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RODOLFO PERES RODOLFO PERES NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE #G0AHEAD 12 edigdo 2016 SoeGeaDe APRESENTACAG Desde a década de 1990, eu e o Rodolfo Peres, confirmamos a doutrina que nos leva a analisar cada caso minuciosamente, a fim de elaborar da forma mais criteriosa possivel um programa nutricional adequado ao treinamento, estilo de vida, possibilidades econémicas, logistica e até as necessidades bio- quimicas de cada individuo. Ora, ha décadas, a prépria geopolitica ja nos indicava que a tentativa de equalizar a todos dentro de um mesmo padrao nao dava certo, por isso o muro de Berlim foi esfacelado a marretadas no fim dos anos 80. Definitiva- mente, nao somos iguais apesar de sermos 98,7% parecidos geneticamente com nossos parentes mais préximos, os macacos bonobos. Até o DNA “idén- tico” de gémeos univitelinos vem sendo questionado ultimamente. Um pe- quenissimo percentual pode indicar grandes diferencas. Assim sendo, como posso crer em uma série de treino adaptada a todos? Como posso copiar uma proposta de dieta prescrita para outra pessoa? Se isso realmente funcionasse, nao seriam mais necessdrios treinadores nem nutricionistas. Ja esté em tempo de verificarmos seriamente que cada individuo tem sua realidade, que percorre de seu imaginario a sua célula, de seu espirito ao seu comportamento. Este novo livro do Rodolfo Peres sera mais um tunel a nos conduzir em dire¢ao a luz da verdadeira liberdade. Waldemar Guimaraes Neto AGRADECIMENTOS Tenho muito a agradecer a inumeros amigos, professores e pacientes que me ajudaram, direta ¢ indiretamente, a escrever este livro, através de conversas, debates, consultas e de muitas outras formas. Entre eles, cito nomeadamente: Waldemar Guimaraes Neto, Simone Martins Pinto (in memorian), Sandra Fernandes, Fernando Marques, Rafael Silvestre Knack, Felipe Pereira Carlos de Souza e Marilia Coutinho. Esclareco que a citacao dessas pessoas nao implica que elas concordem necessariamente com as opinides pessoais expressas na obra. Este livro destina-se ao publico em geral, razdo pela qual o texto néo inclui referéncias bibliograficas. Estas teriam provocado frequentes interrupcées na leitura que sé se justificam em trabalhos mais técnicos e académicos, mas a sua preparacao exigiu consulta de inimeros livros e artigos, um precioso auxilio que fago questaéo de compartilhar. No final do livro, apresento, em apéndice, uma bibliografia pormenorizada. PREFACIO Com muita alegria e satisfagdo recebi o honroso convite de prefaciar este livro do meu amigo e parceiro profissional Rodolfo Peres. Nossos cami- nhos se cruzaram no ano de 2005. Aos 15 anos de idade, eu, avido por conhe- cimento, fui até a cidade de Bauru, no interior de Sao Paulo, assistir a um curso de treinamento de alto nivel do professor Waldemar Guimaraes e do Rodolfo Peres. Quis 0 destino que a palestra daquele jovem nutricionista me despertas- se a atencao e o desejo de agregar o papel do médico nessa equipe multipro- fissional de assisténcia ao paciente esportista. Os anos se passaram, uma gran- de amizade surgiu e a partir dela uma inevitavel parceria profissional, pautada em valores humanos sélidos e no respeito a individualidade biolégica. Ao ler este livro, mergulhamos em um caminho que desperta curiosi- dade crescente, onde o nutriente é valorizado como agente modificador do estado de satide até chegar a outro polo, em que ele se torna determinante ao desempenho de um atleta profissional. Ao abordar as nuances relativas ao acompanhamento de atletas, o Rodolfo deixa claro que particularidades indi- viduais e a modalidade praticada sao determinantes na adocao de estratégias €, consequente, sucesso da intervencao. Outro ponto importante é a valori- Za¢ao e respeito ao trabalho em equipe multiprofissional e transdisciplinar, através de uma linguagem em comum, no qual todos convergem para um mesmo centro, o paciente. Através de uma leitura sutil, porém sem perder a profundidade e tec- nicismo necessarios, todo e qualquer tipo de publico, desde o entusiasta, es- Portista recreativo, passando pelo atleta, até o profissional de satide, iré reciclar e solidificar conhecimentos acerca de uma nutricéo personalizada, como fer- ramenta de qualidade de vida, performance e longevidade no esporte. Com- Partilhamos um objetivo comum: mostrar que desempenho e satide podem e devem se aproximar e nao serem aceitos passivamente como valéncias dis- tantes. Essa é a nossa misséo como educadores em satide. Exercicio 6 remédio. Alimento é informacao. Boa leitura a todos! Dr. Felipe Pereira Médico do Esporte SUMARI Introdugao 13 1-Por que somos tao obcecados pela nossa aparéncia?_ 7 2 -Transigao Nutricional _ a 25 3-0 corpo possivel __ ie cre i ie 33 Por onde comecar? = =n peas Individuos obesos (caracteristicas endomérficas) fis ar 36 Individuos magros (caracteristicas ectomérficas) paneer et a 38 Individuos com biétipo favoravel (caracteristicas mesomérficas) __ ieee. 138) 4 - onde foi queeuerrei? is 2 me Al Nao respeitar otrabalhoemequipe a2 Seiludir com o que vé nas redes sociais poeta eeeseihe 45 Colocar toda esperanca em suplementos 45 Confundir um alimento dito saudavel fina 47 Se alimentar direito apenas no horério do treino __ pia 50 Uso de drogas para mudar a composicéo corporal Sel neal a tearenibarsebiess50 Nao se preocupar com 0 actimulo de gordura corporal prans5 Priorizar a atividade aerdbica = - 52 Abusar no dia do lixo 55 Exagerar no consumo de bebidas alcodlicas neilitirss pcvedereinet a 655) ‘Compensar furos na dieta com sucos detox ipa erie io 58 Achar que nosso corpo precisa de acticar Gaiety spent IED Falta de paciéncia Phe parisien a 6 lene foie Caen, 5-Amelhor propostadedieta somber of 63) Técnicas para a elaboracao de um programa nutricional Babs + Avaliagdo antropométrica ees) + Meméria metabélica et 68 + Interpretacao de exames laboratori aan Sa 70 Niveis de colesterol, homocistetnae triglicerideos n Exames que apresentam alteracées pelo exercicio intenso Vitamina D eZ. Testosterona e tireoide SHBG : oa eee Insulina Ee eee Ureia oO Cortisol = eee Je : 2 IGF-1 @ IGFBP3 see i00) + Nutrigenémica / 2s Ciel nae ale een _81 B - Nao se deixe enganar oh eae + Alimentos _ 85 + Balanga de preciso 90 + Alimentacao em viagens + Suplementos Rotulagem O milagre do colageno Whey Protein e BCAAs para mulheres leo de coco e de cértamo para reducao de gordura Barras de proteina Termogénicos Pré-hormonais Doping 7-0 que devemos comer + Carboidratos Treino logo ao acordar Dietas low carb Jejum intermitente Alimentos fonte de carboidratos Proteinas Lipidios _ Hidratacao Intestino saudavel + Satide articular Vitaminas, sais minerais e antioxidantes 8 Como suplementar antes, durante e depois do treinamento Estimulantes da sintese de NO Glicerol _ Beta-alanina Cafeina Adaptogénicos 103 108 m1 an 113 114 118 128 130 133 133 135 137 139 140 141 141 143, Taurina Suplementagdo logo antes do treino __ Suplementacao durante o treino Suplementagao logo apés o treino Creatina _ 5 sevilla ses 2A Antioxidantes bie SO 2 i a cence! Acido Fostaltdico.e HMB a Satie siti ania sbostait 1S Suplementacao ematividades aerdbicas 5 Imunidade potency —155 9) -E possivel mudar o fisicoem uma semana? Pena (OL Qualquer um pode seratletadefisiculturismo? = 10 -Periodizacao da dieta cs 163 Referéncias bibliograficas 167 #GOAHEAD “Nao somos iguais e nem diferentes, somos tinicos” Na minha rotina de trabalho é muito comum receber pessoas dispos- tas a fazer qualquer coisa para ter 0 corpo igual ao da modelo fitness ou do atleta famoso. A maioria deve sair do consultério frustrada, pois sempre digo que para conseguir isso elas teriam que morrer e nascer de novo, com carac- teristicas genéticas idénticas as daquela pessoa. A verdade € que vocé pode ter o mesmo peso, as mesmas medidas da pessoa que admira, mas nunca tera um corpo igual ao dela. Criar altas ex- Pectativas ou se comparar com os resultados obtidos por outras pessoas ndo ajuda em nada, ao contrario. E uma grande besteira copiar o que outras pes- soas fazem porque a composi¢do corporal s6 pode ser considerada de for- ma individual, de acordo com as caracteristicas genéticas e 0 estilo de vida de cada um. Temos que aprender a conhecer nossas qualidades e limitacées, a valorizar nossos pontos fortes e, o mais importante, buscar o equilibrio. A quebra entre o padrao idealizado e o respeito as caracteristicas individuais é fundamental para enxergarmos melhor nosso préprio corpo e valorizé-lo. O padrao magro e atlético que sempre foi mostrado na TV e nas revis- tas como sin6nimo de satide e felicidade hoje se potencializa nas redes digi- tais. Nos perfis fitness mais famosos 0 corpo perfeito parece estar ao alcance de todos. Se por um lado as frases e fotos postadas servem de estimulo para alguns, por outro, levam muitos seguidores a acreditar que eles sé nado tém © corpo do (a) fulano (a) - algo impossivel fisiologicamente - porque nao se esforcam o suficiente. Essa comparacéo pode aumentar em grande escala o 13 NUTRICAG & INDIVIDUALIDADE numero de pessoas com transtornos de imagem, sentimentos de inferiorida- de, inadequacao social e disturbios alimentares, Para ndo cair nessas perigosas armadilhas, o primeiro e mais importan- te passo é procurar ajuda profissional. Depois disso, deve-se encontrar 0 seu préprio padrao, sem pressées e expectativas irreais. Antes de comecar mais uma dieta para emagrecer ou ganhar massa muscular, é preciso estabelecer uma consciéncia saudavel em relacao ao proprio corpo e adequar os obje- tivos as suas verdadeiras necessidades. O modelo de beleza ideal é sermos saudaveis e estarmos felizes com nés mesmos. O nosso corpo é Unico, tem prazo de validade e merece respeito. Em um mundo com tanta diversidade, o respeito a individualidade é que deveria ser enaltecido e nao a mesmice. Além disso, encontrar um corpo 100% simétrico, com uma relacao per- feita entre massa muscular e gordura corporal, é mais dificil do que achar uma agulha no palheiro. Determinacao e forca de vontade fazem toda diferenca, mas é preciso entender que sempre havera um limite para cada um de nos. Esse limite pode levar o individuo a ser um campeao de fisiculturismo ou a simplesmente ter um fisico harmonioso, dentro de uma média. Querer ter um corpo mais bonito, mais forte, para ser mais saudavel e se sentir mais con- fiante, é absolutamente normal. Se a ciéncia descobriu meios para melhorar nossa aparéncia, é claro que devemos usufruir desses beneficios. O problema € quando a busca pelo corpo perfeito chega a insanidade de tentar superar nossos limites biolégicos. Querer ser fisiculturista, quando se tem bidtipo e aptidao para ser um maratonista, por exemplo, é frustracao na certa. A boa noticia é que todos nés, independentemente da constituicao genética, podemos melhorar nosso fisico, ter baixos niveis de gordura e uma massa muscular suficiente para envelhecermos de forma mais saudavel, que € 0 que realmente importa. $6 que a complexidade do processo de mudanga corporal exige uma abordagem integrada e multiprofissional. O caminho, seja qual for 0 objetivo, nao é simples. Além de uma boa dose de determinacao, tanto no treinamento quanto na dieta, é fundamental o acompanhamento de 14 #60AHEAD profissionais que conhecam as estratégias e protocolos para ajudar o pacien- te ou o aluno nesta busca. Temos a obrigacao de ajudé-lo a descobrir os seus limites e desafid-lo a atingir o seu melhor. O objetivo deste livro é apresentar informacées realistas para que vocé possa obter resultados significativos em seus treinamentos com uma correta nutrigao. O nosso corpo é reflexo das escolhas que fazemos ao longo da vida. Nao existe milagre para ter um corpo harmonioso e saudavel. £ preciso paci- éncia, disciplina e equilibrio na dieta, tratando a si mesmo com o maximo de cuidado e responsabilidade. Nao desista de vocé. Continue. 15 POR QUE SOMOS TAG OBCECADOS PELA APARENCIA? A visdo que temos sobre o nosso corpo é diretamente influenciada pelo corpo do outro. Como seres sociais nds consumimos nao sé alimentos, mas comportamentos, roupas e atitudes que atendam as expectativas da so- ciedade. Somos obcecados pela nossa aparéncia, porque entendemos o cor- po como um meio de aceitacao social. Se hoje a midia cria modelos, por outro lado, traduz conceitos, emo- Ges e aspiracées da sociedade. Os veiculos de comunicagao nao sao os uni- cos responsaveis pelos padrées estéticos, mas também o préprio publico que acata consumir estes modelos que circulam em mo dupla. Dizer que belo e feio sao relativos aos tempos e as culturas nao significa que nao se tentou, desde sempre, vé-los como padrées definidos em relacdo a um modelo esta- vel. Na pré-historia, o conceito de beleza feminino estava fortemente ligado a reproducao. Mulheres de seios fartos e quadris generosos eram as preferidas por passarem a ideia de que eram mais preparadas para gerar filhos. 7 NUTRICAO E INDIVIDUALIDADE Arquedlogos que encontraram essa pega de 28 mil anos acreditam que ela represente um modelo de beleza feminina valorizado por nossos antepassados das cavernas. A Vénus de Wil- lendorf, uma escultura de apenas 11cm, seria uma representacdo da mulher-mae, simbolo da fertilidade, da vida e do alimento. Ja na Grécia antiga um corpo masculino bonito era prova de uma men- te brilhante. Eles tinham até uma palavra para identificar isso — kaloskagathos — literalmente belo e bom ou belo e virtuoso. Hoje sabemos que um ntime- ro consideravel daquelas estatuas gregas reproduzia mesmo a realidade — a pessoa era coberta com gesso e o molde era usado para fazer a obra - mas, de um modo geral, a escultura grega classica era uma fantasia, um ideal aparen- temente impossivel de ser atingido. Os “gindsios” eram nao apenas academias -no sentido moderno da palavra — mas uma parte essencial da vida cotidiana. Era nesses locais que os homens se tornavam melhores — nao apenas através do exercicio fisico, mas também se dedicando aos estudos filosoficos. Uma viséo completamente diferente se aplicava as mulheres. Hesio- do — um poeta grego que viveu de 750 a 650 a.C. - descrevia as mulheres simplesmente como kalon kakon — “uma coisa perversa e bela”. A mulher, criada para dar trabalho e sofrimento ao homem parecia personificar a essén- cia do mal. Ser um homem bonito era fundamental. Ser uma mulher bonita era sinal de problema. E como se isso nao fosse ruim o suficiente, a beleza 18 #GOAHEAD era frequentemente motivo de competicao. Concursos de beleza — kallisteia — eram realizados regularmente nos centros de treinamento das Olimpiadas, em Lesbos, onde as mulheres eram julgadas pela forma como andavam. Os homens também participavam das competicdes, amarrando fitas nas partes do corpo que queriam destacar, sobretudo uma perna bem torneada ou um biceps musculoso, Na Grécia, a educagao fisica era considerada um pilar da formacao dos homens que desde meninos frequentavam os gymnasiums, complexos esportivos que também eram centros de formacao intelectual. Havia lugares especificos para treinamento de boxe e luta, as palaestras. Os atletas se exercitavam sem roupa (ayminos significa “nu” em grego). Mas como os guerreiros da Grécia antiga conseguiam ter um fisico forte e definido, sem equipamentos musculacao, suplementos e um conheci- mento profundo sobre Nutrigéo? Podemos pensar que, primeiro, eles tinham tempo para fazer muita atividade fisica e comiam moderadamente cereais, carne, legumes e frutos - ndo os alimentos industrializados que temos acesso nos dias de hoje. Por ai ja é possivel identificar uma grande diferenca com a realidade mo- derna. Hoje, queremos ter um fisico de guerreiro vivendo nossa batalha didria em empresas e escritorios, sentados a maior parte do tempo. Justamente para ame- nizar esta discrepancia entre o estilo de vida moderno e nossos ideais estéticos é que foram desenvolvidas estratégias nutricionais e suplementos alimentares. 19 AUTRICAG € INDIVIDUALIDADE O conceito de beleza dos gregos, com propor¢ées matemiaticas e har- monia entre os elementos, mantém-se na Idade Média, mas para refletir a be- leza divina. Devido a grande religiosidade da época, a mulher passou a ser vis- ta como fonte de pecado e 0 corpo, a ser negado. Alguns registros mostram que a mulher considerada bonita tinha que ter pele branca, olhos negros, seios pequenos, rosto corado e uma barriga saliente que remeteria a ideia de maternidade. Algumas mulheres chegavam a colocar enchimento na barriga para ficarem mais atraentes. Suas caracteristicas deveriam mostrar satide em oposicao & realidade da época, em que a sociedade era assolada pela fome e pelas doencas. O Renascimento deu continuidade ao pensamento medieval de que a beleza estava relacionada a satide e, como somente as familias mais abas- tadas tinham acesso a uma boa alimentacao, 0 corpo ideal relacionava-se ao que 0 rico podia comprar. Nao por acaso, as mulheres gordas eram as mais admiradas. O espartilho surgiu no século XVI com o objetivo de dar suporte e controlar as formas naturais do corpo. Servia para erguer e pressionar o busto, além de manter as costas em uma postura reta. O ideal de beleza feminino Passou a exigir formas mais delicadas e a cintura cada vez mais reduzida. No século XVIII, as formas naturais passaram a ser valorizadas novamente em um curto periodo de tempo. O estilo neoclassico trouxe formas leves, fluidas e os espartilhos foram quase abandonados. Nao demorou muito e eles voltaram com um novo material, a barbatana de baleia, que permitiu maior flexibilida- de ao material para que a cintura fosse ainda mais pressionada. Até as criancas foram submetidas ao uso de suportes, formas mais simples de espartilho, com a justificativa de melhorar a postura. Nessa época, os médicos ja protestavam contra a pressdo exercida nos 6rgaos internos. A Revolucéo Industrial iniciada no século XVIII acentuou as diferengas entre classes sociais e colocou em destaque, no século seguinte, tudo o que provinha da riqueza, recuperando o antigo ideal renascentista de beleza. As burguesas gordinhas com rosto corado ganharam novamente destaque du- 20 #G0AHEAD rante 0 século XIX. O corpo desejado era o que tinha forma de ampulheta. Para adquiri-lo, as mulheres utilizavam espartilhos cada vez mais apertados. Em casos extremos, a cintura chegava a menos de 40 centimetros. Ha relatos de que 0 exagerado uso de espartilhos causou intimeros problemas para as mulheres, como diminui¢ao da capacidade respiratéria, desmaios frequentes, dificuldade para sentar ou subir escadas, abortos e alguns casos de érgaéos perfurados por costelas quebradas. Nas pinturas e esculturas renascentistas herdis gregos e biblicos exibiam musculos definidos, corpos sem pelos € nao tinham vergonha da nudez, Davi de Michelangelo é considerado até hoje modelo de perfeicdo das formas masculinas. A chegada do século XX trouxe a liberacéo dos costumes e a possibi- lidade das mulheres mostrarem mais 0 corpo. Na década de 1920, a emanci- Pacao feminina fez com que os espartilhos fossem substituidos pelo sutia. As silhuetas cilindricas, nas quais os seios, a cintura e o quadril tinham medidas semelhantes, passaram a ser mais valorizadas. J4 a década de 1940, marcada pela Segunda Guerra Mundial, exigiu das mulheres formas masculinizadas, en- trando em voga os ombros largos. Nos anos de 1950, a cintura voltou a ser va- lorizada. Seios fartos, cintura fina e quadris avantajados também configuram a silhueta da mulher-violao na década de 1960. O cinema europeu foi prodigo em exportar esse padrao, como o da francesa Brigitte Bardot. Nao muito longe, 21 NUTRICAD € INDIVIDUALIDADE nos anos 70, a magreza extrema foi incorporada ao ideal de beleza. ‘Twiggy Lawson, considerada a primeira supermodelo do mundo, di- tava um novo estilo. Mulheres sem barriga, sem seios, sem bunda e com per- nas finas era o padrao a ser seguido. Justamente nesse periodo, os primeiros “gurus” da nutrigéo comegaram a surgir. Estratégias divulgadas hoje como novidade jé eram muito populares na década de 1970, como a dieta com res- trigéo total de carboidratos. Naquela época, o conhecimento que se tinha sobre nutrigdo era relativamente pequeno, assim como a oferta de alimentos com baixo valor nutricional. O movimento hippie das décadas de 1960 e 1970 trouxe a moda do corpo sem curvas. A magreza passa ser 0 ideal de beleza da época. Modelos sempre ditaram os padrées de beleza, principalmente entre as mulheres. Cindy Crawford, Naomi Campbell, Claudia Schiffer, Linda Evan- gelista e Kate Moss desfilavam o padrdo de corpo perfeito no fim dos anos 80 € inicio dos anos 90, Altas e magras, curvilineas sem exageros, dominaram passarelas, capas das revistas e campanhas das grandes marcas. J4 os homens, motivados pelos filmes de Arnold Schwarzenegger, Syl- vester Stallone e Jean-Claude Van-Damme passaram a sonhar com corpos mais musculosos. 22 #GOAHEAD Em 1966, 0 austriaco Arnold Schwarzenegger era mais um entre centenas de fisiculturistas. Tudo mudou apés ser eleito Mr. Olympia por sete vezes (1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975, 1980). Na década de 1980, ele se tornou referéncia para geracées de praticantes de musculagio. No inicio do século XXI, a mulher magra foi mantida como ideal de beleza feminino, representado pela modelo brasileira Gisele Buindchen. Tam- bém houve grande destaque para a beleza sensual que passou a exigir das mulheres seios avantajados, quadril largo e pernas torneadas, além de um corpo malhado. As mesmas mulheres que antes evitavam qualquer tipo de po proteico por medo de engordar, passaram a consumir suplementos esporti- vos. Inspiradas em musas fitness, elas lotam as salas de musculacéo na busca por fisicos mais fortes e definidos. 23 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE E cada vez maior o numero de mulheres que procuram as academias de musculagéo em busca de um corpo mais forte e definido. Aos poucos vao sendo derrubados os tabus relacionados a feminilidade e ao treinamento com pesos. Este breve resumo sobre a historia dos padrées de beleza serve para mostrar como a ideologia do corpo perfeito muda de tempos em tempos. Nao é de hoje que vemos homens e mulheres tentando conquistar um pa- drao inatingivel. A diferenga é que hoje ganhamos o peso da obrigacao. O dever de ser belo é considerado absolutamente natural e acessivel a todos. Nunca se falou tanto em alimentagao e vida saudavel como nos dias atuais. Nunca soubemos tanto sobre nutri¢do, dietas e alimentos que “fazem mal” como hoje. Temos pilulas, sucos, comidas diet, light e zero, aplicativos digitais com dietas prontas, aparelhos e cosméticos para perder medidas, re- vistas especializadas em perda de peso, cosméticos, cirurgias plasticas, redu- Gao de est6mago e, ironicamente, nunca tivemos nuimeros tao expressivos de obesidade ao redor do mundo. Isso nos leva a pensar que, se por um lado é positiva uma oferta maior de informacGes a populacao, por outro lado corremos mais riscos de nos sub- metermos aos modismos e reprodugées que, na atual conjuntura, fazem par- te de tudo o que diz respeito ao corpo. 24 TRANSICAO NUTRICIONAL Durante milhdes de anos, o ser humano soube se alimentar, procuran- do intuitivamente os alimentos de forma adequada. Diversas linhas de pes- quisa argumentam que a prevaléncia de muitas doencas crénicas nas socie- dades modernas, entre elas a obesidade, a hipertensao, doencas coronarianas e diabetes, seria resultado da incompatibilidade entre padrdes dietéticos mo- dernos e 0 tipo de dieta que nossa espécie desenvolveu para se alimentar como cacadores-coletores pré-histéricos. Os aspectos alimentares influenciaram fortemente nossos ancestrais hominideos tanto no aspecto fisico como no social. A expansao do nosso cé- rebro (trés vezes maior que o esperado para outros primatas) provavelmente nao teria ocorrido se os hominideos nao tivessem adotado uma dieta rica em calorias e nutrientes. Até mesmo a locomogao sobre as duas pernas (bipeda- lismo) pode ter emergido - dentre outras hipdteses - como uma postura de alimenta¢ao, por ter permitido o acesso a alimentos que antes estavam fora de alcance. Sabe-se que o ultimo ancestral comum dos humanos e dos chim- panzés, nosso parente vivo mais préximo, era quadruipede. 25 AUTRICAO € INDIVIDUALIDADE Conforme a teoria evolutiva corrente, por volta de seis e sete milhdes de anos atras, viveu nas florestas africanas um antepassado do homem do tamanho de um chimpanzé, que passava a maior parte do tempo nas arvores, em busca de seu alimento mas eventualmente descia ao solo. A presenca de grandes molares e de pequenos caninos sugere que esses hominideos tinham uma dieta baseada em vegetais, mas podemos supor que insetos e pequenos vertebrados também fizessem parte de sua alimentacao. Apés alguns milhées de anos, o continente africano foi ficando mais 4rido, transformando as florestas em pastos e savanas, 0 que deixou os re- cursos alimentares distribufdos mais irregularmente. Com isso, observa-se o inicio da caca de animais selvagens, pois a disseminacao de pastos também resultou em um aumento na abundancia relativa de mamifferos, como o an- tilope e a gazela, iniciando a Era do homem coletor e cagador. No inicio, nos- sos antepassados tiveram grandes dificuldades, pois nao estavam adaptados a caca. Quando encontravam um animal doente ou jé morto, eles consumiam sua carne com voracidade. A ingestao de mais alimentos de origem animal foi uma forma de au- mentar a densidade cal6rica e nutricional, uma mudanca que parece ter sido critica na evolucao da raga humana. Nesse periodo, estima-se que em torno de 60% do total de calorias da dieta eram provenientes de alimentos fonte de proteinas. Um valor que pode assustar muitos profissionais da area de nu- tricéo. Mas, se uma ingestao acima das atuais diretrizes fosse tao prejudicial como muitos pregam, nés nao estariamos aqui para contar essa histéria. Os alimentos do homem cagador e coletor tiveram como base a carne, frutos e oleaginosas. Com o passar dos anos foram surgindo adaptagdes para facilitar a caca, pois as condicées em que a evolugéo humana se deu permiti- ram que o homem desenvolvesse sua inteligéncia para compensar seus des- vantajosos atributos fisicos. Pedras lascadas para compensar a falta de garras € presas; lancas para compensar a pouca velocidade; além de estratégias e emboscadas para compensar a falta de resist€ncia. A carne nos acompanhou 26 #60AHEAD grande parte desse tempo, seja da carcaga abatida por outros animais ou da carne de outros humanos, nica opcao para nao se morrer de fome. E fundamental lembrar que, nesse periodo, era frequente o homem passar um ou mais dias seguindo e cagando animais. Depois, ele levava a caca até sua caverna — provavelmente carregando a presa nas costas — a passos re- lativamente rapidos. Mesmo quando nao estava & procura de alimento, abri- go ou seguranca, o homem pré-histdrico era fisicamente ativo. Ele apreciava o exercicio porque era parte de sua vida social e cultural. Cerca de 1,8 milhdes de anos atrds, parte dos hominideos comecou a deixar a Africa, aventurando-se pelo mundo até entao desconhecido. Esse perfodo coincide com 0 inicio da utilizac¢ao do fogo para cozinhar os alimen- tos. A coc¢ao nao sé faz com que os vegetais fiquem mais macios e faceis de mastigar, como aumenta substancialmente o contetido energético disponi- vel, particularmente em tubérculos feculosos como a batata e a mandioca. Quando crus, as féculas nao séo imediatamente quebradas pelas enzimas do corpo humano, mas quando aquecidos, estes carboidratos complexos tor- nam-se mais digeriveis, liberando mais calorias. Com o inicio da agricultura, ha cerca de 10 mil anos, o homem agricul- tor passou a ter a seguranc¢a de saber que se cuidasse da sua planta¢do teria alimento para o ano inteiro. O cultivo de vegetais também permitia o sustento da familia sem a necessidade de grandes deslocamentos, a fixagdo e o susten- to de um nucleo populacional maior em menor drea. Mas isso nao tornou o homem exclusivamente vegetariano. A criacao de animais ficava concentrada nas terras menos propicias ao cultivo. A agricultura nao é uma atividade natural como muitos pensam; ela nao existiria sem a intervencéo humana. Se considerarmos que o homem moderno tem cerca de 150 mil anos e a agricultura apenas 10 mil, ela representa algo infimo diante dos 6-7 milhées de anos de todo nosso periodo evolutivo. Para facilitar nossa compreensdo temporal, se uma hora correspondesse ao periodo de existéncia do homem moderno, a agricultura 7 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE teria comegado apenas nos tltimos 4 minutos e 30 segundos. Como principal fonte de subsisténcia, apenas no ultimo 1 minuto e 30 segundos. No entanto, suas consequéncias tiveram um impacto gigante em nossa evolugdo. Com a agricultura e a domesticacao de animais, o homem deixou de ser némade. Isso permi- tiu a formacao das primeiras comunidades, como vilas, aldeias, tribos e cidades. Oaperfeicoamento das técnicas de colheita de alimentos alijou a maio- ria de nés de qualquer funcao cacadora, mas manteve em nosso inconsciente habitos carnivoros que foram incorporados em nossa cultura. Em vez de nos empanturrar em duas enormes refeicées bem distantes umas das outras, por que nao inventar um sistema em que a comida pudesse ser ingerida em pe- quenas porcées distribuidas ao longo do dia? Em vez de um longo intervalo para atender as duas refeicées principais, poderiamos ter direito a cinco ou seis breves paradas didrias no trabalho para nos alimentar. Esta forma de es- pacar a alimenta¢ao poderia ser feita sem qualquer prejuizo de rendimento, desde que as regras culturais fossem ajustadas. Comaagricultura, gradativamente, ocorreu umacréscimosubstancioso da oferta de carboidratos. Este aumento proporcionou alguns efeitos colaterais, tais como a obesidade, hipertensdo arterial, diabetes, doencas Psicossomaticas e a hipercolesterolemia - doencas inexistentes no homem 28 #G0AHEAD pré-histdrico ou entre qualquer outro mamifero terrestre nado domesticado. As tendéncias de transicéo nutricional ocorridas principalmente no século passado em diferentes regi6es do mundo também convergem para uma dieta mais rica em gorduras (particularmente as de origem animal), aguicares e alimentos processados; ao mesmo tempo em que esta dieta foi (infelizmente) reduzida em fibras, carboidratos complexos e alimentos funcionais. O fato é que, quando nos sentamos a mesa, existe em nosso subcons- ciente um peso de aproximadamente 3,6 milhdes de anos de evolucao e luta pela vida na Terra. S6 que para uma parcela privilegiada da populagdo néo existe mais escassez de alimentos. Temos que controlar a ago dos nossos genes que insistem em nos fazer comer até ficarmos totalmente saciados e armazenar energia quase ilimitadamente, além de tirar um bom cochilo apés a refeicao. Existem ainda evidéncias crescentes de que a fisiologia humana é configurada de forma mais eficiente para lidar com a minimizacao de poten- ciais consequéncias negativas da baixa ingestao calérica (fome) do que com as consequéncias negativas do excesso de calorias. Se nosso organismo néo mudou muito desde os tempos pré-hist6- ricos, em termos de dieta e exercicio, a evolugéo ndo acompanhou nosso moderno estilo de vida. Nao é preciso ser um especialista em nutricdo para perceber que a nossa alimentagao piorou muito. Comidas praticas, saborosas, riquissimas em carboidratos e com teores elevados de aditivos quimicos, to- mam conta das prateleiras dos supermercados, enquanto alimentos integrais ou organicos ficam escondidos nos cantos das géndolas ou séo muito mais caros. Em contrapartida, a demanda energética da vida moderna caiu drasti- camente pelo estilo de vida mais sedentario. Estima-se que o gasto energé- tico total do homem moderno sedentario seja o equivalente a 68% do gasto energético total do homem na idade da pedra. Até mesmo nossos avos gasta- vam entre 300 e 400 calorias a mais que nds. Nao precisamos nos movimentar tanto quando ha esteiras e escadas rolantes, carros, avides e supermercados, sem falar nas facilidades advindas com a internet e o telefone celular. 29 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE ahh hh © excesso de comidas industrializadas e 0 sedentarismo so apontados como os culpados dessa mudanca na evolugéo humana. O mecanismo evolucionista que selecionou pessoas capazes de acumular gordura, decisao inteligente no passado, hoje se volta contra elas. Muitos paises tém atualmente mais de 20% de sua populagdo na condicéo de clinicamente obesa e mais da metade da populacao acima do peso. Nosso corpo precisa de exercicio e de uma boa alimentacao para per- manecer saudével e prevenir doencas. Evoluimos para nos movimentar, mas a modernidade nos condicionou a ficar parados. Somos vitimas do nosso pré- prio sucesso evolutivo, desenvolvendo uma dieta calérica concentrada, mas minimizando a quantidade de energia de manutencdo despendida em ativi- dade fisica. O exercicio e uma étima nutri 10 devem ser incorporados a vida cotidiana para que pare¢am completamente naturais, pois é isso que eles sao. Outro problema é o crescente aumento da populacdo. A necessida- de de desenvolver técnicas para melhorar a produtividade de alimentos foi necessaria para dar conta da demanda e interferiu diretamente nos teores nutricionais. Verduras e legumes repletos de agrotdxicos, o amplo uso de an- tibidticos na criacdo de gado, aves e peixes, s6 para citar exemplos comuns de técnicas nocivas a sade utilizadas para garantir e/ou aumentar a produtivi- dade. Agricultores ja me relataram que nao tém coragem de comer sua pré- pria producao por saber do volume de veneno utilizado no cultivo. Tomate & rico em licopeno, um poderoso antioxidante? Sim, mas seré que com todas essas técnicas inovadoras para melhorar a desenvolvimento das sementes en- contraremos no tomate a quantidade de licopeno esperada? 0 trigo, um dos 30 #60AHEAD simbolos da agricultura, atualmente é muito menor do que o trigo de dois mil anos atras. Sera que essas modificacdes em sua estrutura nado o tornaram menos nutritivo? Outro ponto que devemos considerar é 0 aspecto cultural. Sao as con- vengoes soci is que decidem o que é alimento, quem pode comer o que e quando. Podemos esperar uma relagéo mais ou menos intima entre os tipos de alimentos conhecidos e aceitos por uma populacao e o género de estrutu- ragao social da comunidade. Ao comer estamos reagindo a determinadas mo- tivacées internas, isto é, as contragdes de fome que decorrem da reducdo da taxa de acticar na composicao sanguinea. Em outro nivel, porém, a sua reagéo nao pode ser entendida apenas com recurso aos conhecimentos fisiolégicos. O fato de um individuo sentir fome pela manha, ao meio-dia, no meio da tarde ea noite, é um enquadramento cultural assim como é grande parte da quantidade de alimentos que é ingerida. A fome de um trabalhador rural nao é idéntica ao apetite de um empresario; nem a disposi¢ao do brasileiro a mesa coincide com a do americano. Também nao se pode comer e beber de uma maneira qualquer. Ha alimentos para cada ocasiao e alimentos proibidos a determinadas religides. Encontramos quantidades estabelecidas para cada tipo de pessoa ou para cada sexo. Existem maneiras especiais de prepard-los, de servi-los e de comé-los. Certos assuntos podem ser mencionados duran- te uma refeicdo, outros sdo tabus e muitas vezes se exige silencio. H4 povos que usam mesas € povos que nao as conhecem. Ha grupos de individuos que usam talheres e outros que comem com as maos. Como animais, fazemos par- te da natureza, mas como seres humanos nés somos parte da cultura. Nossa sobrevivéncia, como animais e homens, depende da ingestdo de alimentos que pertencem a natureza, mas também ao dominio da cultura. 31 0 CORPO POSSIVEL Feita essa digressao, vamos voltar ao ponto central deste livro. A ali- mentacao tem obtido enorme espaco midiatico nas Ultimas duas décadas. Os guias de cozinha e os livros de dieta invadem as prateleiras das livrarias e as pa- ginas da Internet. Jamais a ciéncia da nutri¢ao foi tao comentada, investigada, Posta em cena pela midia. Mais do que uma valorizacdo do poder nutritivo dos alimentos ou do bem-estar que eles podem trazer, ha um enorme destaque, até mesmo obsessivo, na conquista do corpo ideal, magro e sem gordura. Muitas pessoas hoje treinam e fazem dieta com a desculpa de querer melhorar a satide. Quando eu digo desculpa é porque boa parte dessas pes- soas parece estar disposta a tudo, até mesmo a prejudicar sua satide, para transformar seus corpos e se encaixar em um determinado padrao de beleza. Se vocé pudesse comer qualquer coisa sem a preocupacao de engor- dar, certamente comeria mais e pior. Trocaria as verduras e carnes magras por alimentos sem valor nutritivo, como pizzas, lanches gordurosos e doces; abandonaria os treinos regulares e passaria mais tempo em frente ao compu- 33 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE tador ou no bar com os amigos. Seria uma pessoa magra e feliz até comecar a sentir as consequéncias deste estilo de vida. A alimentacao pode parecer algo trivial, mas diz muito sobre quem fomos, quem somos e 0 que queremos ser. Alimentagao é a chave. Se vocé negligenciar a alimentacao, tudo estard perdido. Como tentei mostrar no ca- pitulo anterior, o ser humano jé sentiu muito prazer se alimentando de for- ma instintiva. O maior problema é que o conceito de alimentacao saudavel da atualidade faz parte de uma industria cultural altamente lucrativa, enganosa quimérica. Nos tiltimos anos, foram criadas muitas cartilhas impondo regras quase dogmaticas do que deve ser uma boa alimentacdo, além das chamadas teorias condenatérias. Estamos habituados a uma alimentacao muito saborosa — muito mais saborosa que a da natureza — e 0 nosso paladar é constantemente estimu- lado, desencadeando uma resposta alimentar exagerada. Dai resulta, muitas vezes, um aumento de peso pouco saudavel. Para remediar este perigo os obesos sao aconselhados a comer isso e aquilo, a evitar determinados nu- trientes ou a experimentar todos os géneros de combinacées. Infelizmente, s6 existe uma receita adequada: comer melhor e em menor quantidade. Essa medida funciona as mil maravilhas, mas como o paladar da pessoa continua a receber os mais variados estimulos, poucos conseguem seguir uma dieta mais equilibrada durante muito tempo. Quem busca resultados imediatos, em regimes de 12 semanas, pode até conseguir algum sucesso, mas dificil- mente conseguiré manté-los. A manutencao é a parte mais dificil de qualquer programa de mudanga da composi¢ao corporal. Sem uma mudanca definiti- va em seu estilo de vida, todo e qualquer sacrificio produzira resultados mo- mentaneos. E 0 que acontece com quem emagrece tomando remédios ou se privando de muitos alimentos por um determinado tempo. Na maioria das vezes, para o mesmo objetivo, pessoas diferentes per- correm caminhos diferentes. Parece dbvio, nio? Mas poucos tem levado isso a sério. De um modo geral, as pessoas perdem tempo copiando estratégias 34 #GOQAHEAD utilizadas por artistas, modelos e atletas; acreditam piamente que se fizerem a mesma dieta e o mesmo treino, terdo exatamente os mesmos resultados, e ainda seguem dietas publicadas em revistas de grande circulacgdo. Quer ser exatamente igual 4 determinada pessoa? Impossivell A individualidade bio- légica é implacavel. Ha pouco mais de 10 anos, os pacientes me diziai juero ficar com © corpo daquela pessoa que treina no meu hordrio. Hoje, como se eu fosse o génio da lampada, eles me pedem para ajuda-los a ter um fisico igual ao das pessoas que seguem nas redes sociais. S6 que muitas vezes nada daquilo que veem é real. E nem estou falando de photoshop, mas da iluminagao, bron- zeamento, posi¢ao, uso de filtros e de algumas estratégias de desidratacdo utilizadas antes de um ensaio fotografico. Costumo orientar meus pacientes a se basearem no mundo real, nao no virtual e, principalmente, a terem como pardmetro a imagem que veem no espelho. Temos que nos superar a cada dia, mas dentro dos limites da nossa fisiologia e satide. Por onde comecar? O primeiro passo é a adequacao da dieta com as suas caracteristicas e necessidades individuais. E de fundamental importancia entender que cada organismo é€ Unico e funciona de uma forma particular. O seu biétipo influen- cia sobremaneira na forma como vocé vai responder a dieta e aos exercicios, mas outros fatores podem ser tao ou mais importantes. Quem criou a teoria mais conhecida de classificacao corporal foi o psi- célogo americano, William Herbert Sheldon, na década de 1940. Ele dividiu a estrutura fisica do ser humano em trés tipos diferentes: Endomorto (adiposi- dade), Mesomorfo (muscularidade) e Ectomorfo (magreza). Sheldon consta- tou ainda que nao existe um tipo de corpo “puro’, ou seja, apesar das caracte- risticas identificadas na pesquisa serem predominantes, cada pessoa pode ter simultaneamente os trés somatétipos em diferentes graus. 35 AUTRICAO € INDIVIDUALIDADE Um fato curioso é que, inicialmente, o trabalho do Sheldon nao tinha nada a ver com dieta e treinamento. Ele queria provar a existéncia de uma relacdo entre a estrutura fisica e o temperamento do individuo. Na €poca, a antropometria e as ideias da antropologia criminal eram usadas por diversas ciéncias. O viés eugénico da pesquisa de Sheldon ~ a crenca na superioridade fisica e psiquica de uns tipos sobre os outros - nunca foi admitido abertamen- te, mas na época deu o que falar. Apés a segunda guerra mundial, todas as Pesquisas relacionadas ao estudo da relaco entre o corpo e o comportamen- to foram desestimuladas, combatidas e vetadas, mas a pesquisa de Sheldon serviu de base para estudos posteriores e, ainda hoje, é objeto de pesquisa pela sua importancia na classificacao das varidveis corporais. Hoje sabemos que é possivel transformar uma crianca muito magra em um forte atleta no futuro, mas seu sucesso muito dependera da sua he- ranga genética, alimentacao, treinamento e de outros fatores externos. Em um processo de mudanga corporal, seja qual for o objetivo, a base dietética é& quase sempre a mesma, variando de acordo com caracteristicas metabdlicas individuais, gasto energético com atividades basicas do cotidiano e com o tipo, duracao ou intensidade do exercicio. Nao é porque alguém tem dificul- dade para ganhar “peso” (na forma de massa muscular) que vai se preocu- Par apenas com a quantidade de calorias ingeridas, almocando batatas-fritas e adocando suas bebidas com acticares. Da mesma forma que 0 obeso nao deve evitar alimentos nutritivos avaliando apenas seu valor calérico. Individuos obesos [caracteristicas endomarficas| Quando iniciamos o trabalho com alguém que esta com sobrepeso ou obesidade nao podemos nos preocupar exclusivamente com a balanca. E deste pensamento errado que vém as inimeras propostas de regimes que fa- zem as pessoas perderem tempo e satide. Reduzir 0 peso corporal na balanca 36 #60AHEAD € muito facil. Basta ingerir menos calorias do que se gasta. Por isso, as dietas baseadas exclusivamente na contagem de calorias, em que é possivel substi- tuir peito de frango por chocolate, desde que tenham o mesmo valor calérico, fazem tanto sucesso. Da mesma forma é possivel perder peso ao substituir © almoco e o jantar por shakes de baixas calorias, Um dos problemas destas dietas é que junto com a gordura corporal a massa muscular também sera sacrificada e nao serd pouca, Sem contar a falta de reeducacao alimentar que nao traré nenhum beneficio no longo prazo. Independentemente da quantidade de tecido gorduroso a ser elimi- nado deve-se poupar a massa magra desde o inicio do trabalho. Nao importa se a pessoa precisa perder 10 kg ou 100 kg de gordura, a manutencdo da massa magra é fundamental para um bom funcionamento metabdlico. Ainda mais se considerarmos que a maior parte das pessoas obesas apresenta um metabolismo mais lento por alguns fatores que discutiremos mais adiante. Além da natural perda de musculos, um trabalho que nao preserva a massa magra também levara a uma perda grande de coldgeno e demais proteinas estruturais, piorando muito a qualidade da pele. A pessoa acaba com 0 pro- blema do excesso de gordura, mas perde o tonus muscular e pode ter outras Possiveis deficiéncias, como um sistema imunoldgico debilitado e caréncias vitaminicas. E muito comum observarmos estes aspectos em obesos que re- alizaram cirurgia baridtrica ou que emagreceram sem fazer atividade fisica. Além da sensacao de nao ter completado 0 ciclo de emagrecimento eo cons- trangimento com o novo corpo, algumas pessoas podem desenvolver proble- mas que vao além dos estéticos, como disturbios psicolégicos. Para perder gordura corporal mantendo a massa muscular, além da correta distribuicao dos nutrientes, principalmente no que diz respeito a in- gestao de proteinas em todas as refeicées do dia, é fundamental a presenca do treinamento com pesos, mesmo se tratando de um obeso com grande quantidade de gordura para ser eliminada. A recomendagao dos treinadores experientes é sempre adequar a musculacéo com uma atividade aerébica. 37 NUTRICAO INDIVIDUALIDADE Um erro comum é observarmos obesos realizando incontaveis horas de ca- minhadas na esteira sem praticar musculacdo. Como veremos adiante, exis- tem alguns suplementos alimentares que podem contribuir para evitar uma grande perda de massa muscular, quando ingeridos antes, durante e/ou apés o exercicio. Se vocé esta acima do peso e acha que vai emagrecer apenas com atividades aerdbicas e restricao alimentar severa é hora de rever esse conceito, Individuo magro (coracteristicas ectomérficas) Eo conhecido magro de ruim. Tem uma grande dificuldade para ga- nhar massa muscular pelo seu metabolismo acelerado. Come muito e nao costuma ganhar peso. Sem duivida, essas pessoas precisam de um grande aporte calérico para conseguir resultados significativos quanto ao ganho de massa muscular, mas essa ingestao caldrica deve ser com qualidade para evi- taro ganho de gordura no processo. No passado, quando nao havia tanto co- nhecimento a respeito de nutrigdo, era comum um ganho de massa muscular com 0 actimulo de gordura corporal. $6 depois de um expressivo aumento de peso é que se iniciava 0 processo de definicdo muscular. Hoje jé temos co- nhecimento suficiente para conseguir um resultado significativo de ganho de massa muscular sem aumentar os depésitos de gordura subcutanea. Individuo com um bidtipo favordvel [caracteristicas mesomérficas) Sao aqueles que nao precisam de grandes sacrificios para alcangar seus objetivos. Quando comecam um treinamento e uma dieta bem orien- tados, conseguem resultados surpreendentes. Assim como € no futebol, bas- quete e demais esportes, na musculacdo também existe o fator genético, ou seja, algumas pessoas jd largam na frente dos demais. A grande caracteristica 38 #G0AHEAD dos individuos com tragos mesomérficos predominantes é a facilidade em ganhar massa muscular e reduzir os depdsitos de gordura ao mesmo tempo. 39 ONDE FOI QUE EU ERREI? Uma das principais caracteristicas que diferem o ser humano das de- mais espécies do reino animal é a capacidade de elaborar estratégias para tor- nar seu cotidiano mais facil. S6 que no caso da busca por uma mudanga corpo- ral, esta habilidade muitas vezes pode atrapalhar. Temos limitacgées fisiolgicas e genéticas que impedem 0 tao sonhado milagre de se tornar realidade. Basta pensar que a maioria das pessoas que procuram um nutricionis- ta ja tentaram varias estratégias para atingir seus objetivos. A pessoa entra no consultério convencida de que jd sabe tudo sobre treino e dieta. Um conhe- cimento desordenado, pois quase sempre ele é transmitido ou interpretado de forma errada. O resultado é que tenho que usar boa parte da primeira con- sulta s6 para desconstruir mitos e crengas acumulados em meses ou anos de consultoria com o Google. A partir dessa experiéncia, posso listar os erros mais comuns que as pessoas cometem quando iniciam um processo de mudanca corporal. 41 NUTRICAD € INDIVIDUALIDADE Nao respeitar o trabalho em equipe Em qualquer processo de mudanga corporal, a primeira medida a ser tomada é introduzir e/ou ajustar sua atividade fisica. Isso significa procurar um bom treinador e um local apropriado para a pratica do exercicio. E sempre mais dificil elaborar uma dieta adequada ao objetivo quando o paciente pro- cura 0 nutricionista antes de ter iniciado uma rotina de treinamento. A dieta deve se adaptar ao treino, nao 0 contrario. Quando a pessoa chega ao consultério com uma programacao de exercicios, podemos elaborar uma dieta que, de fato, atenda as demandas nutri- clonais exigidas no treinamento, Por isso, na hierarquia de uma equipe multipro- fissional esportiva, o treinador sera sempre o chefe. E ele quem vai passar a maior parte do tempo com o aluno ou atleta e serd o responsdvel por manté-lo focado na busca pelos objetivos propostos. Durante a avaliacao, o nutricionista ainda podera observar a neces- sidade de encaminhar o paciente para um médico endocrinologista, se ele apresentar disfuncdes hormonais que dificultam a perda ou o ganho de peso: alterages na tireoide, resist€ncia grave a insulina, sindrome de ovarios po- licisticos, baixos niveis de testosterona, por exemplo. Também pode ser re- comendado 0 acompanhamento de um psicdlogo ou psiquiatra, quando o paciente apresentar compulsao alimentar e transtornos dismérficos. Em se tratando de um atleta, a presenca de um médico do esporte sera sempre necesséria, visando cuidar dos aspectos gerais da satide e da prevencao de lesées. O importante é que cada profissional use seus conhecimentos respei- tando sua drea de atuacao para beneficiar a estrela principal da equipe que & o paciente. 42 #GOAHEAD “Pedro, 35 anos, decidiu emagrecer e levar uma vida mais sauddvel. O primeiro passo foi se matricular em uma academia. Fez uma 6tima avaliagdo fisica com um treinador experiente. Na sequéncia, ele foi muito bem orientado a seguir um programa de treinamento individualizado de acordo com suas necessidades e aptidoes fisicas. Pedro aprendeu técnicas adequadas de treinamento ea trabalhar sua consciéncia corporal desde o primeiro dia. Paralelo a isso, ele - por conta prépria - reduziu o consumo de alimentos inadequados, como acucares, alimentos processados, excesso de s6dio e frituras. Apés algumas semanas, quando Pedro jd tinha se adaptado 4 rotina de treinamento e mudado seu estilo de vida, decidiu agendar um hordrio com um nutricionista. Organizando sua alimentagdo de acordo com a rotina de exercicios, Pedro - que jd estava tendo bons resultados - passou a potencializd-los apés @ consulta. Na segunda consulta, por meio da andlise de exames bioquimicos, 0 nutricionista observou que Pedro estava com baixissimos niveis de testosterona, influenciando inclusive na sua disposicdo para o dia a dia e na libido sexual. Diante desse quadro, Pedro foi orientado a procurar um endocrinologista para adequacdo dessa questéo hormonal. Com a intervengdo médica, Pedro passou ater mais disposicdo e melhorou ainda mais seus resultados. Enfim, tudo na hora certa, de acordo com a necessidade. Simples, nao? Pois é... era para ser!” 43 AUTRICAG € INDIVIDUALIDADE “Sabrina, 25 anos, decidiu emagrecer e levar uma vida mais saudd- vel. Comecou a seguir varias blogueiras fitness e passou a fazer uma dieta - extremamente restritiva - que sua musa digital dizia fazer. Também passou a tomar todos os suplementos que a blogueira recomendava, sem se dar conta de que os posts eram patrocinados. Apés ouvir muitas orientacées sobre a importancia de um acompanhamento médico, buscou profissio~ nais com 0 maior numero de seguidores nas redes sociais e marcou uma consulta. Sabrina, que estava com seus exames bioquimicos perfeitos, saiu do consultério com receitas de esteroides, moduladores do apetite e outros medicamentos que prometiam melhorar seu fisico. No inicio, foi tudo uma maravilha. Em pouco tempo ela percebeu a diminuicdo da gordura corpo- ral e um considerdvel aumento no tamanho dos musculos, na forca fisica ena resisténcia. $6 que apés alguns meses Sabrina notou efeitos que nao esperava, como 0 aumento nos pelos do corpo e rosto, acne, queda de ca- belo, engrossamento da voz, aumento do clitoris, irregularidade nos ciclos menstruais e alteragées comportamentais. Assustada, ela decidiu agendar um horério com um endocrinologista responsdvel para entender o que es- tava acontecendo. O médico identificou varias alteracées em seus exames e comecou um trabalho para ajustar todas as disfungées ocasionadas pelo uso de medicamentos. No fim da consulta, 0 médico encaminhou Sabrina para um nutricionista que teve a missdo de equilibrar seu metabolismo por meio de uma alimentacdo individualizada. Como Sabrina sempre seguiu 05 treinos das blogueiras fitness, ela também foi orientada a procurar um treinador do mundo real para adequar o treinamento aos seus objetivos. O proceso foi lento, mas Sabrina consequiu ter os resultados que tanto que- ria, Tudo isso depois de colocar em risco sua satide e pagar o preco pelo imediatismo, Complicado, ndo? Pois é... ndo era para ser!” 44 #GOAHEAD Se iludir com o que vé nas redes sociais Como ja mencionado, ha pouco mais de uma década, meus pacientes se inspiravam em pessoas reais que frequentavam a mesma academia que eles. Hoje, o paciente chega ao consultorio, tira o celular do bolso, me mos- tra a foto de uma modelo fitness ou blogueira famosa e diz: “Eu quero ficar exatamente assim!” Muitas vezes fico sem reacao, pois s6 Deus conseguiria tamanho milagre. Como o processo de constru¢ao de um fisico atlético ainda € novidade para a maioria das pessoas, muita gente realmente acredita que pode ter 0 mesmo corpo e/ou mesmo rendimento de seus {dolos. E como se alguém que joga futebol com os amigos no fim de semana, procurasse um treinador pedindo para aprender a jogar igual o Neymar ou 0 Messi. Foco, fé e forca de vontade ajudam, mas nao sao suficientes. Para ser igual a alguém vocé precisa ter tempo, dinheiro, paciéncia e principalmente, a mesma genética dele, ou seja, impossivel. Quando a pessoa insiste que nunca sera feliz com o préprio corpo, mesmo tendo alcangado sua melhor condi- Gao fisica, 6 hora de buscar ajuda psicolégica. Procuro sempre orientar meus pacientes a encontrar seus préprios limites e a comemorar cada conquista. Vejo muitas pessoas frustradas por nao conseguirem atingir o tao sonhado abdémen definido, quando na verdade deveriam estar felizes por terem con- seguido reverter um processo de sobrepeso ou obesidade. Colocar toda esperanca em suplementos Quando comecei a treinar musculacao, no inicio dos anos 90, buscava informagGes com atletas mais experientes e revistas da area. Gastava todo dinheiro que conseguia economizar comprando suplementos. Os mais cobi- cados eram aqueles com as palavras anabolic, gh, testo, monster, termogenic, hardocore, animal, no rétulo. A indicagao “nao exceder a dosagem recomen- dada” tornava o produto ainda mais atraente, pois a gente acreditava que so 45 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE ‘0s mais potentes nos trariam a tao sonhada definicéo muscular. O que eu ga- nhei com isso? Nada. $6 perdi tempo e dinheiro. Mais de 20 anos se passaram e pouca coisa mudou. Vejo os mesmos er- ros sendo cometidos repetidamente pela maioria das pessoas e nao sé pelas mais jovens. Hoje, temos um acesso gigantesco a informacao, mas as pessoas insistem em procuré-la nos lugares errados. Muitas industrias de suplemen- tagao ainda se valem de uma linguagem visual agressiva e impactante com o objetivo de destacar os produtos nos pontos de venda e adequar a comunica- 40 ao ptiblico-alvo: itletas profissionais e praticantes de exercicio fisico. Até mesmo o tamanho dos comprimidos de alguns produtos é cuidadosamente Pensado, pois na concepcao do consumidor imediatista, quanto maior o com- primido, mais potente seré o suplemento. Seja vocé um consumidor ou profissional da area de satide, nunca se baseie pelo nome ou pelo marketing do produto. Analise sua composicao € qualidade. Muitas vezes o produto de embalagem simples, que néo é um campeao de vendas, foi produzido por uma indtistria que focou seus investi- mentos no padrao de qualidade das matérias-primas e na equipe de desen- volvimento, Vejo muitas empresas gastando fortunas com propaganda, mas deixando de lado o mais importante: o investimento no desenvolvimento de produtos. Nenhum suplemento alimentar age sozinho. Para determinar qual su- plemento e quanto cada pessoa vai tomar é fundamental saber se ela precisa complementar algum nutriente que falta na alimentacao, se a atividade que desempenha envolve forca e qual o tempo ea intensidade do exercicio. 46 #60AHEAD Confundir um alimento dito saudavel Tapioca nao tem gluten, entao eu posso comé-la, certo? Depende. Vocé ¢ intolerante a esta proteina? Se nao for, nao hd neces- sidade de uma restri¢ao completa do gltiten na sua dieta. Um cuidado com a tapioca que poucos tomam é que esse alimento fonte de carboidrato possui uma rapida velocidade de absorcio. Pode ser uma boa op¢ao para ser usada antes ou depois do treinamento, principalmente em dietas hipercaléricas, mas nao é a melhor das opsées para ser utilizada nos demais momentos do dia. Suco de laranja é fonte de vitamina C. Entao posso tomar avontade? Depende. Vocé realmente precisa de uma ingestdo elevada de carboi- dratos no momento em que esté tomando este suco? E logo apds uma sessao intensa de exercicios ou quando vocé esta em repouso? Um suco concentra- do de laranja tem grande quantidade de carboidratos e, em excesso, nao éa melhor escolha. Troqueio rodizio de pizzas pelo de comida japonesa. Fizbem? Depende. Além de evitar as frituras, vocé esta moderando 0 consumo de shoyo (sédio), arroz e outras preparacées da culinaria japonesa acrescidas de acuicar? Se vocé come tudo o que oferecem em um rodizio de comida ja- ponesa, trocou seis por meia dizia. io, certo? Depende. Se vocé pedalou por duas ou trés horas intensamente, pode até ser, mas se vocé fez apenas uma musculacao leve por 30 minutos, com 47 NUTRICAG € INDIVIDUALIDADE interrup¢ées durante o treino para bate-papos ou uso do smartphone, certa- mente essa “bomba calérica” nao seré adequada. Agua de coco é natural, entao eu posso tomar a vontade? Depende. A agua de coco é um étimo repositor hidroeletrolitico, pois contém sais minerais, mas tem carboidratos. E uma boa opco para, por exem- plo, compor seu shake de proteinas pés-exercicio, quando necessario. Posso tomar suco de uva integral no café da manhé, al- mog¢o e jantar? Depende. Se avaliarmos os teores de resveratrol, potente antioxidan- te, sim. Mas se considerarmos a quantidade de carboidratos presente em um copo de suco de uva integral, seria uma boa opcao apenas para pessoas com grande gasto energético. As frutas tém poucas calorias e podem ser consumidas a vontade? Depende. Cada fruta possui sua composicao caracteristica. Um abaca- te é muito diferente de uma banana. E para complicar ainda mais, 0 processo de amadurecimento também muda a composicao nutricional da fruta. Quanto mais madura, maior a presenca de carboidratos simples e consequentemente, maior sua velocidade de absor¢do. Algumas frutas, como melancia e abacaxi, Por exemplo, sao dtimas apds um exercicio intenso para repor os estoques de glicogénio (nossa reserva de carboidratos). Outras, como maga, pera, ameixa, péssego, goiaba e melao sao excelentes para compor refeicées intermediarias, Abacate é uma excelente fonte de gorduras monoinsaturadas, podendo ser um santo remédio se utilizado em quantidades adequadas ou um veneno se 48 #G0AHEAD usado em preparagGes acucaradas, pois tem um elevado teor caldrico. As vésperas de uma competicao de fisiculturismo é comum o atleta tirar as frutas da alimentacao e vejo muitas pessoas, que nao sao atletas, faze- rem o mesmo. O atleta faz esta restricéo em uma fase especifica, quando ge- ralmente a ingestdo de carboidratos é muito baixa. Neste caso, a preferéncia € por alimentos que proporcionem maior fornecimento gradual de energia, como batata doce e arroz integral. No decorrer do livro, vamos apresentar ou- tras estratégias usadas por atletas de fisiculturismo que, erroneamente, pes- soas comuns tentam copiar para terem resultados mais rapidos. Barras de cereais e iogurtes sem gordura ajudam a emagrecer? Depende. Grande parte dos iogurtes sem gordura apresenta adi¢ao de acucar para melhorar o sabor. O produto que tem a palavra “zero” no rétulo nao necessariamente sera saudavel. Pode ser isento em gordura, mas nao de acucar ou 0 contrario, ser zero acucar e ter muita gordura. Quanto as barras de cereais, as mais vendidas quase sempre possuem chocolate, mel ou agticar em sua composi¢do. Novamente, é necessdria uma minuciosa observacao na lista dos ingredientes antes de consumir qualquer produto. Usar peito de peru nos meus lanches é uma boa ideia? Depende. Se vocé usa salame ou mortadela, a substituicao pelo peito de peru sera uma boa alternativa. Mas se vocé busca uma melhora signifi- cativa em sua alimentacao, este embutido repleto de sédio e conservantes cancerigenos, nao deve ser utilizado. Pasta de amendoim pode ser usada em qualquer dieta? Depende. Um grande erro é comer tapioca recheada de pasta de amendoim sem ter um gasto energético apropriado. Este alimento apresenta 49 NUTRICAG € INDIVIDUALIDADE uma grande densidade caldrica, étimos niveis de gorduras monoinsaturadas, mas assim como 0 azeite de oliva extravirgem e o abacate, devem ser utiliza- dos com moderacao. Tenho pacientes que comem grandes quantidades de pasta de amendoim sem acucar, mas apresentam um grande gasto energéti- co, com mais de duas horas ininterruptas de exercicios didrios. Se alimentar direito apenas no hordrio do treino Nao é dificil encontrar pessoas que usam o que existe de mais avanca- do no mercado de suplementagdo alimentar, nos momentos antes, durante e p6s-treinamento, mas que nao mantém uma boa nutricéo nas demais refei- g6es. Sempre ressaltamos que, antes de se preocupar com a suplementacao alimentar, deve-se garantir a adequacdo de todas as refeicées didrias. Misturar © pd com agua e tomar apés o exercicio é muito facil. Dificil é se programar para manter sua alimentacao adequada o dia todo, independentemente do local onde vocé esteja. Usar drogas para mudar 0 composicéio corporal De uma vez por todas, acreditem: nenhuma droga, sozinha, produzi- 4 0 fisico dos seus sonhos. Além dos intimeros efeitos danosos a satide que podem levar o individuo a morte por abuso ou propensio, ndo podemos nos esquecer da mem ‘ja metabdlica. Para toda acao ha uma reacao. Neste caso, © preco a pagar pelo curto periodo de gléria com um fisico bonito é um me- tabolismo debilitado para o resto da vida que na grande maioria das vezes, resultard em grande actimulo de gordura corporal no futuro. Além disso, garanto que é impossivel manter um fisico conquistado com 0 auxilio de doses suprafisiolégicas de testosterona apés a retirada da medicagao. Grande parte do ganho de massa muscular sera perdida assim que os niveis hormonais retornarem ao normal. Com a suspensao do uso das 50 #60AHEAD drogas os niveis de testosterona podem ficar ainda mais baixos do que antes da administragao exdgena. Por isso, as chances do individuo retomar 0 uso sao muito grandes. Para manter 0 fisico desejado, ele vai continuar com as medica- ¢6es por muitos anos até o dia em que terd sérios problemas de saude. A testosterona é 0 principal horménio sexual masculino. Produzido, principalmente nos test{culos, que controla o desenvolvimento das caracte- risticas sexuais do homem e as funcées de reproducao do seu corpo. Este hor- ménio esta diretamente ligado ao crescimento das massas muscular e éssea. Baixos niveis de testosterona levam a alteracées fisicas e comportamentais: diminuicgéo da massa muscular e da forca fisica, acumulo de gordura, cansaco, depressao e piora da funcao sexual sao sintomaticos. £ mais comum encon- trar baixos niveis de testosterona em pessoas com mais de 40 anos de idade e nos casos de hipogonadismo primario ou secundario. Nestas situagées o acompanhamento médico para uma adequada reposi¢do hormonal é reco- mendado, mas sempre com um profissional experiente e responsdvel que avalie cuidadosamente todas as caracteristicas do paciente. Muito diferente do uso indiscriminado que encontramos no “mundo fitness". Nas mulheres, a testosterona é produzida nos ovarios, mas em quan- tidade muito inferior em relacdo aos homens. Como a testosterona também estimula o aumento da massa muscular, algumas mulheres usam esse horm6- nio para obter resultados rapidos. Infelizmente, no médio prazo, os resultados so desastrosos. Vejo meninas muito jovens, com 20, 25 anos abusando de es- teroides para conquistar o corpo dos sonhos, sem nenhum acompanhamento médico ou sendo acompanhadas por profissionais que prescrevem medica- mentos para resultados estéticos imediatos. Nido se preocupar com o acOmulo de gordura corporal No passado era comum uma ingestao excessiva de alimentos para au- mentar a massa muscular. A matematica era simples: quer ganhar musculos, 51 NUTRICAG € INDIVIDUALIDADE entdo coma muito. Em parte, esse principio esta correto, pois realmente é possivel ganhar massa muscular com a associaco de um treinamento inten- 0 e uma alimentacdo hipercalorica. O problema é que essa estratégia resulta em um considerdvel ganho de gordura corporal em conjunto, exceto se o in- dividuo tiver um metabolismo extremamente acelerado. Nos anos 80 e inicio dos anos 90, os suplementos hipercaléricos eram ‘os mais populares. Hoje em dia, por existir um maior conhecimento sobre nutrigdo, sabe-se que é totalmente possivel conseguir um ganho de massa muscular sem o actimulo de gordura corporal ea popularidade dos hipercalé- ricos tm caido muito. Com algumas estratégias que discutiremos mais adian- te neste livro é possivel trabalhar os dois aspectos em conjunto, adquirindo massa muscular com qualidade. Priorizar a atividade aerdbica Nos Ultimos anos, houve um aumento no numero de pessoas que pra- ticam atividade fisica no Brasil, e, em contrapartida, os indices de sobrepeso/ obesidade também aumentaram. A progressiva piora da alimentacao da nos- sa populacao foi o grande determinante, mas o consenso de que atividade aerébica é primordial para mudar a composi¢&o corporal também atrapalha muito. Sem duivida, para reducao da gordura corporal mantendo a massa ma- gra, a musculacao é a melhor atividade. Complementd-la com atividade aeré- bica é uma excelente ideia, mas longe das interminaveis sessées de caminha- das, corridas ou pedaladas que observamos as pessoas fazerem. Quando o objetivo é melhorar a performance, como no caso de um maratonista, triatle- ta ou adepto de outra modalidade de endurance, tudo bem. Mas se vocé faz uma hora por dia de caminhada pensando que com isso vai reduzir gordura corporal, dé meia volta e procure uma sala de musculacao. Aintensidade, duracao e necessidade da atividade aerdbica devem ser muito bem definidas pelo treinador e informadas ao nutricionista. Tanto nas 52 #60AHEAD fases de ganho de massa muscular quanto nas fases de reducdo da gordura corporal, é primordial este entrosamento. O mais importante é conhecer as respostas metabdlicas do individuo e, de acordo com sua evolucao, direcionar a quantidade de exercicio aerdbico e de carboidratos da dieta. Uma pessoa com um metabolismo baixo, resultado de varias perdas e ganhos de peso ao longo da vida, por exemplo, talvez precise de duas sessoes de aerdbico por dia, além da sessao de treinamento com pesos, para conse- guir eliminar o que recomendamos, entre 500 gramas a 1 kg de gordura por semana. Jé outra pessoa que nunca prejudicou o funcionamento do seu me- tabolismo com estratégias inadequadas, com a mesma idade e peso corporal, pode conseguir igual resultado apenas com a dieta e treinamento com pesos, sem a necessidade da introducao de atividade aerdbica significativa. No caso de um atleta de competicao (fisiculturismo), os ajustes devem ser semanais, de acordo com a resposta do individuo. Em uma semana pode- se aumentar a atividade aerdbica e na outra pode ser necessaria uma reducdo ou interrupgao. Uma dieta restritiva associada a excesso de atividade aerdbica pode gerar grande perda da massa muscular adquirida com tanto sacrificio. Além disso, perder gordura junto com massa muscular nao traré uma melhora visual significativa, ocasionando inclusive uma baixa na qualidade da pele por perda de colageno. Daf a importancia da integragdo entre a equipe multiprofissional, pois se o treinador aumentar a atividade aerdbica € ndo avisar 0 nutricionista, o aluno podera ter um desgaste excessivo da musculatura e perder massa magra, mesmo seguindo a dieta corretamente. Sea pessoa faz duas atividades aerébicas no dia, 0 ideal seria dar pelo menos seis horas de intervalo entre a atividade aerébica extra e o treinamen- to com peso. Aerébico em jejum é uma estratégia valida apenas para aqueles que treinam com pesos nos periodos da tarde ou noite. Para quem faz muscu- lagao pela manhi seria mais interessante realizar a atividade aerobica extra no periodo noturno. Para quem tem uma rotina intensa de estudos ou trabalho nado tem tempo para se exercitar duas vezes ao dia, a Unica alternativa é adi- 53 NUTRICAD E INDIVIDUALIDADE cionar a atividade aerdbica logo apés 0 treinamento com pesos. Nao pretendo aqui entrar na discussao sobre a eficacia ou nao da ativi- dade aerébica em jejum. Sou da opiniao de que o mais importante é 0 indivi- duo fazer a atividade aerébica da forma prescrita pelo treinador, seja no inicio do dia, apds 0 treino com pesos ou em algum outro momento. As publicagdes cientificas mais recentes nado sao nem a favor, nem contra o aerébico em je- jum. A dtivida que paira é se ele seria mais eficaz do que a atividade aerdbica feita em algum outro horario do dia. A principio, com niveis de glicogénio (reserva de carboidratos) mais baixos, nosso organismo usaria mais gordura como fonte energética do que em um estado bem alimentado, com maiores niveis de glicogénio. Sendo re- alista, mesmo que realmente isso faca alguma diferenca, sera algo muito pe- queno dentro de uma avaliacéo macroscépica. Para melhor compreensao, 0 resultado de uma pessoa que faz atividade aerdbica em jejum, mas nao realiza 100% sua prescrigao dietética, sera pior do que uma pessoa que faz atividade aerébica em outro horario do dia, mas que realiza 100% sua dieta. A preocupacéo em obter um maior uso de gordura como fonte ener- gética na atividade feita em jejum pode ser interessante para um fisiculturi ta ou para alguém que mantenha uma vida de atleta, desejando resultados muito avancados. Em vez de perder tempo discutindo se existe maior uso de gordura como fonte de energia na atividade aerébica em jejum, o mais im- portante é adequar a atividade aerdbica ao seu dia a dia, de modo que seja Possivel manté-la ao longo do tempo, ou seja, que faca parte da sua rotina de treinamento. O importante é respeitar a recomendacao do treinador. Se ele acha interessante fazer a atividade aerdbica em jejum e sua evolucao for adequada, que assim seja. O catabolismo muscular também é algo individual. Alguém que treina hé muitos anos e tem uma massa muscular ja consolidada vai pre- cisar de menos cuidado do que alguém que acabou de adquirir alguns quilos de mtisculos. 54 #G0AHEAD Por essas € outras raz6es, nao vale a pena acreditar nas GENERALIZA- GOES ERRADAS ditas nas academias: + Aerébico em jejum fard vocé perder massa muscular; + Nunca faga aerébico apés 0 treinamento; + Dieta restrita em carboidratos fara vocé perder musculos; + Nunca faga aerdbico quando o objetivo for ganhar massa magra; + Sem fazer aerébico é impossivel perder gordura corporal. Mais uma vez, avaliar as caracteristicas individuais é 0 mais importan- te. Fuja das regras e dos modismos. Nao copie o treino de ninguém na aca- demia. Caminhos diferentes podem levé-lo a atingir 0s mesmos resultados. O segredo é descobrir os atalhos que melhor funcionam para cada um de nés. Abusar no dia do lixo Partindo do principio que a manutengao de uma dieta hipocalorica durante um perfodo muito longo causa reducdo do metabolismo basal, mui- tas pessoas viraram adeptas do famoso dia do lixo. Quando em estado de pri- vacao de alimentos por um tempo prolongado, muitos processos fisiologicos operam nesta reducao da atividade metabdlica, tais como: diminuicao da ati- vidade do sistema nervoso simpatico; mudancas periféricas no metabolismo tireoidiano; reducao na secrecao de insulina; alteragées na secrecao de glu- cagon e horménio do crescimento (GH). Analisando esta reagéo metabdlica é interessante que, ocasionalmente, se faca a ingestao de mais calorias, mas no de calorias vazias. O ideal é aumentar um pouco a quantidade dos alimentos, manten- do a 6tima qualidade nutricional. Se vocé estiver com vontade de comer um doce ou uma pizza, pode comer (sem exagero) e em apenas uma refeicao. Du- rante o processo de reeducacao alimentar sempre oriento os pacientes a ndo 55 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE terem um dia pré-determinado para safrem da dieta. A reeducacao alimentar um processo fisiolégico e nao apenas psicolégico. Quem mantém uma die- ta equilibrada por muito tempo pode até sentir vontade, mas nao vai comer um bolo de chocolate no meio da tarde apenas pelo medo de engordar. A pessoa sabe que se comer o bolo tera desconforto gastrointestinal e sentird uma grande falta de energia, devido a uma hipoglicemia de rebote. Exagerar no consumo de pizzas no sabado a noite pode ser prazeroso para muita gente, mas se a pessoa estiver habituada a uma rotina de exercicios no domingo de manhé vai recusar as pizzas para nao prejudicar seu rendimento no treino do dia seguinte. Dieta é estilo de vida. S6 quem realmente j4 mudou seus habitos vai entender o que acabei de comentar. As escapadas da dieta de quem ja pas- sou pelo processo de reeducacao alimentar sao feitas com alimentos de bom valor nutricional. Se entupir de besteiras no dia do lixo é um padrao de com- portamento que deve e pode ser evitado. Hoje temos acesso a intimeras re- ceitas que combinam bom sabor e qualidade que podem ser encontradas em sites especializados nesse segmento e em diversas publicacées, como no livro “Santa Proteina” que escrevi em coautoria com minha paciente Flavia Zonaro. Exagerar no consumo ve bebidas alcodlicas O consumo de alcool é péssimo tanto para a reducdo de gordura quanto para o ganho de massa muscular. O ideal é deixar seu consumo para momentos especiais ou beber com moderacao. Ora, mas nao dizem que to- mar uma taga de vinho tinto seco por dia faz bem para 0 coracao? Entre os po- lifendis encontrados nas cascas e sementes das uvas esté o resveratrol, uma substancia poderosa que a videira produz para proteger as uvas do calor, da umidade e das doencas que atingem a plantacao. Resveratrol também prote- ge a nossa satide, Melhora muito a reatividade vascular, a capacidade das ar- térias se dilatarem, facilitando a circulagéo do sangue. O consumo moderado. 56 #G0AHEAD de vinho tinto ou suco de uva integral pode sim trazer beneficios a satide. A cerveja também possui substancias antioxidantes, mas, novamente, seu con- sumo deve ser eventual. As bebidas alcodlicas nao tém valor nutricional algum, sé muitas calo- rias. E sem essa de querer justificar as escapadas dizendo que cerveja é diuréti- ca, Mesmo composta por 95% de dgua, a cerveja tem etanol suficiente para de- sidratar seu organismo. O alcool inibe o horménio antidiurético, o que provoca aquela vontade de fazer xixi o tempo todo. A cerveja, assim como as outras bebidas alcodlicas, também ajuda a aumentar a pressao arterial. £ claro que o efeito varia conforme a quantidade de etanol presente na bebida e a quanti- dade ingerida, mas eu garanto que alcool e dieta nao combinam. Entre outras coisas, 0 alcool: + Atrapalha a capacidade do organismo em absorver os nutrientes; + Causa desidratacao; + Diminui a taxa de acticar no sangue; + Eleva os niveis de cortisol (horménio do catabolismo); + Diminui os niveis de testosterona, influenciando negativamente o processo de ganho de massa muscular; + Causa deficiéncia de vitaminas B1, B2, B6, B12 e C. Vitaminas de ex- trema importancia para quem busca aumento de massa muscular ou melhora no rendimento esportivo. Se beber demais, vocé certamente ainda vai sofrer os efeitos da ressaca no dia seguinte. Nao vai se alimentar direito e nem ter forcas para treinar de forma intensa. O dlcool também deixa seu corpo desidratado por um ou mais dias e a desidratacao diminui em aproximadamente 20% a sintese proteica. Musculos hidratados criam um ambiente favoravel ao anabolismo, Musculos desidratados, ambiente favoravel ao catabolismo. Cerca de 90% do alcool ingerido é absorvido na primeira hora, mas a 57 NUTRICAD € INDIVIDUALIDADE elimina¢o demora de 6 a 10 horas. Para uma facil compreensao, o organismo interpreta 0 4lcool como se fosse acticar. Isso faz com que o pancreas produza mais insulina para quebrar 0 acticar no sangue. O nivel de glicose diminui e a pessoa pode ter uma crise de hipoglicemia. Cada grama de dlcool fornece sete calorias, densidade cal6rica inferior apenas a gordura que fornece nove calorias por grama. Se vocé nao abre mao das bebidas alcodlicas, tudo bem, mas tenha consciéncia do que esté fazendo. Se procura resultados expressivos na mus- culagao, evite bebidas alcodlicas ao maximo. Para quem busca detalhes no desempenho ou no corpo, uma cervejinha no fim de semana, pode sim fazer a diferenca. Beba menos. Hidrate-se bem (se possivel, antes de comecar a be- ber, tome uma garrafa de agua e faca opcdes mais saudaveis de tira-gostos). m “shake de proteinas’, antes de dormir, apds uma balada, também é uma boa opcao para minimizar o efeito catabdlico do Alcool. Seja qual for o seu objetivo, reserve o consumo de alcool apenas para momentos especiais. Compensar furos na dieta com sucos detox Os defensores desta pratica consideram que 0 corpo humano acu- mulou toxinas e metabdlitos toxicos, resultado da exposigao de pesticidas, poluentes e aditivos alimentares. Acontece que a dieta detox é muitas vezes estimulada para ser feita em um ou dois dias, normalmente apés um fim de semana de excessos alimentares. Como a ingestao caldrica é baixa, os niveis de glicogénio (reserva de carboidrato encontrada no musculo e figado) bai- xam e ocorre ao mesmo tempo uma grande eliminacao de liquido, ja que para © glicogénio ser armazenado ele precisa reter Agua (cerca de trés gramas de Agua para cada grama de glicogénio). Como ha uma maior perda de liquido, ocorre uma falsa ideia de emagrecimento, fazendo a pessoa acreditar que eli- minou rapidamente 0 peso (em gordura) adquirido no fim de semana de co- milanca. Considerando que nosso organismo conta com figado, rins, pulmoes 58 #60AHEAD e outros érgaos para remover e eliminar substancias maléficas, na verdade, o que precisamos é manter um estado nutricional adequado. Devemos apenas evitar a repeticao de praticas que levam ao acumulo de substancias intoxican- tes, como 0 habito de furnar, o consumo de alimentos industrializados, dar pre- feréncia a legumes e verduras isentos de pesticidas e carnes organicas. Achar que nosso corpo precisa de acdcar Muitas pessoas ainda me perguntam se nosso corpo precisa de acticar para ter otima energia. Se isto fosse verdade, nés nao teriamos sobrevivido ao periodo evolutivo, pois o acticar é usado para adocar bebidas e preparacées ha apenas 300 anos. Puro, branco e fatal. Acho que essa seria uma 6tima defi- nigdo para 0 acuicar. Embora ele esteja presente em frutas (frutose) e no leite (lactose) 6 o produto processado que mais preocupa. O consumo de acticar cresceu muito nas ultimas décadas e esse aumento nao representa so 0 aclicar que coloca- mos no café ou no suco, mas o de todos os alimentos industrializados que contém acticar, como bolos, pies, biscoitos, refrigerantes, bolachas, sorvetes, balas, ketchup, etc. A consequéncia desse excesso pode ser observada no au- mento progressivo dos indices de sobrepeso/obesidade na populacdo nos Ultimos anos, além de doencas correlacionadas, como o diabetes. O nosso corpo precisa de gorduras, carboidratos, proteinas, vitaminas e sais minerais, mas ndo precisa de acticar processado. A Unica razao que leva as pessoas a continuarem comendo acucar é a dependéncia criada por anos de consumo. Ficar“viciado” em doces é muito facil, tanto que evitar o acticar é uma tarefa quase impossivel para algumas pessoas. Sua absorcao pelo orga- nismo é extremamente rapida e logo alcanga 0 cérebro, onde se converte em serotonina, neurotransmissor ligado ao bem-estar. Recentemente, a Organizacéo Mundial da Satide (OMS) reduziu o valor aceitavel para a ingestdo de acticar de 10% para 5% de uma dieta de 2.000 59 NUTRICAG € INDIVIDUALIDADE calorias didrias. Isso equivale a cerca de 20 gramas ou cinco colheres de cha. Como comparacao, s6 uma lata de refrigerante pode ter até 40 gramas de acuicar, o dobro do recomendado. E ai? O que fazer? A primeira medida é cortar a adicao de acticar refinado. Também co- mece a prestar atencao nos rétulos, nas tabelas de composi¢ao nutricional. Vocé vai encontrar diferentes acucares adicionados aos alimentos: xarope de milho, frutose, sacarose, glicose, adogante de milho, etc. Vejo muitas pesso- as utilizando outros acticares em substituicdo ao refinado, mas os considero apenas menos piores do que o acticar refinado e seu consumo também deve ser avaliado, O uso de adocantes artificiais pode ser uma alternativa transité- ria quando se retira 0 acticar refinado da alimentacSo. Como os estudos que condenam ou defendem a utilizagéo de adocantes sao inconclusivos, melhor ter cautela e usd-los com moderaco. Se optar pelos adocantes, prefira as op- g6es naturais, como os feitos com stevia e taumatina. Averdade é que com o tempo nosso paladar se adapta com a auséncia de qualquer adocante e torna-se possivel saborear muito mais o alimento. Atletas com uma rotina intensa de exercicios fisicos, com grande gasto ener- gético, podem se beneficiar do consumo de acticares simples (dextrose e mal- todextrina) antes, durante e logo apés 0 exercicio, pois nesses momentos o organismo utiliza o acucar como fonte imediata de energia. Mas, nas refeicées que nao estejam relacionadas ao treinamento, até mesmo os atletas deve evitar o consumo de acticares simples. Falta de paciéncia Este erro é primério, mas cada vez mais comum. A ansiedade em obter resultados rapidos pode, inclusive, levar pessoas & morte ou causar danos fisi- cos irreversiveis. O nimero de mortes pelo uso indiscriminado de diuréticos, moderadores de apetite, esteroides, anfetamina; a busca por lipoaspiracées, 60 #GOAHEAD cirurgias plasticas e baridtricas sem critérios, aplicacdo de dleos e substancias Para aumentar o volume de biceps, coxas ou gltiteos, cresce ano apéds ano. Hoje, temos conhecimento suficiente para acelerar 0 processo de emagreci- mento e ganho de massa muscular, mas nada que possa fazer alguém perder 5 kg de gordura em uma semana ou ganhar 5 kg de musculos em um més. Toda mudanga na composicao corporal acontece por um meticuloso proces- 0 € ndo como um passe de magica. Quem tiver paciéncia e procurar uma orientacao correta vai nao s6 alcangar seu objetivo, mas conseguira manter © corpo conquistado por muito mais tempo. Os mais afoitos, além de colo- carem em risco a propria satide, terao muita dificuldade na manutencao dos resultados. 61 A MELHOR PROPOSTA DE DIETA Quando publicou, em 1825, 0 primeiro livro sobre a relacdo do homem com a comida - o tratado de gastronomia A Fisiologia do Gosto -, 0 gastré- nomo francés Jean Anthelme Brillat-Savarin antecipava que a causa da obe- sidade estaria no excesso de acucar e de amido nas refeicées. Cristalizava-se a ideia de que s6 os carboidratos engordavam. Essa concepcao permaneceu mais ou menos intacta até a década de 1970 do século passado, quando o governo americano, preocupado com o aumento alarmante nos indices de problemas cardiovasculares, obesidade e doengas crénicas como o cancer, o diabetes tipo 2, decidiu financiar estudos mais aprofundados sobre alimenta- ao e satide. Nascia a ciéncia da nutricao. Em um primeiro momento, as pesquisas levaram a uma oposicdo in- concilidvel entre carboidrato e gordura. Foi dai que surgiram as dietas que recomendavam a eliminacao total de um ou de outro, A mais popular foi a do cardiologista Robert Atkins. Ele incentivava o consumo indiscriminado de gorduras e protefnas, ao mesmo tempo em que recomendava a abolicao total 63 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE de carboidratos. O seu pressuposto ~ verdadeiro - é que, quando um organis- mo € privado de carboidratos, ele acaba queimando gordura para obter ener- gia. Os adeptos de Atkins podiam comer a vontade carne, vos, bacon, queijo amarelo e, mesmo assim, emagreciam. A questao é que para determinadas pessoas a dieta Atkins pode fazer muito mal no longo prazo, comprometendo fung6es hepaticas e renais, além dos riscos cardiovasculares. De la para ca, outros gurus da nutricdo apresentaram intimeras pro- postas de dieta com a promessa de resultados répidos. Algumas vezes eles atribuem seu préprio nome a metodologia ou usam expressées que desper- tam a curiosidade das pessoas como dieta da lua, dieta da sopa, dieta pale- olitica, dieta sem carboidratos, dieta da zona, dieta de South Beach, dieta do HCG, etc. Tentadoras e perigosas, essas dietas quase sempre s6 buscam suces- so comercial. Seus autores sabem que existem milhdes de pessoas no mundo dispostas a fazer qualquer coisa para emagrecer. A maioria dessas dietas pro- duz resultados rapidos e temporérios, restringe nutrientes importantes e faz com que a pessoa perca peso em forma de liquidos e massa muscular. E preciso entender de uma vez por todas que cada individuo possui suas particularidades. A mesma dieta nao vai funcionar para todo mundo por- que somos diferentes, Talvez venha dai 0 fracasso no controle da epidemia mundial de obesidade. Vejo consultérios, principalmente médicos, com filas de pessoas em busca de uma dieta personalizada e que saem de lé com uma mesma proposta sugerida para todos. O profissional apresenta uma dieta pa- drao e prescreve uma lista de medicamentos para “auxiliar” o paciente duran- te o processo. O resultado é que hoje temos pessoas saudaveis, com um leve sobrepeso, tomando mais remédios do que pacientes com doengas crénicas, E 0 pior de tudo é que elas acreditam piamente nas boas intencdes desses Profissionais. A mesma faldcia cientifica (compensar com inumeros medica- mentos a falta de mudancas no estilo de vida) que vem falhando ha anos com a maioria da populacao obesa agora tem como alvo o puiblico fitness. As con- sequéncias disso, no longo prazo, sao imensurdveis. #G0AHEAD Eu garanto para vocés que a melhor dieta é aquela que vocé consegui- rd fazer pelo resto da vida. Dieta nao é sindnimo de restricao alimentar. Todas as propostas que prometem resultados rapidos fracassam porque nao trazem © mais importante: a reeducacao alimentar e a mudanga de habitos. Outro ponto que precisa ser considerado é a relacdo que cada pessoa tem com a alimentacao e com sua imagem corporal. Para muita gente a comida funciona como um sedativo ou compensacao e pode estar carregada de outros signi- ficados que nao a satisfacao da fome. O individuo que esta em contato pleno com o seu corpo percebe suas verdadeiras necessidades e age racionalmente para satisfazé-las. Se comer for a sua Unica fonte de prazer, o acompanha- mento psicolégico pode ajudé-lo a desvelar as causas deste comportamento e fornecer meios para reverté-lo, Técnicos para a elaboracio de uM programa nutricional Avaliacdo antropomét Considero a avaliagdo antropométrica parte fundamental na elabora- gdo de um programa nutricional individualizado. E o momento em que o ava- liador tem contato com o fisico do paciente e identifica a distancia entre seu estado atual e seu objetivo. Desde que iniciei minha vida profissional, vi novas tendéncias de medi¢éo e equipamentos ultramodernos surgirem. Alguns re- almente impressionam os pacientes com tantas luzes e botées, mas sendo bem sincero, ainda acho que um bom adipémetro nas maos de um avaliador experiente pode perfeitamente substituir toda esta paraferndlia. Nao discuto as vantagens da tecnologia, apenas considero que 0 contato visual é essencial na elaboragao de um programa que seja 100% fiel a realidade do paciente. Desconsiderando as margens de erro gigantescas e os varios equipamentos de bioimpedancia de baixa qualidade, mesmo os aparelhos mais caros e eficientes do mercado nao substituem a habilidade e a experiéncia do olhar profissional. 65 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE De numeros, ja bastam nosso CPF, RG e senhas bancarias. Nao pode- mos ficar limitados a isso quando trabalhamos com pessoas. E muito facil ob- ter o percentual de gordura em uma bioimpedancia, classificar 0 individuo como obeso, com sobrepeso ou saudavel, colocar os dados em uma formula, estimar um valor caldrico diario e calcular um cardapio. Este sistema usado para elaborar dietas em série nao respeita nossa individualidade bioldgica, s6 que, infelizmente, ainda pode ser encontrado em muitas clinicas de nutricao e medicina esportiva. Quando ainda era estudante ja percebia que muitos dos protocolos sugeridos pela universidade nao me ajudariam no mais importante: conhecer o individuo. Assim que comecei a trabalhar, descartei a maioria, mantendo ape- as os mais teis. Um dos protocolos que considerava desnecessario era o de seguir um roteiro de anamnese tinico para todos os pacientes, Se cada pessoa apresenta caracteristicas individuais, porque eu teria que fazer as mesmas per- guntas para todos e na mesma ordem? Cada paciente tem sua historia e a con- sulta deve ser moldada de acordo com os seus interesses, necessidades e ob- jetivos. Por isso, considero a nutrigéo uma area tao empolgante e desafiadora. Nas academias de gindstica, o descaso com a avaliacao fisica parece ainda maior. A avaliagao fisica deveria ser feita pelos professores com maior experiéncia na elaborac¢ao de treinamento e que esse profissional fosse uma referéncia para os demais instrutores da academia. Além de observar alguma limitagéo ou empecilho para a pratica de atividade fisica, o avaliador deveria, a partir dos dados coletados, elaborar um programa de treinamento indivi- dualizado. Feito isso, apresentaria 0 programa para o professor responsavel pela sala de musculacao que instruiria o aluno sobre cada exercicio para ele determinado. Passado 0 tempo estabelecido para este primeiro ciclo de exer- cicios, todo o processo deveria se repetir com o avaliador mensurando a pos- sivel evolucao e elaborando uma nova proposta de treinamento para evitar a estabilizacaéo dos resultados. No entanto, o que observamos, mesmo nas academias mais caras e famosas, é uma inutil coleta de dados, sem qualquer 66 #60AHEAD validade para o aluno. E tudo tao automatico que qualquer pessoa, mesmo sem formagao na area, poderia fazer. Depois ainda dizem que o mercado de Educacao Fisica esta saturado. Esta saturado sim, mas de profissionais que mudam de opiniao toda vez que fazem um novo curso, que depois de formados ja querem ter 10, 20, 30 alunos de treinamento pessoal, que correm atras dos modismos e que ndo conse- guem se livrar da dependéncia de fazer 0 que outro ja faz, apenas pelo medo de nao errar sozinho. O padrao-ouro em precisao para avaliacao antropométrica é a densito- metria, exame normalmente solicitado para avaliar a satide éssea do paciente. No entanto, ando ser em um estudo cientifico preciso, nao vejo a necessidade deste exame complexo apenas para avaliar a evolucdo da composi¢ao corpo- ral. Um equipamento de bioimpedancia de qualidade pode fornecer dados importantes que complementam a consulta, principalmente para o paciente entender 0 que esta acontecendo em sua composicao corporal. Ao contrario do que muita gente pensa, o adipémetro nao serve ape- nas para mostrar o percentual de gordura. Inclusive, nem dou muita impor- tancia a este dado. Sabe por que? Vocés acham que em uma competicao de fisiculturismo o atleta com menor percentual de gordura sempre sera 0 que apresenta a melhor definicéo? Seré que este sempre seré o campedo? Pasmem vocés, mas 6 muito comum uma pessoa com menor percentual de gordura ter menos definic¢éo do que outra com maior percentual. E que a de- fini¢éo corporal depende de varios outros fatores como volume muscular, distribuicao da gordura, qualidade da pele, densidade muscular, retencdo de glicogénio (reserva de carboidratos) no momento da apresentacao, controle hidrico, etc. E por isso que, na pratica, nos beneficiamos mais com os valores absolutos das dobras cutaneas do que com o percentual de gordura corporal. Em posse do adipdmetro, nao necessariamente o profissional pre- cisa ficar limitado as cinco ou sete dobras de determinado protocolo. O mais importante é avaliar a necessidade de cada paciente. No caso de uma pessoa 67 NUTRICAO E INDIVIDUALIDADE com pouca gordura na regio superior do corpo, mas com grande acuimulo na regiao inferior, seria muito mais interessante a avaliagdo de varias medidas na regio de maior actimulo de gordura, além das tradicionais medidas na coxa e panturrilhas. Alguém com muita gordura nos joelhos nao poderia ser avaliado nesta regido também? Regio interna de coxas, posteriores de coxas, s6 para citar mais exemplos. Enfim, é ilimitada a utilidade deste equipamento nas maos de um avaliador preocupado em individualizar o trabalho. Regides com maior propensao de retencao hidrica, como lombar e lateral do abdémen podem ser muito Utes para ajustes no controle de sédio e ingestdo de gua de uma dieta. Alguém que objetiva atingir a maxima definicao muscular, como participar de uma competicao por exemplo, poderia utilizar a dobra cutanea do gliiteo na avaliacao, afinal esta regiao é uma das mais dificeis de serem definidas. No mo- mento da medicao com o adipémetro também temos contato com a qualidade da pele do paciente, outro fator determinante. Para pessoas com maior flacidez corporal, por exemplo, podem ser necessdrias estratégias nutricionais especifi- cas para melhora da sintese de coldgeno. Mem6ria metabélica Se todas as pessoas tivessem metabolismos iguais seria muito facil a elaboracdo de um programa nutricional. As diversas formulas para estimar o gasto energético didrio seriam fidedignas e poderiamos simplesmente con- siderar os valores de gramas de carboidratos, proteinas e lipidios por kg de peso corporal, pois todos teriam a mesma capacidade de sintese de protei- nas e sensibilidade a insulina, entre outros fatores. S6 que a realidade é bem diferente. Duas pessoas com a mesma idade, mas com diferentes estilos de vida, apresentaréo respostas metabélicas completamente diferentes. Nosso metabolismo sera uma consequéncia de como tratamos nosso corpo ao lon- go da vida, portanto um estilo de vida sedentario e com péssima alimenta¢ao, traré consequéncias negativas para o metabolismo, independentemente do 68 #60AHEAD bidtipo da pessoa. Um ponto importante de ser ressaltado - e que pouco se discute - © fato das pessoas estragarem seu metabolismo com estratégias para me- lhorar sua composicao corporal no curto prazo. Entre essas estratégias po- demos citar os erros classicos cometidos pelo obeso na tentativa de perder peso: dietas extremamente rest vas, recuperacdo do peso corporal perdido (efeito sanfona), o uso de anorexigenos, horménios tireoidianos, diuréticos e outras drogas. Tudo isso pode causar grande redugdo no metabolismo basal, diminuindo 0 gasto energético. E comum observarmos obesos que apés anos de tentativas erradas para perder peso corporal, mesmo fazendo uma otima dieta e muita atividade fisica, terem grande dificuldade para conseguir bons resultados. As alteracdes metabdlicas ocorridas em sua expressao génica tor- nam o processo de perda de peso muito mais dificil. Nao duvide se algum dia um obeso lhe disser que mesmo treinando e se alimentando bem, nao est4 conseguindo perder peso. O processo de recuperacdo do estado metabdlico é lento e exige muita paciéncia, virtude ndo muito comum entre as pessoas que desejam mudar sua composi¢ao corporal. Como ja discutido, o mesmo erro cometido no tratamento da obesida- de pode ser observado entre pessoas saudaveis que desejam ganhar massa muscular. Hoje, o Brasil é um dos paises com mais prescricdes de esteroides anabdlicos no mundo. Como boa parte destes medicamentos é obtida ilegal- mente, é impossivel mensurar 0 percentual de praticantes de atividade fisica que usam alguma terapia hormonal ou outros tipos de drogas para melhorar a performance ou ter um fisico mais atlético. Infelizmente, este uso indiscrimi- nado é uma va tentativa de suprir a deficiéncia no treinamento e na qualidade da dieta. Vale ressaltar que estamos discutindo 0 uso impréprio de drogas para melhora da performance por pessoas saudaveis. Esteroides anabdlicos so drogas utilizadas pela medicina com grande validade na terapia de repo- sigéo hormonal e no tratamento de varias desordens por profissionais sérios. Muito diferente do que pode ser visto dentro e fora das academias. 69 AUTRICAG & INDIVIDUALIDADE O abuso no uso de drogas entre as mulheres é ainda mais assustador. Nas academias nao é dificil encontrar mulheres masculinizadas, longe do pa- drao de beleza que inicialmente desejavam conseguir. Acreditar que usando testosterona em niveis suprafisiolégicos a mulher nao ter alteragdes em sua voz, cabelo, rosto, pele, clitoris e, principalmente, alteracdes psicolégicas gra- vissimas, é viver em um mundo de fantasia ou querer se enganar. Da mesma forma, 0 homem que mantém o uso regular de esteroides em quantidades suprafisiolégicas e diz que nao tem (ou teve) problemas com libido, atrofia testicular, ginecomastia, insénia, além, claro, de severas alteracées psicolégi- cas, € um grande mentiroso. Isso, sem contar, os inimeros efeitos colaterais que podem levar 0 individuo a morte, a curto, médio ou longo prazo, depen- dendo do grau de abuso e susceptibilidade de cada um. No fisiculturismo, nas categorias da IFBB (bikini fitness, Wellness, Men's Physique e fisiculturismo classico) é totalmente possivel competir no mais alto nivel sem usar qualquer tipo de droga, desde que se tenha uma gené- tica favoravel e um estilo de vida compativel, com uma excelente assessoria de treinamento e nutri¢ao. $6 que, infelizmente, cada vez mais, vemos 0 uso indiscriminado de drogas em todas as categorias amadoras. Sou totalmente a favor da introducao de um controle de doping intenso, principalmente nas categorias que mencionei. Nao tenho duvida de que isso daria mais visibi lidade e credibilidade ao fisiculturismo e ajudaria os atletas a conseguirem melhores patrocinios. Interpretagao de exames laborato: Uma ferramenta de grande utilidade para o nutricionista é a avaliacdo dos dados bioquimicos do paciente. O profissional deve ter muita atencao para as circunstancias da coleta do sangue, pois qualquer mudanga na ali- mentacao ou na atividade fisica pode interferir diretamente no resultado dos exames. A avaliagao nutricional combinada com os dados de exames labora- 70 #60AHEAD toriais auxilia no diagnéstico de disfungées e na prevencao de doencas. Con- forme 0 paciente vai modificando seus hdbitos alimentares, espera-se que ocorram mudancas benéficas em seus exames laboratoriais, proporcionando um melhor funcionamento de todo seu metabolismo. Com isso, os objetivos desejados, sejam eles de performance, estética ou adequacao da satide, serao mais facilmente atingidos. Em algumas situa¢6es, esbarramos em casos em que sera necessario 0 auxilio de um médico especialista. Cabe ao nutricionista identificar a real causa do desequilibrio e definir se com a dieta seré possivel uma efetiva adequacao ou se sera preciso fazer um tratamento mais amplo, junto com outros profissionais. Niveis de colesterol, homocisteina e triglicerideos Quem estd com as taxas de colesterol altas no sangue pode se bene- ficiar de alimentos que ajudam a combater este problema cada vez mais co- mum entre a populacao mundial - e um dos grandes responsaveis por doen- Gas cardiovasculares, como 0 infarto e o acidente vascular cerebral (AVC). Para o controle e a adequacao dos niveis de colesterol, além das di- retrizes nutricionais ja bem conhecidas, como introduzir gorduras mono e poliinsaturadas na dieta e suplementar com dcidos graxos émega 3, temos substancias com dtima acao como policosanol, fitoesterdis, berberine, dleo de alho, curcumina, espirulina, extrato de cha verde, quercetina, gengibre, ashwagandha e pycnogenol. Hoje, com o abuso na utilizaco de esteroides anabdlicos para me- Ihora da composicao corporal, é muito comum encontrarmos pacientes com niveis de colesterol totalmente desregulados, independentemente da idade. Algumas drogas, como stanozolol, metenolona e trembolona reduzem con- sideravelmente a sintese de HDL (lipoproteina de alta densidade, conhecida como bom colesterol) e aumentam LDL (lipoproteina conhecida como mau colesterol, principalmente em sua forma oxidada). Ao se deparar com casos n NUTRICAG € INDIVIDUALIDADE como este, além das medidas para melhorar o perfil lipémico, o paciente deve suspender o uso das drogas, pois enquanto ele estiver utilizando essas subs- tancias, dificilmente conseguird niveis 6timos de colesterol. OQ mesmo ocorre com a homacisteina. Quando elevada é um fator de risco cardiovascular in- dependente. Fatores como ma alimentacao e uso de esteroides causam essa elevacao. Além de adequar a ingestao de algumas vitaminas, como B6, B12 e Acido félico, a suplementac&o com trimetilglicina vem apresentando otimos resultados para seu controle. Atletas com grande gasto energético, com roti- na de treinamento de varias horas por dia, também podem apresentar niveis elevados de homocisteina pela maior utilizagéo de vitaminas do complexo B (cofatores do metabolismo energético) para gerar energia, o que limita a presenca destas vitaminas para a converso do aminodcido metionina para © aminoacido cisteina. Com isso, o metabdlito intermediario (homocisteina) pode ficar elevado. Nesses casos, sugere-se aumentar a ingestao de vitaminas do complexo B, em especial, B6, B12 € acido folico. Em um programa alimentar controlado, com restrigéo no consumo de lcool e carboidratos simples, conseguimos manter os niveis de triglicerideos em valores bem baixos. Se o individuo se conscientizar da necessidade de incluir a atividade fisica em sua rotina, este controle ser ainda mais rapido. Exames que apresentam alteracées devido ao exercicio intenso Quando avaliamos exames de praticantes de atividade fisica certas alteragdes sao comuns, variando de acordo com a intensidade do exercicio praticado. Alteracées nos niveis de creatinaquinase (CK), desidrogenase lac- tica (DHL), aminotransferases (TGO e TGP), por exemplo, podem até indicar a intensidade do exercicio realizado. No entanto, é preciso muita aten¢do para que essa andlise nao seja superficial. Niveis muito elevados de aminotransfe- rases podem ser um indicador de stress hepatico. Ecomum o paciente alegar 72 #60AHEAD que a alteracao é provocada apenas pela atividade fisica e, posteriormente, admitir 0 uso de esteroides hepatotéxicos. Em casos de hepatoxicidade me- dicamentosa, a suplementagdo com extrato de silimarina, N-acetilcisteina (NAC) e S-adenosyl-metionina (SAME) pode ser avaliada, além de cessar a ad- ministragao do medicamento hepatotoxico. Niveis elevados de Gama GT podem estar relacionados a um eleva- do estresse oxidativo, sendo interessante a suplementacao com substancias antioxidantes ou até mesmo avaliar com o treinador se a periodiza¢ao do trei- namento nao esta muito excessiva e se o atleta ndo esta em um estado de overtraining. Niveis de dcido rico também sao classicamente utilizados para avaliar a precipitacao de calculos em fungo do padrao alimentar, mas, muitas vezes, atletas podem apresentar alteracdes devido a uma ineficiéncia na ressin- tese adequada de ATP (ADP + fosfato), gerando mais ADP livre como substrato para a sintese de acido urico. Se ficar alguma duvida a respeito dos resultados de exames é importante solicitar uma nova coleta, pedindo para o paciente nao fazer nenhum tipo de atividade fisica nos dias anteriores ao exame. Vitamina D Oestilo de vida moderno, principalmente nas grandes cidades, tem di- ficultado a exposi¢ao ao sol e comprometido uma sintese adequada de vitami- na D. Um jogador profissional de futebol que treina ao ar livre dificilmente tera esta deficiéncia, mas um executivo que passa o dia no escritorio e faz atividade fisica em uma academia tem muitas chances de apresentar baixos niveis. A vitamina D nao importante apenas para quem busca melhora na performance esportiva, mas também para garantir uma adequada qualidade de vida. Toda a populacao deve ficar atenta aos niveis sanguineos desta vita- mina, pois sua deficiéncia esta relacionada a perda de massa dssea, maiores riscos cardiovasculares e queda na sintese de testosterona. Pelo menos 90% da vitamina D que precisamos é produzida pelo nosso B NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE corpo, a partir da exposi¢ao moderada ao sol. Em contato com os raios solares, a substancia 7-dihidrocolesterol, presente na pele, é ativada e se transforma em vitamina D3 e, somente apés passagem pelo figado e rins, transforma-se na forma ativa da vitamina D. O restante vem dos alimentos, como leite, gema de ovo, manteiga, peixes de agua fria e dleo de figado de bacalhau. Sem a vitamina D 0 corpo nao consegue absorver 0 calcio de maneira adequada e 0s ossos ficam frageis, favorecendo a osteoporose. Se vocé é jovem pode nao se preocupar tanto com isso agora, mas no futuro, certamente, vai sentir falta de um esqueleto forte e resistente a fraturas. Para atletas e praticantes regulares de atividade fisica, gosto de niveis de vitamina D entre 50 e 100 ng/ml, mas algumas diretrizes desenvolvidas para atletas sugerem valores entre 100 € 200 ng/ml. Lembrando que a vitami- na D é toxica em altas concentragées no organismo. Portanto, antes de iniciar a suplementacao, é necessaria uma cuidadosa avaliacdo dos niveis dessa vita- mina no organismo. Testosterona e tireoide Quanto aos niveis de testosterona, uma analise minuciosa deve ser re- alizada. Um caso classico de baixos niveis precoces (entre 25 e 40 anos de ida- de) de testosterona é quando o individuo possui uma rotina muito estressan- te, abuso de bebida alcodlica e deficiéncia no sono. Além da recomendacaéo de mudancas em seu estilo de vida para adequar esta desordem hormonal, o nutricionista pode trabalhar com substancias que estimulam a producao natural de testosterona. Entre os fitoterapicos disponiveis temos: Epimedium, Eurycoma Longjfolia, Fenugreek, etc. Outros como urtica dioica, tribullus, maca e mucuna apresentam resultados contraditérios. A observacéo de possiveis deficiéncias em minerais fundamentais na sintese de testosterona (boro, zinco, magnésio) também se faz necessaria, assim como a adocao de um estilo de vida menos estressante e com maior periodo de descanso. 74 #G0AHEAD E valido lembrar que uma elevaco dos valores de estradiol (E2) pode ser encontrada em pacientes obesos devido a conversao periférica da testos- terona no tecido adiposo, acarretando em niveis diminujdos de testosterona livre, sendo que o uso de fitoterapicos (saw palmetto, pygeym africanum, cri- sina, indol-3-carbinol, etc) e minerais (zinco) possuem possivel utilidade. O horménio lutenizante (LH) e 0 foliculo estimulante (FSH) regulam a atividade nos testiculos e ovarios e a diminuicdo de ambos geralmente ocorre em conjunto. Se a producao de LH diminui, automaticamente também dimi- nui a producao de FSH. Podem ser estimulados naturalmente pela suplemen- tagdo com acido D-aspértico, ashwagandha, zinco e gengibre. Pessoas que fazem terapia de reposigéo hormonal ou abusam de esteroides anabolicos apresentam niveis de LH e FSH muito baixos ou até mesmo zerados, gerando impacto negativo na fertilidade e produgao hormonal endégena. Niveis elevados de prolactina também podem reduzir os niveis plas- maticos de testosterona. A suplementa¢do com mucuna e vitamina E tem se mostrado eficiente para reduzir os niveis de prolactina, mas ela s6 sera valida se os valores encontrados estiverem apenas um pouco elevados. Em casos mais extremos o controle deve ser medicamentoso. Vejo muitas discussdes sobre a eficacia de substancias fitoterdpicas e minerais no estimulo da producdo natural de testosterona como se fosse algo muito simples, mas nao é. A eficacia vai depender das caracteristicas de cada paciente, sexo, bem como 0 foco principal de ado de cada substancia (adrenal ou génada). Em alguns casos, nao observamos melhora nos niveis de testosterona quando suplementamos com estas substancias, mas uma res- posta clinica de melhora do bem-estar pode ocorrer. Um 6timo exemplo é 0 individuo que apresenta baixos niveis de testosterona pelo uso de horménios esteroides. Estas drogas provocam uma queda na producdo natural e, com suspensao de seu uso, 0 organismo leva um determinado tempo para reto- mar sua capacidade de producao normal, mesmo que de modo parcial e nao mais como anteriormente em muitos casos. Nessas situacées, o nutricionista 75 NUTRICAG € INDIVIDUALIDADE deve encaminhar o paciente para um médico especialista que iré adequar seu eixo hormonal. O quadro é ainda mais sério quando a pessoa usa esteroides anabdli- cos com fins esportivos/estéticos ha um bom tempo. Mesmo se tomar medi- camentos (HCG, clomifeno, etc) para retomar a producdo natural de testoste- rona intercalando com os “ciclos” de esteroides (pratica muito comum), pode ocorrer um hipogonadismo secundario. Neste caso, a contribuicao de fitotera- picos e de outros estimulantes da producao natural de testosterona seria pra- ticamente inutil, tornando fundamental o acompanhamento de um médico especialista. Frequentemente, a reposic¢éo hormonal pode ser indicada, nado apenas para melhora da performance, mas para manutencao da satide e da qualidade de vida do paciente. Algo semelhante ocorre com o abuso de horménios tireoidianos para emagrecimento. 0 risco da pessoa desenvolver altera¢ées na tireoide é enor- me, tornando-a dependente da terapia medicamentosa para conseguir man- ter niveis hormonais adequados. Outro problema que temos observado é 0 abuso de termogénicos feitos com fitoterapicos que alteram o metabolismo tireoidiano. Ja identifiquei muitos casos de hipotireoidismo desenvolvido pelo abuso no uso destes termogénicos que no Brasil sdo proibidos pela AN- VISA, mas que sao encontrados com facilidade ilegalmente. Além da avaliacéo do horménio tireoestimulante (TSH), T3 e T4, em alguns casos, também pode ser interessante a avaliacdo do T3 reverso. Em indi- viduos que fazem dietas muito rigorosas por longo periodo pode ocorrer uma formacao exagerada desta forma inativa do T3. Restricdo caldrica excessiva re- duz a a¢do da enzima deiodinase tipo II que converte T4 para T3. Esta altera- 40 pode provocar o chamado efeito rebote que faz a pessoa recuperar rapida- mente o peso perdido ao interromper a dieta. Na pratica clinica, gostamos de manter niveis adequados deT3 eT4 com um TSH abaixo de 2,5 pIU/mL, sempre respeitando particularidades de idade, condicgées clinicas de base, etc. Se o paciente apresentar um TSH de até 5 yU/ml, o profissional con- 76 #GOAHEAD segue, utilizando estratégias nutricionais ou com o uso de alguns fitoterapi- cos (adaptogénicos), melhorar este perfil. Mas para pacientes com TSH acima deste valor é necessdrio o encaminhamento para um médico especialista, no intuito de verificar a necessidade de introduzir terapia medicamentosa. Um quadro de hipotireoidismo subclinico (TSH alterado, porém com horménios tireoidianos ainda normais) pode alterar a qualidade de vida e comprometer a rotina esportiva de alguns pacientes. SHBG Mulheres com baixos niveis de testosterona é algo frequente. A causa classica para o declinio deste horménio é o uso continuo e prolongado de anticoncepcionais que podem elevar os niveis de uma proteina denomina- da SHBG (Sex Hormone Binding Globuline). Esta proteina de transporte tem a acao de ligar-se com a testosterona, reduzindo a fracdo livre que possui a acao bioldgica. Taxas inferiores também sao encontradas com frequéncia em usuarias de alguns esterdides anabolizantes e, claro, podem trazer complica- ges. Quando o nutricionista observar esta relacdo, a partir da andlise de exa- mes laboratoriais, deve solicitar para a paciente procurar seu ginecologista e adequar 0 método contraceptivo. A suplementacao com DHEA (dehidroe- piandrosterona) pode reduzir os niveis de SHBG, mas é uma medicagéo com comercializacao restrita no Brasil e deve ser usada com cautela, pelo fato de ser um pré-hormonal que pode se converter de maneira descoordenada em outras substancias como a estrona, gerando efeitos colaterais indesejaveis. Portanto, muito cuidado com 0 uso desenfreado, doses excessivas e sem cri- térios de individualizagao, ae NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE Insulina Um grande empecilho na reducéo de gordura corporal é quando o paciente apresenta resisténcia a insulina. Apés um processo de reeducacao alimentar, com a incluséo de uma rotina de atividade fisica, geralmente con- seguimos niveis de insulina basal abaixo de 5 ullU/ml. Mas se a pessoa tiver hist6rico de resisténcia a insulina - muito comum em casos de obesidade in- fantil ou histérico de obesidade - mesmo quando ela atinge niveis baixos de insulina basal, qualquer descuido causa nova elevacao. O mesmo nao ocorre com pessoas sensiveis 4 insulina que, mesmo mantendo uma alimentagao com menos cuidados, muitas vezes conseguem manter niveis controlados de insulina basal. Para os resistentes a insulina, 0 controle na ingestao de carboidratos com baixo indice e carga glicémica é fundamental. Também podemos traba- thar com substancias que auxiliam no controle da resisténcia insulinica, como creatina, |-carnitina, HMB, resveratrol, 6mega 3, cha verde, taurina, aswha- gandha, capsaicina, spirulina, magnésio, zinco, inositol, picolinato de cromo, banaba leaf, berberine, vanddio, acido alpha-lipoico, gynostemma pentha- phylum, entre outros. Em alguns casos, nao responsivos a terapia nutricional, énecessario o suporte de um médico especialista, Ureia Existem muitas duvidas relacionadas aos niveis de ureia. Muitas vezes a encontramos elevada por uma ingestao desnecessdria de proteinas ou pela perda de massa muscular em estados catabélicos. A avaliac3o global € importante porque o erro na alimentacao pode no estar na ingesto de proteinas, mas sim na baixa ingestdo de carboidratos ou de lipidios que pode causar um catabolismo muscular. Controlando os niveis de ureia fica muito mais facil para o nutricionista identificar a correta demanda proteica. 78 #GOAHEAD Eu tenho pacientes que ingerem 1,5 g/ptn/kg e tem otimos resultados quanto a hipertrofia, enquanto outros ingerem mais de 3 g/ptn/kg e também apresentam grandes resultados. Com a andlise dos niveis de ureia cruzada com os demais dados obtidos em cada avaliacao, podemos identificar com maior precisdo a necessidade proteica do periodo para o individuo. Hoje temos estudos que apresentam resultados satisfatérios para a hipertrofia com ingestdes entre 3 e 4 g/ptn/kg, mas ndo podemos fazer disso uma regrae sim uma estratégia a ser utilizada quando necessario. Se os niveis de ureia e de creatinina estiverem muito elevados, o pa- ciente deve ser encaminhado de imediato para o médico especialista, pois essa é uma importante indicacgao de doenga renal. Cortisol Niveis elevados de cortisol sao muito comuns em pessoas com roti- na muito estressante e baixa qualidade de sono, sendo a desregulacao deste ciclo biolégico um grande entrave a melhora da composicao corporal e até mesmo um potencial prejuizo a qualidade de vida do individuo. Além de orientar o paciente sobre a necessidade de uma mudanca de habitos, podemos tomar algumas medidas, como utilizar moduladores do cortisol (mucuna, fosfatidilserina, aswhagandha, etc.) e retirar a cafeina da dieta. A melhora na qualidade do sono também pode ser conseguida com a suplementacao de fitoterdpicos que propiciam melhor relaxamento, como Valleriana, Melissa Oficiallis, Griffonia Simplicifolia ou formas mais biodispo- niveis do GABA (acido gama-amino butirico), como o amino-3-phenylbuta- nic-acid (phenibut). Como o GABA nao possui boa biodisponibilidade para ultrapassar a barreira hematoencefalica foram desenvolvidas verses modifi- cadas com melhor disponibilidade. Lembrando que o cortisol nao é de todo mau. Ele atua no sistema imunoldgico e possui a¢ao anti-inflamatoria. Como sempre, 0 equilibrio é o importante. 79 NUTRICAG € INDIVIDUALIDADE IGF-1 e IGFBP3 Ja se sabe que os recursos ergogénicos GH e IGF-1 sio muito impor- tantes para o desenvolvimento do corpo, porém podem causar alguns efeitos colaterais que geram problemas a satide, principalmente se utilizados em ex- cesso ou de forma errada. O horménio do crescimento ou GH (Growth Hormone) é produzido pela hipéfise. Ao contrario de outros horménios produzidos pela hipéfise que costumam regular o funcionamento de glandulas, como as suprarrenais, os testiculos e os ovarios, o horménio do crescimento age no organismo como um todo, promovendo nao sé o crescimento longitudinal, mas o das células em geral. Ele faz isso a partir de um intermediario, chamado somatomedina C ou IGF-1, produzido principalmente no figado, mas também pelas células Osseas e musculares, por exemplo. Esta dupla GH e IGF -1 promove grande parte do anabolismo do corpo, ou seja, é fundamental para o crescimento e desenvolvimento de todos os tecidos. Vejo muitas pessoas preocupadas em estimular a producdo natural do horménio do crescimento (GH) em alguns momentos especificos do dia, como antes de dormir ou na hora do treinamento. Entre as estratégias mais comuns estdo a de eliminar 0 carboidrato da refeicéo ou alguns aminodcidos especificos. No entanto, mais importante do que isso é verificar seus niveis ba- sais para, af sim, avaliar a necessidade de estimular sua producao natural ou de uma eventual reposicao hormonal com um médico especialista. Eimportante dizer que a maneira adequada para se avaliar a atividade de GH endégeno é por meio da dosagem do IGF-1, pois o horménio do crescimento apresenta uma meia-vida de alguns minutos, exibindo entao muitas flutuacdes em um curto espaco de tempo. Jé a IGFBP-3 é a principal protefna carreadora, responsavel pelo transporte de mais de 75% do IGF-1. 80 #G0AHEAD Nutrigenémica Um recurso que ficou mais acessivel nos ultimos anos sao os testes genéticos disponibilizados por diversos laboratdrios e hospitais. Feitos com amostras de sangue ou de saliva (colhida com cotonete) estes exames trazem informag6es importantes que podem ajudar a entender como o estilo de vida e a genética influenciam na sade do paciente. Muitos laboratérios tém in- vestido alto na customizagéo de exames que avaliam as chances da pessoa desenvolver obesidade, diabetes tipo 2, hipertensdo arterial, intolerancia a lactose e ao gltiten, e o potencial inflamatério do organismo. Como exemplos, podemos citar a andlise dos genes FTO e MC4Re seus polimorfismos, responsaveis por influenciar 0 comportamento alimentar e tendéncias a sobrepeso e obesidade. Avaliando em conjunto os genes PPARG e PPARGC1A pode-se obter uma sugestao de distribuicao adequada de nu- trientes. Com estes dados, identificamos com mais facilidade, individuos com maior adaptacao a dietas ricas em carboidratos, enquanto outros com maior adaptacéo a dietas pobres neste nutriente. Ja uma variante genética no gene MCM6, préxima ao gene da lactase (LCT), tem mostrado uma influéncia nos niveis desta enzima no organismo. Individuos que néo apresentam a variante tém uma possibilidade maior de serem intolerantes a lactose. Individuos com a variante geralmente toleram bem a lactose mesmo em idade adulta. Quanto a intolerancia ao gluten, a analise genética dos genes HLA de classe Il 6 uma importante ferramenta de diagnéstico. O gene FADS1 é um bom indicador dos niveis plasmaticos de émega 3 ea capacidade individual de absorcao dietética deste nutriente. J4 o gene MTHFR pode determinar a capacidade individual de metabolizac&o do ci- do félico. Com isso, a sugestao de dosagem de uma eventual suplementagéo destes nutrientes fica muito mais precisa. Na pratica, observamos grandes variacées individuais quanto a toleran- 81 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE cia a cafeina. Esses niveis sao determinados pela andlise do gene CYP1A2. Indivi- duos com metabolizacao lenta deveriam evitar o consumo acima de 200 mg/dia. Outro foco que desperta um enorme interesse sao os testes gen cos para atletas que podem identificar as reacdes do corpo aos exercicios de forca ou resisténcia e a taxa de metabolizacdo de nutrientes como gorduras, carboidratos e vitaminas. O mapeamento genético ja é usado até para deter- minar qual modalidade esportiva é mais indicada para cada crianca. Se ela tiver caracteristicas genéticas favoraveis ou estrutura fisica compativel coma de um campeao, 0 teste dara indicativos de como treina-la para que se torne um atleta de alta performance. Como exemplos, podemos citar a andlise do gene ACTN3 que de- monstra qual a predominancia do tipo de fibras musculares (contragdo rapida ou contra¢ao lenta), mostrando a aptidao individual para determinada mo- dalidade esportiva. J4 0 gene PPARGC1A apresenta a capacidade aerdbica do individuo. O potencial de recuperacdo pode ser obtido pela andlise do gene CHRM2, enquanto os genes MCT1 e AMPD1 estdo relacionados com o nivel individual de fadiga. A predisposi¢ao para um maior risco de les6es pode ser identificada com a avaliacdo do gene COLSA1 e do gene MMP3. Mas sera que atletas de elite nascem prontos? Com certeza, nao! Arela- do entre genética e desempenho fisico nao é deterministica. E perfeitamente possivel que uma crianca com genes “desfavoraveis” para endurance seja um grande corredor na idade adulta. Os fatores genéticos s4o apenas um, dentre indimeros outros, que fazem uma crianga se tornar um campedo no futuro. Jé se sabe que, além de corpo adequado ao esporte, o atleta de elite retine caracteristicas psicolégicas e sociais dificeis de identificar, mas que acabam fazendo muita diferenca. Da mesma forma, os dados coletados em testes genéticos auxiliam muito na elaboragao de um programa alimentar individualizado, mas nao adianta se iludir acreditando que alguém com uma otima caracteristica gené- tica, que se alimenta mal e é sedentério, terd um corpo magro e saudavel para 82 #60AHEAD sempre. Ha pessoas que tém mais facilidade para desenvolver massa magra naturalmente e outras que tém mais dificuldade. Isso faz parte do perfil gené- tico do individuo, mas 0 estilo de vida ea forma como um gene se expressa no organismo variam de pessoa para pessoa e interferem nos resultados. A infancia 6 um momento fundamental para determinar como sera a caracteristica metabélica predominante de cada um. Uma crianga obesa cer- tamente ter mais dificuldade para manter uma composic&o corporal ade- quada na vida adulta, mas com bons habitos alimentares e a pratica de exer- cicios fisicos poderd reverter essa tendéncia. A genética revela um risco ou potencial, nao uma sentenga. Participago de Arnold Schwarzenegger em uma das minhas palestras no Arnold Classic Brasil. Momento inesquecivel... 83 NAO SE DEIXe ENGANAR Alimentos A disposic¢ao nas prateleiras e as vendas de cada produto mudam ao sabor das mudangas das propagandas nutricionais. Alimentos processados so reformulados e recebem complementos diferentes (diminuindo carboi- dratos, aumentando as proteinas), enquanto os alimentos mais saudaveis do supermercado nao estampam rétulos quanto aos seus beneficios paraa satide. Os alimentos puros tém muita dificuldade para competir com as novi- dades da industria. Afinal, uma banana ou um abacate nao pode mudar tao depressa suas propriedades nutricionais para atender aos modismos. Vocé jé comeu durante muito tempo um alimento e depois descobriu que ele ndo era nada do que imaginava? Para saber o que realmente estamos comprando nao tem jeito, é preciso ler com atencao as tabelas nutricionais e ficar atento as muitas armadilhas que estimulam o consumo de produtos aparentemente saudaveis. 85 NUTRICAD € INDIVIDUALIDADE Aprimeira dica é sempre desconfiar dos produtos industrializados en- riquecidos com vitaminas, minerais, fibras, etc., pois quase sempre a quan- tidade do componente benéfico destes alimentos é muito pequena. Além disso, o produto pode até fornecer doses de vitaminas e sais minerais, mas na maioria das vezes, apresenta altos indices de gordura, acuicar e sédio. Esta tendéncia de alimentos enriquecidos leva a pessoa a acreditar que ira suprir suas necessidades nutricionais apenas com a alimentagdo industrializada, o que nao é verdade. Um pacote de biscoito, repleto de carboidratos de baixa qualidade, nao passara a ser um bom alimento por ter sido enriquecido com uma quantidade irriséria de vitaminas e/ou sais minerais. Mas é 0 suficiente para o departamento de marketing das industrias colocarem este “beneficio" estampado com letras bem visiveis no rétulo. As informagGes nutricionais contidas nos rétulos normalmente indi- cam uma porcao do alimento. Uma estratégia da industria para “camuflar” as elevadas calorias de seus alimentos é apresentar seu valor nutricional por por- 40. Colocama tabela nutricional equivalente a uma porcdo minuiscula, como, por exemplo, 20 gramas de um alimento que facilmente se consome 100 ou 200 gramas de uma sé vez. Os produtos “diet’, “light” e “zero” sempre causam confusao na hora da compra. Um mesmo produto pode ser light, diet e zero, jé que uma categoria nao exclui a outra. Produtos “zero gordura” também no sao livres de calorias. O mais importante é verificar no rétulo qual ingrediente foi reduzido ou reti- rado do produto (acticar, gordura e/ou carboidrato). Alimentos com menos acticar e gordura, geralmente, tem mais sddio para garantir um sabor agradé- vel ao alimento. Veros varios produtos nas prateleiras dos mercados sendo vendidos como saudaveis pelo fato de nao conterem gorduras trans. Este tipo de gor- dura é téo comprovadamente prejudicial 4 nossa satide que deveria ter venda proibida. O fato do alimento nao ter este ingrediente nao quer dizer que ele é adequado, pois pode conter quantidades significativas de acucares simples, 86 #G60AHEAD sédio, conservantes maléficos a satide e outras substancias indesejadas. Trocar refrigerante por suco parece um habito saudavel, mas isto vai depender do tipo de suco. Aqueles de caixinha podem ter tanto acuicar quan- to um reftigerante e ainda sdo cheios de conservantes. Fique atento a des- cri¢do dos ingredientes na tabela nutri jonal. Também observo muita gente tomando chas industrializados como se eles fossem agua. Cuidado! Muitos chs de caixinha sao ricos em acticares e quase sempre nao sao nada naturais. Os isoténicos também merecem atencao na hora da compra. O sabor € a composicao rica em sais minerais fazem com que muita gente troque a Agua por um isoténico. 0 isoténico néo é uma bomba calérica, mas é quase equivalente a uma bebida adocada com agticar, como um refrigerante. Pode ser muito til para hidratar atletas que realizam atividade fisica intensa e pro- longada, mas, mesmo entre eles, existem indicagGes especificas. Para repor uma eventual perda de sal mineral ou sddio, por um exercicio leve, ainda nao inventaram nada melhor do que a AGUA. Para atividades moderadas, 4gua de coco seria uma excelente opcao. Ja assistir televiséo tomando isoténico “sé porque ele é gostoso” nao é uma pratica recomendada! O pao integral é feito com graos que nao passam por um processo de refinamento. Com as fibras preservadas, eles auxiliam na manutencao dos ni- veis de colesterol baixos e controlam os picos de insulina no sangue, aumen- tando a saciedade e facilitando o emagrecimento. $6 que a maioria dos paes @ biscoitos, vendidos como integrais, nao tem farinha integral na quantidade ideal. No rotulo deve estar escrito “farinha de trigo integral” e nao “farinha de trigo enriquecida com dcido félico’. Verifique também o teor de fibras. Se a quantidade for de 0,2 a 0,5 gramas, desconfie. O pao integral de verdade tem de 3 a 5 gramas de fibras (a porcdo de 50 g). E nao é porque vocé esta co- mendo um pao isento de gluten que pode abusar na quantidade. Estes paes também sao ricos em carboidratos e se nao forem enriquecidos com fibras, possuem uma velocidade de absorcao mais répida quando comparado com 0 pao integral comum. 87 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE O kani kama usado na preparacao de sushis, saladas orientais e até como aperitivo, também engana muita gente. Em japonés, a palavra kani sig- nifica caranguejo, mas o que nés consumimos como “carne de caranguejo”, na verdade, é merluza misturada com amido de trigo, clara de ovo, acuicar, extrato de algas, aromatizantes de caranguejo, glutamato monossddico e co- rantes. Portanto, nao se iluda com as baixas calorias deste prensado. O chocolate é outro alimento que parece, mas nao é. De acordo coma Agéncia Nacional de Vigilancia Sanitaria, 56 é chocolate o produto que tenha pelo menos 25% de cacau, assim, o que encontramos nas prateleiras de su- permercados, vendido como chocolate, na verdade, 6 s6 um doce com sabor de chocolate. O chocolate anunciado como benéfico a satide deve ser do tipo amargo com no minimo 70% de cacau. Quanto menor a quantidade de cacau, maior a quantidade de acucar e gordura. Mesmo um chocolate amargo com mais de 80% de cacau deve ser consumido moderadamente pelo seu alto va- lor calérico. O problema é que a maioria das empresas nao informa no rétulo a quantidade de cacau do produto e a fiscalizacao deixa muito a desejar. As sobremesas lacteas tipo “petit suisse” parecem iogurte, mas a maio- ria tem bem menos calcio do que outras vers6es menos docinhas e gostosas. Quer dizer, nao vale por um bifinho e nem por um iogurtinho. E claro que as criancas vao querer estas sobremesas, mas vale a pena fazer a mistura em casa, batendo iogurte natural com a fruta que a crianca mais gosta. Gosta de nuggets de frango ou hamburgueres industrializados? Por que nao fazé-los em casa com a certeza da origem dos ingredientes que vocé esta usando? Macarrao instantaneo, nem pensar. Vale a pena esperar mais al- guns minutos no preparo de um bom macarrao integral. Os refrigerantes, assim como qualquer bebida rica em aclicares sim- ples, também contribuem para 0 aciimulo de gordura corporal, podendo le- var a obesidade e doengas relacionadas, como o diabetes. Além disso, quem toma muito refrigerante acaba tendo habitos alimentares inadequados como um todo, piorando ainda mais o quadro. E os refrigerantes dietéticos? Sabe-se #GOAHEAD que muitos atletas de fisiculturismo e outras pessoas com fisicos impressio- nantes, mantém uma 6tima alimentacao, mas ndo abrem mao dos refrigeran- tes dietéticos. E ai? O que existe de ciéncia sobre isso? Ndo existem estudos conclusivos relacionando riscos a sau- de ao consumo de refrigerantes dietéticos. Estas bebidas carbona- tadas, livres de calorias, adocadas artificialmente com aspartame, sucralose, acesulfame-potassium também nao produzem efeitos insulino- trépicos (picos na liberacdo de insulina) e nem alteram mecanismos fisio- légicos da lipdlise. A alegacao de que o consumo de adocantes artificiais estimularia a vontade de comer doces é uma evidéncia que ainda nao foi confirmada pela ciéncia, Mesmo tendo uma maior quantidade de sédio, quando comparado ao refrigerante tradicional, o refrigerante dietético nao pode ser considerado rico em sédio. A bebida diet tem aproximadamente 10 mg de sédio para cada 100 ml. Para vocés terem uma ideia, 100 gramas de algum frio embutido, como presunto ou peito de peru, por exemplo, tem mais de 1000 mg de sédio. Mas antes de achar que pode tomar refrigerantes dietéticos 4 vontade, saiba que 0 uso exagerado de adocantes artificiais pode causar disbiose intes- tinal, quando no intestino ha uma diminuicao do numero de bactérias “boas” € um aumento das “ruins” Isso dificulta a absorcdo de nutrientes e provoca caréncia de vitaminas. Além disso, o que mais observamos é a escolha do re- frigerante dietético como compensacio. Para tentar controlar o peso, as pes- soas usam a velha ldgica: tomei um refrigerante diet, entéo posso comer mais. No processo de reeducacao alimentar 0 ideal é sempre dar preferéncia a gua e chs. Sucos de frutas dilu(dos, como limao e maracujé, podem ser boas alternativas para quem esta em uma dieta com restricao calorica. JA os sucos de frutas concentrados, por serem mais caldricos, sao bem-vindos ape- nas para esportistas/atletas com maior gasto energético ou pessoas com um metabolismo muito acelerado. Quanto mais evitarmos corantes aromatizan- tes e outros compostos artificiais, mais seguros estaremos quanto a futuros 89 NUTRICAG € INDIVIDUALIDADE prejuizos para nossa satide. Averdade é que praticamente todos os alimentos industrializados tem muitos aditivos que apesar de nao estarem na tabela de informagao nutri- cional, sao informados na lista de ingredientes do produto sempre no final, nomeados de varias formas como antioxidantes, espessantes, estabilizantes, corantes, conservadores. Sao substncias quimicas que, embora sejam adi- cionadas em quantidades bem pequenas no produto, devem ser evitadas. Na duivida, compre a menor quantidade possivel de industrializados, evite pro- dutos com altas taxas de sédio, valor energético, gorduras saturadas e trans, e dé preferéncia aos alimentos naturais, ricos em vitaminas, sais minerais, pro- tefnas, fibras e gorduras insaturadas. A industria deveria ser obrigada a fazer justamente o contrario do que faz atualmente. Deveria colocar adverténcias nos rétulos sobre seus teores de aclicares, sédio, gorduras saturadas, corantes e conservantes. Sou até mais radical em afirmar que alguns alimentos de tao prejudiciais a satide deveriam ter adverténcias impactantes, mostrando seus perigos. Mas a situacdo atual esta tao invertida, que varios suplementos alimentares, que deveriam ter o consumo estimulado, sao rotulados com imagens agressivas que afastam o consumidor comum. Vai entender. Balanca de precisio No inicio de um acompanhamento nutricional consideramos interes- sante a adesdo de uma balanca de precisao para pesar os alimentos. Somente assim, tanto 0 profissional quanto o paciente teréo um controle exato sobre os resultados obtidos, facilitando os ajustes periédicos. No caso de atletas de di- ferentes modalidades, principalmente nas semanas finais antes das principais competicées, detalhes minimos podem fazer a diferenca. E claro que vocé nao precisa andar com uma balanga debaixo do braco o tempo todo, mas, sempre que possivel, deve ter o cuidado de pesar os alimentos antes de consumi-los. #G0AHEAD Depois de certo tempo utilizando a balanca, a pessoa saberé “de olho” mensurar as quantidades de cada refeicdo, adequando-as de acordo com a intensidade do treinamento. Da mesma forma, com 0 passar dos anos, a ava- liagéo em frente ao espelho pode dispensar qualquer método de avaliagao corporal, como balancas ou adipé6metros. Quando o paciente chega neste ni- vel, ele realmente atingiu 0 “padrao-ouro” do acompanhamento nutricional. Muita gente me pergunta se o alimento deve ser pesado antes ou apés © preparo. Considero a pesagem apés 0 preparo mais facil, no entanto, ela também pode ser feita antes. Para isso, existem tabelas especificas com os fatores de coc¢ao dos alimentos. E sé calcular e pronto. Caso a pesagem seja feita apés 0 preparo, deve-se especificar ao paciente se o peso calculado equi- vale ao alimento cozido ou assado, pois dependendo do alimento em ques- to, a diferenca pode ser significativa. Outro ponto que devemos considerar é a gramagem do alimento fon- te do nutriente e sua concentracao. Por exemplo, muitas pessoas acham que 100 gramas de batata doce tem a mesma quantidade de carboidratos que 100 gramas de arroz ou mandioca ou macarrao. S6 para citar alguns exemplos, 100 gramas de carne bovina magra tém 36 gramas de proteinas; peixe branco magro, 24 gramas; peito de frango, 30 gramas; cada ovo inteiro, 6,5 gramas, sendo que cada clara possui 3,5 gramas. J4 100 gramas de batata doce tém 18,4 gramas de carboidratos; 100 gramas de mandioca, 30,1 gramas; 100 gra- mas de arroz integral, 25,8 gramas; 100 gramas de aveia em flocos crua, 66,6 gramas; 100 gramas de macarrao integral, 26,54 gramas. Este conhecimento & importante na hora de substituir um alimento fonte. A troca deve ser equiva- lente a ponto de suprir sua demanda nutricional. Alimentacao em viagens Ja presenciei algumas vezes, atletas de diferentes modalidades, acaba- rem indo mal nas competigdes por queda na imunidade ou até mesmo into- 1 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE xicagdo alimentar, ocasionada na viagem para a competi¢ao. Sem dtivida, em uma viagem é muito mais dificil manter um programa alimentar adequado, quando comparado com o conforto da nossa casa. Em viagens internacionais, o problema é ainda maior, sem contar que ainda temos que lidar com a adap- tacao de clima, altitude e fuso horario. Uma pratica comum no fisiculturismo que tento passar para os atletas de outras modalidades que também acompanho, é visitar o supermercado local assim que chegar ao destino. Na falta de um quarto com cozinha é inte- ressante levar um pequeno fogao elétrico (facilmente encontrado em lojas de eletrodomésticos) para que seja possivel preparar suas préprias refeicoes no proprio hotel ou alojamento. Quanto melhor a estrutura do hotel mais facil, s6 que na falta de condicdes adequadas 0 jeito é improvisar. Vale tudo para evitar desconfortos gastrointestinais e manter a programacao alimentar pla- nejada. Nao é exagero! Para aqueles que nao sao atletas e estao em viagem de férias, quando nao for possivel uma refeicdo adequada, o uso de substitutos de refeicées na forma de shake (meal repleacements) e barras proteicas pode ser uma boa alternativa. Além de evitar exageros é interessante introduzir em todas as re- feigées alguma boa fonte proteica (ovos, peito de frango, carne bovina ma- gra, peixes) e equilibrar as fontes energéticas. Uma dica pratica é: se sua fonte proteica tiver um teor mais elevado de gorduras, reduza a ingestao de carboi- dratos da refeicdo. Isso vale também quando utilizar alguma bebida alcodlica como acompanhamento. E uma maneira bem simples de controlar um pouco a ingestao caldrica. Mas tao importante quanto estas dicas é saber aproveitar suas férias, experimentando os pratos e culturas locais. Como sempre digo, equilibrio é fundamental. 92 #60AHEAD Suplementos Pela falta de regulamentacdo e fiscalizacdo na venda de suplementos alimentares em nosso pais, grande parte das industrias “pinta e borda”, enga- nando descaradamente os consumidores. A ANVISA é muito rigida no controle das substancias contidas nos produtos, mas muito falha na liberacdo das ro- tulagens. Vemos rétulos que mais parecem medicamentos de tarja preta com frases do tipo: ndo exceder a dosagem recomendada. O produto é feito com substancias inofensivas a satide, como vitaminas e sais minerais, mas sdo ven- didos como potentes suplementos para aumentar o ganho de massa muscular. Um adolescente que quer ficar musculoso nao vai se preocupar com © que tem dentro daquele pote. Ele vai comprar o produto que o deixar mais impressionado por suas promessas de resultados rapidos. Nao por acaso, ha indmeros produtos no mercado de suplementa¢ao com nomes similares de famosos esteroides anabélicos. A minha recomendacéo nao se impressione por rétulos, frases de adverténcia, tamanhos dos comprimidos e outras arti- manhas que a industria usa com 0 Unico objetivo de enganar o consumidor. Como algo que pode melhorara satide de tantas pessoas pode ser ven- dido de forma tao errada? Enquanto os profissionais de satide tentam explicar para a populacao em geral os beneficios do uso de suplementos alimentares, a industria insiste em caminhar no sentido contrario. Ao escolher esta rea para trabalhar, o empresario deveria ter a nocdo exata da importancia de tudo isto. Uma loja de suplementaco ndo trabalha com produtos exclusivos para atletas ou praticantes de academia. Acima de tudo est4 vendendo algo que pode reabilitar o estado nutricional de um paciente acometido por uma do- enga degenerativa; auxiliar um obeso a mudar sua qualidade de vida; realizar 0 sonho de alguém que deseja um fisico mais bonito ou um atleta a melhorar sua performance. Aindustria de suplementagao tem hoje um leque imenso de produtos para auxiliar os profissionais que trabalham com seriedade. Nao ha necessida- 93 NUTRICAG € INDIVIDUALIDADE de deste tipo de marketing agressivo e mentiroso. Nao seria mais interessan- te, até financeiramente, investir em uma propaganda verdadeira, que levasse a informagao correta para as pessoas? Assim como acontece na industria de alimentos, se fossemos listar todos os produtos intiteis langados no mercado de suplementacao, seriam necessdrias muitas paginas, mas vou pelo menos apresentar algumas estratégias usadas pela industria para iludir os consumi- dores de suplementos. Rotulagem Uma enganacao muito comum é sobre a presenca e a quantidade de nutrientes no produto. Vocé compra um émega 3 que no rétulo vem escrito: ‘émega 3 1000. Sé os mais observadores vao perceber que destes 1000, apenas 300 mg sao realmente de émega 3, somando as quantidades de EPA (Acido ei- cosapentaenoico) e DHA (acido docohexaendico). Isso também acontece com muitos BCAAS. Na frente do rétulo, em destaque, BCAA 1000, O consumidor é levado a pensar que em uma cApsula teré 1000 mg da subst4ncia, mas ao virar © rétulo verd que para se beneficiar dos 1000 mg, vai ter que tomar quatro c4p- sulas do produto. Muitas pessoas acham que esto comprando um whey protein de 6ti- ma qualidade, porque o rétulo diz ele, contém BCAAS e glutamina. E a mes- ma artimanha que a industria de alimentos usa hd anos com 0 dleo de soja, por exemplo, afirmando que ele nao contém colesterol. Assim como todo whey protein é uma fonte natural de BCAAS e glutamina, nenhum dleo de soja vai ter colesterol por ser um dleo vegetal. Quando vocé compra um bife no agougue ou um ovo no mercado, vem escrito na embalagem que eles tém BCAAS ou glu- tamina? E claro que no! Fique atento a estes detalhes e nao se deixe enganar. 94 #G0AHEAD O milagre do colageno Os suplementos a base de colageno para rejuvenescimento, celulite e melhora da qualidade da pele existem ha muitos anos, mas com o aumento da procura das mulheres por um fisico mais atlético, voltaram ao mercado com toda forga, em embalagens cor de rosa. E ébvio para qualquer pessoa que entenda um pouco de fisiologia e bioquimica, que ao ingerir uma prote- ina como 0 colageno, ela seré degradada no organismo em varios aminoaci- dos que nao necessariamente formarao novamente col4geno em nosso cor- po. Precisamos de aminodcidos para a formacao de varias proteinas desde o sistema hormonal, sangue, enzimas, musculos, sistema imunolégico, etc, mas a industria continua divulgando as propriedades miraculosas das capsulas de gelatina, naturalmente rica em colégeno. Para uma formacdo adequada de colégeno deve-se primeiramente ingerir uma matéria-prima (proteinas) de qualidade. Somado a isto, os nutrientes que atuam na sintese de colageno (silicio organico, vitamina C, selénio, zinco), devem estar presentes na dieta em quantidades adequadas. Compostos como Exynutriment®, Bio-arct® e Glycoxil® também podem auxiliar. Uma dieta restrita que mantém o indivi- duo em estado catabédlico promove nao somente a perda de massa muscular, mas também de outras protefnas estruturais, como 0 colégeno, prejudicando a qualidade da pele. Whey Prot e BCAAS para mulheres Com o aumento de mulheres nas salas de musculacao, as industrias nao perderam tempo e lancaram uma série de produtos, como proteinas em pé e BCAAs, dirigidos exclusivamente para o puiblico feminino, Algumas diferencas basicas na composicao como 0 acréscimo de colageno, dleo de primula ou isoflavonas, nao justificam o forte apelo de serem especificos para mulheres. Na verdade, 0 Unico diferencial é 0 rétulo cor de rosa e a associacao com a imagem de alguma musa fitness famosa que, certamente, atingiu seus 95 NUTRICAD € INDIVIDUALIDADE resultados sem 0 uso desta enganacdo. Tanto os homens quanto as mulheres precisam de suplementos com qualidade. Quando se fala em compostos multi- vitaminico-minerais até existe uma pequena ldgica nesta distinco, mas desen- volver um whey protein com rétulo cor de rosa para mulheres e outro azul para homens é uma estratégia puramente comercial sem qualquer fundamento. Gleo de coco e de cartamo para reducao da gordura corporal E impossivel estimar a fortuna que a industria de suplementos movi- mentou nos Ultimos anos apenas com estes dois produtos. As promessas de que 0 dleo de coco € o de cartamo auxiliariam muito na reducao da gordura corporal conseguem convencer até o consumidor mais cético. Assim como aconteceu com todos os produtos ineficazes nos Ultimos anos, felizmente, es- tas duas classes de suplementos vém perdendo espago no mercado. No inicio dos anos 2000, a venda de CLA (Acido linoleico conjugado) foi intensa no Brasil. Alguns estudos em animais apresentaram dtimos resul- tados na reducdo da gordura corporal e no aumento da massa magra com © uso desta suplementacdo. No entanto, as mesmas conclusées nao foram tao felizes nos estudos com seres humanos, o que levou a ANVISA a proibir sua comercializacao no Brasil. Imaginem a decepcdo da industria que, de uma hora para outra, deixou de faturar uma fortuna com a venda de CLA. Para nao perder faturamento logo comegaram a comercializar 0 dleo de cartamo com nomes parecidos com o CLA: LA, CL, CA ou outras siglas que lembrassem o famoso produto retirado das prateleiras. S6 que o dleo de cértamo néo é a mesma coisa do CLA. Ele é uma fonte de CLA, mas os estudos que tentaram mostrar sua eficécia como auxiliar no processo de perda de peso nao apresen- taram bons resultados. O dleo de coco, excelente fonte de TCM (triglicerideos de cadeia média), tem varias utilidades na nutricao esportiva. E uma fonte de gorduras de 6tima digestibilidade. Usamos com frequéncia para compor refeicées 96 #60AHEAD pré-treino ou para aumentar o aporte calérico de uma dieta, garantindo uma Otima digestibilidade. Mas vender dleo de coco com a promessa de que sua administra¢ao iré acelerar 0 metabolismo das pessoas jé é demais. Existe um estudo classico que apresenta elevacdo do metabolismo em individuos obesos, coma suplementacao de dleo de coco, mas este efeito ocorreu apenas nas duas semanas iniciais do estudo, néo sendo mantido no longo prazo. Barras de proteinas Desde que a palavra proteina se tornou sinénimo de qualidade nu- tricional, sua presenca nos rétulos j4 garante uma boa vendagem. Afinal, a maior parte das pessoas nao analisa a composi¢ao dos produtos e se baseia apenas na parte frontal do rétulo. Uma barra proteica tera sucesso de vendas garantido se tiver no rétulo a expressdo “rica em proteinas” e um timo sabor. O problema é que este dtimo sabor quase sempre é obtido pela adicao de agu- cares e gorduras, que estao discriminados no rétulo, mas em letrinhas mitidas que 0 consumidor provavelmente nao vera. Costumo dizer aos meus pacientes que consumir a maioria das barras proteicas disponiveis no mercado é 0 mes- mo que comer um chocolate ao leite acompanhado de um shake de protefnas. Termogénicos Os termogénicos (queimadores de gordura) mais famosos do mundo no podem ser vendidos no Brasil com suas formulas originais, S6 que muitas pessoas conseguem compra-los quando viajam para o exterior ou, ilegalmen- te, pela Internet. Nos vestidrios das academias é muito comum ouvirmos co- mentarios do tipo: -Vocé jé tomou 0 termogénico A? Pode tomar porque “seca” muito. - Estou tomando 0 termogénico B. Ele me da muito “gés” para treinar. 97 AUTRICAO & INDIVIDUALIDADE Mas qual a ciéncia por tras destes efeitos superpoderosos? Afinal, qual substancia presente nestes termogénicos “faz secar” ou “dar gas”? E justamen- te af que esta a minha preocupacdo. As empresas norte-americanas colocam apenas a descricao qualitativa do “blend” patenteado, omitindo as dosagens de cada principio ativo. Nem nés, profissionais, podemos precisar a efetivida- de ou os maleficios de certos produtos. Ao prescrever um termogénico nao podemos nos basear apenas nos relatos de vestidrios de academia ou no de- poimento de atletas famosos patrocinados pela industria. Devemos, acima de tudo, preservar a satide de nossos pacientes. A eficacia da maior parte das substancias encontradas em termoné- gicos nao tem nenhum embasamento cientifico, afinal, por mais que os pes- quisadores se esforcem, nao conseguem acompanhar a velocidade dos lan- gamentos de novos suplementos. Cabe aos profissionais buscar informacées e controlar a acao de qualquer substancia prescrita, ainda que os produtos tenham a liberacao dos érgaos fiscalizadores. Como efeitos negativos deste uso abusivo é rara a semana em que nao atendo pacientes com alteracdes no funcionamento da tireoide pelo uso exagerado ou continuo de termogénicos. Também nao é dificil encontrar ca- sos de pessoas que passaram por fases de profunda depressao, sindrome do Panico e outras graves desordens psiquiatricas pelo abuso de termogénicos. Exagero? Infelizmente nao! Mas entao por que as versdes brasileiras dos ter- mogénicos proibidos fazem tanto sucesso? Porque o marketing cumpre a sua funcao e fala mais alto do que todas as recomendagées profissionais. A base da maioria dos termogénicos é cafeina, apenas. Eventualmente, sdo acresci- dos de extrato de cha verde ou de outra substancia legalizada. Quase sempre © consumidor compra “gato por lebre’, ou seja, paga um preco absurdo em um produto a base de cafeina por causa do nome famoso no rétulo. E nao pense que a propaganda enganosa atinge apenas os frequen- tadores de academias. Um dia entrei em uma loja de suplementos e vi uma senhora, com sobrepeso, de aparéncia muito humilde, pedindo ao vendedor 98 #60AHEAD um dos termogénicos mais famosos do mercado, porque segundo ela, sua Patroa tinha emagrecido com aquele produto. O vendedor ofereceu uma versao brasileira do termogénico que tem apenas cafeina na composicao por um preco bem alto. Eu até tentei convencé-la do contrario, mas a mulher nao acreditando que eu trabalhava com nutricdo esportiva e, ela estava tao confiante no efeito emagrecedor do produto, que acabou pagando caro pela cafeina com o nome do termogénico famoso. Tenho absoluta certeza de que se ela fizesse simples mudancas alimentares perderia peso facilmente, sem gastar a toa o dinheiro ganho com tanto sacrificio. Nao estou condenando a cafeina ou afirmando que ela nao 6 um su- plemento eficaz. A cafeina tem étimas propriedades e, quando usada correta- mente, pode trazer dtimos beneficios. Eu sou contra a venda de suplementos @ base de cafeina com apelos milagrosos na rotulagem e contra a falta de informagées sobre os perigos do uso abusivo deste produto. Se nem todos os termogénicos séo seguros, como os profissionais po- dem otimizar a utilizacao de gorduras como fonte energética? Prescrevendo isoladamente as substancias que possuem comprovacao cientifica de forma individualizada. Para isso é necessdrio o conhecimento prévio de cada uma das substancias prescritas e suas interacées e, ainda assim, deixar muito claro para © paciente que nenhuma substancia, por melhor que seja, nao faré qualquer tipo de milagre no aumento do gasto energético. Pré-hormonais Como no Brasil a ANVISA restringe muito a comercializagéo de varios pré-hormonais disponiveis em outros paises, a industria tem que ser muito criativa para convencer os consumidores dos beneficios de seus produtos. Quando a promessa é estimular a producao de testosterona, usa-se: zinco, boro, magnésio e vitamina D, entre outros. No entanto, se o individuo nao apresentar deficiéncia prévia nessas substancias, nao haverd qualquer mu- 99) NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE danca em seus niveis de testosterona com 0 uso desta suplementacao. Exis- tem varios fitoterpicos com a mesma promessa, sendo que alguns realmente so interessantes, mas antes de introduzi-los é preciso saber quais os niveis atuais de testosterona por meio de exames laboratoriais. Se os niveis ja esti- verem adequados, nao ha razao para usar esses fitoterdpicos, mesmo sendo eficazes. Quando a promessa é estimular o aumento dos niveis de horménio de crescimento (GH) usa-se geralmente os aminodcidos arginina e ornitina. A ineficacia destes dois aminodcidos em baixas dosagens no aumento dos niveis plasméticos de GH jd é conhecida hd tempos. Mas algumas industrias insistem em relanga-las no mercado periodicamente, ocupando as prateleiras das lojas com produtos intiteis e confundindo ainda mais a cabeca dos consu- midores menos avisados. Em minhas palestras sempre destaco a importancia da utilizacao somente de suplementos com eficdcia comprovada pela ciéncia. Doping A preocupacao com o doping deve ser tema constante na vida do atleta profissional e uma atencao extra também deve ser dada no uso de su- 100 #G0AHEAD plementos alimentares, sejam eles comerciais ou manipulados. Apés alguns casos de doping em atletas por adulteracdo de produtos em certos clubes e federacées 0 uso de suplementacdo alimentar passou a ser um tabu. Aagéncia Americana Antidoping (USADA) disponibiliza em seu web- site algumas orientacdes para reconhecer e/ou identificar suplementos com maior risco de contaminacao ou presenga de substancias nao permitidas. Tais como: + Examine cuidadosamente o rétulo, além de pesquisar sobre nomes desconhecidos que podem ser sinénimos de compostos nao permitidos; + Evite consumir produtos feitos por empresas que vendem outros com subst8ncias proibidas (risco de contaminacao cruzada); + Evite suplementos com chamadas apelativas de aumento de volume muscular, perda de peso, melhora no desempenho sexual, etc; + Fique atento para ingredientes que terminam em ‘ol’ “diol”, “stene” ou com muitos numeros; + Evite suplementos que categoricamente tratem alguma doenca; + Cuidado com afirmagées como"o mais recente reembolso", “solugéo pratica’, “formula secreta’, “tudo natural” ou “o que os especialistas nao querem que vocé saiba’; + Cuidado com as alegacées de que um produto é a alternativa aos medicamentos de prescricdo, como testosterona e GH; + Seja muito cético com as afirmacées de “estudos clinicos” ou antincios com muitas imagens de profissionais de satide; + Evite produtos que misturam uma série de ingredientes, alguns nem mesmo conhecidos; + Cuidado com suplementos que afirmam serem aprovados ou testados pela USADA ou WADA, pois nenhuma destas agéncias faz tal parecer; + Atencdo com os “proprietary blends" (misturas patenteadas). 101 O profissional que decide acompanhar um atleta submetido a contro- le de doping deve, além desse conhecimento basico, conhecer as instalacées e matérias-primas das empresas que fornecerao os suplementos para oatleta. O mesmo cuidado se estende para as farmdcias de manipulacao. A manipula- Gao de formulas destinadas aos atletas em controle de doping deve ser feita em local separado das demais, com cuidado redobrado, para evitar contami- nacdo cruzada. O atleta ndo deve usar nenhum suplemento sem antes con- sultar seu nutricionista. E muito comum atletas serem pegos no doping pelo consumo de DHEA, um suplemento muito popular nos Estados Unidos, como precursor de testosterona. Exemplo do total desconhecimento do atleta ou até mesmo do profissional que o acompanha sobre a lista de substdncias proibidas. 0 QUE DEVEMOS COMER Como viram até aqui, nao existe receita de bolo. Cada individuo é uni- co e precisa de uma proposta alimentar que o leve a atingir seus objetivos, mas sempre respeitando suas caracteristicas metab6licas. Considero interes- sante 0 uso de uma proposta alimentar pré-elaborada, com as refeicées qua- lificadas e quantificadas. No inicio, o uso de uma balanga para calcular o peso exato do alimento antes de consumi-lo pode ser muito interessante. Com o passar do tempo, a pessoa conseguird se alimentar intuitivamente, sem ane- cessidade de andar para cima e para baixo com o seu programa alimentar. Vai avaliar sua evolucao apenas se olhando no espelho e aprenderd a identificar a apropriada ingestao de macro e micronutrientes associada com o volumee a intensidade de exercicios que pratica. O primeiro passo é sem duivida o fracionamento. Adequar a alimenta- 40 do individuo de acordo com a sua rotina de atividades, incluindo sempre © exercicio fisico. Fazer pequenas pausas em nossas atividades profissionais ou académicas para se alimentar nao é perda de tempo, ao contrario. Eo que 103 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE vai garantir uma melhor produtividade e rendimento. Sabemos que em cada pais a alimenta¢ao vai mudar de acordo com os habitos regionais. Em alguns lugares a refeicdo mais importante do dia sera logo pela manha, enquanto em outros no meio do dia ou a noite. Indepen- dentemente do lugar onde vocé mora, é importante respeitar suas necessida- des nutricionais que podem nao corresponder aos habitos culturais pratica- dos pela maioria. Na maior parte do Brasil, a alimentacao tradicional seria: | | DESJEJUM = ae | | Pao francés com manteiga ou margarina _MEIODAMANHA _| Nada ou algum bolo ou salgado | Arroz branco “Alguma carne frita es a | Batata frita ou outra fritura | Salada basica (alface, tomate e cebola) _ | Refrigerante As vezes algum doce de sobr Nada ou bolacha, bolo, pao de queijo pououtro salgado 2 _|Pizza, lanche ou algo similar LANCHE DA TARDE Chocol: #60AHEAD Quando se resolve melhorar a alimentacao, as refeices mudam, mas © respeito ao padrao cultural, acima das necessidades nutricionais prevalece: DESJEJUM pees aS : |MEIODAMANHA __ Fruta_ as é | |Arrozintegral _ |Bife ou peito de frangogrelhado | Salada variada Suco de laranja | Fruta de sobremesa | ALMOCO | Cha/café/suco, pao integral com requeijao : 4 ougeleialight Idem ao almoco logurte LANCHE DA TARDE Sem duivida, haveria uma grande evolucao tanto no fisico quanto na qualidade de vida da pessoa que fizesse esta mudanca na alimentagao, mas o carddépio proposto ainda é muito simplista se pensarmos na complexidade de fatores que envolvem uma dieta personalizada. Uma mudanga nos habitos alimentares leva tempo. Nao sera da noite para o dia que alguém habituado a comer chocolate e frituras todos os dias, vai passar a comer batata doce com peito de frango nas refeicées principais. Para ser duradouro, o processo de adaptacdo deve ser feito com calma. Em- butido de peito de peru é um bom alimento? Nao! Tem muito sédio e conser- vantes, mas pode ser um bom substituto para alguém acostumado a comer 105 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE mortadela. Isso vale para varios outros alimentos, como ja discutimos ante- riormente. Portanto, nunca julgue um alimento de maneira isolada. O ideal é saber individualizar cada prescricdo sempre respeitando o momento de vida de cada individuo. Um grande erro é alguém com uma alimentacao completamente erra- da, de uma hora para outra, resolver mudar seus habitos radicalmente. Vocé come uma pizza bem caprichada no jantar (jurando que ser a ultima vez) e no dia seguinte acorda decidido a emagrecer. Para tanto, escolha o seguinte programa alimentar qualitativo: Ovos mexidos (distribuicdo de gemase clarasde acordo com a necessidade individual) Sai Frutas (escolhendo-as de acordo com necessidade individual, avaliando inclusive o indice glicémico) MEIODAMANHA — Batatadoce Peito de frango Arroz integral S | ALMOCO Carne bovina magra Legumes e verduras variados Mandioca / macaxeira /ai LANCHE DA TARDE —— - Peito de frango Quinua real cozida_ JANTAR Peixe magro Legumes e verduras variados aN Omelete (distribuicdo de gemas e claras de acordo com a necessidade individual) _ 106 #G0AHEAD Uma dieta deste tipo se assemelha com o padrao alimentar de um fisi- culturista (sem considerar as eventuais suplementagées pré, intra e pés-treino que discutiremos adiante). O problema nao esta na distribuicao das refeicées e na qualidade dos alimentos. Se alguém seguir uma base alimentar como esta, desde que acertando as quantidades com as necessidades individuais, tera grandes resultados. A questao é: por quanto tempo alguém que nao esta acostumado com essa rotina alimentar, repetitiva e monétona, conseguir su- portar? Talvez um més ou um ano, mas ndo conseguird o verdadeiro objetivo que é a reeducacao alimentar. Muito mais interessante seria manter uma die- ta menos rigorosa, nem que se leve mais tempo para atingir 0 objetivo. Se o processo for prazeroso, a dieta nao sera um sacrificio e podera ser mantida ao longo de toda uma vida. E bom deixar claro que algumas pessoas, apds anos no processo de reeducacao alimentar e com objetivos estéticos elevados, conseguem man- ter uma dieta com muitas restricdes por bastante tempo, sem sofrimento ou dificuldade, mas com toda a minha experiéncia de consult6rio posso garantir que foram pouquissimos os casos como esse que presenciei. A maioria supor- ta até determinado ponto, mas, por diferentes motivos, se cansa da dieta e volta a se alimentar de maneira inadequada. Entao, como seria uma correta distribui¢do de nutrientes consideran- do nossas necessidades nutricionais? Primeiro, esqueca os termos desjejum, colacao, lanche, almo¢o, jantar e ceia. Todas as seis pausas para se alimentar ao longo do dia devem ser cha- madas de refeicao, pois séo igualmente importantes dentro de um planeja- mento nutricional. A estimativa do gasto energético diario é 0 ponto de partida. Como o objetivo do livro é mostrar que as caracteristicas individuais sempre devem ser respeitadas, vocés j4 devem imaginar que as formulas geralmente utiliza- das para estimar 0 gasto energético nao sao nem um pouco exatas. Podemos nos deparar com alguém com elevado gasto energético que consegue étima 107 NUTRICAO € INDIVIDUALIDADE e satide renal, observa-se que nao existem dados consistentes que afirmem a relacao entre uma ingestao elevada de proteinas e prejuizo na sauide renal de individuos saudaveis. Em se tratando da relacdo entre ingestao proteica e cAlculos renais, a literatura moderna relata que uma elevada ingestao de prote- ina animal auxiliaria negativamente apenas em individuos com calculos jé em formacao, mas nenhuma desordem foi observada em individuos sem essa ca- racteristica. Isto demonstra que é necessdria uma pré-existente disfuncéo me- tabdlica para que a ingestdo elevada de prateina passa exercer algum efeite. Relaciona-se também a ingestaéo proteica com perda de massa 6s- sea. Esta relacdo pode ser verdadeira para individuos susceptiveis como, por exemplo, mulheres sedentdrias no periodo pés-menopausa, mas nao para individuos fisicamente ativos, principalmente os engajados em treinamento com pesos. No entanto, antes de acrescentar mais medidas de whey protein em seu shake, devemos analisar se existe demanda para esta ingestdo, pois uma ingestao desnecessaria de proteinas pode inclusive proporcionar acimulo de gordura corporal e, como ja foi discutido, a real necessidade proteica é um fator individual. Lipidios Assim como a ingestao proteica, sugiro a distribuicdo uniforme dos lipidios na dieta, Muitas pessoas que precisam reduzir a gordura corporal aca- bam cometendo o grande erro de ingerir uma quantidade insuficiente de li- pidios. Além de algumas deficiéncias, inclusive devido a baixa absorcao de algumas vitaminas lipossoltiveis, ocorre uma significativa reducao na produ- Gao natural de testosterona. Isso pode prejudicar ndo s6 o ganho de massa muscular, mas também o rendimento no exercicio. Sugiro que entre 20 e 30% das calorias totais ingeridas na dieta sejam provenientes de lipidios, mas em alguns casos pode-se chegar a 40%, como. 128

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