Você está na página 1de 6

PARECER CREMEC Nº 21/2001

08/10/2001

PROCESSO CONSULTA N.º 003368/2001


INTERESSADO: DIRETOR CLÍNICO DO HOSPITAL ANTÔNIO
PRUDENTE
ASSUNTO : LIBERAÇÃO DE PRONTUÁRIO A REPRESENTANTE
LEGAL DE PACIENTE FALECIDO
RELATOR: DR. ANTÔNIO DE PÁDUA DE FARIAS MOREIRA

EMENTA- O sigilo deve


ser preservado, mesmo
após a morte do
paciente. A quebra por
decisão judicial torna
justa a causa.

DA CONSULTA
O Diretor Clínico do Hospital Antônio Prudente solicita deste
Conselho parecer quanto à legalidade de entrega do prontuário
médico a representante legal de paciente falecido, haja vista que a
Resolução CFM nº 1605/2000 não é esclarecedora neste sentido.
Solicitado o pronunciamento desta Assessoria Jurídica, passamos
a comentar:
Em processo consulta nº 001283/2000 recente, discorremos
sobre o tema que ora se nos apresenta, passando a adotá-lo em parte
:
DO PARECER
O segredo profissional tem bases em razões jurídicas, morais e
sociais. O sigilo é a regra, admitindo-se em casos especialíssimos a
sua quebra, na existência de um interesse realmente justificável.
O Código de Ética Médica define com clareza as hipóteses em
que se pode revelar segredo médico, e em seu art. 102, preconiza, "in
verbis":
Art. 102. É vedado ao médico revelar fato de que tenha
conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo
por justa causa, dever legal, ou autorização expressa do
paciente.
§ único- Permanece essa proibição:
a.Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o
paciente tenha falecido.
Observa-se, à luz do texto ora transcrito, que o segredo médico
poderá ser revelado quando se apresentar uma das três alternativas
contidas no art. 102 do CEM.
O Consulente se direciona na condição de médico, com o firme
propósito de ser depositário fiel do segredo dos pacientes e
cumpridor das normas ético-legais vigentes.
A liberação de Prontuários Médicos, ou mesmo cópia destes, só
poderá ocorrer dentro das alternativas constantes no Código de Ética
Médica e art. 154 do Código Penal Brasileiro, que preconiza, "in
verbis":
"Art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo de que
tem ciência em razão de função, ministério, oficio ou
profissão, e cuja revelação possa produzir dano a
outrem."( GRIFO).
A presente consulta traz a expressão "representante legal" de
paciente falecido, o que, na acepção jurídica, seria aquele que
representa alguém de conformidade com a lei.
Nossa lei substantiva Civil, embora não defina o sinônimo da
expressão, nomeia e define o representante legal em diversas
situações, tais como mandatário, procurador, curador, tutor,
inventariante, testamenteiro, etc.
No entanto, o que nos causa estranheza na consulta é a
"denominação de representante legal de falecido", hipótese esta que
a Lei Civil não prevê. Quando muito seria representante legal do
espólio deixado pelo de "cujus".
Diante disto, pergunto-me: A intimidade e a vida privada do
paciente, ou seja, as patologias e informações contidas em
prontuários, seriam transmitidas hereditariamente? A meu ver, a
resposta seria não, haja vista que se trata de direitos indisponíveis.
Analisando ainda o Art. 102, § único, "a", do CEM, o mesmo é
taxativo, não abrindo quaisquer outras exceções no tocante à quebra
do sigilo. Mesmo após a morte do paciente, o sigilo deverá ser
mantido.
No entanto, a norma supracitada nos leva a algumas reflexões,
dentre estas a possibilidade de entes familiares do paciente
requererem a cópia do prontuário para averiguação de suposto
cometimento de erro médico ou outras razões que se apresentem.
Diante de tal situação, normalmente a solicitação apresentada
ao hospital e/ou médico não seria esclarecedora no que diz respeito
aos verdadeiros interesses de cópias do prontuário.
Desta feita, surge o conflito, o hospital na condição de guardião
do prontuário médico, na dúvida sobre o verdadeiro interesse dos
solicitantes imbuídos de um propósito talvez honesto e justo ou não.
Nesta condição, a melhor saída para o hospital seria que
entregasse as cópias do prontuário apenas por força de decisão
judicial, resguardando-se de possível complicação por revelação do
segredo médico.
Isto, na verdade, traduz inovação nas hipóteses de quebra do
sigilo médico, como bem destaca nossa jurisprudência:
Ementa
MEDIDA CAUTELAR - Exibição de documentos - Ação principal
não ajuizada no prazo de trinta dias para o ajuizamento -
Caducidade - Inocorrência - Não incidência do artigo 808 do
Código de Processo Civil - Recurso provido.Não incide a regra
do artigo 808 do Código de Processo Civil em cautelares de
exibição de documentos.
Tipo da Ação: Apelação Cível n. 265.071-1 -
CampinasApelante: Maria de Fátima Resende Migliorini
Apelado: Hospital Santa Teresa.
Acórdão:
Ementa Oficial:
Exibição de Documentos - À medida cautelar de exibição de
documentos não cabe a caducidade pelo não ajuizamento da
ação principal em trinta dias - Provimento do recurso.

ACORDAM, em Terceira Câmara de Férias B de Direito Privado


do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação
unânime, dar provimento ao recurso, de conformidade com o
relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte do
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Senhores


Desembargadores Ney Almada (Presidente) e Flávio Pinheiro,
com votos vencedores.

Data: São Paulo, 30/07/1996


ALFREDO MIGLIORE, Relator.

Voto:
Cuida-se de medida cautelar de exibição de documento,
aforada com a finalidade de obter junto à instituição
hospitalar o prontuário médico referente a paciente, esposo
da autora, que foi vítima fatal de choque anafilático, quando
se submetia a exame mielográfico.

Alega a autora que não se conforma com os motivos alegados


e que precipitaram o desenlace, pretendendo valer-se de ação
própria para obter o ressarcimento devido, tendo legítimo
interesse em ter acesso ao citado prontuário. Pela negativa
do requerimento em fornecê-lo, a propositura da cautelar
tornou-se inevitável.

Concedida a liminar initio litis, o documento foi encartado às


fls. 25/30, em 30.8.94. Certificado o não ajuizamento da ação
principal em 19.10.94 (fls. 39 v.), foi prolatada a respeitável
sentença de fls. 40-41, que à vista do não ajuizamento da
ação principal, cessada restara a eficácia da cautelar
deferida, com fulcro no artigo 808, inciso I, do Código de
Processo Civil, extinto o feito, com a imposição de verba
sucumbencial à promovente.

Recorre a autora perseguindo o decreto da nulidade da


sentença, em face do alegado caráter eminentemente
satisfativo da cautelar aforada.
Recurso bem processado e preparado, sem registro de
contrariedade.

É o relatório.

Segundo lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (Processo


Cautelar, pág. 144): o prazo extintivo de eficácia refere-se
naturalmente àquelas medidas de caráter restritivo de direito
ou de constrição de bens, pois nos provimentos meramente
conservativos... e nos de antecipação de provas..., não têm,
como é óbvio, nenhuma influência o prazo do artigo 806. E é o
que anota GALENO LACERDA: o prazo preclusivo do artigo 806
incide, em princípio, somente sobre as cautelas que importem
constrição judicial, com vistas a garantir a execução
(Comentários ao Código de Processo Civil, Editora Forense, t.
I/376-377, vol. VIII, 1981).

É o que comenta THEOTONIO NEGRÃO, in Código de Processo


Civil e legislação processual em vigor, 27ª ed., Editora
Saraiva, em anotações ao artigo 808, pág. 554, nota 6:

Não se aplica, portanto, o artigo 808 ao pedido de exibição de


documentos previsto no artigo 844, inciso II (JTACSP, vol.
118/94).

É o caso dos autos. Não incide a regra do artigo 808 do


Código de Processo Civil em cautelares de exibição de
documentos.

Cabível, pois, o provimento, afim de ser arredada a


caducidade declarada, examinando-se pelo Juízo a quo as
demais postulações da requerente.

Fonte de Publicação: Revista Oficial LEX, JTJ - Volume 190 -


Página 107
Ementa
MEDIDA CAUTELAR - Exibição de documentos - Ajuizamento
contra hospital - Pretendido esclarecimento de dúvida sobre
tratamento dispensado a paciente que veio a falecer -
Legitimidade ativa de parte da viúva - Interpretação do artigo
844, inciso II, do Código de Processo Civil - Recurso não
provido.
MEDIDA CAUTELAR - Exibição de documentos - Ajuizamento
contra hospital - Segredo profissional alegado como defesa -
Inadmissibilidade - Privilégio exclusivo de pessoa física que
exerce as funções de médico - Interpretação, ademais, do
artigo 102 do Código Brasileiro de Deontologia Médica - Ação
procedente - Recurso não provido.
Tipo da Ação: Apelação Cível n. 272.968-2 – Santos Apelante:
Hospital Ana Costa S.A. Apelado: Maria das Dores Ventura
Costa.
Acórdão:
Ementa Oficial:
Medida Cautelar - Exibição de documentos - Procedência -
Pedido apresentado por viúva de paciente a fim de dirimir
dúvidas sobre o tratamento dispensado - Possibilidade -
Inteligência do artigo 844 do Código de Processo Civil -
Recurso improvido.

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal


de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime,
negar provimento ao recurso, de conformidade com o
relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte do
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Senhores


Desembargadores Laerte Nordi (Presidente) e Gildo dos
Santos, com votos vencedores.

Data: São Paulo, 25/03/1997

ROQUE MESQUITA, Relator.


Voto:
1. Trata-se de medida cautelar de exibição de documentos
julgada procedente pela respeitável sentença de fls. 32/35,
cujo relatório fica adotado.
Apela a ré pleiteando a reforma (fls. 37/45), sustentando que
o prontuário médico tem caráter personalíssimo e a autora,
na condição de viúva do então paciente, não pode ter acesso
a tais documentos, que se beneficiam do segredo profissional
do médico, cuja violação constitui-se em crime, estando
protegido pela ética, afastada a justa causa, constituindo-se
em prova ilegal.
Recurso regularmente processado, respondido e preparado.
É o relatório.
2. Segundo entendimento jurisprudencial colacionado por
THEOTONIO NEGRÃO em sua conhecida obra sobre o Código
de Processo Civil, 27ª ed., pág. 562, alínea 8 ao artigo 844,
trata-se de ação de caráter satisfatório e não meramente
cautelar (RT, vol. 611/76, RJTJESP, ed. LEX, vol. 96/280,
JTACSP, vol. 41/67).
No caso, alegou a autora na petição inicial que seu então
esposo Gomercindo Ferreira Costa viu piorado seu estado de
saúde e acabou falecendo em 3.8.94, sendo certo que em
período anterior ao óbito esteve sob os cuidados médicos da
apelante, tendo agravada a sua situação, fato com o qual não
se conforma, razão pela qual pretende verificar documentos
que menciona, que se encontram com a recorrente, a fim de
dirimir qualquer dúvida sobre o tratamento dado ao falecido.
Está bem claro que a hipótese encontra receptividade no
artigo 844, inciso II, do Código de Processo Civil. Na condição
de viúva, tem Dona Maria das Dores legitimidade para a
providência perseguida, não socorrendo a recorrente o
argumento segundo o qual está protegida pelo segredo
profissional. Ora, na condição de pessoa jurídica, não se lhe
aplica tal privilégio, que é exclusivo da pessoa física que
exerce as funções de médico.
O hospital é o guardião dos documentos e tem a obrigação de
atender ordem judicial dirigida à exibição dos papéis
mencionados pela apelada. Nem se alegue que existiria crime
em tese quando o médico, atendendo aquela determinação,
venha a exibir os dados perseguidos pela interessada. Estaria
protegido pela justa causa, mencionada no artigo 102 do
Código Brasileiro de Deontologia Médica, lembrado nas razões
recursais. Não se trata de casuística nem de violação do
princípio constitucional previsto no artigo 5º, inciso II, da
Carta da República.
Deve ser lembrado que a pretensão resume-se em mera
exibição judicial, protegida pelo segredo de justiça, muito
bem decretado pelo culto Magistrado.
Conseqüentemente com a devida vênia, está correta a
respeitável sentença, que deve subsistir na íntegra.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.
Fonte de Publicação: Revista Oficial LEX, JTJ - Volume 198 -
Página 119
Sem mais, no caso em tela, se o Poder Judiciário, através de
decisão, tornar justa a causa de revelação do segredo médico,
retirará do profissional a responsabilidade criminal.

É o Parecer, s. m. j.
Fortaleza- Ce, 27 de agosto de 2001.

ANTÔNIO DE PÁDUA DE FARIAS MOREIRA


ASSESSOR JURÍDICO
CREMEC

Você também pode gostar