, como resultado do aumento das ten- mandioca nas extensas e livres matas vir- em que estas entravam, ou se preparavam
gens e foram expulsos. Em termos de (a- para entrar novamente no mercado eu-
tores "internos" ao processo, o que ropeu. 24 Era a necessidade de novamente
nho da freguesia do Cabo, ao sudoeste do Recife, em junho de 1784. AIHGB, Cartas de Serviço aconteceu foi, pois, a exacerbação de uma vincular a agricultura escravista do Nor-
Que Fez Distribuir o (. . .) Governador e Capam Geral da Capitania de Pernambuco. Annos de
1783-1787, Carta 155. Os despejos de moradores dos engenhos Rio Formozo e Trapixe em 1783 e
1784 estão, respectivamente, em ibid., Cartas 66 e 153.
20 A campanha contra o algodão, que prova o tremendo sucesso que esse plantio teve entre os cultiva- 23 Governador de Pernambuco, Luiz Diogo Lobo da Silva, a Thomé Joaquim da Silva Corte-Real,
dores pobres após a intensa propaganda governamental de 1776-1778, data de início de 1786. Ela Recife, 22.02.1759, em AIHGB, ACU, vol. 14, fi. 109. Idem a Conde de Oeiras, Recife, 06.04.1762,
está, como veremos com maior detalhe logo depois, umbilicalmente ligada a uma seríssima crise em ibid., fls. 295-6.
alimentar provocada pela retirada do mercado da produção excedente de mandioca oriunda das 24 A dependência das plantations para com os cultivos alimentares das comúnidades camponesas da
comunidades camponesas. Cf. AIHGB, Cartas de Serviço. .. , Cartas 422, 429, 431 e 447; AIHGB, região açucareira está implícita no episódio do confronto entre os plantadores de mandioca e os
ACU, vol. 13, fls. 33-4 e 58; Notas sobre Curatos. Vigarias de lndios e Vigarias Coladas Depen- senhores de engenho da freguesia do Cabo citado em supra (nota 19). Em poucas palavras, o confli-
dentes do Bispado de Pernambuco, s/1., s/d., c. 1795. to decorreu da negativa dos cultivadores de mandioca em desmancharem as suas roças para atende-
21 O Edital da Rainha , declarando formalmente propriedade da Coroa todas as matas atlânticas e rem às necessidades de abastecimento das plantations da região, alegando que só as desmanchariam
as dos rios que chegassem ao mar, é de 1798. Cf. AIHGB, ACU, vol. 13, fls. 70-9, 103 e 275-6. para distribuírem a mandioca entre eles mesmos. É possível que esse processo de especialização
A expulsão das comunidades camponesas das matas do litoral cearense foi considerada poucos anos camponesa no fornecimento regular de alimentos aos engenhos e fazendas da Zona da Mata ·tenha
depois, à luz da crise de abastecimento alimentar que lhe seguiu, "huma ordem que deu um abalo tido início na década de 1760, como resposta a dois movimentos simultâneos: o bloqueio do merca-
geral a esta Capitania". Governador do Ceará a Viseonde de Anadia, Vila da Fortaleza, 19.05.1804, do exportador para o tabaco produzido no sistema cultivador pobre-comissário volante, e a reto-
em ibid, fi. 276. Ver também João Rodrigues de Brito, Cartas Economico-Politicas.. •, op. cit., mada do crescimento das plantations com a intervenção pombalina, via Companhia Geral de
p. 73; Luis dos Santos Vilhena, Recompilação de Noticias Brazilicas. .•, op. cit., carta 22; R. J.S. Comércio de Pernambuco e Paraíba. Por outro lado, a "ambição do algodão" e os outros ingre-
Gayoza, Compendio Historico-Politico . .. , op. cít., p.226; e SM/BNRJ, Capitania de Pernambu- dientes que motivaram a expulsão das cumunidades camponesas do litoral provocaram uma grave
co. Cartas do Governo, 1804-1809, fi. 102. crise de abastecimento alimentar no Nordeste inteiro - à qual já ftzemos referência que durou
22 AIHGB, ACU, vol. 15, fls. 16, 18, 26, 50, 51, 56, 58, 61, 62, 64, 82 e 88, e vol. 13, fl. 30; (José de 1780 a 1820. Ao longo da crise, sobretudo nos seus anos iniciais, ficou demonstrada a relação
Cézar de Menezes) Livro de Registro das Cartas Que Me Foram Dirigidas (. . .) no Tempo em Que das p/antations com os excedentes da agricultura camponesa regional. Cf. AIHGB, Cartas de Ser-
Governei Esta Capitania de Pernambuco. Anno de 1778 (abrange os anos 1778-1785), fl. 98; Cartas viço. .., Cartas 155, 180, 227, 231, 239, 242, 247, 509 e 534. Na Capitania da Paraiba, a crise deu
de Serviço. •., Cartas 17, 18, 24, 31, 67, 120, 135, 186, 191, 197, 254, 255, 262, 309, 362, 431, 435, origem à fundação da Pia Sociedade Agrícola Protectora da Pobreza Despertadora da Agricultura,
436, 440, 444, 453, 456, 461, 487, 489, 492, 500 e 533; SM/BNRJ, Capitania de Pernambuco• .., que se propunha a fazer, entre outras coisas, um recenseamento dos pobres e dirigir uma complexa
fls. 104-5, 249, 251-2 e 267-8. Cf. também L.F. Tollenare, Notas Dominicais,. Recife, Secretaria de planificação dos plantios alimentares eom vendas subsidiadas e preços diferenciados de acordo com
Educação e Cultura, 1978, p.93; Henry Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil (2~ ed.), Recife, Se- a renda (ou falta de) da população. AIHGB, ACU, vol. 13, fls. 175-9, ]81, 183, 200 e 201-4. Para
cretaria de Educação e Cultura, 1978, pp. 204-5, 211,.304 e 306-7; e A.M.D. Silva, "Portugal and a possível inspiração européia do "Plano", leia-se R.B. Rose, "The 'Red Scare' of the 1790's. The
Brazil•.. ", op. cit., p. 486. French Revolution and the 'Agrarian Law'", Post and Present, n. 103, maio de 1984, pp. 113-30.

336 337
deste oriental aos fluxos internacionais de nordestino e abria os caminhos da sua perda da autonomia e da aproximação do Estado e preferiram migrar para o inte-
comércio o que motivava a repressão às subordinação. rior distante, isto é, os cultivadores pobres
Estado.
comunidades de plantadores pobres de al- As conseqüências imediatas da ex- que fugiram para o interior das matas ala-
godão, ao mesmo tempo em que - e isto pulsão das comunidades camponesas das O movimento expropriatório das goanas, para os brejos e agrestes pernam-
não é menos importante - se garantia a áreas do litoral nordestino nas últimas décadas anteriores provocara profundos bucanos e paraibanos, para os cariris cea-
exclusividade desse plantio para as décadas do século XVIII estão todas reflexos nos mecanismos de diferenciação renses, onde restabeleceram suas normas
unidades (e para as relações) escravistas resumidas no início da dominância das do campesinato do Nordeste oriental, em de vida social e econômica num crescen-
predominantes e limpavam-se amplos es- plantations escravistas e dos seus sistemas certa medida "jogando" esse segmento no te antagonismo para com o Estado e num
paços agrícolas de cultivadores pobres de poder político e de controle social, sis- caldeirão geral de uma sociedade que ini- nítido movimento de resistência e salva-
concorrentes. Por outro lado, o cercamen- temas que, em grande medida, foram ciava, ela mesma, processos de diferencia- guarda de sua liberdade e autonomia. Es-
to simbólico das terras virgens e sua desenhados especificamente para absor- ção social preparatórios da transição a sis- se segmento, que constituiu, até o final do
apropriação pela Coroa repousavam na verem e canalizarem as tensões e confli- temas produtivos que acompanhavam a século, o grosso do campesinato indepen-
justificativa formal de que as matas - su- tos decorrentes da desestabilização geral evolução geral do capitalismo e seus re- dente do Nordeste oriental, foi o ator
postamente em processo de extinção pe- da sociedade camponesa regional. Esses flexos nos países coloniais. Três corren- principal da Guerra dos Cabanos, forne-
los plantios camponeses 25 - eràm sistemas serão construídos na justa feição tes ou grupos principais formaram-se co- ceu os principais contingentes da chama-
rese:ryas estratégicas para o desenvol- das frações de cultivadores pobres livres mo resultado da expulsão das comunida- da Revolução Praieira e organizou o le-
vimêtrto· da capacidade bélica do Estado que, desarticulados e "soltos'', fornece- des de cultivadores p9bres livres das suas vantamento camponês de 1852- a gran-
colonial, pois delas sairiam os materiais rão os numerosos contingentes de vadios terras no final do século XVIII e primei- de revolta contra o Registro de Nascimen-
imprescindíveis ao aparelhamento das e mercenários - além do ímpeto revol- ra década do século XIX. O grupo apa- tos e Óbitos. 27 Dele saíram também, co-
frotas de guerra do Império. Portugal toso necessário com os quais desenvol- rentemente majoritário estava constituí- mo um amargo canto de cisne da auto-
necessitava tanto de navios quanto de ver-se-io os movimentos armados que do por aquelas comunidades, famílias e nomia camponesa, os patéticos e branca-
recrutas para jogar suas últimas cartadas constituem o anedotário da formação do indivíduos que resistiram ativamente ao leônicos seguidores de Antônio Conse-
nos lances finais da luta pela hegemonia Estado nacional no Brasil entre 1810 e conjunto de medidas subordinadoras.do lheiro e os participantes dos outros mo--
no mercado mundial, ao lado da Inglater- 1848.
ra.26
21 o processo de diferenciação social deslanchado pela expulsão das comunidades ~ponesas da costa
Pode-se dizer, portanto, que a nordestina não pode evidentemente ser fundamentado no texto da docwnentaçao da época, embo-
ra 0 contexto geral permita sustentar essa hipótese. O "súbito" acúmulo de população camponesa
trajetória dos cultivadores pobres livres do e de pobres livres em geral nas zonas do agreste nordestino na primeira metade do século XIX e
Nordeste oriental vincula-se diretamente TERCEIRO PEIÚODO:
OS CAMPONESES E a escalada de conflitos e tensões sociais nessas áreas são fenômenos amplamente documentádos
ao crescimento do capitalismo industri- tanto nas fontes primárias. regionais quanto nas narrativas de cronistas e viajantes. A origem e con-
A CONSTRUÇÃO centração dos "cabanos" nas matas alagoanas e pemambu~s, por exemplo, parece estar ~ireta­
al. Se sua emergência, na primeira metade
do século, podia ser explicada em função DO ESTADO NACIONAL. mente ligada à problemática de perda de espaços para a agncultura de base camponesa nas deca~as
PAUPERIZAÇÃO E REVOLTA. em questão. Da mesma maneira, o trágico episódio da Pedra do Rodeador, na comarca do Bomto,
da ativação da demanda triangular taba- onde wna comunidade camponesa sebastianista foi selvagemente massacrada em 1820 por tropas
C. 1810-1848
co-escravos-ouro e da ampliação da do governo provincial comandadas po~ wn oficial bibad?> parece ~ se originado ~e tensões de-
procura por alimentos, decorrente do correntes de migrações forçadas. O JllOVIIDento d~ re~lstêllCia dos culti~ pobres li~ ao recru-
próprio tráfico e das migrações interatlân- A primeira metade do século XIX tamento e as proibições de plantio de algodão sigruftcaram, como ~os, hod?s mass~vos ~ o
interior. Cf. Manuel Correia de Andrade, A Guerm dos Cabanas, Rio de Janeiro, Ed. ConquiSta,
ticas, isto é, podia ser explicada no con- corresponde a dois grandes processos que 1965 e Décio Freitas Os Guerrilheiros do Imperador, Rio de Janeiro, Graal, 1978. A crônica contem-
texto dos impulsos derivados do processo ocorrem simultaneamente no âmbito das porfutea da Praieira ~ como se sabe, abundante. ~f. Joaquim N~bu~o, Um Estadis~ tkJ lmpéri_o.. Na-
de acumulação no núcleo do mercado relações das comunidades de cultivadores buco de Araújo. Sua Vida, Suas Opiniões, _sua Epoca. 'lbmo l!''rneuo.18~~-1857,. ~o de Janetro, H.
mundial, sua expulsão e sua expropriação pobres livres com o resto da formação es- Garnier, 1897; Jerõnimo Martiniano Figuetnt de Mello, Chron«:a da Rebel1ao Pnz1e1,~ em 1848 e 184?•
Rio de Janeiro TYpographia do Brazil de J.J. da Rocha, 1850, e Autos do lnquento da Revoluçao
estavam igualmente vinculadas, de cravista regional: um processo de diferen- Pnzieira, Brasí!Ía, Senado Federal, 1979. Os trabalhos~ Figueira de ~ello represen~_o ponto d_e
maneira indisfarçável, ao mesmo proces- ciação social, embora não no sentido vista oficial sobre a revolta, enquanto que os comentários de Um Ewadista refletem a vtsao do Parti-
j
so. Era,no fim das contas, a revolução in- clássico, e um outro de crescimento de do conservador também estampada em (Nabuco de Araújo), Justa Apreciação do Predomínio do
dustrial que expropriava o campesinato uma espécie de pânico coletivo diante da Portido Pnzieiro ~u Historia da Dominação da Pnlia, Pernambuco, TYpographia União, 1847. A ver-
I são praieira mais difundida é Urbano Sabino Pessoa de Mel~ 1pl'f!!Ciaçiio do Revol~ Praieira em .:e!'-
nambuco Rio de Janeiro TYpographia do correio Mercantil, 1849; Edson Carnetro, A /nsurre1çao
Pnzieira h841J-49) Rio de Janeiro Ed. Conquista, 1960; Amaro Quintas, O Sentido Social da Revolu-
25
Governador da Panuba a Rodrigo de Souza Coutinho, Vila da Paraíba, 13.10.1798, em AIHGB, J ção Pnzieira, Rio de Janeiro, Brasiliense. 1967; lzabel Andrade Marson, Movimento Praieiro, llf42-1849.
ACU, vol. 13, fl. 79; idem a idem, 04.11.1798, em ibid., Goianna até Penedo, Recife, 13.11.1805; Imprensa, Ideologia e Poder Polftim Ed. Mod~ 1!»1~. Para o l~tamento ,contra o R~tro dos
em SM/BNRJ, Capitania de Pernambuco. .. , fl. 102; J.R. de Brito, Cartas Economico-Politicas. .. , Nascimentos G. Palacios, A "Guerra dos ManbondO$ • . ·, op. clt. Cf. também o recém-saJdo lza-
op. cit., p. l3;S.B. Schwartz, "Colonial Brazil. . .", op. cit., p. 462. bel Andrade 'Marson, o Império do Progresso. A RevotuçiioPraieira em Pernambuco (1842-1855). São
26 Vid, A.M.D. Silva, "Portug"li and Brazil. .. ", op. cit., pp. 484-6. Paulo, Brasiliense, 1987.

338 339
vimentos ditos "messiânicos" do perío- além do mais, foi atacado por das regiões da fronteira de expansão da propriedades escravistas da região. Mas
do.28 devastadoras pragas nas décadas de 1830 cana - cada vez mais pobres e cada vez é a partir da desagregação das co-
Para esses grupos, como mostra a re- e 1840; 29 terceiro, e fundamentalmente, menos livres conforme se aproximava, munidades camponesas que parece ter
volta-símbolo de Canudos, a primeira me- da forma como o sistema dominante paradoxalmente, a extinção do escravis- início o grande processo de conversão dos
tade do século correspondeu a um resolveu o problema da escassez de mo colonial - já não tinham, na práti- plantadores autónomos, produtores in-
acelerado processo de pauperização que gêneros alimentícios provocado pela ex- ca, mais nada a oferecer como valor para dependentes expropriados da sua condi-
os tornariam, a partir aproximadamente pulsão dos cultivadores pobres livres das o mercado regional a não ser sua força de ção primordial de produção, em
de 1870, presas fáceis para o trabalho terras do litoral: estimulando, e trabalho e a de suas famílias para a refor- "moradores" dependentes dos interesses
"livre" das plantations. Pelo que parece, finalmente conseguindo, depois de sécu- mulação dos esquemas produtivos de en- e dos desejos dos agentes sociais do
esse processo derivou, primeiro, das lo e meio de fracasso, que as plantations genhos e usinas centrais, em fase de processo de expansão da agricultura es-
próprias dificuldades inerentes à cons- escravistas investissem seriamente no transição. 31 cravista. 32 Assim, a expropriação cam-
tituição da economia dos pobres livres plantio de alimentos e ocupassem, com ponesa não só permitiu a consolidação da
a dezenas de léguas dos mercados que ao os seus excedentes e os dos renascidos O segundo grupo conformado pela plantatíon e do escravo como sistemas e
longo do século anterior tinham estado lavradores escravistas, os mercados ur- diferenciação dos cultivadores pobres relações dominantes de produção, como
tão próximos; segundo, e no caso específi- banos regionais, o que inviabilizou a já livres expulsos do litoral no final do sécu- também forneceu-lhes um segmento
co das comunidades reassentadas nos bre- precária e difícil comercialização dos lo XVIII parece ter sido, ao contrário do produtivo que, se relativamente insig-
jos pernambucanos e paraibanos, da produtos camponeses. 30 Portanto, no iní- primeiro, uma fração do campesinato que nificante nos inícios do século, será
rápida perda de produtividade das terras cio do quarto e último segmento dessa não teve condições para resistir ao avan- progressivamente chamado a participar
do agreste para o algodão, cultivo que, periodização, os cultivadores pobres livres ço do Estado e do sistema dominante mais e mais das tarefas da própria plan-
sobre sua autonomia. vendo-se conse- tation, confo1:me se opera, simul-
qüentemente obrigada a aceitar diversos taneamente, a emancipação dos escravos
28 Cf. Euclides da Cunha, Os Sertões, Rio de Janeiro, Laemmert & C., 1902, e Maria Isaura Pereira graus de subordinação às determinações e a conversão do "morador" em
de Queiroz, O Messianismo no Brasil e no Mundo, São Paulo, Dominus, 1965. "morador de condição" .33 A participa-
29
dos interesses do complexo centrado nas
José Bernardo Fernandes Gama, Memorias Historicas da Província de Pernambuco, Precedidas
de um Ensaio Topographico-Historico (. ..),Pernambuco, 'JYpographia de M.F. de Faria, 1844, plantations escravistas. Esses camponeses, ção política deste segmento nas lutas e
4 t., reimpressão facsimilar do Arquivo Público Estadual de Pernambuco em 2 vols., 1977, vol. I, ao que tudo indica, mantiveram-se na re- revoltas do período, tanto naquelas
p. 6; Frederico lropoldo Burlamarqui, Monographia do Algodoeiro, Rio de Janeiro, Typographia gião do litoral mas trocaram o privilégio claramente conduzidas e realizadas es-
de Nicolau Lobo Viaima e Filhos, 1863, pp. 60, 67, 82 e 92-3; Ouvidor da Comarca de Olinda a de sua permanência perto dos mercados pecificamente em função dos interesses
Presidente da Província, Olinda, 18.04.1828, em ANRJ, Officios do Presidente da Província de Per- dos grupos proprietários escravistas quan-
nambuco dirigidos ao Ministro dos Negocios da Justiça nos annos de 1822-1831 (de agora em diante
pela limitação de sua liberdade, conver-
Pe. Correspondência com o Ministério da Justiço); Diário de Pernambuco (a partir d'aqui DP), tendo-se em produtores semidependentes, to nas que deixam transparecer latos in-
26.01.1846; Maria Graham, Journal of a Voyage to Brazil, and Residence There, During Part of instalados como "moradores" no interi- dícios de tendências populares no seu
the Years 1821, 1822, 1823, Londres, Longroan, Horst, Rees, Orme, Brown and Green, 1824, p. 129. or das plantations, dos engenhos e das interior, esteve naturalmente condiciona-
A fulmínante viagem do algodão pelas terras do agreste pernambucano está perfeitamente ilustra- fazendas escravistas. Não quer isto di- da ao maior ou menor grau de subordina-
da pela igualmente vertiginosa ascensão e decadência da vila do Limoeiro, na região setentrional:
em 1774 era ainda uma despovoada aldeia de índios; entre 1810 e 1815 passou a ser uma das mais
zer, evidentemente, que antes da expul- ção ao proprietário da terra, e embora eles
florescentes vilas comerciais do interior, visita obrigatória para todos os mercadores de algodão; são dos cultivadores pobres livres de não tenham estado ausentes dos proces-
em fins da década de 1820, a decadência e o despovoamento voltaram a se instalar. Vid. "Idéa da suas terras não existissem "moradores" sos de luta, essa variável tem de ser con-
População da Capitania de Pernambuco e das Suas Anexas(...) desde o Anno de 1774 em Que vivendo e trabalhando marginalmente nas siderada para qualificar sua participação.
Tomou Posse do Governo das Mesmas Capitanias o Governador e Capitam General José Cezar de
Menezes", Anais da Biblioteca Nacional, vol. 40 (1918), p. 30; Governador de Pernambuco, Caeta-
no Pinto de Miranda Montenegro, a Conde dos Arcos,. Recife, 06.10.1816, em ANRJ, Codice 602, re, Notas . .•, op. cit., pp. 38-40; Memoria Justificotiva sobre a Conduta do Marechal de Campo
vol. I; Governador de Pernambuco, Luiz do Rego, a Ministro do Reino, Recife, 01.03.1818, em ANRJ, Luiz do Rego Barreto durante o Tempo em Que Foi Governador de Pernambuco (. . .), Lisboa,
Pe. Correspondência com o Ministerio do Reino, 1818-1819; H. Koster, Viagens. .., op. dt., pp. 'JYpographia de Desiderio Marques Leão, 1822, pp. 12-3.
216 e 353, onde se refere explicitamente ao processo migratório do algodão do litoral para o agreste. 31 Peter Eisenberg, The SugarJndustry. .., op. cit., pp. 180-214.
30 São conhecidas as diversas tentativas da áamínistração colonial, ao longo dos séculos XVII e XVIII 32 Informações nesse sentido podem ser encontradas em H. Koster, Vwgens. .. , op. cit., pp. 226-31; L.F.
tanto a portuguesa quanto a holandesa de forçar os proprietários de engenhos e canaviais Tollenare, Notas . .., op. cit., p. 75; Daniel P. Kidder (Pe.), Reminiscências de Vwgens e Permanências
a plantarem mandioca em quantidades suficientes para sustentar sua própria força de trabalho e, no Brasil. (Províncias do Norte), São Paulo, Livraria Martins Ed., 1951, p. 83. Não há, porém, estudos
inclusive, para comercializar excedentes nos mercados locais e regionais. Vid. a documentação cita- específicos sobre o processo de formação da categoria dos moradores no Nordeste, e a maior parte
da na nota 24, supra, especialmente o Edital de i7.03.1786, que obriga os senhores de engenho
e plantadores de algodão a cultivarem 5 mil covas ou mais de mandioca - proporção que excedia
certamente às necessidades de sustento da mão-de-obra das plantations. Governador da Capitania
j dos trabalhos que a eles se referem parecem partir da premissa de que se trata de um grupo social
que nunca mudou, que sempre foi aquele contingente que, na década de 1950, alimentou as Ligas
Camponesas. Leves pinceladas sobre possíveis rumos de mudança para os moradores no final do sé-
da Paraíba a Martinho de Mello e Castro. Vila da Paraíba, 28.05.1787, em AIHGB, ACU, vol. 13, I culo XIX, por analogia aos migrantes europeus, estão em José de Souza Martins, O Cativeiro da Ter-
fls. 33-4; Rodolfo Garcia, Ensaio sobre a História Palftica e Administrativa do Brasil, 1500-1810 ra, São Paulo, Ciências Humanas, 1979, p. 12.
(2? ed.), Rio de Janeiro, José Olympio, 1975, p. 111. Sobre as melhoras nas condições de abasteci- 33 P. Eisenberg, The Sugar lndustry. .. , op. cit., pp. 183-4; Manuel Correia de Andrade, A Terra e
mento na segunda parte da década de 1910, cf. H. Koster, Viagens . .., op. cit., p.363; L.F. Tollena- · o Homem no Nordeste, São Paulo, Brasiliense, 1963.

340 341
O terceiro grupo, finalmente, é o das classes proprietárias e por elas con- contramos no século XVIII, o lapso mais ção pagava-se com o "cativeiro", e que
mais difícil de situar, pelas próprias ca-
racterísticas das atribuições que o
vertidas em "armas" de sua própria luta,
"exércitos" para suas próprias guerras.
1
!
estável do desenvolvimento das comu-
nidades camponesas livres; não a encon-
este nada mais era do que o preçb da des-
truição do tecido social das comunidades
movimento de diferenciação lhe impôs. É Seria lícito dizer, pois, que o processo de tramos após 1870, quando a integração camponesas.
possível minimizar suas tarefas produti~ constituição do Estado nacional no Brasil da mão-de-obra dos cultivadores pobres Dessa maneira, resumindo na "men-
vas e seus papéis econõmicos e focalizar apoiou-se, pelo menos parcialmente, na do agreste e de outras regiões das fron- talidade coletiva" dos cultivadores pobres
mais suas funções sociais e políticas, na apropriação, por parte das oligarquias teiras próximas das p/antations ao tra- livres os efeitos desastrosos do processo
medida em que é a partir dele que se for- agrárias escravistas, da revolta e da fúria balho nos canaviais começa a se genera- expropriatório a que tinham sido sub-
mam os numerosos "exércitos" par~ dos cultivadores pobres livres nordestinos. lizar. 35 É, pois, um sentimento que mar- metidos no limiar do século, o medo do
ticulares, bandos e grupos armados que Mas este terceiro período da "história" es- ca o compasso da transição conforme esta cativeiro, da perda da liberdade por cau-
deram substância às lutas, guerrilhas, pecífica. desse segmento, marcado pela é percebida por atores tão ou mais impor- sa da pobreza e das crescentes restrições
revoltas regionais, movimentos separatis- sua diferenciação e por um processo tantes do que os próprios escravos. E é, à autonomia, motivou freqüentes rebel-
tas, conspirações republicanas, tentativas desigual mas aparentemente generalizado sobretudo, o sentimento predominante dias e espalhou tensões e desconfianças
restauradoras e confrontos político-par- de pauperização, contém também um nos membros de um extenso grupo social com relação ao Estado e às suas institui-
tidários que cobrem, literalmente, ano outro movimento cuja formulação é im- historicamente vencido. De certa forma, ções - aqui incluída a Igreja Católica ofi-
após ano; o período 1817-48 no norte e portante para a abordagem do período fi- se a escravidão significava a morte social, cial, isto é, o clero secular-, bem como
no nordeste do Brasil. 34 Assim, visto da nal desta periodização e para a compre- se os escravos eram "resgatados" da aos proprietários da terra, notadamente
perspectiva das "bases", é possível con- ensão mais ampla do lugar dos cultiva- morte física - a que sua derrota nas a partir de 1820,37 quando- e o contex-
siderar todas essas lutas "da Regência e dores pobres livres na sociedade escra- guerras tribais ou nos confrontos com os to aparece explicitado, por vezes, nas
de inícios da Maioridade" - como são vista do século XIX. Trata-se do cresci- grupos caçadores de cativos os tinha fei- fontes - El-Rei desaparece como figura
aulicamente chamadas pela historiogra- mento surdo mas incessante de um medo to candidatos em troca da sua liber- protetora do universo mental dos cultiva-
fia tradicional como conflitos e pugnas peculiar aos pobres livres e que constitui dade, da sua conversão em objetos, 36 dores pobres livres e nasce o Imperador,
que traduzem os choques de interesses no um processo paralelo e contrapontístico assim também parecia que a expropria- o poder nacional apoiado na ordem das
processo de constituição de um aparelho do processo de extinção gradual do es-
de Estado nacional, sim, mas que ad- cravismo: o medo de que o desenrolar do
quirem a dimensão, a turbulência e o movimento histórico levasse, irremediavel- 35 Trabalhos do Congresso Agrícola do Recife. (1878}, Recife, Typographia de Manuel Figueiros de
radicalismo que tiveram porque eram mente, o pobre livre ao "cativeiro". Este Faria & Filhos, 1879, passim; P. Eisenberg, The Sugar lndustry. .. , op. cit., pp. 180-214.
também, e fundamentalmente, o es- é um sentimento peculiar não apenas a 36 Sobre a "morte social" na escravidão, vid. Orlando Patterson, "On Slavery and SJave Formations",
coadouro das tensões que marcaram a um segmento específico da sociedade - New Left Review, n. 117, set..out. de 1979, pp. 39-40.
desagregação da sociedade camponesa aqueles cuja liberdade começava a ser 37 Distúrbios localizados nas áreas rurais por causa do medo do cativeiro dos pobres livres foram re·
nordestina, tensões, no caso, "funcionais" "manchada" pela pobreza -, mas é tam- gistrados apenas para Pernambuco - nos anos de 1828 nas freguesias de.lpojuca e Água Preta,
na zona da mata sul, e em Santo Antão e Limoeiro, no agreste setentrional. Cf. Presidente da Provín-
e convenientes para a resolução das bém uma sensação particular de uma épo- cia de Pernambuco, José Carlos Mairink da Silva Ferrão, a Mini~tro do Império, Recife, 17.04.1828,
diferenças entre as diversas frações das ca: o período compreendido pelas em ANRJ, Pe. Correspondência com o Ministério do /mpérlq 1828-1829. A revolta de 1828 pode ter
oligarquias agrárias escravistas em luta décadas imediatamente posteriores à estado ligada a boatos que anunciavam a criação na Corte (concretizada em 1829) da Comissão de
pelo cóntrole do nascente aparelho esta- proibição do tráfico interatlântico de es- Estatística Geográfica e Natural, Política e avi!. Cf. ANRJ, Códice 808, vol. 4 e Decreto de 27.10.1834.
tal, já que canalizadas pelas lideranças cravos com direção ao Brasil. Não a en- Dissolve a Comissão de Estatistica Geografica e Natural(. . .), Rio de Janeiro, 'JYpographia Nacional,
1834. Por outro lado, existem evidências de planos ofiCiais para recenseamentos especificamente inte-
ressados na população camponesa livre do Império, questionários que, por exemplo, chegam ao deta-
lhe de perguntar: "a quem pertencem as terras de suas moradias, e o que colhem?". SM/BNRJ, Mo-
34 A cronologia dos conflitos da primeira metade do século XIX é por demais conhecida e a biblio- delo de Mappa Estatístico, /825. Em 1838, houve também distúrbios em Santo Antão, Brejo da Madre
grafia abundante, embora se sinta certa carência de estudos modernos. Bons resumos dos fatos pa- de Deus e Bonito (tendo como centro a povoação de Caruaru), no agreste setentrional; em Gara-
ra a área que interes,sa a este trabalho estão em Amaro Quintas, ·~Agitação Republicana no Nor- nhuns, no meridional; e em Rio Formoso, na Mata sul. Cf. DP, 29.01.1838; Presidente da Província
deste", in S.B. de Holanda, ed., História Geral da Cívílização Brasileira..., op. cit., t. II, vol. I, de Pernambuco a Ministro da Justiça, Recife, 07.02.1838; idem. a idem, Recife, 09.02.1838; idem. a
pp. 207-37, e "0 Nordeste, 1825-1850", in ibid, t. II, vol. 2, pp. 193-241; Wanderley Pinho,·~ Ba- idem, Recife, 13.03.1838; idem. a idem, Recife, 04.04.1838, todas em ANRJ, Pe. Correspondência com
hia, 1808-56", in íbid, pp. 242-311. Boa parte da documentação referente a 1817 e 1824 está publi- 0 Ministério da Justiça, 1838-1849; Francisco do Rego Barros, Presidente de Pernambuco, Falia (. . .)
cada nas revistas dos institutos históricos nordestinos. Por exemplo, "Documentos para Servirem J.o de março de 1838, s/1., s/e., s/d., pp. 2-4. Em 1839 registraram-se conflitos em Thquaritinga e Li-
à História da Revolução de 1824 em Pernambuco e Outras Províncias do Norte (Extraídos no Ar- moeiro, agreste StJtentrional. Cf. Prefeito da Comarca de Limoeiro a Presidente da Provinda, Taqua-
quivo Público)", RIHGB, vol. 37, n.l, 1874, pp. 33-122; "Documentos sobre a Revolução Pernam- ritinga, 23.01.1839; Vigário de 1àquaritinga a Prefeito da Comaoca de Limoeiro, 1àquaritinga, 20.01.1839;
bucana de 1817 (copiados doutros existentes no Arquivo Público)", RIHGB; vol. 29, n.l, 1866, pp. Commissário de Policia de Taquaritinga a Prefeito da Comarca de Limoeiro, làquaritinga, 31.01.1839;
201-92. O 1? Congresso de História Nacional (Rio de Janeiro, 1914) dedicou grande parte das suas Sub-Prefeito de làquaritinga a Prefeito de Limoeiro, Taquaritinga, 01.02.1839, onde se afirma "( ...)
sessões a esses conflitos. Cf. I? Congresso de História Nacional, Anais, Rio de Janeiro, Imprensa e tanto tem inflamado os Povos, canalha com o fraco pretexto do cativeiro que tem reunido numero
Nacional, 1917, 5 vol., passim., e Félix Fernandes Portella, ·~ Setembrizada, a Abrilada e a Guerra sufficiente de por urna guerra", todas em ANRJ, Pe. Correspondência como Ministério da Justiça,
dos Cabanos", RIAHGPe., t. lO, n. 58, junho de 1903, pp. 424-45. 1838-1849.

342 343
plantatíons. 38 Nesse sentido, não é de conforme se amplia e parece tomar con- batismo de fogo nas últimas batalhas QUARTO PERÍODO:
todo descabido pensar que, para os cul- tornos definidos, entre o campesinato
tivadores pobres livres do Nordeste orien- regional, um princípio de identidade
1 entre o exército imperial e os famintos e
praticamente desarmados grupos
A SUBORDINAÇÃO DO
CAMPESINATO.
tal, o advento do Estado nacional, o coletiva. remanescentes de cabanos, 41 os frades O ESTADO CONTRA OS POBRES
processo de "independência " e de Outros elementos apontam na dire- capuchinhos italianos, recrutados em LIVRES.
constituição de uma nação política e ção de que a revolta popular nos distri- regiões camponesas do sul da península, c. 1850-75
administrativamente autónoma, foi um tos e regiões de cultivadores pobres livres instruídos durante meses em Roma, na
retrocesso, já que marcado pela estrutura- avolumou-se ao longo da primeira metade sede da Propaganda Fide, sobre as O período 'inal do processo aqui for-
ção de mecanismos crescentemente des- do século XIX, paralelamente ao cres- peculiaridades da língua e da sociedade mulado abre-se, praticamente, com a
tinados a restringir-lhes a liberdade. A cimento incessante dos distúrbios da "ple- brasileira e treinados em Angola nos di- grande insurreição camponesa contra o
revolta contra o Registro, em 1852, não be" das cidades. 39 Um desses elementos, aletos locais, 42 foram incansáveis na Registro de Nascimentos e Óbitos e se en-
foi, pois, um movimento espontâneo, nem de grande relevância para o estudo das "pacificação" das comunidades de cul- cerra nos anos imediatamente anteriores
uma simples reação violenta de um gru- comunidades camponesas independentes tivadores pobres livres crescentemente à grande seca de 1877-78, quando o flu-
po social tomado de surpresa, mas a cul- na metade do século, é constituído pela agitadas éom os movimentos de aproxi- xo de cultivadores pobres livres em dire-
minação de tensões de muito acumuladas reintrodução das missões capuchinhas na mação do Estadb. 43 Os capuchinhos e ção à plantation configura o campesinato
e periodicamente prenunciadas em motins região, a partir de 1840, exatamente com outras ordens mendicantes, especialmente regional como o elemento central do no-
e pequenas insurreições que preparam o a tarefa de funcionarem como agentes de capacitados para o convívio com os vo sistema agrário que substituirá, a par-
movimento de 1852 e que corroem sis- controle de revoltas populares, em espe- "rústicos" e "simples" camponeses aos tir de 1889, o tri-secular escravismo.
tematicamente, por baixo, o escravismo cial de revoltas agrárias. 40 Tomando seu quais falavam na sua própria e rude lín- Substancialmente, o período poderia ser
gua e traduziam a "palavra de Deus" -, ampliado até Canudos, que pode ser um
38 foram elementos centrais no desenho do marco simbolicamente importante da
Pode ser estabelecida uma clru;a relação entre a fundação da comunidade sebastianista do Reino
Encantado da Pedra do Rodeador e seu ·rápido sucesso e expansão em 1820 (vid nota 27 supra), novo aparelho hegemônico que começou completa derrota camponesa. Mas preferi
e o sentimento de confusão e desassossego que deve ter se instalado em diversos distritos campone- a ser elaborado a partir de 1850 para via- enfatizar a década de 1870, e especialmen-
ses diante do que os cultivadores pobres livres percebiam como uma guerra contra El-Rei, tradicio- bilizar a transição e legitimar a subordina- te os anos anteriores à estiagem do sécu-
nalmente reverenciado como a última instância protetora em sociedades agrárias. Parte da docu- ção do campesinato ao Estado e às lo, por achar que as últimas décadas do
mentação sobre o Reino Encantado está em ANRJ, Pe. Correspondência com o Ministério do Im-
pério, 1820-1821; veja-se também J.I. Abreu e Lima, "Combate do Rodeador ou da Pedra (1820)", plantations. 44 Império pertencem já a outro tipo de pro-
RIAHGPe, t. lO, n. 57, março, 1903, pp. 251-7, "História dos Acontecimentos da Pedra do Rodea-
dor", ibíd., t. 6, n. 37, abril de 1890, pp. 79-82, e "Novos Documentos sobre a Administração de 41 Para a participação dos capuchinhos na "guerra dos cabanos" e em outros conflitos regionais•. ver
Luiz do Rego em Pernambuco'', RIHGB, t. 29, n. l, 1866, pp. 293-334. Referências às "perdas" ANRJ, Pe. Correspondência com o Ministério do Império, 1839-1845, e Fr. Caetano de Messma,
sofridas por lavradores e pequenos cultivadores por causa dos conflitos armados da independên- Pfto. interino das Missões Capuchinhas em Pernambuco, ao Rvo. Sr. Peme Fr. Fabiano de Scan-
cia, durante os quais numerosos grupos dessas camadas da população rural pernambucana teriam, díanu, Comissário Geral dos Missionários Capuchinhos Italianos no Império do Brazil, Recife,
na versão oficial dos acontecimentos, permanecido "leais" a El-Rei, estão em Governador da Pro- 23.05.1844, em AC/RJ.
víncia de Pernambuco ao Ministro do Reino, Recife, 26.06.1819, em ANRJ, Pe. Correspondência 42 Para a preparação dos capuchinhos, veja-se Metodio da Nembro OFM Cap., I Cappuccini Nel Bra-
com o Ministério do Reino, 1818-1819. sile. Missione e Custodia dei Maranhão (1892-1956), Milano, Centro Studi Cappuccini Lnmbar<!i,
39 Cf. as considerações feitas por Luiz de Carvalho Paes de Andrade, Questões Económicas em Rela-
1957.
ção à Província de Pernambuco, Recife, JYpographia do Jornal do Recife, 1864, pp. 64-6. A viru- 43 Além dos cabanos e da revolta contra o Registro dos Nascimentos, os capuchinhos "operaram"
lência dos motins urbanos no período foi verdadeiramente notável, e está à espera de um estudo também na retaguarda das tropas praieiras, desmobilizando grupos camponeses favoráveis aos re-
à altura do espanto de observadoras como Maria Graham. (Aliás, uma pesquisa nesse sentido foi beldes. Em 1846, quando uma terrivel seca jogou milhares de retirantes em Recife, os frades mos-
anunciada por João José Reis na "biografia" que acompanha seu Rebelião Escrava no Brasil. A traram suas utilidades urbanas, improvisando rapidamente longas "missões" na cidade para con-
História do Levante dos Malês (1835), São Paulo, Brasiliense, 1986). trolar a população flagelada com procissões, rezas e penitências intermináveis. Cf. Joaquim Guen-
40 O motivo oficial da vinda dos capuchinhos foi "trazer os Indígenas à civilisação, e de fazer por nes da Silva Mello, Ligeiros Traços . .. , op. cit., pp. 67-8; AC/RJ, (Fr. Caetano de Messina) Alguns
este modo cessar as mortes, e os estragos, que commettem nas suas frequentes invasões". Relatório Apontamentos sobre o Thlbalho dos Capuchinhos de 1836 a 1839 e Memorias Historicas sobre
do Ministério do Império, 1841, Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1841, p. 27. É claro que as Missões dos Revos. P.P. Capuchinhos Italianos; Metodio da Nembro, I Cappuccini . .., op. cit.,
a catequese estava dirigida aos grupos indígenas que obstaculizavam o avanço da agricultura de pp. 8-9.
plantation e dificultavam a produção, pois "tres desses missionarios ficarão na Província de Per- 44 Para um exemplo do sentido do papel político dos capuchinhos na transição, veja-se a argumentação
nambuco, em conseqüência de requisição de respectivo Presidente (...)". Loc. cit. Pouco depois, de Fr. Caetano contra o Decreto n. 373 de junho de 1844, que colocava os missionários sob absolu-
essa tarefa "indígenista'' mostrava-se de importância secundária diante de revoltas mais ameaçado- ta jurisdição do poder civil. O prefeito dos capuchinhos considerava essa relação como um forte
ras, como as que levavam o presidente da Provinda das Alagoas, diante da interminável "guerra impedimento para a realização das tarefas "apostólicas" de "manutenção da paz e da boa ordem"
dos cabanos", a pedir também a ajuda dos capuchinhos, pela "(... ) necessidade de propagarem-se nos distritos camponeses da sua província eclesiástica, na medida em que destruía, pela descon-
os preceitos Evangelícos pela Classe menos illustrada da sociedade mormente entre os Povos que fiança que o Estado inspirava, o trabalho de convencimento que os frades efetuavam nas comuni-
nesta Provinda habitão as mattas de Jacuipe e lugares circunvisinhos (...)". Joaquim Guennes da
dades. Cf. Messina a Scandianu, doe. cit.; J.G.S. Mello, Ligeiros Traços. .. , op. cit., p. 67; Decreto
Silva Mello, Ligeiros Jhlços sobre os Capuchinhos, Recife, Typographia de M. Figueiroa de F. &
n. 373 de 30 de julho de !844, fixando as regras que devem observar na distribuição pelas Provín-
Filhos, 1871, pp. 65-7; Presidente das Alagoas a Ministro do Império, Alagoas, 08.08.1845, em ANRJ cias dos missionários capuchinhos, Colleção das Leis do lmperio do Brasil de 1844, tomo VI, parte
AI. Correspondência do Presidente de Alagoas com o Ministério do Império, 1844-1850.
I, Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1865, pp. 141-2.

344 345
blemática, 45 a saber, a organização do nês, na medida em que essa série de ins- anos. A lei de terras, sancionada em se- Nascimento e Óbitos e o Regulamento do
novo exército de trabalho rural, que será trumentos e mecanismos legais mutilavam tembro de 1850 e regulamentada na me- Censo Geral do lmpério, 49 cujaS implica-
objeto de um estudo posterior. Este pe- a autodeterminação dos cultivadores po- tade dessa mesma década, precisa ser ções, em matéria de intervenção do Esta-
ríodo corresponde ao grande pulo do Es- bres livres e colocavam no papel sua no- considerada também como um marco. 47 do na intimidade da organização social
tado sobre os cultivadores pobres livres va condição de classes subalternas Embora sua aplicação e sua utilidade ime- e familiar dos pobres livres do campo e
ainda autônomos, momento em que fica fundamentais no nascente sistema agrá- diata tenham sido muito discutíveis na re- das cidades, dispararam o alarme geral
claramente estabelecido que o Estado na- rio que vinha substituir o escravismo. As gião, é óbvio que se tratava de um contra a ameaça de "cativeiro'', desta véz
cional se constitui, na formação nordes- principais leis desse "projeto" estão en- mecanismo que, pelo menos, concorria não mais como um simulacro mas como
tina, sob as ruínas da liberdade cabeçadas pela própria lei de extinção do para dificultar e obstaculizar as formas um perigo iminente derivado da própria
camponesa, já que só a restrição dessa li- tráfico de escravos46 que, embora consi- "livres" de acesso à terra, institucionali- extinção do tráfico de escravos. 50 Ao
berdade e o submetimento dos pobres li- derada um diploma legal e político diri- zando modernamente os vínculos entre os mesmo tempo, começaram a se fazer sen-
vres do campo aos interesses funcionais gido para resolver exclusivamente o cultivadores pobres livres, ocupantes, pos- tir também os efeitos do novo Regulamen-
da plantation permitirá a famigerada problema da crescente perda de legitimi- seiros, invasores, e os proprietários for- to da Guarda Nacional, igualmente
transição ao "trabalho livre'', a qual, por dade da escravidão, é também, e de ma- mais das terras. 48 Exatos nove meses de- sancionado em setembro de 1850, que al-
sua vez, fará possível a consolidação do neira fundamental para quem se pois da promulgação dessa lei, tão indis- terava profundamente o funcionamento
Estado como Império liberal ou como Re- aproxima da história dos cultivadores po- soluvelmente ligada às práticas funda- desse corpo, tirando-lhe certas caracterís-
pública oligárquica. Culminando o pro- bres livres do Norte e do Nordeste, o pon- mentais dos cultivadores pobres livres, ticas "democráticas" e implantando, en-
cesso de expropriação e pauperização to de partida do grande movimento de apareceram o Regulamento do Registro de tre outras coisas, uma rígida disciplina
iniciado ainda nas últimas décadas do sé- transformação do sistema agrário e da
culo anterior, o Estado nacional passará, constituição de um mercado de trabalho 47 Lei n? 601 de 18 de setembro de 1850. Co/leção das Leis, 1850. .., op. cit., pp. 232-6. Para o Projeto
a partir de 1850, a institucionalizar a su- centrado na mão-de-obra camponesa. de Regulamento, cf. Ata de 14 de abril de 1851, Atas dos Conselho de Estado, direção geral, organi-
bordinação do campesinato nordestino Se a Lei Eusébio de Queiroz marca o zação e introdução de José Honório Rodrigues, Brasília, Centro Gráfico do Senado Federal, 1978,
(ao mesmo tempo em que buscará res- início da grande virada do Estado contra vol. IV, pp. 14-60.
tringir igualmente a liberdade dos imi- 48 A inaplicabilidade da lei foi geral. Cf. José Murilo de Carvalho, "Modernização Frustrada: A Polí-
a autonomia das comunidades indepen- tica de Terras no Império", Revista Brasileira de História, n. l, 1981, pp. 29-57. O artigo; embora
grantes europeus dirigidos aos cafezais dentes de cultivadores pobres livres norte- trate apenas dos debates parlamentares e se ocupe da sitnação do sul do Império, oferece um bom
paulistas e fluminenses) com a promul- nordestinos, outros instrumentos legais panorama dos conflitantes interesses políticos ao longo da lenta (1843-1850) elaboração e discussão
gação de um punhado de leis que, toma- iriam normatizar rapidamente o desenro- da Lei de Terras. Também localizado nas províncias do sul, veja-se igualmente o estimulante artigo
das no conjunto, podem ser interpretadas lar do processo, numa "manobra" fulmi- de Warren Dean, "Latifundia and Land Policy in Nineteenth-Century Brazil", HAHR, vol. 51, n.
como um grande movimento anticampo- 4, nov. de 1971, pp. 606-25. De longe o trabalho mais criativo sobre o assunto embora dentro
nante que se dá em um lapso de cinco de uma bibliografia extremamente limitada esse artigo está traãuzido (aliás, pessimamente) em
Carlos Manuel Pelaez e Mircea Buescu, coord., A Moderna História F.conômica, Rio de Janeiro,
45 APEC, 1976, pp. 245-57. José de Souza Martins fez diversas incursões no campo da interpretação
o. movimento conhecido como o "Quebra-Quilos", que atingiu Pernambuco, Alagoas, Paraíba e teórica do significado da lei, com hipóteses e conclusões brilhantes e provocativas porém fortemen-
RIO Gra~de do No~te .em fins de 1874, é. certamente um irmão gêmeo da revolta contra o Registro te contrastantes com a mediocridade do sentido empírico e da sorte desse diplomlJilegal. Veja-se O
de Nas~Imentos e Ob1tos, e c?nt~~ m~Itas das caracte:ísticas - além de ter as suas próprias - Cativeiro da '!erra . .•, op. cit., pp. 29-34, 59 e segs. Para comentários contemporineos, cf. José
do movimento de 1851-1852. S!gmf1cou Igualmente uma msurreição contra a penetração de elemen- Marcelino Pereira de Vasconcellos, Livro das '/erras, Rio de Janeiro, Laemmert, 1860.
tos q.ue t~ntavam a.daJ?tar a economia e a sociedade dos cultivadores pobres livres ao ritmo de mo- 49 Decretos nos. 797 e 798, de 18 de junho de 1851. Mandam, respectivamente, "executar o Regula-
d~rmzaçao_ do ca~1tal1smo al~ures ---: no caso, uma maior tributação e, sobretudo (e daí 0 nome), mento para a organização do Censo Geral do Império" e "executar o Regulamento do registro de
a mtroduçao do s1ste~a métnco dec1mal nas transações comerciais das feiras camponesas. Como nascimentos e óbitos". Colleção das Leis, 1851, tomo XIV, parte II, Rio de Janeiro, 'JYpographia
a revolta ~ontra o R;:gistr_?, o "Quebra-Quilos" também foi um movimento que aprofundou diver- Nacional, 1854, pp. 161-74.
s?s con~~tos ~a reg~ao, nao somente ~eferentes à vi?a ~amponesa, notavelmente a chamada "Ques- so Os movinlentos de resistência aos recenseamentos são, como se sabe, mna constante na história das
tão Rebgu:~sa . No entanto, para efeitos desta penodização, a revolta contra o Registro de Nasci- comunidades camponesas do mundo inteiro, fNqüentemente porque, por trás dessas medidas, está
~en~os e Obit?s, que lhe antecede em 20 anos, representa o marco dos novos tempos, sem que isso a preparação de novos tributos ou de ordens de RlC11lúunento militar. No caso específico de 1851-52,
tmJ?hque ~O_?stderar - nem de longe - o "Quebra-Quilos" como um caso secundário e incluível o fato de que o controle dos nascimentos passava, a partir desse momento, a constituir um "rws-
n.a msurreiçao ~e 1851-52. Cf. Henrique Augusto Milet, Os Quebrakilos e a Crise da Lavoura, Re- tro" poucos meses depois de se terminar com o "registro" dos escravos, pode ter sido um dos ele-
ctfe, Typographm do Jorn~ do ~ecife, 1876. Não existem estudos modernos que analisem adequa- menios principais da inquietação camponesa e da idéia do cativeiro. Por outro lado, o decréto 798
d~ente, em todas suas d1mensoes, a revolta. Uma narrativa compreensiva, com muitas informa- impunha a figura do escrivão da paróquia, isto é, do juiz e de todo o poder politico local, como
ço;s. enco_?tra-se em Armand':' Souto Maior, Quebra-j<ilos. Lutas Sociais no Outono do Império. o elemento chave para que o bati11mo foae rcaJiudo. Em outru palavras, ficava nas suas mãos
(2: ed.), São.Paulo, Companhta Editora Nacional, 1978. Para uma discussão sobre os sistemas mé· a garantia mínima da salvação eterna. As características do "Modelo de Mappa dos Nascimentos"
tn~os e seu Impacto, ver Witold Kula, Las Medidas y los Hombres, México, Siglo XXI, 1976. anexo ao Decreto deixava, outrossim, inúmeras ameaças no ar, pois desinteressava-se inteiramente
Lei n"581 ~e 4 d7 setembro de 1850. Colleç_ão das Leis, 1850, tomo XI, parte I, Rio de Janeiro, pela cor do indivíduo, e perguntava apenas se o recém-nascido era livre, indigena ou escravo, legiti-
Typograg~ia Nactonal, 1852, pp. 203-5; leshe Bethell, The Abolitíon of Brazilian Slave 1rade: Bri- mo, ilegítimo ou exposto. Por outro lado, o 2!' parágrafo do Art. 70 exigia a menção à cor só no
tam, Brazll and the Slave Trade Question, 1807-1869, Cambridge, Cambridge University Press,J970· caso de crianças escravas, enquanto ignorava a necessidade de identificar, já agora, no início da
R_obert Conrad, The Destruction oj Brazilian Slavery, 1850-1889, Berkeley, University of Califor: crise do escravismo, a cor dos pobres livres. G. Palacios, A ''Guerra dos Maribondos" ... , op. cit.,
ma Press, 1972.
pp. 46-7.

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militar entre os recrutados. 51 O "projeto" ção na sociedade que se transforma. 52 É se acalmaram. 54 Por esses anos, as estra- Recife, declararam-se inteiramente satis-
do Estado para resolver a questão da tran- um movimento "anticapitalista" no sen- das de ferro começavam a cortar os ca- feitos com os níveis de oferta de mão-de-
sição ao chamado "trabalho livre" no tido de que se opõe às modificações anun- naviais pernambucanos à procura do obra livre nas suas regiões de origem, e
Norte e Nordeste ficava assim demarca- ciadas pelas leis de inícios da década de açúcar dos engenhos e das usinas, e co- muitos deles enfatizaram que esse movi-
do pelas coordenadas dessas leis, funda- 1850 e por outros tantos sinais, em nome mo estava acontecendo em São Paulo, no mento crescente de conversão de campo-
mentais para encaminhar a constituição de uma organização social autônoma e li- Rio de Janeiro e em todas as regiões on- neses autônomos em solicitantes de terras
do novo sistema agrário. vre, num sentido que autonomia e liber- de as ferrovias deitavam os trilhos, am- e emprego nos engenhos e nas fazendas
O momento culminante do período dade começaram a perder. plos segmentos de pobres livres ocupados antecedia a grande estiagem desses anos,
(
em questão não é necessariamente um Os insurretos de 1851-52 obtiveram no transporte animal de produtos agro- que por sua vez apenas culminaria a con-
momento cronológico, e sim um momen- uma vitória imediata parcial. Dois meses pecuários perdiam sua forma de ganhar solidação do processo de destruição das
to "mental", situado no tempo da cons- depois, os regulamentos que tinham pro- a vida e se (re)incorporavam à camada de comunidades de cultivadores pobres in-
tituição de uma "consciência" dos vocado o levante foram suspensos e, vi- agricultores de subsistência, fosse como dependentes. 56 Faltavam apenas normas
cultivadores pobres livres enquanto subs- giados pelos frades capuchinhos, os cultivadores ainda autônomos, fosse, mais para disciplinar essa multidão e medidas
titutos compulsórios do escravismo. Nesse camponeses pernambucanos voltaram às realisticamente, como moradores/traba- repressivas para evitar que os ex-escravos
sentido é que a revolta contra o Registro suas tarefas, aliás, cheios de premência, lhadores de engenhos e fazendas. 55 As- - que não tinham outra alternativa de
adquire toda a sua verdadeira dimensão pois a época do plantio também tinha co- sim, pauperização e mudança na base sobrevivência a não ser o re-emprego em
e o seu significado. É uma revolta contra laborado para marcar o limite da revol- técnica dos setores de apoio da produção, engenhos ou fazendas, mudando apenas,
a extinção do escravismo, é uma insurrei- ta.s3 transporte ou beneficiamento deram os talvez, de distrito ou de freguesia - tro-
ção que tenta sustar o processo através do No final da década de 1850 - e no- toques finais no processo de condução dos cassem constantemente de local de traba-
qual os homens e as mulheres pobres li- vamente em fins dos anos 60 -, o medo cultivadores pobres livres às ftleiras detra- lho, numa sitnbólica e vã tentativa de
vres do campo e das cidades deixam ca- voltou a correr solto pelas regiões da con- balhadores rurais para as plantations. Em provarem a si mesmos que eram livres. 57
da vez mais de serem "livres", conforme flagração de 1851-52, diante do renasci- 1878, os grandes e médios proprietários O melancólico epílogo do processo
a liberdade perde a sua importância "es- mento do boato de que o governo se de terras e de escravos do Norte e do Nor- de nascimento, expansão e subordinação
tamental", para terem cada vez mais real- preparava para, mais uma vez, tentar im- deste, reunidos no Congresso Agrícola do dos cultivadores pobres livres de Per-
çada sua condição de "pobres" como plantar os regulamentos. Nada, contudo,
nova base fundamental da sua localiza- aconteceu que provasse isso, e os ânimos
54 Relatorio com que o Exmo. Sr. Conselheiro Manuel Felizardo de Souza e Mel/o Entregou a Admi-
nistroção da Província ao Conselheiro José Antonio Saraiva, Recife, Typographia de M.F. de Fa-
SI Lei 602 de 19 de setembro de 1850. Col/eção das Leis, 1850. .. , op. cit. A lei reformava o estatuto ria, 1859, p. l; Agostinho Luiz da Gaina, Chefe da Policia de Pernambuco, a Fr. Caetano de Messi-
original da corporação, datado de 1831, e retirava dele uma série de elementos liberais , dando-lhe na, Recife, 18.01.1859; Présidente da Província a Idem, Recife, 11.11.1859; Presidente da Província,
um cunho extremamente autoritário. Regulamento das Guardas Nacionaes, Seguido de Tbdos os Circular Confidencial, Recife, 2.10.1860; em AC/RJ. Em diversos momentos do "quebra-quilos",
Decretos, Portarias, e Avizos, Relativos às Mesmas Guardas, Recife, rypographia de Santos e <:;om- a revolta foi justificada como uma resposta "(...) a nova lei de recrutamento que a denominam
panhia, 1837; Jeanne Berrance de Castro, "A Guarda Nacional ... '', op. cit.; S.B. Holanda, Histó- de lei do cativeiro (.•.)". DP, 27.11.1874.
ria Geral da Civilização Brasileira . .., op. cit., t.II, voU, pp. 279-84; Michael McBeth, "The Bra- 55 Para esse processo em Pernambuco, veja-se Eisenberg, Sugar lndustry.. ., op. cit., p. 56; "Estado
zilian Recruit during the First Empire: Salve or Soldier?", in D.Alden & W. Dean, Essays Concer- da Indústria Açucareira em Pernambuco", DP, 14.06.1881 (transcrito do Jornal do Commercio do
ning . .., op. cit., pp. 71-86. Vejam-se as considerações sobre o novo regulamento e o recrutamento Rio de Janeiro). Apud. José Antonio Gonsalves de Mello, O Diário de Pernambuco e a História
militar em Relatório do Presidente da Província de Pernambuco, 1865, Recife, Tupographia M.F. Social do Nordeste, Recife, Diário de Pernambuco, s/d. vol. 1, pp. 37-8. Para São Paulo, Cheywa
de Faria, 1865, pp. 4-5. O fracasso da Guarda Nacional, amplamente demonstrado nos diversos R. Spindel, Homens e Máquinas na Transição de uma Economia Cafeeiro, Rio de Janeiro, Paz
movimentos armados do período, entre eles na revolta contra o Registro de Nascimentos, está reite- e Terra, 1980, p. 42, e Stanley J. Stein, Vassouras. A Brazilian Coffeecounty, 1850-1890. The Roles
rada nesse Relatório. Um dos resultados foi uma intensa onda de conflitos em toda a província o/ Planter and Slave in a Changing Plantatio11 Society, Nova Iorque, Atheneum, 1970, p. 130.
de Pernambuco, protagonizado por grupos armados que, entre 1865 e 1868, assaltaram cadeias no 56 Trabalhos do Congresso Agrícola. . :, op. cit., "Pbservações (fo Sr.~ H.A. Milet acerca da Mem()ria.
interior para soltarem recrutas. Vejam-se Relatorio do Pn?Sidente de Pernambuco, 1866, Recife, TYPo- do Sr. João Fernandes Lopes", p. 146; "Memoria Apresentada na 4~ Sessão pelo Engenheiro H.A.
grapbia M.F. de Faria, 1866, pp. 3-4; Relatorio do Presidente de Pernambuco, 1867, Recife, Typo-' Milet", p. 315; "Emendas Substitutivas ao Parecer da Commissão", pp. 398-400. No seu discurso
graphia M.F. de Faria, 1867, pp. 2-4; Relatorio do Presidente da Província de Pernambuco, 1868, final, porém, Milet, um dos líderes da fração mais "esclarecida" dos proprietários de terras, adver-
Recife, Typographia M.F. de Faria, 1868, pp. 3-4; G. Palacios, A "Guerra dos Marimbondos" ... , te: "(...) mesmo nos engenhos contíguos à catinga, onde abundam os braços livres, só se pode
op. cit., pp. 9-26. contar com eles enquanto não chove: chegando a chuva, retiram-se para plantar sens roçados",
52 A histórica relação da liberdade com a pobreza, que durante séculos justificou reflexivamente cada p. 431.
um dos seus componentes, chegava ao fim da sua funcionalidade para o sistema por esses anos: 57 Novamente os debates do Congresso Agrícola ilustram perfeitamente á preocupação das classes do-
"O que precisamos é da reforma de nossas leis, pois as vigentes garantem a vagabundagem, a ocio- minantes nordestinas, não com os níveis de oferta de mão-de-obra, claramente satisfatórios, e sim
sidade, sob o pomposo nome de liberdade do cidadão, que melhor se chan3aria a miseria do cida- com a necessidade de se estruturarem sistemas jurídico-ideológicos de repressão e enquadramento
dão", "Memoria do Sr. .{osé Antão de Souza Magalhães", Trabalhos do Congresso Agrícola. .•,
op. cit., p. 232. ·
' da força de trabalho. Cf., por exemplo, para as discussões sobre diversos tipos de "colonias" ("or-
phanologicas", "agrícolas" "para filhos de proletários" etc.), Trabalhos do Congresso. .., op. cit.,
53 Decreto n? 907 de 29 de janeiro de 1852. Suspende a execução dos Regulamentos para a organiza- pp. 136, 148-50, 205-7, 219 e 230; para mostras do papel intuído pelos proprietários para a educa-
ção do Censo Geral do Império e \)ara o Registro de Nascimentós e Óbitos. Colleção das Leis, 1852, ção pública rural como mecanismo de dominação, ver pp. 224, 259-62 e 263-78, e o "Projeto Colo-
Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1856, tomo XV, parte II, p. 19; DP, 19.01.1852 nia Agrícola Industrial- Auxt1io Mútuo- entre Proletarios, Seus Filhós e os da Mulher Escrava,

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nambuco e de outras áreas do nordeste local, foi um ingrediente fundamental de de "messiânicos", os quais, evidentemen- meira metade do século XIX e,
oriental do Brasil - cuja autonomia e controle da nova força de trabalho e um te, têm de ser vistos à luz do processo es- finalmente, a pressão .que eles começam
autodeterminação enquanto produtores expediente ideal, pelo seu forte conteúdo pecifico de desintegração da sociedade ·a exercer diretamente sobre o sistema po-
independentes chegava ao fim após qua- de autoritarismo e arbítrio, de legitima- camponesa nordestina enqtJanto uma so- lítico e social nos conturbados momen-
se 200 anos de convivência e confronto ção da nova ordem rural. 59 Simultanea- ciedade de homens e mulheres livres e au- tos da construção do Estado nacional,
com a grande propriedade escravista e mente, a Igreja Católica, liderada pela rica tônomos, certamente mantendo e com sua cre!tcente iniciativa e aparente de-
com o Estado que a representa, promove experiência das ordens mendicantes, dos avançando no interesse pelos notáveis e terminação de construírem suas próprias
e organiza-. no último quartel do sécu- frades/santões e milagreiros das missões elucidativos elementos de religiosidade reivindicações _.: como sugeria a revolta
lo XIX, pode ser traçado ao longo de capuchinhas que deram contribuições popular, mas vinculando essas manifes- contra o Registro-, são todos elemen-
duas linhas que resumem, nas postreiras importantíssimas, também, para arquite- tações com um passado de independên- tos que apontam numa mesma direção.
décadas do oitocentos, o processo como tar a figura dos alucinados predicantes do cia e autodeterminação e não apenas coín A saber, na de considerar que, no Nor-
um todo. Por um lado, a montagem de milênio -,iniciou sua virada em direção um presente conjuntural de mudança de deste, não foi o "trabalho livre" que re-
um aparelho ideológico e jurídico volta- aos seus novos servos preferenciais e, regime político. Analisados no contexto presentou uma "solução" para os
do para disciplinar e reprimir a nova for- apoiada nas pesquisas e nos estudos ela- do processo histórico particular dos cul- problemas gerados pela extinção acelera-
ça de trabalho, aparelho este que se fez borados pelos frades capuchinhos e por tivadores pobres livres é que esses movi- da do escravismo a partir de 1850, mas
acompanhar da edificação de outros me- missionários de outras congregações, co- mentos, que a eles pertenceram - e não sim o contrário, isto é: a extinção do es-
canismos hegemônicos que a revolta con- meçou a tarefa de santificar a legitimida- ao Império ou à República -, darão seu cravismo, em aceleração crescente a par-
tra o Registro tinha mostrado serem de que o poder dos proprietários dava ao significado "orgânico" e vital para o co- tir - coincidentemente - dos anos da
imprescindíveis para a manutenção do sis- sistema. Dessa forma, à disciplina de for- nhecimento da história do Brasil. revolta contra o Registro e dos outros fo-
tema nascente no seu precário equilí- ça primária e indiscutível do escravismo Visto na dimensão da proposta apre- cos de agitação de cultivadores e pobres
brio:58 ampliou-se a margem de seguia-se a persuasão e_ o convencimen- sentada nas páginas anteriores, o proces- livres em geral, foi a única solução possí-
institucionalização do poder local dos to de que uma nova legitimidade justifi- so de conversão do campesinato vel para resolver os problemas gerados pe-
proprietários da terra e legitimou-se o seu cava a virtual compulsoriedade do autônomo do nordeste oriental do Brasil la presença de centenas de milhares de ·
mando através da multiplicação de paten- trabalho livre. 60 em fonte única de força de trabalho para pobres livres carentes de mecanismos for-
tes de oficiais da Guarda Nacional. O co- A outra linha do possível epílogo nos a agricultura plantacionista pós-abolição mais de controle. 61 Assim, a criação de
ronelismo, portanto, além (e a despeito) é fornecida pelas insurreições e movimen- provoca algumas interrogações. O impres- um mercado de trabalho "livre" foi tam-
de -ser um instrumento de poder político tos que a historiografia tem classificado sionante crescimento dos pobres livres a bém um imperativo de ordem social; a in-
partir da segunda metade do século tegração do campesinato às plantations,
XVIII; as contradições entre a constitui- uma solução de natureza política.
da Provinda de Pernambuco", de autoria de Joaquim Alvares dos Santos Souza, pp. 294-302. A ção de uma agricultura de base campo- Observado, pois, da perspectiva de
justificar a preemência de "leis agrárias" e outras maneiras de criminalizar as diferentes práticas
sociais dos pobres livres, há frases como esta: "a aglomeração de ociosos nos gràndes centros de
nesa não-escravista e a tendência uma abordagem preocupada em desven-
população é um perigo imminente, é uma revolução adiada (...)", p. 450. Ver "Projeto de Repre- dominante das plantations, indissolúvel dar os caminhos das comunidades cam-
sentação Deliberada pelo Conselho Administrativo Pleno da Sociedade Auxiliadora da Agricultura do tráfico de mão-de-obra africana; a ex- ponesas e a racionalidade dos seus
para Ser Apresentado ao Segundo Congresso do Recife (...)", DP, 15.07.1884. Veja-se, também, pulsão das comunidades de cultivadores processos de mudança, o escravismo "na-
Ademir Gebara, O Men:ado de Trabalho Livre no Brasil. (1871-1888), São Paulo, Brasiliense, 1986, pobres livres das férteis terras do litoral
especialmente cap. 2.
da mais foi" do que o tempo necessário
58 Após décadas de discussões e propostas sucessivas, todas elas no sentido de tomar o "trabalho li- nordestino; a conseqüente participação de para a conformação e o amadurecimen-
vrf!' obrigatório, deixou-se, aparentemente, pelo menos na área açucareira nordestina, que cada amplos segmentos-dessa população ex- to de uma massa crítica de cultivadores
proprietário e/ou empregador inventasse a melhor forma de impor suas condições à mão-de-obra propriada nos conflitos armados da pri- pobres, sua multiplicação, pauperização
livre. Algumas das últimas propostas e as decisões finais podem ser encontradas em Anais do Pri-
meiro Congresso Nocional de Agricultura. Rio de Janeiro, 1901, Rio de Janeiro, Sociedade Nacio-
nal da Agricultura, 1906, 2 vol. Ver G. Palacios, "Os Plantadores de Cana de Pernambuco, na Pri- dos o dever da obediencia ao Soberano, e as autoridades que delle dimanão (...)''; "agradecendo
meira Metade do Século XX. Nascimento, Crise e Consolidação de Uma 'Classe' Agrária'', Cader- a v.pde R•rno os esforços impregados com o zelo e a devoção que lhe merecem os interesses da Re-
nos da EIAPIFGV, n.l, 1979. ligião e do Estado(•..) desenganando os incautos e insinuando efficasmente nos animos de alguns
59 Cf. as lúcidas advertências de Antonio Pedro de Figueiredo, ex-diretor de O Progresso, um jornal malintencionados o amor a ordem e o respeito á Autoridade e ás Leis(...)". Presidente da Provín-
de leitura obrigatória para os interessados na sociedade agrária nordestina de metade do século XIX, cia de Pernambuco a Fr. Caetano de Messina, Recife, 26.01.18.59, em AC/RJ!' Não foi m~do da
sobre a politizaçãó da força de trabalho camponesa no serviço dos interesses dos respectivos em- força militar , que antes essa mais os irritou, quem os resolveó a depor as armas, que prottestavão,
pregadores e chefes militares, publicadas em DP, 24.03.1856. Apud. Gonsalves de Mello, O Diorio antes morrer, do que largar; foi sim somente o imperio, que ainda sobre elles tem a Santa Reli-
de Pernambuco• .., op. cit., vol. 1, pp. 3-10. gião". Fr. Caetano a Presidente da Província, Tracunhãem, 27.01.1852, em AC/RJ.
60 "Não conhece o Estad() arrimo mais poderozo que o da Religião, e para que esta preste o seo auxi- 61 Salvo engano, Michael Hall chegou já, alhures, a uma "inversão" semelhante com relação à imigra-
lio preciza ser defundida e explicada por Ministros intelligentes, zelosos e virtuosos(...)''. Gama ção estrangeira para o sul do Brasil, mostrando que, ao contrário do que tem sido até agora veicula-
a Messina, 18.01.1859, em AC/RJ:• (...) Rogo-lhe que, ainda como sacrifício, não deixe essa Fre- do, não foi ela uma "solução" para o problema representado pela abolição; esta, sim, foi a resposta
guezia, sem ter conseguido acalmar os espíritos, disipar as aprehensões erroneas, e convencer a to- para resolver a necessidade da imigração estrangeira.

350 351
e subordinação aos interesses da agricul- Após essa revolta, políticos de todos os culação do movimento contra o Registro gunda metade do século XIX. Desse ger-
tura plantacionista. 62 Foi o compasso de partidos, proprietários titulados e gran- de Nascimentos e contra a "Lei do Cen- me de organização popular derivou a
espera durante o qual foi preciso recor- des posseiros,65 surpreendidos e assusta- so" - com a construção do sistema de necessidade imperativa da constituição'J,ie
rer a relações de trabalho "anômalas., ,63 dos com os trovões da revolta popular que poder político e de controle social que uma intrincada rede de relações hegemô-
enquanto se treinava e se aprontava o ecoavam. nos céus dos conflitos interoli- cresceu das cinzas do escravismo. Porque nicas que soterraram efetivamente essas
exército permanente e versátil, que tanto gárquicos e confrontados pela primeira esse sistema foi desenhado e montado primeiras tentativas de organização e di-
poderia funcionar como morador ou co- vez com um "inimigo" verdadeiramente conforme apareciam as características que luíram a for9<1 das comunidades no iso-
mo colono, como peão ou camarada, co~ de classe que se gestava no seio do cam- começavam a identificar a instabilidade, lamento do morador, na responsabilidade
mo assalariado rural ou bóia-fria, como pesinato livre e da plebe das cidades, se- a insatisfação e a revolta dos vastos seg- individual diante de Deus e na proteção
parceiro ou como pequeno produtor "far- laram o histórico acordo que estabeleceu mentos de pobres livres que habitavam as do coronel. Que o Estado tenha, pois, em
rríerizado", vinculado a grandes empre- um pacto de divisão do poder com o qual cidades e os campos do interior próximo certa medida, adquirido, nas primeiras
sas agroindustriais. se faria a transição "pacífica" do sistema do Brasil. Em outras palavras, cabe dizer décadas do século XX, o adereço do seu
Não é portanto de estranhar, por político e da engrenagem produtiva rumo que a estruturação do aparelho do Esta- objeto primordial a feição de uma es-
exemplo, que tenha sido especificamente ao capitalismo agrário do século XX. do na transição ao "trabalho livre" e ao trutura de poder fundamentada no rígi-
nos anos i~ediatos à intensa mobilização O papel dos cultivadores pobres livres e regime republicano se fez em função, sim, do controle da população camponesa de-
popular provocada pela Revolta Praieira dos seus congêneres "estamentais" das ci- das necessidades peculiares ao tipo de ca- pendente que movimentava engenhos, fa-
no campo e nas cidades e à inédita e sur- dades, vilas e povoações do interior no pitalismo que a demanda do mercado zendas e plantations, sob a forma de co-
preendente insurreição camponesa contra processo social e político da transição bra- mundial impunha ao país, mas voltado, lonos ou de moradores é apenas uma
a intervenção do Estado na organização sileira tem, pois, que ser estudado à luz fundamentalmente, para enfrentar os pri- mostra da força do processo que consti-
familiar das comunidades de cultivado- da especificidade de um movimento his- mórdios de organização de movimentos tui o campo limitado deste ensaio.
res pobres livres que começou a ser de- tórico que apenas agora, guiados pela sociais entre a população pobre do cam-
batida, nos. organismos políticos do própria pressão do campesinato e da or- po e sua realimentação com os distúrbios
Império, a proposta de "conciliação" en- ganização dos trabalhadores rurais no urbanos a partir dos anos iniciais da se- (Recebido para publicação em março de 1987)
tre liberais e conservadores de Nabuco de Brasil contemporâneo, começamos a co-
Araújo, não por acaso, ex-presidente da nhecer. Se, como queria Gramsci, o his-
província e um dos mais perspicazes juí- toriador deve "registrar e descobrir as
zes dos praieiros vencidos. Como tampou~ causas, a linha do processo em direção à
co é de se estranhar que tenha sido autonomia integral" das classes subalter-
exatamente a Praieira - "quase o povo nas, "começando pelas fases mais primi-
pernambucano todo", "um movimento tivas", 66 é então preciso vincular o
de expansão popular", como dizia o pró- surgimento dos primeiros elementos de
prio Nabuco64 - a última das grandes identidade coletiva do campesinato nor-
conflagrações regionais a enfrentar fra- destino - o esboço de um início de
ções antagônicas de proprietários rurais. "consciência" comunal, forjada na arti-

62 Apenas como matéria de curiosidade, vale a pena lembrar as palavras do presidente de Pernambu-
co em 1865, falando dos objetivos sociais da instituição e reforma da Guarda Nacional:"(...) des-
tinada a organisar uma força cidadã, dando as diversas secções da população diserninada chefes
naturaes (... ), recebendo a disciplina indispensavel e adquirindo os necessarios habitas de subor-
dinação, ainda não teve entre nós applicação regular às camadas inferiores da sociedade(...) As-
sim, embora exista numerosa officialidade continuam as populações sem chefes, sem nenhuma or-
ganísação, subordinação e disciplina". Relatorio do Presidente da Província de Pernambuco, 1865
Recife, lYpographia de M.F. de Faria, 1865, pp. 5-6.
63 Karl Marx. Elementos Fundamentales para la Critica de la Economía Política (Grundrisse). 1857-1858,
(9'ed.), México, Siglo XXI, 1977, vol. I, p. 476. O comentário é feito a propósito das relações esta-
belecidas nas "plantaciones de América''.
64 Apud. Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império . .. , op. cit., pp. 102-3.
65 A ligação entre filiação partidária e tipo de propriedade rural está sugerida em W. Dean, "Latifun-
dia and Land Policy... , op. cit.
66 Antonio Gramsci, "History of the Subaltern Classes: Methodological Criteria", ín A. Gramsci,
Selectionsjrom the Prison Notebooks, editádo e traduzido por Quintin Hoare e Geoffrey Nowell
Smith, Londres, Lawrence and Wishart, 1978, p. 52. Tradução livre do autor.

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ARQUIVOS E FONTES PRIMÁRIAS CONSULTADAS ABSTRAcr

Peasantry and Slavery:


1. Arquivo dos Capuchinhos no Rio de 4. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro A Proposa/ for Dividing into Periods the History of
the Poor Free Planters of the Brazilian Oriental
Janeiro (AC/RJ) (ANRJ) Northeast.
1.1 Documentação referente a frei 4.1. Códices 602, vol.l, e 808, vol.4 c. 17()()..1875
Caetano de Messina, 1842-72. 4.2. Alagoas. Correspondência com o
Ministério do Império, 1844-50 This essay suggests a scherne to approach the coming from the politicai, technological, and social
2. Arquivo do Instituto Histórico Geo- 4.3. Pernambuco. Correspondência divitdon into periods (and study) of the hlstory of changes resulting from industrialization. The con-
gráfico Brasileiro (AIHGB) com o Ministério do Império, the free peasantry in the Brazilian Northeast, and sequences of this expropriation are discussed, and
2.1. Arquivo do Conselho Ultramari- 1820-21, 1828-29 e 1839-49. seeks to construct a framework from the generallfnes the decomposition of peasant society in the eastern
of the formative and expropriation process of the Northeast is designated as an essential element to
no, vols. 4, 13, 14 e 15 4.4. Pernambuco. Correspondência poor planters from Pernambuco province during the explain the turbulence and popular agitation in the
2.2. Correspondência do Governador com o Ministério da Justiça, nearly two centuries of predominance and total region which stimulated armed conflicts, tradition·
de Pernambuco, 1777-87 1822-31 e 1838-49. dominion of slave-based agriculture. ally viewed as exclusive matters for the élites dur-
2.3. Cartas de Serviços Que Fez Dis- 4.5 Pernambuco. Correspondência It proposes that this process be regarded as a ing the criticai constitution phase of the national
tribuir o Governador e Capam long-term movernent, closely connected to both the State.
com o Ministério do Reino,
ebbs and flows of demand from the world market The essay doses with a consideration of the
Geral da Capitania de Pernambu- 1818-19. and to the diverse in time and space - capaci- 1850s as a time dominated by the suspension of the
co. Annos de 1783-87. ties of the slave-based agrarian system to effective- inter-Atlantic slave trade - in -whlch an ânti-peasant
2.4. (José Cézar de Menezes) Livro de 5. Seção de Manuscritos da Biblioteca ly meet this demand. It argues that, throughout the 'project' was forged within the national State, since
Registro das Cartas que Me Foram Nacional do Rio de Janeiro (SM/BNRJ) tSth century, there were peasant communities that the successive reforms proclaimed during these years
were Jinked to the export market, via tobacco and aimed at dernarcating - both in the coffee-growing
Dirigidas no Tempo Que Governei 5.1. Notas sobre Curatos, Vigarias de manioc cultivation; and that these communities, regions in the South and the sugar cane zones in the
Esta Capitania de Pernambuco. Indios e Vigarias Coladas Depen- whlch multiplied and expanded under the impact Northeast - the jurídica! and ideological spaces
Anno de 1778. dentes do Bispado de Pernambu- of the industrial revolution in lhe region through the needed for the formation of a labor force drawn
co, s/d. English demand for cotton, were expropriated dur- from the peasànt communities, whlch would allow
ing the last decades of the tSth century and the ear- the transition to á new. social and productive sys-
5.2. Capitania de Pernambuco. Cartas ly years of the 19th century, due also to impulses tem.
· 3. Arquivo Público Estadual de Pernam- do Governo, 1804-09
buco (APEP) 5.3. Modelo de Mappa Estatístico,
3.1. Juizes de Direito, Mss, vol.7 1825.

RÉSUMÉ

- Poysannerie et Esc/avage:
Une Proposition de Périodisation
pour l'Histoire des
Cultivateurs Pauvres Libres du Nord-Est
Oriental du Brésil.
c. 17()()..1875

Cet essai suggere un schéma permettant demande. II avance qu'il y eut, tout au long du XVIII
d'abordq la périodisation (et l'étude) de l'histoire ême siêcle, des communautés paysannes qui s'ar-
de la paysannerie libre du Nord-Est du Brésil. Son ticulêrent, par le biais de la culture du tabac et du
auteur tente d;élaborer le squelette de ce qui cons- manioc, avec le marche exportateur. Ces com-
tituerait les- lignes générales du processus de for- munautés, qui se multiplierent et se répandirent sons
mation et d'expropriation des cultivateurs. pauvres l'impact de la révolution industrielle dans la région
de la "Capitania Geral" (et Province) de Pemam- - grâce à la demande anglaise en coton furent
bouc durant les deux siecles ou pré-domina et ou expropriées au cours des demieres décennies du
domina intégralement la plantation esclavagiste. II XVIII eme siecle et durant les premieres annees du
propose de considérer ce processus comme un xrxeme, à la suite mouvements dont !'origine se si-
mouvement de Jongue durée, intimernent lié aux flux tuait dans les changernents - politiques, technolo-
et reflux de la demande provenant du marché mon- giques et sociaux - dUs à l'industrialisation. :Cauteur
dial et aux capacités diverses - dans le ternps et dans lance une discussion sur les conséquences de cette
!'espace - dont le systeme agraire à base esclavagiste expropriation et voit dans la désagrégation de la so-
fit preuve pour répondre de façon adéquate à cette ciété paysanne du Nord-Est oriental un des princi-

354 355
paux éléments d'explication des turbulences et·de d'esclaves, et ou est forgé un "projet" anti-paysan
l'agitation populaire qui alimenterent -les rendant au sein de I'Etat national. En effet, les réformes su-
possibles - les conflits armés dans la région, alors cessives promulguées au cours de ces années ont pour
que des derniers étaient traditionnellement vus com- but de délimiter, aussi bien dans les régions de café
me des questions exclusives des élites durant la phase du sud que dans les régions sucrieres du Nord-Est,
critique de constitution de l'Etat nacional. II con- les espaces juridiques et idéologiques nécessaires à
clut par des considérations montrant la conjonctu- la formation d'une force de travail arrachée aux com-
re de la moitié du XIXeme siecle comme un moment munautés paysannes, permettant la transition vers
dominé par la suspension du trafic interatlantique un nouveau systeme social et de production.

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