Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Muntuísmo
A ideia de «pessoa»
na filosofia africana contemporânea
2.ª edição
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página4
As Irmãs Paulinas são mulheres consagradas a Deus numa congregação religiosa, e dedicam as
suas vidas ao serviço do Evangelho e do povo, como apóstolas no mundo da comunicação social,
certas de que este é o caminho para anunciar Jesus Cristo, hoje.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página5
Introdução
6 | MUNTUÍSMO
INTRODUÇÃO | 7
8 | MUNTUÍSMO
rendo os estudos dos autores africanos que, segundo nos parece, re-
flectiram de modo significativo a respeito do nosso tema.
A nossa pesquisa limita-se à produção filosófica africana dos últi-
mos decénios, da metade do século passado aos nossos dias e, par-
ticularmente, a alguns filósofos eleitos entre os milhares que com-
põem o panorama intelectual africano. Os autores tratados não são
apresentados em pormenor, não se apresenta integralmente o seu
pensamento filosófico, mas foram seleccionadas as obras que, de
modo directo ou não, trataram do nosso tema. A escolha destes
autores é determinada por uma opção pessoal – são os autores que
pessoalmente considerei mais significativos, sem nenhuma preten-
são de ser exaustivo – e pela orientação de professores e colegas es-
pecialistas em filosofia africana. Torna-se supérfluo sublinhar que
não se trata da reconstrução da história da filosofia africana tout-
court, cuja bibliografia seria infindável, mas de uma pesquisa sobre
a ideia de pessoa na filosofia africana contemporânea, circunscrita,
conforme dito, aos autores que considerei mais significativos.
O título desta secção, «Da etnofilosofia às Teologias», delineia o
percurso da reflexão filosófica africana que, passando da fase inicial
da etnofilosofia, desemboca nas filosofias e teologias: a maior parte
dos filósofos africanos analisados são igualmente teólogos e tal
facto nos permitiu uma abordagem integral da ideia de pessoa. A
perspicácia e erudição de muitos dos autores em questão não
deixarão, por certo, de surpreender os leitores pouco familiarizados
com a filosofia africana. Pessoalmente, admiro o efeito «fulgurante»
das análises e da subtil ironia do filósofo camaronês Fabien Eboussi
Boulaga.
A segunda parte resulta de um estudo de campo segundo a linha
hermenêutica da Sage Philosophy. Antes de mais estudei e conversei,
por via do método da Palabre, o qual discutirei mais adiante, com
três «sábios» influentes, um por cada etnia presente no território.
Depois, com a ajuda dos estudantes do meu curso de Filosofia da
Educação, entrevistamos cerca de duzentos «sábios» das três etnias,
a respeito das ideias de Pessoa, Deus, Comunidade e Educação. As
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página9
INTRODUÇÃO | 9
CAPÍTULO I
nos últimos decénios, descartando, por ora, qualquer referimento às filosofias da diás-
pora negra e, em particular, à filosofia afro-americana. Cf. os estudos de L. PROCESI,
«Africa: filosofia africana e diaspora nera e Africa: etnofilosofia», in Enciclopedia Filo-
sofica, 1, A-AUT, Milão, Bompiani, 2006, pp. 120-141 e pp. 141-163; ainda sob a respon-
sabilidade de L. Procesi, a edição italiana do clássico da filosofia africana Fabien Eboussi
Boulaga, Autenticità africana e filosofia: la crisi del Muntu. Intelligenza, responsabilità, libe-
razione, Milão, Christian Marinotti Editore, 2007, com introdução e apêndice explica-
tivos; ou ainda a introdução ao n. 6 da Revista de Filosofia Babelonline/print, anno 2009,
dedicado à filosofia africana, sob sua responsabilidade.
2 Publicada em francês em 1945: Philosophie bantoue, Elizabethville, Lovania. Quanto
a nós, fazemos referência à edição italiana: Filosofia bantu, Milão, Medusa, 2005.
3 A sua posição foi criticada por muitos filósofos africanos que o acusaram de pre-
tender ensinar aos Bantu a serem Bantu. Todavia, não pretendemos descer a fundo
nessa disputa, pelo menos por ora, posto que o nosso objectivo è reconstruir a ideia de
pessoa na filosofia africana. Cf. F. EBOUSSI BOULAGA, «La bantoue problématique», in
Présence Africaine, 66, 1968, pp. 5-40; republicada in Philosophie africaine. Textes Choisis et
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página12
12 | MUNTUÍSMO
bibliographie sélective, ed. de A. J. Smet, I-II, Kinshasa 1975, vol. II, pp. 348-380; P. HOUN-
TONDJI, «L’Effet Tempels», in Encyclopédie Universelle Philosophique, Publié sous la direction
d’André Jacob, t. 1, L’Univers philosophique, Paris, Presses Universitaires de France, 1989,
pp. 1472-1480.
4 Cf. LEGHISSA, G. e TATIANA, S., L’etnofilosofia del padre Tempels e la filosofia africana con-
temporanea, Introdução ao texto de Placide Tempels, Filosofia bantu, o.c., p. 10. Estes
autores se mostram muito «complacentes» na sua avaliação a respeito da obra de
Tempels e do seu desejo de «dar voz ao outro». Retomaremos este aspecto da filosofia
tempelsiana na parte argumentativa do texto confrontando-o com a filosofia (ou re-
tórica?) do outro de Emanuel Lévinas. Leghissa e Tatiana sublinham, curiosamente, a
ideia emergente do texto acerca da natureza comum (naturaliter cristiana) entre o cris-
tianismo e o pensamento africano. John Mbiti, como analisaremos mais adiante,
retomará o tema da natureza ontologicamente espiritual do homem africano.
5 «Parece impróprio traduzir esta acepção da palavra muntu pelo termo “Homem”.
O muntu vive num corpo certamente visível, mas tal corpo “não é” o muntu em si. Um
indígena explicava a um coirmão: o muntu é aproximativamente aquilo a que vós de-
signais em francês com a palavra “pessoa” e não aquilo que designais com a palavra
“Homem”» (Filosofia bantu, o.c., p. 62). Nas línguas bantu, muntu é o singular de bantu,
termo que significa genericamente «Homens». A questão é tratada profundamente pelo
filósofo, metafísico e linguista ruandês Alexis Kagame (v. Infra).
6 «Entre os Bantu, e verosimilmente em todos os povos primitivos, o sofrimento e a
7 «É somente falando dos verdadeiros, bons e sólidos costumes indígenas que nós
podemos conduzir os Bantu rumo à única e verdadeira civilização dos bantu» [T. do A.],
Ibidem, p. 40.
8 «Quantos civilizados, ou negros verdadeiramente evoluídos poderemos contar
14 | MUNTUÍSMO
11 Acerca desta questão crucial, cf. os escritos do filósofo ganês Kwasi Wiredu, um dos
tativa de desenvolvimento sistemático de uma filosofia bantu» [T. do A.], Ibidem, p. 51.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página15
13 Cf. Ibidem, p. 60. Para uma crítica mais aprofundada acerca desta identificação
entre ser e força, cf. F. EBOUSSI BOULAGA, Le bantu problématique, cit., p. 355.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página16
16 | MUNTUÍSMO
14 Neste ponto, Tempels descortina um nexo com o que a teologia católica afirma a
respeito da «graça».
15 Tempels nota que os Bantu protestavam quando os administradores coloniais no-
meavam chefes não aceites por eles, visto serem (esses chefes) considerados inferiores
na escala hierárquica, não tendo, por conseguinte, autoridade sobre eles. Outra obser-
vação interessante é que os Bantu encaravam os brancos partindo da própria ontologia,
e os concebiam como seres dotados de uma grande força vital da qual eles também que-
riam tomar parte.
Uma crítica áspera a Tempels acerca desta ideia de hierarquia dos seres, que colo-
cava os brancos no topo da pirâmide, é formulada por Aimé Césaire, no seu famoso dis-
curso acerca do colonialismo: A. CÉSAIRE, Discours sur le colonialisme, Paris, 1955, tr. it. de
N. NGANA YOGO, Discorso sul colonialismo, Roma, 1999, p. 48.
16 «A visão mais profunda na natureza dos seres e das forças. A verdadeira sageza é
17 Parece que a fundação desta teoria dá-se com recurso ao método fenomenológico
Ibidem, p. 76.
19 «O conhecimento dos Bantu não é bífido. Não há neles um campo reservado
18 | MUNTUÍSMO
vazione dei Bantu per opera degli europei» 20. A psicologia bantu é
derivada da filosofia bantu. Não se deve, por isso, procurar vocábu-
los correspondentes aos nossos, pois hipotizar-se-ia que os Bantu
dividem o homem tal como nós, em corpo e alma. Deve-se partir da
condição de tábua rasa para que se esteja à altura de colher a sua
diversa concepção de homem. Em atenção a este facto, Tempels
destaca a importância do termo muntu, como possível conceito
equivalente àquele de pessoa na filosofia europeia. Usando de uma
notável imparcialidade, argumenta que tal como os ocidentais não
podem dizer muito a respeito da alma, do espírito, etc., não se pode
exigir aos Bantu uma explicação detalhada acerca do Muntu. Tal
como a filosofia ocidental é aproximativa a respeito de muitas ques-
tões complexas, por exemplo sobre o que é o ser, a filosofia bantu
também o é.
Muntu é força viva, força pessoal, superior à de todos os seres
animados. O Homem enquanto Muntu é a mais vigorosa entre as
forças criadas e regula as demais forças viventes. Esta variação não
diz respeito à sua natureza, mas, principalmente, à sua relação com
os outros bantu e com os outros seres vivos. A força vital do Muntu
pode aumentar ou diminuir ao ponto de desaparecer. Um exemplo
nos é dado por aqueles antepassados mortos há tanto tempo, a
ponto de não terem força alguma, à altura de os fazer entrar em re-
lação com os vivos. Após analisar o ser humano em geral, Tempels
procede à análise de como os Bantu concebem o homem concreto, o
indivíduo determinado. Todo o indivíduo é sempre uma incógnita
para o outro, até mesmo para o amigo mais íntimo. Só os adivinhos
podem explorar o seu segredo íntimo.
Um indivíduo pode ser conhecido pelo nome, o qual exprime a
natureza do seu ser 21. No indivíduo que nasce, «renasce» um dos
antepassados.
20 «Que existe no espírito bantu e não aquela que resultaria da observação dos Bantu
mado». Podem coexistir muitos nomes: o nome vital (o qual é imutável); o nome atri-
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página19
buído ou adoptado (por exemplo, devido aos encargos assumidos); o nome que cada
um se atribui (que pode ser mudado).
22 «Em suma, conhecem e reconhecem a Lei natural formulada no Decálogo» [T. do
A.], Ibidem.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página20
20 | MUNTUÍSMO
costume como exploração e usura, ouviu o interlocutor replicar-lhe: «Não o terá por
acaso salvo?» Cita um exemplo de alguém que tinha sob sua custódia uma cabra de
um vizinho e, pelo facto de a cabra se ter tresmalhado, viu-se obrigado a restituir ao
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página21
proprietário três cabras e cem francos, em reparação da dor provocada a este. Cf. Ibidem,
pp. 128-129.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página22
22 | MUNTUÍSMO
26 «De que valeria uma civilização sem sageza, concepções profundas e entusiasmo
pela vida? Como se pode pretender imaginar uma civilização sem filosofia, ideais e as-
pirações superiores?» [T. do A.], Ibidem, p. 147.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página23
27 Segundo Tempels, esta última hipótese é inaceitável: quem pensa deste modo
constitui a única possível realização do ideal bantu. Mas é indispensável expor a perene
doutrina nos termos da doutrina bantu e apresentar a vida cristã que lhes propomos
como reforço vital e elevação vital. A civilização bantu será cristã ou não será uma civi-
lização. A europeização superficial das massas só pode matar o bantuísmo. Mas, como
o Cristianismo, que soube enformar a civilização ocidental, contém, na verdade da sua
doutrina e no dinamismo humano que sabe suscitar, os recursos para sublimar e nobi-
litar a civilização bantu» [T. do A.], Ibidem, p. 156. Esta posição, como emerge da nota do
tradutor (para a edição italiana), ressalta não tanto uma posição apologética, mas de
uma oposição à ideia segundo a qual, para cristianizar, seria necessário antes europei-
zar. Somos de opinião que a conclusão de Tempels trilha os passos da doutrina dos pri-
meiros Padres da Igreja (S. Justino, S. Clemente de Alexandria, entre outros) que de-
fendiam a ideia do λóγος σπερματικóς (sementes do verbo), fundamentada no prólogo de
São João 1,1-3: εν αρχη ην ο λογοσ και ο λογοσ ην προσ τον θεον και θεοσ ην ο λογοσ, ουτοσ
ην εν αρχη προσ τον θεον, παντα δι αυτου εγενετο και χωρισ αυτου εγενετο ουδε εν γεγονεν. (No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com
Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez).
O ataque à identificação do Cristianismo como religião imposta pelos colonos euro-
peus, para a materialização do próprio domínio, é central em toda a filosofia e, sobre-
tudo, teologia africana, cf. em particular: J.-M. ELA, Le cri de l’homme africain. Questions
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página24
24 | MUNTUÍSMO
aux chrétiens et aux églises d’Afrique, Paris, 1980, tr. it. de S. NUZZO, Il grido dell’uomo afri-
cano. Domande ai cristiani e alle chiese dell’Africa, Turim, 2001.
29 Parecem-nos muito expressivas as palavras dos Baluba reportadas por Temples:
«Se pode ter riqueza, prosperidade, uma prole numerosa e, todavia, em certos dias, é-se
dominado pela melancolia (kulanga)», e encontra-se kubobo pa lubanga, a cabeça apoiada
sobre a mão, sem mesmo saber porquê, se não pelo facto de que o coração não se encon-
tra mais satisfeito». Ibidem, p. 157.
30 A hipótese vem sintetizada deste modo: a) a natureza do ser é considerada força;
b) o ser pode crescer ou diminuir; c) um ser pode influenciar outro ser, fortificá-lo ou di-
minui-lo; d) os seres são ordenados hierarquicamente. Ibidem, p. 164.
31 Tempels recorda, por exemplo, que os índios da América comiam o coração dos
33 «Conhecer a força de um ser ou conhecer o ser é a mesma coisa. Os Bantu não têm
uma noção do ser como tal sem a sua força e, além disso, uma noção de forças como
algo de diferente do mesmo ser. Conhecer a força é conhecer a essência do ser, a noção
de força é, sempre segundo os Bantu, a noção de ser» [T. do A.], Ibidem, pp. 179-180.
34 O tema do ser (e de Deus) como algo não estático e imutável foi objecto de análise
26 | MUNTUÍSMO
assim o define Liboire KAGABO, «Alexis Kagame (1912-1981): Life and Thought», in K.
WIREDU (ed.), A Companion to African Philosophy, Oxford, Blackwell Publishing Ltd.,
2004, pp. 231-242. Outros estudos importantes acerca de Kagame: V. Y. MUDIMBE,
L’invenzione dell’Africa, Roma, Meltemi, 2007 («Kagame e la scuola etnofilosofica»,
pp. 205-216).
37 «Um método gravemente deficiente» [T. do A.], A. KAGAME, «L’Ethno-philosophie
des “Bantu”», in A. SMET J., Philosophie Africaine. Textes choisis I, Kinshasa, Presses Uni-
versitaires du Zaire, 1975, p. 95.
38 «Não conheceu senão a tribo dos Baluba que ele evangelizou» [T. do A.], (Ibidem).
neste tipo de pesquisa, tendo sido um pioneiro da história, que nós esperamos ser longa,
da filosofia bantu» [T. do A.], Ibidem.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página27
como, pese embora a imprecisão, este termo teve sucesso na África do Sul pós-apartheid
(movimento do ubuntuísmo).
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página28
28 | MUNTUÍSMO
47 «1. MUntu = ser de inteligência (homem). 2. KIntu = ser sem inteligência (coisa).
filosofia bantu o deixou fora das categorias de ser», porquanto «Deus não é uma essência,
um ntu», mas é «um Pré-existente colocado fora dos ntu» [T. do A.], Ibidem, pp. 105-106.
49 «Pré-existente, Eternamente Existente, Criador, Todo-Poderoso, Grandíssimo (ou
ficar no exemplo da seta), ou seja, a inteligência e a vontade (sendo este último o coração
para os “Bantu”)» [T. do A.], Ibidem.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página30
30 | MUNTUÍSMO
55 «E, enfim, nesta lei da comunidade de sangue serão baseadas as regras para o uso
da terra e instituições políticas numa sociedade baseada em clãs, bem como os costumes
e rituais em torno da celebração do matrimónio» [T. do A.], Ibidem, p. 111.
56 Cf. O tema das «culpas inconscientes» já analisado acima por Tempels.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página31
elementos constitutivos.
60 É interessante notar que a falta de fontes escritas não é um limite para a filosofia
africana, antes pelo contrário, esta não é uma filosofia fixa, mas algo de vivo. Kagame
explica igualmente a origem do termo «Bantu», derivado da classificação das línguas
africanas que têm em comum o prefixo Ba (Ba-Sprachen) e ntu. Cf. Ibidem, pp. 52-53.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página32
32 | MUNTUÍSMO
Ibidem, p. 228.
63 É interessante notar que, para a tribo Gitonga (da região na qual vivo há 12 anos),
o termo que indica coração é monyo, idêntico ao termo alma de outras tribos. Cf. B. A.
AMARAL, Dicionário de Português-Gitonga e Compêndio gramatical, Oeiras, Ed. C.M.O.,
2007, p. 41. Mais adiante, Kagame cita o etnólogo H. Junod que, a propósito da tribo
Ronga, do Sul de Moçambique, afirma que os indígenas acreditam certamente num
princípio psíquico independente, uma alma, que é o principio vital do Homem. A isto se
chama moya. Ibidem, p. 234.
64 «Principio vital de inteligência» [T. do A.], Ibidem, p. 235.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página33
65 «Dos cinco sentidos externos, cujas percepções são denotadas cada uma por um
termo especial, ela (a cultura bantu) concentrou em dois; depois, os dois fundamentais
foram finalmente reduzidos à unidade, o estádio final da intelecção» [T. do A.], Ibidem,
p. 238.
66 «Que corresponde à vontade-liberdade da filosofia europeia» [T. do A.], Ibidem,
p. 239.
67 «A razão é que o homem é justamente o corpo unido ao princípio vital» [T. do A.],
Ibidem, p. 240.
68 «Esta é uma concepção totalizante do homem: a sombra conhecida no homem, não
34 | MUNTUÍSMO
citado por Kagame, refere-se ao coração como «siège du génie et des dons intellectuels» (sede
do génio e das dotes intelectuais), e lugar do qual provêm as decisões da vontade. Cf.
Ibidem, p. 246.
71 «A verdade, pensamento, ideias, etc. não estão na cabeça, mas no coração que se
73 «É um dos ramos da metafísica» [T. do A.], Ibidem, p. 270. Kagame recorda que a
matéria que estuda Deus e a religião, do ponto de vista racional, é a teodicéia, a qual é
aplicada também à religião bantu.
74 «Provêm formalmente da metafísica» [T. do A.], Ibidem, 269.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página36
36 | MUNTUÍSMO
-las com a honestidade percebida pela luz da Razão» [T. do A.], Ibidem, p. 275.
76 «Também na filosofia teologizada, o fim último do homem foi determinado a
partir das suas duas faculdades específicas. Esta é, obviamente, a concepção indiscutível
das nossas convicções» [T. do A.], Ibidem, p. 283.
77 «Bens da fortuna; bens da pessoa (saúde, riqueza, honra, longevidade); os bens dos
38 | MUNTUÍSMO
80 «Foi cativa de uma espécie de ideologia, a ideologia da etnofilosofia, que tem impe-
dido a apreciação de outros aspectos do seu trabalho» [T. do A.], L. KAGABO, o.c., p. 231.
81 V. MULAGO, Un visage africain du christianisme – L’union vitale bantu face à l’unité
própria alma e, para isso, o missionário deve criar no seu campo de apostolado um am-
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página39
biente vital eclesial que permita aos fiéis alcançar directamente a Cristo num contacto
imediato e pessoal. Adaptação não é senão a apresentação da mensagem cristã no seu
aspecto o mais possível em harmonia com as aspirações do povo a conquistar para
Cristo» [T. do A.], Ibidem, p. 30.
83 Cf. Ibidem, p. 41.
84 Mulago recomenda os estudos de P. COLLE, Essai de Monographie des Bushi, pp. 82-
40 | MUNTUÍSMO
cultual de ideias, sentimentos e ritos» [T. do A.], cf. Ibidem, pp. 82-83.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página41
Estes povos não são nem fetichistas, nem idólatras, nem natura-
listas, nem animistas, mas «ancestralistas», porque ligados aos espí-
ritos dos seus «ancestrais», antepassados defuntos e antigos heróis,
tais como Lyangombe. E sobre estes espíritos criados, reconhecem
um Criador: Imana entre os Banyarwanda e Barundi, e Nyamuzinda
entre os Bashi. Mulago conclui que «c’est le dernier mot de la philoso-
phie et de la religion de nos Bantu» 90.
A magia e o vaticínio, mesmo se simbolizados e visualizados em
objectos e pessoas concretas, não têm a pretensão de reproduzir os
espíritos, mas são gestos de «simpatia», no caso da magia, e repre-
sentantes enviados por Deus para vaticinar, no caso dos adivinhos 91.
Por culto dos antepassados se entende tudo quanto serve para
meter-se em relação com os seres invisíveis, que são considerados
seres dotados de uma força superior à força da natureza e capazes
de reproduzir o bem e o mal 92. O culto é endereçado aos espíritos
dos antepassados (entendendo por antepassados todos os membros
defuntos da família e do clã), ao espírito dos antepassados heróis e
de Deus.
Os três povos crêem na sobrevivência depois da morte e na troca
de revelações entre os vivos e os mortos. Estes permanecem pre-
sentes entre os seus parentes, não só na memória, mas como uma
presença real 93. O culto quotidiano, os sacrifícios e as ofertas têm
como fim prevenir ou resolver todas as necessidades. Em conclusão,
«entre vivants e trépassés, il n’y a pas separation, mais continuité» e isto
«constitue une force sociale et spirituelle de la communauté» 94.
Em torno da figura de Lyangombe, Mulago afirma que este era
um indivíduo da nossa raça, mas dotado de qualidades pouco
comuns que lhe concederam um lugar especial na memória dos
90 «Esta é a última palavra da filosofia e da religião dos nossos Bantu» [T. do A.], Ibidem,
p. 87.
91 Cf. p. 89.
92 Cf. p. 93.
93 Cf. Ibidem, p. 95.
94 «Entre vivos e mortos, não há separação, mas continuidade» e isto «constitui uma
42 | MUNTUÍSMO
povos. Entre estes povos, Lyangombe «est considéré comme une créature
dépendant du Créateur, un intermédiaire entre le Créateur et les hommes,
mais un esprit dépassant tous les autres, un muzimu d’une espèce à part,
plus puissant, plus élevé, plus universel que les autres» 95. Ele é um «bon
génie» (bom génio), um «génie tutélaire» (génio tutelar), «il n’est pas
Dieu, mais il a eu Dieu pour lui: Il a été spécialement favorisé par Dieu» 96.
Da relação de Lyangombe com Deus decorrem cerimónias e ritos
próprios: evocações, ofertas, etc., a fim de que ele seja mediador
junto de Deus. Este culto aparentemente pobre e insignificante mani-
festa algo de «interior, espiritual e individual». Deus é considerado
Mwami, um Senhor rico e magnífico: rico acima de todas as necessi-
dades e magnífico porque doa da sua plenitude, sem esvaziar- se e
empobrecer-se, e não reclama a restituição de nada 97: «on porrait
donc dire que nos peuples conçoivent Dieu comme la source intarissable de
la vie, des forces et des moyens vitaux» 98.
Após ter analisado na primeira parte os costumes dos três povos,
na segunda parte, o autor passa a interpretar os comportamentos
estudados como fenomenologia da União Vital: descobrir o conceito
central, ou melhor ainda, a intuição experiencial que serve de subs-
trato a estas manifestações, como expressão da comunidade de
vida, unidade e identidade de vida 99.
Com a expressão «União Vital», ou «Unidade de vida», o autor
indica uma relação de ser e de vida de cada um com os seus descen-
dentes e com Deus, fonte primária de toda a vida (Nyamuzinda o
Imana), uma relação ôntica, análoga para todos, com o seu patrimó-
98 «Então, pode-se dizer que o nosso povo concebe Deus como a fonte inesgotável
nio e todos os seus bens. A união vital é o laço vital que une entre si,
vertical e horizontalmente, os seres, vivos e mortos. É o resultado de
uma comunhão, de uma participação a uma realidade comum, num
princípio de vida comum que une entre si muitos seres. Todos os
seres participam de uma mesma e única fonte. É a vida na sua sim-
plicidade, na sua essência, que não conhece interrupção nem mes-
mo com a morte. Não se trata de uma vida exclusivamente física ou
espiritual, mas de uma vida «totalmente humana». Trata-se de toda
a vida, do ser inteiro, da integridade do ser 100.
Os vivos e os mortos são inseparáveis, interdependentes. Com a
morte, o indivíduo apenas muda de condição. Viver é existir dentro
de uma comunidade, é participar da vida sagrada dos antepassa-
dos, é criar elos profundos com a comunidade: família, clã, tribo e
nação, mundo visível e invisível 101.
Quanto ao simbolismo da união, Mulago sustenta que o símbolo
é o instrumento principal à disposição das pessoas para entrar em
contacto com os outros e tecer a união. Trata-se do esforço do espí-
rito humano em busca de um contacto com a força superior, com o
mundo invisível.
No simbolismo bantu existem três elementos: a) algo de sensível:
seres vivos (pessoas); o totem como símbolo da união clânica;
palavras (nomes dos antepassados, dos animais e das coisas, acções
e gestos); b) o papel da hierofania, a manifestação de um poder ou
de uma força; c) o papel unificador e efectivo de cada símbolo
expresso numa linguagem típica da comunidade.
Por fim, Mulago conclui que o simbolismo permite a passagem, a
circulação de um mundo ao outro, integrando todos estes níveis e
planos, mas sem fundi-los 102.
Mulago defende a existência de uma filosofia da União Vital
entre os Bantu. Definindo-se a filosofia como o conhecimento natu-
44 | MUNTUÍSMO
ral das coisas nas suas causas profundas, na sua unidade original, a
filosofia bantu é implícita, um sistema coerente e sintético de conhe-
cimentos, crenças, instituições e práticas sobre as quais se baseia
toda a vida. Frequentemente, este conhecimento se dá como «intui-
tion du réel que, par l’entendement abstrait et la pensée discursive, c’est le
nome de sagesse qui lui convient le mieux» 103.
Na última parte, o autor propõe-se estabelecer uma ligação ou
descobrir «les approches» (abordagens) teológicas entre o princípio
vital que une os membros da comunidade bantu e o que une os
membros da Igreja, Corpo místico de Cristo. Este último princípio
vital tem o nome de «unité ecclésiale» («unidade eclesial»), como re-
sultado da participação dos membros da Igreja no mistério da única
e mesma vida divina em Cristo, através das Escrituras, hierarquia,
sacramentos, especialmente a Eucaristia, o grande sacramento da
Koinonia 104. Entre os símbolos da União Vital emerge o da comu-
nhão alimentar ou de sangue. Esta comunhão vai para além do
quadro racial e abre vastos horizontes para a expansão e o alarga-
mento da família. Ela revela as aspirações do Muntu de entrar em
comunhão com o mundo para além do sensível. A oferenda aos
mortos, a comunhão com os espíritos e o pacto de sangue com
Lyangombe são, segundo Mulago, o ápice da Koinonia dos Bushi,
Banyarwanda e Barundi 105. E conclui: «parmi les mystères de l’Église,
il est un, le Symbole des symboles, le Sacrement des sacrements, qui ras-
sasie pleinement et supra modum cette tendance du Muntu à la fusion
avec son prochain et le monde suprasensible» 106.
o nome que melhor lhe convém é sabedoria» [T. do A.], Ibidem, p. 148. Interessante con-
frontar a conclusão de Mulago com a de Remi Brague, La saggezza del mondo, Catanzaro,
Rubbettino, 2005.
104 Cf. Ibidem, pp. 159-209.
106 «Entre os mistérios da Igreja, há um, o Símbolo de símbolos, o Sacramento dos sa-
cramentos, que satisfaz plenamente supra modum esta tendência do Muntu à fusão com
o seu próximo e com o mundo supra-sensível» [T. do A.], Ibidem, p. 212.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página45
Ibidem, p. 213.
108 Cf. p. 215.
110 Cf. Ibidem. Na sua conclusão, Mulago oferece indicações interessantíssimas a res-
peito de como «adaptar» a Igreja à cultura bantu, mas sobrevoamos pois vão para além
do intento da nossa pesquisa. Todavia, a elas retornaremos, sem dúvidas, num futuro
estudo acerca da teologia africana.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página46
46 | MUNTUÍSMO
ments, Paris, Presence Africaine, 1981. É a mesma questão levantada pela teologia latino-
-americana, que pretende fazer uma teologia partindo da experiencia do povo latino-
-americano.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página47
113 Esta posição de Bimwenyi-Kweshi contrasta com o que afirmou Bento XVI no seu
48 | MUNTUÍSMO
canas onde interferem a cultura, a economia e a política» [T. do A.], Ibidem, pp. 18-19.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página49
120 «In un contesto in cui i bianchi sono l’immagine perfetta della specie umana, ossessionati
dalla mania di assimilazione, si cerca in ogni modo di plasmare i neri a immagine dei bianchi»
(«Num contexto em que os brancos são a imagem perfeita da espécie humana, obceca-
dos pela mania de assimilação, procura-se, de todas as maneiras, plasmar a imagem dos
brancos nos negros»; [T. do A.]). Ibidem, p. 33.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página50
50 | MUNTUÍSMO
52 | MUNTUÍSMO
127 É a posição também defendida por Severino Ngoenha na sua Filosofia africana. Das
54 | MUNTUÍSMO
132 Aqui J. M. Ela cita as palavras do estadista Julius Nyerere: «Nei paesi poveri, la
Chiesa deve mettersi costantemente e attivamente a fianco dei poveri e dei miserabili. Deve con-
durre gli uomini alla santitá, unendosi a loro nella lotta contro l’ingiustizia […]. I suoi membri
devono diventare servitori del mondo, con la volontá di condividere le proprie conoscenze e le pro-
prie doti con coloro che riconoscono come fratelli e sorelle in Cristo» (Nos países pobres, a
Igreja deve colocar-se constantemente e activamente ao lado dos pobres e miseráveis.
Deve conduzir os homens à santidade, unindo-se a eles na luta contra a injustiça […].
Os seus membros devem tornar-se servidores do mundo, com a vontade de partilhar os
próprios conhecimentos e os próprios dotes com aqueles que reconhecem como irmãos
e irmãs em Cristo.» [T. do A.], Ibidem, p. 119.
133 «Viver a fé nos lugares de tensões, onde se prepara a África do amanhã, lem-
brando-nos que o futuro pertence àqueles que saberão dar às gerações de hoje as moti-
vações para viver e esperar», [T. d. A.] Ibidem, p. 124.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página55
134 J. MBITI, Africans Religions and Philosophy, Nairobi, East African educational Pu-
blishers, 1969. Fazemos referência à tradução italiana: J. MBITI, Oltre la magia, Turim, SEI,
1992.
135 «A compreensão, a atitude mental, a lógica e a percepção ínsitos no modo em
que os africanos pensam, agem ou falam nas várias circunstâncias da vida» [T. do A.],
Ibidem, p. 2.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página56
56 | MUNTUÍSMO
136 O que nos parecia um paradoxo é anualmente confirmado pelas centenas de estu-
dantes da nossa universidade que, desafiados pela questão, não apenas se professam
«fiéis» da religião tradicional africana, como também afirmam não conhecer nenhum
africano que não professe a mesma fé.
137 «A religião é mais do que magia e somente um estrangeiro ignorante poderia
imaginar que as religiões africanas não sejam senão magia» [T. do A.], Ibidem, p. 11. De
seguida Mbiti repercorre as tentativas dos vários estudiosos a partir de Tempels, pas-
sando por Alexis Kagame e as suas quatro categorias, depois retomadas por Jahn:
Muntu (Deus, espíritos, seres humanos e algumas plantas); Kintu (as forças comandadas
pelo Muntu); Hantu (categoria do espaço e tempo); Kuntu (algums modalidades como a
beleza, o riso, etc.). Todos estes termos têm em comum o sufixo ntu que é a força uni-
versal, o Ser. Em 1963, seguiu-se o estudo de J. V. Taylor que exalta sobremaneira tudo
quanto seja africano. O estudo da filosofia e religião africanas iniciou-se nos anos ‘40 e
‘50, na África ocidental, e, nos anos ‘60-’70, na região oriental.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página57
chegaram a compreender esta visão profundamente religiosa dos nossos povos e a ridi-
cularizaram ou a apresentaram estupidamente como “culto da natureza” ou “ani-
mismo” [T. do A.], Ibidem, p. 62.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página58
58 | MUNTUÍSMO
colectiva. Percebe-se aqui uma ideia de ser que não desaparece com a
morte, mas continua a sua «vida» depois da morte. Para alguns
povos estes espíritos são intermediários entre Deus e os homens, e os
homens procuram ajuda nestes espíritos. A pior coisa que pode su-
ceder é que um morto seja imediatamente esquecido e «excomunga-
do da imortalidade» e destinado a um estado de não existência. Esta
entidade espiritual que sobrevive à morte corresponde mais à ideia
de pessoa do que àquela de Homem, como já clarificado por Tempels.
Para a compreensão da ideia «africana» de pessoa, é de extrema
importância o conhecimento da noção de Deus. Mbiti não só afirma
que todos os povos africanos têm uma noção de Deus, como diz
ainda que a África é suficientemente fértil, no seu imaginário reli-
gioso e na sua sageza tradicional, para poder produzir uma per-
cepção religiosa original.
Do ponto de vista ontológico, na religião africana Deus é aquele
que dá origem a todas as coisas e mantém a vida. Deus é simulta-
neamente transcendente e imanente: permanece longe dos homens,
a ponto de não ser acessível, mas está também próximo, a ponto de
se poder afirmar que teoricamente é transcendente, mas pratica-
mente imanente, embora muitos autores sublinhem mais a sepa-
ração do mundo do que a proximidade.
Os atributos de Deus são: omnisciente, omnipresente, omnipo-
tente. É considerado um Espírito. Cada povo africano reconhece
Deus como Uno.
Os atributos morais de Deus são: misericordioso, clemente, com-
passivo. A maior parte dos povos considera Deus como bom, justo.
Não se define Deus como amor, talvez porque os africanos rara-
mente falam de amor 141.
A principal actividade divina é a criação: Deus criou do nada.
Outra actividade divina é a satisfação da necessidade das suas cria-
turas: vida, fertilidade, chuvas, etc. A luz do sol é um sinal da provi-
dência divina. O sinal mais claro é o da chuva, que é sempre uma
60 | MUNTUÍSMO
142 Ibidem, p. 64. Espíritos e antepassados, tanto quanto nos parece, são equiparáveis
aos santos e mortos na religião católica pois todos são apenas intermediários. Há quem
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página61
quietantemente, que esta prática pode não ter desaparecido totalmente ainda.
146 «Podemos afirmar que os espíritos são aqueles seres espirituais “comuns” debai-
62 | MUNTUÍSMO
Os espíritos não são, em si, nem bons nem maus, mas convém
que se mantenha distância deles. Uma pessoa possuída pelo espírito
se torna medium. Mesmo dos «mortos-vivos» convém que se man-
tenha distância, após receber deles aquilo de que precisamos.
Por vezes os homens podem ver os espíritos e há várias descri-
ções de visões de espíritos da parte de várias testemunhas, que de-
vemos avaliar com os seus exageros, bizarrices ou má-fé. Um caso
típico é o das mulheres que afirmam encontrarem-se grávidas por
obra do espírito do marido. Embora Mbiti convide à máxima cau-
tela crítica na análise destas fontes, na descrição destas experiências,
o autor conclui, em tom rendido, que: «esistono altre storie analoghe a
queste e non c’è ragione di dubitare della veridicità della maggior parte di
esse, soprattutto da quelle narrate da chi ha vissuto direttamente ciò che
descrive» 148.
A ontologia africana é, para Mbiti, essencialmente antropocên-
trica: «l’uomo è situato al centro dell’esistenza e i popoli africani interpre-
tano tutto in relazione a questa posizione centrale dell’uomo. Dio è la spie-
gazione dell’origine e del sostentamento dell’uomo: è come se Dio esistesse
solo nell’interesse dell’umanità» 149. Doravante, toda a obra de Mbiti
será dedicada ao estudo da percepção africana do homem, do ho-
mem criado, do homem na sociedade e do homem que muda.
Quanto à origem do homem, muitas histórias da criação susten-
tam que o paraíso era um momento de felicidade. Em algumas his-
148 «Existem outras histórias análogas a estas e não há razão para duvidar da veraci-
dade da maior parte destas, especialmente daquelas contadas por quem viveu directa-
mente o que descreve» [T. do A.], Ibidem, p. 92. Nestes anos, nós também escutamos
várias descrições similares e é surpreendente ver como todos crêem firmemente nestas
descrições, até mesmo docentes universitários (professores de Filosofia!). Vale a pena
mencionar, em contrapartida, as posições notoriamente laicas e ateias, como as de
Kwasi Wiredu ou Kwame Antony Appiah, enquanto Valentin Yves Mudimbe se declara
um agnóstico cristão e Alexis Kagame reivindica para as religiões tradicionais uma
qualidade eminentemente metafísica: V. Y. MUDIMBE, Les corps glorieux des mots et des
êtres. Esquisse d’un jardin africain à la bénédictine, Montreal, Paris, 1994, p. I; A. KAGAME, La
philosophie bantu comparée, Paris, 1976, pp. 269-270.
149 «O homem está situado no centro da existência e os povos africanos interpretam
tudo em relação a esta posição central do homem: é como se Deus existisse somente no
interesse da humanidade» [T. do A.], Ibidem, p. 97.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página63
150 Mbiti prefere o termo «povos» porque «tribo» assume cada vez mais uma conota-
prevê a introdução das línguas locais no ensino público. Por outro lado, porém, as lín-
guas não são usadas em ambientes oficiais, salvo nas celebrações religiosas.
152 Cf. Ibidem, pp. 108-109.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página64
64 | MUNTUÍSMO
153 «Este é o ponto cardeal para compreender o conceito africano de homem» [T. do
A.], Ibidem, p. 114. Umuntu ngumuntu ngabantu, diz um aforisma zulu, atestado em
várias áreas bantu «Uma pessoa é uma pessoa através de uma outra» (A. SHUTTE, Phi-
losophy for Africa, Rondebosch-South Africa, 1993, p. 46).
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página65
154 «Os africanos têm esta coisa chamada ubuntu... a essência do ser humano. É parte
do dom que os africanos dão ao mundo. Inclui a hospitalidade, o cuidado dos outros, a
vontade de enfrentar muito caminho por amor dos demais. Acreditamos que uma pessoa é
pessoa através de uma outra pessoa. Que a minha humanidade está ligada, amarrada inex-
trincavelmente à tua. Se te desumanizo, inexoravelmente, desumanizo a mim mesmo.
Um indivíduo solitário é uma pura contradição, e, por isso, tu procuras trabalhar para o
bem comum, porque a tua humanidade participa da sua mesma comunidade, pertence
a ela» [T. do A.], D. TUTU, No Future Without Forgiveness, Nova Iorque, 1999.
155 A. SHUTTE, Philosophy for Africa, Rondebosch-South Africa, 1993, p. 46.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página66
66 | MUNTUÍSMO
156 «Uma esposa estéril traz consigo uma cicatriz que jamais poderá ser apagada, e
sofrerá, assim como os seus parentes. Será uma humilhação irreparável para a qual não
existe fonte de conforto na vida tradicional africana», Ibidem, p. 116. É clara a analogia
com a concepção hebraica da esterilidade, para a qual o indivíduo deve «continuar» a
sua existência através da descendência. Essa necessidade é fundamental para os povos
que não conhecem a ideia de ressurreição.
157 No contexto em que vivemos (Moçambique), estes ritos praticamente desapare-
ceram (e não tão lentamente) e, segundo nos parece, tal não se deveu a ataques exter-
nos, mas a uma «involução».
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página67
158 «Uma pessoa que não tem descendentes, na realidade, extingue o fogo da vida e
se torna morta para sempre, pois a sua linha de continuação física se bloqueia se não
casar e não gerar filhos. Estes são conceitos e obrigações que não devem ser despreza-
dos nem ofendidos» [T. do A.], Ibidem, p. 141. Mbiti faz a mesma exortação de Tempels,
de não julgar apressadamente, mas procurar entender e deixar que o discurso termine,
antes de julgar.
159 No caso moçambicano existem negociações entre famílias, nas quais trata-se do
valor do lobolo, isto é, da quantidade de bens que o pretendente deve oferecer à família
da esposa.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página68
68 | MUNTUÍSMO
160 Se o marido for estéril, a esposa pode ser fecundada pelo irmão do marido. Cf.
Ibidem, p. 153.
161 Em Moçambique, geralmente os filhos são confiados ao pai.
162 Mbiti nota, porém, que não sabe dizer como nem se estas mormas são postas em
estado de espírito […] é o fim do homem real e completo» [T. do A.], Ibidem, p. 174.
164 Em Moçambique, são chamados «curandeiros».
70 | MUNTUÍSMO
nar o que faz mal. Existem igualmente charlatães, mas não se deve
condenar toda a categoria por causa destes, e Mbiti acrescenta que
«gli uomini-medicina sono gli amici, i pastori spirituali, gli psichiatri e i
dottori dei villaggi e delle comunità tradizionali dell’Africa» 167. Seguem-
-se os médiuns e adivinhos, cuja tarefa é ligar os seres humanos aos
mortos-vivos e aos espíritos. Os adivinhos interpretam as declara-
ções dos médiuns (geralmente mulheres) e, junto aos homens-medi-
cina, descobrem as «causas» das doenças. Existe uma formação e
adestramento dos que são chamados ou oferecidos pela família a tal
profissão. Mesmo nestes casos não faltam charlatães, mas Mbiti con-
clui: «è difficile conoscere esattamente di che cosa si tratti: capacità extra-
sensoriali degli indovini, agenti spirituali, telepatia, percezione umana
ipersensibile o una combinazione di tutti questi fattori potrebbero entrare
in gioco. Comunque sia, la divinazione è un altro elemento che viene ad
aggiungersi alla complessità dei concetti e delle esperienze dell’universo in
Africa» 168.
Entre os especialistas, Mbiti aponta também os «magos da
chuva», cuja missão não é meramente «fazer chover», mas também
«parar a chuva» quando excessiva 169. Quem não desempenha cor-
rectamente a sua missão pode colocar em perigo a própria vida.
Entre os especialistas, os reis, as rainhas e os governantes em
geral são chefes místicos e religiosos, símbolos de saúde e bem-estar
dos seus povos. Os reis conservam os mesmos privilégios também
no além. O poder colonial tendia a englobar os chefes tradicionais
Mesmo no caso evidente de uma morte por malária causada pela picada do mosquito
Anopheles, é necessário descobrir quem enviou aquele mosquito para que picasse
aquela determinada pessoa. Ibidem, pp. 178-179.
167 «Os homens-medicina são os amigos, os pastores espirituais, os psiquiatras e os
doutores das aldeias e comunidades tradicionais da África» [T. do A.], Ibidem, p. 180.
168 «É difícil conhecer exactamente de que se trata: capacidades extra-sensoriais dos
destas histórias» [T. d. A.], cf. Ibidem, p. 206. Nós também podemos apresentar muitas
histórias similares ouvidas ao longo de anos. Geralmente trata-se de factos sucedidos
a outros e transmitidos de boca em boca, de modo similar à difusão das chamadas
«lendas urbanas».
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página72
72 | MUNTUÍSMO
172 Ainda em 2010, várias pessoas são condenadas e mortas porque acusadas de
«feitiçaria».
173 Encontramos estes casos também em Moçambique, tendo por vítimas os ecle-
siásticos.
174 «Os conceitos africanos de moralidade, ética e justiça não estão ainda bem estu-
dados e muitos livros não fazem menção deles ou apenas superficialmente. Não há
“pecados secretos”, mas uma pessoa é boa ou má em base daquilo que faz e não daquilo
que ela é» [T. do A.], Mbiti defende, num modo que nos deixa muito perplexos, que um
acto é mau quando descoberto; por exemplo, o adultério não é um mal, a menos que
seja descoberto pela sociedade que o proíbe. Defende vezes sem conta que expressão de
amizade e hospitalidade é permitir que o hóspede passe a noite com a esposa ou a filha
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página73
do dono da casa. Quanto a nós, nunca tivemos conhecimento de factos similares na cul-
tura na qual vivemos. Cf. Ibidem, p. 223.
175 Cf. Ibidem, p. 228.
74 | MUNTUÍSMO
180 «O escândalo das divisões das Igrejas missionárias protestantes ofereceu um mau
África, mesmo que princípios socialistas, acompanhados por uma avalancha de pro-
messas verbais, estão sendo experimentados em alguns países como a Tanzânia, Mo-
çambique, Etiópia e Angola» [T. do A.], Ibidem, p. 278. Em Moçambique, a ideologia
marxista-leninista, que conduziu a revolução para a Independência, e os primeiros go-
vernos, capitulou ante a ideologia liberal capitalista actualmente em vigor.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página76
76 | MUNTUÍSMO
cano”, como todos os outros sistema principais que consideramos, apresenta as poten-
cialidades maiores para responder aos dilemas e desafios da África moderna e para al-
cançar a plena integração e maturidade dos indivíduos e das comunidades. Duvido
muito que, mesmo nas suas melhores partes, estes outros sistemas religiosos e ideolo-
gias actualmente presentes em África estejam afirmando algo de novo ou diferente da-
quilo que já está profundamente enraizado no Cristianismo. […] A força do Cristia-
nismo está em Jesus Cristo. […] Considero as religiões tradicionais, o Islão e os outros
sistemas religiosos como terreno preparatório e mesmo essencial na busca do non plus
ultra, mas somente o Cristianismo tem a terrível responsabilidade de indicar a via rumo
a Identidade, o Fundamento e a Fonte do ser últimos» [T. do A.], Ibidem, p. 290.
184 In R. A. WRIGHT, African Philosophy: an Introduction, Lanham, University Press of
passa a se ver a si mesmo como homem, e é em primeiro lugar no conhecer esta comu-
nidade como uma obstinada realidade perene do mundo psicofísico que o indivíduo
também passa a se conhecer a si mesmo como uma realidade durável, mais ou menos
permanente, deste mundo» [T. do A.], in I. A. MENKITI, «Person and Community...», o.c.,
pp. 171-172.
187 «Assim, não basta ter diante de nós o organismo biológico, com quaisquer rudi-
mentares características psicológicas vistas como inerentes a ele. Temos também de con-
ceber este organismo como meio de um longo processo de transformação social e ritual,
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página78
78 | MUNTUÍSMO
até que atinge o conjunto completo de excelências vistas como realmente definitivas do
homem. E durante este longo processo de realização, a comunidade desempenha um
papel vital como catalisadora e como prescritora das normas» [T. do A.], Ibidem, p. 172.
188 É uma referência a Mbiti, visto acima.
189 «Na fase de total desincorporação marcada pelo termo, é evidente que os que já se
tornaram mortos não podem formar uma colectividade de qualquer tipo; e uma vez
que, por definição, já ninguém se lembra deles, não tem muito sentido dizer que eles são
imortais também. Eles já não têm um senso adequado de si; e tendo perdido seus
nomes, perdem também o meio pelo qual eles poderiam ser imortalizados. Por isso, é
melhor referir-se a eles pelo termo “os mortos sem nome”, do que doutra maneira. De-
signar seu estádio de existência por um termo como «imortalidade colectiva», abrindo
assim a possibilidade de descrevê-los como “imortais colectivos”, isso certamente eles
não são» [T. do A.], Ibidem, p. 175.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página79
80 | MUNTUÍSMO
193 «Considerando que o ponto de vista africano defende uma independência onto-
lógica para a sociedade humana, e move-se da sociedade para os indivíduos, a visão oci-
dental move-se, por sua vez, dos indivíduos para a sociedade. Ao olhar para a distinção
apenas observada, torna-se bastante claro por que as sociedades africanas tendem a ser
organizadas em torno das exigências do dever, enquanto as sociedades ocidentais
tendem a ser organizadas em torno da postulação de direitos individuais. No entendi-
mento africano, a prioridade é dada aos deveres que os indivíduos devem à colectivi-
dade, e os seus direitos, quaisquer que eles sejam, são vistos como secundários para o
exercício das suas funções. No Ocidente, por outro lado, encontramos uma interpre-
tação das coisas em que certos direitos específicos dos indivíduos são vistos como ante-
cedentes à organização da sociedade; a função do governo é vista, por conseguinte,
como sendo a protecção e defesa desses direitos individuais» [T. do A.], Ibidem, p. 180.
194 «Considere-se agora, por um momento, que, embora nós não tivéssemos grande
vivida, poderia ser duramente pressionado para apresentar o tipo de história pessoal
necessária para uma elevação do status de uma moral exemplar. Matemática é outra
coisa: enquanto o jovem homem ou mulher pode manobrar as equações melhor e mais
rápido do que seu professor de idade, o caminho para a 'santidade' matemática é clara
para ele ou ela. Na verdade, muitas vezes é dito que os matemáticos tendem a fazer o
seu melhor trabalho durante os seus primeiros anos. É um campo em que a experiência
vivida não é necessária para alcançar a grandeza. No caminho indicado do indivíduo
para a personalidade, seja notado, por conseguinte, que a comunidade desempenha um
papel vital tanto como catalisador que como prescritor das normas. A ideia é que, a fim
de transformar o que foi inicialmente biologicamente dado em plena personalidade, a
comunidade, por necessidade, tenha de intervir, pois o indivíduo, a si mesmo, não pode
realizar a transformação sem ajuda. Mas, então, quais são as implicações dessa ideia de
um organismo biologicamente dado que primeiro há-de passar por um processo de
transformação social e ritual, de modo a atingir o conjunto completo de excelências,
visto como definitivo da pessoa? Uma conclusão parece inevitável, e é no sentido de que
a personalidade é o tipo de coisa que tem de ser alcançado, o tipo de coisa em que os in-
divíduos poderiam falhar» [T. do A.], in I. A. MENKITI, «On the Normative Conception of
a Person», o.c., pp. 325-326.
195 K. W IREDU , e K. G YEKYE (eds.), Person and Community: Ghanaian Philosophical
Studies, Washington, 1992; K. GYEKYE, An Essay on African Philosophical Thought: The Akan
Conceptual Scheme, Temple University Press, Philadelphia, 1995.
196 K. GYEKYE, «Person and Community in African Thought», in H. KIMMERLE (ed.),
I, we, and body: First Joint Symposium of Philosophers from Africa and from the Netherlands, at
Rotterdam on March 10, 1989, Amsterdão, B. R. Gruner, 1989, pp. 47-64. Este artigo é reto-
mado, quase na íntegra, na sua obra conjunta com K. WIREDU, citada na nota precedente.
197 «Houve um grande equívoco sobre o status metafísico e social da pessoa no pen-
82 | MUNTUÍSMO
198 «Todas as pessoas são filhos de Deus, ninguém é filho da terra» [T. do A.], «Nnipa
mente, então, a pessoa individual deve ser autocompleta em termos de seu/sua essência,
pois não requer nada além de si mesmo para existir (excepto pelo facto de que ele/ela foi
mantido como criado por Deus). Se é assim, não pode ser o caso que a realidade da
pessoa seja derivada e posterior à da comunidade. Não poderia ser portanto correcto afir-
mar que a noção de pessoa é conferida pela comunidade, nem seria correcto afirmar que
a definição de personalidade é uma função da comunidade» [T. do A.], Ibidem, p. 50.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página83
200 «A pessoa humana é uma pessoa, qualquer que seja a sua idade ou condição
uma pessoa é um indivíduo completo e que esta completude ontológica não sofre
diminuição em consequência da sua entrada, ou filiação, à comunidade. É este facto que
parece não ter sido devidamente reconhecido por alguns estudiosos que insistem sobre
a natureza comum ou colectiva das sociedades africanas, ignorando o status do indiví-
duo» [T. do A.], Ibidem, pp. 52-53.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página84
84 | MUNTUÍSMO
entos e disposições não são suficientes para atender suas necessidades e os requisitos
básicos. A razão é formulado no fragmento, “Uma pessoa não é uma palmeira que
poderia ser auto-suficiente” (onipa nnye abe na ne ho ho ahyia ne ho). Porque o indivíduo
humano não é auto-suficiente, ele requer necessariamente assistência, boa vontade, e as
relações com os outros, a fim de satisfazer suas necessidades básicas» [T. do A.], Ibidem,
p. 54.
203 «Essa relação orgânica tem dado origem a várias perguntas, impressões falsas, in-
205 «Em seu ser, portanto, a comunidade é secundária para o ser das pessoas. O ser
mesma coisa» [T. do A.], Ibidem. O autor clarifica que traduzir sunsum por espírito não é
propriamente exacto, embora não seja uma tradução inapropriada.
210 «Derivam directamente do Ser Supremo, e não do pai» [T. do A.], Ibidem, p. 91.
86 | MUNTUÍSMO
212 «Nesta apresentação, na medida em que as coisas reivindicadas do okra não são
afirmáveis do sunsum, os dois não podem ser identificados. No entanto, embora eles
sejam logicamente distintos, eles não são ontologicamente distintos. Isto quer dizer, eles
não são existentes independentes, mantidos juntos em forma acidental por uma ligação
externa. Eles são uma unidade na dualidade, uma dualidade na unidade. A distinção
não é uma relação entre duas entidades separadas. O sunsum pode, mais precisamente,
ser caracterizado como uma parte – a parte activa – do okra (alma)» [T. do A.], Ibidem, p. 98.
213 «Quando um homem morre, ele não é (realmente) morto» [T. do A.], Ibidem, p. 100.
214 «A menos que a alma esteja curada, o corpo não responde ao tratamento físico»
[T. do A.], Ibidem, p. 101. Para estes problemas existem os famosos curandeiros.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página87
africana e filosofia. La crisi del Muntu: intelligenza, responsabilità, liberazione, Milão, Mari-
notti Edizioni, 2007. O título original, La crise du Muntu. Authencité africaine et philosophie
foi adaptado pela responsável italiana, de acordo com o editor e com o autor, de modo
a tornar o conteúdo imediatamente intuitivo, mesmo para uma plateia de leitores não
especialistas.
216 «O que revela, e ao mesmo tempo esconde, a pretensão africana de possuir filo-
mesmo, na conexão do ter e do fazer, segundo uma ordem que exclua a violência e o ar-
bítrio» [T. do A.], Ibidem.
218 «É o Homem, na condição africana, que deve afirmar-se derrubando quanto con-
testa a sua humanidade e a coloca em perigo. Depende dele avaliar a sua situação, sobre
o que possa contar ou não para abrir-se um espaço, o seu lugar no mundo, no diálogo
dos lugares em que consiste concretamente» [T. do A.], Ibidem, n. 22, p. 12.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página88
88 | MUNTUÍSMO
219 «Desconhece o que o desejo de filosofia esconde e revela no mesmo tempo» [T. do
220 «O mais mesquinho dos brancos, ignorante, pervertido e incapaz lhe é superior»
[T. do A.], Ibidem, p. 60.
221 Cf. Ibidem, p. 71.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página90
90 | MUNTUÍSMO
fora da qual existe apenas «o grau zero do ser». O Muntu aceita esta
sua negação, não apenas sem contestar, mas, encaixando as filoso-
fias africanas na arquitetura daquela filosofia. Neste ponto é autori-
zado a divertir-se, especulando sobre o ser, enquanto esta discussão
não belisca minimamente o poder do vencedor. Graças à ideia do
ser, pode-se remontar a uma natureza originária, que nivela com as
palavras todos os homens. Todavia, tal nova identidade e dignidade
filosófica do Muntu morre por si só, porque pressupõe algo de
irreal, ou seja, uma igualdade entre todos os homens, numa reali-
dade que impõe apenas relações baseadas na força e violência. É
inútil esperar das etnofilosofias uma verdade que o seu discurso
retórico, baseado sobre um consenso falso porque forçado, jamais
poderá dar.
O autor passa a tratar o tema, examindando «la concatenazione dei
concetti e delle figure fondamentali a partire da cui il Muntu costruisce il
mondo della vita» 222. Passa em revista criticamente as várias etnofilo-
sofias através de um «inventário pensado» de conceitos e figuras
das etnias africanas, das quais produzir discursos etnofilosóficos
verossímeis. Eboussi Boulaga deixa que o «sistema» se exponha por
si, remandando ao ser originário da cada coisa.
Após passar em resenha os conceitos e imagens, pergunta-se em
que medida este discurso é autêntico e não mítico ou religioso,
senão uma interpretação arbitrária.
Critica especialmente a categoria de etnia que aprisiona o Muntu
dentro de um esquema, que nivela todas as diferenças entre os
vários povos africanos, reduzindo-os à sua geografia, como se
fossem espécies animais, mortificando as histórias e culturas e, con-
sequentemente, as individualidades.
As reivindicações de «filosofias próprias», segundo o projeto do
Muntu, encontram-se/confrontam-se com o distinto de si mesmo, o
«Ocidente», que coloca em questão a relação entre «tradicional» e
222 «Conexão dos conceitos e das figuras fundamentais a partir das quais o Muntu
92 | MUNTUÍSMO
o dado factual de que a razão do mais forte é a melhor, porque é razão eficaz em acto»
[T. do A.], Ibidem, p. 115.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página93
94 | MUNTUÍSMO
96 | MUNTUÍSMO
226 Segundo nos parece, Eboussi Boulaga avizinha-se sempre mais aos temas da filo-
98 | MUNTUÍSMO
228 «A razão histórica e a liberdade racional se conquistam por ter vivido a “anti-
100 | MUNTUÍSMO
229 O tema da comunicabilidade, que será retomado nos anos ‘90 por Filomeno
Lopes.
230 «Basta-lhe habitar na sua diversidade e na do mundo, com e no projecto de ser
para si mesmo e em virtude de si mesmo, com a mediação do haver e do fazer. […] São
estas as linhas de uma dialética da autenticidade, conectada a uma história particular
da liberdade racional e aberta a um universal concreto a fazer, uma autenticidade que
não é outra coisa para o Muntu do que construir o tempo e o espaço do seu empenho, o
campo da experiência que lhe é possível num mundo que o circunda e que está, ao
mesmo tempo, no seu interior» [T. do A.], Ibidem, p. 241.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página101
proporção entre a teoria e a praxe, entre aquilo que é codificado e aquilo que é vivido,
entre aquilo que é concebido e aquilo que é sentido» [T. do A.], Ibidem, p. 245.
232 «Comunica ao noviço que o saber supremo é que não há nada a conhecer» [T. do
102 | MUNTUÍSMO
233 «Melhor estas máscaras provisórias do que a morte e o caos» [T. do A.], Ibidem,
pp. 246-247.
234 Para esta interpretação do texto eboussiano, cf. L. PROCESI, «Introduzione», in
F. EBOUSSI BOULAGA, Autenticità africana e filosofia, cit., em particular o parágrafo: «Il co-
raggio dell’umiltà filosofica», pp. 42-48.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:38 Página103
104 | MUNTUÍSMO
242 Segundo Lopes, a União Africana é algo impontente; a união dos teólogos do Ter-
ceiro Mundo (EATTW) é algo de vago e intelectual. Subsiste ainda a desconfiança dos
países africanos uns em relação aos outros, quando, por exemplo, nos aeroportos
africanos o controlo é mais severo no confronto dos africanos e não dos estrangeiros de
outros continentes.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página105
243 «Cabe ao filósofo da Periferia do mundo procurar as bases por uma comunicação
portador de uma verdade que nos torna livres e de uma liberdade capaz de verdade,
por isso credível» [T. do A.], Ibidem, p. 36.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página106
106 | MUNTUÍSMO
245 «O ser da personalidade africana na sua relação com Deus e com o mundo e espe-
existe vida vivida: é o único modo, defende Lopes, que temos para
realizarmo-nos como seres humanos. Percebendo provavelmente o
carácter retórico do seu discurso, Lopes conclui que «bisogna passare
alla ricerca delle condizioni per la fondazione di un discorso sulla comu-
nicatività e sulla relazionalità, che possa attingere all’oceano chiaro e
immenso del concetto di muntu» 248.
O Muntu é sempre relação: um Muntu solitário é um louco ou
bruxo, e em todo o caso é um perigo. A solidão é uma a-grazia, uma
des-graça (falta de graça). Em África, a hospitalidade é algo de sa-
grado, é abertura ao outro, algo que cria harmonia e paz 249.
O Muntu é autónomo, mas sempre em relação com o outro, com
Deus, etc., em comunicação, porque sem comunicação não há vida
humana. No centro da palavra Muntu reside exactamente a relação
e a comunicação. Por isso, em tal palavra se deve procurar o funda-
mento de um discurso sobre a comunicação e a relação 250. O valor
da relação, o nós-juntos, mantém a reciprocidade, sem dissolução de
um no outro, mantendo a própria autonomia. É reconhecer o outro
igual a mim, é respeito pelo outro. Uma pequena falta de respeito
pode comprometer toda uma série de relações. Receber o outro
como pessoa humana igual a mim (acolhida), doar ao outro (hospi-
talidade). A hospitalidade é uma obrigação, e, se não se cumpre,
podem existir perigos de vingança da parte da família, da região ou
etnia.
O primeiro espaço de comunicação do Muntu é a família, no seio
da qual aprende a amar e comunicar, a reconhecer a vida dos outros
e a ser reconhecido. «Il tu che scopre l’amore e il rispetto è il luogo dove
l’in-sé, la trascendenza e il valore dell’essere sono originariamente
percepiti. L’io sono si scopre nella sua densità a partire dal tu sei, non
tanto a partire da te che io amo e rispetto, quanto da te che mi ami e
108 | MUNTUÍSMO
muitas vezes, na educação, obrigou a eliminar o feminino que existe em cada pessoa.
Cf. Ibidem, p.57
253 Ibidem, p. 59.
255 «Faz parte dos costumes que a África deve ter a coragem de sepultar» [T. do A.],
Ibidem, p. 63.
256 Cf. p. 72.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página110
110 | MUNTUÍSMO
112 | MUNTUÍSMO
114 | MUNTUÍSMO
suas obras que mais interessam ao nosso fim são: Filosofia Africana.
Das independências às liberdades, de 1993, e Estatuto e axiologia da edu-
cação, de 2000.
A preocupação de Ngoenha é em relação ao futuro do País e ao
papel que o filósofo deve desenvolver na sua construção. Anterior-
mente, este papel era desempenhado por outros, pelos colonizado-
res. Mesmo com a revolução, o povo não foi envolvido na progra-
mação do próprio futuro: participou apenas passivamente. O fio
condutor da filosofia de Ngoenha será exactamente este, a constru-
ção do futuro, embora a reflexão africana pareça estar mais orien-
tada ao passado, na defesa ou combate à etnofilosofia. Toda a refle-
xão que se pretenda universal deve partir do particular. A his-
tória (tempo) e a etnografia (espaço) permaneceram unidas até ao
século XIX: com Darwin, o mundo «civilizado» foi separado do
mundo «selvagem», e a história diferencia-se da etnologia, a qual se
torna sinónimo de história dos «bárbaros» ou dos «sem história» 266.
A etnologia tornou-se uma disciplina da antropologia cultural que
estuda as sociedades «exóticas», mostrando assim as reticências do
Ocidente em aceitar a plena e total humanidade do Outro. Ironica-
mente, Ngoenha afirma que para os africanos o estudo da antropo-
logia é um meio para compreender a cultura ocidental, e não a afri-
cana: «As imagens que o Ocidente fabrica da alteridade, por um
efeito de retorno, reenviam-nos às imagens que o Ocidente faz dele
mesmo em relação às outras culturas» 267. Esta diferenciação encon-
tra-se igualmente no Cristianismo, o qual tem em si uma vocação
universal de acolhida dos povos, mas de facto, ao longo da sua his-
tória, excluiu os não-cristãos. De igual modo, na descoberta do novo
mundo, não houve um reconhecimento do Outro, mas um genocí-
dio e etnocídio. O mesmo destino foi reservado ao negro que não foi
reconhecido como outro, mas como «maldito», e por isso «escravi-
zável». Em seguida, com o imperialismo europeu, os antropólogos
266 Cf. NGOENHA, S. E., Das Independências às Liberdades, Maputo, Edições Paulistas,
1993, p. 17.
267 Ibidem, p. 20.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página115
116 | MUNTUÍSMO
de modo que o negro não seja objecto, mas sujeito da sua história. A
filosofia africana é de carácter existencial, mirando à emancipação,
sem a qual o Africano jamais será um sujeito da sua história. Não se
deverá olhar tanto aos mitos do passado, mas aos problemas da
África de hoje, formar uma consciência civil, procurar o sentido da
vida, o destino do Homem e a sua possibilidade de realizá-lo. A
atenção desloca-se decididamente para o tema do futuro, e, precisa-
mente, sobre os temas da teologia negra, partindo da black theology
of liberation (teologia negra da libertação) de James Cone, passando
pela south african black theology (teologia negra sul-africana) de Des-
mond Tutu, e pelos teólogos camaroneses Jean-Marc Ela e Engelbert
Mveng para chegar à etnologia, temas que tiveram um impacto de-
cididamente prático do que teórico no percurso da reconciliação nos
respectivos países: «A Igreja não pode limitar-se simplesmente à ta-
refa, embora árdua, de reconciliar os homens, as etnias, as tribos;
mas deve participar na educação no sentido da tolerância, da indul-
gência, da solidariedade que são prerrogativas indispensáveis para
a edificação da democracia e dum futuro diferente» 274.
O futuro em filosofia traduz-se com o termo utopia, mas não no
sentido de Platão ou Thomas More, que conservavam um abso-
lutismo latente. Os homens devem ser livres e iguais como pressu-
posto da democracia e organização social: «O problema real consiste
em dar ao povo a possibilidade real de escolher os próprios ideais,
os próprios fins, não por intermédio de um partido, de um presi-
dente, mas directamente. Do que os povos têm necessidade é, antes
de mais, de apropriar-se do próprio destino, e de assumir e guiar a
própria história» 275. Isto é possível partindo das pequenas comu-
nidades para passar aos distritos, províncias, nações, até chegar à
União Africana. Ngoenha defende que, «se o poder estivesse nas
mãos dos povos, nunca teriam lutado entre nós, nunca teriam sacri-
ficado o que têm de mais sagrado, as nossas vidas e as vidas dos
118 | MUNTUÍSMO
120 | MUNTUÍSMO
122 | MUNTUÍSMO
284 E. MONDLANE, Lutar por Moçambique, Maputo, Centro de Estudos Africanos, 1995;
Citado de E. MACAMO, «A influência da religião na formação de identidades sociais no
Sul de Moçambique», in C. SERRA (dir.), Identidade, Moçambicanidade, Moçambicanização,
Maputo, Livraria Universitária UEM, 1998, p. 36.
285 E. S. NGOENHA, Por Uma Dimensão Moçambicana da Consciência Histórica, Porto,
Cahen.
287 Moçambique se havia livrado de uma dependência estrangeira para tornar-se de-
pp. 149-150. Ngoenha conclui esta obra sobre a historicidade apelando para que a África
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página124
124 | MUNTUÍSMO
cana, Educação e Cultura Política, Maputo, Editora Educar, 2010, pp. 183-196.
296 Ibidem, p. 193.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página125
126 | MUNTUÍSMO
puto, Ndjira, 2010. O texto é precedido por um interessante prefácio de Rogério José
Uthui, no qual, para além da apresentação do pensamento do autor, colocam-se em con-
fronto as teorias «castianas» e as teorias globais do desenvolvimento para o Continente
Africano.
303 Ibidem, p. 34.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página127
304 Ibidem, p. 35. Este tema havia já sido levantado por Bertolt Brecht na sua poesia
128 | MUNTUÍSMO
307 Por exemplo, os tons e outros fenómenos parecidos… Cf. Ibidem, p. 55.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página129
130 | MUNTUÍSMO
não usaria as mesmas palavras hoje) 312. Mas, para Castiano, as des-
culpas vêm muito tarde, depois de ter provocado sérios danos à fi-
losofia africana, que se fixou em «que coisa» devia ser a filosofia
africana, ao invés de produzir filosofia. Uma filosofia orientada
para o próprio umbigo, mais do que ocupada em reflectir e resol-
ver problemas sociais; uma filosofia que aumentou ainda mais o
abismo entre a filosofia académica e a dos filósofos sábios, com a
consequência de que muitos abandonaram a pesquisa filosófica
para que não fossem considerados etnofilósofos ou unanimistas.
Castiano conclui, citando Severino Ngoenha: «O que importa dora-
vante, não é procurar uma filosofia africana, mas antes uma reflexão
sobre a possibilidade de pensar filosoficamente a nossa realidade
africana» 313.
Passa então a introduzir, em modo mais detalhado, a «crítica
ngoenhiana à etnofilosofia», referindo-se à obra Filosofia Africana:
das Independências às Liberdades, já analisada acima. Para Ngoenha,
não apenas a etnofilosofia é decididamente orientada ao passado,
mas também os próprios críticos da etnofilosofia, Towa, Hountondji
e Eboussi Boulaga: por isso urge uma «critica radicale all’etnofilo-
sofia». A etnofilosofia se apresenta como uma «dilatação» e não
como «superação» do conceito de filosofia, não se operou uma
«ruptura epistemológica»: a filosofia africana incluiu muitos ele-
mentos (provérbios, mitos…) que não são filosóficos e devem ser
analisados em modo crítico para livrar-se do passado. Recorre à
grande tese de Eboussi Boulaga, segundo a qual a etnofilosofia re-
presenta a «crise do Muntu».
A etnofilosofia deve ser superada por uma «crítica da crítica»:
critica Hountondji, porque na sua crítica parte de uma definição
eurocêntrica de filosofia, reduzida à epistemologia, e por isso nega
a existência de uma filosofia africana. Por isso, quando todas as
312Ibidem, p. 105.
313Ibidem, p. 105. Césaire também critica Tempels por ter dirigido as atenções dos
bantu rumo a uma direcção metafísica, desligando-os dos próprios problemas.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página131
132 | MUNTUÍSMO
uma religião ou sageza egípcia: «These Christian attacks challenged Greek statements about
the importance of Egypt, and boosted the independent creativity of Greece in order to diminish
that of Egypt.» «Estes ataques cristãos desafiaram declarações gregas sobre a importância
do Egito, e impulsionaram a criatividade independente da Grécia, a fim de diminuir a
do Egito» [T. do A.], Ibidem, n. 14 de p. 129.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página133
134 | MUNTUÍSMO
323 Cf. Ibidem, p.168. Quando os africanos se encontram entre eles, exportam esta
136 | MUNTUÍSMO
precedentemente.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página137
138 | MUNTUÍSMO
330 Ibidem, p. 205. Ngoenha ressalta que não se trata de uma liberdade metafísica ou
moral, mas política. Cf. Ibidem, pp. 206-207. Parece-nos interessante desenvolver a ideia
da verdade da liberdade, que pode levar à descoberta da autenticidade africana. Um
tema que retomaremos na parte conclusiva.
331 Castiano acusa Mbiti de fazer confusão entre religião e filosofia. Na verdade,
segundo nós, Castiano confunde a religião natural, a africana, por isso metafísica (teodi-
ceia), com a religião revelada, que é dogmática (teologia). A última deve necessariamen-
te ser separada da filosofia, mas não a primeira. Retomaremos este tema mais adiante.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página140
140 | MUNTUÍSMO
CAPÍTULO II
142 | MUNTUÍSMO
a) As línguas bantu
334 Para esta breve introdução acerca das línguas bantu, baseamo-nos essencialmente
-thu; Chopi: va-thu; Changana: va-nhu; Swahili: wa-tu; Yao: ua-tu; Makonde: ua-nu;
Makhuwa: a-thu; Nyanja: a-nthu; Shona: va-nhu; Nyungwe: wa-nthu. Estes exemplos
mostram claramente a grande semelhança entre as línguas bantu: um prefixo nominal
geralmente variável em função da língua bantu e um tema nominal. A variação alomór-
fica de ba-, em va-, wa-, ua-, a-, tem a sua motivação no carácter mutável das línguas que
evolui incessantemente através de reajustes internos e não por mutações bruscas. Dife-
renças que podem explicar-se em termos históricos. A lista da unidade lexical pessoa/
/gente poderia ser mais longa e sempre se verificaria que as duas partes do vocábulo
são constantes em todas as línguas: um prefixo nominal «ba» (wa-, va-, a-) e um tema
nominal «nthu» (-ndu, -nthu, -thu, -tu).
336 Cf. A. NGUNGA, Introdução à Linguística Bantu, Maputo, Imprensa universitária
UEM, 2004.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página143
bém minorias que falam línguas asiáticas. O inglês e o francês são ensinados como dis-
ciplinas escolares.
339 «Apesar de, com a introdução do SNE em 1983, se ter procurado atender à reali-
dade linguística da criança que chega à escola com sete anos sem saber falar português,
a verdade é que os índices de aproveitamento pedagógicos continuam baixos, havendo
muitas reprovações e abandonos nas primeiras classes. Sabe-se que uma das causas está
no facto de o ensino ser feito numa língua segunda, desconhecida pela criança.» Cf.
INDE 1997. Por este motivo, nos últimos anos, se passou a introduzir as línguas moçam-
bicanas no ensino primário.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página144
144 | MUNTUÍSMO
342 Já no século XVI, o povo Vatonga era bem distinto. Cf. J. DOS SANTOS, Etiópia orien-
tal, Lisboa, 1891, pp. 199-200, citado em A. B. AMARAL, Dzitekatekane..., o.c., p. 34.
343 Ibidem, p. 44.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página146
146 | MUNTUÍSMO
344 Aprendi pessoalmente a não fazer promessas vagas a uma pessoa vatonga,
porque a palavra vale como um documento escrito e timbrado: «Quem promete deve»,
e não há como fugir ou retirar a palavra.
345 Entre os Vatonga, diz Amaral, 80% são cristãos, 2% são muçulmanos e 18% pra-
347 «As vestes são um ornamento, os filhos são um tesouro inestimável (literalmente,
lia se deve apresentar apenas com a sua esposa legítima. As demais não são reconheci-
das. Cf. Ibidem, pp. 53-54. A tese segundo a qual a cultura tradicional africana é origina-
riamente monogâmica é igualmente defendida por Filomeno Lopes, como vimos acima.
349 Ibidem, p. 75.
350 Para não deixar «anónimos» estes linguistas, elencamos os seus nomes: Frei
148 | MUNTUÍSMO
(1943-1984); Frei Amaral Bernardo Amaral; Dra. Sara Antonio Jona Laisse; Dr. Eugénio
Filipe Nhacota. Cf. Ibidem, pp. 79-81.
351 Ibidem, p. 150.
150 | MUNTUÍSMO
152 | MUNTUÍSMO
361 Amaral critica o antropólogo Henry Junod, que tinha confundido os espíritos
(Chikwembu) com deuses, e corrige: «As pessoas, quando morrem, tornam-se espírito,
mas não deuses, porque um só é o Espírito Supremo.» Mais adiante, o próprio Junod
reconhece que, para os Tsonga, os antepassados não são deuses; são-no para os Zulu, o
ndaus. Cf. Ibidem, pp. 381-382.
362 Cf. O seu texto: Religião Tradicional Bantu, Jangamo, 1988, pp. 3-4, onde cita as pa-
154 | MUNTUÍSMO
156 | MUNTUÍSMO
371 Ibidem, p. 9.
372 Ibidem, p. 10.
373 É clara a referência à ideia do teólogo da libertação africano, Engelbert Mveng.
158 | MUNTUÍSMO
160 | MUNTUÍSMO
386 Os filhos nascidos mudos são considerados filhos de incesto e de união proibida;
162 | MUNTUÍSMO
dos dez aos catorze anos num bosque, no qual deviam ser observa-
dos preceitos, proibições, provas e instruções sob a conduta dos seus
mestres. Após uma semana, ou dois meses, no máximo, retornavam
à comunidade para uma festa, na qual lhes era comunicado o nome
novo. Após a festa, cada família levava o próprio filho para casa 387.
As meninas participam nos ritos de iniciação quando aparecem
as primeiras menstruações. Os ritos são organizados pelas tias pa-
ternas, que submetem as meninas a provas de força e de carácter, e
as instruem sobre a própria cultura e a vida. Posteriormente, as me-
ninas deverão submeter-se a outros ritos, que marcam a passagem à
idade adulta.
Lerma adverte que não se pode reduzir o rito de iniciação à sim-
ples circuncisão ou iniciação sexual. A iniciação é algo de mais com-
plexo: processo psicológico de evolução da personalidade que
marca a passagem da adolescência à idade adulta; processo social
de inserção do jovem na sociedade; processo de introdução à visão
do mundo da própria comunidade; processo pedagógico de exercí-
cio dos valores da própria cultura; processo religioso de contacto
com a realidade espiritual e rituais do próprio povo; e enfim, pro-
cesso de iniciação e inserção global na vida da sociedade.
Quanto ao matrimónio, não se trata apenas de um contrato entre
um homem e uma mulher, mas entre duas famílias. É um matrimónio
exógamo e patrilocal. Normalmente monogâmico, embora seja admi-
tida a poligamia. A residência é junto da casa paterna. Os progeni-
tores não podem impor as suas decisões sobre o matrimónio de seus
filhos, pois são os tios paternos (de ambos os esposos) quem tem voz
a esse respeito. De facto, foram eles que cuidaram da sua educação
desde a infância. Na base do processo de contratação está o lowolo
(dote) que regula os princípios, normas e ritos da nova família 388. O
164 | MUNTUÍSMO
166 | MUNTUÍSMO
168 | MUNTUÍSMO
170 | MUNTUÍSMO
davia, a este propósito, Severino Ngoenha afirma que «a independência não nos recon-
ciliou com as culturas tradicionais», in S. NGOENHA, Das Independências às Liberdades,
Maputo, Ed. Paulistas, 1993, p. 112.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página172
172 | MUNTUÍSMO
mar alguns aspectos da tradição africana, o autor tenha recorrido a uma pseudo-
-ciência, como é o caso da parapsicologia. A tradição africana não deve eximir-se da
crítica racional. Se uma tradição é verdadeira, a razão não fará mais do que reconhecer
o seu valor.
414 H. O. ORUKA, Sage Philosophy. Indigenous Thinkers and Modern Debate on African
174 | MUNTUÍSMO
417 «O entrevistador ajuda o sábio a dar à luz os seus pontos de vista completos sobre
humana encontrada em qualquer forma de sociedade» [T. do A.], Ibidem, p. 32. Oruka re-
conhece que existem sábios que receberam uma educação moderna, como Julius Nyerere,
ou Mahatma Gandhi, na India. A maior parte dos sábios entrevistados recebeu uma edu-
cação «moderna». Ademais, nos dias de hoje, são as pessoas mais influentes no seio das
comunidades. As autoridades «analfabetas» são cada vez mais reduzidas e prevalente-
mente presentes nas zonas rurais, onde o nível de instrução é relativamente baixo.
419 Para aprofundar o debate acerca deste tema Cf. B. H ALLEN , A Short History of
African Philosophy, Bloomington, 2002, pp. 50-55; K. M. KALUMBA, «Sage Philosophy: Its
Methodology, Results, Significance and Future», in K. WIREDU, A Companion…, o.c.,
pp. 274-281.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página176
176 | MUNTUÍSMO
420 No que toca às nossas celebrações eucarísticas: na cidade, para além do portu-
guês, as leituras são feitas também em gitonga e em xitswa, enquanto nas comunidades
periféricas, celebramos a Eucaristia exclusivamente em língua gitonga.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página177
421 Cf. Entrevistado Pitorane Matavela, n.º 163 da lista dos entrevistados. Doravante
os entrevistados serão citados apenas pelo nome em itálico e pelo número correspon-
dente na lista.
422 As qualidades mais recorrentes entre os entrevistados são: respeito, honestidade,
178 | MUNTUÍSMO
425 Podemos sintetizar a opinião mais difundida nas palavras concisas de João Cons-
180 | MUNTUÍSMO
439 Cf. Hilário Guibundana, n.º 76. Aqui é evidente a influência da evangelização.
440 Cf. Simião Alfredo Muendane, n.º 188.
441 Cf. Augusto Chelene, n.º 34.
182 | MUNTUÍSMO
CAPÍTULO III
184 | MUNTUÍSMO
1) Retomada sistemática
447 Junto com as duas secções originais dedicadas aos filósofos lusófonos e o trabalho
a) A corrente cultural/filosófica
186 | MUNTUÍSMO
448 Cf. a ideia de união vital em V. MULAGO, Un visage africain du christianisme – L’union
vitale bantu face à l’unité vitale ecclesiale, Paris, Présence Africaine, 1965; a ideia de vitalo-
gia de M. N. NKEMNKIA, Il pensare africano come vitalogia, Roma, Cittá Nuova, 1995; e
muitos outros vistos acima, que colocam o valor da vida como o ou um dos principais
valores da cultura africana.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página187
mo, esta união vital é expressa pela «koinonia», que permite a comu-
nhão com o mundo para além do sensível.
O homem africano, como emerge da reflexão de Mbiti, é um ser
ontologicamente religioso: a pessoa africana insere-se numa ontolo-
gia religiosa antropocêntrica. A morte atinge apenas ao corpo e não ao
espírito da inteligência, que é a essência do homem. A ideia de Deus
é de um ser transcendente, que, todavia, é também imanente, pois,
como criador, cuida das suas criaturas. Não existe idolatria. O mal
não provém de Deus, por isso não se lhe oferecem sacrifícios, mas
pode provir dos espíritos aos quais se oferecem sacrifícios.
A ética dinâmica africana define uma pessoa com base naquilo
que faz, e não naquilo que é. Um homem é bom ou mau não com
base no que demonstra ser concretamente, por via das suas acções,
e não com base em definições abstractas. Por isso Mbiti lamenta o
deslocamento do «nós» ao «eu» na reflexão africana, como um
reflexo negativo da influência do individualismo ocidental.
Devemos a Mbiti o axioma mais famoso da filosofia africana:
«I am because we are; and since we are, therefore I am.» Não menos im-
portante é o aforismo zulu: Umuntu ngumuntu ngabantu – «Uma
pessoa é pessoa através de outra.» Em conclusão, na ética compar-
tilhada pelos mais importantes autores da filosofia africana, é essen-
cial a centralidade do conceito segundo o qual cada homem é do-
tado da máxima dignidade de pessoa, conquanto seja plenamente
inserido na comunidade e se reconheça parte de um todo.
Também para Menkiti a pessoa é definida pela comunidade e um
homem adquire plenamente a dignidade de pessoa apenas depois
de um processo, um caminho para atingir a maturidade. Trata-se de
uma progressão ontológica. A pessoa é tal porque em grau de
respeitar completamente a moral: crianças e jovens não são ainda
pessoas porque não têm ainda uma intencionalidade moral. Não
estão ainda, de facto, totalmente inseridas na comunidade, com
todas as responsabilidades que o papel de adulto comporta. Mesmo
nesta ulterior especificação, ligada à idade, sublinha-se que é a
comunidade a conferir ao indivíduo o estatuto de pessoa.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página188
188 | MUNTUÍSMO
b) A corrente histórica/política
190 | MUNTUÍSMO
451 Para Eboussi Boulaga, a superioridade do Ocidente reside no seu mistério «sa-
Perspectivas
192 | MUNTUÍSMO
a) A questão metodológica
194 | MUNTUÍSMO
453 Pontualmente, Bertuletti escreve: «Se si vuole evitare una proiezione in Dio delle stesse
condizioni di appropriazione della sua parola, la ragione del carattere simbolico del linguaggio
della fede non può essere vista unicamente nel carattere di evento della rivelazione, ma questo
deve essere a sua volta correlato alle condizioni antropologiche, per le quali la rivelazione di Dio
non può esibire la sua evidenza se non come compimento della libertà» («Se se quer evitar uma
projecção em Deus das mesmas condições de apropriação da sua palavra, a razão do ca-
rácter simbólico da linguagem da fé não pode ser vista unicamente no carácter de even-
to da revelação, mas este deve ser por sua vez relacionado às condições antropológicas,
pelas quais a revelação de Deus não pode exibir a sua evidência senão como completa-
mento da liberdade» [T. do A.], in A. BERTULETTI, «Il concetto di Persona e il sapere teo-
logico», in AA.VV., L’idea di persona, Vita e Pensiero, Milão, 1996, n. 23, pp. 10-11.
454 A este propósito é muito interessante o debate entre Pascal Engel e Richard Rorty
196 | MUNTUÍSMO
os seus esforços, muitas vezes meritórios e dignos de louvor, que Rorty implanta no seu
diálogo com os contemporâneos do campo analítico, se nem mesmo o verdadeiro com o
minúsculo tem sentido?», [T. do A.], in P. EENGEL e R. RORTY, A cosa serve la verità?, Bo-
lonha, Il Mulino, 2007.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página197
questa mediazione fra la coscienza anticipante e la realtà del futuro che essa
anticipa e che si anticipa in essa. Ciò vale in generale per la coscienza storica
come tale» 455.
tempo, uma efectiva realização antecipada do futuro e uma antecipação ainda aberta.
Pelo facto de que o futuro antecipado não depende da consciência, somente o seu rea-
lizar-se poderá decidir sobre a verdade da antecipação, embora esta seja já uma presen-
ça antecipada do futuro. A história é constituída por esta mediação entre a consciência
antecipadora e a realidade do futuro que ela antecipa e que se antecipa nela. Isto vale
em geral pela consciência histórica como tal» [T. do A.], A. BERTULETTI, Il concetto di per-
sona..., o.c., p. 12.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página198
198 | MUNTUÍSMO
456 «Liberdade não é, originariamente, a decisão por este ou aquele objecto, mas
457 «O ético se enraíza na constituição ontológica do si, pois o agir medeia em modo
originário o acesso à sua identidade» [T. do A.], Ibidem, p. 22. O problema, como de-
monstrará Bertuletti, será articular os dois níveis (ético e ontológico) sem resolver o
primeiro no segundo, como fez Heidegger, nem o segundo no primeiro, como fez
Lévinas, que absolutizando a alteridade deduz desta a auto-identidade do sujeito. Uma
correcta articulação do ético e do ontológico é fundamental para a determinação do
saber ontológico.
458 «Que a questão da verdade se decide na unidade singular de incondicionalidade
200 | MUNTUÍSMO
460 Giovanni Ferretti, na obra de co-autoria, já citada AA.VV., L’idea di persona, Vita e
Pensiero, Milão, 1996, intervém com um artigo interessante, sob o título: «Variazioni del
concetto di persona in Emmanuel Lévinas», pp. 457-516. Fazemos referência especial às
conclusões da nossa tese de licenciatura em Filosofia, Ética ou retórica sobre o outro? As
aporias da ética como filosofia primeira de Emmanuel Lévinas. Nas obras «Totalité et Infini» e
«Autrement qu’être», pro-manuscriptum, Maputo, UP, 2004.
461 Ver acima. É interessante confrontar as posições de Remi Brague sobre o eurocen-
trismo: R. BRAGUE R., Il futuro dell’occidente. Nel modello romano la salvezza dell’Europa,
Milão, Bompiani, 2008.
462 «Questo libro si presenta allora come una difesa della soggettività, ma non la coglierà al li-
vello della sua protesta puramente egoistica contro la totalità, né nella sua angoscia di fronte alla
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página201
morte, ma come fondata nell’idea di infinito. […] Questo libro presenterà la soggettività come ciò
che accoglie Altri, come ospitalità. In essa si consuma l’idea dell’infinito.» («Este livro se apre-
senta então como uma defesa da subjectividade, mas não a compreenderá ao nível do
seu protesto puramente egoísta contra a totalidade, nem na sua angústia diante da
morte, mas como fundada na ideia de infinito. […] Este livro apresentará a subjectivi-
dade como aquilo que acolhe Outros, como hospitalidade. Nela se consome a ideia de
infinito» [T. do A.], E. LÉVINAS, Totalità e Infinito, Milão, Jaca Book, 2000.
463 Lévinas afirma que a este perigo não escaparam os filósofos do ser, os quais não
reconheciam outra realidade ou verdade fora de si mesmos. Entre eles, Lévinas cita Só-
crates, Hegel, Heidegger.
464 Este texto, incluindo as devidas citações da obra Totalità e Infinito, encontra-se no
202 | MUNTUÍSMO
466 É este o problema crucial: é possível uma linguagem que diga a relação do ho-
mem com o outro, com o infinito, que não seja teológico-religiosa, mas filosófica? Sobre
o debate entre Derrida e Lévinas, cf. FERRETTI, La Filosofia di Lévinas, Turim, Rosenberg &
Sellier, 1999, pp. 311-316.
467 Como recorda Castiano. O problema linguístico – diz o autor, diferentemente de
outros filósofos africanos – não é uma questão crucial. O importante é comunicar (inter-
subjectivação), independentemente da língua que se usa.
468 Para mais aprofundamentos acerca dos temas de Autrement qu’être, veja-se o meu
204 | MUNTUÍSMO
469 Cf. F. M. REJÓN, «La morale fondamentale della teologia della liberazione», in
I. ELLACURIA, J. SOBRINO (dir.), Mysterium Liberationis. I concetti fondamentali della teologia
della liberazione, Roma, Ed. Borla/Cittadella, 1992, p. 251, n. 17.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página205
470 Para quanto concerne a uma possível releitura de Lévinas por parte da filosofia
africana, cf. por exemplo o livro de ELIAS KIFON BONGMBA, African Witchcraft and
Otherness. A Philosophical and Theological Critique of Intersubjective Relations, 2001. Trata-se
de um trabalho de filosofia e teologia africana, publicado nos EUA, que se serve do pen-
samento de Lévinas – em particular da ideia do Outro – para analisar o conceito de tfu
(bruxaria) entre o povo Wimbum, dos Camarões, e propõe uma crítica radical às inter-
pretações comuns de bruxaria, a partir da ideia de intersubjectividade, com uma her-
menêutica levinasiana. Apresentamos a respeito o juízo de Robert Bernasconi, filósofo
norte-americano, autor de estudos sobre Lévinas muito citados pelos filósofos africanos,
que actualmente, como estudioso do racismo, está empenhado com sucesso na filosofia
africana: «For all those who believe that the future of philosophy is pluralistic and cross-cultural,
Elias Kifon Bongmba's African Witchcraft and Otherness offers a unique view of that future.
Bongmba uses Levinas to critique tfu – the result being a rich and controversial study of the
application of Western philosophy to African society. The book is a wonderful mixture of personal
anecdote and philosophical analysis that leaves far behind the pseudo-problems that too often pre-
occupy philosophers» («Para todos aqueles que acreditam que o futuro da filosofia é plu-
ralista e multicultural, a African Witchcraft and Otherness de Elias Kifon Bongmba ofere-
ce uma vista única sobre esse futuro. Bongmba usa Levinas para criticar tfu – a bruxaria
– sendo o resultado um estudo rico e controverso da aplicação da filosofia ocidental à
sociedade africana. O livro é uma mistura maravilhosa de anedota pessoal e análise fi-
losófica, que deixa para trás os pseudoproblemas que muitas vezes preocupam os filó-
sofos»). Na contracapa do livro citado. Para uma leitura de Levinas, cf. R. BERNASCONI-
-S. CRITCHLEY, Re-Reading Levinas, Bloomington, Indiana University Press, 1991; R. BER-
NASCONI -S. C RITCHLEY, The Cambridge Companion to Levinas, Cambridge, Cambridge
University Press, 2002.
471 Para Lévinas, a gramatologia de Derrida não é um discurso sobre o ser, mas sobre
206 | MUNTUÍSMO
neiro de 1498, o famoso navegador português Vasco da Gama, a caminho das Índias,
chegou com as suas embarcações à baía de Inhambane. Era um dia muito chuvoso.
Avizinhando-se dos indígenas, perguntou-lhes qual era o nome da localidade. Vendo a
forte chuva, estes dirigiram-lhe a palavra com um sorriso nos lábios: «Bela nyumbani»
(«entre em casa»), e ofereceram-lhes hospitalidade e produtos locais. Impressionado por
tanta hospitalidade, Vasco da Gama escreveu que naquele dia havia entrado na bela
terra de «Inhambane», terra de boa gente. De facto, havia interpretado as palavras dos
indígenas como resposta à sua questão. Ainda hoje, a terra de Sewe é chamada «Inham-
bane», «Terra da boa gente». Esta história real, embora revestida de lenda, resume per-
feitamente a natureza da pessoa africana: hospitaleira, aberta aos outros e generosa. Esta
figura é um emblema não só da gente desta terra (de Inhambane e de Moçambique),
mas da África inteira. Se quiséssemos perguntar idealmente aos africanos qual é a sua
ideia de pessoa, com um sorriso nos lábios, responderiam-nos ainda hoje com estas
duas palavras, que valem muito mais do que inteiros tratados filosóficos sobre a pessoa:
«Bela nyumbani!»
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página208
208 | MUNTUÍSMO
210 | MUNTUÍSMO
gia e filosofia africanas são mais antigas, e é conhecido que alguns pensadores ociden-
tais antigos, cujas ideias influenciaram o personalismo actual, aprenderam estas no
Egipto, não é exagero dizer que o pensamento tradicional africano gerou o personalis-
mo» [T. do A.], em R. BURROW Jr., «Personalism and African Traditional Thought», in
Encounter, 61.3, 2000, p. 323.
478 «O personalismo sustenta que o Deus da religião tradicional africana, dos profe-
tas do século VIII a.C. e Jesus Cristo, é o Criador e Sustentador de todas as pessoas. O
personalismo centrar-se essencialmente na centralidade das pessoas-em-comunidade»
[T. do A.], Ibidem, p. 324.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página212
212 | MUNTUÍSMO
479 Para Eboussi Boulaga, essencialismo é procurar a autenticidade africana nas ori-
gens perdidas. Veja acima.
480 «Basta-lhe habitar a sua diversidade e a do mundo, com e no projecto de ser para
si mesmo e em virtude de si mesmo, com a mediação do ter e do fazer. […] São estas as
linhas de uma dialéctica da autenticidade, conectada a uma história particular da liber-
dade racional e aberta a um universal concreto a fazer, uma autenticidade que não é
outra coisa para o Muntu de que construir o tempo e o espaço do seu empenho, o cam-
po da experiência que lhe é possível num mundo que o circunda e que está ao mesmo
tempo no seu interior» [T. do A.], em F. EBOUSSI BOULAGA, La crise du Muntu. Authenticité
africaine et philosophie, Paris, Présence Africaine, 1977, tr. it.: Autenticità africana e filosofia.
La crisi del Muntu. Intelligenza, responsabilità, liberazione, Milão, ed. Mariotti, 2007, p. 241.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página213
Agradecimentos
Um agradecimento especial a:
216 | MUNTUÍSMO
Bibliografia
1. Literatura Principal
218 | MUNTUÍSMO
2. Literatura Complementar
BIBLIOGRAFIA | 219
3. Literatura Secundária
220 | MUNTUÍSMO
BONO, E. L., Ética ou retórica sobre o outro? As aporias da ética como filosofia pri-
meira de Emmanuel Lévinas. Nas obras «Totalité e Infini» e «Autrement
qu’être», pro-manuscripto, Maputo, UP, 2004.
__________, Curso de Filosofia Contemporânea. A filosofia pós-moderna, pro-
-manuscripto, Maxixe, UniSaF, 2008.
BRAGUE, R., La saggezza del mondo, Catanzaro, Rubbettino, 2005.
__________, Il futuro dell’Occidente. Nel modello romano la salvezza dell’Eu-
ropa, Milão, Bompiani, 2008.
BRECHT, B., Poesie e Canzoni, Turim, Einaudi, 1971.
CASTIANO, J. P., Das Bildungssystem in Mosambik: Entwicklungen, Probleme
und Konsequenzen, Hamburg, 1998.
__________, As Ciências Sociais na Luta contra a Pobreza, Maputo, 2006.
CASTIANO, J. P. e NGOENHA, S. E., Pensamento Engajado. Ensaios sobre Filosofia
Africana, Educação e Cultura Política, Maputo, Editora Educar, 2010.
CÉSAIRE, A., Discours sur le colonialisme, Paris, 1955 (tr. it. de N. Ngana Yogo,
Discorso sul colonialismo, Roma, 1999).
ELA, J.-M., Repenser la théologie africaine. Le Dieu qui libère, Paris, 2003.
__________, Guide pédagogique de formation à la recherche pour le développe-
ment en Afrique, Paris, L’Harmattan, 2001.
__________, Recherche scientifique et crise de la rationalité, vol. I, Paris,
L’Harmattan, 2007.
__________, Les cultures africaines dans le champ de la rationalité scientifique,
vol. II, Paris, L’Harmattan, 2007.
__________, La recherche africaine face au défi de l'excellence scientifique, vol. III,
Paris, L’Harmattan, 2007.
__________, L'Afrique à l'ère du savoir. Science, société et pouvoir, Paris, L’Har-
mattan, 2007.
ELLACURIA, I., SOBRINO, J. (dir.), Mysterium Liberationis. I concetti fondamen-
tali della teologia della liberazione, Roma, Ed. Borla/Cittadella, 1992.
ENGEL, P. e RORTY, R., A cosa serve la verità?, Bolonha, Il Mulino, 2007.
EPIS, M., Ratio Fidei, Milão, Glossa, 1995.
FERRETTI, G., La Filosofia di Lévinas, Turim, Rosenberg & Sellier, 1999.
HALLEN, B., A Short History of African Philosophy, Bloomington, 2002.
HOUNTONDJI, P., «L’Effet Tempels», in Encyclopédie Universelle Philosophique,
Publié sous la direction d’André Jacob, t. 1, L’Univers philosophique,
Paris, Presses Universitaires de France, 1989, pp. 1472-1480.
Muntui?smo:Apresentação 1 15/11/26 12:39 Página221
BIBLIOGRAFIA | 221
222 | MUNTUÍSMO
BIBLIOGRAFIA | 223
Apêndice
Lista dos sábios africanos entrevistados
226 | MUNTUÍSMO
APÊNDICE | 227
228 | MUNTUÍSMO
APÊNDICE | 229
230 | MUNTUÍSMO
APÊNDICE | 231
Índice onomástico
234 | MUNTUÍSMO
Índice geral
Introdução ......................................................................................... 5
238 | MUNTUÍSMO