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Yuri Miguel Macedo

Geisa Hupp Fernandes Lacerda


Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda
(Organizadores)

Ensino e Diversidade: a práxis


docente em meio ao pluralismo
atual
Yuri Miguel Macedo
Geisa Hupp Fernandes Lacerda
Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda
(Organizadores)

Ensino e Diversidade: a práxis


docente em meio ao pluralismo
atual

Porto Seguro, BA
2019
Copyright © 2019 by Yuri Miguel Macedo, Geisa Hupp
Fernandes Lacerda e Antonio Michel de Jesus de Oliveira
Miranda (Organizadores)
Todos os direitos reservados
Arte da capa Diretora Administrativa
Victoria E. S. Mendes Claudia Braga Maia
Diagramação Diretor Financeiro
Eduardo Tognon Miguel Isaac Jr.
Secretária Executiva Diretora do Conselho
Rafael Enzo Mota Pereira Editorial
Diretor de Edição Mariana Fernandes dos
Yuri Miguel Macedo Santos

Conselho Editorial:
Ana Helena Ithamar Passos Mariana Fernandes dos Santos
Eduardo David de Oliveira Pâmella Passos
Gilsilene P. P. Francischetto Patrícia Gomes Rufino Andrade
Giovana A. Fazio Zanetti Rita de Cássia V. da Costa
Jorge Ferreira Dantas Junior Simone Silva Alves
Kiusam de Oliveira Sônia Guimarães
Larissa de Albuquerque Silva Suely Dulce de Castilho

_________________________________________________
Ensino e Diversidade: a práxis docente em meio ao
pluralismo atual. 1.ed. / Yuri Miguel Macedo, Geisa Hupp
Fernandes Lacerda e Antonio Michel de Jesus de Oliveira
Miranda (Organizadores.) – Porto Seguro: Editora Oyá,
2019, 498 p.

ISBN: 978-65-80187-31-7

1. Educação. 2. Ensino. 3. Diversidade. 4. Educação


Superior. 5. Educação.
I. Título. II. MACEDO, Yuri. III. LACERDA, Geisa Hupp
Fernandes IV. MIRANDA, A. M. J. O.
Todos os direitos desta edição reservados aos autores,
organizador e editores. É expressamente proibida a reprodução
desta obra para qualquer fim e por qualquer meio sem a devida
autorização da Editora Oyá.
SUMÁRIO

PREFÁCIO........................................................................... 9
Rayner Raulino

A IMPORTÂNCIA DA DISCIPLINA GÊNERO NO


CURSO DE DIREITO .........................................................15
Catarina Cecin Gazele

A PRÁXIS DOCENTE DO PROFESSOR DE LÍNGUA


PORTUGUESA E AS DIFICULDADES FRENTE AO
ALUNO COM SURDEZ EM UMA ESCOLA
ESTADUAL DA CIDADE DE PARNAIBA-PI ................... 59
Luísy Danielle Azevedo da Rocha

ABAYOMI E A IMERSÃO DA CULTURA AFRO-


BRASILEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ...................... 119
Maria Estely Rodrigues Teles e Fabricia Pereira Teles

A FORMAÇÃO E A PRÁXIS DOCENTE SOB O


OLHAR DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA:
VIVÊNCIAS E REFLEXÕES PEDAGÓGICAS SOBRE
DIVERSIDADE ................................................................ 147
Cristiane Neves Angelo, Querolin Gomes Alício e Israel
David de Oliveira Frois

ÁFRICA EM QUADRINHOS ............................................ 171


Elbert Agostinho
CIENTIFICIDADE DA PSICANÁLISE FREUDIANA E
SUAS CONTRIBUIÇÕES AOS EDUCADORES
SEXUAIS DE ADOLESCENTES .................................... 205
Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda e
Vicente Gregório de Sousa Filho

DIVERSIDADE SEXUAL, ESCOLA E RELIGIÃO:


QUEBRANDO OS PARADIGMAS .................................. 255
Edeson dos Anjos Silva, Ariel Miranda Silva e Jackson
Gomes de Rezende

DIALOGOS DOCENTES E DISCENTES SOBRE A


HISTORIA DA CULTURA AFROBRASILEIRA:
TECENDO PRAXIS DE UMA PEDAGOGIA
ANTIRACISTA ................................................................. 283
Geisa Hupp Fernandes Lacerda, Sandra Maria Machado e
Edeson dos Anjos Silva

GÊNERO, SEXUALIDADE E RELIGIÃO NA ESCOLA


PÚBLICA: IMAGINÁRIO, DISCURSOS E VIVÊNCIAS
ADOLESCENTES .......................................................... 309
Vicente Gregório de Sousa Filho

INCLUSÃO DO ALUNO SURDO NAS AULAS DE


LÍNGUA PORTUGUESA EM UMA ESCOLA
PÚBLICA DE ENSINO MÉDIO REGULAR NA
CIDADE DE PARNAÍBA-PI ............................................ 345
Francilane Lima de Sousa

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA DOCÊNCIA DO


ENSINO SUPERIOR: UMA ABORDAGEM SOBRE A
PRODUÇÃO E APROPRIAÇÃO DO SABER ................. 379
Vanessa Carvalho da Silva França
O NEGRO NO MERCADO DE TRABALHO:
REFLEXÕES SOBRE A DIVERSIDADE, CLASSE E O
RACISMO ......................................................................... 411
Israel David de Oliveira Frois

RECURSOS MULTIFUNCIONAIS: ARTICULANDO


SABERES E TRANSFORMANDO A PRÁXIS ................ 435
Leila Cláudia de Farias Mangueira Carneiro

REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO PAPEL


DO INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS NA
ESCOLA COMUM........................................................... 473
Maria Aurioneida Carvalho Fernandes, Regina de Fatima
Mendes Schmidlin e Maria Durciane Oliveira Brito
Ensino e Diversidade

PREFÁCIO
O livro Ensino e diversidade: a práxis
docente em meio ao pluralismo atual pode, em
uma análise aligeirada de seu título, trazer a
impressão de que estaremos diante de mais um
entre os tantos títulos recém-lançados que
tocam no tema da educação em perspectiva da
diversidade. No entanto, basta, recorrer já nas
primeiras páginas que esta obra se propõe a
algo com muita profundidade e abrangência.
A obra organizada pelos professores Yuri
Miguel Macedo, Geisa Hupp Fernandes Lacerda
e Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda
que fazem partes de diferentes regiões
brasileiras, os capítulos são escritos por
diferentes colaboradores, justamente para
possibilitar ao leitor uma gama de olhares de
diferentes realidades, nos surpreende e nos
coloca em reflexão interna sobre aspectos tão
importantes que tem sido trilhado no campo da
educação a discussão acerca do pluralismo
presente nesse contexto e os desafios impostos
aos docentes a partir daí.
Esta obra abre-se as discussões a partir
do artigo intitulado “A importância da disciplina
gênero no curso de direito” de autoria de
Catarina Cecin Gazele que nos ajuda a entender
um pouco sobre a importância do debate de
gênero no ensino do Direito no Brasil para

9
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

possibilitar a garantia dos direitos sociais e de


cidadania a todos os indivíduos.
Destaca-se também nesta obra o debate
sobre o ensino de língua portuguesa para alunos
surdos e como tem sido um dos novos desafios
presentes para o docente, este artigo de autoria
de Luísy Danielle Azevedo da Rocha, intitulado
“A práxis docente do professor de língua
portuguesa e as dificuldades frente ao aluno
com surdez em uma escola estadual da cidade
de Parnaíba-PI” nos ajuda a compreender os
desafios postos e por meio destes,
repensarmos as práticas docentes para
possibilitar a inclusão educacional.
A cultura afro-brasileira está presente
nesta obra para repensarmos a prática docente
desde a educação infantil, por exemplo, o
capítulo escrito por Maria Estely Rodrigues
Teles e Fabricia Pereira Teles abordam sobre o
“Ensino e diversidade: a práxis docente em meio
ao pluralismo atual Abayomi e a imersão da
cultura afro-brasileira na Educação Infantil”. O
capítulo seguinte também aborda os desafios
dos docentes na educação infantil no que tange
“A formação e a práxis docente sob o olhar da
pedagogia histórico-crítica: vivências e reflexões
pedagógicas” de autoria coletiva de Cristiane
Neves Angelo, Querolin Gomes Alício e Israel
David de Oliveira Frois.
Em decorrência da lei acima citada, Elbert
Agostinho nos apresenta uma outra abordagem
para o ensino sobre a História da África, a partir,

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Ensino e Diversidade

de história em quadrinhos, construindo novas


possibilidades de leitura e discussão entre os
participantes do contexto educacional.
Nesta obra aborda-se também sobre a
“cientificidade da psicanálise freudiana e suas
contribuições aos educadores sexuais de
adolescentes” que articula saberes sobre o
conhecimento produzidos por Sigmund Freud e
como temas específicos, por exemplo, a
orientação sexual é compreendida a partir
desse enfoque teórico.
Dando continuidade ao tema sexualidade,
os estudos de Edeson dos Anjos Silva, Ariel
Miranda Silva e Jackson Gomes de Rezende
abordam sobre a “diversidade sexual, escola e
religião: quebrando os paradigmas”, tal estudo
nos ajuda a romper com certos estigmas que
produzimos cotidianamente no espaço escolar
acerca dessa temática e como a religião
influencia essa produção social dos estigmas.
No próximo capítulo aborda-se a
importância da história e da cultura afro-
brasileira no currículo da educação que tornou-
se obrigatório desde 2003 a partir da Lei 10.639,
as pesquisadoras Geisa Hupp Fernandes
Lacerda, Sandra Maria Machado e o pesquisador
Edeson dos Anjos Silva denotam sobre um
capítulo sobre os “diálogos docentes e
discentes sobre a história da cultura afro-
brasileira: tecendo práxis de uma pedagogia
antirracista”, com o intuito de romper com

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A práxis docente em meio ao pluralismo atual

práticas sociais preconceituosas cristalizadas


nos espaços escolares.
No âmbito da escola pública precisamos
nos ater sobre a temática de gênero,
sexualidade e religião, o que está presente no
imaginário, discursos e vivências adolescentes,
nesse sentido, o capítulo escrito por Vicente
Gregório de Sousa Filho aborda essa temática, e
como ainda é vigente a visão patriarcal da
sexualidade. O autor contribui com algumas
indicações teórico-metodológicas aos
educadores e às educadoras sexuais a partir de
uma perspectiva contextualizada da sexualidade
e do gênero na educação escolar.
Ao se tratar de diversidade de educandos,
o próximo capítulo aborda sobre a “inclusão do
aluno surdo nas aulas de língua portuguesa em
uma escola pública de ensino médio regular na
cidade de Parnaíba-PI”, neste capítulo a autora
Francilane Lima de Sousa fala sobre a
importância da Língua Brasileira de Sinais
(Libras) reconhecida como língua natural da
pessoa surda desde a Lei nº10.436 de 2002, com
esse reconhecimento, a autora busca
compreender como o aluno surdo está sendo
incluído em turmas regulares do ensino médio.
Para pensarmos a pluralidade em todas as
etapas de ensino a pesquisadora Vanessa
Carvalho da Silva França apresenta a temática
das “práticas pedagógicas na docência do
ensino superior: uma abordagem sobre a
produção e apropriação do saber”, em que

12
Ensino e Diversidade

discute como essas práticas influenciam aos


indivíduos participantes do processo de ensino
e aprendizagem nas instituições de ensino
superior a produção e apropriação de saberes.
Articulando com as ideias presentes no
capítulo anterior sobre a produção e
apropriação de saberes no ensino superior, o
pesquisador Israel David de Oliveira Frois,
destaca este processo de ensino e
aprendizagem, por meio, de “reflexões sobre a
diversidade, classe e o racismo no mercado de
trabalho”, junto a alunos dos cursos de
Administração e Ciências Contábeis.
No penúltimo capítulo, a autora Leila
Cláudia de Farias Mangueira Carneiro, destaca a
construção de ações educacionais relacionadas
com a Tecnologia de Informação e
Comunicação (TIC) com a sugestão de
materiais didáticos capazes de envolver os
alunos surdos. É necessário destacar a
importância das TIC’s no processo de ensino e
aprendizagem aos diferentes indivíduos, entre
eles, os alunos surdos.
Finalizando o livro destaca-se a
importância do papel do intérprete de Língua
Brasileira de Sinais na escola comum, na busca
de produzir processos de ensino e
aprendizagem inclusivos à comunidade surda
nas redes regulares de ensino. Assim, as
autoras Maria Aurioneida Carvalho Fernandes,
Regina de Fatima Mendes Schmidlin e Maria
Durciane Oliveira Brito destacam que as

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A práxis docente em meio ao pluralismo atual

barreiras existentes tanto para os professores


regentes (ouvintes) quanto para os alunos
surdos está no não reconhecimento dos
múltiplos saberes atribuídos para uma
educação inclusiva e bilíngue.
A obra Ensino e diversidade: a práxis
docente em meio ao pluralismo atual se
transforma em um material atualizado, frutífero
de ideias e rico de saberes, comprometido com
o fortalecimento da educação como direito
público e subjetivo. O livro deve ser entendido
como um instrumento propulsor de novos
saberes e olhares acerca do contexto
educacional, que proporcionará aos diferentes
indivíduos (professores, educadores,
profissionais da educação, educandos, família e
outros) indícios de transformações das
realidades vividas nos diferentes contextos
educacionais brasileiros.
Esperamos que todos e todas se
encontrem em cada capítulo e no conjunto da
obra como sujeito de direito de aprender,
pesquisar e propagar novos/outros
pensamentos.
Tenham uma excelente leitura!

Rayner Raulino
Vitória ES, Abril de 2019.

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Ensino e Diversidade

A IMPORTÂNCIA DA
DISCIPLINA GÊNERO NO
CURSO DE DIREITO
Catarina Cecin Gazele

A diversidade sexual deve ser


respeitada por todos, assim como a da etnia
e cor. Parte-se da premissa de que existe
somente uma raça, a humana. E que os seres
humanos devem ser tratados como iguais,
embora haja diferenças, como os espectros
autista e de gênero. Aqui a proposta é
demonstrar que as questões que envolvem o
gênero têm importância tanto para a pessoa
que precisa de orientação jurídica em
qualquer setor público ou mesmo em
escritórios particulares de advocacia quanto
especialmente para os atores que atendem. A
fim de dar conta de afirmar dessa
importância, definir-se-á sexo e gênero,
transgeneridade, homossexualidade e
heterossexualidade, com abordagens
específicas sobre identidade de gênero,
orientação sexual e o princípio da dignidade
da pessoa humana, que é um dos
fundamentos da República Federativa do
Brasil. A importância do conhecimento de
gênero como categoria de analise, vai desde
entender seu significado em políticas
públicas para mulheres negras e não-negras,

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A práxis docente em meio ao pluralismo atual

como para as tratativas das pessoas


LGBTQI+. O ensino do Direito no Brasil tem
recepcionado lentamente em sua grade
curricular as situações que envolvem direitos
sociais e da cidadania. Não há como
retroceder, como não cuidar de enfrentar e
combater os preconceitos e discriminações,
até mesmo porque a diversidade é plural e
reclama posicionamento justo. Não é mais
invisível. Assim, os futuros juristas devem
obter nos bancos da Universidade
aprendizado sobre gênero e diversidade
sexual, dentre outras categorias, para a
consolidação da dignidade de suas carreiras e
da pessoa humana a qual atende, orienta e
cuida de seus direitos.

Palavras-chave: ensino; diversidade; gênero;


direitos.

FOMENTANDO POLÍTICA PÚBLICA DE GÊNERO


NA ACADEMIA
A pluralidade de diversidade de
identidades de gênero, bem como as questões
sobre orientação sexual aliadas às étnico-
raciais, tem tomado tempo nas reflexões e
ações de coletivos femininos, feministas e da
comunidade LGBTQI+, especialmente no meio
acadêmico. São manifestações e atitudes de
entendimento e proteção, posto a omissão de
políticas públicas que previnam a violência tão
perversa denominada transfobia, homofobia,

16
Ensino e Diversidade

para não citar apenas a absurda estatística de


violência contra as mulheres no Brasil, negras e
não-negras. A violência de gênero atinge não
apenas a mulher, como o homem. Entretanto,
devido a cultura patriarcal com dominação
masculina, a mulher é a vítima por excelência.
Por isso a expressão violência de gênero fica na
doutrina e nos movimentos populares como
violência contra a mulher.
No meio acadêmico grassa também a
violência de gênero especialmente contra as
meninas e mulheres. Há pouco tempo os
estabelecimentos de ensino público e privado
começaram a se preocupar com essas
questões, que não ferem apenas a esfera de
segurança, como também a educacional e a de
saúde. Embora essa violência no meio escolar
seja importante, o foco aqui é a do estudo de
gênero no curso de Direito a considerar que
atualmente as questões de gênero que levam à
violência contra a mulher e também as LGBTQI+
precisam de conhecimento e reflexões desde os
bancos escolares. O curso de Direito passa por
alterações em sua grade curricular, o que
ocasiona a necessidade de estudos
interdisciplinares, ainda que apenas saberes
básicos na graduação. Hodiernamente vários
cursos de Direito oferecem disciplina sobre
Direitos Humanos, o que leva tanto o corpo
docente quanto o discente, a repensar várias
representações tidas como naturais pela
sociedade, mas que em verdade são

17
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

construções sociais que minam a estima das


pessoas, as adoecendo e até mesmo as levando
a óbito.
Assim, o oferecimento da disciplina
Gênero e violência doméstica na Universidade
Federal do Espírito Santo especifica tema de
Direitos Humanos, alargando conhecimentos
com os quais o aluno venha se tornar
profissional mais sensível com os temas a ele
levado a tratar, em qualquer carreira jurídica, a
saber: escrivão, detetive, agente policial,
delegado de polícia, servidor do Poder
Judiciário, juiz, defensor público, advogado
público ou privado, promotor ou procurador de
justiça ou da república, membro do Ministério
Público do Trabalho, enfim, e demais.1
Aprende-se ainda que o direito penal não
dá conta de conter violências, incluindo a
institucional que vitimiza novamente uma
pessoa ofendida em seu direito de dignidade
como ser humano quando os atores que
trabalham nessas questões não a tratam com
urbanidade e solidariedade. Os futuros
profissionais então devem receber
ensinamentos sobre gênero, identidade de
gênero, transgeneridade, como dito alhures.
Devem entender o instituto das políticas
públicas como instrumento de transformação
1
O planejamento da disciplina estará mais adiante, com
referências bibliográficas básicas, estimulando outras
leituras.

18
Ensino e Diversidade

social. Esses estudos permitem ainda que o


mundo jurídico esteja mais conectado com
outras ciências e cursos, como com a
antropologia, a sociologia, a psicologia e o
serviço social, dentre outros saberes que
agregam valores ao Direito. Dessa forma o
profissional terá meios, mecanismos mais
eficazes para atendimento e resolução de
violações de direitos, especialmente com as
pessoas em situação de vulnerabilidade, como
as menores de quatorze anos de idade que
sofrem abusos sexuais, bem como as que por
qualquer condição, não possam se defender,
como as pessoas em estado de embriagues e as
doentes mentais. Nessas situações a pessoa em
estado de violência recebe cuidados corretos e
orientações jurídicas dignas, sem se tornar
vítima novamente, agora a denominada violência
institucional. O oferecimento da disciplina sobre
gênero e violência significa uma decisão política
do departamento de Direito em alterar sua
grade curricular de modo a tratar dessas
questões que afetam o país, não apenas o
estado do Espírito Santo. A seguir coloca-se
resumos de alguns itens do programa a fim de
demonstrar conhecimentos postos ao corpo
discente, que efetivamente, não exaure os
temas, mas provoca pesquisa e debates em
salas de aula, rodas de conversa e seminários.

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A práxis docente em meio ao pluralismo atual

DISCUTINDO SEXO E GÊNERO


Linda Nicholson (2000), citada em in A
igualdade de gênero na Carta da República de
1988 (GAZELE, 2018) afirma ‘gênero’ ser
“tipicamente pensado como referência a
personalidade e a comportamento, não ao
corpo; ‘gênero e ‘sexo’ são, portanto,
compreendidos como distintos”. E qual o
motivo da referência corporal? Trata-se
evidentemente da questão biológica, órgãos
sexuais em suas partes externas. Rachel Soihet
(1997) também declara que a expressão gênero
tem sido usada para a compreensão da questão
da distinção sexual, sublinhando o aspecto
relacional entre as mulheres e os homens.
Heleieth Saffiotti (2015) em sua obra de
excelência Gênero Patriarcado Violência
preleciona
“Para situar o leitor, talvez convenha tecer
algumas considerações sobre gênero. Este
conceito não se resume a uma categoria de
análise, como muitas estudiosas pensam,
inobstante apresentar muita utilidade
enquanto tal. Gênero também diz respeito a
uma categoria histórica, cuja investigação tem
demandado muito investimento intelectual.
Enquanto categoria histórica, o gênero pode
ser concebido em várias instancias: como
aparelho semiótico (Lauretis,1987); como
símbolos culturais evocadores de
representações, conceitos normativos como
grade de interpretação de significados,
organizações e instituições sociais, identidade

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Ensino e Diversidade

subjetiva (Scott, 1988); como divisões e


atribuições assimétricas de característicos e
potencialidades (Flax, 1987); como, numa
certa instância, uma gramática sexual,
regulando não apenas relações homem-
mulher, mas também relações homem-
homem e relações mulher-mulher (Saffiotti,
1992, 1997; Saffiotti e Almeida, 1995) etc”.

Para fechar suas colocações, Saffiotti


resume que o gênero é a construção social do
masculino e do feminino. Joan Scott, citada por
Carmen Hein de Campos (2011), ao falar de
gênero, assemelha a Harding (1996). Scott
coloca o gênero como categoria de análise,
como dimensão de poder. Afirma-se então que
no simbolismo de gênero “... a doutrina jurídica
opera, lançando mão de inúmeras metáforas
dualistas sobre o feminino e masculino”.
Será rediscutido sobre sexo e gênero mais
adiante, especialmente por ocasião de
identidade de gênero e orientação sexual. Os
temas são interligados, não se pretendendo
exauri-los.

FEMINISMOS

Isso mesmo, feminismos. É plural. No final


dos anos 10 do século atual, 2019, se conhece o
feminismo contemporâneo. Mas se sabe
também que esse movimento quando
trabalhado no meio escolar, iniciativa de

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A práxis docente em meio ao pluralismo atual

feministas professoras voltadas a entender o


gênero como categoria histórica e de análise, é
conhecido por feminismo acadêmico. No Brasil
o feminismo acadêmico teve impulso no final
dos anos 1960. Não há que se falar no singular,
sob pena de possuir um único olhar para as
questões que envolvem o feminino, quando na
realidade a abordagem é plural, inclusive
conforme os territórios, os lugares de fala e a
cultura própria.
O feminismo subverte os códigos
dominantes na família e na sociedade. É um
fenômeno social que sacode a ordem
preestabelecida socialmente e mais: desafia o
código cultural mais forte, cuja ideologia está
enraizada, internalizada nas pessoas, pela
reiteração das condutas advindas dessa cultura,
o patriarcalismo, de maneira que parece sutil,
natural. Dizer do patriarcado ou patriarcalismo
é investigar a dominação masculina tão bem
analisada por Pierre Bourdieu, em seu
conhecido livro A dominação masculina (2002).
Dizer do patriarcado é reconhecer a importância
de uma redefinição da realidade do cotidiano de
muitas mulheres a partir da teoria feminista,
que é uma teoria crítica da sociedade. Pela
teoria feminista é um outro olhar, uma
ressignificação das situações tidas pelos olhos
masculinos, herança cultural de ver a mulher
como inferior ao homem e leva-la a acreditar
que certos constrangimentos são naturais; são
assim simplesmente por serem sempre assim,

22
Ensino e Diversidade

inquestionáveis. Deixar como está, ainda que


renda um desconforto significa perpetuar
situações de desigualdade, ou antes, de
desrespeito à dignidade da pessoa humana.
Acentue-se que o historiador deve afastar-se
um pouco de uma situação que conheça e
queira falar dela, para ver de fora, são as
escalas das quais nos fala Skinner. Assim de
certa forma é o olhar pelo feminismo. Afasta-se
do lugar comum masculino. A teoria feminista
permite ver uma conduta tida comumente
como proteção masculina às mulheres, como
exploração ou manipulação, por exemplo. É a
análise de gênero como uma categoria. Mas
muitas mulheres não aceitam esse olhar. É
natural a demonstração desse conflito, até
porque há a possibilidade de estar internalizado
nelas ser mais fácil concordar com
discriminação e desigualdade do que enfrentar
o que já é socialmente aceitável.
O feminismo investiga a sociedade pela
organização social com suas instituições, seus
regimentos internos, seus códigos de ética, sob
a observação da desigualdade de gênero. A
análise dos gêneros, como são vistos pelo
conjunto do Estado e da sociedade civil,
demonstra as questões de equidade ou não, se
as diferenças biológicas sexuais são marcadores
para tratamentos assimétricos entre homens e
mulheres. O feminismo investiga e denuncia se
há perpetuação de desigualdades tidas como
natural sem questionamentos e enfrentamentos

23
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

de suposta dominação masculina. Aliás,


patriarcado ou dominação masculina? Como
salienta Miguel (2014, p. 18) a categoria
‘patriarcado’ é controversa na própria teoria
feminista. Há quem entenda ser uma forma
mais ampla de estudar vários aspectos da
subordinação das mulheres. Por outro lado, há
quem entenda no movimento feminista que o
patriarcado é apenas uma das manifestações
históricas da dominação masculina. Desse
pensar se extrai que o patriarcado é uma forma
de organização social, aliás perversa, pois nada
democrática, haja vista a situação dos arranjos
matrimoniais até mesmo contemporâneos tidos
e havidos com uma parceria desigual. Afinal, a
mulher é a parte mais vulnerável conforme
séculos de cultura. O patriarcado ainda existe,
só que transformado. A dominação masculina
ainda persiste sendo segundo o autor
mencionado, de maior alcance como fenômeno.
Mary Wollstonecraft nasceu em 1759 na
Inglaterra, sendo considerada a pioneira nas
discussões feministas, por ter conseguido
sistematizar em sua obra Uma vindicação dos
direitos do homem, que foi uma resposta a
verdadeira emancipação dos homens, pelos
republicanos franceses. Isso a levou a estudar e
escrever seus pensamentos e reflexões acerca
da possibilidade de emancipação das mulheres,
que foi abortada em momento tão importante
para a humanidade, a época de bradar
Igualdade, Fraternidade e Solidariedade.

24
Ensino e Diversidade

Wollstonecraft preocupava com a ausência de


educação para as mulheres, do poder do voto e
da igualdade de direitos no casamento. Começa
com ela, portanto, uma teoria política feminista.
Faleceu em 1797. Ela foi a pioneira a
sistematizar as questões jurídicas em prol das
mulheres.
Já Marie Olympe de Gouges, nascida em
França em 1748 foi uma destemida ativista em
prol do reconhecimento de direitos para as
mulheres na época pré-revolução francesa de
1789. Escritora e conhecida por sua revolta pela
exclusão das mulheres da vida pública e luta
em favor da equidade de direitos entre homens
e mulheres, é de sua lavra um documento da
maior importância para as mulheres de
qualquer tempo. Documento atemporal, cujo
conteúdo desafiou o poder constituído pós
revolução. Causou-lhe a morte na guilhotina em
1793. Trata-se da Declaração dos direitos da
mulher e da cidadã. É uma resposta aos
homens que cuidaram dos direitos do homem e
do cidadão. Acentue-se que acrescentou
clausulas exclusivamente femininas que foram
consideradas afronta aos vencedores da
Revolução Francesa. Ela simplesmente exigia o
direito à liberdade de opinião para as mulheres.
Entretanto, importa indagar. Quem é essa
mulher que o feminismo até aqui dito se refere?
Isso pois no Brasil o feminismo teve início com
a preocupação primeira dos direitos políticos,
com o movimento feminista sufragista, no final

25
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

do século XIX. Eram mulheres brancas, de


instrução regular, não apenas com habilidades
manuais e de classe social reconhecidamente
abastada ou ao menos próxima a isso. A luta
em poder votar e ser votada, em ver seus
direitos civis também postos em lei,
especialmente as casadas, isso era preocupação
efetivamente de mulheres com perfil social
privilegiado. Dessa forma, as mulheres negras
não estavam na luta para o direito de trabalhar
fora do lar, isso já faziam por necessidade ou
não. A luta delas era mais profunda naquele
século, era para serem consideradas pessoas
sujeitas a ter direitos. Insta acentuar que a
expressão ‘feminismo negro’ é uma realidade
nos dias atuais como será dito em outro tópico.

DAS INTERSECCIONALIDADES NAS QUESTÕES


DE GÊNE\RO
Falamos alhures rapidamente sobre
conquistas das mulheres no Brasil sobre
direitos políticos e direitos civis, ocorridas no
século XX, ano de muitas manifestações de
movimentos sociais, especialmente de
mulheres. A trajetória do feminismo aqui na
América do Sul tem sido lenta. Começou no
século XIX a luta das sufragistas, que de alguma
forma buscaram a educação para as mulheres,
uma base sólida para os avanços que foram
consolidados à custa de renúncias pessoais de
várias delas. Nísia Floresta é um ícone daquele
tempo, reconhecida para sempre, tendo seu

26
Ensino e Diversidade

nome lugar de expressão na historiografia das


mulheres do Brasil. O voto foi conquistado em
1932, tendo ocorrido a primeira eleição em 1934.
Inicialmente o voto para elas seria facultativo,
após, com o advento da Constituição Federal,
passou a ser obrigatório, mesma condição para
os homens.
Em tópico próprio do programa da
disciplina, há estudo com texto e vídeo
narrando essa época, apontando nomes e
funções que mulheres alcançaram a partir da
conquista realizada dos direitos políticos. No
presente estudo não há como alongar no texto,
apenas destacando que por motivos variados, a
mulher no Brasil ainda caminha devagar no
campo da política partidária. Estatísticas
demonstram a cada término de período
eleitoral, um número acanhado de mulheres
participando ativamente nos municípios,
estados e distrito federal, e congressos
nacional. Seja no Poder legislativo ou executivo.
Que mulheres são elas? Em sua maioria
são brancas, de classe social moderada a alta,
com instrução de ensino superior ou ao menos
médio. Algumas são levadas para a política por
algum homem de sua vida, com marido, pai, tio,
irmão, amigo íntimo ou mesmo pelo sobrenome
da família, que de tantos políticos em
determinada região, são nomes bem quistos,
bem aceitos. Maioria, basta verificar a biografia
de cada uma delas. Isso as desmerece? Claro
que não, desde que assumam seus papéis

27
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

diante do eleitorado e do país. São


oportunidades que levam algumas delas a
comprovar que são competentes e que homens
e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
Mas as mulheres com suas histórias de vida,
todas elas, são iguais aos homens em direitos e
oportunidades? Sabido que não. A luta continua
para essa igualdade e equidade de gênero ser
comprovada, embora esteja afirmado na Carta
da República esses princípios. E as mulheres
entre si são iguais nessas conquistas? Pelo
direito ao sufrágio a resposta é positiva. Porém,
as oportunidades de ascensão aos cargos
políticos são diferentes, embora tenham o
sistema de cotas, que está no momento sendo
revisto até mesmo para ser extinto, por
questões culturais de gênero.2
Pois então, as mulheres não são iguais na
prática cotidiana do exercício de direitos
universais, incluindo o de viver. Basta ver as
estatísticas de mortes de mulheres por
homicídio. Acentue-se os direitos civis
conquistados no país apenas em 1962, para as
mulheres casadas. Mais de uma década foi
passada de busca para alteração do artigo 6º,
do Código Civil de 1962. As mulheres casadas
precisavam da autorização de seus maridos até
mesmo para trabalhar fora do lar. A advogada
Romy Medeiros da Fonseca, do estado do Rio de
2
Maiores considerações, ver Projeto de lei n. 1.256/19, que
revoga o §3º, do artigo 10, da Lei n. 9.504/97.

28
Ensino e Diversidade

Janeiro, liderou um grupo de mulheres juristas,


a partir do final da década de 1940,
acompanhando projetos no Senado Federal, a
fim de alterar especialmente o inciso II do
artigo 6º, do Código Civil, que previa a relativa
incapacidade civil da mulher casada. Com a
sede do Congresso Nacional já em Brasília, o
êxito foi inaugurado no tocante ao instituto da
capacidade civil e outras alterações
importantes. Romy teve assim seu nome escrito
na historiografia das mulheres do Brasil, a
exemplo da obra Estatuto da mulher casada:
um marco na conquista dos direitos femininos
no Brasil (GAZELE, 2016).
A discriminação contra a mulher é
indiscutível ainda hoje. Daí também a
importância da disciplina Gênero nas grades dos
currículos escolares desde o ensino
fundamental. Há movimento legislativo a este
respeito. Entretanto, não bastará legislação
afirmando da necessidade desses estudos. É
mudança cultural a partir do entendimento
geral de que basta de fazer de conta, como sói
acontecer com a lei federal número 10.639, de
2003, instaladora do Dia Nacional da
Consciência Negra, 20 de novembro e a
obrigatoriedade do ensino em estabelecimentos
públicos e privados, da História da África e da
Cultura Afro-brasileira. As escolas não
cumprem com metodologias adequadas. Sobre
os indígenas a falha é a mesma. Onde, pois, há
igualdade de tratamento para todas a pessoas?

29
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Não há que se falar em igualdade sequer para


pessoas do gênero masculino, com menos
oportunidade para os negros do que aos não-
negros. Imagina afirmar igualdade para todas as
mulheres! As cotas para negros entrarem nas
universidades e em algumas profissões por
concurso público de provas e títulos também
estão sendo ameaçadas de extinção.3
Se há uma baixa na participação de
mulheres brancas em postos de comando no
Brasil, pensar nas negras é verificar a
necessidade de políticas públicas específicas,
não somente as universais, para inclusão delas
em setores de destaque, em cargos de
comando. O Brasil tem como base ser um
Estado Democrático de Direito, com cidadania
inclusiva. Então, a todos e todas as leis são
dirigidas. Mas quantas legislações surgem do
clamor dos movimentos sociais de atuação
específica? As pessoas devem respeitar os
comandos legislativos, mas quantos deles
surgiram a partir da oitiva da população?
Somente as eleições com posse e exercício nos
cargos legislativos legitimam? São questões que
levam a inúmeras reflexões sobre justiça e
equidade.
3
Notícia veiculada em 15 de janeiro de 2019, na Folha de
São Paulo, diz de projeto de lei protocolado na Câmara
Municipal de São Paulo, da lavra do vereador negro
Fernando Holliday (DEM), que pretende sejam extintas
cotas para negros em concursos para a capital paulista.

30
Ensino e Diversidade

Retomando a fala de igualdade de gênero


entre pessoas do mesmo sexo biológico, bom
lembrar que ser igual não significa ter as
mesmas oportunidades, como ensina Raquel
Diniz Guerra (2011), em sua obra Mulher e
discriminação. Necessário então demonstrar
com pesquisas nos cursos universitários,
incluindo o do Direito, a desigualdade também
existente entre mulheres, a partir de eixos
como etnia, classe, religião, idade e outros
marcadores. Ser mulher já é uma questão que
leva a sofrer violência simplesmente por sua
situação de sexo feminino. A cultura da
dominação masculina como item do patriarcado
é determinante para tanto menosprezo pela
mulher como categoria de observação e análise
da sociedade. A mulher negra então sofre mais
ainda discriminação, o que leva a concluir ser
mister que os movimentos negros deem voz a
ela, individual ou de modo coletivo. A raiz dos
problemas, como dito, é a cultura. A escravidão
dos negros e negras tem sequelas culturais. As
oportunidades após a abolição da escravatura
no Brasil não surgiram. Os libertos e libertas
não receberam ações afirmativas. Não lhes
reservado foi sequer uma terra para plantar e
colher, diferente do ocorrido nos Estados
Unidos da América do Norte. No Brasil a dívida
para com os afro-brasileiros é grande ainda no
século XXI.
As pluralidades das identidades bem
como as experiências das mulheres, as leva a

31
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

trabalhar especificidades de mulheres negras de


modo interseccional, o que vale dizer, a
articular das questões de sexo e gênero com
demais eixos identitários, como dito alhures:
etnia, classe, sexualidade, idade e geração,
territorialidade, religião e outros. Há
necessidade de práticas sociais, não apenas
discursos, no sentido de demonstrar as
desigualdades, exclusões variadas e violências a
que são acometidas mulheres negras. Há
hostilidades em face a essas mulheres; cuida-
se de perversidade social advinda da cultura
enraizada no Brasil especialmente escravista,
que considerava e não quer alterar essa
educação equivocada, de que a mulher é um
objeto, uma coisa, uma posse ou propriedade
de outrem. Não e não. A coisificação da mulher
a leva sofrer violências como se fosse natural,
um destino triste. Para as negras brasileiras a
violência é mais visível e mais tolerada,
lamentavelmente. São todas mulheres
merecedoras de tratamento respeitoso e digno.
As negras, não negras, as indígenas, as ciganas,
as refugiadas, as imigrantes, enfim, todas são
seres humanos.
Nos estudos de enfrentamento e combate
à violência contra as mulheres deve-se ter a
perspectiva feminista e a interseccional. É a
vítima mulher? Então é uma situação de gênero.
Qual a etnia? Negra, preta ou parda? Segunda
questão tida como necessária de percepção.
Qual a idade? Mais uma vulnerabilidade. Onde é

32
Ensino e Diversidade

seu território? Mora na periferia, outra situação


a ser analisada na perspectiva feminista. Qual a
orientação sexual dessa mulher? Sendo lésbica
ou mulher transexual, mais uma condição de
vulnerabilidade social.
A hierarquização dos gêneros segundo a
cultura patriarcal induz a naturalização das
violências contra as mulheres. A dominação
masculina persiste em várias regiões deste país.
A internalização da própria mulher no sentido
de se sentir menor, inferior, faz com que se
perpetue a cultura misógina e machista. As
mulheres precisam ser alertadas quanto a
manipulação social que aderem. De um sacodir
a mulher pelos braços a um atestado de óbito,
é questão de segundos. É séria também a
situação de desestimular a mulher a se sentir
igual, com poder intelectual e econômico. Os
assédios contra as negras são assustadores,
pois a cultura da erotização da mulher afro-
brasileira ainda é forte. Os seres humanos não
são interessantes? Em relação as mulheres
especialmente as negras, mais interessante o
corpo delas, com o aval da mídia que as usa
como objeto, não pessoas sujeitas a direitos.
Verdade que em relação ao mundo das
propagandas, a coisificação delas tem
diminuído. Trata-se de violência simbólica ou
sutil combatida sobretudo pelos movimentos de
mulheres negras e instituições públicas, como o
Ministério Público brasileiro. Anote-se
importante leitura de artigo sobre a beleza

33
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

negra, que não existe consoante Djamila


Ribeiro4.
Debater as estatísticas sobre violência
contra as negras acarretam visibilidade, o que
comprova a necessidade de políticas públicas
específicas para elas, o que será visto no
próximo tópico, qual seja, sobre a violência de
gênero.
A associação anteriormente feita sobre as
vulnerabilidades, os eixos, levam a demonstrar
que a sociedade brasileira é racista, pois as
negras ocupam posições ainda bem inferiores
às mulheres brancas, mesmo que essas sejam
pobres e de periferia. O racismo é uma forma
de preconceito e discriminação com
fundamento em diferenças biológicas entre os
povos. A cor da pele usada como marcador de
diferenças, quando na realidade existe apenas
uma raça, a humana. Como entidade biológica
não há que se falar em raça, que é uma
construção social que define etnia. O racismo
institucional advém da falha proposital no
atendimento a essas pessoas, por servidores
públicos ou empregados privados quando
devem prestar seus serviços com urbanidade a
todas as pessoas. Falham e propagam
estereótipos propositadamente muitas vezes,
4
Para melhor entendimento o artigo de autoria dela,
Racismo: manual para os sem-noção, está no livro Quem
tem medo do feminismo negro? Editora Companhia das
Letras, 2018.

34
Ensino e Diversidade

devido a cor, origem étnica e cultura.


Importante, pois falar sobre as histórias de
mulheres negras que lutaram e outras que
ainda lutam contra essas perversidades. Os
estudantes precisam entender para agir melhor
com essa e outras categorias históricas, que a
cor ou a origem cultural de outras pessoas
contribuem para uma vida plural e saudável no
planeta terra. O Brasil tem uma miscigenação
étnica interessante: indígenas, portugueses,
negros, italianos, holandeses, alemães,
japoneses, árabes e outras. O grupo próprio
brasileiro quanto a etnia são os caboclos e
mulatos. As cores são: parda, preta, branca,
amarela e indígena. O pardo advém da mistura
de cores de peles entre brancos, indígenas e
negros.

VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Para melhor compreensão sobre violência
de gênero, esclarecedor é retomar o termo
gênero e a preocupação sobre a cidadania
feminina, que é um dos olhares dos
doutrinadores de Direitos Humanos, no viés
direitos das mulheres. O Brasil é signatário de
tratados e convenções internacionais sobre o
enfrentamento e o combate à violência contra
as mulheres. Mas nem sempre as autoridades
brasileiras cumprem as cláusulas assinadas.
Isso acontece em várias temáticas, não apenas
quanto as mulheres. No curso de direito há a
disciplina denominada Direito Internacional

35
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

quando então o corpo discente toma


conhecimento da importância dos conteúdos.
Nos estudos de Gênero e violência doméstica
há comentários desses documentos no que
referem ao gênero e temas afins. Discute-se o
que seja a violência de gênero como a vis
(violência) em face do feminino e do masculino.
No Brasil a violência é urbana, rural, contra
mulheres e homens, crianças, adolescentes,
idosos, independente do sexo ou gênero. Mas o
que se entende por violência?
São vários os instrumentos oficiais
internacionais sobre os direitos da mulher,
sendo que a Declaração para a eliminação da
violência contra a mulher da Organização das
Nações Unidas, de 1990 traz o conceito de
violência contra a mulher que decorra do
gênero:
Art. 1º Para os fins da presente Declaração, a
expressão ‘violência contra as mulheres’
significa qualquer ato de violência baseado no
gênero do qual resulte, ou possa resultar,
dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico para as mulheres, incluindo as
ameaças de tais atos, a coação ou a privação
arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na
vida pública, quer na vida privada.

Observa-se que as violências apontadas


têm como locus e situação, tanto a vida privada
quanto a pública. No Brasil a lei número 11.340,
de agosto de 2006 trata sobre a violência

36
Ensino e Diversidade

doméstica e familiar contra a mulher, como


questão de gênero. Atente-se que a conduta
criminosa pode ocorrer no espaço privado ou no
público, desde que as circunstâncias e
motivação sejam por questão de gênero,
advinda de relação de conjugalidade ou outra
posta na legislação. A lei tem o nome de Maria
da Penha, uma mulher branca, farmacêutica,
classe média do Estado do Ceará, vítima de
tentativa de homicídio praticado por seu então
marido, que simulou assalto a mão armada
numa tentativa de latrocínio. A violência de
gênero, pois, é considerada democrática no
sentido de que atinge mulheres de todas as
cores, classe social, religião e outros eixos. A
disciplina em referência discorre sobre a Lei
Maria da Penha nos dois últimos meses do
semestre. Inicialmente cuida-se de pesquisa e
discussão sobre temas variados que nascem
das questões de gênero.
Consoante ensinamentos de Jaceguara
Dantas da Silva (2018):
Revelando um viés menos generalizante, a
violência de gênero contra a mulher é
representada, no documento, como
manifestação da desigualdade histórica entre
homens e mulheres e como mecanismo social
de forçosa subordinação destas ao homem,
atingindo com maior potencialidade as
mulheres pertencentes aos grupos
minoritários e em situação de vulnerabilidade.
Nesses grupos, a Declaração inclui mulheres

37
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

indígenas, refugiadas, migrantes, rurais ou


residentes em comunidades remotas,
indigentes, internadas em instituições ou
detidas, com deficiências, idosas, em situação
de conflito armado e crianças do sexo
feminino. Embora não expressamente
nominadas, as mulheres negras entram na
condição de pertencentes a um grupo
historicamente escravizado e estigmatizado.
Podemos entender violências ou violações aos
direitos humanos das mulheres héteros,
lésbicas, ‘trans’, as que são sexualmente
mulheres, porém seu gênero não é definido,
enfim, pessoas que se identifiquem como
mulheres, como adiante se verá. Assim como
pela questão étnico-racial, mulheres pretas,
indígenas, amarelas, brancas e pardas.

Busca-se na disciplina Gênero revelar a


questão de violência contra a mulher
estampada nas legislações brasileiras, desde o
tempo do Brasil Colônia (1500 a 1822). Como
preleciona Valéria Scarance (2015, p. 8-9):
Ao tempo do Brasil Colônia (1500 a 1822)
reinava no País um sistema patriarcal. As
mulheres eram destinadas ao casamento e
aos afazeres domésticos, com total
submissão e obediência aos homens.
Enquanto os homens dominavam a leitura, a
escrita e o poder na tomada de decisões, o
papel social da mulher “era, necessariamente,
o de esposa e mãe dos filhos legítimos do
senhor.

38
Ensino e Diversidade

Na evolução dos direitos veio primeiro o


da educação para elas, ainda que a grade
curricular fosse tímida, doméstica. As meninas
aprendiam as quatro operações matemáticas e
atividades inerentes aos assuntos do lar. No
final do século XIX o ensino superior foi definido
para as mulheres. O caminhar demorado. Com o
advento do Código Criminal do Império do
Brasil, em 1830, foi abolida a norma quo
autorizava o homem a matar a esposa adúltera,
como estava no Código Filipino até ali em vigor
no Brasil. Entretanto, o instituto da violenta
emoção posta no §1º, do artigo 121, do Código
Penal de 1940, propiciava até o advento do tipo
penal derivado do feminicidio em 2015,
diminuição de pena quando a defesa usava esse
sentimento contra algum comportamento da
vítima que, segundo explanava, ela dera causa à
sua própria morte!5.
As estatísticas demonstram oscilações no
quantitativo anual de assassinatos de mulheres
no estado do Espírito Santo, nos anos 2013 a
2018, com diminuições. Apenas em 2017 houve
5
O art. 121, § 2º, VI, do Código Penal traz o tipo derivado
denominado Feminicídio, sendo o homicídio contra a
mulher por razões da condição de sexo feminino. A pena
mínima é de 12 (doze) anos podendo ir ao máximo de 30
(trinta) anos.
As razões de sexo feminino quando o crime envolve
violência doméstica e familiar ou menosprezo ou
discriminação à condição de mulher, consoante o §2º - A,
do mesmo artigo e estatuto legal.

39
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

um aumento significativo, caindo em 2018. Os


assassinatos, incluindo as modalidades de
homicídio e feminicidio, ocorreram da seguinte
forma: em 2013 - 159, 2014 – 139, 2015 – 130,
2016 - 99, 2017 – 133 e em 2018 - 92 casos. À
guisa de ilustração, diga-se que dos 92 casos de
2018, 33 são efetivamente de feminicidio.
A fonte é a Secretaria de Estado da
Segurança Pública e Defesa Social – SESP.
Sobre a cor da pele das vítimas, brancas é
16%; parda 55%; negra 28%. Não informada a
cor, 24%. A arma de fogo usada para matar
mulheres está em 62% em 2018. A arma branca,
em 24% dos casos e outros meios, como as
próprias mãos, força de peso sobre a vítima e
outros meios, em 14%. Das 92 mortes violentas,
33 são de caráter femicida.

IDENTIDADES DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO


SEXUAL
Porém, antes de questionarmos sobre o
desrespeito a dignidade sexual da pessoa
humana, necessário lembrar sobre gênero, suas
identificações e identidade. O sexo é definido
de acordo com as características biológicas,
anatômicas, genéticas e reprodutivas de cada
indivíduo, como preleciona Ana Macedo (2018).
O sexo é declarado, na maioria das vezes pela
observação dos órgãos sexuais externos, como
a vagina e o pênis. Nem sempre é fácil a
constatação, haja vista a possibilidade de
alterações no desenvolvimento embrionário,

40
Ensino e Diversidade

como questões cromossómicas, anatômicas ou


hormonais. Pode ocorrer então um
desenvolvimento sexual atípico.
Então, o sexo diz respeito ao biológico. E
o gênero diz respeito a construção social do
que é masculino e feminino. Significa dizer que
é quanto a características sociais, culturais,
psicológicas e de comportamentos associadas
ao feminino e ao masculino. Nem sempre foi
simples assim definir gênero. Os estudos de
gênero foram introduzidos especialmente por
escritoras feministas, como Joan Scott, que
colocou na condição de categoria de análise,
sendo citada por vários autores, a exemplo da
professora e escritora brasileira Heleieth
Saffiotti (2015).
A identidade de gênero, por sua vez, é o
sentimento que a pessoa tem sobre quem ela é;
é a vivência interna e individual. Ela quer ser
reconhecida, aceita como ela mesma se
reconhece A pessoa se identifica com o sexo de
nascença ou não. É o sentimento próprio dela
com ela e por ela. Diferente, pois, da orientação
sexual, que é o interesse ou desejo por pessoa
do mesmo sexo ou gênero, ou diferente. Na
orientação o sentimento é em relação a outra
pessoa. Na identidade de gênero o sentimento é
em relação a própria pessoa, ao seu interior.
Interessante dizer dos termos que se
relacionam com a orientação sexual e os
termos referentes com a identidade de gênero.

41
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Alguns termos relacionados com a


orientação sexual: heterossexualidade,
homossexualidade e bissexualidades.
Categorias: pessoas cisgêneras, lésbicas, gays,
bissexuais.
Para os profissionais de saúde é
importante que os termos homossexual e
heterossexual sejam tomados como adjetivos
para comportamentos e não como substantivos
que identificam uma identidade. Isso pois a
orientação sexual não traduz sempre a história
sexual de uma pessoa. Tem sido comum
encontrar lésbicas que tenham ou já tiveram
parceiros do sexo masculino e homens
heterossexuais que tiveram relacionamentos
sexuais com homens. Por outro lado, seguem
alguns termos referentes com identidade de
gênero: cisgênero e transgênero.
Entretanto, uma pessoa pode
apresentar-se como feminino ou masculino, no
espectro de feminino ou no espectro de
masculino; ainda, assumir-se genderqueer,
significando a pessoa que não se identifica com
as categorias definidas para sexo ou gênero.
Assume posições não fixas, pelo espectro de
gênero.
Espectro de gênero significa dizer que se
questiona a estrutura binária de gênero. No
centro do espectro a identidade assumida
denomina-se agênero.
O estudo de gênero envolve a mulher,
sexualidade e violência. Ora, então podemos

42
Ensino e Diversidade

entender violências ou violações aos direitos


humanos das mulheres héteros, lésbicas,
‘trans’, as que são sexualmente mulheres,
porém seu gênero não é definido, enfim,
pessoas que se identifiquem como mulheres.
Pela questão étnico-racial, mulheres pretas,
indígenas, amarelas, brancas e pardas. No curso
de direito necessário o esclarecimento de
transgeneridade infantil e adulta; as
dificuldades da transição de um para outro
gênero, aí incluindo as questões de
discriminação que a pessoa sofre bem como as
relativas à sua saúde. Importa revelar os
tratamentos para as pessoas, quer seja
cirúrgico e psicológico, quer seja apenas o
psicológico, vez ser pessoal a decisão de
ressignificação do sexo via cirurgia. Possível
reconhecer-se como trans mulher, trans
feminina, mulher trans ou outra denominação
para afirmar ser o gênero feminino, sem se falar
em cirurgia. O inverso também é possível. O
trans homem, trans masculino, homem trans ou
outra denominação para afirmar ser o gênero
masculino. Então é necessário que o futuro
bacharel em direito conheça essas realidades
para prestar seus serviços sem discriminação,
de modo a comprovar urbanidade, quer seja
quanto ao direito à saúde das pessoas como o
de viverem sem violência.
Diga-se que são esses alguns temas que
são oferecidos aos alunos para conhecimento e
reflexão.

43
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A


MULHER
Os dois últimos meses do curso há
aprofundado exame da Lei n. 11.340, de 2006,
artigo por artigo, mas antes disso ocorre estudo
sobre a motivação da legislação da lei, que
recebeu o nome de Maria da Penha. É uma lei
que chegou de modo não repressivo, sem
criação de tipo penal, o que ocorreu apenas por
alteração da lei em 2018, para tipificar o delito
de descumprimento de medida protetiva de
urgência6.Trata-se de lei fundamentada em
tratado internacional e disposição de norma
constitucional7. Acentue-se que adveio de
ordem internacional quando da análise do caso
emblemático de tentativa de homicídio sofrida
por Maria da Penha Maia Fernandes, cujo
processo não tramitava de modo regular,
consolidando impunidade.
As questões de violência contra a mulher
no âmbito doméstico e familiar, em relação
íntima de afeto, sendo em decorrência de seu
gênero, estão postas na Lei n. 11.340, de 2006,
aí incluindo um rol exemplificativo de
modalidades. Dentre outras situações de
violência de gênero contra a mulher, a lei traz a
física, a psicológica, a sexual, a moral e a
patrimonial. No curso é verificada cada situação
posta sobre violência, comentando-se os tipos
6
ARTIGO DO TIPO PEONAL
7
Art. 226, § 8º.

44
Ensino e Diversidade

penais existentes no Código Penal e leis


extravagantes. Como há alto índice de crimes
de homicídio, feminicidio, lesões corporais e
sexuais, tende-se a explicação doutrinária mais
acurada, enfocando direitos da personalidade e
princípios constitucionais, como o direito à vida,
à liberdade, à dignidade sexual.
O instituto das medidas protetivas de
urgência, artigo 18 e seguintes da Lei Maria da
Penha é de grande valia para a não reincidência
criminal contra a mulher em situação de
violência. Algumas ferramentas, como o botão
do pânico inaugurado em Vitória, capital do
estado do Espírito santo, são discutidas em
classe. Os grupos de reflexão para homens
agressores ou não são importantes para a não-
reincidência, e está no artigo 35 da Lei n. 11.340.
Inicialmente a preocupação era no sentido da
possibilidade da lei proteger não somente a
mulher, mas também o homem em situação de
violência doméstica. Com as informações sobre
a cultura patriarcal e a dominação masculina,
aliadas ao machismo e atitudes misóginas, ficou
claro da impossibilidade dessa proteção. Ela
ocorre em favor do homem consoante as
normas postas no Código de Processo Penal.
Óbvio que há violência de gênero contra o sexo
masculino, especialmente em relação aos
homossexuais.
As mulheres, segundo o artigo 2º da lei
em comento são as sujeitas ao polo passivo,
incluindo qualquer orientação sexual. A

45
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Comissão Permanente de Violência Doméstica e


Familiar contra a Mulher – COPEVID, do
Ministério Público brasileiro, após exaustivos
estudos, fez nascer um Enunciado, embora não
vinculativo, no sentido de que a mulher trans é
mulher para o sentido de proteção da Lei Maria
da Penha, assim como a travesti.
Para o término do curso, mesmo
comentando textos e vídeos sobre a violência
doméstica em geral e em particular contra a
mulher anteriormente, relata-se a parte teórica
do instituto das Políticas Públicas bem como o
panorama histórico da discriminação positiva,
este item com inspiração nos ensinamentos de
Stela Valéria, em Violência doméstica – análise
da lei “Maria da Penha”, nº 11.340/06.
A seguir há o plano da disciplina optativa,
cada vez mais procurada para matrícula.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO –


UFES
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E
ECONÔMICAS
PROGRAMA DA DISCIPLINA TÓPICOS ESPECIAIS
– GÊNERO/VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

1. PROFESSORA TITULAR:
CATARINA CECIN GAZELE
Me e Doutoranda em História Social UFES
Email: catarinacecin@gmail.com
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0257058197868718

46
Ensino e Diversidade

2. METODOLOGIA
Aulas expositivas intercaladas com vídeos e
palestras do mesmo tema com discussões.
Aulas expositivas intercaladas com textos do
mesmo tema enviados com antecedência
mínima de uma semana para discussões e
geração de relatórios. Seminários de temas
constantes do programa ou que tenham
interdisciplinaridade com a disciplina a serem
apresentados por grupos de alunos.

3. AVALIAÇÃO
a) Elaboração de artigo em duplas de
conteúdo relacionado com a disciplina.
Nota máxima 8 (oito).
b) Apresentação em seminários. Nota
máxima 2 (dois).

4. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
Noções sobre Questão de gênero em Direito
Processual Penal no Brasil. Violência contra as
Mulheres e Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher no Século XXI. Demais sujeitos
passivos de violência doméstica nas legislações
penais. O crime como produto de preconceitos.

O patriarcado brasileiro. Noções preliminares


sobre a Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha.

A Revolução Francesa e as Mulheres. Olympe de


Gouges e a Declaração Universal dos Direitos
das Mulheres. Movimento de Mulheres e

47
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Feminismo. Contextualização histórica dos


Direitos Civis e Políticos das Mulheres.

Convenções, Tratados e Protocolos em prol dos


Direitos das Mulheres. Documentos
internacionais e nacionais. O Conselho Nacional
de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério
Público. A Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito - CPMI sobre Violência contra as
Mulheres (2012/2013): diagnóstico,
recomendações e propostas de alterações
legislativas.

Gênero: princípio da dignidade da pessoa


humana. A Constituição Federal e os Direitos
Humanos. Direitos fundamentais. Direitos
Humanos das mulheres. Direitos sociais.
Igualdade de gênero. Família. Identidade e
Casamento na sociedade contemporânea.

Gênero: Ações afirmativas. Políticas Públicas: Os


três Poderes; Ministério Público e Defensoria
Pública. Articulações entre poderes e
Instituições governamentais e não-
governamentais sobre direitos das mulheres.
Programas federais. A Secretaria de Políticas
Públicas para Mulheres – SPM.

Transgeneridade infanto-juvenil e adulta.


Identidades de gênero e orientação sexual.

48
Ensino e Diversidade

Violência. Formas de violência na legislação


brasileira. Crimes sexuais e saúde da mulher. O
feminicídio no Brasil. O Mapa da Violência
atualizado.

A Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha artigo


por artigo como mecanismo para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher.

Proteção integral à Mulher. Sujeitos: ativo e


passivo. Conflito aparente de normas entre a
Lei 11.340/06 com o Estatuto da Criança e do
Adolescente, lei 8.069/90 e Estatuto do Idoso,
lei 10.741/03. Rol exemplificativo de formas de
violência.

A prevenção. Medidas Protetivas de Urgência:


natureza jurídica; alcance e efetividade.

Equipe multidisciplinar nas Delegacias de Polícia


e nos Juizados Especiais sobre Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher. Demais
equipamentos sociais nos municípios e o
atendimento à mulher.

Grupos de reflexão com homens autores de


violência. Tratamento das mulheres vítimas de
violência.

Os núcleos de enfrentamento à violência


doméstica e familiar contra a mulher no
Ministério Público, Defensoria Pública, Polícias

49
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Civil e Militar e a Magistratura. A OAB nesse


enfrentamento, Comissão Mulher Advogada.

O Fonavid e a Copevid: Forum Nacional sobre


Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
(Judiciário) e Comissão Permanente de
Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher (Ministério Público) e seus
Enunciados.

Juizados Especiais sobre Violência Doméstica e


Familiar contra a Mulher: competência. Vara
Criminal Residual: o artigo 33 da Lei Maria da
Penha. Tipos penais com maior índice de
denúncias e queixas.

A justiça restaurativa posta no artigo 16 da Lei


Maria da Penha: posição da doutrina e da
jurisprudência.

5. REFERÊNCIAS DO PROGRAMA DA
DISCIPLINA GÊNERO

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Do exposto, espera-se que os futuros


bacharéis em direito se tornem profissionais
mais sensíveis aos direitos sociais, questões de
gênero, enfim, a essas pluralidades de
identidades cuja diversidade leva o trabalhador
do direito a ampliar seus conhecimentos e fazer
valer uma sociedade mais justa e solidária.

REFERÊNCIAS

BIROLI, Flávia e Miguel, Luis felipe. Feminismo e


política: Uma introdução. São Paulo:Boitempo,
2014.

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57
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

58
Ensino e Diversidade

A PRÁXIS DOCENTE DO
PROFESSOR DE LÍNGUA
PORTUGUESA E AS
DIFICULDADES FRENTE
AO ALUNO COM SURDEZ
EM UMA ESCOLA
ESTADUAL DA CIDADE
DE PARNAIBA-PI
Luísy Danielle Azevedo da Rocha

Durante muito tempo, o ato de ensinar


era visto como uma das profissões que dava
uma melhor projeção social. Os primeiros
educadores brasileiros surgiram na década de
30 onde havia uma grande ansiedade com a
criação de universidades, a fim de formar
profissionais da educação capazes de atuar na
sociedade. Nessa época, o professor era
capacitado para ensinar e tinha formação na
antiga Escola Normal, e eram conhecidos como
pedagogos.
Atualmente com a globalização, os
impactos do mundo virtual, a acessão e o
respeito as diversidades da era inclusiva, o país
tem passado por mudanças significativas onde
se necessita adequar-se. Uma dessa mudanças
foi na área da educação com o advento da a Lei
10.436/2002, que reconhece a LIBRAS como
meio legal de comunicação e expressão do
surdo e o Decreto 5.626/2005 que garante o

59
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

acesso à escola oportunizando a comunicação e


o saber aos surdos. Outro fato importante, foi a
Lei 13.146/2015 ou Lei Brasileira de Inclusão -
LBI, também chamada de Estatuto da Pessoa
com Deficiência que afirmou a autonomia e a
capacidade das pessoas com deficiência para
exercerem atos da vida civil em condições de
igualdade com as demais pessoas. Assim, abriu-
se muitas oportunidades para a diversidade no
ambiente escolar, tendo garantido o ingresso de
alunos com algum tipo de diferença psicológica,
física, sensorial ou de comportamento, que vão
desde a imperatividade, a surdez e os mais
diversos déficits de aprendizado.
Nesse universo transformador e inclusivo,
tanto o ambiente educacional e principalmente
os profissionais da educação devem estar
preparados e capacitados para receber e
atender essa demanda, não apenas na educação
especial mas, principalmente, em todos os
âmbitos, séries, níveis e disciplinas do ensino
regular. Assim como as várias deficiências
cognitivas, a surdez afeta visivelmente o
aprendizado e a linguagem, por ser ela um
entrave na interação comunicativa, uma vez que
o surdo não aprende a Língua Portuguesa da
mesma forma que uma pessoa ouvinte. O aluno
surdo, além de aprender a sua língua materna, a
LIBRAS, necessita aprender a Língua
Portuguesa- LP na modalidade escrita. Nesse
viés, os professores devem estar preparados
para atender as demandas do ensino e

60
Ensino e Diversidade

aprendizado do aluno com surdez, em especial


do professor de Língua Portuguesa.
Com tudo o que foi dito, surgiu a curiosa
indagação: Qual o maior desafio do professor de
Português ao se deparar com um aluno surdo
em sala de aula regular? Por esse motivo se fez
pertinente investigar a temática de como está
sendo realizada a práxis docente do professor
de Língua Portuguesa em sala de aula regular e
quais as suas maiores dificuldades frente ao
aluno com surdez. O objetivo geral desse
estudo foi elencar as maiores dificuldades na
prática docente do professor de Português, ao
se deparar com alunos surdos em sala de aula.
Para isso, traçou-se alguns objetivos específicos
como: Comprovar se as aulas de Português
estão adequadas ao entendimento do aluno
surdo; Analisar se as metodologias aplicadas
atendem as necessidades desses alunos;
Verificar a prática docente do professor e o uso
da LIBRAS como recurso linguístico para o
aprendizado das crianças surdas.
De cunho qualitativo, esta pesquisa
apoiou-se em teóricos como Thoma (2006);
Santos (2009); Ribeiro (2013); Honora (2014);
Luchese (2017) entre outros, em revistas, artigos
e teses cientificas extraídas da internet de sites
especializados como Google Acadêmico e
SciELO. Metodologicamente, utilizou-se uma
pesquisa de campo para aplicação de uma
entrevista a 02 (dois) professores de Língua
Portuguesa de uma determinada escola da zona

61
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

urbana da cidade, por eles ministrarem aulas de


Português para alunos com surdez. Os 04
(quatro) alunos surdos estão em séries
diferentes onde 02 (dois) frequentam o 7º ano,
01 (um) o 6º ano e 01 (um) o 5º ano do ensino
fundamental. O professor I, ministra aulas para
o 7º e 6º anos, portanto para 03 (três) surdos e
o professor II apenas para 01(um) aluno surdo
no 5º ano.
Com as reflexões sobre a temática
estudada, espera-se contribuir para a melhoria
da práxis pedagógica do professor de Língua
Portuguesa que tem alunos surdos em sala
regular, orientando-os pela busca de sua
capacitação na área de LIBRAS, para que este
possa ter maior autonomia no repasse dos
conteúdos, efetivando de forma correta o
aprendizado e diminuindo as barreiras
comunicativas e a falta de entendimento no uso
concomitante das Línguas de Sinais e da
Língua Portuguesa, aqui designadas LS e LP
respectivamente.

EDUCAÇÃO NA ERA INCLUSIVA: aspectos legais


Depois da Segunda Guerra Mundial, vários
protestos e críticas surgiram em torno da morte
de inocentes e mudanças permeavam no
pensamento da humanidade com relação à
integridade e o respeito ao próximo. Nesse
sentido, por recomendação da Assembleia Geral
das Nações Unidas, através da resolução 217 A
III, no dia 10 de dezembro de 1948, e sem que

62
Ensino e Diversidade

houvesse nenhuma lei regulamentada criou-se a


Declaração dos Universal dos Direitos
Humanos- DUDH, sob a tríade dos valores de
liberdade, igualdade e fraternidade entre as
pessoas, independente de raça, cor ou sexo.
(ROCHA, 2012, p. 49 - 50).
A Declaração Universal dos Direitos
Humanos, em seu Art. 1º reconhece que “todos
os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos. Dotados de razão e de
consciência, devem agir uns para com os outros
em espírito de fraternidade” (UNICEF, 1948).
Os princípios da Declaração dos Direitos
Humanos são explícitos, no entanto a sociedade
ainda não reconhece essa igualdade entre os
indivíduos. Após quase 71 anos do
reconhecimento da DUDH, as pessoas com
deficiência lutam para serem incluídas como
devem ser no meio social, sofrendo por algo
que lhes são de direito. O respeito às suas
diferenças.
A priori, a proposta da educação especial
para as pessoas com deficiência era de um
ensino individualizado, em classes distintas das
salas regulares que segundo Neres e Arruda
(2007, p.1) “até meados do século XX, mais
precisamente na década de 1960, no Brasil, o
lócus de escolarização das pessoas com
deficiência era quase que exclusivamente, nas
instituições especiais”. Com o advento da
escola inclusiva, a organização do trabalho
pedagógico escolar, que ainda baseia-se na

63
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

homogeneização do ensino, é questionada.


“Muitos pesquisadores têm apontado para o
grande problema que a escola enfrenta hoje,
qual seja a de desenvolver uma pedagogia que
seja capaz de atender as diferenças” (NERES e
ARRUDA, 2007 p. 1).
Segundo Rocha (2012, p. 50) em 2003 o
país começa a mobilizar-se e assumir um novo
ideal inclusivo, apoiado pelo MEC e Secretaria
de Educação Especial- SEESP, no intuito de
fazer com que as escolas de todo território se
tornassem qualificadas, democráticas e
principalmente, inclusivas. Essa assertiva se
confirma com o “Programa de Educação
Inclusiva: Direito a Diversidade que inova na
forma de gerenciar, informar e incluir por meio
de metodologias diferenciadas em todos os
estados do Brasil, as pessoas com algum tipo
de necessidades especiais” (ROCHA, 2012, p.
50).
Sendo uma das políticas públicas
educacionais garantidas pela lei, a prática de
inclusão de alunos com necessidades especiais
no quadro regular de ensino ainda não se
efetiva como deveria ser, pois apesar de
encontrar esses indivíduos nos ambientes
escolares, o que se percebe é que eles estão
inseridos e não incluídos como demanda a
legislação. De acordo com Correia (2001, p.125)
a escola deve oferecer de modo igualitário uma
educação de qualidade a todos os alunos, com
ou sem deficiências.

64
Ensino e Diversidade

Sobre isso, tem-se a seguinte afirmação


que diz:
A escola deve procurar exercer suas
atividades tendo em vista a prestação de um
ensino de qualidade. Este ensino de qualidade
terá a ver, necessariamente, com alunos sem
necessidades especiais e alunos com
necessidades especiais, em classes ditas
regulares, com professores a lecionarem uma
população muito mais diversificada de alunos.
(CORREIA, 2001, p. 125).

Comungando com esse pensamento,


Machado (2005, p.12) esclarece que a escola
inclusiva tem a premissa de que todas as
crianças podem aprender juntas, onde existe a
valorização da diversidade oportunizando uma
aprendizagem mais eficiente e a construção de
um meio social mais democrático. Importante
salientar que a Educação Inclusiva ganha
visibilidade em dois momentos: O primeiro
através do documento elaborado na
Conferência de Jomtien, na Tailândia garantindo
a democratização da educação independente
das diferenças e pela a Declaração de
Salamanca considerada um dos principais
documentos mundiais que visam a inclusão
social. (UNESCO, 1994, p.10).
Esse documento serviu para chamar a
atenção quanto à urgência de ações que
tornassem realidade uma educação capaz de
reconhecer diferenças, promover a

65
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

aprendizagem e atender às necessidades de


cada criança individualmente. (MACHADO, 2005,
p.26).
Assim, no Brasil a igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola foi
referendado pela Constituição Brasileira- CF de
1988, em seu artigo 206, quando garante a
todos o direito a educação. No que tange o
artigo 208, inciso III da CF, juntamente com a
Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e
Adolescente- ECA abordam sobre o
“atendimento especializado aos portadores de
deficiência”8, ocorrido preferencialmente na
rede regular de ensino (BRASIL, 1988;
BRASIL,1990). Também, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação – LDB nº 9.394/96, em seu
artigo 58 estabelece que a Educação Especial
faz parte da Educação Básica, “devendo ser
oferecida, preferencialmente, na rede regular de
ensino para portadores de necessidades
educativas especiais”. (BRASIL,1996).
Tratando mais explicitamente sobre
inclusão, em 2001 a Resolução CNE/CEB Nº 2,
em seu Art. 2, estabelece que as escolas devem
matricular todos os alunos, cabendo a elas
organizar-se para o atendimento daqueles com
necessidade especiais, assegurando as
condições necessárias para uma educação de
qualidade. O outro documento importante é o
8
Termo em desuso. O correto seria pessoas com
deficiências- PcD.

66
Ensino e Diversidade

Plano Nacional de Educação- PNE, criado em


1996, e vigorou entre os anos de 2001 a 2010.
Seu objetivo era melhorar a educação no país
com diversas metas.
Para a educação especial, propôs 28
metas. De acordo com Pinto (2002, p. 122) apud
Oliveira (2008, p. 42), “algumas são bem
representativas no campo ao acesso dos alunos
à escola, no setor da infraestrutura e no
financiamento para a educação especial”. Para
os professores, o PNE tem incentivos com
relacionados a formação e a capacitar o
professor, visando o atendimento da clientela
de educação especial. (BRASIL, 2001)
A Declaração de Guatemala de 28 de maio
de 1999, foi outro documento importante pra a
inclusão por que reafirma os direitos das
pessoas com deficiências quando prima por
eliminar todas as formas de discriminação
contra pessoas portadoras de deficiência e o
favorecimento pleno de sua integração à
sociedade. Esse documento foi ratificado no
Brasil pelo Decreto n.º 3.956, de 08 de outubro
de 2001.

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO CONTEXTO DA


SURDEZ
É sabido que o processo de reconhecimento
legal da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS
como língua de fato, foi árduo e massacrante
para a comunidade surda, sobretudo em um
país onde a maioria linguística são usuários da

67
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

fala. Ao se pensar a legislação para amparar a


pessoa com surdez, é necessário que se deva
considerar como se constituem as línguas de
sinais, ou seja, entender seu status de língua.
Também, entender os embates para se
concretizar a materialidade destas leis e o quão
necessário é o seu reconhecimento, para ser
disseminada aos mais diferentes âmbitos
sociais, uma vez que a LIBRAS no Brasil é a
segunda língua oficial dos ouvintes, e primeira
entre os surdos brasileiros.
A surdez é vista como deficiência no
contexto socioeducacional quando o surdo é
limitado de aprender e tido como diferente. No
entanto, Skliar (2000, p. 54) faz distinções entre
a surdez como diferença e como deficiência,
esclarecendo a visão clínica (doença) e a visão
antropológica que reconhece a surdez como
uma maneira distinta de (re)conhecer o mundo
através de suas experiências visuais e de suas
próprias percepções no meio que ele faz parte.
Em relação ao surdo, embora se tenha o
conhecimento da existência dos Decretos,
Legislações, Constituição Federal (1988),
Declaração Mundial sobre Educação para Todos
(UNESCO, 1990), Declaração de Salamanca
(UNESCO, 1994), a LDB nº 9394/96, os quais
fomentam as transformações educacionais, é
perceptível as dificuldades e o não
cumprimento das leis embarreirando o processo
“inclusivo no mundo do silêncio”, ou seja, do
sujeito surdo. (ROCHA e TORRES, 2019, p.7).

68
Ensino e Diversidade

Concatenando a área da surdez com a Lei


nº 9.394/96, o artigo 59, incisos I e III da Lei de
Diretrizes e Bases - LDB, existe um respaldo
para o atendimento das pessoas com
deficiência, que pode ser direcionado ao
indivíduo surdo em relação ao meio escolar que
diz:
I- currículos, métodos, técnicas, recursos
educativos e organização específicos, para
atender às suas necessidades; III- professores
com especialização adequada em nível médio
ou superior, para atendimento especializado,
bem como professores do ensino regular
capacitados para a integração desses
educandos, nas classes comuns (HONORA,
2014, p. 89).

Segundo Luchese (2017, p.103) a Lei nº


10.098 de 19 de dezembro de 2000, lei da
acessibilidade é o marco fundador em relação a
LS porque é o primeiro documento que os
relaciona o surdo com a LIBRAS, considerando
essa língua como meio de comunicação do
surdo. Essa lei, conforme Brasil (2000)
“estabelece normas gerais e critérios básicos
para a promoção da acessibilidade das pessoas
portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida”. Sobre a surdez, o Capítulo VII que
fala sobre a acessibilidade nos sistemas de
comunicação e sinalização e destaca-se os
artigos 17, 18, e 19 que diz:
Art. 17. O Poder Público promoverá a
eliminação de barreiras na comunicação e

69
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

estabelecerá mecanismos e alternativas


técnicas que tornem acessíveis os sistemas
de comunicação e sinalização às pessoas
portadoras de deficiência sensorial e com
dificuldade de comunicação, [...]. Art. 18. [...]
implementará a formação de profissionais
intérpretes de escrita em braile, linguagem de
sinais e de guias-intérpretes, para facilitar
qualquer tipo de comunicação [...] Art. 19. Os
serviços de radiodifusão sonora e de sons e
imagens adotarão plano de medidas técnicas
com o objetivo de permitir o uso da
linguagem de sinais [...] para garantir o direito
de acesso à informação às pessoas
portadoras de deficiência auditiva, [...].
(BRASIL, 2000, grifo nosso)

Apesar de não citar a LS de forma direta,


essa Lei passa a ser vista como meio de
eliminar barreiras comunicativas através da
capacitação dos profissionais intérpretes de
LIBRAS e o acesso a informação.
Campello e Quadros (2010, p. 16) afirmam
que o Ministério da Educação e Cultura – MEC
preocupados com a inclusão, criou em 2001 o
Programa Nacional de Apoio a Educação de
Surdos que tinha vários objetivos, entre eles
apoiar as instituições para incluir o ensino de
LIBRAS no currículo dos cursos de formação de
professores e fonoaudiólogos, financiar os
cursos de capacitação para os professores no
intuito de torná-los bilíngues para exercer a
função de tradutor e intérprete de Libras em

70
Ensino e Diversidade

sala de aula, bem como pudessem ensinar


LIBRAS.
Segundo Giroletti (2017, p. 79), “O Brasil
praticamente foi um dos últimos países da
América, a reconhecer a Língua de Sinais como
língua oficial de seu país [...]” e que esteve
atuando em um período de dez anos, através
das lutas e movimentos em favor do povo surdo
pressionando os órgãos governamentais, para
que pudessem ter seus direitos regulamentados
por meio de uma LS oficial. Por conseguinte, em
24 de abril de 2002 a LIBRAS é reconhecida
como meio legal de comunicação e expressão
dos surdos brasileiros através da Lei nº 10.436.
Sobre isso, ressalta-se o parágrafo único da Lei
que diz:
Parágrafo único. Entende-se como Língua
Brasileira de Sinais - Libras a forma de
comunicação e expressão, em que o sistema
lingüístico de natureza visual-motora, com
estrutura gramatical própria, constituem um
sistema lingüístico de transmissão de idéias e
fatos, oriundos de comunidades de pessoas
surdas do Brasil. (BRASIL,2002).

Essa Lei também, de conformidade aos


pensamentos de Costa (2010, p. 44) coloca em
evidência o novo termo usado para referir-se à
linguagem de sinais: “a Língua Brasileira de
Sinais, LIBRAS”. Para ter um novo olhar sobre a
Lei da LIBRAS, em 2005 criou-se o Decreto nº
5.626, que regulamentando a Lei nº 10.436

71
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

aponta sobre como um país deve se organizar


para atender às demanda dos indivíduos surdos
com equidade de oportunidades. É através
desse Decreto que dissemina-se a verdadeira
importância da Língua de Sinais Brasileira para a
área da educação especial, no que se refere a
inclusão do surdo, bem como a necessidade da
implantação do ensino bilíngue nas escolas,
favorecendo a comunicação em duas línguas
concomitantes, a LIBRAS e a LP na modalidade
escrita. Também a valorização do Intérprete/
Tradutor de LS que surgem para alfabetizar e
dar significação para os contextos em que a
pessoa surda está inserida, tanto na área
educacional, política, religiosa, ou mesmo no
cotidiano, os quais o surdo só compreenderá se
for repassado em sua língua materna, no caso a
LIBRAS.
A esse respeito Rocha e Torres (2019, p.8)
diz que:
Impulsionado pelo Decreto, surgem outros
profissionais importantes na área da LIBRAS,
preocupados com o atendimento do público
surdo. O interprete de língua de sinais e os
instrutores de LIBRAS que trabalham
diretamente, traduzindo e alfabetizando o
surdo de modo bilíngue ou seja, usando as
duas línguas simultaneamente, LIBRAS e
Língua portuguesa na modalidade escrita.

Assim, com o decreto nº 5.626/2005


muitos cursos de formação de intérpretes

72
Ensino e Diversidade

foram criados e impulsionados, garantindo que


esses profissionais estivessem presentes em
instituições educacionais e auxiliando no
atendimento à comunidade surda. No entanto,
outras providências do Decreto segundo Vieira
(2011, p. 22) “ainda são de difícil concretização
ou até mesmo mal interpretadas, como a que
institui o ensino da LIBRAS em todos os cursos
de licenciatura”. Observou-se que em 2011,
havia uma crítica a respeito do ensino da
LIBRAS nos cursos superiores e que ainda hoje,
ano de 2019, pode-se perceber que algumas
licenciaturas e bacharelados só possui a
disciplina de LIBRAS como preenchimento de
carga horaria, não dando a real importância
para a obrigatoriedade do ensino de uma língua,
que é a segunda língua oficial do país.
Nesse mesmo viés, sobre o Decreto, Vieira
(2011, p. 22) reitera que:
As universidades começam a atender a essa
exigência legal, embora na maioria delas não
exista uma disciplina que aborde a educação
especial e/ou o histórico da educação das
pessoas com necessidades educativas
especiais. Desse modo, o ensino da LIBRAS é
artificialmente incluído no currículo e muitas
vezes, sem sentido para os estudantes; além
disso, a carga horária dispensada para a
disciplina, cerca de 40 a 60horas/aula, é
insuficiente para o ensino de qualquer idioma.
(VIEIRA, p.22. Grifo nosso).

73
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Muitos foram os percalços para legitimar-


se as leis que reconhecem a LS como meio de
comunicação e expressão do povo surdo.
Luchese (2017, p.110) comenta que atualmente o
percurso legal de aceitar a LS e a Inclusão, de
modo geral está mais difundida e consolidada.
Isso pode ser observado, a partir da lei
aprovada em 2015, a Lei nº 13.146, de 6 de julho
de 2015, a LBI – Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência, que legaliza, consolida
e amplia benefícios e direitos dessas pessoas.
Assim, tem-se o Capitulo I, Artigo 1º da Lei que
segundo Brasil (2015) diz:
Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Deficiência (Estatuto da
Pessoa com Deficiência), destinada a
assegurar e a promover, em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das
liberdades fundamentais por pessoa com
deficiência, visando à sua inclusão social e
cidadania. (BRASIL,2015).

LÍNGUA PORTUGUESA VERSUS LIBRAS


A Língua Portuguesa-LP é a língua oficial
do Brasil. De origem latina, a “Última Flor do
Lácio”9 foi uma língua de cunho popular usada
pelos falantes da região italiana de Lácio.
9
Como era chamada a Língua Portuguesa por ter surgido
na região do Lácio (Itália) e por ser a última língua
derivada do latim. Designada por poetas como Olavo Bilac
em seus escritos como o soneto “Língua Portuguesa”.

74
Ensino e Diversidade

Historicamente, essa língua chegou ao país a


bordo de caravelas pelos Portugueses, quando
no ano de 1.500 juntou-se aos dialetos Tupis,
em especial ao Tupinambá, falada pelos índios
da época e que, mais tarde repassaram essa
fala aos portugueses tornando-se uma
comunicação geral entre eles. Não demorou
para que essa “língua geral” fosse disseminada
na colônia e se tornasse uma língua com
características literárias, visto que eram
traduzidas pelos jesuítas em vários hinos,
romances, peças sacras e na catequese. Assim,
o Português e o Tupi eram falados no mesmo
território mas, com distinção entre os seus
usuários.
Sobre isso, Teyssier (2001, p. 62) diz que:
[..] a situação lingüística do Brasil pode ser
assim resumida. Os “colonos” de origem
portuguesa falam o português europeu, mas
evidentemente com traços específicos que se
acentuam no decorrer do tempo. As
populações de origem indígena, africana ou
mestiça aprendem o português, mas
manejam-no de uma forma imperfeita. Ao
lado do português existe a língua geral, que é
o tupi, principal língua indígena das regiões
costeiras, mas um tupi simplificado,
gramaticalizado pelos jesuítas e, destarte,
tornado uma língua comum. (TEYSSIER, 2001,
p. 62)

Havia uma mesclagem linguística no país


que tendenciava aumentar por meio dos

75
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

diferentes idiomas provenientes da chegada dos


imigrantes e colonizadores da África Central. A
língua geral que não era bem vista pelos
portugueses passa a declinar-se. Nesse sentido,
o reino Português para garantir uma maior
presença política, fez com que o Marquês de
Pombal promulgasse a Lei do Diretório (1757)
que considerava a língua geral uma “invenção
verdadeiramente abominável e diabólica” e
proibia às crianças, filhos de portugueses, e aos
indígenas aprenderem outro idioma que não o
Português. Assim, por essa Lei torna obrigatório
o uso da LP dando-lhe o status de Língua
Oficial do Brasil.
Reconhecida desde 2002, pela Lei nº
10.436, a Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS é a
língua oficial e natural dos surdos brasileiros. As
LSs ganharam status de Língua desde que o
estudioso Dr.Willian Stokoe, enquanto
funcionário da Universidade de Gallaudet,
pesquisou com minucias a American Sign
Language - ASL, Língua de Sinais Americana, e
descobriu que esta possuía os mesmos
elementos constituintes de uma língua original.
Segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 48)
“Stokoe (1960) realizou uma primeira descrição
estrutural da ASL, demonstrando que os sinais
poderiam ser vistos como composicionais e não
holísticos.” Dessa forma, Stokoe ao estruturar a
ASL, criou um modelo de reconhecimento para
outras LSs posteriores, como no caso a LIBRAS.

76
Ensino e Diversidade

Audrei Gesser (2009, p. 9), em seu livro


intitulado LIBRAS? Que língua é essa? nos traz
uma reflexão interessante sobre a Língua de
Sinais Brasileira, quando questiona a respeito de
sua legitimidade e o reconhecimento pela
sociedade como língua:
Ainda é preciso afirmar que Libras é língua?
Essa pergunta me faz pensar: na década de
1960, foi conferido à língua de sinais o status
linguístico, e, ainda hoje, mais de 40 anos
passados, continuamos a afirmar e reafirmar
essa legitimidade. A sensação é mesmo a de
um discurso repetitivo. ´[...] O que vemos é
que o discurso aparentemente “gasto” faz-se
necessário, precisando ser repetido inúmeras
vezes para que a construção social dessa
língua minoritária ocorra, ou seja, para
chegarmos à legitimação e ao
reconhecimento, por parte da sociedade
como um todo, de que a língua de sinais É
uma língua. (GESSER, 2009, p. 9)

Para Penha (2018, p. 95) as LSs são


línguas espaçovisuais que se constituem em
uma modalidade avessa as línguas orais, por
que utilizam o espaço, movimentos corporais e
a visão, e não o canal oral-auditivo, para sua
realização. Por ser a língua oral associada à fala,
é comum as várias dúvidas e interpretações
inadequadas quanto ao status das LSs como
sistema linguístico, bem como quanto ao
entendimento de suas características e
funcionalidades.

77
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Sobre a estrutura da LIBRAS, Santos


(2009, p. 63) expõem a seguinte pensamento:
A LIBRAS é dotada de uma gramática
composta por elementos constitutivos de
palavras (ou itens lexicais) e de um léxico
estruturado a partir de elementos
fonológicos, morfológicos e sintáticos. Estes
elementos apresentam especificidade, mas
também seguem princípios básicos gerais das
línguas naturais para a constituição de
estruturas linguísticas, possibilitando a
formação de um número infinito de
construções a partir de um número finito de
regras. A gramática da LIBRAS ainda é dotada
de componentes semântico-pragmáticos
convencionais, codificados no léxico e nas
estruturas da LIBRAS e de princípios
pragmáticos que permitem gerar implícitos
sentidos metafóricos, ironias e outros
significados não literais.

Por conseguinte, a Língua de Sinais


Brasileira – LIBRAS é uma língua internalizada e
natural do indivíduo surdo brasileiro. Ela se
constitui em uma língua, em virtude de possuir
os níveis linguísticos semelhantes as línguas
orais, que possibilitam aos seus usuários
exprimirem suas ideias e emoções de forma
complexas ou abstratas, bem como expressar
quaisquer assuntos referentes a quaisquer
áreas do conhecimento humano. (FELIPE, 2006,
p.200).

78
Ensino e Diversidade

Contrapondo o pensamento de
universalidade das línguas de sinais, ressalta-se
que essas línguas não são universais como
também, não são as línguas orais. (GESSER,
2009, p.11), (STREIECHEN, 2017, p.71), (HONORA,
2014 p. 67). Por esse viés, a LIBRAS não é uma
língua universal pois, assim como o português
falado no Brasil, as línguas de sinais são faladas
de acordo com cada país de origem. Sobre essa
assertiva, Gesser (2009, p.12), comenta que não
existe universalidade da LSs, visto que, ela não
é utilizada por todas as sociedades surdas de
maneira uniforme, igualmente como as línguas
orais.
É por essa razão que como existe o
espanhol, o japonês, o inglês, o alemão, e afins,
também existem LSs diferentes como a LS
francesa, americana, espanhola e até mesmo
uma LS encontrada no sul do estado do
Maranhão, falada internamente por indígenas da
tribo Urubu- Kaapor10. Essa língua ganhou
notoriedade entre os linguístas, em especial,
Lucinda Ferreira Brito (1993) que catalogou no
início de seus estudos, as línguas de sinais
brasileiras de acordo com os padrões
internacionais de classificação. Nesse sentido,
10
O estudioso Darcy Ribeiro, um dos maiores
antropólogos brasileiros, os visitou e fez um dos
primeiros documentários sobre uma tribo indígena no
Brasil. Disponível:
https://www.youtube.com/watch?v=ekFY1IYgFUM

79
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

ela encontrou duas LSs no Brasil: A Língua de


Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros (LSCB) e
a Língua de Sinais Kaapor Brasileira (LSKB).
(LOPES, 2011, p.57)
É importante esclarecer que no ano de
1994 de acordo com os estudos de Brito (1993,
p. 5) a LS, usada nos centros urbanos pelas
comunidades surdas, ficou conhecida como
LIBRAS se tornando legitimada e oficial do país.
Em contrapartida, a LSKB tornou-se minoritária
pela precária utilização, uma vez que na década
de 80, a doença11 que causava a surdez foi
erradicada. Contudo, percebe-se a
grandiosidade linguística das LSs e reitera-se
que a discussão sobre essas línguas serem ou
não universais, está implícita na tendência dos
ouvintes, em simplificar essa riqueza linguística
existente em toda língua genuinamente aceita.
Rocha (2012, p.44) diz que é “inevitável o
questionamento, se levar em consideração a LP
sobre a condição de simplificar sua modalidade
oral, o que é impossível.” Isso se justifica pelo
fato que ao resumir o que se fala, cortando
palavras essenciais, o locutor ao produzir a
enunciação estaria comprometendo a interação
comunicativa, fazendo com que as mensagens
passadas para o interlocutor ficassem
11
Bouba neonatal. Doença infecciosa que desencadeou
quadros de surdez em cerca de 2% da população
indígena. Em 1968, o linguista Jim Kakumasu observou
que dos 500 indivíduos de uma aldeia, 7 eram surdos.

80
Ensino e Diversidade

incompletas e assim, truncando-se o real


significado da mensagem. Na LIBRAS, caso não
seja emitido algum sinal ou seja omitido, os
significados das mensagens estariam
comprometidos, pois a LS possui uma estrutura
gramatical própria que lhe caracteriza como
língua genuína devendo ser obedecida para que
o ato comunicativo tenha sentido e seja eficaz.

ASPECTOS DAS LÍNGUAS L1 E L2 PARA A


EDUCAÇÃO DO SURDO
Na tentativa de se educar o surdo,
surgiram várias tendências educacionais onde a
primeira, pode apresentar resquícios até os dias
atuais, apesar de se viver a inclusão. De acordo
com Quadros (1997 p. 21) o método tradicional
do Oralismo que forçava o surdo a falar,
fundamentava-se na “recuperação da surdez”
intitulando o indivíduo surdo de deficiente
auditivo. É nessa época que a LS fica proibida
de uso, na tentativa de que o surdo aprendesse
a falar e não gesticular. Isso trouxe prejuízos
enormes para a educação da pessoa com
surdez, vivenciados na rotina atual de sala de
aula regular.
Sobre isso, Sacks comenta:
O Oralismo e a supressão do Sinal resultaram
numa deterioração dramática das conquistas
educacionais das crianças surdas e no grau de
instrução o surdo em geral. Muitos surdos
hoje em dia são iletrados funcionais. Um
estudo realizado pelo colégio Gallaudet em

81
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

1972 revelou que o nível médio de leitura dos


graduados surdos de dezoito anos [...] era
equivalente apenas a quarta série; (SACKS,
1990, p.45)

A segunda tendência foi a Comunicação


Total - CT que permitia a utilização de qualquer
artificio comunicativo desde que dessa maneira,
o surdo conseguisse interagir. Em consonância
com Honora (2014, p. 57-58), foi nessa época,
meados de 1970 que o uso da LS ressurgiu,
quando a CT usada como metodologia para o
ensino do surdo, aceitava o uso da língua oral e
a sinalizada ao mesmo tempo ou quaisquer
métodos que se fizessem compreender.
Infelizmente, essa tendência não obteve êxito
pois a língua natural do surdo não era
respeitada em sua cerne, ficando em segundo
plano com relação aos outros elementos usados
para estabelecer uma comunicação.
Pode-se inferir que a CT, consoante ao
pensamento de Quadros (1997, p. 24) que ao
utilizar muitas variedades de recursos para a
comunicação, nada mais é do que permitir que
a LS seja usada como estratégia para a
aquisição da língua oral, pois os sinais passam a
ser usados pelos professores que mantem
contato com o surdo dentro da estrutura da
língua oral, o Português Sinalizado, esquecendo
que a LIBRAS possui seus elementos
gramaticais próprios, gerando o que se conhece
por Bimodalismo, ou seja o uso simultâneo de

82
Ensino e Diversidade

sinais e fala. Muitos autores, como Sacks (1990,


p. 47), Ciccone, (1990, p.70) criticam essa
modalidade de ensino ao surdo por não utilizar
a LIBRAS de forma adequada, conforme suas
reais estruturas linguísticas. É nesse âmbito de
discussões sobre a melhor forma de educar a
pessoa surda que surge o Bilinguismo.
Sobre essa tendência Bilíngue, Honora
(2014, p. 93) diz que:
O aluno que está matriculado em uma escola
adepta da metodologia bilíngue tem como
proposta assegurar o entendimento das aulas
e conteúdo que sejam ministrados em LIBRAS
ou traduzidos por um interprete, além de se
comprometer com a alfabetização deste
aluno na Língua Portuguesa. O treinamento e
responsabilidade quanto a fala do aluno não
são obrigações da escola, cabendo a este
critério uma escolha individual do aluno e de
sua família.

Assim, a educação bilíngue será ofertada


nas escolas, e garantida por Lei, conforme o
Decreto nº 5.626/2005, mais cabe a família e o
próprio surdo escolherem se este, deseja ser
alfabetizado por meio dessa tendência. De
acordo com Goldfeld (2002, p.42) e vários
outros estudiosos como por exemplo, Skliar
(2000), Lopes (2011), Quadros (1997) o
Bilinguismo, ou seja o uso da LS juntamente
com a língua do país que o surdo pertence é a
melhor forma de educá-los, pois respeita suas
especificidades, bem como é essa tendência a

83
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

mais aceitável para a educação por respeitar a


língua natural dessas pessoas.
Ressalta-se que como a LP na forma oral
é a primeira língua para indivíduos ouvintes
nascidos no Brasil, a LIBRAS é a primeira língua
dos surdos, ou sua língua materna. Portanto, é
interessante esclarecer que no Brasil
relacionado aos ouvintes a LP é a primeira
língua (L1) e a LIBRAS a segunda (L2). Para o
surdo ocorre o contrário e tem-se a LIBRAS
como L1 e a LP na modalidade “escrita”, uma
vez que a maioria dos o surdo não oralizam,
como L2.
Para exemplificar com mais clareza tem-
se o seguinte algoritmo:

Imagem 1: Esquema das Línguas como L1 e L2

Fonte: arquivo pessoal

O PROFESSOR DE PORTUGUÊS E O ALUNO


SURDO: Erros e acertos da sua práxis
As línguas são adquiridas através do
contato com os falantes dessa mesma língua,
de maneira espontânea. As LSs são inerentes
ao indivíduo surdo e as línguas orais são

84
Ensino e Diversidade

adquiridas por eles de maneira sistematizada,


pois pertencendo aos ouvintes não lhes são
naturais. Os surdos tem o direito de serem
ensinados em sua língua materna, no caso, a
LIBRAS. Assim, “a proposta bilíngue em relação
ao ensino da Língua Portuguesa para os surdos
concebe o seu desenvolvimento com base em
estratégias e técnicas de ensino para segunda
língua”. (QUADROS, 1997, p. 29)
Conforme Santana (2007, p. 216) o uso da
LS propicia mudanças do pensamento do surdo,
que não são funções apenas das línguas orais. A
criança exposta a LS desde cedo, ganha
autonomia de estruturar e internalizar
pensamentos e conteúdos cognitivos. Por esse
viés, é indubitável que o desenvolvimento
linguístico-cognitivo do surdo e a integração
dele no meio social são harmônicos, na maioria
das vez, pela aquisição de uma LS. Importante
salientar que o domínio de uma língua nativa
não garante o acesso a aprendizagem de uma
segunda língua, apesar de ser essencial.
Em comparação aos alunos ouvintes, os
alunos surdos ao adentrarem o meio escolar,
vem com uma bagagem linguística bem inferior
em relação aos primeiros. Muitos deles, terão
contato com a LS pela primeira vez na escola.
Esse fato, segundo Honora (2014, p. 95)
acontece porque as crianças ouvintes possuem
uma vivencia linguística que ocorre de forma
espontânea, no meio familiar pelo contato com
sua língua materna, a LP, desde cedo. Em

85
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

contrapartida os surdos, geralmente nascidos


em lares ouvintes não mantêm esse contato
linguístico com a LS, pois a família não
reconhece a importância da LS para o
desenvolvimento da criança surda ou nutrem
uma postura preconceituosa em relação a
surdez.
Para que haja um entendimento sobre a
aquisição dessas duas línguas, a salas de
Atendimento Educacional Especializado- AEE é
de suma importância. Nela, a criança surda
desenvolverá habilidades através de métodos
para aquisição da L2 na sua forma escrita,
através da significação das mensagens e não
apenas através de repetições de palavras ou
frases.
Sobre as técnicas de aquisição da L2
escrita, Honora (2014, p. 96) diz que:
A aquisição de Língua Portuguesa na sua
forma escrita se dará entendendo a língua
como atividade discursiva, e não meramente
uma repetição de palavras e frases; por esse
motivo, o aprendizado acontece mediante um
texto, ou uma música, ou uma parlenda, de
forma que o texto possa trazer compreensão
e entendimento de uma mensagem. Mais
importante que a reprodução ou cópia é o
entendimento do que leram ou escreveram.

A maioria dos professores de Português


ao se depararem com as produções textuais
dos alunos surdos em sala de aula, esquecem

86
Ensino e Diversidade

que o primordial para o aprendizado dessas


crianças é o significado da mensagem e não os
erros gramaticais ‘cometidos’ por eles uma vez
que, vale lembrar que a gramática da LIBRAS é
diferente da gramática de LP. Assim, Honora
(2014) reitera com a seguinte afirmação:
O professor tem como tarefa não fazer uma
correção de adequação morfossintática,
apenas focando nos erros gramaticais que
possam aparecer na escrita de um aluno com
Surdez, mas ser um mediador entre o texto e
as aprendizagens do aluno que ora se dará na
língua de sinais, ora acontecerá na Língua
Portuguesa na sua forma escrita. (HONORA,
2014, p. 96)

Santos (2009, p. 87) aponta que “uma das


possíveis maneiras de se lidar com a frequência
dos “erros” no processo de aprendizagem da
escrita é considerá-los como uma escrita
fonética, ou seja, uma reprodução da fala”. No
entanto, deve-se compreender que nesse
sentido o surdo se diverge das crianças ouvintes
por usar um canal de comunicação visuespacial,
diferente do oral auditivo dos usuários da fala.
Fernandes (1990) apud Santos (2009, p.
87) diz que as crianças surdas manifestam em
suas escritas, muitos entraves no domínio da
L2, como restrições lexicais, uso inadequado
das conjunções, tempos e modos verbais entre
outros. No entanto, o professor de LP precisa
estar ciente que uma das diferenças entre as

87
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

gramáticas das duas línguas (L1 e L2) são as


distintas formas sintáticas de construções
frasais.
O que para a LP pode aparentar-se
gramaticalmente errado, na LIBRAS
sintaticamente se aceita, o que se refere a
escrita peculiar do aluno com surdez. Assim, “a
sintaxe realiza o estudo dos processos
combinatórios das palavras ou sinais na
formação das sentenças e das regras que regem
tal estruturação; possibilitando a criação e a
interpretação adequada de frases em uma dada
língua” (SANTOS, 2009, p. 82). Geralmente, na
escrita dos surdos os verbos se encontram no
infinitivo, não existem o uso de preposições e
conectivos. Quadros (2008, p. 21) cita os
teóricos Felipe (1989) e Ferreira-Brito (1995) e
seus trabalhos que fazem alusão a flexibilidade
da ordem das palavras na LIBRAS, mas
prevalece a ordem básica SVO = Sujeito+
Verbo+ Objeto, parecidos com Português. No
entanto, essa forma não é engessada podendo
aparecer variações em sua constituição como:
OSV, SOV e VOS.
Sobre isso, Santos (2009) reitera os
pensamentos de Quadros (2008) ao explicar
que:
[...] há várias possibilidades para a ordenação
da sentença, porém a ordem canônica é SVO
(sujeito-verbo-objeto). Todas as construções
que obedecem a essa ordem são gramaticais.
Já as ordens OSV e SOV ocorrem apenas

88
Ensino e Diversidade

quando há na sentença verbos com


concordância e marcas não-manuais [...].
Outra maneira de estruturação da sentença
na LIBRAS é através da ordem (S) V (O)
quando existe a possibilidade de se omitir
sujeito e objeto nas sentenças com verbos
com concordância; e da ordem VOS em
contextos de foco contrastivo. (SANTOS,
2009, p.83).

Portanto, percebe-se que o principal fator


para esses equívocos relacionados a escrita o
aluno com surdez, classificando como erro é a
falta de conhecimento do professor, que no
momento vigente da inclusão social, necessita
estar receptivo as mudanças necessárias para
atuar com eficácia no contexto de sala de aula
inclusiva. As adaptações curriculares, as
mudanças na avaliação do surdo e as
adequações do ambiente escolar como um
todo, como também, formação profissional
nessa área se faz primordial para o
desempenho de suas funções de mediador do
conhecimento, podendo ser comprovado pela
Lei Federal nº 9.394/96, em seu artigo 59,
incisos: I e III, que oferece respaldo para o
atendimento aos alunos com deficiência, no
caso os alunos surdez. Essas normativas
asseguram o processo de formação para
qualificar os profissionais, afim de que estes
tenham acesso ao conhecimento especializado
em LIBRAS.

89
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Essa atitude favorece a efetivação


comunicativa entre professor e aluno surdo,
tornando-o um educador proficiente e que não
precise a todo momento da mediação do
Intérprete de LS. A capacitação na área da
surdez é primordial para o desempenho do
processo de ensino e aprendizagem, bem como
as adaptações dos currículos pela utilização de
uma pedagogia surda, oportunizando a melhoria
de ensino para o aluno surdo.
Assim, antes de tudo o professor
necessita mobilizar esforços, no sentido de
planejar a sua prática docente e executar ações
que valorizem as potencialidades do aluno
surdo, tentando trazer para o currículo as
adequações que fazem sentido à vida da
criança com surdez, para que essa possa por
assimilação, internalizar o conteúdo ministrado.
Objetivos educacionais, abordagem bilíngue,
avaliação diferenciada também carecem de um
novo olhar, em especial as propostas da
educação inclusiva, visto que o professor de
Português, parece travado aos moldes do
ensino tradicional, onde imperam textos
engessados e a gramática normativa pura. É
fundamental que ele esteja ciente de seu papel
como educador e disposto a romper com
posturas assistencialistas, homogeneizadoras
ou excludentes. (RIBEIRO, 2013, p. 27)
A falta da comunicação entre alunos
surdos e professores, por não ter domínio sobre
a língua de sinais é um entrave para o

90
Ensino e Diversidade

aprendizado do surdo. Ribeiro (2013, p.43)


argumenta que “na prática educativa, os
professores fazem referência a situações
conflitantes que dificultam o alcance de seus
objetivos de ensino. Dizem-se despreparados
para lidar com essas situações e vencer os
entraves”. Nesse mesmo viés, Segundo Padilha
(2009, p. 113), “a educação inclusiva tem
provocado, em muitos professores, sentimentos
de incerteza no fazer pedagógico. Entre erros e
acertos, o professor sente a necessidade de
orientação. Em muitos casos, o sentimento é de
frustração frente a objetivos que lhe parecem
inatingíveis”.
Thoma (2006, p.17) cogita que os
professores de sala regular ao se depararem
com o aluno surdo sentem-se angustiados por
não conseguirem repassar os conteúdos e
vencer os entraves linguísticos. Um fato que
acarreta essa instabilidade na prática dos
docentes é o fato da resistência das instituições
educacionais e a desinformação em aceitar que
o atual modelo do professor da era inclusiva,
requer atualização contínua na área de LIBRAS
para poder lidar com a surdez em sala de aula.
O que se constata é que as formações de
professores não suprem as necessidades de
atualização do conhecimento nessa área tão
abrangente e complexa que é a educação
especial. O pouco conhecimento sobre a surdez
não são suficientes para sanar suas
necessidades de orientação didática, pois os

91
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

professores não conhecem a realidade de uma


clientela tão peculiar linguisticamente e que
requerem um tipo de abordagens pedagógicas
diferenciadas que irão utilizar. Muitos
professores, contam apenas com a ajuda do
Instrutor/ intérprete de LS, isso, quando a
escola disponibiliza, pois embora a presença
desses profissionais sejam garantidas por lei,
muitas instituições ainda não dispõem desse
auxílio, também por falta de profissionais
capacitados.
Karnopp (2004, p.106-107) afirmam que
com muita frequência os professores de surdos
questionam sobre como avaliar os textos de
surdos, uma vez que as inferências linguísticas
por conta da Libras é diferente as da LP. Essas
dúvidas são diárias na práxis pedagógica, e
agrava-se com a disciplina de Português pois o
professor se sente impotente diante de um
contexto que foge ao seus domínios
linguísticos.
A esse respeito, Giordani (2005) diz que:
Professores estrangeiros na língua de sinais
que [...] sinalizam em suas aulas, mas
engessados na sua formação, mantem na
centralidade da leitura e da escrita,
experiências validadas pela escola. [...] vendas
pedagógicas encobrem os olhares que
disciplinam. Não só com a disciplina de
português, mas muito com a disciplina de
português. (GIORDANI, 2005 p. 119)

92
Ensino e Diversidade

Essas incertezas dos professores tem


levado inúmeros surdos a escola mas sem a
garantia de uma educação inclusiva e
satisfatória, que respeite as diferenças
linguísticas do povo surdo. Importante ressaltar,
que o aluno com surdez ao adentrar o ambiente
escolar, traz consigo uma série de medos,
incertezas, desafios e dificuldades. Por essa
razão de acordo com Rocha e Torres (2019, p.
11) “o papel do professor é relevante e sua
contribuição é fundamental nessa nova
roupagem de educador, para que a inclusão do
aluno surdo progrida e seu aprendizado
aconteça qualificando-o para a vida como um
todo”.
Há de se ter um novo olhar para a
educação do século XXI, a pedagogia da
diversidade representa o avanço que favorece
condições igualitárias para as minorias. Essa
mudança na postura do educador é amparada
pela Política de Educação Inclusiva que permite
a flexibilidade na prática pedagógica do
professor a fim de que ele possa garantir um
ensino de qualidade a todos os seus educandos.
É essa mesma política inclusiva que garante a
presença e o auxílio em sala de aula regular, do
Instrutor/intérprete de LIBRAS.
É necessário diante dessas discussões,
acerca da temática estudada que se faça
referência as distinções sobre os papéis do
Professor e do Instrutor/intérprete de LIBRAS e
deixar claro que, o trabalho desses profissionais

93
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

é uma parceria para que se atinja o principal


objetivo educacional que é a efetivação do
ensino e aprendizagem do aluno surdo. A
responsabilidade do Professor é de planejar,
elaborar, avaliar e ministrar as aulas contando
com o auxílio, conforme a Lei da Acessibilidade,
do Instrutor/ intérprete de LIBRAS. (RIBEIRO,
2013, p 46)
Lacerda (2009, p. 35) fala que o Instrutor/
intérprete de LS, não possui responsabilidade
pela aprendizagem dos alunos surdos.
Outrossim, é responsável pelo repasse de forma
clara e objetiva das informações que venham a
ampliar o conhecimento dos professores sobre
o universo surdo e as maneiras de se abordar
outras temáticas de estudo.
Rocha e Torres (2019) complementam as
afirmações supracitadas ao afirmarem que:
Nessa perspectiva, visto que o maior desafio é
superar as dificuldades da inclusão do aluno
surdo no ensino regular, requer do professor
o abandono de suas práticas tradicionais,
possibilitando a inclusão no âmbito escolar e
o desenvolvimento educacional de qualidade.
Mas, para isso ele deve refletir e estar aberto
a novas experiências e a flexibilidade de suas
metodologias, entre elas para o conhecimento
e o uso da língua materna do surdo (LIBRAS).
(ROCHA e TORRES, 2019, p.7)

94
Ensino e Diversidade

PERCURSO METODOLÓGICO
Segundo Minayo (1994, p. 22) o percurso
metodológico de determinadas pesquisas tem
como foco, o “caminho do pensamento”, bem
como a busca pela realidade em relação a
prática exercida, [...]. É por meio da metodologia
que se apontam quais as escolhas teóricas
essenciais na realização de uma pesquisa e
também evidencia as implicações do caminho
percorrido para o entendimento de determinada
realidade e do homem em relação à ela.
Como objetivo geral desse trabalho
decidiu-se elencar as maiores dificuldades na
prática docente do professor de Português, ao
se deparar com alunos surdos em sala de aula.
Para isso, traçou-se alguns objetivos específicos
como: Comprovar se as aulas de português
estão adequadas ao entendimento do aluno
surdo; Analisar se as metodologias aplicadas
atendem as necessidades desses alunos;
Verificar a prática docente do professor e o uso
da LIBRAS como recurso linguístico para o
aprendizado das crianças surdas.
O presente artigo utilizou uma pesquisa
de cunho bibliográfico munindo-se de uma base
teórica, pautada em autores supracitados. Esse
tipo pesquisa, em consonância com os
pensamentos de Prestes (2011, p. 30) “se efetiva
tentando-se resolver um problema ou adquirir
conhecimentos a partir do emprego
predominante de informações provenientes de
material gráfico, sonoro ou informatizado”.

95
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Também, a pesquisa é exploratória uma vez que


objetiva proporcionar maior familiaridade com a
problemática que foi: Qual o maior desafio do
professor de Português ao se deparar com um
aluno surdo em sala de aula regular. Sobre isso,
Gil (2007) argumenta que nas maior parte das
pesquisas exploratórias, envolve: levantamento
bibliográfico; entrevistas com pessoas que
tiveram experiências práticas com o problema
pesquisado; e análise de exemplos que
“estimulem a compreensão”. Após, traçou-se o
percurso metodológico de abordagem
qualitativa que segundo Gerhardt e Silveira
(2008, p. 28) “[...] não se preocupa com
representatividade numérica, mas sim com o
aprofundamento da compreensão de um grupo
social, de uma organização etc.”
A pesquisa de campo contou com
entrevista e participação de 02 (dois)
professores de LP que ministram a disciplina de
Português para alunos surdos em sala de aula
regular, em uma escola pública da rede
Estadual da cidade de Parnaíba- Pi a qual,
oferece ensino de nível fundamental de 5º a 7º
ano, funcionando nos turnos matutino e
vespertino. A escola possui em seu quadro de
ensino, 04 (quatro) alunos com surdez
frequentando as salas regulares de ensino,
período da tarde.
Na metodologia supracitada in lócus,
através de entrevista, utilizou-se um roteiro
constituído de 07 perguntas específicas sobre a

96
Ensino e Diversidade

temática, afim de sanar os questionamentos


dos objetivos propostos sobre a práxis docente
do professor de LP e as dificuldades frente ao
aluno com surdez. Nesse estudo, analisou-se as
principais por entender que elas já alcançariam
os objetivos desejados na pesquisa. Para
aplicação da entrevista e a coleta de dados
utilizou-se tanto a gravação em celular, quanto
os questionamentos na forma escrita e após,
transcritos de forma fidedigna para que não
houvessem omissão nas informações
repassadas.
Importante esclarecer que os 04 (quatro)
alunos surdos estão em séries diferentes onde
02 (dois) frequentam o 7º ano, 01 (um) o 6º ano
e 01 (um) o 5º ano do ensino fundamental e
cada um possui um nível linguístico em relação
a LIBRAS diferenciado. O professor I, ministra
aulas para o 7º e 6º anos, portanto para 03
(três) surdos e o professor II apenas para
01(um) aluno surdo no 5º ano. Apenas o 7º ano
dispõe da ajuda de um Instrutor/ intérprete de
LIBRAS. A pesquisa de campo através da
observação não participante e aplicação de
entrevista estruturada ocorreu nos períodos de
07/03/2019 a 14/03/2019.

ANALISE E DISCUSSÃO DOS DADOS COLETADOS


Ao apresentar o roteiro para a entrevista
dos professores, foi esclarecido que a
identidade deles seriam preservadas. Foram
usados os pseudônimos: Docente LIBRAS para

97
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

designar o professor I e Docente SINAIS para o


professor II. As informações foram transcritas
de forma fidedigna para que não houvesse
nenhuma informação truncada. Os dois
professores são efetivos da escola e possuem
mais de 17 (dezessete) anos de atuação no
magistério, mas nunca haviam ministrado aula
para alunos especiais, no caso surdos.
Na primeira alternativa, ao perguntar aos
professores: Para você qual o maior desafio
como professor de Português ao se deparar com
um aluno surdo na sua sala de aula? Obteve-se
a seguintes respostas:
Docente LIBRAS: Para mim, foi mesmo a
comunicação, por que eu não entendo nada
de linguagem de sinais, Eu vejo e queria
aprender mas não tenho tempo por que
trabalho muito. Mais ai tem o interprete.
Docente SINAIS: Com certeza eu não saber
falar com ele. Eu até tentei ajudar no começo,
mais ai ele não entende nada. Copiar ele
copia tudo do quadro, por que saber falar
com ele eu não sei não só de mimica. Acho
muito difícil essa linguagem deles, não tenho
tempo para fazer um curso. Os meninos que
ainda ajudam, mostrando as respostas das
atividades.

Sobre esse questionamento observou-se


que tanto o Docente LIBRAS, quanto o Docente
SINAIS demonstrou não conhecer a real
importância da LP para a educação da criança
surda. Além de não saberem se comunicar, eles

98
Ensino e Diversidade

utilizam o termo “linguagem de sinais” para se


referir a LIBRAS reconhecida e legalizada em
seu status de língua natural do povo surdo
brasileiro, conforme a Lei nº 10.436/2002. No
entanto, muitas pessoas ainda não possuem o
entendimento que a LIBRAS é uma língua
completa e significativa, apesar de que vários
teóricos, temas de debates mundiais
comprovaram esse fato. Sobre isso, vale
destacar a seguinte informação extraída de um
Encontro Latino Americano de Iniciação
Científica que diz:
A Libras, assim como diversas línguas
existentes, é composta por níveis lingüísticos:
fonologia, morfologia, sintaxe e semântica.
Assim, constitui um sistema lingüístico de
transmissão de idéias e fatos na qual há uma
forma de comunicação e expressão, de
natureza visualmotora, com estrutura
gramatical própria. (UZAN; OLIVEIRA; LEÓN,
2008, p.2)

E respondendo qual o maior desafio em


sala com professor de Português todos
respondem que a Comunicação, além de
mencionarem a falta de tempo para justificar
sua incapacidade interativa. O Docente LIBRAS
ainda delega a sua responsabilidade educativa
para o Instrutor/ intérprete de LS quando diz
que “Mas ai tem o interprete”. Goldfeld (2002,
p.45) menciona que “a língua de sinais seria a
única língua que o surdo poderia dominar

99
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

plenamente e que serviria para todas as suas


necessidades de comunicação e cognitivas.”
Necessita-se que todos aprendam. Outros
teóricos também, comungam do mesmo
pensamento. Entre eles, Quadros (1997), Honora
(2014), Streiechen (2017).
Ribeiro (2013, p 46) deixa claro quando diz
que o Intérprete apenas deve auxiliar o
professor em sala, repassando os conteúdos,
não é de sua responsabilidade o ensino do
surdo. O trabalho desses profissionais é uma
parceria com o professor titular da sala para a
efetivação do ensino e aprendizagem do aluno
surdo, que deve planejar, elaborar, avaliar e
ministrar as aulas contando com a ajuda do
Instrutor/ intérprete de LIBRAS, apenas.
A segunda pergunta foi muito importante
para essa pesquisa, foi através dela que se
conseguiu atingir objetivo geral. Perguntou-se:
Elenque alguns desafios ou dificuldades de sua
prática docente como professor de sala regular
que tem aluno surdo.
Obteve-se as seguintes respostas:
Docente LIBRAS: Não saber falar com eles
para mim é o principal, não ter formação na
escola ou mudar esse tempo de planejamento
para capacitar os professores. A dificuldade
de usar material didático.
Docente SINAIS: Com certeza a comunicação.
Não ter curso de LIBRAS de graça, por que é
muito caro. A escola não tem livro e nem

100
Ensino e Diversidade

recurso para trabalhar com esses meninos.


Material para mostrar. (Figuras etc.)

Mais uma vez, percebeu-se que o maior


entrave da práxis docente do professor é a
comunicação, seguida pela falta de formação/
capacitação oferecidas na escola e por ser
‘cara’, também pela falta de materiais
pedagógicos que auxiliem a prática desses
professores. Nota-se que o Docente SINAIS
reconhece a importância do uso de recursos
visuais para o surdo, como o livro didático e as
‘figuras’, uma vez que os surdos utilizam o canal
de comunicação espaçovisual, ou seja, ‘ouvem
através dos olhos’.
Sobre a formação do professor de sala
regular que tem aluno surdo, é garantido por
Lei, desde a formação inicial docente. No artigo
4º, da Lei 10.436/2002 comprova-se que:
O Sistema Educacional Federal e Sistemas
Educacionais Estaduais, Municipais e do
Distrito Federal, devem garantir a inclusão
nos cursos de Formação de Educação
Especial, de Fonoaudiologia e de Magistérios,
em seus níveis médios e superior, o ensino da
Língua Brasileira de Sinais — LIBRAS, como
parte integrante dos parâmetros curriculares
— PCNs, conforme legislação vigente.
(BRASIL, 2002)

Uzan, Oliveira e León (2008, p.2)


comentam que espera-se através dessa Lei, que
as políticas públicas educacionais deem

101
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

tratamento legal aos surdos como uma minoria


linguística, que tem o direito assegurado ao
acesso irrestrito ao ensino de LIBRAS, como
também promovendo capacitação de
profissionais da educação para atuarem no
processo de ensino e aprendizagem de LS,
através de cursos, oficinas, encontros, entre
outros.
As questões 3 e 4 da entrevista foram
analisadas em conjunto por entender que
pertencem a um mesmo viés de raciocínio. São
elas: Que metodologia você usa para repassar o
conteúdo para o aluno surdo? Qual a
importância de saber LIBRAS para sua prática
pedagógica?
Docente LIBRAS: Eu uso a aula expositiva, a
mesma dos outros meninos que escuta, mas
eu levo texto e o Datashow para mostrar os
textos e ai o interprete ensina eles. Eu sinto
falta da LIBRAS, é importante, acho bonito.
Docente SINAIS: Só o método normal,
tradicional mesmo e copio na lousa.
A libras é importante. Eu ia poder ajudar
melhor o aluno se eu soubesse a linguagem
dele.

Apesar de se viver na era inclusiva,


percebe-se que a escola, bem como os
profissionais de educação não estão preparados
para assumir uma prática pedagógica
significativa e que realmente atenda às
necessidades linguísticas dos alunos surdos. Os

102
Ensino e Diversidade

professores compreendem a importância de


saber a LIBRAS e dizem ser essa maneira a mais
eficaz para ensinar os conteúdos. Nesse
sentido, o uso da metodologia oral, não propicia
a aprendizagem do surdo, uma vez que eles não
dominam essa modalidade linguística, não irá
ocasionam bons resultados na vida do surdo.
Segundo Honora (2014, p. 91) o uso oralista
causa exclusão escolar, déficits cognitivos pois
a falta de uma língua eficiente atrasa as
estruturas do pensamento, dificuldades de
relacionamento - inclusive a familiar por que se
sentem diferentes dos ouvintes.
Na análise o Docente LIBRAS não se
preocupa em melhorar sua prática pedagógica
pois apoia-se no Instrutor/ Intérprete de
LIBRAS. Sobre isso, Ribeiro (2013, p. 96) diz que:
O processo de ensino se faz nos
procedimentos metodológicos e nas
adaptações adequadas, algo que cabe apenas
ao professor definir. O intérprete, pela
atribuições de sua função e por sua formação,
não garante ao aluno surdo uma educação
plenamente inclusiva. O intérprete de Libras é
apenas um dos elementos constituintes da
inclusão que por si só pode não garantir a
total acessibilidade. (RIBEIRO,2013, p. 96.
Grifo nosso)

A quinta pergunta procurou saber como o


professor avalia a escrita do aluno surdo em

103
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

relação a LP, como segue: Como você avalia os


textos dos seus alunos surdos?
Docente LIBRAS: Eu acho complicado. No
início eu dava sete, porque eles escrevem
muito errado. As frases de trás para frente,
engole letras. Mas ai o Interprete falou que é
porque é o jeito deles falarem na língua deles
que é assim. Agora eu quando estou em
dúvida, pergunto se tá certo e ai dou a nota.
Docente SINAIS: A gente passa o aluno mais
pelo qualitativo. Por que o texto mesmo, ele
só copia igual do quadro ou do livro. Ele não
sabe libras não e não sabe escrever nada
sozinho. Só copia.

É um quadro alarmante ao se deparar


com uma situação educacional como essa.
Percebe-se que o professor está perdido e não
tem nenhum conhecimento acerca das
especificidades linguísticas do aluno surdo,
quando infere que suas produções escritas são
“erros” de Português. O Docente SINAIS chega a
ser pior, pois fica visível o quadro de Integração
escolar em detrimento a Inclusão. O aluno é
apenas um mero espectador da sala de aula.
Um reprodutor de textos, um copista apenas.
Fernandes (2006, p. 4) diz que “desde que
haja uma base lingüística assegurada pelo
acesso à língua de sinais como língua materna
na infância, substituindo a oralidade em
conteúdo e função simbólica, não haverá
prejuízos ao aprendizado da escrita pelas
crianças surdas”. A possibilidade do

104
Ensino e Diversidade

aprendizado, depende de como a instituição


escolar traça seus objetivos em prol do ensino
do aluno surdo. Currículos, metodologias
adaptadas e capacitação de profissionais
especializados são necessários para efetivar-se
a aprendizagem de modo real e inclusivo, e não
apenas, integrá-lo no meio socioeducacional.
Quando o professor adota uma avaliação
adaptada as especificidades do aluno surdo e
diferenciada dos demais alunos ouvintes, não
quer dizer que o surdo tem circunscrições que
constituem desvios da “normalidade”. As
produções textuais dos surdos não podem ser
comparadas a de alunos falantes [...] que ouvem
e interagem por meio da LP desde o nascimento
e, quando chegam à escola tem como objetivo
conhecer uma das inúmeras variedades da
língua: a norma padrão. (FERNANDES, 2006,
p.19)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde a antiguidade o surdo passou por
vários obstáculos para provar a sua capacidade
linguística e adquirir o direito de estudar. As
práticas pedagógicas dos seus educadores,
como L’Epée, versavam uma educação que
pudessem priorizar a LS e sua condição de
diferença linguística. No entanto, em pleno
século XXI, com a disseminação da LIBRAS,
sobre forma de Leis, Decretos, Políticas
Públicas e tantas outras regulamentações em
favor ao direito, ao respeito, a integridade e

105
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

uma educação bilíngue do surdo, ainda


encontram-se entraves linguísticos em sala de
aula.
O uso tradicional das correntes oralistas
ainda imperam em ambientes educacionais e na
mente daqueles que não percebem a
necessidade de um olhar mais crítico em
relação a essas pessoas. A era inclusiva chegou
para quebrar estereótipos não mais concebidos
ou aceitáveis no meio socioeducacional o qual
fazemos parte. O professor precisa em caráter
de urgência buscar meios e soluções para rever
a sua prática docente e assumir a
responsabilidade de ensinar o aluno com surdez
de forma eficaz e não somente, delegar as suas
funções para o Instrutor/ Intérprete de LIBRAS,
com a desculpa de que não sabe ou não tem
tempo para se especializar.
O surdo comprovou que pode ser
alfabetizado em duas línguas concomitantes,
basta que a língua materna dessas pessoas
sejam priorizadas no repasse dos conteúdos e
disciplinas estudadas. Assim, a capacitação dos
profissionais deve ser prioridade dos órgãos
competentes afim de que a verdadeira inclusão
esteja a acontecendo de fato em sala de aula.
Uma alternativa para os docentes melhorarem a
práxis educacional, seria a oferta de cursos
especializados em LIBRAS inseridas dentro da
carga horaria do planejamento mensal desses
profissionais e no próprio ambiente de trabalho.

106
Ensino e Diversidade

Esse estudo comprovou que entre todas


as dificuldades existentes para se efetivar o
ensino desse alunos, a falta de especialização e
o conhecimento em LIBRAS foi a mais elencada,
pois incapacita a comunicação direta entre
professor e aluno surdo, deixando uma lacuna
no repasse dos conteúdos necessários para o
aprendizado. É desejável uma mudança de
pensamento em torno da obrigatoriedade das
línguas oficiais do país, no caso o ensino
obrigatório da LP e a LIBRAS juntas desde cedo,
no intuito de erradicar futuramente os
problemas comunicativos relacionados aos
direitos dos surdos por um ensino compatível
com sua condição. Relembrando as palavras do
educador surdo J. Schuyler Long (1910):
“Enquanto houver dois surdos sobre a face da
terra e eles se encontrarem, haverá Sinais”.

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117
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

118
Ensino e Diversidade

ABAYOMI E A IMERSÃO
DA CULTURA AFRO-
BRASILEIRA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Maria Estely Rodrigues Teles
Fabricia Pereira Teles

Aspectos introdutórios
A Educação Infantil, legitimamente, tem
conquistado e ganhado mais espaço nas
discussões no que tange ao direito e a
preocupação com a qualidade educacional. A
exemplo, em 2013, a Lei 12.796 que altera a LDB
9394/96, define nove anos para o período de
obrigatoriedade escolar. Nesta lei, amplia-se o
direito das crianças de quatro a cinco anos de
serem atendidas pelas redes públicas, e,
também, a expectativa de maior atenção e
qualidade nas ofertas. Ainda ganha legitimidade,
a valorização e o respeito à diversidade étnico-
racial reiterando a Lei 10.639/03 que torna
obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira nas etapas de Ensino Fundamental e
Médio.
Contudo se as conquistas educacionais
para Educação Infantil parece caminhar a
passos lentos, em se tratando da diversidade
ético-racial a implementação de práticas
concretas no universo infantil ainda parecem
pouco explorada. Por isso, é preciso discutir as
questões da diversidade na Educação Infantil,

119
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

mas também, mostrar exemplos de ações


educacionais antidiscrimatória que respeitem e
valorizem as diferentes culturas.
Em se tratando da cultura Afro-Brasileira,
nos contextos da Educação Infantil, as
propostas educacionais nem sempre são vistas
com prioridade. Quando são oportunizadas, em
geral, cumprem apenas papel de alusão a datas
comemorativas no calendário escolar. Para além
de tal modelo, este texto, em geral, discute o
trabalho pedagógico com a cultura Afro-
brasileira na Educação Infantil ressaltando
aspectos que envolvem o respeito a diversidade
da cultura brasileira, a produção da identidade
infantil e a dimensão curricular dessa proposta
alinhada as Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação Infantil (DCNEI).
Para destacar, as DCNEI apresenta a
definição de criança:
Sujeito histórico e de direitos que, nas
interações, relações e práticas cotidianas que
vivencia, constrói sua identidade pessoal e
coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra,
questiona e constrói sentidos sobre a
natureza e a sociedade, produzindo cultura.
(BRASIL, p. 14, 2010)

Ao analisar o ser criança posto pelas


DCNEI vem à tona as seguintes perguntas:
Como propiciar às crianças experiências
educacionais que as conduzam a construir

120
Ensino e Diversidade

identidade pessoal e coletiva que valorizem e


respeitem as diferentes culturas? Tais medidas
podem ser implementadas nas escolas de
maneira a afetar a organização curricular?
Para abordar as citadas questões, além da
discussão teórica, optamos por descrever uma
proposta didática elaborada por uma das
autoras do presente texto. Trata-se de uma
ação de ensino-aprendizagem desenvolvida com
crianças entre dois e três anos de idade em
uma escola pública do interior do Ceará, tendo
por tema central: Abayomi12.
Excluindo esta introdução a discussão, a
seguir, está organizada em quatro seções. A
seção “Relações entre identidade, diferença e
currículo infantil” trata, centralmente, sobre a
relação entre identidade, diversidade e currículo
infantil no caminho para elucidação e
justificativa da proposta didática; a seção
“Legislação e a cultura Afro-Brasileira na
Educação Infantil” recupera aspectos legais de
uma política educacional para cultura Afro-
brasileira no país; a seção “Abayomi: uma
proposta didática em ação”, descreve ações da
professora na escola de Educação Infantil tendo
o diário13 e a fotografia como instrumentos
auxiliadores da reflexão. Por último, nas
reflexões finais reforçamos que é possível
12
Será melhor explicitada na seção quatro deste texto.
13
Ferramenta de pesquisa e formativa do
desenvolvimento profissional docente. Ler Zabalza (1994)

121
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

problematizar com crianças, bem pequenas, a


dimensão da diferença e o quanto isso é
relevante para o processo de constituição da
identidade infantil em um currículo aberto a
diversidade.

Relações entre identidade, diferença e currículo


infantil
Falar sobre identidade não é fácil. Isto
porque envolve questões sociais, políticas e
históricas. Atualmente, segundo Woodward
(2012), a preocupação em buscar a identidade
virou rotineira e uma corrida contra o tempo.
Quando não se está vidrado em entender as
identidades nacionais e étnicas, preocupa-se
com a “local”, e ainda a pessoal.
No universo infantil, Vigotski (2007) atribui
a constituição da identidade aos aspectos que
envolve as relações pessoais das crianças em
seu meio, inicialmente, social e, posteriormente,
individual. Nessa direção, as vivências
propiciadas às crianças nos espaços sociais,
bem como, as relações entre os sujeitos
permitem elaborar determinados sentidos,
(re)significar os existentes, estabelecer novos
significados e (re)construí-los. Contudo, é fato
que este ou aquele sentido e significado que
uma criança atribui a sua existência tem a ver
com o contato diversificado, ou não, de
relações oferecidas a elas. Para tanto, falar de
identidade envolve também falar das
diferenças.

122
Ensino e Diversidade

Neste terreno, a escola cumpre um papel


central no processo de favorecimento de
experiências alternativas capaz de auxiliar na
implementação de procedimento saudável de
constituição das identidades infantis.
Ademais, antes de adentrar no universo
das identidades infantis cabe discutir o que
Moreira (1999), no universo adulto, fala sobre o
plano das diferenças que sobressaem a outras,
o que acaba contribuindo para o ocultamento
de outras identidades suprimidas na infância.
Para tanto é preciso entender o porquê das
pessoas assumirem uma identidade e não outra.
Uma das características quando se busca
uma identidade é a natural análise de quem
participa da inclusão ou exclusão, ou seja, a
disputa relacionada às relações de poder (DU
GAY & HALL et al., 1997). Seguramente, tais
reflexos dessas características são refletidas
para vida infantil pela atuação de pais (no
âmbito familiar), professores (as) (no âmbito
escolar).
Diante da busca por identidades e a
questão das relações de poder, é evidente na
atual dinâmica global problemas que giram em
torno da globalização. Um dos pontos é a
tendência do surgimento da homogeneização
cultural por conta das transformações políticas
e econômicas, fazendo com que haja um
afastamento de identidades mais específicas
(WOODWARD, 2012).

123
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Tomar esse caminho como normal põe


em evidência o poder de uma identidade sobre
a outra. Nestes termos, “normalizar significa
eleger – arbitrariamente – uma identidade
específica como parâmetro em relação às quais
as outras identidades só podem ser avaliadas e
hierarquizadas.” (SILVA, p. 83, 2012).
Para superar a visão hierarquizada das
identidades é necessário a defesa do
multiculturalismo.
A existência dos mais variados matizes nas
perspectivas multiculturais, é possível
considerar um eixo comum: a identificação do
pluralismo cultural com a aceitação do
diferente e do diversos como base das
relações sociais democráticas. (MOREIRA,
1999, p. 63)

O multiculturalismo conforme o ponto de


vista cultural e social pode ganhar posições
diferentes, mas que sempre está ligada a luta
contra a hegemoneidade de um povo, raça,
religião, classe social sobre outra ou outras,
visando a democracia e justiça social nas
relações de poder que constroem as diferenças.
Moreira (1999) enfatiza ainda que a
multiculturalidade não é algo para se acreditar
ou concordar, visto que é a essência da
sociedade ocidental contemporânea. Há até
como ignorá-las, mas não apagá-la, pois ela
existe independentemente disso (MOREIRA,
1999).

124
Ensino e Diversidade

O caso é que a identidade e a diferença


são interdependentes e são também
compreendidas enquanto resultado de atos de
criação linguística, advindas do mundo social e
cultural. Tanto uma quanto a outra podem ser
consideradas discursiva e linguística,
impactadas pelas relações de poder, que vivem
em disputa pela hierarquia presente (SILVA,
2012).
Ao vir à tona as diferenças constroem-se
posicionamentos que definem identidades que
se estabelecem em um processo marcado por
desigualdades (WOODWARD, 2012). A definição
de uma identidade se dá pelo “[...] processo
dialético no qual e pelo qual o homem se
apropria do conjunto das produções humanas e
desenvolve a série de processos psicossociais
que constituirão seu(s) modo(s) de ser no
mundo” (CARVALHO, p. 32, 2011).
Para Carvalho (2011) a dialética individual
e social para a construção da identidade faz
entender numa permanente construção e
transformação que segue os vetores sociais. Por
exemplo, a forma de viver e entender o mundo
é diferente entre as culturas, então, os
indivíduos pertencentes a cada cultura
significam tudo a partir desse olhar cultural
individual e distinto.
Neste contexto de hierarquização de
identidades, mito da diversidade, luta contra
uma sociedade homogênea, em que as
identidades consideradas inferiores sofrem

125
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

marginalização, culminam em atitudes de mais


intolerância, preconceito, xenofobia, homofobia
e machismo, por exemplo. E é por conta destas
consequências, como dito em parágrafos
anteriores, que a escola é o espaço ideal para a
livre expressão das diferenças e subjetividades.
Para esclarecer melhor o assunto, Macedo
(2007, p.15) afirma:
É preciso, portanto, que a sociedade, seus
grupos de fato e os movimentos sociais
implicados nos cenários e ações educacionais
tenham a oportunidade de compreender e
debater o currículo, num processo de
democratização radical da sua discussão
conceitual e da elucidação das práticas e, a
partir daí, se apropriem e construam
percepções e ações de descolonização nos
âmbitos das propostas curriculares correntes.

É necessário ultrapassar muros e abrir as


grades da escola (ARROYO, 2007). Para tanto é
preciso refletir criticamente sobre o que está
posto nos currículos tradicionais e pensar em
um currículo aberto ao novo e ao respeito as
diferenças, inclusive a partir das escolas de
Educação Infantil. Disso, faz-se necessário
verificar o que o currículo faz com as pessoas e
para a promoção da “descolonização do saber”.
A escola precisa possibilitar a ampliação de um
olhar além da visão eurocêntrica. Entretanto, é
preciso ter cautela e não apenas, de forma
aleatória e sem revisão, colocar conteúdos

126
Ensino e Diversidade

acreditando que todos os atos de discriminação


serão sanados (GEVEHR e ALVES, 2016).
Então, como deve ser visto o currículo na
Educação Infantil? Segundo as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação Infantil
(2010) ele representa:
Conjunto de práticas que buscam articular as
experiências e os saberes das crianças com
os conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural, artístico, ambiental,
científico e tecnológico, de modo a promover
o desenvolvimento integral de crianças de 0 a
5 anos de idade (BRASIL, p. 14, 2010).

O conceito de currículo mostrado, acima,


ressalta a relevância da discussão com as
crianças sobre suas experiências e o
conhecimento do nosso patrimônio cultural. O
Brasil é resultado do encontro de muitas
culturas e civilizações que, por sua vez,
produziram/produzem diversas contribuições
étnicas diretamente influenciando a nossa
produção cultural. Em razão dessa demanda e o
realinhamento curricular, o multiculturalismo é
caminho capaz de propiciar o desenvolvimento
da criança baseada em aspectos pluriculturais.
Nas escolas e em qualquer meio social
todas as crianças precisam sentir a valorização
de sua cultura. No caso das crianças
afrodescendentes as prática de valoração e
respeito precisam, hoje, mais do que nunca,
ganhar destaque por uma questão de

127
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

responsabilidade social para com nossos


ancestrais.
Não se almeja para o currículo infantil a
realização de práticas aligeiradas e pontuais
sobre a cultura Afro-Brasileira, mas uma prática
permanente que problematize questões das
diferenças como uma característica inerente em
nossa constituição identitária brasileira. Danças
africanas, vestimentas, artefatos culturais,
brinquedos e cantigas precisam circular
diariamente no ambiente escolar. As imagens
depreciativas de povos africanos divulgados na
mídia e reproduzidas por uma sociedade mal
informada precisam ser quebradas com intenso
processo educativo desde a infância. Por isso, é
importante salientar a necessidade da
disseminação de uma produção social de
identidades que atribua as diferenças uma
dimensão central nas práticas da escola. Ou
seja, a escola de Educação Infantil precisa
adotar uma posição a favor da cultura afro no
país assumindo de forma efetiva e diária uma
postura acolhedora de indivíduos e grupos com
maior risco de vulnerabilidade.
A seguir, a discussão sobre aspectos
legais sobre a cultura Afro-Brasileira.

128
Ensino e Diversidade

Legislação e a cultura Afro-Brasileira na


Educação Infantil
De acordo com os estudos de Nascimento
(2018) a realidade da sociedade brasileira, numa
ótica mundial, é formada por um povo
diversificado que vive harmonicamente sem
problemas discriminatórios e racistas. Tal
leitura da realidade só admite problemas de
natureza discriminatórios e racistas no passado,
a exemplo de posições diferenciadas e
hierarquizadas entre brancos e negros, sendo o
primeiro, superior ao segundo. Todavia, esta não
é a realidade presenciada diariamente nas
notícias de violência contra negros em
telejornais, estatísticas do IBGE14 sobre a
disparidade salarial entre brancos e negros, ou
pesquisas e estudos que asseguram crescer os
índices de feminicídio15 em mulheres negras
comparada ao número que cai em se tratando
de mulheres brancas.
A não aceitação de uma sociedade racista
tem sérias consequências. A citar, o reforço do
mito da democracia racial em que se pensa não
existir nenhuma consequência negativa na
convivência entre as pessoas, nas quais,
principalmente negros e negras, não tem seus
direitos violados e nem são prejudicados
socialmente. Nascimento (2018) ressalta,
14
Instituto brasileiro de Geografia e Estatísticas.
15
Mais detalhes ver: Mapa da Violência 2015 elaborado
pela Faculdade Latina-Americana de Estudos Sociais.

129
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

portanto, a existência de contradições


ideológicas que negam o real drama vivido por
povos afro-brasileiros marcado por interesse de
grupos considerados superiores a outros. Como
reverter tal situação? Dentre os caminhos estar
a problematização dessas questões no âmbito
da educação. Inclusive, incluímos, no âmbito da
educação na primeira infância.
Medidas de amparo legal no contexto da
primeira etapa da Educação Básica aparecem
implícitas em documentos oficiais, mesmo
depois da aprovação da lei 10.639/03 que visa
diminuir os prejuízos sofridos pelo povo e
descendentes africanos. A citada lei
complementar, altera o art.26A da
LDB 9.394/96. Assim, torna-se obrigatório o
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas
etapas de Ensino Fundamental e Médio, cujo
inciso especifica:
§ 1o o conteúdo a ser abordado em sala de
aula, como o estudo da História da África e
dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do
Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História
e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no
âmbito de todo o currículo escolar, em
especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileiras.

130
Ensino e Diversidade

Dentre o conteúdo programático


evidenciado anteriormente, legitima-se, ainda,
por meio do art. 79-B a inclusão do dia 20 de
novembro, ‘Dia Nacional da Consciência Negra’
no calendário escolar. Ou seja, mostra-se uma
conquista rumo há um currículo mais
democrático que valorize e preserve a cultura
negra.
Visa-se ao introduzir curricularmente
contextos de africanitude, a conscientização e a
luta contra à discriminação e ao racismo,
evidenciando as contribuições da cultura
africana para o povo brasileiro, medida
afirmativa firmada em 2003 por meio da Política
Nacional de Promoção da Igualdade Racial
(NASCIMENTO, 2018).
No âmbito da Educação Infantil, trabalhar
a cultura Afro-Brasileira na escola nos remete
as orientações dadas pelas DNCEI (2010) quanto
as instituições de ensino-aprendizagem que
propõem a garantia dessa problematização às
crianças. Dentre as propostas pedagógicas, o
convívio entre crianças e entre adultos e
crianças para a ampliação de conhecimentos
diversos, a promoção da igualdade de
oportunidades educacionais independente de
classe social; o rompimento de relações de
dominação etária, socioeconômica, étnicoracial,
o reconhecimento, a valorização, o respeito e a
interação das crianças com as histórias e as
culturas africanas, afro-brasileiras, bem como o

131
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

combate ao racismo e à discriminação (BRASIL,


2010).
Embora a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira não inclua a
Educação Infantil, as questões sobre esse tema
são evidenciadas, por exemplo, nas DNCEI
(2010). Nessa direção, as práticas pedagógicas
concernentes a cultura Afro-Brasileira, no
universo infantil, precisam acontecer de
maneira coletiva, viabilizada por materiais
adequados, espaços e tempos, previamente
planejados.
Não há preocupação em uma educação de
qualidade infantil sem o interagir e o brincar. As
DNCEI colocam como eixos norteadores da
prática pedagógica do currículo da Educação
Infantil: as interações e a brincadeira. Desta
forma, o professor é convidado a propiciar
experiências através destes eixos que efetivem
entre tantas: a vivência ética e estética com
outras crianças e grupos culturais, conhecendo
outras realidades e não permanecendo
alienados em uma realidade única e de cultura
homogênea do meio social e natural que
convive, sabendo, além disso, dialogar e
reconhecer como importante, a diversidade.
(BRASIL, 2010)
Mais recente, outro documento oficial a
tratar sobre a diversidade na orientação do
currículo da Educação Infantil é a Base Nacional
Comum Curricular-BNCC (BRASIL, 2017).
Segundo o documento no âmbito da educação

132
Ensino e Diversidade

para crianças menores de cinco anos, propõe


seis direitos de aprendizagem e
desenvolvimento, a saber, conviver, brincar,
participar, explorar, expressar, conhecer-se.
A partir da temática discutida, cabe
destacar a essência de três destes direitos: o
conviver, o brincar e o conhecer-se. Para
maiores explicações sobre cada um deles:
 Conviver com outras crianças e adultos,
em pequenos e grandes grupos, utilizando
diferentes linguagens, ampliando o
conhecimento de si e do outro, o respeito em
relação à cultura e às diferenças entre as
pessoas.
 Brincar cotidianamente de diversas
formas, em diferentes espaços e tempos, com
diferentes parceiros (crianças e adultos),
ampliando e diversificando seu acesso a
produções culturais, seus conhecimentos, sua
imaginação, sua criatividade, suas
experiências emocionais, corporais, sensoriais,
expressivas, cognitivas, sociais e relacionais.
 Conhecer-se e construir sua identidade
pessoal, social e cultural, constituindo uma
imagem positiva de si e de seus grupos de
pertencimento, nas diversas experiências de
cuidados, interações, brincadeiras e
linguagens vivenciadas na instituição escolar e
em seu contexto familiar e comunitário.
(BRASIL, p. 39, 2017)

133
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Ao orientar os currículos para Educação


Infantil, a BNCC, além de mostrar os direitos de
aprendizagem e desenvolvimento, propõe cinco
campos de experiências: O eu, o outro e o nós;
Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons,
cores e formas; Escuta, fala, pensamento e
imaginação; e Espaços, tempos, quantidades,
relações e transformações. De forma mais
específica ao tema tratado destaca-se o campo:
o eu, o outro e o nós.
O eu, o outro e o nós – É na interação com os
pares e com adultos que as crianças vão
constituindo um modo próprio de agir, sentir
e pensar e vão descobrindo que existem
outros modos de vida, pessoas diferentes,
com outros pontos de vista. Conforme vivem
suas primeiras experiências sociais (na
família, na instituição escolar, na
coletividade), constroem percepções e
questionamentos sobre si e sobre os outros,
diferenciando-se e, simultaneamente,
identificando-se como seres individuais e
sociais. Ao mesmo tempo que participam de
relações sociais e de cuidados pessoais, as
crianças constroem sua autonomia e senso de
autocuidado, de reciprocidade e de
interdependência com o meio. Por sua vez, na
Educação Infantil, é preciso criar
oportunidades para que as crianças entrem
em contato com outros grupos sociais e
culturais, outros modos de vida, diferentes
atitudes, técnicas e rituais de cuidados
pessoais e do grupo, costumes, celebrações e
narrativas. Nessas experiências, elas podem

134
Ensino e Diversidade

ampliar o modo de perceber a si mesmas e ao


outro, valorizar sua identidade, respeitar os
outros e reconhecer as diferenças que nos
constituem como seres humanos. (BRASIL,
2017)

Verifica-se no campo de experiência,


acima, como este é subsídio para a execução de
propostas pedagógicos que façam referência a
produção social da identidade e da cultura das
diferenças, pois propõe a interação entre
crianças e adultos de diferentes culturas, de
modo que essas diferenças sejam evidenciadas
positivamente por cada um possuir
características próprias e identidade a ser
desenvolvida constituída a partir de suas
relações e vivências. Aliada ao O eu, o outro e o
nós, podemos reportar também o campo:
Traços, sons, cores e formas. Vejamos a seguir:

Traços, sons, cores e formas - Conviver com


diferentes manifestações artísticas, culturais
e científicas, locais e universais, no cotidiano
da instituição escolar, possibilita às crianças,
por meio de experiências diversificadas,
vivenciar diversas formas de expressão e
linguagens, como as artes visuais (pintura,
modelagem, colagem, fotografia etc.), a
música, o teatro, a dança e o audiovisual,
entre outras. Com base nessas experiências,
elas se expressam por várias linguagens,
criando suas próprias produções artísticas ou
culturais, exercitando a autoria (coletiva e

135
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

individual) com sons, traços, gestos, danças,


mímicas, encenações, canções, desenhos,
modelagens, manipulação de diversos
materiais e de recursos tecnológicos. Essas
experiências contribuem para que, desde
muito pequenas, as crianças desenvolvam
senso estético e crítico, o conhecimento de si
mesmas, dos outros e da realidade que as
cerca. Portanto, a Educação Infantil precisa
promover a participação das crianças em
tempos e espaços para a produção,
manifestação e apreciação artística, de modo
a favorecer o desenvolvimento da
sensibilidade, da criatividade e da expressão
pessoal das crianças, permitindo que se
apropriem e reconfigurem, permanentemente,
a cultura e potencializem suas singularidades,
ao ampliar repertórios e interpretar suas
experiências e vivências artísticas. (BRASIL,
2017)

Ao ser proposto a convivência com outras


manifestações culturais, costumes e o modo de
viver de povos, a criança tem a oportunidade de
se conhecer ou se colocar no lugar do outro,
entender o outro e aprender a não discriminar
ou excluir por perceber que o respeito
considera as diferenças, inerente na
constituição de nossa sociedade.
Desta forma, de um lado os aportes de
documentos oficiais para a Educação Infantil
junto a lei 10.639/03 corroboram para a
execução de atividades referentes e alusivas à

136
Ensino e Diversidade

cultura Afro-Brasileira, ajudando a criar


possibilidades de inclusão e equidade social,
uma vez que no ambiente escolar as crianças,
sem distinção, tem “direito à proteção, à saúde,
à liberdade, à confiança, ao respeito, à
dignidade, à brincadeira, à convivência e à
interação com outras crianças”. (BRASIL, p. 20,
2010)
Pensar a escola como ambiente
estimulador de temáticas que ressaltam as
relações étnico-raciais é algo que consideramos
imperativo. Sendo assim, a seguir, a descrição
de uma experiência de trabalho na Educação
Infantil que tem em sua proposta a cultura afro
como experiência estética do belo, da
ludicidade e da acolhida as diferentes formas,
cores e modos do povo brasileiro.

Abayomi: uma proposta didática em ação


Antes de começar qualquer descrição
acerca da proposta focal cabe, preliminarmente,
uma explicação acerca da etimologia da palavra
Abayomi.
O nome Abayomi, usado tanto para
meninos como para meninas na África e de
origem iorubá16 (abai=encontro omi=precioso),
geralmente, no Brasil, é uma boneca negra de
pano artesanal. O significado contem a ideia
16
Idioma da família linguística nígero-congolesa falado
pelos iorubás em diversos países ao Sul do Saara,
principalmente na Nigéria.

137
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

daquele(a) que traz felicidade ou alegria.


Abaixo, imagem de bonecas Abayomi
confeccionadas por crianças de Educação
Infantil.

Imagem 1- Bonecas Abayomi confeccionadas por crianças


de 2 e 3 anos de idade.

Fonte: Arquivo pessoal da professora

Acima, nas mãos bem pequeninas de


crianças de dois e três anos de idade da turma
do Infantil 3 da EEIF José Augusto Ferreira, está
a boneca negra Abayomi. Esta confecção fez
parte das atividades da turma no mês de
novembro do ano de 2018.
A escola EEIF José Augusto Ferreira está
localizada na zona rural Lagoa do Mato, situada
na cidade de Barroquinha, no interior do Estado
do Ceará. A comunidade Lagoa do Mato é um
lugarejo simples, com eletricidade, água potável,
sem saneamento básico e estradas de areia e

138
Ensino e Diversidade

piçarra, com um contingente populacional de


poucas casas familiares. O ambiente natural é
composto por árvores de porte pequeno e
médio, e arbustos característicos do bioma da
caatinga, possui uma lagoa que costuma encher
conforme o período chuvoso. Os elementos
sociais - feitos pelos homens - são reduzidos e
se restringem além de casas pequenas e da
escola, a uma quadra poliesportiva coberta,
uma igreja católica, casa de produção de farinha
e uma praça pequena em frente à escola.
Como se ver, as condições sócio-
culturais são simples e as oportunidade de
experiências culturais (cinema, teatro, parques,
museus, etc...) são inexistentes. Em meio as
condições local a escola é o cenário de
encontro felizes e oportunidade de apropriação
de conhecimentos e experiências diversas.
A descrição, abaixo, faz parte dos
registros da professora de uma das turmas da
escola citada. A utilização do diário de registro
docente constitui prática de reflexão e
avaliação de seu cotidiano junto aos alunos.
Para Lopes (2009, p.25), o registro docente
constitui “[...] instrumento favorável à reflexão e
a construção de uma postura investigativa por
parte do professor, contribuindo, assim, para o
processo de formação”.
Nesse sentido, por uma questão de
organização do registo da professora para o
leitor estruturamos a descrição em cinco
tópicos.

139
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

a) Origem dos trabalhos com a cultura


afro-brasileira: De acordo com registro da
professora, as origens dos seus trabalhos
nessa perspectiva nasceu quando foi
instigada a problematizar questões ligadas a
cultura africana em um curso de formação
contínua o qual participou no início do ano de
2017, em São Paulo. Na oportunidade, a
professora relata que viveu dinâmicas de
grupo abordando situações rotineiras de
preconceito, intolerância e violência. Neste
mesmo encontro confeccionou a boneca
Abayomi, objeto para ela bastante simbólico e
representativo que até aquela data
desconhecia. Desse momento em diante, ao
retornar para a cidade de origem, ela se viu
desafiada a problematizar as questões da
cultura africana e afro-brasileira em sua
turma de Educação Infantil a partir da
inserção na vida cotidiana das crianças de
bonecas negras e danças africanas.
b) Origem do trabalho com a Abayomi:
Apesar de tentar incluir durante todo o ano
atividades ligadas ao respeito e as relações
afro-brasileiras, no planejamento mensal de
novembro a temática ganhou mais visibilidade
por conta da comemoração ao dia da
Consciência Negra comemorado no dia 20 do
referido mês. No universo infantil, buscar uma
ação envolvendo a ludicidade e ao mesmo
tempo a produção social da identidade foi o
caminho para chegar na boneca Abayomi com
as crianças.

140
Ensino e Diversidade

c) O planejamento da proposta: A
professora semanalmente faz o seu
planejamento que contempla uma rotina que
inclui: acolhida, roda de conversa, contação
de história, brincar, músicas, arte, exploração
e conhecimento do meio, higiene e
alimentação, jogos matemáticos e práticas de
linguagem. Para ações do mês a professora
propôs as brincadeiras africanas: chicotinho
queimado, carro de cabo de vassoura, pega-
pega, e outras; contação da história Menina
Bonita do Laço de Fita, cantoria com a música
escravo de Jó, e amostra de comidas típicas,
artesanato, vestimentas e dança, como a
capoeira, em destaque entre as ações a
exploração de poema sobre Abayomi
(produzido pela própria professora) tendo
como auge a confecção da boneca Abayomi.
d) Receptividade das crianças: Em seus
registros a professora fala que as crianças
são sempre atentas as suas proposições. No
mês de novembro conversou bastante com
elas sobre a cultura africana e afro-brasileira.
Escreveu sobre o quanto cada uma das
informações tratadas era recebida com
admiração e surpresa. Tudo era novo para
elas e extremamente interessante. De todas
as ações e tarefas propostas, a confecção da
boneca Abayomi pareceu ser a de maior
seriedade e engajamento.
e) O que revelou o trabalho com a cultura
africana e afro-brasileira na Educação
Infantil. Para a professora ficou nítido a
abertura que as crianças tem para o tema.

141
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Embora pequenas, estão sempre disposta a


viver experiências novas e desafiadoras como
foi a confecção da boneca Abayomi. Desafios
motores à parte, o universo infantil de
encantamento e beleza proposto pela boneca
fez meninos e meninas interessados em
interagir, ampliar vocabulários e repertórios
da vida social de modo a expandir a noção de
belo reconhecendo no artefato produzido um
símbolo que também faz parte da cultura
africana, mas também da nossa própria
cultura.

As descrições das ações apresentadas no


desenrolar da proposta didática com a cultura
afro-brasileira revelam que a origem da
proposta nasceu em um curso de formação
contínua em que a professora participou em um
ano anterior aos trabalhos. O curso foi essencial
para revisão das ações da professora na escola
de Educação Infantil no que se refere,
sobretudo, a inserção de práticas voltadas para
valorização da cultura africana e afro-brasileira.
Do conhecimento à intervenção em sala
foi um pulo. A data de comemoração ao dia
nacional de Consciência Negra foi a
oportunidade que a professora evidencia ter
encontrado para reforçar, ainda mais, o tema
que aconteceu em vários momento durante o
mês de novembro e com uma certa magia e
diversão como foi possível constatar na
descrição dos jogos, leituras e produções
realizadas pelas crianças.

142
Ensino e Diversidade

Todas essas ações proporcionaram às


crianças experiências interessantes e divertidas.
Mas foi na confecção da boneca Abayomi que
instigou as maiores descobertas. Por exemplo
quando um garoto externa: “Meninos e meninas
podem brincar de boneca”, ou uma garota
afirma: “Minha mãe é bem assim, linda!”. Essas
e outras vozes revelam questões essenciais no
universo da Educação Infantil que merecem ser
trazidas a baile e problematizadas com as
crianças.

Reflexões finais
No Brasil, tudo que envolve a
implementação do que a Lei orienta não é
compreendido e realizado de forma tão simples.
Muitas políticas educacionais encontram-se no
papel mas não acontecem na prática cotidiana.
A vivência de um direito simples como
oportunizar as crianças de Educação Infantil a
viver o respeito e a valorização da cultura
africana e Afro-brasileira parece ainda ser um
desafio às escolas.
Com este texto, tivemos a intenção de
trazer à tona questões de natureza legal para
discutir a relevância de uma proposta de
trabalho com a cultura afro-brasileira no
contexto da Educação Infantil. Indo além dos
cumprimentos de leis a proposta didática
trouxe para o universo infantil uma cultura que
proporcionou às crianças traçar caminhos na

143
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

construção social de identidade pessoal e


coletivas.
Medidas de inserção da cultura africana e
afro-brasileira por meio de brincadeiras,
literatura e confecção da boneca Abayomi foi
central para problematização com as crianças
da diversidade multicultural de nossa
sociedade. Também as medidas implementadas
pela ação da professora impulsionaram a
efetivação de um currículo para Educação
Infantil em que se almeja formação humana
alicerçada na valorização e no respeito as
diferenças presente em nossa cultura.
Portanto, o tema não pode ser restrito as
leis que o garantem. Merece, legitimamente,
ganhar novos palcos de discussão. Aqui,
incluímos o cenário educacional da primeira
etapa da educação Básica. E você? Qual o seu
palco de discussão?

Referências
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Petrópolis-RJ: Vozes, 2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional


Comum Curricular: Educação é a base.
Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/
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de 2019.

144
Ensino e Diversidade

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 10.639,


de 9 de janeiro de 2003. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2
003/l10.639.htm> Acesso em 31 de março de
2019.

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Educação Básica. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil. Brasília:
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questões contextuais e teórico metodológicas.
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DUTRA, C. C. B. A. A relevância da cultura


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Curso – Universidade de Brasília, Brasília, 2013.
Disponível em:
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13 de março de 2019.

GEVEHR, D. L; ALVES, D. de. Educação étnico-


racial na escola: a Lei 10639/2003 e os desafios
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145
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

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MINAYO, M. C. de S. (org.). Pesquisa Social.


Teoria, método e criatividade. 18 ed. Petrópolis:
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10 ed. Campinas, SP: Papirus Editora, 1999

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afro-brasileira e africana em uma escola no
município de Franca, SP. 2018. 154 f.
Dissertação de Mestrado - Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais, Franca, SP, 2018.
Disponível em:
<https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/
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VIGOTSKI, L. Formação Social da Mente. Martins


Fontes. São Paulo, 2007

146
Ensino e Diversidade

A FORMAÇÃO E A PRÁXIS
DOCENTE SOB O OLHAR
DA PEDAGOGIA
HISTÓRICO-CRÍTICA:
VIVÊNCIAS E REFLEXÕES
PEDAGÓGICAS SOBRE
DIVERSIDADE
Cristiane Neves Angelo
Querolin Gomes Alício
Israel David de Oliveira Frois

O presente trabalho consiste no


levantamento de reflexões sobre a formação
docente na educação infantil, a partir das
vivências experimentadas durante o período de
estágio, (fevereiro de 2018 a dezembro de 2018),
em escola pública municipal de Educação
Infantil do município de Serra/ES. Assim, o
objetivo deste trabalho é analisar a relação
entre a práxis e a formação docente, sob o
enfoque da Pedagogia Histórico-Crítica.
Para tal empreitada, primeiramente,
evidenciamos a imprescindibilidade da
formação inicial e continuada de qualidade para
o exercício crítico e transformador da profissão
docente. Nesse caso, estruturamos os princípios
norteadores da práxis docente articulados com
o processo de formação de professores sob o
viés da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), bem
como as suas contribuições para um processo

147
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

educativo comprometido com a emancipação


dos estudantes. Apontamos a consistência
teórica da PHC, pautada no materialismo
histórico e dialético; levantamos o
entendimento de educação com mediação no
interior da prática social e, na sequência,
destacamos a formação baseada na
competência técnica, no compromisso ético-
político (SAVIANI, 2008) e nos cinco saberes
imbricados na formação docente (SAVIANI,
1996).
Em seguida, analisamos as práticas
percebidas e vivenciadas nas escolas públicas
durante o período de estágio, isto é, buscamos
apreender se as práticas pedagógicas estão
envolvidas em uma perspectiva Histórico-Crítica
ou se efetuam em movimentos contrários ao
processo de uma aprendizagem emancipatória e
transformadora. E ainda, descrevemos a
aplicação de uma atividade (Abayomi) sobre
diversidade e racismo, pautada em premissas
crítica de combate à discriminação e
preconceito racial. Buscamos assim, objetivar
um olhar analítico, subsidiado pela potente
Pedagogia Histórico-Crítica preconizada por
Dermeval Saviani, que suscita reflexões
pedagógicas importantes para a construção de
uma práxis comprometida com a educação
pública, gratuita e de qualidade e articulada
com a transformação da sociedade.

148
Ensino e Diversidade

Práxis, Formação docente e a Pedagogia


Histórico-Crítica
Iniciamos este trabalho colocando em
relevo as premissas teóricas da Pedagogia
Histórico-Crítica (PHC), com destaque nas
dinâmicas formativas, isto é, nos saberes
envolvidos na formação do professor ou
professora. Todavia, primeiramente, faz-se
necessário sublinhar, mesmo que de forma
breve, as bases do arcabouço teórico que
sustentam a PHC.
Assim, podemos dizer que na busca por
“compreender as determinações que se
ocultam sob as aparências dos fenômenos que
se manifestam empiricamente à nossa
percepção” (SAVIANI, 2015, p.36), faz-se
necessário o uso do método marxiano do
materialismo histórico e dialético, para
“partindo dessa aparência, alcançar a essência
do objeto de estudo, capturar sua estrutura e
dinâmica, bem como suas múltiplas
determinações” (LAVOURA; MARSIGLIA. 2015), e
nesse processo de desvelar a aparência da
prática social, a educação tem a papel
fundamental de mediação, visto que o ser
humano é um ser social, dependente do outro
para se desenvolver.
Saviani diz que
Se a educação é mediação no seio da prática
social global, e se a humanidade se
desenvolve historicamente, isso significa que
uma determinada geração herda da anterior

149
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

um modo de produção com os respectivos


meios de produção e relações de produção. E
a nova geração, por sua vez, impõe-se a
tarefa de desenvolver e transformar as
relações herdadas das gerações anteriores.
Nesse sentido, ela é determinada pelas
gerações anteriores e depende delas. Mas é
uma determinação que não anula a sua
iniciativa histórica, que se expressa
justamente pelo desenvolvimento e pelas
transformações que ela opera sobre a base
das produções anteriores. A educação, na
medida em que é uma mediação no seio da
prática social global, cabe possibilitar que as
novas gerações incorporem os elementos
herdados de modo que se tornem agentes
ativos no processo de desenvolvimento e
transformação das relações sociais. (SAVIANI,
2008, p. 143).

Nessa perspectiva, Saviani evidencia a


função primordial do ensino escolar de
humanizar os indivíduos. E essa humanização se
faz ao promover a apropriação dos elementos
culturais produzidos histórica e coletivamente
pela humanidade. Tais conteúdos
sistematizados, chamados pelo autor de
clássicos ou eruditos, foram negados às classes
ou grupos vulneráveis e subalternos ao longo da
história, a partir da divisão social do trabalho, e
da apropriação das fontes de produção pela
burguesia, assim como, pela propriedade
privada. Ocorreu, nesse processo alienatório, a

150
Ensino e Diversidade

separação entre as atividades


intelectuais/acadêmicas (controlada pela
elite/dominadores) e as atividades
braçais/manuais (função dos dominados)
alijando estes do direito à educação, e, por sua
vez, os elementos culturais clássicos/eruditos
aos dominantes, em detrimentos dos grupos e
classe menos favorecidos.
Desse modo, a pedagogia Histórico-Crítica
apregoa práticas pedagógicas transformadoras,
pois se propõe a encampar lutas pela
apropriação dos conteúdos historicamente
construídos coletivamente pela humanidade.
Então, Saviani entende que a educação escolar
tem uma função de subsidiar aos educandos
possibilidades de se apropriar dos instrumentos
controlados pela elite, isto é, pelos
dominadores da estrutura econômica e da
superestrutura (espectro cultural, político
jurídico, etc.).
O referido autor diz que
Parece-me, pois, fundamental que se entenda
isso e que, no interior da escola, nós atuemos
segundo está máxima: a prioridade de
conteúdo, que é a única forma de lutar contra
a farsa do ensino. [...] Se os membros das
camadas populares não dominam os
conteúdos culturais, eles não podem fazer
valer seus interesses, porque ficam
desarmados contra os dominadores, que se
servem exatamente desses conteúdos
culturais para legitimar e consolidar a sua
dominação. [...] o dominado não se liberta se

151
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

ele não vier a dominar aquilo que os


dominantes dominam. Então dominar o que
os dominantes dominam é condição de
libertação. (SAVIANI, 1992, p.66)

Dessa forma, se a escola deve o lócus


principal da disseminação/transmissão do
conhecimento sistematizado pela humanidade,
a escola pública ganha contornos de extrema
relevância nas lutas pela transformação da
realidade abissalmente desigual. Os
professores, nesse prisma, devem ser formados
e passar por processos que proporcionem o
desenvolvimento integral para a formação de
competência técnica em excelência, além do
desenvolvimento da consciência que culmine no
compromisso ético-político com o fazer
docente e com a construção de um novo ethos
societário.
Nota-se, então, que a formação de
professores é fundamental na busca por
transformação social, pois a busca pela
competência técnica deve estar em total
articulação com o compromisso ético-político.
Entende-se, assim, que a educação é
eminentemente política, contestando a lógica
pedagógica tradicional e positivista que se
compromete apenas com a manutenção do
status quo. Além disso, entendemos que o
docente precisa se dominar os instrumentos
técnicos e teóricos que darão base o processo

152
Ensino e Diversidade

dialético de apreensão sintética da realidade em


conjunto com os discentes.
Dessa maneira, para que o processo de
formação de professores ocorra em uma
dinâmica de totalidade, a Pedagogia Histórico-
Crítica traz à luz a acepção dos múltiplos
saberes que caracterizam o processo educativo
(cf. SAVIANI, 1996) e que estão alinhavados com
o aspecto de competência técnica e
compromisso ético-político, quais sejam: saber
atitudinal; saber crítico-contextual; saberes
específicos; saber pedagógico, e o saber
didático contextual.
Assim, o saber atitudinal é aquele
referente às atitudes do professor, ou seja, a
sua postura diante dos seus pares e dos
estudantes no que diz respeito à disciplina, ao
diálogo, à coerência a teoria e a prática e na
justiça ao mediar os relacionamentos Inter e
intrapessoais. O saber crítico-contextual está
relacionado com a compreensão das condições
sociais e históricas que determinam a tarefa
educativa, ou seja, o docente precisa
“compreender o contexto com base no qual e
para qual se desenvolve o trabalho educativo”
(SAVIANI, 1996, p. 149). Os saberes específicos
correspondem a um recorte do conhecimento
socialmente construído pela humanidade
estabelecido por uma ciência. O professor deve
ter propriedade do conteúdo abordado para dar
subsídio a socialização enriquecida. Há ainda, o
saber pedagógico, que possibilita a construção

153
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

da identidade do professor como profissional da


educação, fundado em princípios teóricos
científicos educacionais. Por fim, o saber
didático curricular, que é baseado no trabalho
docente, isto é, na dinâmica do fazer do
professor, como a “organização e realização da
atividade educativa no âmbito da relação
educador- educando” (SAVIANI, 1996, p.149).
Nessa perspectiva, Saviani (1996, p.148),
afirma que para uma formação de qualidade o
educador deve aplicar os cincos saberes
implicados por ele, como fundamental para sua
formação. A formação continuada de
professores tem sido objeto de pesquisa de
vários teóricos no campo acadêmico e indicada
como o grande desafio a ser sanado pelos
sistemas de ensino e operado para os
educadores, uma vez que está associada a
qualidade do ensino e ao aprimoramento das
práticas docentes articulando a práxis
pedagógica. A formação de professores tem
como objetivo orientar e proporcionar
momentos de reflexão sobre a qualidade das
práticas pedagógicas e na construção dos tipos
de saberes que implicam a todos educadores.
Ao reconhecer a importância de aprimorar
sua qualificação e se reconhecer como
mediador do conhecimento, o professor pode
refletir sobre suas práticas cotidianas, criar
novas táticas de ensino e romper com
paradigmas de pedagogias acríticas e/ou
comprometidas com o modus operandi do

154
Ensino e Diversidade

sistema, voltada apenas para o professor como


detentor do conhecimento. Refletir sobre a
prática constitui condição fundamental para o
trabalho docente.
Portando, compreendemos, a partir da
PHC, que a educação transformadora é
realizada via trabalhadores da educação, em
especial, por professores comprometidos com
as dimensões ético-política, com o domínio
técnico e teórico-epistemológico,
contextualizados no que se refere, tanto ao
lócus de trabalho quanto à realidade concreta
do sistema em que vivemos. Em seguida,
sintetizamos uma experiência de estágio em um
CMEI no município de Serra, ancorados pelas
premissas da Pedagogia Histórico-Crítica.

Vivências: um olhar sobre as práticas docentes


Este relato de experiência nasceu das
vivências e observações de estágio não
obrigatório, advindos de discentes do curso de
Pedagogia do Centro Universitário do Espírito
Santo, UNESC- campos II, localizado no
município de Serra- ES. Assim, buscamos
descrever as práticas pedagógicas de um CMEI-
Centro Municipal de Educação Infantil17, no
período letivo de março a dezembro do ano de
2018. O CMEI, alvo das análises, situa-se em
17
Omitimos o nome da escola e dos docentes envolvidos
na observação, pois não obtivemos prévia autorização
para inseri-los neste trabalho.

155
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Serra-ES, nas mediações do bairro Jacaraípe, na


área conhecida como “Terereco”, na qual, em
sua maioria, a população é negra, de baixa
renda e convive com elevados índices de
violência.
A história do bairro Terereco é marcada
por muitas contradições desde a sua gênese,
visto que sua constituição ocorreu mediante um
processo de ocupação irregular. Ressaltamos
que nos noticiários semanais é corriqueiro
percebemos manchetes18 reverberando os
problemas sociais que ocorrem na região. Cale
destacar que tais reportagens constantes,
promovem um olhar estigmatizado,
preconceituoso para com o bairro.
O bairro em destaque é constituído,
majoritariamente, por negros (pardos e negros)
e a escola, por sua vez, congrega um corpo
18
Encontramos muitas reportagens com manchetes que
ressaltam as contradições do bairro em destaque.
Escolhemos algumas para evidenciar. Por exemplo, no dia
15 de maio de 2018, o jornal “Tribuna Online” reportou a
matéria: “Jacaraípe é o bairro com mais homicídios na
Grande Vitória”. Disponível em <
https://tribunaonline.com.br/jacaraipe-e-o-bairro-com-
mais-homicidios-na-grande-vitoria> Acesso em: 16 Abril
2019. No portal G1, noticiaram no dia 13 de Abril de 2019
que “Quadrilha que comandava tráfico em Jacaraípe é
presa em Serra, no ES”. Disponível em: <
http://g1.globo.com/espirito-santo/estv-
1edicao/videos/v/quadrilha-que-comandava-trafico-em-
jacaraipe-e-presa-na-serra-no-es/3376918/> Acesso em:
13 Abr. 2019.

156
Ensino e Diversidade

discente com esta mesma proporção de negros.


Nesse ponto, percebemos a necessidade de
pensar sobre ações educativas que possibilitem
o reconhecimento, o resgate da autoestima e a
apropriação de conhecimentos que podem ser
potencializadas por uma práxis transformadora.
Alguns dados nos ajudam a compreender
a realidade profundamente desigual em termos
sócio raciais. De acordo com o IBGE- Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (2017), em
média, os brancos têm os maiores salários,
sofrem menos com o desemprego e são maioria
entre os que têm acesso à educação. Segundo o
PNAD (2016), no que diz respeito à educação
infantil, a frequência nas escolas é menor entre
as crianças negras. A média brasileira é de
41,2%, sendo 42,9% da população branca e
39,8% da população negra. Além disso, a taxa
de analfabetismo é de 4,2%, considerando os
brancos e 9,9%, quando observamos os negros.
Diante desta breve apresentação sócio-
histórico-geográfica, está escrita propõe
abordar a função social de mediação da escola,
em um bairro que acentua a luz da
desigualdade. Nesse caso, a educação tem uma
importância imprescindível na busca pela
transformação daquela realidade apresentada.
Sendo assim, buscamos problematizar e
compreender, por meio da observação, as
práticas adotadas por docentes no cotidiano
escolar. Estas observações realizadas foram
pautadas no contato teórico com perspectiva

157
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Histórico-Crítica que fora amplamente


vivenciado ao decorrer dos primeiros seis
períodos do curso de Pedagogia no UNESC.
Compreendendo este contexto, nosso
objetivo é dialogar sobre a formação docente,
diante de uma realidade complexa, na qual o
direito à educação de qualidade não é atendido.
Cabe-nos, então, algumas indagações, tais
como: a formação inicial e continuada
possibilita qualidade ao processo de ensino-
aprendizagem? Os conflitos étnicos-raciais são
agregados nas formações ofertadas? A prática
pedagógica contempla reflexões e ações para
mediar e transformar as contradições étnico-
raciais?
A Pedagogia Histórico-Crítica proposta por
Saviani (1999), aponta que o processo de
caráter educativo, deve mover uma mudança na
dinâmica social, vinculada a uma práxis
democratizante. Desenvolvendo, junto ao
processo de formação, uma ressignificação das
práticas pedagógicas.
Sendo assim, podemos descrever o
estágio como uma experiência enriquecedora e
relevante para a formação profissional. É um
momento de observação, reflexão e ação,
buscando-se articular a teoria à prática.
Podemos debruçar sobre os movimentos
dialéticos, contribuindo para novas aquisições
de conhecimento e um olhar diferenciado sobre
as práticas e as diversidades que permeiam no

158
Ensino e Diversidade

âmbito escolar dentro de uma perspectiva


Histórico-Crítica.
Saviani, propondo a qualidade da
educação no mover da práxis pedagógica,
aborda a educação e suas contradições.
Enfatiza que a educação escolar, em sua função
social, deve servir de mediação, transmitindo o
saber historicamente acumulado, isto é, o
conhecimento sistematizado, erudito.
Entretanto, é preciso compreender o contexto
histórico que construiu a marginalização social
perpetrada na realidade. Neste sentido,
vivenciamos no estágio, ao observar diariamente
o âmbito escolar, que a escola vai na contramão
das premissas levantadas pela Pedagogia
Histórico-Crítica, negligenciando grandes
temáticas que precisam ser debatidas. Dentre
elas, percebemos a ausência de práxis
pedagógica centrada no combate às
discriminações de todas as ordens, ou seja, de
gênero, social e, em destaque, racial ou
antirracista.
Surgem, então, algumas questões, tais
como: como mediar o conhecimento qualificado
para alunos negros (Preto ou pardo), sem
incorrer em práticas pedagógicas que ignoram a
sua historicidade e ancestralidade? Como
amalgamar o que há de mais elaborados no que
tange às técnicas didático-pedagógicas, com os
elementos sofisticados da cultura afro?
Saviani contribui ao dizer que

159
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Tais métodos se situarão para além dos métodos


tradicionais e novos, superando por incorporação as
contribuições de uns de outros. Portanto, serão
métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos
alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor;
favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o
professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo com a
cultura acumulada historicamente[...] Saviani (1999,
p.79)

Isto quer dizer que é necessário ir além


de se estabelecer o diálogo entre as diferentes
culturas. É imprescindível trazer à tona
elementos culturais que estavam soterrados
pelo domínio eurocêntrico de produção do
saber. Percebe-se que há muita riqueza cultural
e, por sua vez, educacional, produzida pela
humanidade. Sabendo disso, cabe aos
envolvidos nos processos educativos utilizarem
tudo que há de mais potente para atender o
processo de humanização, sem desconsiderar
as riquezas culturais produzidas por toda a
humanidade.
Para Saviani (1999), o descaso com a
qualidade da educação pode corroborar com o
processo de marginalização social,
desqualificando o potencial do sujeito e do
espaço escolar. Se por um lado a
escola/educação não consegue modificar todas
as desigualdades societárias, por outro lado,
sem a educação não é possível pensar na
construção de um novo ethos que promova a
transformação social.

160
Ensino e Diversidade

Diante do aporte teórico construído no


curso de Pedagogia (UNESC/Serra-ES) nas
disciplinas de Educação do Campo (2018/1),
Tópicos Avançados em Educação (2018/2)
ministrada pelo professor Mestre Israel Frois
David de Oliveira, introduzindo e desenvolvendo
os fundamentos teóricos da Pedagogia
Histórico-Crítica; e Educação em Espaços Não
Escolares (2018/1), ministrado pela professora
Geisa Hupp Fernandes Lacerda, com
aprofundamentos sobre a relevância de se
debater as relações étnicos raciais, é possível
afirmar que as práticas educativas observadas
no CMEI, encontram-se pautadas em
pedagogias acríticas, centradas em professores
desatualizados, e que tem a crença de que os
saberes adquiridos em sua formação inicial
sejam o suficiente para superar as diversidades
e conflitos que se estabelecem na realidade
escolar. Nesse caso, cabem aos alunos assimilar
acriticamente os conteúdos que lhes são
transmitidos. Em vários momentos, observa-se
o uso de metodologias de memorização e
repetições, tornando o processo empobrecido e
estanque. Em um momento de notório abalo na
democracia brasileira e, sobretudo, na liberdade
e democracia escolar19, percebemos a
19
O abalo à democracia que nos referimos neste texto é
caracterizado pelo golpe à democracia brasileira
perpetrado nos últimos anos no nosso país. No que diz
respeito, especificamente, à educação, nos referimos a

161
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

intensificação de práticas tradicionais sendo


intensificadas.
A observação da prática do contexto
pedagógico do CMEI, nos levou a constatar que
os docentes desconsideram, no planejamento e
execução das atividades, a realidade dos
educandos, além de imporem, sem muito
critério, um regime conteudista que não medeia
conteúdo erudito com a necessária relação com
a prática social e, consequentemente, com a
criticidade.
Ao participar de algumas formações de
professores, oferecidas pela rede municipal,
evidenciamos que tais práticas tradicionais se
perpetuam para além das salas de aula, visto
que as formações institucionais são engessadas,
totalmente desarticulas das especificidades e
problemáticas encontradas e vivenciadas pelos
educadores. Além disso, tais trabalhadores da
educação, apresentam-se visivelmente
desmotivados, participando apenas para o
cumprimento da carga horária obrigatória. Nota-
se que estas formações não contribuem como
mediação na busca de soluções para enriquecer
e aprimorar o processo de ensino-aprendizagem

emergência do movimento “Escola sem Partido”, que


adota uma postura de pseudoneutralidade, impondo um
regime de vigilância e criminalização da docência,
sobretudo às perspectivas críticas que colocam em alto
relevo o combate às desigualdades de gênero, sociais e o
racismo (FRIGOTTO, 2017).

162
Ensino e Diversidade

e para resolução dos conflitos enfrentados no


cotidiano escolar.
Com base algumas observações e
situações presenciadas em sala de aula e no
âmbito escolar, evidencia-se o preconceito
racial como um dos principais geradores de
conflitos. Destacamos, como exemplo, a não
aceitação das crianças em serem negras,
demonstrando esta característica em atividades
e dinâmicas trabalhadas em sala de aula com a
temática identidade. Percebemos, ainda, as
dificuldades da escola em dialogar com/sobre
tais temáticas de grande relevância.
Entretanto, sabemos das conquistas
legais que ocorreram, como a lei 10.639/2003,
que inclui o estudo da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional. Cabem às escolas
trabalharem tais temas, com o intuito de
resgatar a relevância das africanidades,
resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinentes à
História do Brasil.
Percebendo todo este cenário escolar no
CMEI, reproduzimos algumas ações educativas
que foram vivenciadas na formação, tendo
como embasamento os fundamento teóricos
abrangentes das disciplinas no curso de
pedagogia. Observando a relevância de se
dialogar e debater sobre a diversidade e a
necessidade do cumprimento de uma aula

163
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

elaborada e aplicada para o relatório de estágio,


a discente em formação inicial, propôs à
professora regente uma aula sobre a História da
cultura Afro Brasileira. Com o objetivo de
romper paradigmas construídos ao longo da
história, enfatizando a identidade e resistência
dos negros e proporcionando um momento de
reflexão crítica transformadora, utilizamos o
lúdico, a partir da contação de história e
implementamos uma oficina de construção da
boneca Abayomi, a qual buscava fazer com que
os alunos reconhecessem o seu papel como
cidadão na busca por uma sociedade mais
justa e democrática.
Dessa forma, a aula foi planejada pela
estagiária e organizada em três momentos,
quais sejam: primeiramente, foi realizada uma
roda de conversa e uma dinâmica do espelho;
em um segundo momento, foi feito uma
contação de história e; no terceiro momento,
uma oficina de confecção da boneca Abayomi
(palavra em yoruba que significa encontro
precioso).
No primeiro momento da aula, na roda de
conversa, as crianças com o auxílio de um
espelho se observaram e narravam sobre: cor
da pele cabelo, boca, olhos. Muitos estudantes
relatavam não ter a “cor negra” e não gostarem
dos seus “cabelos cacheados ou crespos”,
alguns apenas se observaram e silenciaram,
todos os momentos foram mediados pela
estagiária e a professora regente, em busca de

164
Ensino e Diversidade

desenvolver na criança uma reflexão,


respeitando, sempre, a criança como um sujeito
ativo da educação, valorizando seus
conhecimentos prévios, habilidades, valores e
crenças.
No segundo momento, trabalhamos a
história da boneca Abayomi, evidenciando a
chegada dos negros no Brasil, o tráfico de
africanos para as colônias americanas, a
escravidão e a importância da resistência, por
meio da cultura, e o conhecimento africano
afro-brasileiro.
Em seguida, a oficina da confecção da
boneca Abayomi, pois com o uso da ludicidade
as crianças puderam vivenciar um pouco da
história, desenvolvendo as habilidades motora,
cognitivas e de interação com o outro, a
resistência partindo da construção das bonecas,
a luta das mulheres em manter a história e o
afeto.
No nosso processo de pensar o trabalho
com a temática, pudemos considerar este
momento como uma possibilidade de
estabelecer um “divisor de águas” das práticas
educativas. Pois, a escola, até então, apenas
contemplava esses eixos no dia 20 de
novembro, isto é, no dia da Consciência negra.
Sendo, assim, insuficiente para explorar a
potencialidade e necessidade das discussões
que atravessam tal eixo temático.
Embora reconheçamos a potência do
trabalho iniciado, percebemos que é necessário

165
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

muito mais que um momento. Faz-se


necessário pensar/desvelar as narrativas
soterradas e os conflitos envolvendo os sujeitos
históricos, de modo a contribuir na
transformação das práxis, do projeto político
pedagógico, das metodologias e, sobretudo,
vislumbrando a transformação da sociedade.
Nesta experiência, compreendemos que o
exercício do trabalho docente a partir da
Pedagogia Histórico-Crítica pode provocar um
maior enriquecimento cultural e possibilitar a
transformação dos sujeitos e, com isso,
fomentar as lutas para a transformação social.
Sabemos que a educação/escola, apesar das
contradições sistemáticas percebidas, é
fundamental para mover a mudança.
Marx aponta que “Por um lado, é
necessário modificar as condições sociais para
criar um novo sistema de ensino, por outro;
falta um sistema de ensino novo para poder
modificar as condições sociais.
Consequentemente é necessário partir da
situação atual.” (MARX, apud LOMBARDI, 2011 p.
138). Isso quer dizer que a busca pela
transformação da realidade desigual deve
começar pela educação via uma práxis
potentemente transformadora e, nesse caso, a
Pedagogia Histórico-Crítica se apresenta como a
alternativa contra-hegemônica com este caráter
revolucionário, transformar a formação de
professores, para transformar a práxis docente
e, com isso, mediar a formação de uma

166
Ensino e Diversidade

consciência cidadã, sociale transformadora nos


discentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora a realidade seja profundamente
injusta, desigual e com um sistema que opera
de forma perversa, compreendemos que a
educação tem papel crucial na mediação de
processos educativos que gerem uma
compreensão sintética e propositivamente
transformadora desta realidade pelos
professores e pelos estudantes, para, em
seguida, se estender pela sociedade.
Acreditamos que a Pedagogia Histórico-Crítica
pode ser a base teórica fundante de uma
formação docente potente. Assim, veremos
trabalhadores da educação, em especial, por
professores comprometidos com as dimensões
ético-política, ou seja, ao invés de reproduzirem
preconceitos ou silenciarem discriminações,
serem mediadores na luta contra a alienação e
reificação humana, serem comprometidos com
as lutas dos grupos oprimidos. Vale destacar
que o domínio técnico e teórico-epistemológico,
assim como o saber contextual, tanto no que se
refere ao lócus de trabalho quanto à realidade
concreta do sistema em que vivemos é
determinante para uma práxis engajada e
transformadora.

167
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FRIGOTTO, Gaudêncio. Escola “sem” partido:
esfinge que ameaça a educação e a sociedade
brasileira (org). Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2017.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística <
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-
noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/21206-ibge-mostra-as-cores-
da-desigualdade> acesso em 10/04/2019.

INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa


Educacionais Anísio Teixeira,
<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/
educacenso/documentos/2015/cor_raca.pdf>
acesso em 09/04/2019.

LOMBARDI, José Claudinei. Educação e ensino


na obra de Marx e Engels. Campinas, SP: Átomo
& Alínea, 2011.

LAVOURA, T. N., MARSIGLIA, A. C. G. A pedagogia


histórico-crítica e a defesa da transmissão do
saber elaborado: apontamentos acerta do
método pedagógico. Perspectiva. Florianópolis.
v.33, n.1, 345-376, jan./abri. 2015.

SAVIANI, Demerval. O conceito dialético de


mediação na pedagogia histórico-crítica em
intermediação com a psicologia histórico-
cultural. Germinal: Marxismo e Educação em

168
Ensino e Diversidade

Debate, Salvador, v. 7, n. 1, p. 26-43, jun. 2015.


Disponível em:
http://www.portalseer.ufba.br/index.php/revista
germinal/article/viewFile/12463/9500

______. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras


aproximações. 10.ed. Campinas: Autores
Associados, 2008, 128 p.

______. Os saberes implicados na formação do


educador. In: BICUDO, Maria Aparecida; SILVA
JUNIOR, Celestino Alves (Orgs.). Formação do
educador: dever do Estado, tarefa da
Universidade. São Paulo: Unesp, 1996.

______. Escola e democracia: teorias da


educação curvatura da vara, onze teses sobre
educação e política. 36. Ed. São Paulo: Autores
Associados: Cortez, 2003.

______. Escola e democracia: polemicas do


nosso tempo. 32. Ed. São Paulo: Autores
Associados: 1999, 79 p.

169
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

170
Ensino e Diversidade

ÁFRICA EM QUADRINHOS
Elbert Agostinho

Perspectivas Iniciais
Os estudos sobre a História da África
apresentam-se como essenciais para que se
desconstrua uma visão tacanha que é
reproduzida durante séculos, tratando o
continente Africano como um único país, e
apresentando a História da África como uma
história de atraso, onde todos eram menos
desenvolvidos, e nesse sentido, a Europa trouxe
a “luz para as trevas”. Se faz necessário
remover, abrir passagem, e constituir novos
caminhos epistemológicos que permitam uma
percepção adequada de nosso riquíssimo
patrimônio africano-brasileiro (LUZ,2009).
Hoje é necessário perceber a contribuição
da Herança Africana para o mundo, e repensar
todo o conhecimento que aprendemos, pois, até
então, ouvíamos uma história vinda de um
estudo etnocêntrico, onde à Europa detinha
todo o conhecimento do mundo, e apresentava-
se como a referência de “civilização”. Pois, para
estes (europeus), o outro (negro) torna-se então
sinônimo de ser primitivo, inferior, dotado de
uma mentalidade pré-lógica (MUNANGA, 2012).
Torna-se importante para nós educadores
compreendermos o perigo de uma história única
(ADICHIE, 2010), deve-se analisar e perceber
estes deslocamentos propiciados pela cultura

171
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

europeia, evidenciando sua etnia e


menosprezando as demais, propondo assim,
informar os principais aspectos e indicar
caminhos para um maior conhecimento (LIMA,
2013). Portanto, abordar conteúdos que trazem
para a sala de aula a história da África e do
Brasil africano é cumprir nossos grandes
objetivos como educadores (SOUZA, 2007).
Apresenta-se como um desafio discutir o
continente africano no ambiente escolar, e
dentro desta perspectiva torna- se interessante
desenvolver novas metodologias para o
exercício de debates e aulas diferenciadas.
Tendo como referência as ideias propostas
acima, a utilização de histórias em quadrinhos
pode funcionar como uma estratégia
interessante para se propor aulas distintas,
pois, as HQs podem ser consideradas uma
forma de literatura (EISNER, 2013), e podem ser
utilizadas como recurso pedagógico (RAMOS,
2012).
Os Quadrinhos podem funcionam como
uma ferramenta mais atraente no sentido de
estimular a leitura, pois existe o apelo visual, a
figura, essa narrativa visual dialoga melhor com
as crianças, adolescentes e jovens. Seria então,
as Histórias em Quadrinhos um tipo de leitura
distinta, dotada de recursos próprios e
exclusivos (MOYA; D’ASSUNÇÃO, 2002).
Nesse sentido, o trabalho em questão
propõe abordagens diferenciadas dentro do
universo escolar, tendo como referências

172
Ensino e Diversidade

Histórias em Quadrinhos que apresentem o


continente africano, servindo de material para
novas reflexões, e adequação de novos saberes
para com os alunos, tais bibliografias dialogam
de maneira diferente com o ambiente escolar,
onde os alunos, lendo sobre o continente
africano de forma diferenciada, constroem
novas leituras distante de estereótipos e
arquétipos imutáveis. Para tal foram
selecionadas algumas Hqs que possam ser
utilizadas como ferramentas e material didático
que facilitem a interpretação e compreensão
dos alunos, problematizando a “história única”
que é disseminada sobre o continente africano,
e desarticulando os estigmas que são
construídos em torno do negro na sociedade
brasileira.
Portanto, neste exercício analítico o aluno
torna-se parte essencial do trabalho, pois, ao
ter acesso a novas versões da África, o aluno
pode construir novas possibilidade sobre a
representação deste continente, partindo deste
princípio, pretende-se elaborar juntamente com
os alunos um laboratório dialógico, onde o
aluno se tornará autor/desenhista de uma
narrativa, ou seja, almeja-se que os alunos
sejam autores de histórias em quadrinhos, e tais
histórias funcionarão como termômetro
indicativo, e nos fará perceber se as aulas
propostas alteraram de alguma maneira a
percepção dos alunos sobre o Continente
Africano. Além disso, pretende-se auxiliar na

173
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

construção de uma nova percepção sobre a


África. E sobre a presença africana em nosso
cotidiano.
Em suma, pretende-se alterar certos
métodos de ensino no intuito de construir
diferentes respostas, apresentando assim as
histórias em quadrinhos como referencial
bibliográfico para se construir diferentes
imaginários sobre o cenário africano,
compartilhando com os alunos o prazer da
leitura, a análise sobre a representação, e a
elaboração de personagens, tendo como base a
construção de saberes adquirida pelos alunos.
Trata-se então de um exercício, em que
também será analisado a maneira de pensar dos
alunos, e as relações dialógicas entre as aulas e
a produção de um trabalho específico sobre
histórias em quadrinhos, almejando assim, uma
Nova África a partir dos alunos que seja
contrária ao pensamento eurocêntrico latente
nos livros didáticos.
A pesquisa e consequente análise sobre o
continente africano apresenta-se como prática
importante, principalmente dentro do ambiente
escolar. Dentro do espaço educacional ainda
funcionam representações errôneas sobre a
História da África, nesse sentido, cabe aos
educadores o exercício de projetar novos
saberes, dialogando com os alunos sobre as
maneiras diferentes de se observar o mundo, e
consequentemente a África. Em uma
perspectiva histórica torna-se interessante

174
Ensino e Diversidade

salientar que a África é um amplo continente,


em que vivem e viveram desde os princípios da
humanidade grupos humanos, com línguas,
costumes, tradições e maneiras de ser próprias,
construídas ao longo de sua história. Portanto
torna-se um equívoco pensar em “africanos”
como algo singular, percebe-se através de
novos olhares, a pluralidade existente no
continente.
“A África é o segundo continente do mundo
em população, com mais de 800 milhões de
habitantes. Lá vivem 13 de cada 100 pessoas
no mundo e a taxa de crescimento da
população é uma das mais altas do nosso
planeta: de quase 3% ao ano. É o terceiro
continente do mundo em extensão, com
cerca de 30 milhões de quilômetros
quadrados que correspondem a 20,3% da área
total da terra”. (LIMA, 2013. p. 29).

A historiadora Mônica Lima, especialista


nesta temática comenta que no Continente
Africano existem 54 países, sendo 48
continentais e seis insulares, e ainda há 10
territórios dominados por países estrangeiros,
sendo que a maioria desta são ilhas. Ainda,
segundo a autora:
“Cerca de 75% da superfície do continente se
situa nos trópicos, e somente as suas
extremidades norte e sul têm clima
temperado. É o mais quente dos continentes,
ainda que tenha regiões de altas montanhas,

175
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

sempre cobertas de neve, como o Monte


Kilimanjaro, no Quênia”. (idem).

Segundo Mônica Lima torna-se


importante destacar, também que no
Continente Africano falam-se aproximadamente
duas mil línguas, as quais por sua vez têm suas
variantes: os dialetos. E entre essas línguas,
mais de 50 são faladas por mais de um milhão
de pessoas. A autora continua: “Os estudiosos
localizam cinco grandes famílias linguísticas na
formação dos idiomas do continente” (LIMA,
2013. p. 2013).
Nota-se que existe uma série de fatores
que durante séculos foram silenciados a
respeito do Continente Africano, portanto, faz-
se necessário este estudo, no sentido de se
aprofundar sobre as possibilidades e
perspectivas de se observar tal continente. Para
tal, verifica-se a importância de se estudar a
História da África, e apresentar a relevância
desse estudo, proposta que será apresentada
no decorrer deste trabalho.

Por que devemos estudar sobre a História da


África?
“- Somos o que trazemos coma gente...
Dos nossos Antepassados da África! - A
Senhora nasceu na África Vovó?
- Eu não... Mas nossos Ancestrais vieram de
Lá. Grande parte da nossa cultura veio de lá.”
(Diálogo extraído da revista em quadrinhos: A

176
Ensino e Diversidade

Herança Africana no Brasil de Daniel Esteves


e Wanderson Sousa. Editora Nemo. 2015).

Os estudos sobre o continente africano


apresentam um espaço de diversidade e
pluralidade, ao observar seu retrato físico por
exemplo, compreende-se que o continente
africano é cercado a nordeste pelo mar
Vermelho, ao norte pelo Mediterrâneo, a oeste
pelo oceano Atlântico e a leste pelo oceano
índico. A história da África é parte indissociável
da história da humanidade, portanto, a África
deve ser compreendida como o berço da
humanidade como salienta Mônica Lima:
“...Lá surgiram as primeiras formas gregárias
de vida dos homens e das mulheres de nosso
planeta. Em toda sua longa história, os
nativos do continente africano estiveram
relacionando-se aos habitantes de outras
regiões e continentes. Seus conhecimentos,
produtos, criações e ideias circularam o
mundo, assim como os seus criadores” (LIMA,
2013. p. 23).

Compreende-se a importância do
continente africano, os diversos matizes de
nossa formação cultural, a memória de nossos
ancestrais africanos e suas heranças. Pensar
sobre estas questões nos leva a reconhecer que
entre as heranças africanas no Brasil estão
conhecimentos, condutas e visões de mundo.
Ou seja, Os africanos que vieram como escravos

177
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

para o Brasil trouxeram em suas memórias


maneiras de se relacionar com as pessoas, de
celebrar, de preparar os alimentos, de lidar com
a religiosidade, fatos estes que são apagados,
minimizados, e como afirma Mônica Lima (idem.
p. 25):
“O nosso desconhecimento sobre a história e
cultura dos africanos e dos seus
descendentes no Brasil e nas Américas pode
fazer muitas vezes com que optemos por
utilizar esquemas simplificados de explicação
para um fenômeno tão complexo” (LIMA,
2013. p. 25)

Nota-se todo processo de invisibilidade


referente ao aspecto cultural existente no
continente africano, tais características que
poderiam funcionar como empecilho devem ser
encaradas como desafio, no sentido de produzir
novas possibilidades de evidenciar diferentes
representações sobre a África, e a
desconstrução de discursos lineares,
apresentando assim a complexidade existente
no continente, e evidenciando novos olhares,
reconstruindo a identidade do continente que
sofreu e ainda sofre com posturas errôneas,
práticas eurocêntricas, processos de
invisibilidade e apagamento, nota-se que é
extremamente importante pontuar a
característica identitária presente no
continente, pois, as identidades adquirem
sentido por meio da linguagem e dos sistemas

178
Ensino e Diversidade

simbólicos pelos quais são representadas


(WOODWARD, 2014.)
Portanto, ao se propor aulas que se
discutam sobre as representações do
continente africano e sua contribuição cultural
para a sociedade brasileira, torna-se necessário
discutir com os alunos sobre o aspecto
identitário, a partir desse pressuposto será
possível desconstruir estereótipos sobre o
continente, reapresentando o cenário étnico-
cultural africano, assim, redescobrir o passado,
é parte do processo de construção da
identidade (WOODWARD, 2014).
O redescobrimento se faz necessário, a
produção de novos saberes evidencia este
aspecto, é extremamente importante remarcar
as posições no qual o Continente Africano foi
colocado, e dissipar as “representações
selváticas” presentes nas narrativas sobre o
continente, como sinalizou Fanon (2008):
“Quanto mais assimilar os valores culturais da
metrópole, mas o colonizado escapará de sua
selva” Neste trecho específico o autor faz
alusão ao pensamento europeu, onde qualquer
tipo de relações culturais existentes no
continente africano eram compreendidas como
menores, oriundas das selvas, bárbaras e
consequentemente selvagens, torna-se
importante salientar que ainda hoje, é possível
perceber a valorização de valores específicos da
“Metrópole”, a partir desta postura é possível
compreender a relevância deste trabalho, pois,

179
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

trata-se do exercício de formular novas


representações sobre a África, destituindo o
continente desta posição selvagem que o
acompanha até os dias atuais.

Existem Histórias em Quadrinhos sobre a


África?
A prática metodológica de descontruir as
imagens sobre o continente africano pode ser
pautada em diferentes possibilidades, no intuito
de construir novas narrativas sobre a África é
possível trabalhar com livros, figuras, cinema,
ou seja, apropria-se de diversos meios para
propor diferentes representações e construir
novos sabres. Neste trabalho optou-se por
utilizar as Histórias em Quadrinhos que
apresentam temáticas ligadas a África.

180
Ensino e Diversidade

Figura 1. Capa da HQ
Figura 2. Capa da HQ CUMBE AÚ, O Capoeirista.

Torna-se interessante comentar que


atualmente existe uma série de obras em
quadrinhos que podem ser utilizadas para tal
fim, como por exemplo: A Herança Africana no
Brasil (2015), Cumbe (2014), Aú, o Capoeirista
(2008), Histórias de Tio Alípio e Alê (2009),
Chico Rei (2007), Luana e sua Turma (2000),
Jeremim, o príncipe que veio da África (1987),
trata-se então, de analisar as diferentes
bibliografias e perceber de que maneira se
deseja trabalhar, que metodologia torna-se mais
pontual, e que repercutirá melhor.

181
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Figura 3. Capa da HQ A Herança Africana no Brasil

A herança Africana no Brasil (2015), por


exemplo, apresenta a relação entre os
elementos culturais africanos e as práticas
existentes no Brasil, articulando pontos de
contato, e representando a estética negra de
maneira singular, valorizando toda uma tradição
pautada nas relações entre os antepassados e o
que herdamos deles. De uma maneira poética,
as narrativas se dividem entre os aspectos
culinários, os ritmos diásporicos, a simbologia
religiosa, e o mosaico particular existente
apenas no cenário africano, além de se debruçar

182
Ensino e Diversidade

sobre o papel dos negros no processo


abolicionista, apresentando estes como
protagonistas, indivíduos que fazem parte do
processo histórico que culminou na libertação
dos escravos. A partir desta leitura é possível
construir diferentes possibilidades para se
trabalhar no ambiente escolar, levando o aluno
a novas compreensões sobre as relações África-
Brasil.
Nesse sentido, obras citadas podem ser
compreendidas como importantes para discutir
questões ligadas a identidade e representação e
utilizadas na construção de novos saberes
dentro do espaço escolar.
Entretanto, existem algumas obras que
reproduzem narrativas sobre a África de
maneira linear, diminuindo o continente,
menosprezando seus habitantes, funcionando
como elementos de manifestação
neocolonialistas e relações paternalistas do
europeu para com os africanos, ou seja, a
mentalidade burguesa ligada à industrialização
crescente, em desenvolvimento desde o século
XVIII; a visão do europeu, branco, colonizador,
em relação ao “Outro”, não branco e colonizado
(Filho, 2013). É o caso, por exemplo, da obra
“Tintim na África”, de Hergé publicada
inicialmente em 1930.
“Em breve resumo, Tintim na África narra a
viajem de um jovem repórter ao Congo,
valioso Estado neocolonial da Bélgica. Tintim
é o seu nome. Tão logo desembarca em terras

183
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

africanas junto de seu cão Milu, o repórter é


recebido com alegria pelos congoleses.”
(FILHO, 2013. p.242)

A narrativa presente em Tintim apresenta


exatamente um discurso colonialista,
metáforas, estereótipos, e motivos alegóricos
exercem papel fundamental na figuração da
superioridade europeia.

Figura 4. Capa da HQ Tintim na África

Os habitantes do continente africano


exaltam de maneira alegre e quase honrosa a

184
Ensino e Diversidade

figura do “outro” que se apresenta como o


modelo ideal a seguir.
“Grande parte dos africanos representados na
obra de Hergé veste-se à moda europeia.
Curiosamente, no entanto eles parecem não
saber utilizar as roupas de maneira adequada”
(idem, p.245)

Dentro desta perspectiva torna-se


interessante pontuar que a construção de uma
representação dos africanos seria o reflexo do
contexto histórico no qual se inseria o
desenhista, período este marcado por uma ação
imperialista, entretanto, levando em
consideração o fato de a revista ter publicações
mais atuais, deve-se compreender todas as
questões relacionadas nos cenários gráficos e
nas narrativas propostas. Nota-se que tal
material pode ser utilizado, propondo releituras,
indicando quais pontos são inadequados, ou
seja, o material merece novas análises, e não
apenas ser deixado de lado, esquecido, como
característica mais “relevante”, trata-se deste
exercício, incessante, trazer novos debates a
assuntos vistos como fixos, imutáveis.
Nesse sentido torna- se importante
desconstruir os estereótipos, pois, o estereótipo
categoriza, funciona como um carimbo, as
pessoas deixam de ser vistas por suas reais
qualidades e passam a ser julgadas pelo
carimbo recebido. É uma caricatura, uma
imagem mental coletiva que apoia o preconceito

185
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

(Pompeul, 2008). Segundo Dylia Dias (2010). O


estereótipo funciona tendo como base o
agenciamento das representações partilhadas
por um certo sujeito enunciador. Nesse sentido,
a mídia encontra-se como responsável por
representações errôneas sobre o continente
africano.
A autora ainda comenta que o estereótipo
pode ser definido como uma representação fixa
e partilhada, que funciona como conhecimento
instituído, ou seja, a identidade dos grupos é
definida a partir de uma categorização
generalizante que relaciona comportamentos
padronizados a um dado lugar de origem.
Portanto, torna-se essencial descontruir tais
estereótipos que fixam o continente africano
em um lugar, menosprezando sua cultura, e
estigmatizando sua história.
No intuito de apresentar novos olhares
sobre a África, e trabalhar tais questões dentro
do universo escolar optou-se pela utilização da
figura do Super-Herói, ambiente familiar para os
alunos, que costumam se impressionar com
narrativas que promovem imaginários, e
instigam a leitura. E tornando a temática mais
adequada, tornou-se interessante observar e
analisar as representações de um super-herói
africano chamado Pantera Negra.

186
Ensino e Diversidade

Quem é o Pantera Negra?

“Sendo o primeiro super-herói negro do


mundo, o Pantera Negra é visto por muitos
como um dos ícones culturais mais
importantes da Marvel” (Marco M. Lupi,
diretor de publicações da Panini na Europa e
América Latina. Entrevista publicada em
Quem é o Pantera Negra? Panini. 2014).

T’challa (alterego do Pantera Negra) é o


herdeiro da dinastia que tem governado o reino
africano de Wakanda (cidade fictícia) por
séculos e o líder do clã da Pantera.

Figura 5. Capa da HQ Pantera Negra Quem é o Pantera


Negra?

187
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

T’challa estudou na Europa e nos Estados


Unidos, e então passou pelos rituais em
Wakanda, inclusive o confronto com S’yan, o
Pantera Negra na época. Só depois ele ganharia
a erva em forma de coração para aumentar suas
habilidades e o ligar espiritualmente ao Deus
Pantera Bast. Tornando-se o monarca de
Wakanda, no papel de Pantera Negra, ele
debandou e exibiu o Hatut Zeraze para
continuar a transformar o seu país em lugar
altamente tecnológico, restabelecendo assim a
paz em Wakanda.
Como o primeiro super-herói negro da
história dos quadrinhos, o Pantera Negra
pavimentou o caminho para outros como
Falcão, Luke Cage, Tempestade e muito mais.
Ele é um personagem cuja importância não
pode ser diminuída, com um legado que se
expande muito além da página” (Ed
Hammond, editor da Marvel, Panini
UK.Entrevista publicada em Pantera Negra,
Panini. 2015).

O personagem fez sua estreia na revista


Fantastic Four 52, em 196620. Os criadores Stan
Lee e Jack Kirby conceberam a ideia de colocar
20
A edição que está sendo analisada foi publicada em
2015 em português, entretanto, trata-se de uma edição
comemorativa que reapresenta a edição publicada em
1966 em que o personagem Pantera Negra aparece pela
primeira vez no universo dos quadrinhos.

188
Ensino e Diversidade

um personagem negro nos títulos da Marvel


Comics. O personagem que se restringia a
aparições em histórias de outros super-heróis,
teve sua revista própria em 1973, apesar de no
início, ele ter sido apenas uma adição a um
título já existente a Jungle Action. A revista já
produzia histórias com temáticas que se
passavam na África, o personagem foi escolhido
para dar continuidade as histórias. Em 1977 a
Jungle Action foi relançada como Black Panther.
“Antes de sua aparição, personagens negros
nos quadrinhos pareciam resignados de ficar
em segundo plano, jamais figurando como
protagonistas” (Marco M. Lupi, diretor de
publicações da Panini na Europa e América
Latina. Entrevista publicada em Quem é o
Pantera Negra, Panini. 2014).

A postura de Stan Lee e Jack Kirby foi


considerada uma atitude corajosa, no intuito de
reforçar a importância do personagem e evitar
quaisquer clichês óbvios, Wakanda foi mostrada
como uma nação africana diferente de todas as
narrativas até então propostas. Wakanda, jamais
tinha sido conquistada e apresentava uma
política isolacionista, uma civilização altamente
tecnológica que se harmoniza com a natureza
africana.

“A popularidade do Pantera Negra estava


garantida, aparentemente adorado pelos fãs
independentemente de raça ou credo. No

189
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

entanto, para muitas crianças afro-


americanas, ele era mais do que apenas um
super-herói – ele era uma inspiração. Aquela
tinha sido a primeira experiência de ver um
personagem negro em qualquer mídia que era
igual, se não superior, a um personagem
branco”. (Ed Hammond, editor da Marvel,
Panini UK.Entrevista publicada em Pantera
Negra, Panini. 2015).

Torna-se interessante salientar que sua


primeira aparição ocorreu dois anos depois dos
Estados Unidos terem aprovado a lei dos
Direitos Civis, apresentando-se assim como
referência no mundo de super-heróis para
todos os negros dos Estados Unidos e do
mundo, sendo aclamado pelos fãs e recebendo
elogios de celebridades, como Ice Cube e Ziggy
Marley.
“Não é surpresa que muitos negros atores,
artistas, escritores e até mesmo astros do hip
hop tenham declarado o quanto T’challa foi
importante como modelo para sua juventude”
(Marco M. Lupi, diretor de publicações da
Panini na Europa e América Latina. Entrevista
publicada em Quem é o Pantera Negra, Panini.
2014)

190
Ensino e Diversidade

Figura 6. Capa Original da Primeira aparição do Pantera


Negra em Fantastic Four de 1966.

Em suma percebe-se a importância da


representação e representatividade do
personagem Pantera Negra, construído entre
histórias que enfatizam suas raízes africanas se
articulando entre relações internacionais e
protecionismo político no Ocidente em um
período pós-colonial.
Herói e Monarca, que defende sua Nação
contra qualquer tipo de prática etnocêntrica.
Este é o Pantera Negra. Ou seja, trabalhar com
tal super-herói é propor um olhar diferenciado

191
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

dentro do universo escolar, iniciando uma


proposta de transformação, pois apesar de os
alunos conhecerem muitos super-heróis, nem
todos reconhecem o Pantera Negra como um
africano, que vivencia um cenário no Continente
Africano em desacordo com as narrativas
europeias. Um rei que comanda um Império,
que se apresenta nas histórias em quadrinhos
como um dos locais mais ricos do mundo. A
representação do personagem Pantera Negra
torna-se referência importante para se discutir
sobre a História da África, e sobre os reinos e a
identidade étnica, nesse sentido, pontua-se as
histórias em quadrinhos como recurso
metodológico importante na construção de
novos saberes sobre a História da África, pois a
partir desta leitura inicial, o imaginário sobre o
Continente Africano poderá ser transformado, e
os alunos compreenderão a África de maneira
diferente dos europeus.
Nesse sentido, percebe-se a importância
de se levar os conhecimentos referentes a
História da África ao ambiente escolar, pois, tal
experiência apresenta-se como um desafio, no
objetivo de projetar transformações no
imaginário social sobre o Continente Africano.
Então, deve-se descontruir essa construção
baseada em referencias europeias, como
sinaliza Munanga (2012): “Na situação colonial
africana, a dominação é imposta por uma
minoria estrangeira, em nome de uma
superioridade étnica e cultural dogmaticamente

192
Ensino e Diversidade

afirmada, a uma maneira autóctone”. (Munanga,


2012, p. 25).
Portanto, apesar de os traços desta
dominação se mostrarem visíveis, torna-se
necessário romper com esses esquemas que
simplificam a história da África, e produzir
novos saberes.

A Utilização de Histórias em Quadrinhos no


Ambiente Educacional

“Colocar quadrinhos na escola é algo que


chega com atraso. No começo da década de
1990, o vestibular Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas) já pedia aos futuros
universitários a interpretação do humor em
tiras cômicas. A questão é repetida até hoje.
O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)
também o usa o recurso em suas provas. A
maioria dos livros didáticos de língua
portuguesa já usa a linguagem há vários anos”
(Ramos, 2012, p. 224).

As Histórias em Quadrinhos apresentam


um grande histórico de percalços e
perseguições, durante décadas foram mal
compreendidas e subestimadas, no início até
pelos próprios artistas, as histórias em
quadrinhos têm uma trajetória meio marginal,
entre altos e baixos, inclusive

193
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

sendo percebidas com certas desconfianças


pelos próprios pais, educadores e autoridades
durante a maior parte do século passado.
“Os quadrinhos, do ponto de vista do governo,
são vistos como uma ferramenta mais
atraente para estimular a leitura. “O apelo
visual, a figura, é algo que atrai demais a
criança, é uma forma de ela se interessar pela
leitura por um outro formato”, diz Cecília
Correia Sampaio, coordenadora substituta do
departamento de seleção de obras” (Ramos,
2012, p. 225).

A partir de certas abordagens


educacionais as histórias em quadrinhos foram
recuperadas, tratadas com consideração pela
sua condição de arte e têm sido objeto de uma
série de pesquisas acadêmicas, com vários
trabalhos publicados. Hoje tal arte está inserida
no contexto educacional como ferramenta
metodológica contemporânea. Isso se deve ao
esforço de intelectuais que enfrentaram
preconceitos e a descrença do próprio corpo
acadêmico, e que arriscando suas reputações
pesquisaram profundamente os quadrinhos e
sua linguagem. Nas palavras de Paulo Ramos
(2012): “Os estudos acadêmicos – que ainda
gozam de um prestígio social altíssimo –
ajudaram a consolidar a literatura infantil como
linguagem e dar a ela credibilidade que não
tinha até os idos de 1980” (Ramos, 2012. p. 228).

194
Ensino e Diversidade

A utilização das Histórias em Quadrinhos


no ambiente escolar não apresenta-se como
uma metodologia única, pois existem diferentes
realidades educativas, portanto, cada professor
pode construir seus caminhos metodológicos a
partir de certas experimentações práticas e
análises críticas que desenvolve sobre elas.
Torna-se interessante compreender que
“Histórias em Quadrinhos são Narrativas
Imagético-Textuais que podem contribuir, na
educação básica e superior, tanto no
desenvolvimento da razão sensível, como da
razão simbólica” (Neto, 2013. p. 29). Nesse
sentido, um professor que atua na educação
infantil, no ensino fundamental, no ensino
médio, no ensino superior e mesmo nos cursos
de pós-graduação, tendo presente as
especificidades dos alunos, pode se utilizar da
linguagem dos quadrinhos para ajuda-los a
reconhecerem e desenvolverem diferentes
aspectos culturais, sociais, políticos
econômicos, ou seja, existem diversas
abordagens possíveis. O trabalho com as
histórias em quadrinhos favorece o
desenvolvimento de uma maneira diferente de
olhar e pensar a realidade. Nas palavras de Neto
(2013): “Trabalhar com histórias em quadrinhos
exige uma experiência com as mesmas,
familiaridade com a sua linguagem, percepção
de suas possibilidades comunicativas”.
Apesar de apresentar-se como atraente,
esta opção metodológica exige um certo “tato”,

195
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

uma experiência como leitor, para compreender


todas as possibilidades possíveis dentro das
narrativas. Nesse sentido torna-se necessário
ser criterioso na escolha de Hqs que se deseja
trabalhar em sala de aula, pois, partindo deste
pressuposto, o trabalho será elaborado de
forma mais adequada propondo diálogos
interculturais com os alunos.
“O educador precisará estar muito consciente
da concepção pedagógica que defende, dos
valores que norteiam o seu trabalho, do
projeto pedagógico da escola na qual
trabalha, pois a partir daí a escolha/criação
com os quadrinhos poderá ser feita com
maior experiência” (Neto, 2013. p. 31).

O Educador, então, torna-se responsável


pela escolha sobre com quais quadrinhos
trabalhar e como trabalhar, de modo a se
conectar com a realidade sociocultural dos
alunos, pois, a partir da opção metodológica de
se utilizar os quadrinhos, inicia-se uma
educação para uma cultura visual, uma
construção de saberes diferenciados para o
universo dos alunos, evitando o equívoco da
didatização de tal conteúdo, pois devem
funcionar como um artefato cultural, parte
importante da construção de metodologias que
se comuniquem melhor com os alunos, como
salienta Neto (2013): “Os professores precisam
ser preparados para trabalhar com as histórias

196
Ensino e Diversidade

em quadrinhos no cotidiano escolar”. (Neto,


2013. p. 35).
Em suma, nota-se que entre as diferentes
abordagens metodológicas que podem ser
utilizadas no ambiente escolar, as histórias em
quadrinhos apresentam-se como uma fonte
importante, que dialoga com o universo
simbólico dos alunos, então, é possível discutir
as questões “reais” através destas narrativas
imaginárias. Nota-se que a partir da
compreensão de que as histórias em quadrinhos
tornaram-se um método interessante de
debates na sala de aula, e que há a necessidade
de descontruir narrativas coloniais sobre a
África, porque não utilizar as Histórias em
quadrinhos como abordagem de desconstrução
desta África imaginada?
A leitura dos quadrinhos pode instigar os
jovens a compreenderem as diferentes fases do
continente africano, a partir deste contexto,
pode-se guiar o aluno a compreensão da
relevância de se estudar o continente africano,
posicionando a África em novos locais de
representações e desconstruindo estereótipos
imutáveis. Uma das possibilidades desta postura
seria a opção de se trabalhar com os super-
heróis, e especificamente o Pantera Negra, que
funciona como um ícone importante para os
alunos negros, que mal conhecem personagens
negros importantes. Levando assim o aluno a
compreender que o Pantera Negra é um
superherói da África, e que além disso torna-se

197
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

rei e monarca, ou seja, existe uma série de


significações que se apresentam como reais
para o universo do aluno. Novos saberes a partir
do Continente Africano e novas leituras a partir
das histórias em quadrinhos, acredito que não
haveria parceria mais adequada para se
trabalhar com o ambiente escolar.

Considerações Finais
A iniciativa de construir novos saberes
apresenta-se como um exercício de imersão,
onde não apenas o aluno é imerso em novas
práticas, o educador sofre o mesmo processo
de imergir, e a partir daí acontece a experiência,
que se situa entre lecionar e aprender, e em
alguns momentos não conseguimos precisar
exatamente se nós ensinamos ou aprendemos
mais.
A partir desse processo cíclico nos
percebemos como representantes de um tipo
de saber, distinto, mas que de maneira
nenhuma deve ser compreendido como mais
“adequado” do que os saberes que os alunos
possuem. Portanto, deve-se notar a importância
do saber que o aluno traz, e reconstruí-lo,
remontá-lo como um grande quebra-cabeça.
Partindo desse princípio nota-se que cada aluno
traz uma referência de como é a África, de
maneira singular, pois inicialmente, devido a
todos os discursos que o aluno percebeu, até
então, a África ainda é um país. É nesse
momento que a presença do educador torna-se

198
Ensino e Diversidade

essencial, ao dizer aos alunos: “Essas peças que


você montou estão encaixam. Que tal
montarmos de maneira diferente?” Então, nesse
jogo, mostra-se aos alunos pela primeira vez
que a África é um continente, diverso, plural, e
que deve ser remontada, pois, há muitas peças
erradas.
Então, inicia-se esse processo de
desconstrução, reconstrução e construção,
apresentando novos olhares sobre a África.
Fazendo com que os alunos compreendam a
importância de se estudar a África, e que
existem histórias em quadrinhos sobre o
continente africano, tornando o aluno sujeito
importante, que pode produzir uma história em
quadrinhos, onde o indivíduo se torna autor,
responsável por uma maneira específica de
pensar.
É nesse jogo que me posiciono, como
professor de História, pois, se não soubermos
jogar, perdemos para nossos alunos, é um
processo de negociação contínua, almejando a
reconstrução de saberes. E através dessa
“brincadeira” trabalhei durante praticamente um
semestre com meus alunos, uma turma de 6º
ano relativamente jovem, talvez a mais nova
com que já trabalhei, entretanto, com vontade
de aprender, com questionamentos, instigando
o professor a reelaborar certas atividades pois,
apresentavam-se como fáceis aos olhos dos
pequenos.

199
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Escrever sobre a “África em Quadrinhos”,


é fruto de um trabalho prazeroso, a experiência
de estar entre as práticas acadêmicas, e a
realidade escolar que convivo semanalmente. E
através das histórias em quadrinhos encontrei
possíveis conexões, e me deparei com um
antigo prazer de infância, talvez por isso, o
diálogo com os alunos funcione de forma tão
natural.

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203
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

204
Ensino e Diversidade

CIENTIFICIDADE DA
PSICANÁLISE
FREUDIANA E SUAS
CONTRIBUIÇÕES AOS
EDUCADORES SEXUAIS
DE ADOLESCENTES
Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda
Vicente Gregório de Sousa Filho

A pesquisa de cunho bibliográfico inicia-


se com a pré-história da psicanálise freudiana,
colocando-a no cenário acadêmico e intelectual
de sua época, avaliando, portanto, as relações
de Sigmund Freud com a hipnose, a medicina e
o método abreativo para aportar no método
propriamente psicanalítico da Associação livre
de ideias como instrumento seguro para o
acompanhamento das neuroses e histerias. Em
seguida, apresentamos as visões de homem e
sociedade circunscritas à moral vitoriana, ao
tempo e lugar onde Freud viveu. Em outra
secção, discutiremos as abordagens
epistemológicas inerentes à psicanálise em
confronto com alguns epistemólogos
contemporâneos e postularemos a
cientificidade da ciência do inconsciente. No
último momento, apresentaremos temas
específicos da sexualidade humana à luz da
psicanálise freudiana e suas indicações
pedagógicas para instrumentalizar as atividades

205
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

docentes e didáticas dos educadores sexuais de


adolescentes em seu trabalho escolar.
Embora a psicanálise tenha popularizado
o termo inconsciente é importante lembrar que
Leibiniz no sec. XVIII já o havia assinalado bem
como os graus de consciência. No sec. XIX
Herbet retornou algumas das idéias de Leibniz e
elaborou uma matemática do conflito de idéias
inconscientes quando tentavam atingir a
consciência. Isso revela que Freud não foi o
primeiro a descobrir o inconsciente, todavia é
mérito seu a caracterização detalhada do
inconsciente e seu funcionamento. O próprio
Freud reconheceu que Schopenhauer
anteriormente já o havia precedido no estudo
da repressão no inconsciente e na análise da
resistência ao reconhecimento do material
reprimido21.
Freud recebera influencia também da
escola mecanicista de Helmholtz, cujo principal
representante foi Ernst Brucker, de quem ele
esteve próximo vários anos no Instituto
Fisiológico de Viena. Dele herdou a influência
direta da determinação do comportamento
humano, intitulado por ele de determinismo
psíquico. Freud foi ainda reforçado em seu
determinismo pela leitura e discussão da tese
21
PASTORE, Jassanan Amoroso Dias. Apresentação: a
presença schopenhaueriana no pensamento de Freud.
Cienc. Cult. vol.67 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2015.

206
Ensino e Diversidade

de Charles Darwin, confirmando sua propensão


a adotar uma perspectiva biológica do homem22.
Mesmo Freud tendo optado pela
medicina, não demonstrava tanto interesse pela
prática médica. “Protelava seus exames,
enquanto passava o tempo trabalhando com
Brucker, no Instituto, em problemas que eram
puramente científicos.”23 O pai da psicanálise
teve uma inclinação desde cedo para as
especialidades médicas de neurologia e
psiquiatria e depois pela anatomia.
Por longos anos Freud esteve sob a
proteção de Josef Breuer, um clínico geral,
passando depois a manter laços estreitos de
amizade com Wilhelm Fliess. Em 1885, Freud
obteve uma bolsa a fim de ir estudar em Paris,
onde se tornou aluno de Charcot, um famoso
hipnotizador, o que lhe veio alimentar um
grande interesse pela hipnose como método de
tratamento. Retornando a Viena, relatou aos
seus colegas o que aprendera sob histeria e
hipnose, o que pouco impressionou a
comunidade científica, deixando-o assim
tristemente amargurado. Em 1895, Freud e
Breuer, publicaram em conjunto Estudos sobre
22
BARROS, Anderson. A história do movimento
psicanalítico. Disponível em:
<http://www.ibcppsicanalise.com.br/artigos/a-historia-
do-movimento-psicanalitico/>. Acesso em: 10 março.
2019.
23
HILLIX, W. A.; MARX, M. H. Sistemas e teorias em
psicologia. São Paulo: Cultrix, 2000, p.320.

207
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Histeria, assinalando assim o início da escola


psicanalítica. Todavia, o evento mais notável na
carreira de Freud foi a publicação da obra A
Interpretação dos Sonhos, em 190024.
Ao longo do século XIX, na Alemanha, a
Psicologia surgiu com ciência independente e
sua tarefa foi definida como a análise de
consciência do adulto normal. “A tarefa de
psicologia era a de descobrir os elementos
básicos da consciência e determinar como eles
se formavam dos elementos compostos. A
Psicologia foi muitas vezes considerada uma
química mental.”25 Outro grupo defendia que a
mente não pode estar sujeita à investigação
pelos métodos das ciências porque é última e
subjetiva, postulando assim que a psicologia
devia ser definida como a ciência de
comportamento.
Freud, no entanto, comparava a mente
humana a uma montanha de gelo, a um iceberg
sendo a parte visível a consciência, enquanto a
massa maior submersa representava a região do
inconsciente. Lá são encontrados os impulsos,
as paixões, as idéias e os sentimentos
reprimidos. No inconsciente reside um
submundo de forças vitais e invisíveis que
24
COSTA, Beethoven Hortêncio rodrigues da; KUPFER,
Maria Cristina Machado. Freud e sua relação com o saber.
Arq. bras. psicol. vol.68 no.2 Rio de Janeiro ago. 2016.
25
HALL, C. S; LINDZEY, G. Teorias da personalidade. 4.ed.
São Paulo: Artmed, 2000, p.43.

208
Ensino e Diversidade

exercem um controle grandioso sobre as ações


e os pensamentos do homem. Deste modo, uma
psicologia que se limita à consciência, fica na
superfície do Iceberg e é totalmente inadequada
para a compreensão dos motivos fundamentais
e profundos do comportamento humano.
Nos anos de 1890, Freud tentou varias
técnicas terapêuticas. Primeiramente a
sugestão hipnótica aprendida com Charcot,
depois
uma técnica de concentração em que ele
pressionava sua mão na cabeça do paciente e
o estimulava a recordar memórias. Durante
esses anos também colaborou com o médico
vienense Joseph Breuer, aprendendo com ele
a técnica de catarse (descarga e liberação de
emoção através de conversa sobre os
problemas de pessoa).26

Por fim, após esta pré-história da


Psicanálise, Freud chega a construir o método
que daria peculiaridade ao seu trabalho,
intitulado de Associação livre de idéias27, onde o
analista se torna um ouvinte ativo do que o
paciente está a dizer com vistas à
reconstituição dos fragmentos de sua existência
26
PERVIN, L. A; JOHN, O. P. Personalidade: Teoria e
pesquisa. 8.ed. São Paulo: Atmed, 2004, p.163.
27
FIGUEIREDO, Marianna Lima de Rolemberg; MOURA,
Gabriela Costa. Do conceito à prática: a associação livre
como regra fundamental da clínica de referencial
psicanalítico. Ciências humanas e sociais | Maceió | v. 2 |
n.3 | p. 157-172 | Maio 2015. p. 164.

209
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

objetivando penetrar no mundo inconsciente e


reprimido para criar hermenêuticas capazes de
refazer o caminho de retorno em busca de
oferecer a possibilidade de reaprender a
conviver com os traumas e limitações do
passado, quase sempre presentes e
catalizadores da experiência atual.

Concepção freudiana sobre o homem e a


sociedade
De acordo com o princípio de
Conservação de energia do físico Helmholtz,
matéria e energia podem ser transformados,
mas nunca destruídos. Como já foi aludido
anteriormente, Freud fora influenciado pelo
fisiólogo Bruke, que concebia os seres humanos
como sendo movidos por forças, de acordo com
o princípio da conservação de energias.
Assim Freud compreende o homem como
um sistema energético e, tal como os animais, é
impulsionado por instintos, que são de natureza
sexual e agressiva.
O pouco de verdade que existe por trás de
tudo isso – algo tão ansiosamente negado – é
que os homens não são gentis, criaturas
amigáveis e desejosas de amor, que
simplesmente se defendem se forem
atacadas, mas que uma poderosa quantidade

210
Ensino e Diversidade

de desejo de agressão deve ser considerada


como, parte de seu dote instintivo.28

Resulta importante salientar que Freud


publicou sua teoria do instinto de agressão e
morte em 1920, depois de prolongado e
sanguinário período da Primeira Guerra Mundial.
Ao lado do impulso agressivo, Freud deu grande
ênfase ao impulso sexual e ao conflito entre
expressão dos dois tipos de impulsos e a
sociedade. A ênfase da inibição sexual parece
estar relacionada com o período Vitoriano, do
qual Freud e seus pacientes faziam parte.
Percebendo o homem na busca do prazer, como
estando em conflito com a sociedade e a
civilização.
Freud acreditava que as atividades cientificas,
os empreendimentos artísticos e toda a gama
de produtividade cultural são expressões
(sublimações) da energia sexual e agressiva
que foram impedidas de expressar-se de
formas mais direta.29

Por outro lado, observa Freud, que o


conflito entre as energias instintivas do
individuo e as restrições sociais; poderiam se
materializar no infortúnio e na neurose. Assim, a
repressão da sexualidade por parte da cultura
28
FREUD, S. Obras Psicológicas Completas de Freud,
Tradução Jaime Salomão, Editora Standart brasileira,
Imago, Rio de Janeiro, 1996, p. 85.
29
PERVIN, 2004, p.169.

211
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

se torna motivo de aprisionamento para o ser


humano, o que eventualmente lhe oportunizaria
uma personalidade patológica, posto que
[...] os homens se tornam neuróticos porque
não podem tolerar o grau de privação que a
sociedade lhes impõe em virtude de seus
ideais culturais e supôs que uma volta a
maiores possibilidades de felicidade ocorreria
se esses padrões fossem abolidos ou
bastantes moderados30.

Como se pode ver, na concepção sobre o


homem, ao modo dos irracionais, Sigmund
Freud defende a ideia de que o ser humano é
impulsionado por instintos ou impulsos e opera
na busca do prazer. Segundo ele, não há
comportamento casual, vez que todos os
comportamentos são determinados por forças
alheias à consciência. Finalmente, na busca de
prazer, o homem encontra-se em conflito com
as exigências da sociedade: as frustrações
impostas pela sociedade sobre a vida instintiva
do homem conduzem aos trabalhos mais
criativos da civilização, embora levem também
às patologias psicossomáticas e neuroses.31

30
FREUD, S. Obras Psicológicas Completas de Freud,
Tradução Jaime Salomão, Editora Standart brasileira,
Imago, Rio de Janeiro, 1996, p.46.
31
SOUSA FILHO, Vicente Gregório de. Fragmentos
Complexos: Temáticas educacionais. Parnaíba-PI:
PrimoArt, 2005, p.64.

212
Ensino e Diversidade

Em suma, o homem é um sistema energético,


dirigido por impulsos sexuais e agressivos e
opera na busca do prazer (redução de
tensão), funciona regulamente, mas
freqüentemente inconsciente em conflito
com as restrições sociais em relação à
expressão de seus instintos.32

Rogers, por sua vez, faz uma crítica à


visão de homem da psicanálise freudiana,
afirmando que que Freud apenas se centrou na
visão superficial e agressiva do ser humano, que
de um certo modo chocou a cultura de sua
época. E essa visão superficial da natureza
agressiva do ser humano parece ser desmentida
na própria análise clínica, onde seus pacientes
sublimando ou canalizando suas pulsões hostis
passam a viver de forma amistosa na
sociedade33.

Sigmund Freud, a psicanálise e a ciência


A contribuição básica da psicanálise à
ciência psicológica foram as observações de
Freud, particularmente em relação ao
funcionamento do inconsciente. Contudo, é
importante notar que tais observações foram
baseadas, na sua maioria, na análise de seus
pacientes e, grosso modo, Freud fez pouco uso
32
PERVIN, L.A; JOHN, O. P. Personalidade: Teoria e
pesquisa. 8.ed. São Paulo: Atmed, 2004, p.170.
33
ROGERS, Carl R. Uma nota sobre a natureza humana.
Rev. abordagem gestalt. vol.20 no.1 Goiânia jun. 2014.

213
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

de tentativas mecânicas para verificar em


laboratório os princípios da psicanálise. Freud
estava satisfeito com o uso do estudo clínico de
casos individuais, como seu principal método de
pesquisa. Segundo ele os conceitos da
psicanálise baseiam-se na riqueza de
observações fidedignas, prescindindo assim de
uma verificação experimental.
O fato de a psicanálise não privilegiar as
verificações experimentais, não a reduz ao
senso comum ou a algum tipo de conhecimento
espontâneo ou puramente supersticioso. A
citação abaixo confirma a aproximação do
trabalho de um analista ao de um cientista
propriamente dito.
Ao analisar seus pacientes, o analista trabalho
como cientista. Ele tem expectativas, mas
permite que os dados surjam. Ele registra
fragmentos de dados que parece não se
ajustar e formula princípios para ordenar e
organizar os dados. Esses princípios são então
verificados através de observações extensivas
feitas no decorrer da análise. As observações
de um paciente são comparadas com as de
outro paciente e as observações do analista
são verificadas pelas de outro analista.34

Há, portanto, uma verificação indireta,


processual porque finalmente essas
observações serão corroboradas através de
34
PERVIN, L.A; JOHN, O. P. Personalidade: Teoria e
pesquisa. 8.ed. São Paulo: Atmed, 2004, p.172.

214
Ensino e Diversidade

documentos culturais tais como o folclore,


rituais e tabus e também pelas teses
psicológicas como o Rorschach, dentre outros.
Assim, podemos inferir que tais observações
poderão ser ratificadas mediante a regularidade
dos casos clínicos e por meio das sucessivas
supervisões psicanalíticas. “Com efeito, durante
décadas se questionou o caráter científico da
psicanálise, exatamente porque esta não se
validava através dos procedimentos da ciência
experimental, que considerava a física o modelo
ideal de cientificidade.”35
Ao inquirir sobre o estatuto científico de
um determinado campo do saber humano é
comum buscar uma delimitação precisa que
explicite seu objeto de estudo como também as
possíveis estratégias metodológicas que
permitam a investigação, sem distorcer a
especificidade teórica desse saber. Embora
Freud desde o Projeto de uma psicologia
cientifica tenha tentado enquadrar a psicanálise
com padrões do fisicalismo, percebe-se que tal
tentativa não logrou muito êxito. O que ocorreu
foi que Freud rompeu com um paradigma de
ciência experimental, construindo assim outros
padrões de cientificidade que o colocaram
diante de uma demanda crucial de representar
35
BIRMAN, Joel. Ensaios de Teoria Psicanalítica. Rio de
Janeiro: Zahar, 1993, p.15.

215
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

teoricamente essa nova forma de saber36. O


discurso freudiano aproximou a psicanálise à
filosofia, ao considerar a metapsicologia o
conjunto das articulações teóricas mais
rigorosas do saber psicanalítico. Contudo, a
psicanálise não se pretende uma disciplina
filosófica, pois o parentesco metafísico da
metapsicologia com a metafísica se dá pela
contraposição da metafísica à ciência natural.
Mas Freud tem restrições à filosofia, sobretudo
quando critica o idealismo hegeliano. Ele opõe-
se a qualquer modalidade filosófica que se
configure como “uma visão de mundo com a
pretensão de um saber totalizante sobre a
realidade”.37
Neste sentido, também recusa o
consciencialismo psicológico, que tomava a
categoria de consciência como parâmetro
básico do saber psicológico, restringindo, deste
modo, o psíquico à consciência. A psicanálise
vai em busca de um psiquismo fundado no
inconsciente, pois Freud se preocupava em
constituir um saber sobre a singularidade do
sujeito. A psicanálise revela-se, portanto, como
uma psicologia das profundidades, criticando
para além de uma psicologia da consciência, o
36
CARVALHO, Vitor Orquiza de; MOZANI, Luiz Roberto.
Sobre as origens da concepção freudiana de ciências da
natureza. Scientiæ studia, São Paulo, v. 13, n. 4, p. 781-
809, 2015. p. 784.
37
BIRMAN, 1993, p.16.

216
Ensino e Diversidade

próprio behaviorismo norte-americano que


substituíra a categoria consciência por
comportamento o que seria “uma psicologia
sem alma.”38. Desta forma, é pertinente frisar
que Freud fora treinado em métodos de
pesquisas médicas e estava consciente das
exigências do rigor científico, porém seu esforço
resultou em determinar um avanço conceitual
para o psiquismo e desenvolvimento da
personalidade humana como um todo. Neste
sentido, é válido enfatizar que
Desde cedo, Freud esteve em contato estreito
com a atividade científica, já que sua
educação formal de médico e pesquisador se
deu em meio às pesquisas acadêmico-
científicas do fim do século XIX. Sua formação
continuou no Laboratório de Fisiologia da
Universidade de Viena, onde desenvolveu
pesquisas experimentalmente controladas, o
que certamente fez com que ganhasse
bastante intimidade com os procedimentos
investigativos da produção científica de sua
época. Ainda que sua produção posterior
tenha se dado fora da academia, Freud nunca
duvidou de que fazia ciência. (...).39
38
FREUD, S. Obras Psicológicas Completas de Freud,
Tradução Jaime Salomão, Editora Standart brasileira,
Imago, Rio de Janeiro, 1996, p.157.
39
SISSON, Nathalia; WINOGRAD, Monah. A Ciência de
Freud: introdução ao problema da cientificidade da
psicanálise. Fractal, Rev. Psicol., Rio de Janeiro, v. 22, n.
1, abr. 2010 .

217
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Seu mérito constituiu em alagar o objeto


de estudo da ciência psicológica e ao detalhar o
funcionamento do psiquismo a partir de um
determinismo inconsciente, o pai da psicanálise
praticamente rompe com a tradição de estudar
a consciência ou o comportamento. Se Freud
mergulha na análise de um objeto nunca
outrora tão bem detalhado, ao mesmo tempo
convinha descobrir uma metodologia inerente e
cabível à sua investigação. Assim, ao transferir a
preocupação psicológica para o inconsciente,
caracterizou uma metodologia adequada para
sua captação: a interpretação. Porém, “o
deciframento psicanalítico se funda na técnica
das associações livres, sendo esta uma das
condições de possibilidade para a emergência
empírica de seu objeto teórico.”40
Existem discussões a respeito do
enquadramento da psicanálise no modelo das
ciências naturais ou humanas, sendo que,
segundo Simanke41 Freud inicialmente esteve
favorável a incluir a psicanálise entre as
ciências naturais, devido à sua formação na
área de Anatomia e Neurologia. Muito embora,
sua metapsicologia, aparentemente privilegiasse
questões filosóficas e os dados
historicoculturais, as buscas investigativas para
40
BIRMAN, 1993, p.17.
41
SIMANKE, Richard Theisen. A psicanálise freudiana e a
dualidade entre ciências naturais e ciências humanas.
Scientia studia. São Paulo .vol.7 no. 2. abr./jun. 2009.

218
Ensino e Diversidade

explorar as manifestações do inconsciente


deveriam ser um conhecimento provisório até
os estudos da neurologia viessem a confirmar
as hipóteses da psicanálise.
Na esteira do pensamento de Loureiro,
quando analisa a influência de ciência freudiana
oriunda do Romantismo a partir das temáticas
por ele desenvolvidas, podemos afirmar que o
mesmo esteve posteriormente vinculado a uma
visão de ciência muito positivista e marcada
pelos critérios da observação meticulosa de
fenômenos e seu consequente tratamento
experimental, conforme passagem a seguir:
Por um lado, constata-se o interesse (e
mesmo o fascínio) de Freud por temas
românticos, sempre situados nas franjas do
racional, tais como o sonho, a loucura, a
morte, a sexualidade, o noturno, o oculto,
etc.; mais do que isso, a obra freudiana é
repleta de noções e conceitos trabalhados
anteriormente pelos românticos, entre os
quais os de inconsciente, pulsão, repressão,
Witz e sublimação. Por outro lado, Freud teria
submetido estes conteúdos a um tratamento
científico-racional, transformando em
metapsicologia aquilo que até então era alvo
de especulações de cunho metafísico; a
investigação meticulosa, guiada por dados
empíricos (fornecidos, sobretudo, pela
observação clínica), balizada por parâmetros
técnicos e metodológicos precisos, tudo isso
mostra a adesão de Freud aos cânones
científicos de sua época e indica a vocação

219
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

iluminista da psicanálise, toda ela voltada à


exploração/conquista dos territórios da
irracionalidade.42

Psicanálise sob o crivo da epistemologia


contemporânea
Quando recorremos à epistemologia
contemporânea para discorrer sobre a
cientificidade da psicanálise não podemos
omitir a opinião de Karl Popper que se opõe à
possibilidade de existir uma ciência psicanalítica
em função de a psicanálise está muito mais
associada à metafísica do que às ciências. Uma
vez que a ciência se confirma por sua
capacidade de refutar as hipóteses a fim de que
surjam novas hipóteses e os resultados
encontrados sejam falseáveis, já que o saber
freudiano pretende ser uma explicação
abrangente para o psiquismo humano, não
poderia gozar do status de ciência. Ainda para
Popper a psicanálise não atenderia ao critério
da estruturação lógica das etapas científicas
inerentes às ciências. 43
Após analisarmos a visão de Popper
contrária à cientificidade da psicanálise,
apresentaremos o entendimento de Gaston
42
LOUREIRO, Ines Rosa Bianca. A totalidade como ilusão:
a concepção freudiana de ciência e o estilo romântico.
Ágora (Rio J.) Rio de Janeiro. vol.3 no. 2. jul./dez. 2000.
43
POPPER, K. A demarcação entre ciência e metafísica. In:
CARRILHO, M. M. (Org.). Epistemologia: Posições e
Críticas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1991.

220
Ensino e Diversidade

Bachelard no que tange à aceitação do estatuto


científico da psicanálise. Segundo Bachelard, as
ciências passam a existir a partir do momento
em que se realizam cortes epistemológicos, ou
seja, distanciamento de conceitos e técnicas de
investigação da cosmovisão presente no senso
comum e neste quesito a ideia de inconsciente
e o método de apropriação dos conteúdos da
vida psíquica não se encontram na trivialidade
das pessoas consideradas incautas. Outro
aspecto digno de menção é que segundo
Bachelard para que haja ciência faz-se mister
haver disputas, resistências e confrontos
intelectuais. Ora, neste sentido podemos
concluir que a psicanálise é uma ciência das
mais perfeitas em função de ter sido rejeitada e
perseguida inicialmente pelo saber científico
vigente e de ter apresentado conceitos e
técnicas investigativas subversivas à sua
época.44
Thomas S. Kuhn em seu livro A estrutura
das revoluções científicas, sustenta que a
comunidade científica se constitui através da
aceitação de teorias que ele denomina de
paradigmas. “Com esse termo, quero indicar
conquistas cientificas universalmente
reconhecidas, que por certo período forneceu
um modelo de problemas e soluções aceitáveis
44
BACHELARD, G. A formação do espírito cientifico. Rio
de Janeiro: Contraponto, 2005.

221
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

aos que praticam em certo campo de


pesquisas.”45
Segundo ele, a teoria paradigmática tem a
função de criar a chamada ciência normal,
aquela que funciona com a missão de resolver
quebra-cabeças, isto é, problemas definidos
pelo paradigma ou que emergem dele. A
exemplo da comunidade religiosa que pode ser
reconhecida por seus dogmas, assim também o
é a ciência normal em relação à teoria
paradigmática que tem força para se
estabelecer, de igual forma ocorre nos
momentos de crises, onde os dogmas são
postos em duvida e os cientistas perdem a
confiança na teoria que antes haviam abraçado.
Quando tudo isso ocorre a comunidade
cientifica está diante de uma ciência
extraordinária, assinalada pela crise do
paradigma. E, é na passagem de um paradigma
a um outro novo que ocorre a novidade, a
revolução cientifica. “Ademais, deve-se
considerar que, por vezes, a aceitação de novo
paradigma não se deve ao fato de que ele
resolve os problemas que o velho paradigma
não consegue resolver, mas sim os pormenores
que dizem respeito a outros campos.”46
45
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções
científicas. 7.ed. são Paulo: Perspectiva, 2003, p.54.
46
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario, História da Filosofia.
São Paulo: Paulus, 1991, volume 3, p.1045.

222
Ensino e Diversidade

É nesse contexto que se insere Sigmund


Freud. Um revolucionário do pensamento, das
ideias, de paradigma da ciência psicológica, e a
sua obra indiscutivelmente fez emergir um novo
conceito de homem, de psiquismo e da
sexualidade. Abandonando os paradigmas
vigentes das escolas psicológicas foi capaz de
criar a revolução científica, encontrando causas
e catalogando doenças psicossomáticas
inaceitáveis à época, quando a comunidade
científica restringia a etiologia das patologias
exclusivamente a causas de natureza somática.

Temas de orientação sexual à luz da psicanálise


freudiana: Contribuições aos educadores de
adolescentes

Homossexualidade
Dentre os temas mais frequentes em
encontros de pais e professores sobressai-se a
homossexualidade como algo desconcertante
capaz de gerar clima de apreensão e inquietude.
Os pais logo percebem as atitudes “esquisitas”
dos filhos e automaticamente surge o medo que
o filho “fique” homossexual. No fundo, reside a
preocupação de que o jovem não cumpra as
expectativas morais e sociais postas pela
civilização: a procriação, a continuidade da
família, uma vida digna longe das perversões.
A psicanálise freudiana não pretende
esgotar o tema da homossexualidade. O próprio
Freud fala da diversidade de tipos

223
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

homossexuais o que dificultaria o seu estudo de


forma exaustiva. O que ora se pretende é
apresentar possíveis razões para que ocorra a
homossexualidade, à luz de Freud, bem como
possíveis orientações, de modo que o indivíduo
viva melhor sua sexualidade.
Freud acredita que na primeira infância,
mais ou menos, se estrutura a personalidade de
cada pessoa e por isso que faz remontar ao
Complexo de Édipo, segundo o qual o garoto
apresenta uma atração de natureza libidinosa
pela mãe e uma consequente aversão pelo pai,
uma vez que este representa um concorrente,
um rival ao amor da mãe. Ao mesmo instante
que ama a mãe teme o pai, chegando a
acreditar que o mesmo seja capaz de castrá-lo.
O garoto percebendo a impossibilidade de ter
uma relação com a sua mãe passa a
desenvolver por ela uma aversão47. Assim, a
relação entre a criança e os pais é
essencialmente ambígua: o garoto ama a mãe e
odeia-a, odeia o pai e o admira, chegando a
imitá-lo para conseguir o amor da mãe. Assim
Freud mostra que nas relações de amor e de
ódio, a família pode desencadear conflitos que
acabam por dar origem à homossexualidade.
Basicamente a homossexualidade é
oriunda de uma forma de não resolução do
47
LOURES, José Maurício Teixeira.; BORGES, Sonia Xavier
de Almeida. O pequeno Freud e o complexo de Édipo.
Estilos da clinica. vol.22 nº.3 São Paulo dez. 2017.

224
Ensino e Diversidade

Complexo de Édipo. O menino identifica-se com


a mãe, uma vez que não pode possuí-la,
substituindo o desejo de ter a mãe por ser a
mãe. Também em se considerando a relação do
filho com a mãe, Freud observa que em muitas
situações mães com atitudes enérgicas e
caráter masculinizado poderão em muitas
ocasiões deslocar a figura do pai do lugar que
lhe corresponde.48
Na relação com o pai, durante o
Complexo de Édipo, se o garoto não nota a
presença do pai como homem que se impõe ou
na sua total ausência, o garoto perde o
referencial masculino, identificando-se com o
feminino. Daí resulta a importância de o pai se
tornar presente de forma física e atitudinal. Um
outro caminho possível para ocorrência da
homossexualidade é a identificação com o rival
anterior. O estudo de casos brandos de
homossexualidade confirma a suspeita de que
também neste caso a identificação constitui
substituto de uma escolha objetal afetuosa que
ocupou o lugar da atitude hostil,
agressiva.49Ainda se deve incluir entre as
48
FREUD, Sigmund. Leonardo da Vinci e uma lembrança
de sua infância. In: FREUD, S. Obras Psicológicas
Completas de Freud, vol.11.Tradução Jaime Salomão,
Editora Standart brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
49
FREUD, Sigmund. O Ego e o Superego. In: FREUD, S.
Obras Psicológicas Completas de Freud, vol.19.Tradução
Jaime Salomão, Editora Standart brasileira. Rio de
Janeiro: Imago, 1996. p.16.

225
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

possíveis razões para o surgimento da


homossexualidade o próprio narcisismo capaz
de levar o indivíduo a procurar alguém igual a si.
Feitas estas colocações a respeito das
razões que ocasionam a homossexualidade
devemos perguntar-nos: quais serão os
caminhos que um homossexual poderá
percorrer e como a escola poderá auxiliá-lo?
Em relação ao caminho a ser percorrido por
homossexual vejamos o seguinte:
As formas mais acentuadas de perversão e de
homossexualidade, especificamente quando
exclusivas, sem dúvida tornam o indivíduo
socialmente inútil e infeliz, sendo necessário
reconhecer que as exigências culturais do
segundo estádio constituem uma fonte de
sofrimentos para uma certa parcela da
humanidade.50
O destino dos indivíduos com inclinação a
homossexualidade depende da intensidade do
instinto sexual. Quando o instinto sexual é
fraco, os indivíduos conseguem suprimir as
inclinações que os colocam em conflito com as
exigências morais de sua cultura, o que
representaria um gasto elevado de energia
deixando-os fracos para atividades culturais.
“Para reprimir seu instinto sexual esgotam as
50
FREUD, Sigmund. Moral sexual civilizada e doença
nervosa moderna. In: FREUD, S. Obras Psicológicas
Completas de Freud, vol.9.Tradução Jaime Salomão,
Editora Standart brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
p.100.

226
Ensino e Diversidade

forças que poderiam ser utilizadas em


atividades culturais. É como se esses indivíduos
estivessem interiormente inibidos e
exteriormente paralisados.” 51

Quando a pulsão sexual de um


homossexual é muito forte existem dois
desfechos possíveis. No primeiro caso, o
indivíduo opta por assumir-se publicamente,
podendo sofrer as consequências do
preconceito, da discriminação de sua cultura.
No segundo caso, o sujeito consegue com a
ajuda da educação e das exigências sociais
suprimir seus instintos, mas essa supressão é
falsa e enganosa.
Os instintos sexuais inibidos não são mais, é
verdade, expressos como tais e nisto
consiste o êxito do processo - mas
conseguem expressar-se de outras formas
igualmente nocivas paro o sujeito, e que o
tornam tão inútil para a sociedade quanto o
teria inutilizado a satisfação de seus instintos
suprimidos...os neuróticos são uma classe de
indivíduos que, por possuírem uma
organização recalcitrante, apenas conseguem
sob o influxo de exigências culturais efetuar
uma supressão aparente de seus instintos,
supressão essa que se torna cada vez mais
falha. Portanto, eles só conseguem continuar
a colaborar com as atividades culturais com
um grande dispêndio de energia e às
expensas de um empobrecimento interno,
51
FREUD,vol.9, 1996, p.100.

227
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

sendo às vezes obrigados a interromper sua


colaboração e adoecer.52
Embora Freud não tenha conseguido
provar a hipótese de que Leonardo da Vinci
tenha sublimado totalmente sua
homossexualidade, canalizando sua pulsão
sexual para a pesquisa e a arte, é importante
sublinhar que na teoria freudiana as práticas
sexuais também podem ser substituídas por
elevadas formas de prazer como a arte e a
própria religião na vivência da castidade.
Segundo ele, este seria um caminho possível, ao
invés de reprimir a força sexual, a libido, utilizá-
la para outro fim. Caberia a cada indivíduo fazer
a sua opção.
Tendo analisado a gênese da
homossexualidade, bem como os possíveis
desfechos da pulsão sexual na vida dos
homossexuais, resta ainda indagar a respeito
das tarefas da orientação sexual que escola
poderá realizar em relação aos adolescentes
homossexuais. Seria a escola responsável pela
cura do homossexual? Não! Na verdade, o
homossexual não é um doente e portanto, não
se pode pensar em cura e muito mentos em
transmissão. Essa é a posição da Organização
Mundial da Saúde. Tanto que o termo
homossexualismo evoluiu para
homossexualidade, vez que o sufixo “ismo”, do
ponto de vista médico tem conotação de
52
FREUD, vol.9, 1996, p.101

228
Ensino e Diversidade

doença. No dia 17 de maio de 1990 a


homossexualidade foi retirada da lista
internacional de doenças e é por isso que o dia
17 de maio ficou estabelecido como o dia
internacional de luta contra a homofobia53.
O educador sexual poderá facilitar o
ingresso do homossexual no grupo de iguais,
encorajando-o a partilhar com os outros, suas
angústias e ideais. A participação no grupo de
iguais poderá surtir um efeito positivo, uma vez
que as pessoas mais experimentadas farão
colocações e darão testemunho de como
conseguiram superar certas dificuldades em
relação a tabus, preconceitos e aceitação social.
Ademais, o jovem deverá certificar-se de que
neste grupo será um entre os outros, com uma
história comum e assim será bem aceito e
respeitado. Contudo, o orientador somente
poderá sugerir o ingresso nesse grupo, jamais
forçar. Na ausência de um grupo formal é
interessante que o indivíduo nutra relações com
amigos homossexuais aparentemente
realizados, com ideal de vida e conquistas à
vista.
53
SANTOS, Fábio. Homossexualidade não é doença
conforme a OMS. Disponível em: <
https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/ha-21-anos-
homossexualismo-deixou-de-ser-considerado-doenca-
pela-
oms,0bb88c3d10f27310VgnCLD100000bbcceb0aRCRD.html
>. Acesso em: 13 março. 2019.

229
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Um ponto de fundamental importância


em relação à postura do educador sexual é que
ao falar desta questão com adolescentes dê a
eles espaço para expor e trocar idéias, refletir
sobre o tema, reconhecer e tentar eliminar
tabus e preconceitos. Deste modo, o educador
sexual deve mostrar que os homossexuais são
antes de qualquer coisa seres humanos, com
direitos iguais aos outros e, portanto, merecem
nosso respeito. Há entre eles pessoas criativas,
bondosas, inteligentes, honestas como também
existem pessoas neuróticas, inseguras e
maldosas. Há os que têm aparência efeminada
e os com aparência masculinizada.
Uma sugestão que merece ser levada a
sério, quando a turma já tem uma certa
maturidade é promover um espaço para que
alguns homossexuais falem de sua experiência
como ser humano: suas dificuldades, desafios e
aspirações. Este momento poderá ser realizado
ao vivo com a presença de vários homossexuais
ou podem ser várias entrevistas filmadas
previamente para posterior análise e discussão.
É bom que o educador deixe bem claro que a
psicanálise é apenas um dos possíveis enfoques
para se trabalhar a temática da
homossexualidade e que ela não traz verdades
absolutas e dogmáticas para a compreensão do
fenômeno.
Por fim, ainda como sugestão, o educador
sexual poderá propiciar para uma ampla
compreensão da homossexualidade momentos

230
Ensino e Diversidade

de conferências e debates com sociólogos,


padres, pastores, antropólogos, moralistas,
biólogos, médicos, psicólogos, entre outros
profissionais.

Masturbação na adolescência
De acordo com Freud54 “Entregue a si
mesmo, o masturbador está acostumado,
sempre que acontece alguma coisa que o
deprime, a retomar a sua cômoda forma de
satisfação.” Durante muito tempo, a palavra
masturbação provocou medo e vergonha a
milhares de pessoas. Considerava-se que dela
advinha a loucura, a surdez, a cegueira, a
epilepsia, a calvície, a perda de peso, debilidade
e esterilidade. Atualmente as autoridades
médicas defendem que a masturbação é uma
parte normal do desenvolvimento humano e
que um bom número de meninos e meninas
chegam a praticar esse ato em um momento ou
outro da vida.
Ao tratar da masturbação em seus
escritos, Sigmund Freud frisa pontos nos quais
os estudiosos da época estão unânimes, entre
eles, todos concordam: Sobre a importância das
fantasias que acompanham ou representam o
ato masturbatório; sobre a importância do
54
FREUD, Sigmund. A sexualidade na etiologia das
neuroses. In: FREUD, S. Obras Psicológicas Completas de
Freud, vol.3.Tradução Jaime Salomão, Editora Standart
brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.246.

231
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

sentimento de culpa, qualquer que seja sua


fonte, que está ligada à masturbação55.
É importante que os pais compreendam
que na maioria dos casos a masturbação
representa a descoberta de sensações
agradáveis obtidas através das diversas
manipulações genitais, refletindo apenas a
busca do adolescente de conhecer seu próprio
corpo. No entanto, há também aqueles que dela
se utilizam numa prática constante, tentando
compensar a falta de amor, de atenção,
incorrendo assim no perigo de fugir da própria
realidade, muitas vezes cheia de obstáculos e
problemas.
De um modo geral o vocábulo
masturbação é pouco usado por ser carregado
de preconceitos e isso gera inquietações e
dúvidas entre os adolescentes, de modo que o
mais das vezes permanecem sem a devida
orientação de especialistas no assunto,
chegando a conversar sobre o mesmo apenas
entre os amigos da mesma faixa etária que nem
sempre têm informações suficientes e corretas
a respeito da prática masturbatória.
Com a maturidade sexual e a produção de
hormônios, surge uma enorme necessidade de
satisfação sexual e quando os adolescentes
55
FREUD, Sigmund. O caso Schreber e outros textos. In:
FREUD, S. Obras Psicológicas Completas de Freud,
vol.10.Tradução Jaime Salomão, Editora Standart
brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

232
Ensino e Diversidade

passam a se masturbar, sentem-se bem e


percebem que a masturbação os leva ao
orgasmo e uma vez conseguida a sensação de
prazer e a diminuição das tensões é natural que
o adolescente novamente busque repetir o que
lhe agradou. Paradoxalmente, ao sentimento de
prazer e satisfação, muitos são aqueles que
experimentam um sentimento de culpa
exacerbado seja devido a uma formação
religiosa castradora e repressiva, seja porque as
informações de parte dos pais não foram
suficientemente corretas. O dano mais sério,
portanto, que a masturbação produz é a culpa e
isso pode desequilibrar a personalidade do
indivíduo, uma vez que este pode colocar um
ideal muito difícil para ser alcançado; o controle
da masturbação e no, entanto, pode perceber a
sua impotência diante de tal propósito. A culpa
excessiva e constante poderá deixar a pessoa
com sentimento de inferioridade, depressão,
angústia e até mesmo levá-la ao suicídio, em
casos extremos. Diante das considerações
precedentes devemos perguntar-nos como a
escola poderá contribuir para o assunto da
masturbação entre os adolescentes?
A escola, sendo um lugar privilegiado da
informação e levando-se em conta que o
orientador sexual tem capacidade de deixar os
alunos à vontade para desmistificar, eliminar as
mentiras difundidas à respeito da prática
masturbatória, bem como abrir espaços para o

233
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

diálogo e debates com os pais dos


adolescentes.
A escola poderá propiciar momentos de
exploração do tema convidando profissionais
como médicos, psicólogos, religiosos, etc. E, na
oportunidade, os adolescentes poderão se
utilizar de perguntas escritas em um papel sem
que seja exigida a assinatura de ninguém. Isso
estabelecerá um clima de liberdade entre os
participantes.
O educador sexual deve deixar claro que a
masturbação na adolescência é um processo
normal de maturação sexual capaz de aliviar as
tensões e se não houver clima de repressão,
provavelmente não existirá sentimento de culpa
e, portanto, poderá ser encarada como sadia
manifestação da sexualidade, podendo ser
controlada interiormente.
Atualmente, nenhum cientista sério acredita
que a masturbação possa causar doenças. O
monstro de antigamente agora é tratado
como uma coisa natural, algo indispensável
para o desenvolvimento da personalidade.
Virtualmente toda a humanidade já se
masturbou em algum momento da vida,
mesmo que alguns nem se lembrem disso56.

Quase sempre os adolescentes têm


dificuldade de falar sobre a masturbação,
56
NOGUEIRA, Marcos. O prazer em suas mãos. Disponível
em: < https://super.abril.com.br/ciencia/o-prazer-em-
suas-maos/>. Acesso em: 14 março. 2019.

234
Ensino e Diversidade

embora fiquem profundamente preocupados


com o assunto. Deste modo a escola poderá
auxiliar os pais para que falem com os filhos,
dizendo-lhes que não há nada de errado com o
que está acontecendo com seu corpo. É
importante que os pais não os sobrecarreguem
com sentimento de culpa ou degradação e se
acontecer de os pais surpreenderem os filhos
em práticas masturbatórias jamais devem
ameaçá-los, castigá-los ou envergonhá-los.
Devem, no entanto, promover outras formas de
prazer para seus filhos, examinando o tempo
que estes dedicam aos esportes, incentivando-
os a fazer exercícios físicos, praticar jogos e
sobretudo, incentivá-los a encontrar um
passatempo divertido como a música, leituras,
as artes em geral.
Muito embora a sexualidade seja algo
forte na vida de um adolescente é valioso que o
indivíduo compreenda a importância de
encontrar uma parceria adequada para o
relacionamento a dois, bem como investir na
vida profissional. Em outras palavras a
sexualidade não pode preencher toda a vida do
indivíduo. Necessário se faz que o jovem passe
a entender que a sexualidade é uma das esferas
para a formação do homem integral. Por isso
não será inoportuno salientar de forma
convincente e sem coibições ou radicalismos
que a realização do ser humano não deve ser
encontrada apenas numa forma de prazer físico
e solitário.

235
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

A masturbação é uma fonte de satisfação,


todavia precisa ser bem utilizada e nunca será
demais enfatizar a necessidade de um controle
dos impulsos sexuais. Se a pessoa não aprende
o autocontrole, acaba por se tornar alguém
egoísta, insaciável e indisciplinado. Contudo
lembre-se de que “[...] a necessidade sexual,
uma vez despertada e satisfeita por algum
tempo, não pode mais ser silenciada; só pode
ser deslocada por outro caminho.”57
Com isso deixe-se claro que qualquer
discurso meramente coercitivo desenvolverá no
máximo sentimento de culpa no adolescente e
não de autocontrole. A masturbação na
adolescência não pode ser analisada apenas sob
a ótica de um prazer egoísta, isso seria passar
por cima de uma questão mais profunda.
Lembrando que a fantasia estando presente na
vida do adolescente masturbador, permite uma
ligação, embora imperfeita, no plano de
imaginação, com o outro parceiro. Desta forma
a qualificação de egoísmo, lançada inúmeras
vezes, com leviandade apenas superficializa a
questão, porque desconsidera o apelo positivo
inscrito na busca do adolescente de encontrar a
pessoa amada.

Gravidez e aborto na adolescência


A gravidez na adolescência abrange uma
rede de relações e preconceitos sociais e,
57
FREUD, vol.3, 1996, 262.

236
Ensino e Diversidade

portanto, é uma crise sistêmica. Entendida a


crise como um período temporário de
desorganização, precipitado por mudanças
repentinas no curso da vida. É uma crise
sistêmica porque envolve os pais dos
adolescentes, os familiares, a sociedade, os
amigos, a escola, etc.
Apesar de o adolescente viver num
mundo de muita informação, há ainda aqueles
pais que preferem educar os filhos como foram
educados, ou seja, com repressão e silêncio.
Outros há que pensam que falar sobre o
assunto desperta o adolescente precocemente
para a vida sexual. Como possíveis causas para
o surgimento de uma gravidez na adolescência
citem-se também a influência dos MCS, a
desagregação familiar, a liberalização sexual,
dentre outras.
É importante ressaltar que a maioria das
adolescentes grávidas não têm condições
financeiras nem emocionais para assumir a
maternidade. Surgem da gravidez problemas
como a fuga de casa por medo dos pais, o
aborto, o abandono dos estudos. A comunidade
médica também adverte que as consequências
de uma gravidez na adolescência não se
resumem estritamente a fatores psicológicos ou
sociológicos, mas a gravidez precoce põe em
risco de vida tanto a mãe quanto o recém-
nascido. Isso porque na faixa de 14 anos a
mulher ainda não tem uma estrutura óssea e
muscular adequada para o parto e por isso

237
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

significa uma alta probabilidade de risco para


ela e o feto.
A educação sexual nas escolas é
fundamental para que os jovens possam falar
sobre a sua sexualidade sem preconceito,
superando os tabus. Freud escreveu uma obra
Totem e Tabu, onde defende que a base do
tabu é uma ação proibida para cuja realização
existe forte inclinação inconsciente. Em outras
palavras na raiz da proibição existe um desejo
poderoso58. Seria por isso que o sexo não pode
ser falado naturalmente? O que há de feio no
sexo? O que há de misterioso no sexo? Além de
falar sobre sexo superando-se os tabus, a
escola poderá ser um espaço propício para o
debate, o autoconhecimento e também a
descoberta de outras formas de relacionamento
afetivo que não as relações sexuais e se estas
chegarem a ocorrer, que ocorram de forma que
os adolescentes se previnam contra as DST e
evitem a gravidez precoce.
A gravidez precoce também é um
problema que envolve os rapazes e, portanto, a
orientação sexual deverá adverti-los da
responsabilidade da procriação. Os programas
devem ser estendidos aos pais que, em sua
maioria, estão despreparados para tratar desta
58
FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. In: FREUD, S. Obras
Psicológicas Completas de Freud, vol.11. Tradução Jaime
Salomão, Editora Standart brasileira. Rio de Janeiro:
Imago, 1996.

238
Ensino e Diversidade

questão com os filhos. É interessante


possibilitar o atendimento psicológico para que
a jovem mãe reconstrua sua autoestima e
resgate sua cidadania, sua identidade e retorne
à família, à sociedade, à escola. Para além das
limitações intelectuais dos pais ou a
imaturidade para tratar das questões sexuais,
bem como problema de afetividade que os
impeçam de exercer o papel de educadores
sexuais, a escola deverá ter um papel
fundamental, pois é lá que os jovens se sentem
iguais e poderão discutir de forma livre.
A temática do aborto aparece como uma
das questões mais controvertidas num
programa de educação sexual. As discussões
entre os adolescentes e diversos segmentos da
sociedade quase sempre resultam em posições
extremadas. Para além de uma tomada de
partido, de ser contra ou a favor da realização
do aborto, há questões outras de grande
relevância para a abordagem do assunto, tais
como: o aborto é apenas uma escolha individual
ou envolve mais pessoas? Em que casos o
aborto é legalizado? O aborto provoca trauma,
remorso em quem o pratica? Quais as
consequências danosas do aborto para a mãe?
O aborto não seria um ato de egoísmo e
irresponsabilidade para com a vida e o próprio
corpo? A mulher não teria o direito de decidir
sobre seu próprio corpo e maternidade?
Muitos são os questionamentos a respeito
do aborto, porém, desde cedo é necessário que

239
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

se delimite como objetivo primeiro de uma


sadia orientação sexual analisar os diferentes
pontos de vista, evitando assim quaisquer
radicalismos. O aborto não pode ser tratado
apenas a partir do emocional, do
sentimentalismo ou sob a ótica da moral. É
preciso que se considere o debate sobre o
aborto, entendendo que o mesmo aparece em
situações-limite na vida de pessoas humanas
concretas, que longe de serem tratadas de
início como criminosas ou más, precisam de
uma orientação para as suas vidas. Ninguém
comete o aborto só porque o quer. Faltou o
método anticoncepcional, faltou conversa sobre
a gravidez indesejada, faltou um planejamento
familiar, falhou o argumento mágico do
adolescente que acha sempre que “comigo isso
nunca vai acontecer”. Faltou enfim, uma
orientação sexual preventiva que alertasse
sobre a responsabilidade da sexualidade e da
procriação.
A questão do aborto não diz respeito
apenas às crenças e aos valores, envolve
aspectos legais e em relação à saúde física e
psíquica dos indivíduos. Vejamos uma passagem
de Sigmund Freud sobre o assunto:
Sim, depois eu me arrependi muito; achei que
fui má, criminosa e imoral, mas naquela
época eu estava quase louca com meu
nervosismo. Tratava-se de um aborto ela
fizera com o consentimento do marido, já
que, dada a sua situação financeira, o casal

240
Ensino e Diversidade

não queria ter mais filhos. O aborto fora


iniciado por uma curandeira e tivera de ser
concluído por um médico especialista.59

Essa passagem oferece um rico material


para análise. Primeiramente, vê-se que a
decisão do aborto fora, praticado pelo casal e
não apenas pela mulher. Se a lei proíbe o
aborto, como punir o pai por tal
responsabilidade? É interessante notar que a
decisão e a efetivação do aborto causaram na
mulher sentimentos de arrependimento,
remorso e nervosismo chegando a quase
enlouquecê-la. Também é digno de análise o
fato de o casal decidir pelo aborto por questões
financeiras, uma vez que já tinham vários filhos.
No Brasil, onde o aborto não é legalmente
permitido, não seria interessante que houvesse
uma política de seguridade social capaz de
tornar possível a sobrevivência do embrião.
Todavia, parece que proibir é o mais fácil. Por
outro lado, não faltam campanhas moralistas
contra a legalização do aborto. O problema não
é a legalização, a proibição. Há outras questões
em jogo como por exemplo, o risco que a
mulher corre em perder a própria vida,
sobretudo quando o aborto é praticado de
forma clandestina, seja no ambiente doméstico
59
FREUD, Sigmund. Sobre a psicopatologia na vida
cotidiana. In: FREUD, S. Obras Psicológicas Completas de
Freud, vol.6. Tradução Jaime Salomão, Editora Standart
brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.201.

241
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

de forma leiga ou em clínicas sem a devida


especialização. Também deve-se considerar que
muitos são aqueles que exploram
economicamente as mulheres que se
encontram na iminência de abortar. Como
Freud lembra: “Do mesmo modo, tudo o que se
relaciona com nascimento, aborto e
menstruação remonta a privada, através da
palavra “abort” [privada, latrina] [aborto].”60. Daí
se segue que o aborto, além de trazer danos
psicológicos, é uma agressão ao corpo da
mulher, que de alguma forma torna-se
violentado.
Sigmund Freud e Jacques Lacan não tiveram
a mesma posição a respeito da consideração
do feminino e, além disso, viveram em
diferentes épocas. Freud pertenceu a um
reino patriarcal. A maternidade, para Freud,
era o destino compensatório do que chamou
de inveja fálica. Desse modo, o filho vai
ocupar o lugar de compensar essa falta na
mãe e fica referido como “sua majestade, o
bebê”. Mas sabemos também que o filho
pode ser odiado e rechaçado pela mãe e,
neste caso, longe de ser uma majestade,
ocupa o lugar de um resto61.
60
FREUD, Sigmund. Carta 79. In: FREUD, S. Obras
Psicológicas Completas de Freud, vol.1. Tradução Jaime
Salomão, Editora Standart brasileira. Rio de Janeiro:
Imago, 1996.

242
Ensino e Diversidade

A adolescente, em estado de gravidez


precoce, precisa tomar uma decisão entre
alternativas quase sempre dramáticas. Se
decide pelo aborto, corre risco de morte, pode
ser condenada, sua consciência acusa um crime
e se resolve assumir o filho e casar com o pai
da criança, quase sempre o casamento
prematuro tem pouquíssima chance de ser uma
experiência gratificante e duradoura, porque
muitas são as dificuldades no tocante às
difíceis questões de sobrevivência, bem como o
despreparo para assumir o papel de pai e de
mãe, aliados à imaturidade emocional. Se a
adolescente opta por assumir o filho de forma
independente terá de contar com o preconceito
contra a mãe solteira, terá que trabalhar,
estudar, assumir responsabilidades, cuidar da
criança e dividir suas ocupações com a mãe ou
a avó, aumentando sua dependência financeira
e emocional em relação à própria família.
A gravidez precoce por vezes é também
fruto de uma tentativa de a adolescente
“possuir” o parceiro de forma definitiva ou
mesmo quando o parceiro exige uma “prova de
amor”. Seja como for, não cabe a ninguém
julgar o comportamento alheio. Para quem vê
61
GREISER, Irene. Contribuições da psicanálise ao debate
sobre o aborto. Disponível em:
< http://observatorioviolencia.com.br/2018/07/16/contribu
icoes-da-psicanalise-ao-debate-sobre-o-aborto/>.
Acesso em: 17 fev. 2019.

243
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

de fora, tudo parece uma questão de princípios.


No entanto, as experiências de aborto
provocado são vividas de modos muito diversos,
tanto quanto são as pessoas envolvidas e as
circunstâncias. Assim como pode representar
um alívio para o momento, o aborto também
pode ser fonte de grande tormento e culpa.
Pode ser uma decisão da adolescente ou pode
ser forçado pelos pais ou mesmo pelo parceiro.
Os educadores sexuais devem considerar
a amplitude de possibilidades para que a
adolescente chegue a resolver o problema da
gravidez precoce e, antes que decida pelo
aborto provocado, faz-se mister incentivar, sem
coerção, a adolescente a transferir a educação
da criança para outras pessoas, optando-se,
desta forma, pela prática da adoção. Embora os
educadores sexuais não tomem decisões pela
pessoa envolvida, não custa mostrar que o
aborto não é a única saída.
Uma sugestão para os educadores
sexuais, é que se faça uma dramatização, onde
os próprios adolescentes criassem as cenas,
sempre com o auxílio do orientador. Como
exemplos, seguem-se os seguintes assuntos: Os
conflitos da menina em ter ou não o filho, as
pressões que sofre por parte do rapaz, a reação
da família, a dificuldade em partilhar o segredo
com as amigas, os motivos que levaram à
gravidez, o papel dos meninos, as expectativas,
medos e angústias vividas pela adolescente.

244
Ensino e Diversidade

Um outro recurso que os educadores


sexuais poderão propor ao grupo, além de
palestras regulares e apresentação de filmes é
dividir a turma em três grupos: um a favor da
legalização do aborto com maior ampliação, um
outro defendendo a proibição do aborto e
direito à vida e um terceiro grupo para moderar
as opiniões extremadas.

Considerações finais
Nisto consistiu o mérito de Sigmund
Freud: não se enquadrou como um continuador
de teorias psicológicas vigentes até então, mas
produziu, criou, construiu conceitos que
revolucionaram a ciência psicológica e a própria
noção de sujeito. Aos que simplesmente
criticam a psicanálise por não se submeter às
comprovações experimentais, talvez custe caro
reconhecer que ela constitui um saber novo, e
quem sabe mais completo em relação ao
próprio homem e, que por romper com os
paradigmas de uma psicologia da consciência e
do comportamentalismo, enriqueceu a ciência
psicológica com o método da interpretação
através da técnica da associação livre. Freud,
pelo exposto tem um destaque no mundo
contemporâneo comparado ao valor das
contribuições de Galileu e Darwin ao patrimônio
do saber da humanidade.
A discussão no que tange ao estatuto
científico da psicanálise foi possível graças à
apresentação de teorias epistemológicas

245
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

contemporâneas que extrapolaram o


reducionismo de um paradigma positivista de
ciência. Assim, se, somos partidários de uma
ciência positiva, neutra, objetiva e experimental
em suas comprovações imediatistas,
certamente teremos dificuldade em reconhecer
no corpus freudiano e na prática psicanalítica
um sabor de ciência, posto que um dos maiores
legados desta área do conhecimento foi
transformar o sujeito humano, aparentemente
inescrutável, em um objeto de investigação para
a psicologia das profundezas. Todavia, se
estivermos abertos, a partir dos postulados dos
filósofos da ciência, quais sejam: Thomas Kuhn,
Karl Popper e Gaston Bachelard, dentre outros,
a avaliar as relações entre experimentação e
constructos, hipóteses e escolhas de objeto,
paradigmas e revolução científica,
intencionalidade e resultados científicos,
aceitaremos, sem maiores dificuldades que a
psicanálise se configura como ciência ao
mesmo tempo autônoma e complexa. Digo
autônoma, por sua originalidade na apropriação
do objeto de estudo e na sua forma de abordá-
lo. É, por sua vez, uma ciência complexa, visto
que se relaciona com outras áreas do saber,
particularmente comprometida em sua filiação
histórica com a filosofia romântica e as
subáreas da medicina ora conservando estas
heranças ora ampliando criativamente suas
concepções e procedimentos.

246
Ensino e Diversidade

Sigmund Freud vincula a origem do


conhecimento às curiosidades de natureza
sexual genital, oriunda da angústia de
castração. A partir da angústia, da ameaça de
perda, a criança passa a questionar as coisas à
sua volta.
A aplicação da psicanálise freudiana ao
âmbito escolar torna-se pertinente num sentido
de que privilegia as relações interpessoais entre
professor e aluno, capazes de propiciar uma
aprendizagem eficaz. O sujeito que aprende é o
mesmo que sente. Por isso a aprendizagem será
facilitada se houver redução da angústia, da
agressividade provenientes das dificuldades
para com a sexualidade. Assim os espaços de
orientação sexual poderão propiciar
transformações nos relacionamentos
interpessoais, mudança no relacionamento com
os pais e por fim a melhoria do rendimento
escolar.
A abordagem dos temas específicos
relativos à sexualidade além de informar e
servir para erradicar tabus e preconceitos tem o
objetivo de esclarecer que o estágio emocional
do adolescente interfere na capacidade do
aprendizado, podendo incentivá-lo ou bloqueá-
lo. Isso significa que o adolescente necessita
falar sobre suas emoções e lidar com elas.
Nessa idade a sexualidade pode ser fonte de
dúvidas e conflitos. As discussões sobre o tema
amenizam e poderão até mesmo eliminar
algumas dessas angústias, além de ajudar os

247
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

adolescentes a se sentirem sexualmente


maduros para fazer escolhas responsáveis
motivadas por amor e carinho pela outra
pessoa.
A necessidade de que os temas
específicos e polêmicos aqui desenvolvidos
sejam estudados com afinco é uma realidade
que poderá ser testificada por cada educador
que contacta com adolescentes. No entanto, os
resultados só serão profícuos se os educadores
forem capazes de “descentrar-se”, tornando-se
abertos ao diálogo, à pesquisa, à construção
coletiva de valores que auxiliem os
adolescentes na tomada de decisões de forma
autônoma e responsável com o próprio corpo e
as demais pessoas.

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253
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

254
Ensino e Diversidade

DIVERSIDADE SEXUAL,
ESCOLA E RELIGIÃO:
QUEBRANDO OS
PARADIGMAS
Edeson dos Anjos Silva
Ariel Miranda Silva
Jackson Gomes de Rezende

Desmistificando o rótulo de doença


A definição de gênero vem evoluindo ao
longo dos tempos buscando assimilar, entender
e analisar criticamente, com perspectiva de
superação, a “diferença” existente entre
homens e mulheres entrelaçadas nos cenários
históricos, econômicos, sociais e culturais onde
ambos estão inseridos. Então, se pode perceber
que a definição de gênero e sexualidade está
interligada, vistos que essas definições se
correlacionam e que ambas estão articuladas
coletivamente no meio social e/ou cultural.
Agora, se faz necessário utilizar a definição da
Organização Mundial da Saúde, de 1975, que diz:
A sexualidade humana forma parte integral da
personalidade de cada um. É uma
necessidade básica e um aspecto do ser
humano que não pode ser separado de outros
aspectos da vida. A sexualidade não é
sinônimo de coito e não se limita à presença
ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais
do que isso. É energia que motiva encontrar o
amor, contato e intimidade, e se expressa na

255
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

forma de sentir, nos movimentos das pessoas


e como estas tocam e são tocadas.62

Nesta linha, a sexualidade humana está


intimamente ligada aos aspectos sociais,
econômicos e culturais e por isso não pode ser
concebida de maneira simplória, pois
componentes reais e afáveis (amorosos)
também devem ser levados em consideração.
Nesse contexto, é cabível desfrutar do quarto
caderno da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, entidade ligada ao
Ministério da Educação de 2007 para corroborar
a linha de pensamento que:
Ao se falar em gênero, não se fala apenas do
macho ou fêmea, mas do masculino e
feminino, em diversas e dinâmicas
masculinidades e feminilidades. Gênero,
portanto, remete a construções sociais,
históricas, culturais e políticas que dizem
respeito a disputas materiais e simbólicas que
envolvem processos de configuração de
identidades, definições de papéis e funções
sociais, construções e desconstruções de
representações e imagens, diferentes
distribuições de recursos e de poder e
estabelecimento e alteração de hierarquias
entre os que são socialmente definidos como
homens e mulheres e o que é – e o que não é
62
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. 1975. Disponível
em: <http://www.who.int/country/bra/en>. Acesso em 19
março. 2018.

256
Ensino e Diversidade

– considerado de homem ou de mulher, nas


diferentes sociedades ao longo do tempo.63

Com isso percebe-se que as questões


ligadas a gênero e sexualidade transpassam os
limites dicotômicos de macho/fêmea,
possibilitando uma análise reflexiva dos
elementos sociais, culturais e econômicos, visto
que o gênero pode delimitar um lugar social,
dessa forma os heteronormativos aumentam.
Abordar a sexualidade humana é se
aventurar em um terreno desconhecido, e para
isso deve se estar preparado para viajar além
das fronteiras simplórias que os olhos humanos
podem perceber. Então, concebe-se que a
sexualidade humana é formada por várias
misturas de elementos como as questões
biológicas, psicológicas e sociais e de certa
forma podem ser sintetizadas por três
locuções: sexo biológico, orientação sexual e
identidade de gênero. Nesse conjunto de
definições percebe-se que a diversidade sexual
pode ser assimilada como um desmesurável
modo de viver e expressar a sexualidade.64
Quando se trata de sexo biológico leva-se
em conta as questões reprodutivas, as
63
CADERNOS SECAD, nº 4. Gênero e Diversidade Sexual
na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos.
Brasília, MEC/SECAD, 2007, p. 16.
64
Cartilha sobre a diversidade sexual e a cidadania LGBT
– Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual –
SP. Página 10.

257
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

necessidades fisiológicas, os órgãos genitais que


permitem a diferença entre “macho” e “fêmea”,
ainda nesse contexto de amplas possibilidades
existem pessoas intersexos que apresentam
características de ambos os sexos. Enquanto a
orientação sexual pode ser entendida como
atração sentimental e/ou sexual que se
manifesta de um ser humano a outro e pode
ocorrer de forma involuntária. Assim sendo,
existem três formas essenciais de se expressar
a orientação sexual, como segui.
Heterossexual: Pessoa que se sente atraída
afetiva e/ou sexualmente por pessoas do
sexo/gênero oposto. Homossexual (Gays e
Lésbicas): Pessoa que se sente atraída afetiva
e/ou sexualmente por pessoas do mesmo
sexo/gênero. Bissexual: Pessoa que se sente
atraída afetiva e/ou sexualmente por pessoas
de ambos os sexos/gêneros.65

Nesse “mundo”, novo e interessante, cabe


enfatizar que não convém utilizar a expressão
“opção sexual”, pois não é questão de escolha.
Também não se deve ou não é usual utilizar o
vocábulo homossexualismo, uma vez que o
sufixo “ismo” remete a ideia de doença,
corroborando essa afirmação a Organização
Mundial da Saúde em 1990 desmistificou a
homossexualidade como doença modificando
65
Cartilha sobre a diversidade sexual e a cidadania LGBT,
p. 1.

258
Ensino e Diversidade

assim a Classificação Internacional de Saúde


(CID).
Ampliando o olhar sobre o aspecto do
gênero, termo este criando em 1970 tendo
como objetivo principal diferenciar a dimensão
biológica da dimensão social visto que, a
dimensão biológica classifica a espécie humana
em macho e fêmea, e o jeito de ser homem e o
jeito de ser mulher é demonstrado pela cultura.
Ser homem e ser mulher advém da realidade
social e não propriamente das características
físicas de seus corpos.66 Desta forma, cabe
tecer um paralelo entre a atitude masculina e a
atitude feminina, pois se espera que o homem
seja forte, que goste de futebol, tenha cabelo
curto e não seja emotivo, enquanto se espera
que a mulher seja frágil, sensível, emotiva, goste
de brincar de bonecas e admira a cor rosa.
Continuando o paralelo iniciado no
parágrafo anterior cabe adicionar que se o ser
humano nasce com um pênis isso não fará com
que ele goste de futebol ou não seja emotivo. O
mesmo ocorre com o ser que nasce com uma
vagina, que também não significa que vá gostar
de rosa ou até mesmo seja sensível.
Assim, o que é ser homem e o que é ser
mulher são construções sociais e não
comportamentos “naturais” decorrentes das
diferenças entre sexos biológicos. Todos nós,
66
Cartilha sobre a diversidade sexual e a cidadania LGBT,
p. 12.

259
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

independente do sexo biológico, combinamos


características e comportamentos
considerados masculinos e femininos, cada
um/a de uma maneira diferente! Meninas que
gostam de futebol não são necessariamente
lésbicas! Meninos que gostam de balé não são
necessariamente gays!67

A sexualidade humana são múltiplas e


variadas, com isso não é possível nem justo
mencionar ou classificar em correta ou a
apropriada.68 Assim, será válido deixar em voga
que em 1990 a Organização da Saúde (OMS)
subtraiu o Código Internacional de Doenças
(CID) que classificava a homossexualidade como
doença. Antecedendo a decisão da OMS, em
1973, a Associação Americana de Psiquiatria
(APA), já havia erradicado de seu Manual de
Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais.
No Brasil, a retirada pelos Conselhos Federais
de Medicina ocorreu desde 1985.69
67
Cartilha sobre a diversidade sexual e a cidadania LGBT,
p. 12.
68
SOUSA FILHO, Alípio de. Homossexualidade e
Preconceito. Disponível em: <http://
www.midiaindependente.org/pt/blue
/2003/08/262050.shtml>. Publicado 27.08.2003. Acesso
em : 26 abril 2018.
69
Ministério da Educação. Gênero e Diversidade Sexual na
Escola: reconhecer as diferenças e superar os
preconceitos. Disponível em:
<http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/bib_cad4_gen

260
Ensino e Diversidade

A homossexualidade já não é tida como


doença, perversão ou distúrbio pelo Conselho
Federal de Psicologia no Brasil como
fundamenta a Resolução do Conselho Federal
de Psicologia70:
Art. 2° - Os psicólogos deverão contribuir,
com seu conhecimento, para uma reflexão
sobre o preconceito e o desaparecimento de
discriminações e estigmatizações contra
aqueles que apresentam comportamentos ou
práticas homoeróticas.71

Muitos homoafetivos tendem a procurar


os profissionais de psicologia na esperança de
reversão, no entanto, é sabido que não é
possível. Vale deixar claro que essa atitude está
vinculada ao fato de a possibilidade de serem
aceitos na sociedade estritamente
heteronormativa. O psicólogo ao atender um
LGBTI+ deve ofertar meios para que o mesmo
se sinta em paz com sua orientação e se situe
na sociedade de forma inclusiva.

_div_prec.pdf>. Publicado em: Maio de 2007. Acesso em


20 fev. 2018.
70
RESOLUÇÃO CFP N° 001/99 DE 22 DE MARÇO DE 1999.
Conselho Federal de Psicologia. Disponível em:
<https://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf> Publicado
22.03.1999. Acessado em: 27 de abril 2018.
71
Conselho Federal de Psicologia, 1999, p.2.

261
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Escola como agente transformador e inclusivo


Edward John Baptista das Neves
MacRae72, professor e docente da Universidade
Federal da Bahia publicou em 1973 um artigo
chamado “Em defesa do Gueto” que relatava
um pouco da trajetória dos homoafetivos no
Brasil que viviam nos guetos a margem da
sociedade por volta da década de 50 e 60,
quando surgiram em São Paulo e no Rio de
Janeiro os primeiros bares, casas de shows e
festas voltadas especificamente para o publico
gay oferecendo de certa forma um pouco de
laser a essa classe que não podia aflorar seu
estilo de vida. Por volta de 1976 e 1978 surgiram
as primeiras colunas em jornais que abordaram
a temática gay, embora recebessem críticas,
pois isso feria a moral e os bons costumes da
época e não muito diferente dos dias atuais. No
entanto, hoje com o advento das tecnologias de
comunicação, a temática gay está sendo
disseminada mais rapidamente.73
Nessa perspectiva o “mundo gay” começa
a arrebentar as correntes, embora com poucos
elos, pode-se observar em atuações musicais,
em novelas, filmes, consultores de modas e em
programas humorísticos. Essa exibição em
público demostra uma nova visão política que
72
Bacharel em Social Psychology , doutor em
Antropologia social e militante homossexual no Brasil.
73
FRY, P., MACRAE, Edward. O que é homossexualidade.
São Paulo: Brasiliense, 1985.

262
Ensino e Diversidade

está surgindo aos poucos, falando


estatisticamente. Mesmo assim há um avanço,
embora restrito, quando se trata da ascensão
social dos homoafetivos como participação
ativa na sociedade. Em meio a esses
tempestuosos acontecimentos surgem o
movimento gay, entre outros movimentos, que
atingiam e atinge a minoria, mas que não são
alvos desta pesquisa. Todos em busca,
ansiosos, no sentido de serem vistos e
percebidos como membros integrantes da
sociedade.
Em meio a esse cenário, com o desejo
acirrado pela cidadania de forma que os direitos
dos envolvidos sejam respeitados, uns dos
fatores que os alegravam era o fim da ditadura
militar que “soava” como cor da esperança,
indicando a possibilidade de uma política mais
aberta, de um governo popular sugerindo uma
democracia que privilegiaria as questões sociais
e culturais. Visto que eram claros os estigmas
de que os homossexuais eram doentes e seres
depravados que viviam em função de sexo e
orgias. No entanto essa desconstrução não é
fácil, pois está enraizada no seio da sociedade,
mas mudanças positivas estão surgindo
paulatinamente nas questões que envolvem as
identidades bem como a autoestima.
O exposto acima tem por função
problematizar e evidenciar que a escola deve
exercer sua função social, pois temas como a
diversidade sexual estão inseridos em todos os

263
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

setores da sociedade, com isso, urge a


necessidade de debate sobre o tema, para que
choques de pensamentos ocorram
democraticamente, sendo necessário criar uma
base sólida de forma que o ambiente escolar
seja flexível, democrático e não
heteronormativo. Acrescenta-se aos fatos
relatados a fala de Ferrari, que permite
compreender a importância de se ter a escola
como agente transformador e inclusivo, visto
que ela acolhe os elementos (alunos) que estão
inseridos na sociedade e aqueles que também
estão sobrevivendo à margem dela, sem voz,
muitas das vezes pedindo socorro, mas
ninguém está ali por eles, onde seus direitos já
não existem mais.74 Com isso fica nítida a
relevância de abordar as temáticas sociais em
sala de aula, baseado na concepção de que a
escola é instituição social, e por vezes, substitui
a família.
Nesse contexto, quando se trata das
questões tangíveis aos homoafetivos que
historicamente e culturalmente são marcados
pelos estigmas de preconceitos e estereótipos,
faz-se necessário inserir elementos ou
situações reais em sala de aula para debates,
74
FERRARI, A. Revisando o passado e construindo o
presente: o movimento gay como espaço educativo.
Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a09.pdf > 2006.
Acesso em: 25 de jul. de 2018.

264
Ensino e Diversidade

com vistas de promover respeito ao próximo de


forma que os envolvidos se respeitem
mutuamente. Diante desta perspectiva, cabem
ser discutidos no ambiente escolar, por
exemplo, o movimento que aborda as questões
de gênero em especial aqui o movimento gay.
Assim sendo, pode ser citado que:
O movimento gay começou a se organizar
entre o final da década de 1970 e o início dos
anos de 1980. Não somente o movimento gay,
mas outros grupos sociais, nesta época,
articulavam-se pela defesa da visibilidade,
pela construção de novas formas de
conhecimento, de cidadania plena e pela luta
por direitos civis. Essas reivindicações
demonstravam a importância do contexto
político em que se desenvolviam.75.

Todas as situações expostas estão


atreladas ao cotidiano das pessoas, então a
escola como uma instituição social que abriga
grande parte desses cidadãos tem a “obrigação”
de interferir, conscientizando as pessoas a
respeito das diferenças, bem como sua
valorização.
A escola deve ser palco de assuntos
relevantes que assolam a minoria como as
questões ligadas à diversidade sexual em que a
rotulação heteronormativa ainda permanece
fortemente vigente, sejam nos ambientes
75
FERRARI, 2006, p.1.

265
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

familiares, na escola, no trabalho e na igreja,


por exemplo.
Neste trágico contexto, famílias ao
perceberem traços ligados a homoafetividade
em seus filhos, procuram especialistas como
médicos, psicólogos, psiquiatras e cabe
acrescentar instituições religiosas para
promoverem sessões de libertação. Para
corroborar a argumentação da soberania
heteronormativa cabe citar Begemhl (2000) que
diz que “A heterossexualidade permanece
considerada como a única forma de
“normalidade”, daquilo que se preconiza como
sendo “natural”, não obstante as várias
demonstrações de homossexualidade nas
diversas espécies animais”.76
No ano de 1997 na cidade de São Paulo
ocorreu a primeira parada LGBTI+ com
perspectivas de mostrar para a sociedade sua
existência, com metas de iniciar políticas
públicas que abraçassem a comunidade LGBTI+
de forma que os mesmos pudessem ter seu
lugar na sociedade e mostrar para as pessoas
podem conviver e produzir com as diferenças.
Ainda no mesmo contexto,
Em 2004, o “Programa Brasil Sem Homofobia”
foi lançado a partir de uma série de
discussões entre o governo federal e a
76
BAGEMIHL, B. Biological exuberance: Animal
homosexuality and natural diversity. New York: Stonewall
Inn Editions, 2000.

266
Ensino e Diversidade

sociedade civil organizada com o intuito de


promover a cidadania e os direitos humanos
de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais (LGBTTT) a partir da equiparação
de direitos e do combate à violência e à
discriminação homofóbicas.77

Analisando os acontecimentos entre a


primeira parada gay em 1997 em São Paulo até
o ano de 2004 percebe-se uma crescente
evolução nos direitos que envolvem a classe
LGBTI+, enfatizando assim a necessidade de
uma sociedade mais igualitária, proporcionando
oportunidades na promoção da cidadania,
promovendo reflexões sobre conflitos
discriminatórios e homofóbicos. Cabe aqui,
agregar uma informação para enfatizar a
importância de uma sociedade mais humana e
justa: em 2010, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) efetivou a adoção de uma criança por um
casal de lésbicas no Rio Grande do Sul. 78
Pesquisas evidenciam agressões verbais,
agressões físicas, discriminações e bullyng aos
alunos LGBTI+, que com isso, muitos, deixam de
ir à escola, e como consequência há aumento
no número da evasão escolar e repetência, em
77
SILVA, Renan Antônio. Ser homossexual em uma escola
inclusiva: a investigação das dificuldades vividas pelos
homossexuais em seu percurso de vida educacional.
Revista Humanidade de Inovação, v. 5, n.4, p. 160-181, jul.
2018.
78
SILVA, Renan Antônio, p. 164.

267
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

função desse processo desumano. Então, aqui


vale inserir algumas considerações propostas
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN`s),
dentre elas a melhoria da Educação no Brasil
em toda sua extensão territorial, privilegiando
todo o processo de ensino e aprendizagem,
procurando minimizar os pontos que contrapõe
este processo. Desta forma, cabe a escola
inserir as problemáticas que afligem a
sociedade, pois estas interferem
significativamente no processo de construção
de conhecimento. Com isso, a escola deve
discutir tais questões em busca da cidadania,
tendo à frente os direitos humanos, já que
todos estão inseridos em um processo
democrático. Vale frisar que não se deve
enaltecer as diferenças (diversidade), mas
respeitá-las, lembrando que jamais em função
dessas diferenças devem ser deixadas de
cumprir ações educativas corretivas. A
diversidade deve ser compreendida como um
fator enriquecedor do ser humano, de forma
que todos tenham as mesmas oportunidades
para o pleno desenvolvimento do ser, bem
como sua coletivização.79
Para se trabalhar em equipe valorizando a
diversidade e as características do indivíduo
devem ser propostas atividades de forma em
que haja uma rotatividade entre os membros de
forma democrática. Com isso,
79
PCN`s, 1997, p. 60.

268
Ensino e Diversidade

Não existe critério melhor ou pior de


organização de grupos para uma atividade. É
necessário que o professor decida a forma de
organização social em cada tipo de atividade,
em cada momento do processo de ensino e
aprendizagem, em função daqueles alunos
específicos. Agrupamentos adequados, que
levem em conta a diversidade dos alunos,
tornam-se eficazes na individualização do
ensino.80

Todo trabalho desenvolvido deve respeitar


as disparidades sejam elas sociais, econômicas
ou culturais em face a grande extensão
territorial do Brasil, levando em conta as
particularidades locais, não é o foco do
trabalho, mas vale lembrar a importância do
currículo no processo de ensino e aprendizagem
enfocando no respeito às diferencias bem como
a valorização do ser.
A escola é ponto de encontro entre
pessoas de várias culturas, condições sociais,
políticas e econômicas diversas e que, de certa
forma, devem conviver em um mesmo
ambiente. Espera-se, que este ambiente seja
harmonioso, possibilitando que o contraste de
culturas diversas não se transforme em um
estopim. Para isso se faz necessário abordar as
questões que afligem a comunidade, pois o
grito por socorro das crianças/adolescentes
80
PCN`s, 1997, p. 61.

269
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

com problemas81 ligados a orientação sexual,


bem como sua identidade são notórios e não
deixam de serem problemas sociais.
Essas discussões no ambiente escolar
devem ir além do limite da escola, uma vez que
estes problemas perpassam os muros
escolares, tocam a formação do indivíduo, isto
é, ocorre ou pode ocorrer uma possível
mudança na postura e/ou na concepção
daqueles que vivem imersos à diversidade de
gênero e não aceitam muito bem. Afinal,
lembrando que o respeito é o ponto crucial
nesse processo contínuo de mudança, vale
ressaltar Hoffmann:
Somos diferentes. Essa é a nossa condição
humana. Pensamos de jeitos diferentes,
agimos de formas diferentes, sentimos com
intensidades diferentes. [...] A questão não é
se queremos ou não ser diferentes. Mas que,
como seres humanos, nossa dignidade
depende substancialmente da diversidade, da
alteridade, porque precisamos garantir o
caráter subjetivo de nossa individualidade.82

Se não forem interpoladas nas


orientações educacionais e no currículo escolar
abordagens claras a respeito da identidade de
81
Problema neste contexto refere-se ao fato dá não
aceitação das pessoas por orientação sexual diferente da
heteronormativa.
82
HOFFMANN, J. O jogo do contrário em avaliação. Porto
Alegre: Mediação, 2005. p. 39.

270
Ensino e Diversidade

gênero, diversidade sexual, dentre outras que


não será foco do estudo, sua efetivação nunca
ocorrerá, visto que a escola ainda não abdicou
de suas raízes heteronormativas, onde o
currículo foi feito para priorizar uma minoria em
termos de oportunidades. Então, cabe à escola
absorver, debater os problemas reais que a
cada dia mais estão gritantes no ambiente
escolar, já não se pode fechar os olhos às
diferenças, sejam elas sexuais, sociais,
econômicas ou culturais. Nesta trajetória as
DCNs83 dizem que:
Exige-se, pois, problematizar o desenho
organizacional da instituição escolar, que não
tem conseguido responder às singularidades
dos sujeitos que a compõem. Torna-se
inadiável trazer para o debate os princípios e
as práticas de um processo de inclusão
social, que garanta o acesso e a diversidade
humana, social, cultural, econômica dos
grupos historicamente excluídos. 84

Para que a efetivação ocorra de fato, se


faz necessário que os documentos legais que
regem a Educação sejam mais “rígidos” e claros
em seu cumprimento e haja, caminhando de
83
DCNs - Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica
84
BRASIL. MEC. SEB. SECADI. Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI,
2013. p. 16.

271
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

mãos dadas, neste processo, políticas públicas


que possibilitem tratamento igualitário em face
às diversidades, resgatando assim, a dignidade
humana. Assim sendo, ter-se-á uma Educação
que prima pela promoção do sujeito,
valorizando as diferenças sendo o ponta pé
inicial para uma Educação humanista.
Tendo por base os PCN’s, e que seus
objetivos traçados fiquem evidentes, deve haver
uma inter-relação entre as disciplinas, de forma
que a construção do saber seja efetivada,
levando em consideração a articulação entre os
diversos campos de conhecimento. A
articulação entre currículo, escola e sociedade,
permite que todos tenham acesso as
informações e ao conhecimento propriamente
dito. Como os envolvidos neste processo estão
imersos em uma sociedade democrática, os
conteúdos ofertados em sala de aula devem
proporcionar conexões com os tópicos que
envolvem as questões sociais, econômicas e
culturais.
Então, como se portar face as questões
ligadas ao insucesso escolar permeabilizadas
por questões que envolvem a diversidade
sexual, uma vez que a escola enquanto
executora de sua função social deve promover e
possibilitar aos alunos acesso irrestrito ao
saber por meio de mediação pedagógica? Para
que isso ocorra se faz necessário que
professores, coordenadores, diretores em
parceria com a comunidade escolar respeitem

272
Ensino e Diversidade

as diferenças e acompanhem as mudanças


ocorridas constantemente na sociedade.
Neste ínterim, cabe introduzir, para
corroborar, a fala de Lira e Jofiti (2010) 85
evidenciando que muitos profissionais atuantes
no sistema educacional desconhecem a
abordagem à diversidade sexual por parte dos
PCN’s e isso talvez seja um dos fatores que
causam insegurança em alguns professores
para discutir este tema em sala de aula.

Breve perspectiva religiosa


Cabe expor aqui a situação enfocando o
ponto de vista da religião, cujo papel é
fundamental no processo, por ser considerada
como inclusiva, mesmo diante da postura rígida
em relação à intolerância por certos grupos
religiosos, no que diz respeito às questões de
diversidade sexual em face da defesa incansável
da heteronormatividade86. É sabido que a
85
LIRA, A.; JOFILI, Z. O tema transversal orientação
sexual nos PCN e a atitude dos professores: convergentes
ou divergentes? Ensino, Saúde e Ambiente, Niterói, v. 3, n.
1, 2010. p. 22-41. Disponível em:
<http://www.ensinosaudeambiente.uff.br/index.php/ensin
osaudeambiente/article/view/105/104>. Acesso em: 18 fev.
2018.
86
LIMA, Rita de Loudes de. Diversidade, identidade de
gênero e religião: algumas reflexões. Rio de Janeiro – RJ,
v.9, n.28, p.165-182, dez. 2011. Revista da Faculdade de
Serviço Social da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro. Disponível em: <http://www.e-

273
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

heteronormatividade é de origem judaico-


cristão, por isso tem certa resistência em lidar
com a diversidade sexual, que traduz a
homossexualidade como depravação. Então,
mediante a esse cenário que pode ser
considerado controverso, cabe questionar se a
religião tem cumprido seu papel; papel esse
que está na origem da palavra que é de unir os
homens entre si e ao sagrado. E quando esse
processo de inclusão não se solidifica, cabe ao
Estado laico defender os direitos de todos os
componentes da sociedade inclusive os do
LGBTI+ sejam ateus ou religiosos. Lima87
corrobora que,
[...] mesmo do ponto de vista religioso
judaico-cristão, o essencial é o amor e não a
discussão sobre práticas afetivos-sexuais das
pessoas. Tal postura é possível quando
abandonamos a leitura literal dos livros
sagrados, e utilizamos a leitura histórico-
crítica. Por fim, ressaltamos a importância de
defender, nesta conjuntura acirrada, o Estado
laico e a defesa dos valores humanos
emancipatórios, que consideram os seres
humanos em sua diversidade e riqueza
espiritual. Esperamos que tais reflexões nos
ajudem a refletir sobre nossa humanidade
diversa, plural e cheia de sentido.

publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/view
/ 2940/2104>. Acesso em: 17 fev. 2018.
87
LIMA, 2011, p. 180.

274
Ensino e Diversidade

Então com esse olhar diferenciado,


levando em conta o amor ao próximo e tendo
em vista que um dos maiores tesouros dos
seres humanos é sua diversidade, cabe ao
Estado na sua função de laico, garantir essa
diversidade diante de uma sociedade
estritamente heteronormativa. A abordagem
sobre a diversidade sexual na escola tem por
base a função de contribuir positivamente no
processo de humanização, sendo indispensável
a desconstrução dos pensamentos tidos como
verdades absolutas e cristalizadas,
possibilitando que o ser, ali construído, tenha
consciência de suas ações com seus elos
sociais88.
Partindo da premissa da existência de
diversas religiões e credos, fica evidente que
cada um traz concepções diferentes a cerca da
diversidade sexual, por isso, a existência de
diferentes posturas para com as pessoas que
pertencem ao grupo LGBTI+. Também cabe
ressaltar que não se podem generalizar os
pontos de vista e classificar uma ou aquela
religião ou credo como preconceituosa, que
instiga o ódio ou a violência contra os LGBTI+.
Então, neste processo delicado, cabe analisar as
situações à luz dos direitos humanos.
88
CAMPOS, L. M. Lunardi . EDITORIAL Ciênc. educ. (Bauru)
Gênero e diversidade sexual na escola: a urgência da
reconstrução de sentidos e de práticas. 2015. (Prefácio,
Pósfacio/Apresentação).

275
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Aqui cabe parafrasear Córdova89 que no


artigo sobre os 12 mitos sobre as religiões e a
diversidade sexual diz que é perfeitamente
possível uma pessoa, não sendo
heteronormativa professar uma fé,
independente se sua sexualidade é aprovada ou
não pela sociedade ou pelos membros das
igrejas. Sendo direito de qualquer cidadão
professar uma fé naquilo que acredita, pois,
isso é natural do ser humano e com isso não é
valido impor ao ser humano ter que escolher
entre professar sua fé ou aceitar sua orientação
sexual.
Ainda segundo o autor, não há nenhum
texto ou relato Bíblico que condene claramente
a relação de duas pessoas do mesmo sexo, em
face ao respeito recíproco, tanto na Bíblia
Hebraica como na Bíblia Cristã. O que há na
perspectiva do autor são interpretações por
vezes mal feitas para atender a certo propósito,
que em diversas situações não foi a original, e
acrescenta que o termo “homossexualidade” foi
incorporado à literatura no século XIX, e com
isso não se pode aplicar esse vocábulo a textos
elaborados a 2 ou 3 mil anos atrás. Acrescenta-
89
QUERO, Hugo Córdova. 12 mitos sobre as religiões e a
diversidade sexual. Publicado no Brasil em 2018.
Disponível em: <http://alc-noticias.net/bp/wp-
content/uploads/sites/4/2018/07/12mitos_WEB-
Final.pdf>.
Acesso em 25 de dezembro de 2018. p. 4.

276
Ensino e Diversidade

se a isso, que todos os textos escritos pelas


religiões adeptas ao cristianismo ou não, se
deram em um enredo social, histórico e
cultural, então, a aplicação das palavras dos
textos sagrados devem ser lidas e relidas para
que se tenha uma visão adequada de seu
significado para posterior aplicação e
adaptação.
Retomando as contribuições de Quero, é
importante frisar que algumas religiões abraçam
a proposta de introduzir a diversidade sexual
como parte de seu credo e outras não.
Na verdade, há religiões como o budismo ou a
umbanda onde o sexual não é um problema.
No cristianismo coexistem milhares de igrejas,
cada uma das quais entende a fé cristã de
maneira própria e particular. Enquanto
algumas igrejas, como a Igreja Católica
Romana, sustentam um sistema de dogmas
que perduram no tempo, outras igrejas, como
as Igrejas Católicas Antigas, Luteranas e
Anglicanas, sustentam uma série de artigos
de fé que podem ser revisados e atualizados
pela comunidade de crentes.90

Neste ínterim, o budismo ou até mesmo a


umbanda deixa claro que as questões sexuais
não interferem na prática religiosa, já o
cristianismo persiste em entender a fé de
maneira própria e particular.

90
QUERO, 2018, p. 14.

277
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Considerações finais
O presente estudo possibilitou a reflexão
em torno da diversidade sexual, seus
enfrentamentos, bem como uma breve
contribuição religiosa. A visão religiosa
influencia o comportamento humano, sua
interação e seu modo de pensar, embora
empasses existam. Percebe-se que é possível e
compatível correlacionar religião, orientação
sexual e diversidade sexual de modo que
nenhum deles sejam excluídos em ambientes
como escola, igreja ou nos próprios lares onde
os LGBTI+ estejam inseridos.
Como o Brasil é um país diversificado
cabe a escola desempenhar sua função social
e incluir os problemas vivenciados pela
sociedade e debatê-los em sala de aula, a fim
de compreender as diferenças reconhecendo-
as, respeitando-as e agregando novas
possibilidades e vivências. Vale incluir, para
finalizar, que todas as discussões em torno da
diversidade sexual na sociedade, no ambiente
escolar e na perspectiva religiosa devem estar
à luz dos direitos humanos.

Referências
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homosexuality and natural diversity. New
York:Stonewall Inn Editions, 2000.

278
Ensino e Diversidade

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CAMPOS, L. M. Lunardi . EDITORIAL Ciênc. educ.


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279
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

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de Janeiro. Disponível em: <http://www.e-
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Sexual na Escola: reconhecer as diferenças e
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280
Ensino e Diversidade

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QUERO, Hugo Córdova. 12 mitos sobre as


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escola inclusiva: a investigação das dificuldades
vividas pelos homossexuais em seu percurso de
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Inovação, v. 5, n. 4, p. 160-181, jul. 2018.

281
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

282
Ensino e Diversidade

DIALOGOS DOCENTES E
DISCENTES SOBRE A
HISTORIA DA CULTURA
AFROBRASILEIRA:
TECENDO PRAXIS DE
UMA PEDAGOGIA
ANTIRACISTA
Geisa Hupp Fernandes Lacerda
Sandra Maria Machado
Edeson dos Anjos Silva

É necessário construir uma utopia crítica que nos


possibilite pensar em uma sociedade na qual a
diferença humana não se transforme em
desigualdade e que a exclusão seja substituída por
processos de participação, pois temos o direito a
sermos iguais sempre que a diferença nos
inferioriza; temos o direito de sermos diferentes
sempre que a igualdade nos descaracteriza
(SANTOS, 2006)91

... Primeiras palavras...


O trabalho aqui apresentado, trata-se de
um pequeno trecho de uma longa jornada de
uma prática pedagógica compreendida 2010 a
2017 que teve como foco principal o diálogo
sobre as questões relativas vinculados à
disciplina de História da Cultura Afro-Brasileira.
91
SOUSA SANTOS, Boaventura de. As dores do pós-
colonialismo. Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo
(21.08.2006).

283
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Trilhamos um longo mapeamento através da


cartografia, como componente metodológico, na
busca de uma pedagogia descolonial92. Como
docente que ministrava a disciplina supracitada,
tinha como foco dialogar inicialmente como
as/os discentes que cursavam pedagogia,
acerca das suas percepções sobre às questões
relativas a suas visões sobre o Continente
África.
Uma vez constatado o que inicialmente
pensávamos sobre suas visões, construídas a
partir dos longos anos submetidos a um
currículo totalmente eurocentrado, buscamos
estabelecer uma prática que possibilitasse a
compreensão do movimento dialético da
transformação que a disciplina em questão
promove na formação inicial dos licenciandos
de Pedagogia.
Nesse processo, partindo do
sancionamento da Lei 10.639/200393, essa
92
O conceito de descolonizar parte de Boaventura de
Souza Santos, que dialoga contrapondo a produção de
um saber eurocêntrico e hegemônico, pontuando outros
saberes, principalmente nos países colonizados, que
perpetuam/refazem/reinventam práticas colonizadoras.
Neste trabalho o foco principal foi desconstruir saberes
hegemônicos eurocêntricos, partindo de uma vertente da
ecologia de saberes. Neste patamar Boaventura dialoga
com a sociologia das ausências e sociologia das
emergências. Promovemos a denúncia de atores
silenciados e demonizados, neste caso o racismo.
93
Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,

284
Ensino e Diversidade

narrativa inicia em 2010, em uma Instituição de


Ensino Superior localizada no município da
Serra-ES, acrescentou em sua grade curricular a
disciplina de História da Cultura Afro-brasileira,
com objetivo de provocar um movimento
contrário aos processos de acentuação das
desigualdades provocadas pela negação da
histórias do povo africanos.
O espaço educacional, em grande parte
funcionando como bases eurocêntricas, parece
não questionar os currículos que (re)produzem
as práticas sociais numa educação formal na
qual determinados grupos étnicos, entre os
quais destacamos os afrodescendentes e povos
indígenas, são subtraídos de seus direitos de
pertença quando são apresentados nos
contextos escolares apenas sob o ponto de
vista da submissão, subserviência ou de
caricaturização.
A disciplina vinculada ao trabalho
pedagógico no curso de licenciatura de
Pedagogia propôs uma articulação para
educação emancipadora, produzindo novas
práxis, ao debate da História da Cultura Afro-
brasileira, buscando desfazer preconceitos e
estereótipos. Sendo assim, transcorrendo sete
anos de disciplina no curso de Licenciatura de
Pedagogia, amplamente mapeados com

para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a


obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
Brasileira”,

285
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

mediação de conhecimento, através dos


documentos e práxis, por meio da metodologia
da cartografia, baseada em Carvalho (2007).
Para o trabalho baseado na cartografia94,
destaca que:
Uma pesquisa cartográfica designa-se como
imetódica, ou seja, considera que não há um
método capaz de captar a realidade em suas
múltiplas manifestações, prescindindo,
portanto do “rigor metodológico” das
estratégias preestabelecidas. Assim tem-se
como pressuposto básico deixar que as
circunstâncias determinem a trajetória da
pesquisa adotando uma perspectiva mais ou
centrada no processo. (CARVALHO, 2007, p. 6)

Para a autora, no trabalho baseado na


cartografia não existe neutralidade, o
pesquisador e os envolvidos no processo
afetam-se durante o processo de investigação.
Assim, configurou-se o trabalho a partir de uma
94
Para chegar-se aos objetivos propostos, foram
utilizados os seguintes procedimentos: a) fichamento e
organização de fontes documentais: análise da ementa,
juntamente com os docentes, objetivos da disciplina
propostos entre outras questões relevantes. b)
observação participante: levantou o maior número de
dados sobre a abrangência da disciplina na formação
inicial. c) conversações: usado para complementar as
informações que não se fizeram entender durante a
observação participante. d) diário de bordo: usado para
registros das observações.

286
Ensino e Diversidade

busca cartografada das relações que se


estabelecem entre os atores docentes,
discentes, envolvidos no contexto da graduação
voltados a disciplina que envolve educação
étnico-racial. A pesquisa constitui-se de uma
investigação qualitativa com base na
cartografia. Envolve pesquisa de campo e
documental com movimentos coengendrados,
onde se busca elementos, no nosso caso, para
cartografar, a partir das redes de conversações
com docentes e discentes, a importância da
disciplina da história da Cultura Afro-Brasileira
na formação dos licenciandos do curso de
Pedagogia
Ao longo deste texto traremos as falas95
cartografadas pelos docentes e discentes, que
promoveram a 1° mostra cultural da IES,
subsidiando a explanação da produção
acadêmica com os demais cursos, visibilizando
uma ampla visão do negro e suas
ancestralidades a partir da visibilidade
pedagógica e, assim, estabelecermos diálogos
com as seguintes questões: as “falas”
docentes/discentes são visibilizadas sobre as
relações etnicorraciais na academia? Promove
um repensar sobre o posicionamento dos
negros (as) na sociedade a partir da formação
inicial?
95
De acordo com Lopes e Fabris (2013) compreende as
falas, por sujeito participes do processo de invenção,
saindo da posição de exclusão, segregação.

287
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Diante da perspectiva de uma luta


antirracista, que no âmbito educacional
denominamos de pedagogia descolonial ou
pedagogia antirracista, projetamos a
contribuição reflexiva de Gomes:
A educação é entendida como o processo de
humanização, tem sempre uma experiência
edificante? É possível educar para a
diversidade em uma escola marcada pelo
colonialismo, pelo capitalismo, pelo
machismo e pelo racismo? [...] Qual tem sido
o lugar ocupado por esses saberes no
cotidiano da escola, dos currículos e das
politicas educacionais no século XXI? (GOMES,
2017, p.43)

Refletir a formação inicial de professores


no curso de Pedagogia é de suma relevância,
considerando o contexto das práticas com os
saberes dialogados nas universidades e centros
de ensino superior com práticas e experiências
vivenciadas no cotidiano escolar, referente ao
racismo e práxis antirracista. Nesse caso em
particular, os discentes entram em contato com
um espaço educativo, que lhes oferece a
oportunidade de ter uma formação diferenciada
acerca das questões relacionadas à História da
Cultura Afro-Brasileira.
Descrevendo os avanços na formação
inicial docente referente à perspectiva étnico
racial a partir da disciplina de História da
Cultura brasileira, a relevância desde ensaio

288
Ensino e Diversidade

traça partindo de dados do Instituto Brasileiro


de Geografia e Estatísticas (IBGE) (2014), em
levantamentos feitos os negros (pretos e
pardos) eram a maioria da população brasileira
em 2014, representando 53,6% da população
brasileira, desse modo com a maioria da
população negra.
O levantamento de (2016) por meio da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) demonstra que o número de pessoas
negras (pretas ou pardas) ganha em percentual
do analfabetismo, sendo quase o dobro em
relação às brancas. Entre autodeclarados pretas
ou pardas, índice é de 9,9%, e de 4,2% entre as
brancas.
De acordo com Machado (2011), tais dados
demonstram que o nosso sistema educacional é
excludente e discriminatório. Em especial,
pobres e negros (soma de pretos pardos), são
os mais discriminados entre os discriminados.
Num contexto de “supremacia” escolar
europeia, fora da Europa, onde “o que não é
quantificável é cientificamente irrelevante”
(Sousa Santos, 2008, p.28) os números como os
apresentados até então, parecem não estar fora
da “normalidade”, já que a naturalização da
“incapacidade” do povo afrodescendente parece
ser lugar comum no contexto eurocentrado.
Isso se caracteriza como racismo, definido por
Munanga (2006, p.56) como: “ideologia
essencialista que postula a divisão da
humanidade em grandes grupos chamados

289
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

raças contrastadas que têm características


físicas [...] suportes das características
psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e
se situam numa escala de valores desiguais”.
Ainda como afirma Machado, (2011), nessa
linha de pensamento, os currículos dos cursos
de formação de educadores (as) têm
naturalizado e hierarquizado as diferenças.
Desta forma, os conhecimentos (re)produzidos
pela escola afrontam violentamente os alunos
negros(as) quando exaltam a dominação branca
sobre o povo negro nos livros didáticos, através
dos textos que falam acerca da escravidão, sem
uma análise critica sobre o processo e suas
implicações para com a condição humana do
sujeito escravizado, o que caracteriza a
violência ‘simbólica’ sendo reforçada na
educação.
De acordo com a autora, “durante
séculos, na história do Brasil, a população
afrodescendente foi considerada bem
semovente, ou seja, a existência na mente
conservadora da cúpula escravocrata, só se
dava devido a natural capacidade de servidão,
que Buarque (2009, p. 19) chama índole
prestativa”. Impera nos livros didáticos e outras
mídias presentes no contexto escolar, “o
discurso da “incapacidade” da população negra
para fazer qualquer tipo de atividade em que
fosse necessário o uso da habilidade intelectual
tornou-se uma certeza absoluta tão bem
implantada, que suas raízes permanecem

290
Ensino e Diversidade

gerando brotos que ainda hoje aparecem em


lugares onde menos se espera.” Uma educação
centrada nessas práticas tende a reproduzir
resultados catastróficos quando se fala da
autoimagem da população negra educada
nesses contextos.
A imagem é a desenho do que é visto,
falado, escrito ou interpretado. A forma com
que o discurso social faz do afro descendente,
hoje, não é diferente dos tempos da escravidão,
tendo modificado apenas os mecanismos e as
formas de expressá-la, de modo que o negro é
deslocado do lugar de “coisa” para cidadão de
segunda categoria, ou seja, um cidadão
marginalizado. Guimarães (2002) afirma que:
[...] os preconceitos de cor ou de raça só têm
sentido se resultarem em posições de classe
distinguindo brancos de negros(as). O fato de
que tais preconceitos e desigualdades
persistam no interior de uma mesma classe é
o modo lógico mais claro de demonstrar a
atuação do componente tipicamente racial na
geração dessas desigualdades. GUIMARÃES
(2002, p. 10)

Tecendo a luz desta análise, este


trabalho, de forma sucinta, vai articular como o
docente e discente o diálogo sobre a
perspectiva etnicorracial, nascendo colóquios e
propostas possíveis no seu fazer pedagógico,
pós-cursado a disciplina na formação inicial,
pois tencionamos que mudança nos currículos e

291
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

práxis eurocêntricas ocorrem quando o docente


em formação reelabora o seu pensar sobre a
narrativa.

A formação de professores e a história da


cultura-afro brasileira: dialogando com alguns
teóricos
“Faz parte igualmente do pensar certa a rejeição
decidida a qualquer forma de discriminação”. A
prática preconceituosa de raça, de classe, de
gênero ofende a substantividade do ser humano e
nega radicalmente a democracia. Quão longe dela
nos achemos quando vivemos a impunidade dos
que matam meninos de rua, dos que assassinam
camponeses que lutam por seus direitos, dos que
discriminam os negros, dos que inferiorizam as
mulheres. (PAULO FREIRE, 2002)

Em tempos de silenciamento na
educação, com a constante ameaça da “Escola
sem Partido”96, com tentativas incessantes de
pontuar a educação como doutrinadora, afirmar
as conquistas de inclusão social é extremante
96
O Movimento Escola sem Partido surgiu em 2004, a
partir de uma iniciativa do procurador do estado de São
Paulo, Miguel Nagib, com objetivo de combater o que ele
chama de presença de ideologias particulares dentro das
discussões em sala de aula. O projeto gera polêmica: as
correntes contrárias ao movimento afirma que o projeto é
um retrocesso, vivemos numa democracia e isso deve
assegurar direitos iguais perante a lei para todas as
pessoas e, por isso, limitar o aprendizado às questões
que estigmatizam grupos de indivíduos, é pecar contra
nossa própria legislação.

292
Ensino e Diversidade

crucial, como é o caso da lei 10.639/2003, que


tenciona um amplo debate sobre
aprofundamento da história não contada e
revisitada, devido a práticas eurocêntricas e
coloniais.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações etnicorraciais, sugerem
que seja tratada não só na formação de
professores, como nas demais licenciaturas. Foi
em atendimento a essa sugestão que
interligando ao Curso de licenciatura de
Pedagogia o Centro de Ensino Superior,
pioneiramente no estado do Espírito Santo, em
2010, incluiu nas grades curriculares do curso
de Licenciatura de Pedagogia a disciplina de
História da Cultura Afro-Brasileira.
Fomentar a relevância desta disciplina é
articular o diálogo referente às questões da
cultura afro-brasileira, buscando valorizar
cultura negra, promovendo as interfaces de
novos conceitos propondo possíveis
saberes/fazeres, referentes ao âmbito
ideológico, social e cultural, para além de uma
cultura eurocêntrica, promovendo uma
contraduta a “discriminação negativa”, de
acordo com Lopes e Fabris (2013, p.09) [...]é
aquela que diferencia marcando ou
estigmatizando o sujeito [...] silenciamentos,
étnicos e culturais e de apagamentos dos
sujeitos.
Nesse sentido a discriminação negativa
tem relatos e fatos no Brasil, sua sacralização

293
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

no regime de escravização imposto,


primeiramente aos indígenas e, posteriormente,
aos negros trazidos do Continente Africano, o
paradigma eugênico a intolerância religiosa no
espaço escolar. Dialogar na formação inicial de
professores esses fatos históricos e como se
perpétua o racismo em um País possuidor de
um grande número de negros, começa a
possibilidade de desenhar uma nova história,
iniciando pelo o micro da escola.
Nesse panorama, interligar a formação
inicial docente com o a história da cultura afro-
brasileira tem como seu princípio norteador,
instigar o docente a compreender a realidade
do âmbito escolar e ações pedagógicas que
levem ao exercício qualificado da docência
contra práticas de “supremacia” europeia.
Promovendo uma práxis humana de
(re)educação de ideologias, estereótipos,
racistas contribuindo para a educação étnico-
racial, principalmente na formação de
pedagogos/as, profissão esta que culmina na
articulação/mediação do processo
emancipatório que pode começar pelas ações
escolares.
Para Melo (2012, p.4), a formação do
pedagogo abrange as seguintes conjunturas:
Deve possibilitar uma visão global do
fenômeno educativo, bem como o
desenvolvimento de capacidades
diversificadas e mais abrangentes para
atuação/intervenção nos diversos contextos

294
Ensino e Diversidade

educacionais. O pedagogo assume múltiplas


funções no seu fazer educativo, o que implica
a construção de conhecimentos múltiplos e
contextualizados, articulados ao cenário de
transformações sociais e às novas demandas
socioeducativas.

Desta forma, o pedagogo pode vir a ser


um articulador sua formação vinculada a
múltiplos conhecimentos epistêmicos, de forma
a atuar como mediador de conhecimentos
impregnados de posicionamentos políticos,
sociais e culturais, na construção de um novo
currículo para a formação inicial docente.
Visibiliza uma (des)naturalização da hierarquia e
exclusão que enaltece a dominação do branco
Machado (2011, p.20) descreve a visão do negro
no âmbito escolar: “O negro é representado nos
livros didáticos através dos textos sobre a
escravidão, sem uma análise critica sobre o
processo e suas implicações para com a
condição humana do sujeito escravizado”. Novas
possibilidades do debate acadêmico na
formação de professores se desenham,
construindo uma prática pedagógica voltada às
relações etnicorraciais, contra uma violência
simbólica que esta arraigada na escola como no
período colonial gerando a cultura do racismo.
É notório ressaltar que práticas racistas
de exclusão ao negro (a) não surgem na escola,
porém, esta é uma instituição que corrobora
para disseminar as ideologias eurocêntricas que

295
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

estão impregnadas na sociedade, pensar em


uma disciplina que debate história da cultura
afro-brasileira no curso de Pedagogia, rompe
um currículo hegemônico na formação inicial de
professores, pois o currículo traceja um
enfretamento partindo de uma construção
social, identidade, subjetividade, diversidade,
antirracista.
Desse modo, para a afirmação na
formação docente sobre etnicidade,
transcorrendo processo do tecido social sobre o
racismo, sociedade e escola Munanga (2006,
p.04). Se faz necessário fazer rupturas, se soltar
dos enredamentos, coletivos que muitas vezes
emperram a possibilidade de ação contra algo
que por muito tempo foi tão solidificado na
sociedade brasileira.
O racismo é tão profundamente radicada no
tecido social e na cultura de nossa sociedade
que todo repensar da cidadania precisa
incorporar os desafios sistemáticos à prática
do racismo. Neste sentido, a discussão sobre
os direitos sociais ou coletivos no sistema
legal e por extensão no sistema escolar é
importantíssima.

O sentindo da Educação nas relações


étnico- raciais através da disciplina supracitada
é início da ruptura da história, que não
concretiza os direitos sociais do negro (a) e ser
negro (a) no Brasil, pressupondo direitos sociais
garantidos, combatendo atitudes

296
Ensino e Diversidade

discriminatórias, levantando debates referentes


à etnicidade, práxis pedagógica que medeiam
um novo cenário desbancando os pensamentos
segregacionistas.
Na pesquisa documental, coengendrada
com o trabalho de campo, realizada no Centro
de Ensino Superior de sistema privado
localizado na Serra-ES. Os elementos
documentais citados foram inventariados,
catalogados e tiveram seus conteúdos
analisados e discutidos durante as
conversações entre os docentes e discentes, no
qual as “falas” catalogadas culminaram na
desejo da produção dessa comunicação.

... Algumas “falas” muitas possibilidades de


leituras.

“Por isso, a discussão sobre o multiculturalismo


deve levar em conta os temas da identidade racial
e da diversidade cultural para a formação da
cidadania como pedagogia antirracista”. (Munanga,
2005, p.06)

Geralmente, quando se inicia uma


pesquisa, o olhar do pesquisador é direcionado
às sutilezas, que nem sempre estão visíveis
num primeiro plano. Ao adentrar-se na
concretude da pesquisa, In loco, logo referente
a análise da ementa97 e proposta da disciplina
97
Reflexões sobre os aspetos caracterizadores da
formação cultural brasileira: história e memória dos

297
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

da História da Cultura Afro-brasileira, com sete


anos de vigência na grade curricular, teve-se
uma noção de como a/docente /discentes /são
afetada/s no trato com as questões
relacionadas à temática, que podem ser
percebidas na fala inicial da professora,
transcrita a seguir:
No início dos semestres de trabalho, não
são raras às vezes em que os discursos
iniciais de alunos/as, me surpreendem,
mesmo com experiência de pesquisadora
da questão e a vivência de mulher negra.
Entretanto, o mais gratificante era
perceber que ao longo dos semestres, em
função das leituras que vamos propondo
e/ou ao final deles, tais discursos se
apresentam completamente
diferenciados. Isso aumenta ainda mais
compromisso com a temática.98 (Fala
docente Potência)99

Ao relatar o fato sobre o início o trabalho


na disciplina no curso a professora ao
desenvolve sua fala, nos seguintes pontos que
propôs notoriedade “não são raras às vezes em

povos afro-brasileiros e indígenas. As diversidades


culturais delineadas através das singularidades nas
línguas, nas religiões, nos símbolos, nas artes e nas
literaturas. O legado dos povos Quilombolas.
98
Optamos por trazer as falas com destaque diferenciado
das citações.
99
Nome fictício

298
Ensino e Diversidade

que os discursos iniciais de alunos/as, me


surpreendem, mesmo com experiência de
pesquisadora da questão e a vivência de mulher
negra”. Podemos analisar duas questões: a
primeira que os discentes ao início semestre
letivo, em sua maioria possuem discursos que
denotam o desconhecimento da matriz afro-
brasileira, quanto aos aspectos históricos,
culturais e religiosos. Na rede de conversações
com a docente titular pode–se notar que é
visível situações de incômodo nos corpos. Que
compõem aquele ambiente escolar. O segundo
ponto nota-se que a vivencia da docente em
pesquisa relacionadas as relações étnico –
racial busca práticas transformativas à
realidade sem que haja a prática racistas.
Notando que no decorrer da disciplina é
com aprofundamento no arcabouço teórico os
discentes demonstrou introspecção a proposta
da disciplina. Buscando um elo com a fala
docente sobre o início do semestre e visão dos
discentes sobre negritude, racismo e relações
etnicorraciais, transcrevemos uma fala do aluno
que fez uma alta análise. Nessa descrição, é
notório ressaltar a falsa democracia racial e o
racismo embutido em sua fala.
Sempre fui muito brincalhão, sou do tipo que
faz brincadeiras com tudo, com a morte, com
Deus, com a religião e com a cor das pessoas,
independente da cor. Quando minha filha
caçula estava para nascer, fiz uma brincadeira
com minhas duas filhas mais velha. Disse a

299
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

elas que a irmã delas nasceria branca, loura e


com olhos azuis. Sendo minhas filhas negras,
cabelos crespos e tendo os olhos negros. Para
minha surpresa elas choraram com a noticia.
Fiquei admirado, pois até então não me sentia
preconceituoso, nem mesmo pertencendo ao
grupo dos negros. Me via pertencendo a um
grupo maior, do que o grupo dos seres
humanos. Eu flutuava acima do bem e do
mau [...] (fala discente Negritude100)

Nessa narrativa o aluno mostra a seu


conhecimento epistêmico sobre as questões da
História da Cultura-Afro Brasileira, seu
aprofundamento nas leituras e práxis o levaram
a um desvelar da desconstrução do mito da
democracia racial. O ponto principal seu
posicionamento como negro na sociedade e
profundo entendimento sobre a historicidade. E
a discriminação que o negro passa na sociedade
mesmo num país pós-colonialista.
[...] a cada página que lia, via as injustiças da
escravização, as teorias genéticas e religiosas
que tentavam em vão justificar a barbárie
viram o governo brasileiro tentar devolver
para a África e depois “importar” brancos
dando a eles e elas “transassem” com nos
para “melhorar” ou até mesmo acabar com a
raça. Quando terminei a leitura eu era outro
homem tinha sido “alçado”, não pertencia a
uma posição apenas, a saber: a de ser
humano, eu agora tinha um outro grupo, eu
100
Nome fictício.

300
Ensino e Diversidade

era um homem negro. Minha identidade foi


resgatada. Minha visão simplista e ingênua foi
rasgada a saber: a visão de pertencimento
apenas a raça humana. E junto com essa
identidade resgatada veio também a
solidariedade, a alteridade, a dor e a
compreensão. Passei a ver que tentaram e
ainda tentam exterminar a minha raça, meu
povo. Comecei a perceber que quem morre
sem atendimento medico é o negro, quem
anda de ônibus super lotado é o negro. E que
cada três assassinatos envolvendo jovens dois
são negros. Mas principalmente comecei a ver
as mulheres negras com um outro olhar.
(Aluno Negritude101)

A notoriedade da disciplina dentro do


curso de disciplina mostra através da
explicitação de sua fala “Quando terminei a
leitura eu era outro homem tinha sido “alçado”,
não pertencia a uma posição apenas, a saber: a
de ser humano, eu agora tinha outro grupo, eu
era um homem negro.” Este processo de práxis
e vivência na disciplina ao debruçar em teóricos
da temática, conhecimento da Lei 10.639/2003,
apresentou ao aluno a possibilidade de formar
ou auxiliar na formação, de entender a realidade
do ser negro, desde escravidão até os dias
atuais, retirando as influências eurocêntricas,
no qual propiciou um novo ator para trabalho
pedagógico qualificado para o trabalho com a
101
Idem.

301
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

perspectiva da Educação étnico–racial na


escola.
A fala do discente também retrata a
desigualdade social, o tratamento e
oportunidades diferenciadas do negro e ser
negro no XXI, ao transcorrer o posicionamento
“Comecei a perceber que quem morre sem
atendimento médico é o negro, quem anda de
ônibus superlotado é o negro. E que cada três
assassinatos envolvendo jovens dois são
negros.”
Partindo destes posicionamentos
relatados e entre outras situações que
envolviam a disciplina transcorria a
possibilidade de se pensar e propor ideias e
práticas pedagógicas positivas que realçam os
afro-brasileiros de forma potente e sem
fragmentações e valores de segunda ordem,
quando não invisíveis.
Enquanto professor de História e Cultura
Afro-brasileira presenciei várias experiências
e aprendizados como profissional e como
afro-brasileiro. Os educandos, muito dos
quais já docentes, enriquecem a aula
exemplificando ora suas agruras do racismo e
de outrem, ora práticas transformativas de
professores e de alunos vistas a uma
realidade sem práticas racistas. (Docentes
Práticas Afro-brasileiras)102

102
Nome fictício

302
Ensino e Diversidade

Diante desta fala, nota-se a relevância


histórico-pedagógica deste conjunto de
trabalhos. Agora, emerge a medida que
constatamos os efeitos nocivos da tradição
escravocrata, racista e eurocêntrica na
formação dos profissionais da educação e nas
práticas educativas nos/dos cotidianos
escolares no Brasil.
Se por um lado reconhecemos que na
escola dialogamos desde a infância com
interlocutores eurocêntricos, tais como o
currículo escolar, o material didático e as
práticas curriculares, hoje é possível
reconhecer, que no Brasil, vivemos um
momento ímpar. Embora, ainda com muitas
deficiências de formação, temas como
diversidade, africanidades, multiculturalismo,
relações etnicorraciais e equidade social
começam a permear principalmente os cursos
de licenciatura.

Considerações Finais
O curso de Pedagogia inseriu a disciplina
de História de Cultura Afro-brasileira no ano de
2010, devido ao intensivo trabalho em torno da
temática, as redes de conversações, as falas
docentes e discentes promoveram a 1°mostra
cultural intitulada “Os olhares visibilizados do
contexto pedagógico: negros, negritudes,
saberes e fazeres”. Como pudemos ressaltar,
alguns fragmentos das falas docentes e
discentes, que no decorrer de 07 anos,

303
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

percebemos claramente a promoção de uma


contraconduta na pratica de pedagogos
formados tendo em suas grades curriculares a
disciplina História e Cultura Afrobrasileira. Em
suas práticas, há o tecimento de um trabalho
pedagógico envolvendo as relações étnicos-
raciais, dialogados com coerência e com
relevância, movendo profissionais da educação
que movam uma cultura que combata o
racismo nas suas mais variadas nuances.
Suas práticas subvertem a égide
eurocêntrica, do poder público que se exime do
cumprimento de leis e resoluções elaboradas a
partir de uma necessidade. Desta forma,
colocam em prática ações que tem como
consequência, os primeiros passos para uma
discussão mais elaboradas acerca das questões
raciais, começam a buscar demanda de
conhecimentos históricos e com fins de galgar
outro lugar para os saberes africanos e afro-
brasileiros. É de fundamental importância que
professores dos anos iniciais deixem de ser
reféns da precária formação acadêmica.
Fundamentamos que muitas vezes não é
facial trabalhar com temática alguns, corpos se
sentiram-se e se sentem incomodados quando
são colocados de frente com seus preconceitos,
já que não é muitos comum discutir sobre estes
no cotidiano. Mesmo diante de algumas
resistências, foi possível iniciar uma nova
trajetória no campo educacional, minimizando
as práticas etnocêntricas e nos movermos

304
Ensino e Diversidade

para práticas que enaltecem a história que foi


ocultada ao longo dos séculos, as violências
simbólicas camufladas, e as vezes nem tanto,
buscando articulações pedagógicas, didáticas,
políticas e sociais, que ampliem o debate
acadêmico sobre contribuições de homens e
mulheres africanos (as) e seus descendentes
para a formação social brasileira, pontuando o
campo educacional, uma âmbito crucial para
debater e mover práticas antirracistas.

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Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro de
1996. Disponível em:
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Companhia das Letras, 2009.

______. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003.


Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e
dá outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9
jan. 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/
L10.639.htm>. Acessada em 14 mar. 2019.

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A práxis docente em meio ao pluralismo atual

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cultura política - 2. Ed. São Paulo: Cortez 2008.

307
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

308
Ensino e Diversidade

GÊNERO, SEXUALIDADE
E RELIGIÃO NA ESCOLA
PÚBLICA: IMAGINÁRIO,
DISCURSOS E VIVÊNCIAS
ADOLESCENTES
Vicente Gregório de Sousa Filho

Ao defender o sexo no plano do biológico


e o gênero no plano da construção sociocultural
e psicológica, tivemos, nesta investigação, o
cuidado de romper com concepções
essencialistas e estáticas do comportamento
humano, sobretudo no tocante à sexualidade,
uma vez que tais concepções naturalizantes
tentam padronizar e unificar condutas e formas
de pensar para impor como ortodoxo
exclusivamente o comportamento
heterossexual, minimizando a dignidade dos que
se desviam do referido padrão e até violentando
em consequência, os comportamentos e as
pessoas que não estejam incluídas naquele
perfil. O enfoque de gênero, por sua vez,
postulou a necessidade de romper com
concepções de sexualidade que estiveram
cristalizadas ao longo do tempo em virtude da
ênfase no biológico, como se homens fossem
naturalmente fortes e superiores às mulheres e
os homossexuais, bissexuais, transgêneros
fossem pessoas pervertidas e rejeitadas pela
natureza e pela religião. Desse modo, as visões
biologicista, essencialista e determinista

309
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

defendem uma percepção também


universalizante e estática da sexualidade
humana , pois
A aceitação da existência de uma matriz
biológica, de algum atributo ou impulso
comum que se constitui na origem da
sexualidade humana persiste em algumas
teorias. Quando isso ocorre, opera-se com
uma noção universal e transhistórica da
sexualidade e, muitas vezes, remete-se ao
determinismo biológico103.

Assim, o enfoque de gênero em


contraposição ao determinismo biológico tornou
visível as lutas de poder presentes nas relações
de gênero e na ocupação dos espaços público e
privado, sendo que tradicionalmente ao homem
se reservou o poder de mandar, manifestar-se e
assegurar a provisão dos lares, ao passo que às
mulheres, restaria a submissão e o treinamento
para assumir sua missão de esposas, mães e
donas de casa. O enfoque dessa pesquisa
questionou o exercício do poder entre homens
e mulheres a fim de tornar evidente que os
papéis de gênero assumidos na sociedade não
estão no plano da natureza e sim da cultura.
103
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e
educação: das afinidades políticas às tensões teórico-
metodológicas. Educação em Revista. Belo Horizonte. n.
46. p. 201-218. dez. 2007. p.209.
.

310
Ensino e Diversidade

A pesquisa investigou 130 adolescentes de


quatro escolas públicas estaduais da cidade de
Parnaíba-PI, na faixa etária de 15 a 17 anos
durante o ano de 2016, todos(as)
matriculados(as) nas séries do ensino médio. Ao
relacionar gênero, sexualidade e religião, foram
cruzados dados de forma comparativa a partir
das respostas de adolescentes católicos e
evangélicos no tocante a esses temas.
Questionários aberto e fechado subsidiaram a
coleta de dados, no que tange aos itens que
serão analisados e discutidos à continuação.

Gênero das diferenças: a tolerância na


diversidade
Os homossexuais são respeitados como
qualquer outro ser humano, foi a resposta dos
41,8% dos alunos questionados, pois são
pessoas iguais às outras. Verificamos também
que 45,7% das alunas questionadas sobre o
tema veem a homossexualidade com
naturalidade e que todos têm direitos de opção
e devem ser respeitados com dignidade. No
entanto, ao analisar com maior atenção as
opiniões pertinentes a este assunto, os alunos
colocaram em segundo lugar, em percentual, a
resposta de que os homossexuais devem ser
combatidos porque são doentes e contra a
vontade de Deus (17,65%), enquanto as alunas
foram mais condescendentes em concordar
com essa opinião em 2,82%. As opiniões
apresentam ainda uma combinação de opiniões

311
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

que ressaltam o lado divertido, a amabilidade e


sinceridade como características inerentes à
homossexualidade.
É possível que estes dados venham a
retratar uma herança preconceituosa e injusta
das considerações disseminadas, sobretudo em
um meio pouco evoluído intelectualmente,
porém ideologicamente organizado por grupos
conservadores que apelam para a instância
sobrenatural e até mesmo para a medicina, para
justificar a falta de respeito pelos diferentes. De
certo modo, os homossexuais foram e são
combatidos dentro e fora da escola, pois
segundo Louro,104
[...] a negação dos/as homossexuais no
espaço legitimado da sala de aula acaba por
configurá-los às “gozações” e aos “insultos”
dos recreios e dos jogos, fazendo com que,
deste modo, jovens gays e lésbicas só possam
se reconhecer como desviantes, indesejados
ou ridículos.

De acordo com Menezes,105 os alunos e


as alunas apesar de terem algum tipo de
informação sobre as questões de gênero com
vistas a tornar possível uma convivência sem
104
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e
educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis:
Vozes, 1997. p. 68.
105
MENEZES, Meiryelle Paixão. A discriminação de
gênero na escola. GEPIADDE, Tabaiana, Ano 07, v. 13,
jan/jun., 2013. p. 150.

312
Ensino e Diversidade

preconceitos e discriminações, ainda precisam


de estratégias de ensino que possam
intensificar as discussões sobre o assunto em
pauta em virtude de a família e muitas vezes a
escola terem transmitido de forma natural
aos(às) filhos(as) e aos(às) alunos (as) a
superioridade do homem e da
heteronormatividade, ao lado da naturalização
da violência contra as mulheres, homoafetivos e
lésbicas.
Retomando a resposta mais enfática dos
alunos e das alunas questionados(as),
poderemos afirmar que ambos estão
preocupados em respeitar os gêneros diferentes
dos seus, conforme reza a Declaração dos
Direitos Sexuais. No entanto, respeitar não
significa necessariamente ser adepto de uma
prática homoafetiva ou permitir relacionamento
com pessoas do mesmo sexo.
As respostas – sejam dos alunos sejam
das alunas, quando interrogados(as) a respeito
do envolvimento com pessoas do mesmo sexo
– revelaram que 78,5% dos alunos questionados
ainda não tiveram qualquer relacionamento com
pessoas do mesmo sexo; outros tipos de
envolvimentos foram respondidos em iguais
proporções.
As alunas também corroboram a mesma
resposta em percentual superior aos dos
alunos, revelando que a prática da
homoafetividade não é bem aceita por quase a
totalidade das questionadas, pois, 88,41%

313
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

responderam que não se relacionam com


pessoas do mesmo sexo, excluindo-se, desta
forma, quase que totalmente as práticas
lesbianas.
Acreditamos que esta opinião, sendo
autêntica, representa um velho jargão, repetido
por quase todos, no que tange ao tema da
diversidade sexual, e que mais ou menos se
expressa nestes termos: – respeito todas as
pessoas como elas são. Porém comigo não.
Quero ser respeitado também. Não curto e
ponto final. Muito embora os percentuais
afirmativos em relação à prática homoafetiva
sejam pequenos, ainda assim os alunos
questionados parecem mais ricos em
experiências sexuais do que as alunas. Isso deve
ser entendido pelo fato de que na sociedade
parnaibana os alunos são educados em um
clima de machismo que reclama, para si, ser
ativo. Os pais querem que seus filhos sejam
ativos e, possivelmente, não veem grande
problema se seus filhos se envolvem com
pessoas do mesmo sexo. Pensam que ao
homem tudo pode ser permitido, menos atuar
como passivo. Certamente isso é conversa de
homem que mulher não sabe. Tanto é que as
mulheres praticamente não têm práticas
lesbianas, pois as representações sexuais, no
que tange a este tema especificamente para as
alunas, são por demais conservadoras na cidade
de Parnaíba-PI.

314
Ensino e Diversidade

Gênero e vivência da sexualidade adolescente


A análise da resposta à pergunta que
tratou de saber se os alunos e as alunas já
haviam tido relação sexual com o(a) parceiro(a)
indicou que a prática da relação sexual na
adolescência pelos alunos aparece com 44,23%,
embora 34,62% ainda não se tenham
relacionado, o que mostra a precocidade dos
alunos. Já as respostas mostram que a relação
sexual com o namorado não é comum em pelo
menos 59,15% das alunas. Porém tanto os
questionados quantas as questionadas afirmam
já ter tido algum tipo de intimidade com o(a)
parceiro(a).
Os alunos e as alunas, quando
interrogados(as) a respeito da melhor forma de
evitar gravidez e doenças sexualmente
transmissíveis, demonstraram estar bastante
informados e precavidos, pois o uso de
preservativos aparece em 76,92%, como forma
de evitar a gravidez precoce e DST's entre os
alunos. Embora seja alto o índice de gravidez na
adolescência, 74,29% das alunas acham que
poderão evitar a gravidez precoce e DST's,
através do uso de preservativos, o que reflete
um considerável acesso às informações de
caráter preventivo em relação a estas
temáticas.
Faz-se necessário perceber que a visão
dos alunos e das alunas a respeito do namoro
demonstra uma forte necessidade de viver a
sexualidade na esfera dos sentimentos e das

315
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

emoções. O que amplia a sexualidade para a


esfera da afetividade, extrapolando sua
dimensão puramente biológica. Por sua vez, o
namoro é visto pelos alunos como uma forma
privilegiada para dar e receber carinho pela
grande maioria (50, 98%), enquanto 31,37%
pensam que é só curtir e conhecer-se melhor.
Por outro lado, as alunas responderam
que o namoro representa curtir e conhecer-se
melhor, o que foi respondido por 36,62% das
questionadas. Ainda sobre o namoro, 35,21%
responderem que se trata de dar e receber
carinho. Em uma análise comparativa,
poderíamos interpretar que os alunos
aparentemente estão mais preocupados no
namoro enquanto dimensão lúdica ou
prazerosa, e as alunas, além desta realidade da
curtição, apresentam uma preocupação com
algo mais estável, vez que conhecer alguém
melhor poderia ser um ponta pé inicial para o
surgimento de uma relação de maior
estabilidade e compromisso.
Ainda no plano das práticas sexuais, os
alunos e as alunas foram interrogados(as) a
respeito da forma como vem vivenciando a
sexualidade e assim se posicionaram os alunos
a respeito de sua intimidade ao afirmarem num
percentual de 26, 42% que nunca tiveram
relações com ninguém, embora o mesmo
percentual de alunos tenha afirmado que já
tenham tido relações com a namorada.

316
Ensino e Diversidade

As alunas quando interrogadas sobre a


vivência de sua sexualidade disseram em 41,43%
que ainda não se relacionaram com ninguém e
15,71% nunca mantiveram relações genitais,
embora 20% já tenham tido relações com o
namorado. Também é de chamar atenção o fato
de as alunas se masturbarem num percentual
muito pequeno, ou seja 1,43%. Mesmo que a
sexualidade ainda não seja vivenciada
plenamente no plano da genitalidade pelos(as)
alunos(as) questionados(as), a mesma inclui a
produção do desejo e a satisfação dos prazeres
e segundo Foucault a sexualidade foi ao longo
dos séculos reprimida e obrigada a ser
confessada através da religião, da medicina, do
direito, dos divãs. Isso se configurou como
scientia sexualis, onde a sociedade confessanda
continua controlando e punindo os corpos e as
atividades sexuais. No entanto, o que mesmo
autor propõe é uma ars erótica, onde as
pessoas vivam com intensidade e
responsabilidade a própria sexualidade não a
partir da culpa, do controle ou da punição.106
Dessa forma,
[...], a partir desta categoria analítica da
sexualidade, o sexo não é encarado
meramente com uma simples forma de
prática ou utilidade, mas sim como a
plenitude do puro prazer, por isso deve ser
106
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: A
vontade de saber. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1980.

317
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

vivido com intensidade, qualidade, longo


tempo, superando limites e efeitos causado
no corpo e na própria alma do indivíduo.107

E no pensamento de Romeiro,108 essa ars


erótica foucaultiana deve ser entendida como
“[...] uma vivência concreta do gozo excepcional,
do domínio absoluto do corpo e do
esquecimento do tempo e dos limites”.
A pergunta aberta que foi direcionada aos
alunos e às alunas inquiriu sobre as possíveis
influências da utilização da internet e dos sites
de relacionamento sobre a vida afetivo-sexual
dos(as) questionados(as). As respostas mais
enfáticas foram favoráveis ao fato de que a
internet exerce mudanças e influências sobre a
sexualidade e as relações afetivas dos(as)
adolescentes e puderam ser sintetizadas a
partir das afirmações:
-A internet torna a pessoa mais corajosa
para iniciar um relacionamento;
-É possível encontrar parceiros sexuais e
até casamento pela internet;
107
CABRAL, Ronad Vieira; ROMEIRO, Artieres Estevão.
Sobre a sexualidade controlada: poder e repressão sexual
em Michel Foucault. Educação, Batatais, v. 1, n. 1, p. 87-
106, jan./dez., 2011. p.103.
108
ROMEIRO, A. E. Schopenhauer e a metafísica da
vontade: confluências éticas e estéticas para uma
abordagem da educação e da sexualidade. 2010.
Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas, 2010. p. 67.

318
Ensino e Diversidade

-Pela internet podemos ver e mostrar os


corpos;
- A internet pode ajudar para incentivar a
diversidade sexual;
-A internet pode incentivar a
discriminação e a homofobia;
-Crianças e adolescentes podem ser
aliciados pelos criminosos.
É inegável que os(as) adolescentes vivem
conectados e a internet bem como as novas
mídias fazem parte de seu cotidiano e pelas
respostas anteriores, vimos que as tecnologias
podem ser úteis no sentido de que podem
informar, incentivar atitudes de respeito e
tolerância e também organizar opiniões no
sentido de combater a violência, a
discriminação e a homofobia. Todavia, caberá às
pessoas adultas um mínimo de supervisão a fim
de que os(as) menores não se tornem presas
fáceis no poder dos(as) criminosos(as)
pedófilos(as) e ebófilos(as).
Indubitavelmente a invasão da internet
exerce um fascínio nas nossas vidas. Até fico
imaginando se a inteligência humana poderá
inventar algo mais prazeroso e útil nos
próximos anos. No entanto, a internet apesar de
ser uma forte aliada para aquisição de
conhecimentos, também traz desafios para a
convivência humana. Por isso mesmo, percebo
que a utilização das tecnologias da informação
representa uma nova configuração na
modelagem dos comportamentos adolescentes,

319
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

mexendo inclusive com a construção da


personalidade e as formas de relacionamento
entre as pessoas. Na realidade, a internet
produziu uma reviravolta na sociedade.
O uso da internet por adolescentes vem
crescendo rapidamente, já são quase 10
milhões de adolescentes que fazem uso diário
da rede e mais 5 milhões que usam de 1 vez
por semana até os que usaram nos últimos
três meses. Entre os 6 milhões de
adolescentes que estão excluídos encontram-
se os mais pobres, que vivem na zona rural,
com baixa escolaridade e os adolescentes
indígenas. As principais atividades dos
adolescentes na internet estão relacionadas
às redes sociais, ao entretenimento e a busca
de informações.109

O processo de educação sexual na escola


No tocante à forma como a educação
sexual vem sendo realizada na escola parece
não haver unanimidade nas respostas, uma vez
que os alunos responderam que os projetos
sobre educação sexual na Escola são
pertinentes e devem ser mais diversificados nas
diversas disciplinas oferecidas (37,25%), embora
23,53% achem que cada professor(a) deve falar
sobre o tema separadamente. Entretanto, as
alunas responderam à mesma pergunta de
109
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA
(UNICEF). O uso da internet por adolescentes . Brasília:
UNICEF, 2013. p. 86.

320
Ensino e Diversidade

forma divergente. Considerando que ambos


estão na mesma escola, inferimos que se faz
cada vez mais necessário investir em projetos
mais eficazes relativos à sexualidade e aos
estudos de gênero, pois 35,29% dos alunos
questionados e 39,13% das alunas responderam
que estas temáticas sequer foram tocadas em
sala de aula.
Com o objetivo de saber quais as
sugestões de temas interessantes para um
programa de educação sexual nas escolas de
ensino médio, os alunos e as alunas
questionados(as) apresentaram respostas à
questão aberta que podem ser sintetizadas a
partir das temáticas ligadas às doenças
sexualmente transmissíveis, aborto, namoro,
masturbação, violência doméstica contra as
mulheres, homotransfobia, diversidade sexual e
questões de gênero. E a partir dessas
sugestões temáticas, foi possível inferir que
os(as) questionados estavam preocupados(as)
em cuidar da própria saúde sexual e corporal,
do prazer, dos relacionamentos mais
responsáveis e do exercício da sexualidade
numa perspectiva dos direitos humanos e
reprodutivos de modo que haja equidade de
gêneros e tolerância à diversidade sexual e de
gênero.

321
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Religião, sexualidade e gênero: a visão de


evangélicos(as) e católicos(as)
As perguntas fechadas que
contemplaram a relação entre religião,
sexualidade e gênero estiveram questionando
evangélicos(as) e católicos(as) quanto: à
capacidade de perdoar no momento da traição,
ao discurso institucional religioso sobre as
mulheres e os homoafetivos(as) e ao
sentimento de culpa diante da vivência da
sexualidade antes do casamento. A seguir,
apresentamos as informações que tratam de
oferecer uma visualização sobre o que pensam
evangélicos(as) e católicos(as) sobre o perdão
na ocasião de uma traição no relacionamento
amoroso.
O discurso cristão sobre o perdão tem
sido uma constante ao longo dos séculos e
sempre esteve presente nos discursos, sermões
e homilias de pastores e pastoras
evangélicos(as) e sacerdotes católicos porque o
próprio Cristo ensina aos seus que deveriam
perdoar até setenta vezes sete (Mateus 18. 21-
22), para dar uma sinalização de que o perdão
deveria ser sempre oferecido nas ocasiões em
que se fizesse necessário. Assim, a partir desse
exórdio analisaremos a visão de evangélicos(as)
e católicos(as) sobre o perdão na ocasião de
uma infidelidade.
Em uma análise comparativa, os(as)
evangélicos(as) afirmam em 48,15% que não

322
Ensino e Diversidade

deve haver perdão para ninguém no caso da


traição, enquanto os(as) católicos(as) dizem que
também não deve haver perdão num percentual
de 34,15%. À primeira vista os(as)
evangélicos(as) parecem ser mais severos(as) e
rígidos(as) do que os(as) católicos(as) sobre
esse assunto. Todavia, na resposta que fala de
oportunizar o perdão tanto ao homem quanto à
mulher os(as) evangélicos(as) se manifestaram
na mesma proporção de 48,15% do item
anterior. Isso significa que os(as)
questionados(as) das religiões evangélicas estão
divididos(as) sobre o tema e ao mesmo tempo,
os percentuais apresentados indicam um
elevado grau de tolerância sobre a traição e o
respectivo perdão seja para o homem, seja para
a mulher. Os(as) católicos(as) também foram
bem generosos(as) em relação a oportunizar o
perdão quando o homem ou mulher vierem a
trair, posto que os(as) questionados(as)
manifestaram-se em 57,32% favoráveis ao
assunto. Em relação às respostas que afirmam
que só o homem ou só a mulher deveriam
merecer o perdão, tanto evangélicos(as), quanto
católicos(as) em percentuais muito pequenos
defendem que somente o homem deve ser
perdoado. Isso pode sugerir que a visão
patriarcal esteja perdendo força. Contudo, o
item que trata sobre a resposta que somente a
mulher deveria ser perdoada sequer aparece
entre evangélicos, contra 2,44% das opiniões
católicas. O silêncio dos(as) evangélicos pode

323
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

confirmar a rigidez sobre esse tema e a


incapacidade de as mulheres serem perdoadas
diante da fragilidade da traição.
Tradicionalmente as igrejas cristãs têm
disseminado uma visão negativa sobre o
exercício da sexualidade e da genitalidade,
incutindo sobre as pessoas as noções de
pecado e em consequência gerando sentimento
de culpa entre os(as) fiéis. Segundo Freud é
durante o Complexo de Édipo, quando o filho
deseja matar o pai par obter o amor da mãe
que se estrutura a noção de superego,
moralidade e o sentimento de culpa. E tal
sentimento vai surgir da frustração que a
criança e as pessoas sentem em não poder
conciliar a satisfação dos desejos individuais
com as exigências da civilização.110
Os comentários abaixo que tratam de
apresentar as respostas dos(as)
questionados(as) sobre a presença ou não de
sentimento de culpa quando os(as)
namorados(as) ultrapassam os limites,
demonstrou que os(as) evangélicos(as) em
77,78% consentiram positivamente à pergunta e
os(as) católicos(as) em apenas 41,03% disseram
que sofrem de sentimento de culpa quando
ultrapassam os limites na ocasião do namoro.
110
FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo,
ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). In:
FREUD, Sigmund. Obras completas, v. 12. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 283.

324
Ensino e Diversidade

De início, é importante elucidar que ultrapassar


os limites seria exteriorizar ações, toques
corporais ou até manter uma relação genital
antes da cerimônia matrimonial. Sem dúvidas,
que nesse aspecto os(as) católicos parecem
mais tranquilos em relação a esse assunto e
os(as) evangélicos parecem mais acirrados à
disciplina e à moral sexual controladora. Os
dados podem sugerir uma maior flexibilidade
dos católicos em relação às influências da mídia
ou quem sabe uma maior acolhida dos valores
propagados pela teologia feminista.
As ideias feministas e as reflexões da
teologia feminista ao lado dos estudos de
gênero influenciaram a sociedade e as igrejas
nas últimas décadas. Assim, recordamos que
também nos últimos anos surgiram, nas
denominações religiosas, mulheres que
assumiram o pastoreio das comunidades,
apareceram as igrejas inclusivas ou igrejas gays
e no interior da igreja católica levantaram-se
mulheres que se insurgiram com sua condição
de submissão à hierarquia patriarcal, dentre
outros acontecimentos. Assim, vale a pena
escutar a voz de Gebara:
Critico o que faz da religião um espaço de
dominação e domesticação das mulheres.
Senti na carne a exclusão da liberdade devido
à minha condição de mulher que escolheu
pensar a vida, pois pensar é, sim, perigoso

325
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

neste mundo hierarquizado onde só nos


pedem que obedeçamos.111

A mesma autora ainda discorre sobre seu


conflito interior ao perceber que o socialismo
da Igreja e a teologia da libertação não
criticavam a opressão dos homens sobre as
mulheres, houve a crítica da propriedade, mas
não da propriedade masculina e do domínio
exercido pela imagem de um Deus-pai-todo-
poderoso também masculino. Essas teologias
da libertação não criticaram a escravização das
mulheres, sua submissão no lar, no casamento
e a domesticação dos corpos femininos.112 Dessa
forma, a hermenêutica feminista:
[...] tem, também, como regra metodológica, a
investigação crítica da imagem de Deus que o
texto bíblico apresenta ou supõe. Confronta
essa imagem com a experiência cotidiana de
pessoas mais oprimidas na busca por imagens
libertadoras, novas possibilidades de
aproximação com o divino e experiência com
o transcendente.
A hermenêutica feminista incorpora também
na sua leitura a pergunta pela dimensão
corpórea, pela energia vital da qual somos
formadas, numa tentativa de suplantar os
dualismos da história cristã, que ignorou a
111
GEBARA, Ivone. As águas do meu poço: reflexões
sobre experiências de liberdade. São Paulo: Brasiliense,
2005. p. 68.
112
GEBARA, Ivone. O que é teologia feminista? São
Paulo: Brasiliense, 2007.

326
Ensino e Diversidade

corporeidade e demonizou o corpo, sobretudo


o corpo da mulher.113

Feitas essas considerações, analisaremos


os discursos de alunos(as) evangélicos(as) e
católicos(as) no que tange às visões da
sexualidade e do gênero. De início, é possível
dizer que os(as) alunos evangélicos(as)
defendem em 57,69% que a mulher tem os
mesmos direitos e deveres dos homens contra
53,75% dos(as) alunos(as) católicos(as), o que
sugere uma maior abertura para o protagonismo
das mulheres nas denominações evangélicas,
mas ao mesmo tempo a submissão das
mulheres aparece entre os(as) evangélicos em
um percentual superior ao percentual dos(as)
alunos(as) católicos interrogados(as). Já em
relação aos homossexuais, os(as) alunos
evangélicos(as) parecem se situar no discurso
mais conservador de respeitar os homossexuais,
porém com a ideia de que necessitam de
conversão, o que implicaria uma visão religiosa
ainda arraigada de preconceitos. Isso quer dizer
aceitar o homoafetivo, mas sem que viva sua
homoafetividade. A heteronormatividade ainda
113
ROESE, Anete. Corporeidade no espaço relacional:
interpretações a partir do acompanhamento pastoral
terapêutico feminista. In: STRÖHER, Marga J; DEIFELT,
Wanda & MUSSKPF, André S (Orgs.). A flor da pele: ensaio
sobre gênero e corporeidade. São Leopoldo: Sinodal,
2004.

327
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

parece ser o padrão amparado pela Bíblia e


pelas comunidades religiosas.
Dentre as possíveis respostas que
tentaram averiguar os discursos sobre
sexualidade e gênero presentes nas igrejas
evangélicas e a igreja católica, ainda foi digno
de nota o silêncio ou a recusa entre as pessoas
evangélicas em se posicionarem sobre o
respeito e a tolerância à diversidade sexual,
sendo que os(as) alunos(as) católicos(as)
questionados(as) afirmaram que sua igreja é
favorável ao tema em 22,50%. Possivelmente,
isso seja um reflexo das investidas midiáticas
de pastores conservadores que se insurgiram
contra o que chamam a ideologia de gênero.

Indicações teórico-metodológicas aos


educadores e às educadoras sexuais
A educação sexual por não compor os
horários regulares das salas de aula como os
demais componentes curriculares e sob a
condição de se configurar como uma temática
transversal pode a um tempo está integrada aos
outros conteúdos e séries escolares e a outro
tempo pode estar em desvantagem em relação
aos demais componentes curriculares, vez que
enquanto diretriz do Ministério da Educação
existe uma orientação, mas não há nada na
prática que obrigue os(as) professores(as) a
viabilizar a sua execução. Dada a premência de
as escolas assumirem o processo de educação

328
Ensino e Diversidade

sexual dos(as) aluno(a)s, e com base nas


análises e discussões dos dados da pesquisa,
sistematizamos algumas indicações teórico-
metodológicas aos educadores e às educadoras
sexuais das escolas públicas estaduais de
Parnaíba-PI, que serão sintetizadas nos tópicos
que se seguem.

Criação de rodas de conversas sobre educação


sexual
Segundo Bertolini,114 as rodas de
conversas entre adolescentes possibilitam um
clima de maior tranquilidade e oportunizam a
superação de dúvidas e inquietações, vez que
os(as) participantes ao tempo que poderão se
manifestar para expor suas dúvidas, também
haverão de educar o ouvido para escutar os
relatos dos(as) amigos(as), pois muitas vezes as
dúvidas e angústias de uns(umas) são as
mesmas dos(as) outros(as). A autora defende
ainda que a abordagem metodológica da roda
de conversas deve ser um espaço para debate,
troca de informações e aquisição de novos
conhecimentos a respeito da sexualidade, e
assim por meio das rodas de conversas o que
se espera é que os(as) “adolescentes vivenciem
114
BERTOLINI, Débora Brandão. Sexualidade e
adolescência: rodas de conversa e vivências em uma
escola de ensino fundamental. Dissertação. 106 f.
(Mestrado) - Faculdade de Ciencias e Letras (Campus de
Araraquara), Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, 2015.

329
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

sua própria sexualidade de maneira segura,


emancipatória, saudável e com uma visão
prazerosa, sem culpa e com total
responsabilidade”. 115

De acordo com Shimomura,116 as maiores


problemáticas relativas à sexualidade e ao
gênero não estão circunscritas ao âmbito
biológico ou da saúde e sim o que se torna
premente são os aspectos dos relacionamentos
e por isso, os(as) educadores(as) sexuais
necessitam organizar e estimular as rodas de
conversas sobre o preconceito, a
homotransfobia, a violência contra as mulheres
sem que haja moralismo ou constrangimento
nas falas dos(as) envolvidos(as) e a partir das
exteriorizações e discussões será possível
corrigir os rumos das atitudes e vivências
dos(as) participantes.

Construção de oficinas de educação sexual e


gênero
O desenvolvimento das Oficinas
Educativas de Sexualidade e Gênero com o
público adolescente configura-se como uma
alternativa sugestiva para os professores e as
professoras do Ensino Médio da cidade de
115
BERTOLINI, 2015.
116
SHIMOMURA, Eliane Alves Leal. Rodas de
conversas: gênero e sexualidade. Disponível em:
<http://www.cidadedemocratica.org.br/topico/7377-
rodas-de-conversas-g-nero-e-sexualidade>. Acesso em:
01 set. 2018.

330
Ensino e Diversidade

Parnaíba-PI, a fim de que haja um maior


entrosamento entre os(as) protagonistas, com
vistas a facilitar a realização da educação
sexual.
Após contato com os adolescentes e as
adolescentes, para a avaliação de seus
interesses em relação à criação de um espaço
de discussão sobre questões referentes à
sexualidade e ao gênero, será oportuno propor a
formação de grupos de acordo com a faixa
etária e o nível de interesse dos participantes.
Os encontros deverão ser planejados para
serem realizados semanalmente, com duração
de aproximadamente 60 minutos, considerando
a dificuldade de concentração do grupo
adolescente em atividades longas. A cada
encontro, poderemos perceber o ritmo de cada
grupo, a receptividade em relação às atividades
lúdicas, o interesse crescente em discutir temas
ligados à sexualidade e ao gênero, reforçando a
pertinência da proposta da modalidade de
Oficina como prática educativa para se
trabalhar com público adolescente. Neste
sentido, Afonso na citação abaixo caracteriza a
Oficina como uma prática de intervenção
psicossocial, seja em contexto pedagógico,
clínico comunitário seja de política social, e a
conceitua como:
Um processo estruturado com grupos,
independente do número de encontros, sendo
focalizado em torno de uma questão central
que o grupo se propõe a elaborar em um

331
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

contexto social. A elaboração que se busca na


Oficina não se restringe a uma reflexão
racional, mas envolve os sujeitos de maneira
integral, formas de pensar, sentir e agir.117

Para o desenvolvimento da técnica da


Oficina, Carneiro e Agostini118 sugerem algumas
etapas como: aquecimento, uso de estratégias
facilitadoras de expressão, problematização das
questões, processo de troca, análise e síntese
dos temas exteriorizados. Fonseca119 propõe
fases similares, ao apresentar a estrutura básica
de uma Oficina, quais sejam: aquecimento,
reflexão individual, reflexão grupal, síntese.
Ambas as propostas apresentam o momento
inicial de descontração e entrosamento do
grupo como fundamentais para as fases
seguintes de reflexão individual e grupal.
Reforçam também a etapa complementar de
análise e síntese das questões discutidas,
117
AFONSO, Lúcia. Oficinas em dinâmica de grupo:
um método de intervenção psicossocial. Belo Horizonte:
Campo Social, 2002. p. 11.
118
CARNEIRO, F.; AGOSTINI, M. Oficinas de reflexão:
espaço de liberdade e saúde. In: AGOSTINI, M. Trabalho
feminino e saúde. Rio de Janeiro: [s.e], 1994.
119
FONSECA, R.M.G.S. Investigando, construindo e
reconstruindo a enfermagem generificada através das
oficinas de trabalho. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE
PESQUISA EM ENFERMAGEM: trajetória espaço-temporal
da Pesquisa, 2., 2002, Águas de Lindóia. Anais... Águas de
Lindóia, CD-ROM.

332
Ensino e Diversidade

quando será feita uma articulação com a


realidade vivenciada pelo grupo.
Chiesa e Westphal120 enfatizam a
possibilidade de a Oficina garantir uma
interação de horizontalidade entre
professores(as) e alunos(as), considerando que
o espaço de discussão tem como objetivo
resgatar os conhecimentos existentes, permitir
a manifestação de sentimentos relativos à
vivência, facilitar a expressão e comunicação
intergrupal e motivar a discussão de conteúdos.
Entendemos que a proposta da Oficina
tem grande afinidade com o público
adolescente e apresenta inúmeras
possibilidades de trabalho e de crescimento.
Uma destas refere-se à modalidade de prática
educativa, ou seja, a garantia de espaços para
que os adolescentes e as adolescentes se
expressem com liberdade, exerçam sua
criatividade, reflitam sobre as múltiplas
mudanças que ocorrem neste período de suas
vidas e discutam questões de seus interesses. A
Oficina de Trabalho traz ainda a possibilidade
do lúdico, promove a descontração e a criação
de vínculos entre os participantes do grupo de
uma forma crescente, desde que as atividades
120
CHIESA, A. M.; WESTPHAL M. F. A sistematização
de oficinas educativas problematizadoras no contexto
dos serviços de saúde. Revista Saúde, São Paulo, n. 46,
p.19-21, 1995.

333
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

propostas ocorram em clima acolhedor e de


respeito.
Na concepção de Pinto,121 a modalidade
de Oficina propicia um espaço no qual os(as)
adolescentes sentem-se acolhidos(as) e
convidados(as) a participar, a expressar seus
sentimentos e necessidades. Nesse ambiente de
reflexão e diálogo, o(a) adolescente é
estimulado(a) a assumir a sua identidade, a
respeitar as diferenças e a interagir com o
grupo. “As oficinas são também um espaço-
tempo complexo, cujos participantes são atores
e sujeitos, produzindo modos de interação
capazes de superar a aplicação acrítica de
teorias ou a prática pela prática, destituída de
fundamentos teóricos”.122

Criar espaço da diversidade na escola


Os assuntos relativos à sexualidade e ao
gênero devem ter visibilidade na escola e na
vida e o que defendemos é que em cada
121
PINTO, M.C.P. Oficinas em dinâmica de grupo com
adolescentes na escola: a construção da identidade e
autonomia mediada pela interação social. 2001.
Dissertação. 140 f. (Mestrado) - Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais,
2001.
122
FRANCISCO JUNIOR , Wilmo Ernesto; OLIVEIRA,
Ana Carolina Garcia de. Oficinas Pedagógicas: uma
proposta para a reflexão e a formação de professores.
Oficinas pedagógicas. Oficinas Pedagógicas, v. 37, n. 2, pp.
125-133, maio, 2015. p. 126.

334
Ensino e Diversidade

comunidade escolar haja uma sala, um espaço


que visibilize essas realidades. Nesse local
deverá haver materiais didáticos e
paradidáticos, vídeos, expressões artísticas que
tornem possível a exposição de um mundo
plural, onde os(as) diferentes possam ser
respeitados(as) e valorizados(as). De lá deverão
partir ações preventivas contra a violência
doméstica feminina, a discriminação, a
homotransfobia.
No espaço da diversidade haverá a
fomentação para festejar o dia da mulher, da
consciência negra, o dia do orgulho gay, dia do
orgasmo, o dia do índio, dentre outras datas. O
que se espera é que esse espaço mobilize a
comunidade estudantil para refletir sobre a
condição humana em suas mais distintas
facetas.
Segundo uma pesquisa da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (Unesco) de 2004,123 40% dos
homossexuais brasileiros foram agredidos
durante a vida escolar. Isso significa que é no
interior da escola que a violência se perpetua e
a criação de um espaço da diversidade pode ser
uma tentativa de reverter esse quadro, na
123
AMARAL, Aurélio. Diversidade se aprende na
escola. Disponível em:
<http://acervo.novaescola.org.br/formacao/respeito-
diversidade-se-aprende-escola-726960.shtml>. Acesso
em: 01 fev. 2019.

335
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

medida em que se acredite e se viabilize o


espaço escolar como gerador de tolerância à
diversidade, uma vez que tradicionalmente a
maioria machista e branca tende a se perpetuar
no poder,124 reclamando para si a supremacia do
poder e o que se espera é que o espaço da
diversidade no interior da escola possa ser um
ambiente questionador que se estabeleça na
tentativa de desmobilizar e descontruir os
estereótipos já cristalizados e naturalizados na
convivência dos(as) alunos(as).

Reunião de professores(as) em projetos


interdisciplinares com temáticas específicas de
educação sexual/pedagogia de projetos
Um projeto de educação sexual com
formato indisciplinar deverá ser concebido
como um conjunto de atividades pedagógicas
com planejamento, execução e avaliação com
vistas a alcançar objetivos bem precisos e com
um cronograma bem definido a ser cumprido
pelos professores e pelas professoras ao longo
do tempo pré-definido.
O importante é que tudo possa iniciar a
partir de um diagnóstico das principais
124
HANNA, Paola Cristine Marchioro; D’ALMEIDA,
Maria de Lourdes do Prado Krüger; EYNG, Ana Maria.
Diversidade e direitos humanos: a escola como espaço de
discussão e convívio com a diferença. IX CONGRESSO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO-EDUCERE/III Encontro sul
brasileiro de psicopedagogia, 26 a 29 d e outubro de
2009, PUC/PR. p. 3666.

336
Ensino e Diversidade

inquietações que assolam o imaginário dos(as)


alunos(as) e deverá ser também uma resposta
aos problemas existentes na sociedade e no
ambiente escolar. Assim podemos citar, a título
de exemplo, a gravidez precoce, a proliferação
de doenças sexualmente transmissíveis, o
aborto, o estupro, a homotransfobia, a violência
doméstica contra as mulheres, dentre outras
temáticas.
Feito o devido diagnóstico, torna-se
relevante que os(as) professores(as)
interessados(as) e também outros sujeitos da
escola possam se reunir periodicamente para a
montagem do projeto, onde cada participante
possa definir qual sua contribuição específica
no que tange ao componente curricular
ministrado e quais as ações conjuntas possam
ser realizadas a fim de que as atividades não
pareçam fragmentadas, mas assim
permaneçam, como diria Morin,125
complexamente organizadas.
Além de tudo o que já foi dito, é de bom
tom salientar que os(as) alunos(as) se sintam
protagonistas e não apenas objeto do projeto.
Por isso, é necessário que no planejamento
sejam evidenciadas quais tarefas poderão ser
assumidas por eles e por elas.
125
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à
educação do futuro. 8 ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
UNESCO, 2003.

337
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

A abertura e a culminância devem ser


momentos integradores e bem acessíveis ao
público a fim de que no primeiro momento
fique visível o que se pretende atingir e ao final
se torne nítido quais os resultados alcançados.
Após a execução do projeto, não se deve
negligenciar a avaliação a fim de que as
fortalezas e as oportunidades de intervenção e
mudanças possam ser efetivadas e as
fragilidades possam ser superadas com vistas à
formulação de novos projetos.
Seja como for, todo projeto deverá
assumir a dimensão da flexibilidade, evitando-
se a rigidez excessiva. O que vale em um
projeto interdisciplinar é a capacidade de
trabalhar na coletividade, buscando consensos
e questionando o que não é adequado. Desse
modo, as reuniões coletivas periódicas serão
úteis para a retroalimentação do projeto.

Considerações finais
Os professores e as professoras
necessitam de formação contínua para atuar
como educadores(as) sexuais e é importante
que todos se sintam sujeitos da própria
formação, vez que nem sempre existem
iniciativas sistemáticas por parte dos órgãos
ligados às secretarias da educação ou mesmo
dos gestores escolares para formar solidamente
educadores e educadoras para atuar nas áreas
de sexualidade e de gênero.

338
Ensino e Diversidade

A formação dos professores e das


professoras na área de educação sexual poderá
ocorrer através de grupos de discussão, onde
sejam contemplados aspectos teóricos sobre a
temática, a saber: história da sexualidade;
aspectos sociopsicológicos e biológicos da
sexualidade humana, estudos de gênero,
relação sexualidade e religião, sexualidade e
cultura, gênero, sexualidade e direitos humanos,
temáticas específicas a serem abordadas nos
programas de educação sexual a partir das reais
necessidades da sociedade e dos(as) alunos
quando ouvidos(as) sobre a temática em pauta,
etc. Além do que já foi citado, é importante
manter-se atualizado e conectado às novidades
advindas da mídia:
A atuação em Educação sexual requer
atualização sobre o que vem sendo divulgado
na mídia (filmes, novelas, redes sociais,
noticiários, livros). Sempre devemos estar
buscando informações sobre sexualidade,
pois sexo é algo dinâmico e fluido. As mais
novas questões surgem diariamente.126

Ao lado dos conceitos e ideias a serem


discutidos e internalizados pelos professores e
126
CAMPOS, Thaís Emília de. Educação sexual e
autonomia: estudo de uma intervenção com alunos do
ensino médio do interior do estado de São Paulo. 2015.
Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia e
Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2015. p.
128.

339
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

professoras é de fundamental importância que


os(as) mesmos(as) possam participar de
oficinas a fim de que adquiram estratégias
pedagógicas para aprender a abordar as
questões relativas à sexualidade e aos estudos
de gênero entre adolescentes.
Ao lado dos estudos histórico-culturais e
de gênero, da biologia, das contribuições da
psicologia e das ciências sociais que devem
fazer parte da formação básica e continuada de
professores e professores para atuar em
programas de educação sexual, os alunos e as
alunas questionados(as) nessa pesquisa
revelaram que a religião ainda tem uma forte
influência sobre o imaginário e as práticas
sexuais, por isso os(as) educadores(as) sexuais
não devem prescindir de estudar as concepções
religiosas que concebem a sexualidade também
numa visão mais positiva e libertadora
conforme os postulados da teologia feminista e
sempre será válido divulgar que há nos tempos
hodiernos muitas igrejas comandadas por
mulheres e por homossexuais. Isso auxiliará na
minimização do sentimento de culpa ou de
inércia frente às concepções religiosas
patriarcais e excludentes. Quando oportuno,
organizem-se seminários e discussões com a
presença dos/as líderes e teólogos(as) dessas
denominações religiosas.

340
Ensino e Diversidade

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344
Ensino e Diversidade

INCLUSÃO DO ALUNO
SURDO NAS AULAS DE
LÍNGUA PORTUGUESA
EM UMA ESCOLA
PÚBLICA DE ENSINO
MÉDIO REGULAR NA
CIDADE DE PARNAÍBA-PI
Francilane Lima de Sousa

Nunca se falou tanto em inclusão como


nos últimos anos. A inclusão da pessoa com
necessidades especiais é garantida por lei,
porém a inclusão do surdo no ambiente
educacional ainda está longe de acontecer de
forma adequada. Observamos aindaas
dificuldades em relação à capacitação
profissional para trabalhar com o aluno surdo
na escola regular. Dessa maneira, a inclusão
escolar é um desafio e a escola atual,
principalmente a escola pública, precisa estar
plenamente preparada para lidar com as
diversas necessidades dos seus alunos.
Mesmo após 16 anos da promulgação da
Lei 10.436/2002 que dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais – Libras que trata da
acessibilidade da língua às pessoas surdas e
regulamenta o ensino e instrução da mesma,
ela ainda é desconhecida dentro das escolas.
De acordo com a referida Lei, a Libras é
reconhecida como um meio legal de

345
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

comunicação e expressão da pessoa surda, com


gramática própria devendo o serviço público
apoiar e difundir essa língua. Em 2005, o
decreto 5.626 regulamenta o uso e a difusão da
Língua Brasileiras de Sinais - Libras. Apesar do
amparo legal, a Libras ainda é pouco utilizada
até mesmo pelos próprios surdos.
Para que haja uma educação inclusiva da
pessoa com surdez e a concretização de uma
Educação Bilíngue, o primeiro passo é conhecer
a Libras, uma língua com gramática e aspetos
linguísticos distintos da Língua Portuguesa. A
divulgação da Língua deve acontecer
inicialmente na comunidade escolar
(professores, alunos, surdos, pais e demais
funcionários) depois no meio social, bem como
no seio familiar, visto que o surdo precisa
estabelecer diálogos compreensíveis com sua
família. Esta língua não é gesto nem mímica,
mas uma língua natural para os surdos com
estrutura gramatical própria que a diferencia de
gestos comuns. Conforme Gesser (2009), a
língua de sinais possui todas as características
linguísticas de qualquer língua humana natural.
Considerando a importância que a Língua
Brasileira de Sinais assume no contexto atual,
realizamos esta pesquisa com o intuito de
compreender como o aluno surdo está sendo
incluído em turmas regulares do Ensino Médio,
no município de Parnaíba - PI. Visto que a
simples presença de um intérprete na sala de
aula não é uma condição efetiva de inclusão. E

346
Ensino e Diversidade

que há a real necessidade das escolas de se


adequarem e oferecerem a inclusão de fato.
Assim, de modo mais específico, pretendemos
caracterizar a interação entre surdos e ouvintes
na sala de aula, bem como as estratégias
didático-pedagógicas utilizadas para a inclusão
de alunos surdos nas aulas de Língua
Portuguesa.
Elegemos as aulas do componente
curricular Língua Portuguesa, visto que o surdo
precisa apresentar domínio escrito desta língua
como L2. Para a realização desse estudo,
utilizamos a abordagem de pesquisa qualitativa,
do tipo descritiva realizada em duas turmas de
Ensino Médio (2º e 3º ano), nas quais constam
matrículas de alunos surdos atendidos por um
mesmo professor de Língua Portuguesa, em
uma escola pública da rede estadual na cidade
de Parnaíba-Pi, no tuno manhã. Os dados foram
coletados por meio de observação em sala de
aula e entrevista com a professora do
componente curricular. E analisados à luz dos
estudos de Gesser (2009), Sá (2012) e Lima
(2015).
O presente trabalho divide-se em: um
breve histórico sobre a educação de surdos
pautada em autores como Moura (2000),
Ziesmann (2017), entre outros; na segunda parte
apresentamos a inclusão do aluno surdo na
rede regular fundamentada em Lacerda e
Santos (2018), Quadros (2006) entre outros. A
importância da Libras para o processo de

347
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

inclusão do aluno surdo no ensino regular


fundamentada em Sá (2012) e Ziesmann (2017),
e outros. Em seguida, tratamos das estratégias
didático-pedagógicas para a Educação de
Surdos, juntamente com a análise de resultados
apresentados nesta pesquisa. Por fim, as
considerações finais.

Um breve histórico sobre a Educação de Surdos.


A educação de surdos baseou-se muito
em como cada sociedade em seu tempo via
essas pessoas. Durante muito tempo foram
vistos como pessoas sem alma e, portanto, sem
direito a educação. Foram várias as tentativas
de fazê-los escutar submetendo-os até mesmo
a torturas como perfuração do tímpano. Em
Esparta as crianças surdas eram descartadas
em abismos. Nas demais sociedades antigas,
também eram vistos como incompetentes e
imperfeitos. Isolados do convívio social e vistos
como seres inferiores sem direito à educação.
(MOURA, 2000).
Dada a necessidade de educação formal
dessas pessoas, as primeiras tentativas giravam
em torno do Oralismo, pois durante muito
tempo o sucesso educacional delas estava
vinculado ao sucesso do desenvolvimento da
fala nas mesmas por meio da leitura labial. O
surdo oralizado podia então ser incluído na
sociedade e passava a negar sua identidade e
cultura surda para ser aceito e transitar na

348
Ensino e Diversidade

sociedade ouvinte. Sobre isso, Moura (2000)


destaca que:
[...] no final da Idade Média se esboçava um
caminho para a educação do Surdo. Esta
educação se referia obviamente a uma visão
preceptoral com relação aos Surdos, que
gradualmente foi evoluindo até a educação
institucionalizada. (MOURA, 2000, p. 16).

Apesar da primeira alusão a língua de


sinais ter surgido no século XIV, foi a prática
Oralista que predominou durante muito tempo
como metodologia de ensino e educação de
pessoas surdas. A probabilidade do surdo falar
possibilitava o reconhecimento dele como
cidadão e o benefício de receber títulos e
herança familiar. Ainda de acordo com Moura
(2000):
[...] o Oralismo tinha como argumentação
aparente a necessidade de humanização do
Surdo, mas que, na verdade, escondia outras
necessidades particulares de seus defensores
que visavam o lucro e o prestígio social. A
experiência de muitos destes educadores de
Surdos mostrou, com o passar do tempo, que
a Língua de Sinais era a linguagem natural dos
Surdos e que deveria ser usada para sua
educação, mas o pressuposto básico de que o
Surdo só seria um ser humano normal se
falasse já havia se espalhado e muitas escolas
foram sendo fundadas, defendendo a
oralização do Surdo cada vez mais como um

349
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

elemento necessário à sua integração.


(MOURA, 2000, p. 22).

A prática Oralista na educação de


predominou durante muito, visto que o uso de
Língua de Sinais era marginalizado. Associados
ao Oralismo estavam os interesses comerciais
de seus profissionais, que pregavam a salvação
de surdos prometendo-lhes vantagens morais e
físicas. De acordo com Ziesmann (2017):
Na sociedade oralista os surdos não tinham
chance de ser o que eles queriam. Tudo lhes
era imposto; não tinham o direito de escolha
e decisão. Para que o povo surdo pudesse
desfrutar seus direitos de ter a sua identidade
e ser reconhecido por sua cultura, eles
precisavam ser aceitos como usuários de uma
língua rica em todos os seus aspectos.
(ZIESMANN, 2017, p.22).

Na prática Oralista, somente aqueles que


conseguiam desenvolver a oralidade é que
seriam introduzidos nas escolas regulares,
aonde chegavam em desvantagem se
comparado aos ouvintes, pois a maior parte do
tempo dos estudos se concentrava no
desenvolvimento da fala e não no
desenvolvimento do conhecimento científico. O
fato é que a educação de surdos girou-se em
torno dessas escolas e institutos e servia mais
como um depósito de segregação.

350
Ensino e Diversidade

Posteriormente, na década de 1960 o


linguista William Stokoe publica estudos sobre a
Língua de Sinais atribuindo-lhe características
gramaticais como as línguas orais. Foram
surgindo, a partir desta década, alternativas
pedagógicas na educação de surdos além do
Oralismo, como a Comunicação Total. Para
Freeman, Carbin & Boese (1999):
A Comunicação Total inclui todo o espectro
dos modos linguísticos: gestos criados pelas
crianças, língua de sinais, fala, leitura
orofacial, alfabeto manual, leitura e escrita. A
Comunicação Total incorpora o
desenvolvimento de quaisquer restos de
audição para a melhoria das habilidades de
fala ou de leitura orofacial, através de uso
constante, por um longo período de tempo,
de aparelhos auditivos individuais e/ou
sistemas de alta fidelidade para amplificação
em grupo. (FREEMAN; CARBIN; BOESE, 1999,
p.171).

Ou seja, todo recurso visual, gestual, oral,


língua de sinais ou gestos caseiros que
servissem para fundamentar a comunicação de
indivíduos surdos torna-se aceitável dentro
desta proposta. Alguns professores
classificavam qual técnica auxiliaria melhor no
desenvolvimento do aluno surdo dentro da
Comunicação Total.
Para Sá (2012), no Brasil e no mundo,
ainda detém grande força a abordagem
educacional oralista, enfatizando a fala como

351
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

única forma de expressão aceita. O poder da


cultura ouvintista sempre foi muito forte e todo
aquele que fosse diferente teria de adequar-se
a ela. Visto que é considerado diferente aquele
que não segue os padrões culturais e sociais.
Sobre a educação de surdos, Kelman & Buzar
(2012) ressaltam:
A educação de alunos surdos sempre esteve
ligada a questões de natureza clínica ou
linguística, caracterizada por uma espécie de
debate: De que modo deve ser a atuação do
profissional em relação ao aluno surdo?
Apenas recentemente começou-se a discutir
o tema em uma perspectiva
socioantropológica da surdez que
redimensionou o olhar sobre a educação dos
mesmos, introduzindo conceitos como
diferença, cultura e comunidade surda.
(KELMAN; BUZAR, 2012, p. 4).

No Brasil, a educação de surdos passou


por fortes influências dos estudos já
desenvolvidos na Europa, onde já se havia
discussões avançadas entre o uso do Oralismo
e o da Língua de Sinais, que dividia opiniões em
diferentes partes da Europa. Aqui, a educação
de pessoas com surdez se deu em 1857, com a
criação do primeiro Instituto dedicado a
educação de pessoas surdas através do
trabalho do Francês Ernest Huet, o qual trouxe
suas experiências com a língua de sinais
francesa. O atual Instituto Nacional de

352
Ensino e Diversidade

Educação de Surdos é referência nacional da


educação de surdos.
Entre avanços e retrocessos na educação
de surdos, durante as décadas de 1980 e 1990 a
Comunicação Total reacendeu uma discussão
maior sobre a Língua de Sinais Brasileira, uma
mistura entre a Língua de Sinais Francesa
trazida por Huet no século XIX e sinais próprios
do Brasil. Todas as correntes adotadas por pais
e profissionais buscavam um único objetivo
básico de ajudar as crianças surdas a alcançar o
máximo de que são capazes.
Mas muitos fatores dificultaram o
enfoque neste objetivo. Contudo, observou-se
que aqueles que se utilizavam da Língua de
Sinais para o desenvolvimento educacional
tinham maior êxito. E com os estudos de
William Stokoe, a visão sobre a Língua de sinais
já não era mais a mesma. Foi então, que o
Bilinguismo passou a ser a abordagem
educacional mais aceitável na educação para
surdos. Consiste em oferecer duas línguas ao
sujeito surdo. A Língua de sinais como sua
primeira língua L1 e, a segunda, na modalidade
escrita L2. Goldfeld (1997) observa que:
O Bilinguismo tem como pressuposto básico
que o surdo deve ser Bilíngue, ou seja, deve
adquirir como língua materna a língua de
sinais, que é considerada a língua natural dos
surdos e, como Segunda língua, a língua
oficial de seu país (...) os autores ligados ao
Bilinguismo percebem o surdo de forma

353
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

bastante diferente dos autores oralistas e da


Comunicação Total. Para os bilinguistas, o
surdo não precisa almejar uma vida
semelhante ao ouvinte, podendo assumir sua
surdez. (GOLDFELD, 1997, p. 38).

Além do que foi discutido, outras


dificuldades podem ser encontradas na
educação de pessoas surdas, tais como a
aceitação da identidade e da cultura surda.
Filhos surdos de pais ouvintes podem não ser
submetidos à aprendizagem de Língua de sinais
por conta da aceitação. Diante da aceitação,
falta o acesso a lugares que ofertem o ensino
de língua de sinais. A acessibilidade a esta
língua ainda é difícil. O seu início tardio na vida
do educando surdo dificulta o bilinguismo, já
que as crianças deveriam ter primeiro contato
com pessoas fluentes na Língua de Sinais (pais,
professores, familiares, outros).

Cultura e identidade surda.


Antes de definir cultura surda torna-se
essencial definir o que é cultura. Mesmo sendo
difícil definir cultura ela é sempre estudada em
diversas áreas. O termo cultura engloba uma
variedade de significantes e significados. Ele
perpassa a história e define sociedades. Dentro
das múltiplas concepções de cultura sua
definição engloba valores, convicções, símbolos
e influências religiosas. Conforme Campomori
(2008) é significativo ao conceituar que:

354
Ensino e Diversidade

a cultura é a própria identidade nascida na


história, que ao mesmo tempo nos singulariza
e nos torna eternos. É índice e
reconhecimento da diversidade. É o terreno
privilegiado da criação, da transgressão, do
diálogo, da crítica, do conflito, da diferença e
do entendimento. (CAMPOMORI, 2008, p. 78-
79).

A cultura caracteriza um grupo social que


inclui modos de vida, valores, tradições e
crenças que envolvem ações coletivas e
individuais. Enfatizando o conceito de cultura,
exploramos a fala Geertz (1989) quando ele diz
que:
[...] o homem é um animal amarrado a teias
de significados que ele mesmo teceu,
assumindo a cultura como sendo essas teias
e a sua análise; portanto, não como uma
ciência experimental em busca de leis, como
uma ciência interpretativa, à procura de
significados. (GEERTZ, 1989, p.4).

A cultura surda caracteriza-se por


atividades político-sociais e culturais ligadas a
pessoas que pertencem à comunidade surda e
se utilizam da Língua de Sinais. Possui valores e
modo de interação social particular dos surdos.
A língua de Sinais é núcleo da identidade surda
utilizada como meio de expressão pessoal,
visual e espacial. Para Sá (2012):

355
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

A língua de sinais faz parte da experiência


vivida da comunidade surda. Como artefato
cultural, ela também é submetida à
significação social. Nesta submissão aos
critérios socialmente valorizados, a pesquisa
linguística tem provado são sistemas de
linguagem ricos e independentes. (SÁ, 2012,
p.107).

Consequentemente, surdos que não


foram incluídos na comunidade surda e sim na
cultura ouvintista tem dificuldade e preconceito
com a identidade surda, caracterizada pela
aceitação de uma cultura própria. Uma vez que
para ele a cultura ouvintista é o modelo a ser
seguido. Buscando adequar-se a ela e negando
o uso da língua de Sinais.

A inclusão do aluno surdo na rede regular de


ensino.
No Brasil, há leis que normatizam e
estabelecem a inclusão no país. Ela acontece
preferencialmente nas salas de ensino regular
como prevê a Lei 9394/96. Para Lacerda &
Santos (2018):
O tema relacionado à educação inclusiva é o
mais polêmico e inquietante para nós,
comunidade surda (alunos surdos, seus
familiares, professores surdos, professores
bilíngue e interpretes), bem como para
professores que não tem domínio da língua e
coordenadores, devido a condições culturais
históricas, educativas e linguísticas que estão

356
Ensino e Diversidade

em jogo. Por exemplo, para alguns


pesquisadores que defendem que a educação
de surdos deve ser na escola regular com os
ouvintes. Outro grupo de pesquisadores
aponta para conclusões diferentes do grupo
anterior. Eles acreditam que a educação de
surdos deve estar de acordo com a cultura,
língua, história cultural, metodologia,
currículo e prática direcionados aos surdos.
(LARCERDA; SANTOS, 2018, p.37).

São várias as barreiras que dificultam a


inclusão concreta do aluno surdo. Dentre as
principais estão: falta de formação pedagógica
em Língua de Sinais para os docentes e demais
profissionais da escola, a não interação entre
alunos ouvintes e surdos, o desconhecimento
da Língua de Sinais pelo próprio surdo e falta
de recursos pedagógicos que ajudem no
desenvolvimento das aulas. Conforme as
Políticas inclusas no país:
Para a inclusão dos alunos surdos, nas
escolas comuns, a educação bilíngue - Língua
Portuguesa/LIBRAS, desenvolve o ensino
escolar na Língua Portuguesa e na língua de
sinais, o ensino da Língua Portuguesa como
segunda língua na modalidade escrita para
alunos surdos, os serviços de
tradutor/intérprete de Libras e Língua
Portuguesa e o ensino da Libras para os
demais alunos da escola. (BRASIL, 2008, p.
17).

357
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Quando falamos em inclusão, estamos


falando de transformação social que implica em
mudança no ambiente, nas metodologias, nas
práticas e adequação das necessidades
educacionais no sentido de atendê-las
plenamente. Na inclusão a escola deve estar
preparada, ou seja, principalmente seus
docentes, devem estar plenamente preparados
para atender o educando com necessidades
especiais e desenvolvê-lo até o limite máximo
de suas habilidades. Para Ziesmann (2017):
[...] a inclusão dos sujeitos surdos no espaço
educacional não depende apenas da atuação
dos intérpretes e tradutores de Libras. É
necessário que sejam oportunizados
momentos de interação entre profissionais da
educação, sujeitos surdos e ouvintes, em
discussões sobre a educação inclusiva nas
salas de aula e/ou espaços de formação.
(ZIESMANN, 2017, p. 32, grifo nosso).

Essa citada interação é importante entre


todos os atores que estão diante da inclusão.
Esperar que a inclusão se concretizasse na
presença intérprete em sala tira dos demais
profissionais da educação a responsabilidade de
empregar esforços na efetivação da inclusão
dos alunos. A matrícula de alunos surdos em
salas de ensino regular, onde não são
oferecidas abordagens bilíngues, nas quais os
professores regentes não apresentam domínio
da língua de sinais e os demais alunos ouvintes

358
Ensino e Diversidade

também desconhecem a língua do colega que


compartilha o mesmo ambiente cotidianamente,
essa é a integração. Integrar não significa
incluir.

A importância da Libras para o processo de


inclusão do aluno surdo no ensino regular
Há vários fatores que apresentam a
Língua de Sinais como caminho adequado para
a educação de surdos. A Libras, como é
conhecida a Língua de Sinais no Brasil,
apresenta leis e decretos que a regulamentam
como a Língua natural de pessoas surdas no
país, mas ao mesmo ela é desprezada ou pouco
conhecida pelas famílias, profissionais e até
mesmo por aqueles que dela precisam. O que
gera preconceito e ignorância.
Considerada a língua natural da pessoa
surda deveria ser sua primeira língua. Somente
após a aquisição da L1, o surdo teria a Língua
Portuguesa como sua segunda língua na
modalidade escrita. Nesse sentido, Quadros
(2006) destaca que:
[...] a política linguística apresenta a
possibilidade de reconhecer, de fato, as duas
línguas que fazem parte da formação do ser
surdo, mas não somente isso, do estatuto de
cada língua no espaço educacional. A língua
de sinais passa, então, a ser a língua de
instrução e a língua portuguesa passa a ser
ensinada no espaço educacional como
segunda língua (QUADROS, 2006, p 144).

359
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Para Gesser (2009), é necessário que nós,


indivíduos de uma cultura oral, entendamos que
o canal comunicativo diferente (viso-gestual)
que o surdo usa não anula a existência de uma
língua tão natural, complexa e genuína como é a
Língua de Sinais. Cabe, portanto, reconhecer
que escola, a família e os profissionais da
educação têm negado o uso e a importância da
língua de sinais. O fato é que mesmo com a
presença de leis que garantam a igualdade de
acesso à educação, as pessoas surdas não
vivenciam esse direito na prática. Conforme Sá
(2012),
Não se pode pensar na educação para as
minorias sem entender como se compõem
estes grupos humanos distintos – entre os
quais estão os surdos – que não são grupos
monolíticos, que não pensam todos iguais,
que têm marcas diferentes, marcas culturais
constitutivas. Não se pode pensar a educação
do ponto de vista de quem planeja sem
oferecer escuta para os grupos aos quais a
educação supostamente se destina. (SÁ, 2012,
p. 101).

A Língua de Sinais é resultado de um


processo de construção social. Como já foi
citado há leis que regulamentam a educação de
surdos no Brasil, normativas legais existem, mas
na prática ainda há muito que se conquistar. A
mera presença de um intérprete em sala de
aula não garante que a educação esteja se

360
Ensino e Diversidade

concretizando de fato, que a educação bilíngue


do aluno surdo esteja sendo assegurada.

Recursos didático-pedagógicos na educação


inclusiva para surdos.
Nas salas de aula, muitas vezes são
utilizadas metodologias arcaicas que não
garantem o desenvolvimento do aluno surdo
plenamente. Comprometendo seriamente o
desenvolvimento da pessoa com surdez.
Distante dos estudos realizados, das Leis que
regulamentam, das reais necessidades do aluno
surdo está a prática não inclusiva nas escolas
que apresentam inúmeras deficiências na
educação de surdos.
As práticas não inclusivas vão desde a
falta de aceitação social da língua de sinais,
falta de capacitação profissional,
desconhecimento da cultura surda e de
concepções e métodos pedagógicos não
definidos que ainda apresenta-se uma
educação voltada para os surdos com
deficiência.
A falta de conhecimento amplo sobre
metodologias e estratégias inclusivas, bem
como de pesquisas e reflexões sobre essa
temática compromete a prática pedagógica.
Além disso, as dificuldades no processo de
interação entre professor e aluno limitam a
construção do conhecimento pelo aluno surdo.

361
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

[...] os problemas comunicativos e cognitivos


da criança surda não tem origem na criança e
sim no meio social em ela está inserida em
que frequentemente não é adequado, ou seja,
não utiliza uma língua que esta criança tenha
condições de adquirir de forma espontânea, a
língua de sinais. (GOLDFELD, 1997, p. 53).

Em Sá (2012), encontramos algumas falas


de professores sobre a surdez e pessoas
surdas, alguns dizem que a visão que se tem da
pessoa com surdez é de que também é uma
pessoa com comprometimento cognitivo,
deficiente mental, coitadinho, que surdos são
diferentes e anormais. Não se pode deixar de
observar os conceitos que giram em torno do
preconceito do portador de surdez. Esses
conceitos representam como a sociedade
define os ditos “anormais”. Para Gesser (2009),
há a crença de que o surdo não sabe escrever
porque não sabe falar a língua oral.

Percurso Metodológico
Esta pesquisa baseou-se em uma
epistemologia qualitativa com ênfase em uma
análise descritiva e interpretativa dos
resultados alcançados. Visto que envolve
relações sociais que não podem ser
quantificadas. Sendo assim, realizamos uma
pesquisa que consiste em descrever fatos e
fenômenos de uma dada realidade. A coleta de
dados deu-se por meio de observação e

362
Ensino e Diversidade

entrevista semiestruturada. Pois, conforme Gil


(2008), a observação permite a percepção dos
fatos diretamente e sem qualquer
intermediação. Aliada à entrevista semiestrutura
que possibilita a exploração de fatos novos
durante o desenvolvimento da entrevista.
O campo de pesquisa foi uma escola
pública de Ensino Médio da rede regular na
cidade de Parnaíba-Piauí. A escola pertence à
rede estadual de ensino, funciona durante os
turnos manhã e tarde com ensino médio regular
e noite na modalidade EJA – Educação de
Jovens e Adultos.
Entre funcionários administrativos e corpo
docente, a escola conta com 41 funcionários e
730 alunos. Localiza-se na zona urbana cidade.
Conta com uma gestora e um coordenador
pedagógico. A realização da nossa pesquisa se
deu através de observação em duas turmas de
Ensino Médio (2º ano e 3º ano) e entrevista com
a professora de Língua Portuguesa que atende
ambas as salas. Cada uma possui um intérprete.
Quanto aos participantes desta pesquisa,
todas as identidades foram preservadas,
atribuindo aos mesmos apenas nomes fictícios.
A professora de Língua Portuguesa foi
denominada como Professora Magnólia e o
aluno surdo por ela mencionado, Joaquim.
Revelando apenas as turmas. Inicialmente
explicamos à equipe gestora da escola o
propósito da pesquisa e posteriormente aos
participantes. Sendo assim, as respostas foram

363
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

analisadas e associadas ao que foi levantado


como referência base para esta pesquisa.

Análise e discussão dos resultados


A professora possui graduação em Letras
Português e há 12 anos ministra aulas de Língua
Portuguesa na escola onde foi espaço para esta
pesquisa. Inicialmente, observamos a realidade
na qual se dava a inclusão dos alunos surdos
que a escola atende, onde pudemos verificar
como se dava esse processo. Esta análise é
fruto de observação e entrevista sobre a prática
inclusiva de alunos surdos na rede regular,
sendo assim perguntamos à professora
Magnólia como se deu a inclusão de alunos
surdos nas suas aulas e que orientações ela
obteve sobre como desenvolver melhores
práticas pedagógicas para se trabalhar com
eles, obtivemos a seguinte resposta:
Não recebi nenhum tipo de orientação. Nem
aqui na escola. Nem na faculdade que eu
cursei. Nós não fomos preparados para
trabalhar com alunos especiais. Fui apenas
avisada que haveria alunos surdos.
(PROFESSORA MAGNÓLIA).

Percebemos que a escola regular ainda


não sabe lidar com as particularidades da lógica
inclusiva. Reuniões de formação pedagógica são
fundamentais. Bem como, conhecer a realidade
dos alunos que a escola recebe, compartilhar
com a coordenação e demais profissionais da

364
Ensino e Diversidade

escola quais seriam as melhores estratégias


para trabalhar com os alunos surdos. Todavia, a
lógica da política inclusiva para pessoas surdas
e com deficiência auditiva torna-se
contraditória, no momento em que não se
cumpre o exposto no Art. 14, parágrafo 1º, inciso
III d, o qual diz que as escolas devem prover
professor regente de classe com conhecimento
acerca da singularidade linguística manifestada
pelos alunos surdos. (BRASIL, 2005).
O conhecimento das singularidades
linguísticas implica num conhecimento mais
profundo da estrutura gramatical da Libras
(língua que possui sua própria estrutura
gramatical). O desconhecimento do aspecto
semântico da língua é demonstrado pela
professora, quando perguntamos sobre suas
dificuldades em ensinar em turmas com alunos
surdos, conforme podemos observar no trecho
a seguir:
A minha maior dificuldade é me fazer
entender, mesmo tendo a intérprete porque
eles mesmos têm preconceito com a língua
de sinais. E não dominam a linguagem
também. E aí fica complicado para eles
aprenderem o conteúdo. O aluno está
integrado na escola, ele não está incluído.
Quando ele chegou à escola foi colocado na
sala e como suporte me foi dado uma
intérprete. (PROFESSORA MAGNÓLIA).

365
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

A todo o momento a professora regente


expõe em sua fala que conta apenas com a
intérprete como seu único suporte no
estabelecimento da compreensão das suas
aulas por parte dos alunos surdos. Gerando a
interpretação de que a intérprete é recurso
didático de suas aulas. A professora deixa
evidente que sente falta de uma preparação
que poderia ter sido oferecida pela escola para
lidar com o aluno surdo. Sobre a omissão do
papel de educar os docentes, Giroux (1988)
destaca:
As instituições de treinamento de professor e
as escolas públicas têm, historicamente, se
omitido em seu papel de educar os docentes
como intelectuais. Em parte, isto se deve à
absorção da crescente racionalidade
tecnocrática que separa teoria e prática e
contribui para o desenvolvimento de formas
de pedagogia que ignoram a criatividade e o
discernimento do professor (GIROUX, 1988,
p.23).

Percebe-se que a professora também


levanta questões como o preconceito com
Língua de Sinais, a denominação da Libras como
linguagem e não como língua, e a questão da
integração x inclusão. Dessa maneira, o discurso
da educadora nos leva a associar que uma
formação pedagógica inicial e continuada
adequada proporcionariam um melhor
desenvolvimento da escolarização inclusiva de

366
Ensino e Diversidade

surdos e promoveriam alternativas didático-


pedagógicas para trabalhar e solucionar
barreiras diante da educação de surdos em
escolas regulares.
Dessa forma, percebemos que é
necessário se adequar e trabalhar a proposta
bilíngue já definida em lei como a abordagem
educacional a ser utilizada nas classes
inclusivas no Brasil. Visto que, segundo Quadros
(2006),
a política linguística apresenta a possibilidade
de reconhecer, de fato, as duas línguas que
fazem parte da formação do ser surdo, mas
não somente isso, do estatuto de cada língua
no espaço educacional. A língua de sinais
passa, então, a ser a língua de instrução e a
língua portuguesa passa a ser ensinada no
espaço educacional como segunda língua
(QUADROS, 2006, p 144).

Todavia, para a concretização da


abordagem bilíngue no Ensino Médio tornaria
necessário o cumprimento das políticas
vigentes para educação de surdos conforme
Decreto 5.626/2005, Art. 22, inciso I, escolas e
classes de educação bilíngue, abertas a alunos
surdos e ouvintes, com professores bilíngues,
na educação infantil e nos anos iniciais do
ensino fundamental. (BRASIL, 2005). Mediante o
exposto por Quadros (1997):
Se a língua de sinais é uma língua natural
adquirida de forma espontânea pela pessoa
surda em contato com pessoas que usam

367
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

essa língua e se a língua oral é adquirida de


forma sistematizada, então as pessoas surdas
têm o direito de ser ensinadas na língua de
sinais. A proposta bilíngue busca captar esse
direito. (QUADROS, 1997, p. 27).

Somente a partir do conhecimento e


aquisição da própria língua a partir do início da
sua escolarização é que o sujeito surdo poderia
então, ter domínio da mesma e aceitar-se
dentro da cultura e assumir a identidade surda
que tem comportamentos diversos da cultura
ouvinte. Entretanto, adequar a escola às
necessidades educacionais do aluno incluído
exige suporte pedagógico adequado a cada
necessidade, isso porque:
necessidade educacional especial não é uma
característica homogênea fixa de um grupo
etiológico também supostamente homogêneo,
e sim uma condição individual e específica;
em outras palavras, é a demanda de um
determinado aluno em relação a uma
aprendizagem no contexto em que é vivida
(GLAT; BLANCO, 2011, p. 26).

A formação docente, seja inicial ou


continuada (cursos de formação e capacitação
profissional), é indispensável para a inclusão e
se constrói também na relação prática com o
aluno, através da troca de experiência com
outros colegas. Também perguntamos a
professora sobre o desenvolvimento da prática
inclusiva dentro do Bilinguismo e sobre a

368
Ensino e Diversidade

participação do intérprete nas aulas de Língua


Portuguesa e obtivemos a seguinte resposta:
A primeira coisa seria preparar os
profissionais de educação. Não houve esse
preparo. E o preparo dos próprios alunos em
relação ao idioma deles. Eles sabem pouco. O
Joaquim127 do terceiro ano, ele sabe bem
pouco Libras. Para ele é muito difícil se
comunicar porque ele não domina. Além
disso, tem o fator psicológico muito forte que
atrapalha ele parece ter vergonha. Vergonha
de ser surdo, vergonha de usar Libras talvez.
Ele se tranca no mundinho dele e pronto. A
intérprete não participa do planejamento. Ele
não se comunica com ninguém.
Frequentemente a gente senta na hora do
recreio e comenta as atividades do dia, o que
a gente pode melhorar em relação aos
conteúdos também a gente troca algumas
ideias de como ele pode ser mostrado o que
ele não está entendendo, o que ele entende e
o que pode ser feito. (PROFESSORA
MAGNÓLIA).

Os intérpretes que atuam nas salas


regulares são muitas vezes pessoas apenas com
cursos básicos em Libras que servem de
mediação para facilitar a comunicação entre
professor e aluno surdo. Os professores em sua
maioria desconhecem e não praticam a Língua
de Sinais e tem o aluno surdo na sala de aula
como aluno do intérprete e não dele. Que por
127
Nome fictício.

369
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

sua vez tem a dupla missão de ensinar primeiro


a Língua de Sinais depois o conteúdo repassado
fazendo um misto de gestos caseiros com
sinais. Observa-se que as barreiras para o
desenvolvimento da aprendizagem do aluno
surdo não são poucas. Sobre esse aspecto,
Ziesmann (2017) menciona que a “educação
inclusiva só irá acontecer em um meio escolar
que aceite e respeite as necessidades de cada
um”. (ZIESMANN, 2017, p. 34).
O emprego de estratégias didáticas que
favoreçam a aprendizagem da Língua
Portuguesa pelos estudantes surdos é
essencial. Todavia, durante as observações não
podemos destacar nenhuma estratégia
direcionada aos estudantes surdos que
favorecesse este aprendizado. Ao
questionarmos sobre os recursos didáticos
empregados nas aulas de Língua Portuguesa,
obtivemos os seguintes resultados:
A escola oferece tecnologias modernas como
data show, som, computador, mas jogos
voltados para Libras não. Utilizo essas que eu
acabei de comentar. Como eu tinha falado
antes, a gente só vai consegui incluir esse
tipo de aluno somente quando houver
preparo para isso, um preparo dos
professores, preparo da escola em geral,
atividades diferenciadas que nós não temos.
Na grade curricular nós não temos Libras,
nem nada voltado para isso. Então eu acho
que se a gente preparar melhor os docentes e
os discentes haverá uma melhor inclusão.

370
Ensino e Diversidade

Porque é complicado o intérprete estar ali


fazendo uma interpretação para alguém que
não entende o que ele diz tentando entender
duas linguagens diferentes. (PROFESSORA
MAGNÓLIA).

Apesar das citadas tecnologias modernas,


durante as aulas observadas a principal
metodologia foi a verbalização de atividades do
livro de didático, leitura, e aulas expositivas.
Desconsiderando as necessidades visuais e
demais estratégias metodológicas no
desenvolvimento do ensino e aprendizagem de
pessoas surdas.
As experiências visuais são as que perpassam
a visão. O importante é ver, estabelecer
relações de olhar (que começam com a
relação que os pais surdos estabelecem com
os seus bebês), usar a direção do olhar para
marcar as relações gramaticais. (…) A cultura
é visual. As produções linguísticas, artísticas.
Científicas e as relações sociais são visuais. O
olhar se sobrepõe ao som mesmo para
aqueles que ouvem dentro de uma
comunidade surda (SKLIAR; QUADROS, 2000,
p. 35).

A interação dos colegas com os alunos


surdos é razoável, porém não percebemos
interesse dos alunos ouvintes em aprender a
Língua de Sinais ou interagir com os surdos
através das mesmas. Apenas mediante gestos
caseiros. Observamos que a educação de

371
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

surdos em escolas públicas da rede regular


ainda utiliza como abordagem pedagógica a
Comunicação Total. Visto que a Língua de Sinais
ensinada pelos intérpretes aos estudantes
surdos mistura-se aos gestos caseiros por eles
utilizados. Percebemos também que a não
aceitação da identidade surda ou a pouca
aceitação de um dos alunos dificulta a atuação
da intérprete durante as aulas.
Não verificamos nenhuma atuação da
profissional docente com relação a esse
conflito do estudante. Ou nenhuma metodologia
que chamasse sua atenção durante as aulas. O
ouvintismo é uma prática dominante que se
concretiza continuamente em sala de aula. A
identidade surda de Joaquim negada diante da
cultura ouvinte reprime a sua inclusão social,
pois a inclusão educacional está estagnada.

Considerações Finais
Temos visto que apesar da inclusão ser
um tema recorrente. As barreiras burocráticas e
metodológicas dificultam sua concretização.
Desse modo, a formação acadêmica dos
professores ainda tem sido deficiente e incapaz
de prepará-los para as diversas realidades
encontradas nas salas de aula. É necessária
uma formação inicial e continuada que dê conta
de preparar estes profissionais para a inclusão
dentro das escolas.
A garantia de leis que falam sobre
inclusão, que normatizem o ensino de Libras,

372
Ensino e Diversidade

que enumeram os direitos das pessoas surdas


não implica em garantias práticas de que de
fato tudo isso ocorra. A mera oferta da
disciplina de Libras nos cursos de formação
inicial dos profissionais docentes não significa
um conhecimento prático da Língua de Sinais.
Estes profissionais por sua vez precisam
estar motivados e estimulados a buscarem
formações continuadas, visto que de nada
adiantaria a oferta das mesmas se os
profissionais impuserem barreiras para fazê-las.
Aliado a isso a escola precisa estar preparada
para receber a pessoa com necessidades
especiais. Seus diversos profissionais e os
demais alunos devem ser conscientizados da
importância da inclusão. A interação social
entre surdos e ouvintes respeitando as
particularidades linguísticas dos pares deve ser
trabalhada cotidianamente.
A escola bilíngue (Português/Libras) ainda
é uma realidade distante na cidade de Parnaíba-
PI. Onde encontramos alunos surdos integrados
nas classes regulares, que pouco conhecem a
sua língua natural, e que apesar de estarem no
ensino médio, não estão sequer alfabetizados
em Língua Portuguesa. Visto que há a exigência
dessa alfabetização na modalidade escrita,
como segunda língua da pessoa surda.
A escola pública necessita adequar a sua
realidade aos alunos que recebe. Ambiente
físico e recursos didáticos adequados também
são essenciais. Não se deve esperar que apenas

373
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

a figura do profissional docente seja a tábua de


salvação da inclusão dentro da escola. É uma
missão coletiva. É necessária a reestruturação
dos sistemas escolares para uma educação de
qualidade e para a concretização do trabalho da
inclusão.
A educação inclusiva da pessoa surda não
acontece apenas com a tradução e
interpretação das aulas. É necessária a
utilização de recursos didático-pedagógicos que
garantam o entendimento, o diálogo entre
professor/aluno para que se garanta o
esclarecimento de dúvidas. É preciso rever as
políticas púbicas de atendimento à pessoa com
surdez nas salas regulares.
Visto que é inquietante a esquiva e o
distanciamento perante os depoimentos diante
da inclusão. Incluir não é integrar, não é
interpretação de aulas nem atendimento em
salas de AEE (Atendimento Educacional
Especializado). Inclusão é desenvolvimento
social, afetivo, cognitivo e emocional pleno da
pessoa com necessidades especiais. Ofertando-
lhe todas as possibilidades de compreensão de
sua realidade e contexto do conhecimento
trabalhado em sala de aula.

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Ensino e Diversidade

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378
Ensino e Diversidade

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
NA DOCÊNCIA DO
ENSINO SUPERIOR: UMA
ABORDAGEM SOBRE A
PRODUÇÃO E
APROPRIAÇÃO DO
SABER
Vanessa Carvalho da Silva França

A Universidade, enquanto agente social de


formação educacional dos sujeitos, apresenta
grande relevância na formação cidadã. Desta
forma, observa-se a necessidade de pesquisar,
considerar, avaliar e repensar as práticas
pedagógicas que ensejam a produção dos
saberes no cotidiano do Ensino Superior.
Perceber o professor universitário como
produtor de saber através da expressão dos
conhecimentos adquiridos e de sua pratica
pedagógica para transmissão de tais conteúdos,
constituem-se como base para uma elaboração
e introjeção do significado de docência e seu
objeto de estudo como um dos diversos
direcionadores da pratica docente diária, visto
que “nesse processo, ele transforma-se e
transforma o seu ambiente” (SOUSA e
FERREIRA, 2009, p. 03).
Barbosa e Freitas (sem data) afirmam que
com a evolução da historia da educação, pode-
se perceber a indissociabilidade das praticas e

379
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

teorias que envolvem o processo de ensino-


aprendizagem, posto que, para que uma
aconteça, a outra necessita ser, conjuntamente,
“pois não podem ser fracionadas, enquanto
parte do todo educacional” (Ibidem, p.1).
Para que o processo de ensino-
aprendizagem aconteça de forma efetiva, o
professor precisa atuar com mediador, criando
condições de ensino nas quais o aluno possa
elaborar os diversos conceitos e que estejam
dentro das possibilidades cognitivas de cada
um. Corroborando com isto, Kopnin (1978) apud
Sousa e Ferreira (2009) afirma que
A formação do conceito é o resultado de um
processo longo de conhecimento, o resumo
de determinada etapa do conhecimento, a
expressão concentrada de um conhecimento
anteriormente adquirido (p. 03).

Esta pesquisa esta fundamentada em


estudos já existentes relacionados à docência
do ensino superior, praticas pedagógicas e
produção de saber na academia, feita por
teóricos e pesquisadores como Cagliari (2009),
Gadotti (2006), Kopnin (1978), entre outros.
Nesta perspectiva, o presente estudo busca,
através de uma revisão bibliográfica, debater a
produção de saberes a partir da conceituação
de docência, voltando o viés da discussão para
o Ensino Superior, contextualizando as praticas
pedagógicas com os processos de
aprendizagem dos alunos e de que forma a

380
Ensino e Diversidade

formação e pratica docente adotada influencia


nesse processo.
O interesse na temática central deste
estudo deu-se a partir da necessidade surgida
durante os estudos acerca da docência de
entender como ela influencia na constituição da
identidade profissional do professor, como a
prática pedagógica se dá na relação intra e
extra sala de aula e sua influencia no processo
de ensino-aprendizagem e na produção e
apreensão de novos saberes nas Universidades.
Pesquisador, crítico, inovador,
questionador, facilitador do conhecimento, o
professor universitário precisa, diante de tantas
características esperadas, fornecer a seus
alunos possibilidades de uma renovação da
pratica pedagógica, portanto buscou-se
estabelecer a relação entre a formação, prática
e saberes destes profissionais.

DOCÊNCIA: CONCEITO E HISTORICIDADE.


De acordo com o Dicionário Aurélio,
docência significa o ato de ensinar.
Etimologicamente, a palavra docência é
proveniente de docere, de origem latina, que,
por sua vez, significa ensinar, mostrar, indicar
(SOUSA e FERREIRA, 2009) e que, segundo
Soares e Cunha (2010) pode ser complementada
pelo termo discere, também de origem latina,
que significa aprender.

381
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Assim, docência, entendida como o exercício


do magistério voltado para a aprendizagem, é
a atividade que caracteriza o docente em
geral. Na educação superior, docência e
pesquisa são as principais atividades do
professor universitário. (SOARES e CUNHA,
2010, p. 23)

Segundo Vieira (2011), o conceito de


docência abarca um rol de concepções que vão
além da relação ensino-aprendizagem e
atividades pedagógicas em sala de aula. Desta
forma, percebe-se que há certa complexidade
na elaboração e sistematização do conceito de
docência, visto que esta atividade não se fixa
apenas na transmissão de conteúdos, mas
exigem múltiplas competências e saberes que
garantam a aprendizagem do discente.
saberes e ações de ordem técnica
visando à combinação eficaz dos conteúdos,
dos meios e dos objetivos educacionais;
saberes e ações de natureza afetiva que
aproximam o ensino de um processo de
desenvolvimento pessoal; saberes e ações de
caráter ético e político, sintonizados com uma
visão de ser humano, de cidadão e de
sociedade; saberes e ações voltados para a
construção de valores considerados
fundamentais; saberes e ações relativos à
interação social, que revelam a natureza
profundamente social do trabalho educativo e
implicam o conhecimento mútuo e a co-
construção da realidade por professores e

382
Ensino e Diversidade

estudantes. (SOARES e CUNHA, 2010, p. 24-


25)

Assim, apreende-se que a docência visa a


construção e re-construção não apenas do
conhecimento, mas da visão, significação e
ressignificação do mundo dos sujeitos atuantes
no processo de ensino-aprendizagem, através
da interação entre os atores e da investigação
reflexiva sobre a realidade escolar/universitária.
“Pressupõe um processo complexo de
negociação de expectativas, interesses,
necessidades entre os atores envolvidos.”
(Ibidem, p.26).
A prática da educação é muito anterior ao
pensamento pedagógico. O pensamento
pedagógico surge com a reflexão sobre a
prática da educação, como necessidade de
sistematizá-la e organizá-la em função de
determinados fins e objetivos. (GADOTTI,
2006, p. 21)

A docência sempre existiu no sentido de


ocupação destinada à articulação do processo
de ensino aprendizagem como proposto por
Comenius, na obra Didática Magna, no sec. XVII.
Comenius (1651) aponta o direito à educação e a
relevância da Didática na questão do ensino e
ao aprendizado para os sujeitos. Considerando a
diferenciação entre ensinar e aprender, o autor
postula que:

383
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Nós ousamos prometer uma didática magna,


ou seja, uma arte universa de ensinar tudo
a todos: de ensinar de modo certo, para
obter resultados, de ensinar de modo fácil,
portanto sem que docentes e discentes se
molestem ou enfadem, mas, ao contrario,
tenham grande alegria; de ensinar de modo
solido, não superficialmente, de qualquer
manheira, mas para conduzir á verdadeira
cultura, aos bons costumes, a uma
piedade mais profunda (COMENIUS, 2001, p.
13).

Segundo o fundador da didática moderna,


ensinar caracteriza-se como a arte das artes e,
partindo dos pressupostos de sua obra, a
docência passa de uma práxis com regras e
técnicas pré-definidas para uma profissão
reconhecida por estratégias orientadas por
objetivos e ética próprios (SOUSA e FERREIRA,
2011; SOARES e CUNHA, 2010). Nesse sentido,
Tardif (2002) apud Sá e Alves Neto (2016, p. 02)
afirma que a docência “se desenvolveu sem ser
objeto de maiores preocupações e sob o
paradigma de que ensinar seria uma tarefa
relativamente simples”.
De acordo com Sá e Alves Neto (2016) os
primeiros registros de que se tem noticia acerca
da docência enquanto oficio demonstram que
essa era baseada na observação e no
empirismo, onde quem desejava tornar-se
professor, o fazia através da observação de
outros mestres, fato evidenciado pelo

384
Ensino e Diversidade

desenvolvimento da Filosofia, por exemplo,


onde os mestres tinham discípulos que os
seguiam a fim de tornarem-se também mestres,
através da ideia prima de aprender fazendo.
Porém, apesar da afirmação anterior de
que os processos de ensino e de aprendizagem
são indissociáveis, Damis (2010) chama atenção
para o fato de que, durante a evolutiva do
processo educativo, houve hora a priorização de
um, hora a priorização de outro, como afirma ao
dizer que
Historicamente, os conhecimentos produzidos
sobre arte de ensinar caminharam da ênfase
no ensino para a aprendizagem, da
transmissão de conhecimentos pelo professor
para a orientação de atividades para estimular
o pensamento e a reflexão do estudante, da
importância de planejar contingências de
reforço, com o objetivo de alcançar formas
especificas e comportamentos, para regular
aprendizagens e desenvolver competências
nos estudantes. Enfim, o entendimento
produzido sobre o ato de ensinar caminhou,
historicamente, no sentido de priorizar ora
um ora outro elemento que constitui o ato de
ensinar (DAMIS, 2010, p. 206).

Assim, podemos perceber, ao analisar a


historia da educação, a evolução paralela da
historia da docência e sua adaptação aos
períodos que caracterizaram as tendências
educacionais liberais e progressistas. As
tendências liberais, apesar do nome,

385
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

caracterizavam-se por preparar o individuo para


o desenvolvimento de papeis sociais, sendo,
desta forma, tendências mais conservadoras,
enquanto que as tendências progressistas
possibilitam a compreensão da realidade
histórica e social do sujeito, conscientizando-o
como agente modificador de sua própria
realidade.
Para se compreender a relação entre a
docência e as tendências educacionais que
moldaram a evolução da historia da educação,
fazer-se-á um apanhado sobre as tendências e
seus períodos. Canever et al. (2013) afirmam
que as tendências pedagógicas de maior
impacto na historia da educação foram a
Tradicional, a Renovada, a Tecnicista, a
Libertadora e Critica-Social dos Conteúdos.
A tendência tradicional, ainda com
bastantes características utilizadas na
atualidade, visto que a forma como a sala de
aula é organizada, em fileiras, por exemplo,
ainda é adotada em diversas academias. Esta
tendência caracteriza-se pela postura
autoritária do professor, sendo este detentor do
saber absoluto enquanto os alunos são
receptores passivos, em uma relação
verticalizada onde predomina a transmissão de
conteúdo através de aula expositiva e
memorização (RODRIGUES et al., 2013;
CANEVER, 2013; BARBOSA e FREITAS, sem data).
A tendência renovada, também conhecida
como Escola Nova, caracterizava-se pela não

386
Ensino e Diversidade

diretividade, visava o desenvolvimento pessoal,


buscando valorizar aquilo que o individuo queria
aprender, objetivando, desta forma, a realização
pessoal do ser humano através do ideal
“aprender a aprender” (RODRIGUES et al., 2013;
BARBOSA e FREITAS, sem data). O professor
tem autonomia nas suas estratégias de ensino,
porém ainda com o autoritarismo da tendência
anterior presente.
O conteúdo era flexível, aberto e espontâneo,
partia-se do conhecimento vulgar para chegar
ao conhecimento cientifico. O papel do
professor era o de mero auxiliar se necessário
fosse alguma intervenção, e esta era para
ajudar o aluno a reencontrar seu raciocínio.
(BARBOSA e FREITAS, sem data, p. 04)

Com o declínio da tendência renovada,


surgiu a tendência tecnicista, com
características voltadas para o mercado
capitalista emergente, visto que a educação de
massas visando atender a organização do
sistema social vigente, tendo um ensino técnico
onde a verdade cientifica era considerada
absoluta. Nesta perspectiva, o aprender a
aprender foi substituído pelo aprender fazendo.
O enfoque do papel da Didática a partir dos
pressupostos da Pedagogia Tecnicista
procurou desenvolver uma alternativa não
psicológica, situando-se no âmbito geral da
Tecnologia Educacional, tendo como
preocupação básica a eficiência e a eficácia
do processo de ensino. [..] o processo é que

387
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

define o que professores e alunos devem


fazer, quando e como farão. [..] Enfim, a
Didática é concebida como estratégia para o
alcance dos produtos previstos para o
processo ensino-aprendizagem. (VEIGA, 1996,
p. 60-61)

Nesta tendência buscava-se, assim como


na tradicional, a reprodução de papeis sociais,
ou seja, a escola era voltada para a produção de
sujeitos aptos para se inserir rapidamente no
mercado de trabalho. Neste contexto, houve
muitas criticas, trazendo a luz o movimento
progressista como instrumento de reflexão
acerca da realidade sócio-cultural. Assim, essa
tendência subdivide-se em três escolas:
libertadora e critico-social dos conteúdos,
supracitadas, e a libertária (QUEIROZ e MOITA,
2007; RODRIGUES et al., 2013).
Segundo Oliveira (2011), a escola libertária
teve sua relevância, existência e práticas
praticamente ignoradas pela historia da
educação e, com base nisto, esta escola não
será discutida no presente trabalho. Segundo
Rodrigues et al. (2013) as tendências libertadora
e critico-social dos conteúdos deixam de lado a
questão do aprender a aprender e do aprender
fazendo, substituindo-os pelo aprender a ser
em comunidade. Nesse sentido, o professor sai
da figura de autoridade propagada pelas escolas
da tendência liberal e assume o papel de
facilitador do processo reflexivo em que a

388
Ensino e Diversidade

apreensão, produção e apropriação do saber


acontece.
A escola libertadora tem como principal
teórico Paulo Freire e prega uma educação
problematizadora, através do dialogo critico,
visando a conscientização, problematização e a
não alienação dos sujeitos. Assim
Freire chamou de “universo temático”, um
conjunto de “temas geradores” sobre os
níveis de percepção da realidade do oprimido
e de sua visão de mundo sobre as relações
homens-mundo e homens-homens para um
posterior discussão de criação e recriação.
(LINHARES, 2008, p. 10142)

Desta forma, pode-se afirmar que a


escola libertadora buscava a transformação da
sociedade através da educação como
instrumento de libertação social (QUEIROZ e
MOITA, 2007). “Deste modo, os conteúdos são
sempre retirados da realidade prática e agem
disparando a ação pedagógica” (ROGRIGUES et
al., 2013, p. 334)
Por fim, a escola critico-social dos
conteúdos surge, segundo Rodrigues et al.
(2013), em contraposição a escola libertadora,
visto que vincula o enfretamento dos problemas
sociais à cientificidade dos conteúdos, visando
o desenvolvimento não apenas social, mas
também intelectual, do aluno. Corroborando
com esta afirmação, Queiroz e Moita (2007)
afirmam que a escola critico-social dos

389
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

conteúdos surgiu devido à desvalorização do


saber cientifico pela escola libertadora.
Esta tendência prioriza, na sua concepção
pedagógica, o domínio dos conteúdos
científicos, a prática de métodos de estudo, a
construção de habilidades e raciocínio
científico, como modo de formar a
consciência crítica para fazer frete à realidade
social injusta e desigual. Busca
instrumentalizar os sujeitos históricos, aptos
a transformar a sociedade e a si próprios. Sua
metodologia defende que o ponto de partida
no processo formativo do aluno seja a
reflexão da prática social, ponto de partida e
de chegada, porém, embasada teoricamente.
(QUEIROZ e MOITA, 2007, p. 14-15)

Apesar de as escolas de cada tendência


apresentar-se em uma sequência de
contraposições, uma não deixou de existir em
função do surgimento da outra. O que ocorreu
de fato foi uma coexistência entre elas, sendo
utilizadas conforme a formação e pratica
pedagógica adotada pelo docente. Nesse
sentido, a intenção é discutir, a luz da
concepção de docência e das tendências
educacionais, como se da essa formação e
pratica pedagógica na atualidade, sendo isto
abordado na seção a seguir.

390
Ensino e Diversidade

FORMAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA DO


PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR
Tendo como enfoque principal os
professores universitários que exercem,
fundamentalmente, o papel não apenas de
educadores, mas de facilitadores no processo
de ensino-aprendizagem, nesta seção buscar-
se-á discutir a formação e prática pedagógica
do docente no ensino superior, considerando as
exigências de qualificação do mercado de
trabalho atual e os valores, métodos de
trabalho, entre outros aspectos, que
influenciam no desenvolvimento de sua práxis.
A formação docente é um tema amplamente
discutido nas esferas acadêmicas e
governamentais, visto que é cada vez maior a
necessidade de preparar educadores para a
formação de sujeitos autônomos e engajados
na transformação da sociedade. Essa
importância é retratada no Plano Nacional de
Educação (PNE) tendo em vista que a Meta 16
visa formar, em nível de pós-graduação, 50%
(cinquenta por cento) dos professores da
educação básica e garantir a todos eles
formação continuada em sua área de atuação,
considerando as necessidades, demandas e
contextualizações dos sistemas de ensino.
(DIAS e SOARES, 2014, p. 5)

Analisando o contexto atual de


desenvolvimento educacional no Brasil,
observa-se um aumento expressivo da
quantidade de Instituições de Ensino Superior a

391
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

partir dos anos 90 (BASÍLIO, 2010). Segundo o


censo do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP,
no período compreendido entre 2009 e 2013,
houve um aumento de aproximadamente 3,2%
no numero de Instituições de Ensino Superior
no Brasil, passando de 2.314 unidades em 2009
para 2.391 unidades em 2013, sendo que o
período de maior crescimento foi entre 2009 e
2010, com uma evolução de 2,69%, um numero
bastante aproximado do apresentado na relação
dos 5 anos compreendidos acima.
Segundo dados do INEP, há um aumento
de 26.464 vagas disponíveis para docentes no
mercado de trabalho no mesmo período de
tempo acima citado, passando de 340.817 mil
vagas para 367.282 mil vagas, e,
consequentemente, um aumento de exigências
em qualificação para que este profissional se
insira nas vagas disponibilizadas, visto que
bacharéis em diversas áreas começam a se
inserir no mercado de trabalho educacional,
trazendo consigo bagagem teórica especifica de
suas áreas de atuação, mas sem ter,
necessariamente, uma formação que o
qualifique para a docência no que toca ao
conhecimento acerca de “plano de disciplina,
objetivos, estratégias de aprendizagem,
processos de avaliação, técnica de
relacionamento com os alunos,
interdisciplinaridade, entre outras questões

392
Ensino e Diversidade

pertinentes à área pedagógica” (BASÍLIO, 2010,


p. 57).
Basílio (2010) pontua que, devido a essa
necessidade crescente de qualificação, o
profissional docente passa a assumir a
responsabilidade pela sua formação e os
resultados que ela apresenta, tirando, desta
forma, a função social da educação e passando-
a para uma prática individual. A autora ainda
leva a reflexão sobre o tema ao afirmar que
A educação é ponto estratégico de
desenvolvimento de qualquer sociedade e
instrumento prioritário de políticas públicas,
assim, o professor, como um agente desse
processo, não pode prescindir do
conhecimento científico, seja pela via de sua
aquisição, produção e intercambiação.
(BASÍLIO, 2010, p. 57)

O modelo educacional atual, apesar de


manter algumas características da Pedagogia
Tradicional pautada nas escolas da Tendência
Liberal apresentadas na seção anterior, dá
como possibilidade (pode-se dizer até que
exige) ao professor a utilização de uma
racionalidade prática aliada ao conhecimento
cientifico que, outrora considerado como
invariável, agora é percebido como algo
processual e mutável.
Ser professor não é apenas aprender um
aparato técnico para a transmissão de
determinado conhecimento, mas, sim,
vivenciar situações problemáticas que

393
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

contribuam para o desenvolvimento de uma


prática reflexiva. Essa nova concepção de
formação de professores defende a
racionalidade prática e fundamenta-se na
premissa de que o professor deve apoiar-se
num processo contínuo de aprendizagem,
procurando ser sempre reflexivo em relação
ao conhecimento trabalhado e à sua própria
pedagogia. (BASÍLIO, 2010, p. 58)

Esta pratica reflexiva através de situações


problematizas e problematizadoras, demanda
do docente o exercício não apenas da função
educativa, mas também da função mediadora
de conflitos interpessoais que venham a surgir
naturalmente a partir desta reflexão, evitando
assim que estes conflitos alcancem proporções
maiores do que as esperadas/desejadas. Essa
problematização precisa ser realizada a partir
do dialogo entre pratica e teoria para que se dê
aos discentes a possibilidade de (re)construção
de saberes, onde “a problematização e a
reflexão constantes funcionam como mola
propulsora para as transformações necessárias
(...) mudanças contínuas, fruto da historicidade
e da subjetividade do aluno” (DIAS e SOARES,
2014, p. 6). Basílio (2010, p.58) pontua que
o novo paradigma educacional prevê a adoção
de uma nova postura do professor frente ao
aluno, intermediando o processo de ensino-
aprendizagem de forma diferente do
conservadorismo vigente, considerando a

394
Ensino e Diversidade

integral formação do aluno, sua história e seu


contexto.

Este novo paradigma exige uma


multiplicidade de saberes específicos e
pedagógicos que facilitem o processo de
ensino-aprendizagem. Soares e Cunha (2010)
afirmam que existem saberes indispensáveis ao
exercício da docência e, corroborando com esta
afirmação, Pimenta e Anastasiou (2002, p. 13)
elencam quatro eixos sobre os quais esses
saberes se articulam.
1) conteúdos das diversas áreas do saber e do
ensino, ou seja, das ciências humanas e
naturais, da cultura e das artes;
2) conteúdos didático-pedagógicos,
diretamente relacionados ao campo da
prática profissional;
3) conteúdos ligados a saberes pedagógicos
mais amplos do campo teórico da prática
educacional;
4) conteúdos ligados à explicitação do sentido
da existência humana, com sensibilidade
pessoal e social.

Desta forma, apreende-se que no


mercado de trabalho atual, exige-se uma
formação continuada do profissional atuante na
educação superior, a graduação já não é mais
suficiente para o exercício da profissão,
demonstrando assim a necessidade de se fazer
especializações, mestrado, doutorado e
capacitações constantes em busca de novos

395
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

conhecimentos e práticas laborais. Lima e Neto


(2015) pontuam que, no cenário educacional
atual, a graduação é agora vista como uma
formação inicial, menos especifica e mais
abrangente, visando a formação profissional
através de habilidades e competências
vinculadas a determinada área e as pós-
graduações tem um caráter complementar, no
sentido de educação continuada, para o
desenvolvimento de uma pratica de qualidade.
Diversos autores como Basílio (2010) e
Brito (2007), por exemplo, apontam a prática
reflexiva como fator preponderante para o
desenvolvimento de uma prática pedagógica
efetiva. Essa reflexão diz respeito à reflexão
epistemológica da prática pedagógica, a fim de
que haja coerência entre o conteúdo, o
conhecimento pedagógico e a forma de
trabalhar esse conhecimento em sua formação.
Essa reflexão de base epistemológica
Possibilita, aos professores em formação, o
questionamento em relação às suas próprias
crenças e práticas, a crítica propositiva em
relação às orientações institucionais e, enfim,
o seu crescimento intelectual, social,
emocional e profissional. (SOARES e CUNHA,
2010, p. 34)

E isso se aplica não apenas aos


professores em formação inicial, mas, tendo em
vista a discussão até aqui realizada, pode-se
dizer que se aplica a todos os profissionais de

396
Ensino e Diversidade

docência que, visto a necessidade continua,


estão em permanente processo de formação, a
fim de serem melhores intelectual, social,
emocional e profissionalmente, e estes fatores,
por sua vez, influenciam diretamente sobre o
processo de aprendizagem dos alunos.

AS PRÁTICAS DOCENTES E SUAS IMPLICAÇÕES


NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM DOS
ALUNOS
Soares e Cunha (2010) afirmam que a
prática docente nas universidades é bastante
complexa, visto seu caráter interativo com os
estudantes a fim de atingir objetivos
educacionais e formativos que envolvem não
apenas a aquisição de conhecimentos seculares
e científicos, mas de atitudes e valores de
formação de caráter.
Segundo Junckes (2013), considerando
todas as competências que o professor
necessita trabalhar, é primordial que propicie
aos alunos a possibilidade de desenvolver
pensamento critico e logico, dando-lhes, desta
forma, a possibilidade de compreender não
apenas um conceito, mas de integra-lo e aplica-
lo em diferentes contextos do seu cotidiano,
sendo assim um sujeito autônomo.
Altet (2001, p.26) diz que “[...] o professor
profissional é, antes de tudo, um profissional da
articulação do processo ensino aprendizagem
em determinada situação, um profissional da
interação das significações partilhadas” e

397
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Soares e Cunha (2010) complementam


afirmando que “reconhecer a interatividade
como um traço característico da docência é
considerar que o processo formativo se
desenvolve num contexto grupal, em que
pessoas com histórias de vidas distintas se
implicam mutuamente” (p. 27).
Sá e Alves Neto (2016) pontuam que há,
nesse contexto, uma quebra de paradigmas
educacionais, que perdem, mesmo que
parcialmente e a passos lentos, a característica
burocratizante e passa a apresentar
características mais dialógicas e relacionais,
dando ênfase a interatividade sobre a qual
tratam Altet (2001) e Soares e Cunha (2010).
Segundo Dias e Soares (2014), em acordo
com os autores supracitados, as novas formas
de fazer docência contrapõem-se à forma
tradicional de ensino, e “essa postura docente é
capaz de construir uma relação com os
estudantes que favorece a construção de
saberes com sentido pessoal” (p. 4), ou seja, a
prática docente implica direta e positivamente
sobre o processo de aprendizagem, visto a
relação que se faz entre o conteúdo e a
experiência de vida dos alunos, trazendo
significado e, consequentemente, maior
aprendizado dos conteúdos apresentados.
À medida que o professor conseguir
transformar sua prática docente, aos poucos
(...) fará com que o mesmo se relacione de
forma horizontal com aluno e, portanto,

398
Ensino e Diversidade

estabeleça como principal mediador do


processo de ensino-aprendizagem, o diálogo.
Essa prática permitirá ao aluno construir uma
relação com o saber pautada no sentido
pessoal e não em motivações externas como,
por exemplo, cumprimento de ordens. Essa
relação com o saber possibilitará ao discente
encontrar prazer no trabalho intelectual e,
consequentemente, mobilizar-se e engajar-se
na construção de saberes. (DIAS e SOARES,
2014, p. 11-12)

Junckes (2013) reforça que o professor


precisa conhecer a realidade de seus alunos
para compreendê-los e, desta forma, intervir
efetivamente no processo de aprendizagem e
consequente formação de sujeitos, visto que “a
educação deve não apenas formar
trabalhadores para as exigências do mercado de
trabalho, mas cidadãos críticos” (p.1) aptos a
transformarem sua realidade enquanto
indivíduos inseridos na sociedade.
Santos (2013) postula que há um grande
desafio para o docente ao contribuir para a
educação dos indivíduos enquanto cidadãos,
posto que ele precisa exercer um novo papel,
condizente com os princípios de ensino-
aprendizagem discutidos ao longo deste estudo,
como, por exemplo, saber lidar com os erros e
discussões que possam surgir a partir das
reflexões propostas a fim de estimular a

399
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

aprendizagem e, desta forma, educar através do


ensino.
Assim, a prática pedagógica deve ser
voltada a facilitar o processo de ensino-
aprendizagem, mas no entender de Cagliari
(2009, p. 38),
a questão metodológica não é a essência da
educação, apenas uma ferramenta. Por isso, é
preciso ter ideias claras a respeito do que
significa assumir um ou outro comportamento
metodológico (...). É fundamental saber tirar
todas as vantagens dos métodos, bem como
conhecer as limitações de cada um.

A metodologia utilizada para direcionar o


processo de ensino-aprendizagem é necessária
e precisa ser definida pelo docente, porém não
é o essencial para o desenvolvimento de sua
pratica. O professor deve ser criativo e, segundo
Junckes (2013), deve utilizar-se de técnicas
criadas por si mesmo para direcionar o
processo de ensino-aprendizagem de forma
mais produtiva, adequando os recursos que
possui para tornar o momento propicio à
aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que, devido ao
desenvolvimento primário da docência como
ofício de fundamentação empirista e
observacional, a formação estruturada ainda
não é tão presente em cursos que não sejam

400
Ensino e Diversidade

licenciaturas, o que trouxe a prática docente


para uma naturalização do exercício da função
sem uma base teórica e conceitual
fundamentada.
Nesse sentido, apreende-se ainda que,
apesar de serem disponibilizadas diversas pós-
graduações voltadas à Docência do Ensino
Superior, ainda não é um pré-requisito para o
exercício da profissão, visto que bacharéis de
diversas áreas exercem a docência, mas só
buscam uma especialização nessa área quando
são requisitados pelas instituições de trabalho.
Em contrapartida, percebe-se que a busca por
pós-graduações em nível de mestrado e/ou
doutorado e outras formações continuadas é
maior visando a inserção no mercado de
trabalho e não necessariamente a pratica da
docência em si.
É importante salientar ainda que
desenvolver uma relação interativa e horizontal
entre professores e alunos tem se mostrado, a
partir dos estudos disponíveis atualmente, uma
forma efetiva de facilitação do processo de
ensino e aprendizado, tendo em vista que se
minimiza a dificuldade de comunicação entre os
sujeitos e aumenta as possibilidades de
construção e reconstrução de conhecimentos.
Nesse contexto, a relação e prática
pedagógica do professor pautada no respeito,
confiança e afetividade favorece a produção do
conhecimento, cabendo ao docente mediar a
relação do aluno com o conteúdo apresentado,

401
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

tornando-o agente ativo do processo de ensino-


aprendizagem e não apenas um mero
receptador de informações.

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409
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

410
Ensino e Diversidade

O NEGRO NO MERCADO
DE TRABALHO:
REFLEXÕES SOBRE A
DIVERSIDADE, CLASSE E
O RACISMO
Israel David de Oliveira Frois

Nada é impossível de mudar


Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.
Bertolt Brecht

Neste trabalho, colocamos em evidência


algumas reflexões surgidas ao decorrer da
disciplina “Educação Para Relações Étnico-
Raciais e de História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena” nos cursos de Administração e
Ciências Contábeis do Centro Universitário do
Espírito Santo (UNESC), no município de Serra-
ES, ao longo dos semestres letivos do ano de
2018. Em especial, nosso objetivo central, sob
uma perspectiva marxiana, consiste em suscitar
discussões sobre as contradições antagônicas

411
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

relacionadas à diversidade, discriminação racial


e classe na sociedade brasileira, com destaque
no mercado de trabalho.
Tal proposta é justificada pela realidade
profundamente desigual no Brasil. Há mais de
130 anos da abolição oficial, ainda notamos
discursos e práticas racistas. Os avanços legais,
relativamente recentes, como a criminalização
do racismo e da injúria racial na Lei 7.716, de
1989, e o Estatuto da Igualdade Racial (Lei
12.288, 2010), não impediram/impedem a
totalidade das práticas racistas cotidianas, por
vezes veladas nos olhares e sutilezas, por
outras, vociferadas em discursos inflamados ou
em atos e gestos explicitamente racistas, ou
ainda, institucionalizados, objetivados e
percebidos nos dados sociais e econômicos.
Em termos de estrutura deste capítulo,
inicialmente, levantamos dados oficiais que
revelam a vulnerabilidade social e econômica da
população negra no Brasil. Em um segundo
momento, analisamos tais dados sob um olhar
diacrônico. Para isso, nos debruçamos em Marx,
Simone Beauvoir, Della Fonte, Afonso e Matos,
Santos. Tais referenciais progressistas tratam a
realidade a partir de uma perspectiva
dialetizada, considerando aspectos de unidade
entre grupos e classe, subjetividade e
objetividade. Nesse sentido, contribuem para a
compreensão das contradições antagônicas,
como a discriminação racial, perpetradas no
âmago da sociedade capitalista e as suas

412
Ensino e Diversidade

reverberações na sociedade brasileira


atualmente. E por fim, evidenciamos alguns
apontamentos que sugerem reflexões para o
campo progressista, responsável por travar as
mais duras lutas sociais no contexto brasileiro.

A realidade socio-racial: breve síntese dos


dados do mercado de trabalho no Brasil
“Temos dois males para combater;
o capitalismo e o racismo”.
Huey Newton

No mercado de trabalho, foco inicial da


discussão que projetou o aprofundamento das
reflexões, é possível constatar, a partir das
estatísticas oficiais, como o racismo se
manifesta e como a legislação, por vezes, é
ignorada. Por exemplo, na Lei 12.228, o artigo 4º
imputa pena de dois a cinco anos a quem
Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa
privada.
§1o Incorre na mesma pena quem, por motivo
de discriminação de raça ou de cor ou
práticas resultantes do preconceito de
descendência ou origem nacional ou étnica:
I - deixar de conceder os equipamentos
necessários ao empregado em igualdade de
condições com os demais trabalhadores;
II - impedir a ascensão funcional do
empregado ou obstar outra forma de
benefício profissional;
III - proporcionar ao empregado tratamento
diferenciado no ambiente de trabalho,

413
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

especialmente quanto ao salário (BRASIL,


2010. Grifo nosso).

Embora reconheçamos a importância da


legislação e os avanços no combate ao racismo,
a realidade ainda se apresenta de maneira
contraditória. Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE)128, 54% da
população brasileira é negra. Porém, ao
levantarmos os dados referentes a composição
racial das 500 maiores empresas do Brasil
(2016), em pesquisa realizada pelo Instituto
Ethos e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), constatamos a profunda
desigualdade perpetrada na sociedade
brasileira. Os dados revelam que os negros
ocupam apenas 4,9% dos Conselhos de
Administração, 4,7% dos cargos Executivos,
6,3% dos cargos de Gerência, 25,9% dos cargos
de Supervisão. Nesta pesquisa, apenas nos
cargos de Aprendizes e Trainees os negros são
maioria, 57,5% e 58,2%, respectivamente (Tabela
1).
Observa-se que, apesar da superação das
dificuldades de acesso a formação superior que
a população negra enfrenta, grande parte
daqueles que conseguem vagas de aprendizes
ou trainees não são efetivados ou aproveitados
128
Em 2010, último senso geral, o percentual da
população negra era de 50, 7%. Entretanto, nos últimos
levantamentos do PNAD (2014/2015) apontam para 54%.

414
Ensino e Diversidade

para o quadro funcional e, menos ainda, para o


desempenho de funções ligadas ao comando.
Funções estas, com maiores salários e
responsabilidades, além de maior prestígio e
status social. Nota-se, então, um afunilamento
hierárquico, visto que a partir do nível gerencial
as discrepâncias entre brancos e negros ficam
mais perceptíveis.
É evidente que o discurso das empresas
tende a seguir o sentido da oportunidade e da
(pseudo) meritocracia, desconsiderando o
padrão societário excludente. Porém, na
realidade, os dados são reveladores do quão
conservadores e discriminatórios são os
mecanismos de seleção e progressão para tais
cargos.

Tabela 1 - Perfil social, racial e de gênero das 500


maiores empresas do Brasil: composição por cor
Setor Brancos Negros% Indígena% Amarelos%
%
Conselho de 95,1 4,9 0,0 0,0
Administração
Quadro 94,2 4,7 0,0 1,1
Executivo
Gerência 90,1 6,3 0,1 3,5
Supervisão 72,2 25,9 0,1 1,8
Quadro 62,8 35,7 0,2 1,3
funcional
Trainees 41,3 58,2 0,0 0,5
Estagiário 69,0 28,8 0,2 2,0
Aprendizes 41,6 57,5 0,4 0,5
Fonte: Elaborado pelo autor com base no Instituto Ethos
(2010)

415
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Pode-se destacar, também, os dados da


Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (PNAD Contínua - 2017)129. A pesquisa
aponta que 63,7 % (8,3 milhões de pessoas) dos
desocupados são negros. Enquanto a taxa de
desocupação, considerando toda a população
branca, o índice foi de 9,9%, a taxa de
desocupados, considerando toda população
negra, foi de 14,6%, ou seja, este grupo é
atingido com maior vigor. Nesse mesmo
período, a pesquisa registrou que o rendimento
médio dos trabalhadores negros foi de 1.5 mil
reais, enquanto dos trabalhadores brancos foi
de 2,7 mil reais. A diferença no rendimento
médio entre brancos e negros também se
relaciona com a maior ocupação, no caso dos
negros, nos piores empregos, ou seja, nos
empregos mais perigosos e mais insalubres.
Ao olharmos para a questão de gênero e
etnia, constatamos que a mulher negra é a mais
vulnerável socialmente. No que diz respeito à
média salarial (mais baixa dentre os grupos), a
média das mulheres negras com nível superior é
43% menor que a de homens brancos. Cabe
destacar que, de acordo com uma progressão
129
Dados colhidos no site do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) para o último trimestre de
2017. Neste período, a taxa de desocupação no país era
de 11,8%. Enquanto no grupo da população negra o
percentual era de 14,6%.

416
Ensino e Diversidade

realizada pela Organização Não Governamental


(ONG) britânica Oxfam130, apenas em 2089,
brancos e negros terão uma renda equivalente.
As informações da PNAD Contínua de 2016
também são alarmantes quanto ao indicador
“taxa de analfabetismo”. Tal índice dialoga,
diretamente, com o baixo potencial de entrada
no mercado de trabalho formal. Nele,
observamos grande disparidade, haja vista que
4,2% dos brancos são analfabetos, enquanto
9,9% da população negra tem/teve o direito à
alfabetização alijada. Podemos, ainda, relacionar
este indicador com os dados referentes ao
trabalho infantil. De acordo com o PNAD, em
2016, das crianças de 5 a 7 anos que foram
encontradas em condições de trabalho infantil,
35,8% eram brancas e, 63,8% eram negras.
Segundo o Sistema Nacional de Indicadores em
Direitos Humanos (SNIDH)131, os meninos negros
são as principais vítimas do trabalho infantil. Na
faixa etária entre 5 a 15 anos, 5,8% dos meninos
negros estão em condições de trabalho infantil,
e quando consideramos meninos brancos, a
taxa cai para 3,7%.
Quando nos debruçamos na temática
“trabalho análogo à escravização”, notamos que,
130
Informação obtida no endereço eletrônico
https://www.oxfam.org.br Acesso em: 26 mar. 2019.
131
Pesquisa divulgada em dezembro de 2014 pela
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República.

417
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

ainda no século XXI, ocorrem atividades, rurais e


urbanas, em ambientes e condições insalubres
e degradantes, com jornadas exaustivas, além
de situações de dívidas forjadas pelos
fazendeiros/empresários (criminosos) que
impedem a saída do trabalhador de suas
propriedades até que ele possa quitá-las. Dadas
estas extremas condições subumanas, apenas
com as operações132 da Polícia Federal aliadas
ao Ministério Público do Trabalho e as
denúncias realizadas, os trabalhadores são
libertos.
Em estudo133 realizado na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o professor
132
Encontramos várias reportagens nos jornais digitais
sobre tais operações. Por exemplo: matéria veiculada no
dia 13 de maio de 2016, intitulada “Operação liberta 20
trabalhadores em condições de escravidão na região de
Cascavel (PR)” - http://www.mpf.mp.br/pr/sala-de-
imprensa/noticias-pr/operacao-liberta-20-trabalhadores-
em-condicoes-de-escravidao-na-regiao-de-cascavel ;
matéria divulgada no dia 18 out. 2018, intitulada “Governo
encontra 1.256 trabalhadores em condição de ‘escravidão’
em 2018”
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/
2018/10/18/interna-brasil,713610/governo-encontra-1256-
trabalhadores-em-condicoes-de-escravidao-em-20.shtml
; matéria reportada no dia 19 de março de 2019, intitulada
“Operação liberta trabalhadores em Roraima” -
http://envolverde.cartacapital.com.br/operacao-liberta-
trabalhadores-em-escravidao-em-roraima/ Acesso em: 19
mar. 2019.
133
O estudo não foi encontrado na íntegra, porém
encontramos entrevistas cedidas pelo pesquisador

418
Ensino e Diversidade

Doutor Marcelo Paixão, pesquisou trabalhadores


cadastrados no Bolsa Família depois de libertos
dos trabalhos em condições análogas à
escravidão. Dos 40 mil trabalhadores que foram
libertados dessa condição desumana de
trabalho forçado, expressivos 73,5% eram
negros.
Este e os demais dados supracitados,
colocam em relevo a inegável e abissal
desigualdade em que as crianças, as mulheres e
os trabalhadores negros são/estão submetidos.
E por isso, sugerem reflexões profundas. Tais
como: quais são as origens dessas contradições
socio-raciais percebidas na sociedade
brasileira? Tais discrepâncias racistas, estão
vinculadas com as relações de produção (MARX,
ENGELS, 2005) no âmbito do desenvolvimento
da sociedade capitalista? O olhar e a
compreensão das questões raciais
desconectadas das questões de classe abarcam
a totalidade das contradições objetivadas na
realidade concreta? Quais são as estratégias
hegemônicas utilizadas para segregar e,
consequentemente, solapar as lutas
encampadas pelos diferentes grupos e frações
de classe? É possível construir uma estratégia
contra-hegemônica pautada na universalidade

disponível em:<
https://www.ecodebate.com.br/2010/06/10/trabalho-
analogo-ao-escravo-e-maior-entre-negros/ > Acesso em:
19 mar. 2019.

419
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

das lutas e que esteja comprometida com a


emancipação integral do ser humano?
Em seguida, buscamos levantar reflexões
e alguns apontamentos teóricos, com o intuito
de apresentar possíveis indicativos de respostas
às problemáticas levantadas, a partir de um
olhar historicizado e dialetizado para a
realidade brasileira, em diálogo com referências
teóricos do campo progressista.

Um olhar diacrônico das desigualdades:


diversidade étnica (racial), racismo e classe
“A verdade é una; o erro, múltiplo. Não é por
acaso que a direita professa o pluralismo”
(Beauvoir, 1972, s.p.)

Os números registrados, dentro do


cenário contemporâneo do mercado de
trabalho, revelam as intensas discrepâncias
sociais vivenciadas pela comunidade negra
brasileira. Nesse ponto, torna-se inegável que
um país que fora formado e construído com o
uso desumano/alienador da mão de obra
escravizada, reverbera suas mazelas
socioeconômicas, sua violência estrutural para
com os grupos que estavam na periferia do
espectro do poder centrado nas forças
hegemônicas, desde o período colonial.
Analisamos estas relações evidenciando o
processo de desenvolvimento do sistema
capitalista, e as mazelas que atingiram/atingem
a população negra como reverberações

420
Ensino e Diversidade

alienadas deste processo. Marx salienta que


“[...] a transformação da África numa reserva
para a caça comercial de peles-negras [...]
caracterizam a aurora da era da produção
capitalista” (MARX, 2013, p. 998). Assim, as
forças hegemônicas (colonizadores) criaram
subterfúgios genéticos e culturais de
inferioridade racial para submeter os negros ao
trabalho escravizado. Tais argumentos foram a
base ideológica (racista) das relações de
produção durante o colonialismo.
Na compreensão marxista, o racismo foi
[...] originado pela espoliação imperialista do
continente africano, que escravizou os povos
que ali viviam, assassinou-os em massa,
sequestrou-os, deportou-os para outros
continentes amontoados em navios, onde
morreram aos milhares por doenças, e
posteriormente, explorou sua mão de obra
escrava ou barata para colocar de pé o
capitalismo em várias partes do mundo,
dando lugar a sistemas de opressão que se
constituem como componentes histórico-
estruturais das relações sociais e econômicas
que formaram o capitalismo de vários países,
como é o caso do Brasil (AFONSO; MATOS,
2013, p. 75).

Assim, nota-se que


A discriminação é uma das muitas filhas do
capital, com a particularidade de ter crescido
junto com ele. No nosso caso, é produto do
colonialismo e atingiu o seu extremo com o

421
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

aparecimento do capitalismo financeiro.


Como sistema de dominação, o capitalismo
reforça os processos de exclusão através da
discriminação racial (OLIVEIRA; MIRANDA,
2004, p. 70)

Todo este processo de violência


provocado pela elite capitalista não foi rompido
com a abolição da escravatura em 1888. A
própria abolição, por muitas vezes, foi/é
atrelada à benevolência do Império, em uma
tentativa flagrante de soterrar a história de luta
dos grupos oprimidos. Contudo, por uma
perspectiva contra-hegemônica, escovando a
história à contrapelo (BENJAMIN, apud LOWY,
2005), observa-se que “[...] os negros tinham
diversas táticas de luta pela abolição, sem
esperar passivamente que a monarquia e os
escravocratas ‘concedessem’ a liberdade aos
escravos” (AFONSO; MATOS, 2013, p. 69). Os
quilombos, nesta conjuntura, podem ser vistos
como lócus de resistência ao modelo político-
econômico vigente, isto é, eram local da
objetivação das relações de luta de classes.
Nesse caso, os negros protagonizaram, no
Brasil, os primeiros levantes e organizaram-se
contra a ordem imperativa.
O movimento de lutas contra o
capitalismo une a dimensão raça(etnia)-classe.
As batalhas travadas contra a escravização
eram lutas empunhadas contra a alienação do
trabalho e contra a negação da humanidade nas

422
Ensino e Diversidade

suas múltiplas determinações. Percebe-se que


a escravidão é/era fruto do sistema que celebra
a acumulação do capital, impondo uma divisão
social do trabalho que segrega as atividades
intelectuais, vinculando-as à elite, dos trabalhos
manuais, direcionados aos grupos oprimidos.
A luta contra esta alienação não se
encerrou com a abolição, haja vista que o
capitalismo se desenvolveu em moldes
industriais ao longo do século XX, e as formas
de dominação foram se transformando em
outros dinamismos mais sofisticados e
elaborados relacionados aos interesses da
ordem global de produção e acumulação.
Mesmo nos anos seguintes à abolição, já era
possível perceber os interesses em formar
exércitos de reservas (MARX, 2013) com o
incentivo oficial de imigração europeia
(destaque para italianos e alemães). Este grupo
branco compôs o “pelotão” de frente do
mercado de trabalho. Assim, fica clarividente o
menosprezo com a mão de obra negra “livre” e
a política de eugenia, a partir dos incentivos à
imigração de europeus (final do século XIX e
início do século XX), em uma perversa proposta
de branqueamento e limpeza étnica do Brasil.
Contudo, também é importante observar
que a mão de obra negra teve e continua tendo
papel decisivo na manutenção do
funcionamento do sistema, tanto empregada –
ocupando os trabalhos manuais mais mal
remunerados, mais precários e perigosos-,

423
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

quanto desocupada – servindo de exército de


reservas, condição sine qua non para o controle
da classe trabalhadora, pois o desemprego é
uma condição (SANTOS, 2001), na estratégia do
capital, para o alargamento das margens de
lucro. Determinadas taxas de desemprego
condicionam a precarização dos empregos,
fragiliza as leis trabalhistas e promovem a
retirada de benefícios conquistados
coletivamente pelos trabalhadores.
Assim, salientamos que o racismo e
outras contradições antagônicas perpetradas
pelo capitalismo são geradas em uma sociedade
dividida em classes, que defende de forma
intransigente a propriedade privada e a
expansão da acumulação a qualquer custo, seja
ele social, ecológico e/ou cultural. Entretanto, a
despeito desta realidade, a democracia
burguesa apresenta-se, segundo Lênin (1979, p.
119), com “[...] frases pomposas, de promessas
grandiloquentes, de sonoras palavras de ordem
(liberdade e igualdade), mas na realidade ela
dissimula a escravidão e desigualdade da
mulher, a escravidão, a desigualdade dos
trabalhadores e dos explorados”. Além disso, o
ideário burguês cultua a diferença pelo viés
argumentativo superficial da natureza, coloca
em relevo a naturalização das diferenças, dando
caráter subjetivo às contradições objetivadas na
realidade. Nesse caso, a relativização atravessa
questões de fundo ético-político, pois

424
Ensino e Diversidade

relativiza-se as injustiças, as desgraças, a


pobreza, o sucesso, o mérito.
Em suma, se por um lado ocorre
relativização, por meio das diversas narrativas
que ganham legitimidade no discurso pós-
moderno e, por isso, nascem verdades em
múltiplas realidades, por outro lado, percebe-se
um discurso que condiciona um caráter de
imutabilidade das condições contraditórias. O
argumento de que a diferença é natural criada
ora por religiões (Karma), ora por discursos
pseudocientíficos, não levam em conta o ser
humano como um ser histórico, cultural e
social. Bertolt Brecht, dramaturgo e poeta
alemão, nos alerta que “nada deve parecer
impossível de mudar”.
Nesse prisma de análise, entendemos que
a luta contra o racismo e a favor de grupos
socialmente vulneráveis não pode estar acima
da perspectiva classista. Pois as contradições
antagônicas objetivadas na realidade concreta
são geradas pela lógica sistemática do
capitalismo. Os perigos do sectarismo
identitário promovidos pelo pensamento pós-
moderno são grandiosos, e as influências
liberais são, muitas vezes, tácitas e tentadoras.
Simone Beauvoir (1972, s.p.), contribui ao
afirmar que “A verdade é una; o erro, múltiplo.
Não é por acaso que a direita professa o
pluralismo”. Della Fonte e Loureiro, a partir de
Beauvoir, nos indicam que o ideário burguês
toma o pluralismo “como verdade adquirida

425
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

definitivamente” (Beauvoir, 1972, p. 50). Dessa


forma, “[...] fala-se de escravidões, feudalismos,
capitalismos, cada um desses fenômenos com
uma história própria, que o fez diferir de si
mesmo e dos demais” DELLA FONTE;
LOUREIRO, 2011, p. 85). Nessa perspectiva de
narrativa, “Ao esquema ‘simplista’ de Marx, que
opõe exploradores e explorados, se substitui
um desenho tão complexo, que os opressores
entre si diferem tanto quanto diferem dos
oprimidos, a tal ponto que esta última distinção
perde sua importância” (BEAUVOIR, 1972, p. 50).
Constata-se, então, um pensamento
centrado no relativismo, pois não há interesse
na realidade concreta, nos aspectos materiais
da realidade. Há um enfoque na construção de
um pluralismo acrítico identitário, na qual cada
sujeito ou grupo constrói sua luta privada em
detrimento das demais demandas que, por sua
vez, também suscitam tomada de posição. Esta
desarticulação não apenas desperta muito
interesse das forças hegemônicas, mas
foram/são por elas desenvolvidas e fomentadas
como uma estratégica que remonta o
neocolonialismo, qual seja: dividir para
conquistar/dominar.
Destarte, tal movimento, relacionado ao
pluralismo burguês, promove a ruptura do
pensamento de uma luta unificada dentro de
uma sociedade historicamente desigual. A
sociedade contemporânea tem características
fortes de machismo, homofobia, racismo, mas

426
Ensino e Diversidade

tais contradições são fruto da alienação


operada pela lógica do capital. Vincular-se aos
subjetivismos e negar a objetividade da
realidade é uma condição anacrônica e
desprendida do concreto. Com base nos
princípios marxianos, sabemos que a
[...]subjetividade humana só se constitui a partir
dessa base objetiva sobre a qual ela, ao ser
constituída, também age” (DELLA FONTE, 2011,
p. 31). Constatamos, assim, que a ideia de
objetividade implica a totalidade das relações
sociais de produção e a sua historicidade. As
lutas contra opressão e exploração não podem
se estabelecer em enclaves fortificados
identitários, pois “elas só se fortalecem no
horizonte da universalidade” (DELLA FONTE,
2011, p. 34), isto é, na busca pela plena
emancipação humana.

Considerações finais
Elogio da dialética
A injustiça avança hoje a passo firme.
Os tiranos fazem planos para dez mil anos.
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser
como são.
Nenhuma voz além da dos que mandam.
E em todos os mercados proclama a exploração:
isto é apenas o meu começo.
Mas entre os oprimidos muitos há que agora
dizem:
Aquilo que nós queremos nunca mais o
alcançaremos.
Quem ainda está vivo não diga: nunca.
O que é seguro não é seguro.

427
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

As coisas não continuarão a ser como são.


Depois de falarem os dominantes, Falarão os
dominados.
Quem pois ousa dizer: nunca?
De quem depende que a opressão prossiga? De
nós.
De quem depende que ela acabe? Também de
nós.
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o
retenha?
E nunca será: ainda hoje.
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de
amanhã.
Bertolt Brecht

Os dados apresentados revelam a


profunda desigualdade na qual a população
negra está inserida. Seja no mercado de
trabalho, na renda média e no acesso ao
emprego ou nas bárbaras estatísticas das taxas
analfabetismo, trabalho infantil e trabalho
análogo à escravidão. Assim, entendemos que
há urgência em inserir na pauta de todas as
lutas sociais o combate à discriminação e à
desigualdade racial.
Ressaltamos, porém, que o fortalecimento
das lutas pode ser ampliado, ganhar contornos,
verdadeiramente, revolucionários, a partir da
unidade dos grupos oprimidos pela lógica
alienadora do capital. Isto significa articular as
demandas, que parecem ser, a priori, vinculadas
apenas às identidades, às subjetividades e, por

428
Ensino e Diversidade

este motivo, passam a ideia de que são lutas


privadas. Contudo, ao buscarmos um olhar
menos apressado e mais rigoroso, sob
premissas do materialismo histórico e dialético,
entendemos que o âmago das contradições
alienantes é o modus operandi do sistema
capitalista.
Para o geógrafo Milton Santos, “A força da
alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos,
quando apenas conseguem identificar o que os
separa e não o que os une” (1993, p. 17). Essa
fragilidade apontada pelo brilhante geógrafo, é
construída por meio da ideologia dominante,
pelos ideários do pluralismo burguês que
enaltecem a diferença, a fim de obstruir a
compreensão e a formação da consciência de
classe para si.
Dessa forma, faz-se necessário um
espírito combativo junto a luta constante pela
destruição de ideologias que estão imbricadas
com estratégias e projetos hegemônicos (FROIS,
2018). Sabemos que enquanto a democracia nos
moldes burgueses não for superada, a ideologia
burguesa continuará reverberando seus
tentáculos por meio do domínio da
superestrutura. Nesse caso, devemos manter a
luta atacando na perspectiva gramsciana de
guerra de posição (GRAMSCI, 1988), isto é,
disputar e ocupar as mais diversas trincheiras,
sejam elas a academia, as mídias alternativas, a
esfera política.

429
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Com base em Henry Lefebvre (2016) é


possível refletir sobre
[...] uma concepção pautada no devir, isto é,
de que devemos caminhar e nos esforçar em
busca de um novo humanismo, de uma vida
menos alienada, de uma verdadeira práxis,
conflituosa, dialética e que promova um outro
arquétipo de ser humano diferente daquele
forjado pelas forças do capital (FROIS, 2018,
p. 52).

Este novo humanismo sugerido por


Lefebvre, pressupõe a superação do arquétipo
de ser humano forjado pelo sistema capitalista,
alijados dos direitos básicos, alienados de sua
condição humana, compreendidos de maneira
reificada. O devir desse novo humanismo
pressupõe a busca pela compreensão do ser
humano na perspectiva dialética da unidade-
diversidade, objetivo-subjetivo.
Assim, poderemos ver a aurora de lutas
universalizadas, o combate ao racismo atrelado
ao combate à pobreza, às injustiças de todas as
ordens, isto é, raça, gênero e a pauta que é o
ponto que amálgama todas as lutas, qual seja, a
luta de classes. Esta utopia concreta suscita o
grito potente poetizado por Bertolt Brecht:
“porque os vencidos de hoje são os vencedores
de amanhã”.

430
Ensino e Diversidade

Referências
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431
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

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432
Ensino e Diversidade

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433
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

434
Ensino e Diversidade

RECURSOS
MULTIFUNCIONAIS:
ARTICULANDO SABERES
E TRANSFORMANDO A
PRÁXIS
Leila Cláudia de Farias Mangueira Carneiro

As escolas brasileiras, orientadas por uma


proposta educacional que envolva a inovação e
melhor condição de aprendizado de alunos
surdos, buscam meios para dar suporte aos
conhecimentos repassando-os aos discentes. A
questão da formação especializada do
educador, responsável direto pelo ensino,
assume importância vital no processo de
aquisição e desenvolvimento da linguagem.
Este artigo procura construir ações
relacionadas com a Tecnologia de Informação e
Comunicação (TIC) e a didática para alunos
surdos, trazendo assim, possibilidades,
adaptações e desenvolvimento de novas
ferramentas e pensamentos. Pois, a surdez
especificadamente afeta os processos de
aquisição da linguagem, refletindo em outras
dimensões do desenvolvimento especialmente
na aprendizagem.
Cabe salientar que os deficientes
auditivos são caracterizados por privações
sensoriais, cujo sintoma comum é uma reação
anormal diante do estímulo sonoro (Gagliardi &
Barrella, 1986). Oferecer oportunidades de

435
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

aprendizagem é papel da escola, estimulando e


acolhendo, na qual o discente sinta-se seguro e
confiante. Considerando a existência de
situações favoráveis ao desenvolvimento de
habilidades sociais, estimulando a função
formadora de futuros cidadãos. Buscando novas
perspectivas de conhecimento, inovações nas
práxis e o comprometimento com a
democratização do saber.
Diante desse impasse, a pergunta que
envolve a pesquisa em torno do artigo é: como
as Tecnologias de Informações e Comunicação
(TIC) possam contribuir na adaptação de
material para alunos surdos? Após longas
leituras e inúmeras referências a serem
pesquisadas e, por fim, utilizadas, este trabalho
teve como objetivo central compreender as
discussões de modo que os recursos
multifuncionais possam contribuir. Ressaltando
dos objetivos específicos os quais delimitam os
estudos: analisar as implicações das
Tecnologias de Informações e Comuninicação
(TIC); escrever a inteligência artificial nas
realizações das práxis, na maneira que os
softwares façam correlação entre fatos e
aprendizagem para novos conhecimentos;
comparar proposta de aprendizagem de alunos
surdos e, por fim, questionar acerca do
princípio de uma educação para todos e sua
discussão quanto ao material didático.
A educação ocupa um papel importante
na formação de opiniões, tanto no tocante à

436
Ensino e Diversidade

parte expressiva como à crítica, desenvolvendo


atividades que provocam a criatividade e a
oportunidade de pensamento crítico. Buscando
a valorização dos estudantes surdos, trazendo
consigo a realização de uma sociedade mais
igualitária, de saberes que venham a ser
dialogados, de heranças que sejam partilhadas,
e, por fim, um comprometimento com a luta e a
esperança de uma educação para todos. Para
finalizar a pesquisa, são trazidas as
considerações finais, ou seja, os entendimentos
acerca do assunto e a lista de referências
utilizadas para a elaboração desse artigo.

DESENVOLVIMENTO
A TECNOLOGIA DE INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO (TIC) COMO SUBSÍDIO
Pois bem, o ser humano cria tecnologias
de acordo com suas necessidades, e seu uso,
desta forma, vem recriando ambientes
continuamente. A revolução tecnológica
centrada (TIC) está remodelando a base
material da sociedade com sua velocidade
acelerada, descreve Castells (1999). As
transformações sociais e culturais da atualidade
são impulsiondas por meio das tecnologias e
suas possibilidades de desenvolvimento, como a
utilização de novas ferramentas que
disseminam uma forma específica de
pensamento.
Dessa maneira, dado início à
transformação da sociedade, a tecnologia se

437
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

envolve na visibilidade dessa mutação. Pode não


determinar a evolução da história, mas
transformá-la socialmente. A capacidade de
transformação capacita e incorpora a
sociedade, principalmente no caminho que os
leva ao viés tecnológico. Mesmo que “a
tecnologia não determina a sociedade, nem a
sociedade escreve o curso da transformação
tecnológica” (CASTELLS, 1999, p. 25). Como
também, “a tecnologia é a sociedade e a
sociedade não pode ser entendida ou
representada sem suas ferramentas (CASTELLS,
1999, p. 25). Muitos valores hoje são
transformados por nossa relação com a
sociedade e sua mutação com o cotidiano.
É preciso entender que o ser humano
sempre supera seu habitat, reiventando suas
regras e valores. Pois, as transformações
tecnológicas alteram desde a política, a cultura
e a economia até os modos de agir, pensar,
sentir e conhecer de cada momento histórico,
“a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não
pode ser entendida ou representada sem suas
ferramentas tecnológicas” (CASTELLS, 2005, p.
43). A imagem abaixo expressa o consenso de
que a tecnologia de informação e comunicação
(TIC) é uma ferramenta eficaz para o alcance de
seu objetivo.

438
Ensino e Diversidade

Imagem 01 – Discentes dominando as tecnologias e


tornando o ensino mais criativo

Fonte:<<https://unieducar.org.br/catalogo/cursogratis/tec
nologiada-informacao-e-da-comunicacao-na-educacao-
modulo-i-gratuito>>

Lembrando que, para Kenski, “a evolução


social do homem está intimanene relacionada
às tecnologias desenvolvivas em cada período e
o próprio processo de humanização pode ser
situado com o início das criações tecnológicas”
(KENSKI, 2003, p. 21). Faz-se por assim dizer, a
abertura para uma sociedade da informação, a
exemplo de estudar a Língua Brasileira de
Sinais – Libras – e adquirir fluência na língua,
tornou-se algo possível e acessível a todos.
Depois que surgiram alguns aplicativos
tradutores “Hand Talk e ProDeaf” para
smartphone e tablet, houve muito mais
facilidade na tradução da Língua Brasileira de
Sinais – Libras para o Português.

439
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Imagem 02 – Hand Talk – aplicativo tradutor

Fonte:<https://www.cadaminuto.com.br/noticia/282430/2
016/02/14/secretaria-da-educacao-inicia-projeto-para-
usar-o-hand-talk-na-rede-estadual>

A Hand Talk é uma Startup social, é uma


ferramenta complementar e tem como objetivo
deminuir a distância entre surdos e ouvintes.
Sendo exibido por um simpático intérprete
visual, personagem 3D, o Hugo, tornando a
comunicação interativa e de fácil compreensão.
A partir daí, vem a tradução automática
do conteúdo falado como também escrito para
Língua Brasileira de Sinais - Libras. Como
também o ProDeaf, uma Startup pernambucana,
onde estudantes do curso de Ciência da
Computação criaram esse projeto. A junção de
discentes surdos e ouvintes na busca de
solucionar problemas detectado dentro da sala
de aula. O aplicativo é um conjunto de
softwares capazes de traduzir texto e voz da
língua portuguesa transmitida para Língua

440
Ensino e Diversidade

Brasileira de Sinais – Libras. Imagem abaixo do


aplicativo ProDeaf.

Imagem 03 – ProDeaf aplicativo tradutor

Fonte:<https://www.youtube.com/watc?v=Rg3ubY6E9nQ

Atualmente, a sua missão encontrou um


novo lar, deixando de existir e seguindo o seu
caminho juntamente com à Hand Talk para
levantar a bandeira da acessibilidade cada vez
mais alto.
De outra parte, um engenheiro de
softwares Queniano desenvolveu uma luva que
converte a Língua de Sinais em áudio. A luva
reconhece letras e palavras e envia a
informação para o aplicativo de Android, tudo
isso em tempo real. Imagem abaixo da luva que
traduz a língua de sinais em áudio.

441
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Imagem 04 – Luvas que traduzem

Fonte:<https://observatorio3setor.org.br/noticias/quenian
o-cria-luvas-que-convertem-linguagem-de-sinais-em-
audio/

Lembrando que os seus usuários terão a


possibilidade de configurarem a linguagem, o
gênero e até o tom da vocalização por meio do
aplicativo.
A Revista Brasileira de Vídeo Registro em
Língua Brasileira de Sinais - Libras, é um site
que possibilita a postagem de artigos em Libras,
sendo ela um suporte principalmente para
acadêmicos surdos se expressarem. Além da
oportunidade de ouvintes se familiarizarem com
outros sinais. Abaixo imagem do site da Revista
Brasileira de Vídeo Registro em Libras:

442
Ensino e Diversidade

Imagem 05 – Revista Brasileira de Vídeo Registro em


Libras

Fonte:<http://revistabrasileiravrlibras.paginas.ufsc.br/files/
2012/03/Minicurso_XI_SEPEX1.pdf>

Lembando que existem inúmeras


tecnologias de vários segmentos. Destaco aqui
uma das mais atuais, a Tecnologia da
Informação e Comunicação (TIC). Pois, inova de
forma avassaladora, trazendo a eletricidade, a
comunicação à distância e a difusão de
produção em massa. Por outra parte, advento
da informática e da tecnologia da informação, a
tecnologia que encontramos em nosso dia a dia
é o uso de computadores pessoais, que
também foram responsáveis pelo nascimento

443
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

da internet e as plataformas digitais. Como


também impulsionou uns conjuntos de
tecnologias disruptivas como inteligência
artificial, robótica, realidade aumentada,
impressão 3D, biologia sintética e a chamada
internet das coisas. Equipamentos e objetos
seriam conectados uns aos outros por meio da
internet.
As novas tecnologias modificam tudo que
já vimos, isso faz parte da nossa realidade.
Combinam diversas tendências tecnológicas –
inteligência artificial, softwares, internet das
coisas e computadores nas nuvens –, que unem
o mundo virtual e o físico, combinações,
transformações avanços que devem
revolucionar o nosso dia a dia.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Neste contexto apresento uma definição
sobre inteligência artificial. Segundo Ribeiro, “a
inteligência artificial é uma ciência
multidisciplinar que busca desenvolver e aplicar
técnicas computacionais que simulem o
comportamento humano em atividades
específicas” (RIBEIRO, 2010, p. 08). Trago outros
autores que afirmam que o mesmo surgiu na
década de 1940, marcada pela Segunda Guerra
Mundial, no qual ocorreu a necessidade de
métodos que viessem desenvolver tecnologias
envolvidas em quebras de códigos, análises

444
Ensino e Diversidade

balísticas134 e cálculos matemáticos realizados


através de computadores. (LIMA; PINHEIRO;
SANTOS, 2014).
Desde então, muitos conceitos forma
aplicados, revisados e outros nunca alcançados.
Porém, aplicações inovadoras foram idealizadas
e desenvolvidas. Implementando soluções,
serviços, aprendizagem e processamento
massivo de dados. O aprendizado com
inteligência artificial é empregado em uma
variedade incomparável de tarefas de
computadores, permitindo que cientistas,
pesquisadores, analistas e engenheiros
produzam decisões e resultados que sejam
replicáveis e de certa forma confiáveis,
revelando tendências e ideias antes ocultas.
Alpaydin corrobora quando fala:
Usamos o aprendizado de máquina quando
acreditamos que existe uma relação entre
observações de interesse, mas não se sabe
exatamente como. Porque não sabemos sua
forma exata, não podemos simplesmente
seguir em frente e anotar o programa de
computador. Portanto, nossa abordagem é
coletar dados de observações de exemplo e
analisá-lo para descobrir o relacionamento
(ALPAYDIN, 2016, p. 29).

Pois bem, isso não ocorre acidentalmente.


Precisa despertar interesse, na teoria seria
134
Ciência que estuda o movimento dos projéteis,
especialmente das armas de fogo

445
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

como distribuir grandes cálculos em um enorme


número de unidades em processamento, todos
eles parelelos. Relacionando as tarefas
concretas com as possíveis soluções.
Resumidadamente, a inteligência artificial
bebe de teorias tanto das experiências da
psicologia cognitiva como da informática, tendo
seu principal objetivo reproduzir através de
computadores e suas atividades qualificadas
como inteligentes. Lembrando que a inteligência
artificial assemelha-se em vários aspectos com
a inteligência humana, pois, muitos de seus
domínios são desenvolvidos com base de
representação de conhecimento e raciocínio
lógico, memória, linguagem. Falta-lhe um
componente existe somente na inteligência
humana, a emoção.

OS SOFTWARES E A RELAÇÃO DO MATERIAL


DIDÁTICO
Com a chegada de novas tecnologias e
seu processo de incorporação tecnológica na
escola, a forma de lidar com a diversidade e
aprender, ter acesso, a rapidez das informações
e sua abrangência. Buscam-se sempre novas
possibilidade de interação e comunicação,
possibilitando-se, assim, uma gama em relação
à aprendizagem, à produção de conhecimento e,
por fim, à maneira de ensinar. Faz com que a
escola evidencie os desafios e problemas
relacionados ao tempo e espaço, provocando,
assim, sua prática. A tecnologia é bastante útil

446
Ensino e Diversidade

e fascinante, basta fazer parte do nosso dia a


dia. Segundo Dall`Asta podemos assim dizer
que:
Vive-se num mundo tecnológico e cada vez
mais se precisa entender como ele se
configura a fim de que se possa questionar a
realidade, desenvolvendo a capacidade de
avaliar o que realmente é bom, o que é
relevante e o que é inaceitável. É
principalmente nesse sentido que a educação
deve atuar (DALL’ASTA, 2004, p.15).

Então, hoje as tecnologias vêm sendo


incorporadas cada vez mais em nosso cotidiano
que, por alguns segundos, deixamos de
percebê-las. Como diz Kampff, “tudo depende
do uso que se faz dela”. (KAMPFF, 2006, p. 09).
Pois bem, a necessidade de conhecer como
também optar pelo uso das tecnologias é
preciso. Não se pode omiti-la ou muito mesmo
igonorá-la, pois ela está inserida em nossa
rotina.
As perguntas que faço é: e a escola, como
está se organizando para o uso das tecnologias?
E seus docentes? Como deve ser a formação
desses profissionais envolvidos com tantas
mudanças? E quais os métodos e práticas de
ensino? E de que maneira o aluno surdo pode a
vir usufluir dessas novas tecnologias? Esclarece
Dall`Asta ainda que:
Não se pode privar as escolas do acesso às
novas tecnologias da informação e da

447
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

comunicação, que tanto podem promover a


construção de conhecimentos quanto levar a
inovações, possibilitada pela interação das
várias mídias hoje disponíveis, além de
favorecer uma aproximação com a realidade
do mercado de trabalho (DALL`ASTA, 2004,
p.13).

Lembrando que não basta ter acesso às


tecnologias da informação e comunicação (TIC),
é preciso saber utilizá-las e compreendê-las,
diante do cenário tecnológico da escola e seu
contexto significativo e realmente pedagógico.
Continuando com Dall`Asta:
Podem-se observar algumas escolas onde os
computadores foram introduzidos somente
pela informática, de modo que deles são
utilizados somente os editores de texto e, em
algumas, a Internet, para navegar sem a
finalidade de pesquisa orientada, ou seja,
essas máquinas estão sendo subtilizadas.
Então o que se aprende ali? É a informática
pela informática, sem propósitos pedagógicos.
Mas isso ajudará a resolver os problemas do
ensino e aprendizagem? Que contribuição
poderá trazer para a escola ou para a
educação? Não se trata, portanto, de
“automatizar o ensino” ou de habilitar o aluno
para trabalhar com o computador
(DALLD`ASTA, 2004, p.48-49 grifo meu).

A sugestão que aplico na pesquisa será


um exemplo utilizado na plataforma Watson,

448
Ensino e Diversidade

um sistema cognitivo de aprendizagem, no qual


já desenvolveu aplicativos tanto para culinária,
ensino das artes, dentro outras. Em detalhes
os dois exemplos logo abaixo:
 Lugar de computador é na cozinha: a
plataforma Watson, no projeto “Cognitive
cooking with Chef Watson”, em português,
“Cozinha cognitiva com o Chef Watson”.
Juntamente com o Chef Watson, que
revolucionou a cena da gastronômia com um
aplicativo reunindo 65 receitas de diversas
etnias. Esse desenvolvimento só foi possível
através da parceria entre o IBM e o Instituto
de Educação Culinária de Nova Iorque (ICE).
Utilizando parcerias inéditas, por meio de
análises diversas de receitas já existentes,
gostos, combinações químicas e cheiros com
ingredientes que nuncam foram utilizados em
conjunto. Ressultado de pratos apetitosos.
Além do mais, o Chef Watson é programado
para identificar preferências por
determinados alimentos, analisar composição
nutricional dos alimentos e por fim, criar
receitas gostosas e funcionais. Abaixo
ilustração do livro do Chef Watson e suas
receitas.

449
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Imagem 03 – Ilustração do livro Cozinha cognitiva com o


Chef Watson

Fonte: Tecnologia da Informação na Gestão Pública, 2017,


p. 35

 Estímulo às Artes: a plaforma Watson,


da IBM, no projeto “A voz da Arte”, realizou
em São Paulo (SP) na Pinacoteca – um
assistente cognitivo - , o qual respondia
perguntas dos visitantes relacionadas a sete
obras de artes do acervo. Propocionava
experiências e personalização para cada obra
selecionada. O objetivo final era estimular os
visitantes a aprender um pouco mais sobre
arte e experiência do que é o museu. Abaixo,
a ilustração é baseada no aplicativo que é
utilizado no interior do Museo de Arte.
Demostrando a pergunta quando é convertida
em áudio para texto, e por fim,
transformanda em áudio como resposta da
pergunta incial. A imagem e texto resultante
da conversa entre a obra de arte o
expectador.

450
Ensino e Diversidade

Imagem 04 – A figura demostrando a pergunta

Fonte: Fonte: Tecnologia da Informação na Gestão


Pública, 2017, p. 61

As ilustrações acima confirmam como a


tecnologia, em parceria com a plataforma
Watson, auxilia o nosso dia a dia, aprimorando
nossos conhecimentos, incentivando a pesquisa
e aprendizagem. Evoluem cada vez mais as
técnicas de inteligência artificial, lembrando que
as tecnologias têm construído e agregado em
prol da expansão do aprendizado com sua
infraestrutura.

451
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

PROPOSTA DE APREDIZAGEM PARA ALUNOS


SURDOS
A pesquisa que trago para área de
educação que aborda materiais para alunos
surdos, seria a implantação de um softwares
que venha alimentar-se de informações do
histórico escolar de cada aluno, tendo como
finalidade auxiliá-lo em suas tarefas básicas,
estudos para provas, perguntas complexas
sobre a escola, conselhos úteis e,
principalmente, em seu aprendizado da Língua
Brasileira de Sinais L1 e Língua Portuguesa L2.
Além disso, auxiliando os pedagogos a
entender cada discente individualmente. Mas,
para isso, a plataforma teria de ser alimentada
por professores de ensino, especialista em
deficiência auditiva e intérpretes. Esse material
é processado e gera uma inteligência com
insights que ajudariam aos educadores a
desenvolverem melhor os seus trabalhos e
entender o potencial de cada aluno surdoscom
materiais e ações pontuais. Abaixo a ilustração
demonstra o uso da ferramenta para alunos
surdos.

452
Ensino e Diversidade

Imagem 05 – Exemplo da utilização da plataforma Watson


com o equipamento

Fonte: << http://www.algar.com.br/praticas-e-


tendencias/sustentabilidade/as-contribuicoes-das-
tecnologias-cognitivas-para-a-aprendizagem->>

No Brasil foi desenvolvido “Elements for


Educators” um aplicativo com tecnologia
Watson que oferece aos professores uma visão
geral sobre cada aluno. Os docentes podem,
assim, acompanhar e registrar informações
sobre o desenvolvimento individual de seus
discentes e características pessoais. O
aplicativo possibilita, além de tudo, conhecer
melhor seus alunos e identificar os pontos que
eles precisam de reforço com a experiência
mobile135. Desta forma, Rodrigues descreve que:
O Watson da IBM (“IBM Watson”, 2016) é o
mais popular dentre os sistemas cognitivos.

Modelo abstrato que tem peças móveis, impulsionadas


135

por motores

453
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Ele está disponível em forma de API


(Application Programming Interface), no qual
o desenvolvedor pode utilizar em seus
sistemas, ou por meio de plataformas
prontas, onde dados de diversos formatos
podem ser analisados diretamente pela
plataforma. Um dos pontos fortes do Watson
é a precisão em linguagem natural (Natural
Language Pro- cessing – NLP), ou seja, por
meio dessa tecnologia, é possível que ele
entenda as pesquisas ou solicitações do
usuário, por meio de voz ou texto. A alta
precisão das técnicas de processamento de
linguagem natural, aliadas às tecnologias de
recuperação da informação, inteligência
artificial e poder de processamento faz com
que o Watson promova possibilidades para
tomadas de decisão em diversos domínios.
(RODRIGUES, 2017, p.103).

Mudanças em nosso dia a dia já vêm


surgindo há séculos, tanto novas habilidades
como também qualificações. Diante disso, o
sistema educacional exige um colaborador
versátil, ágil e conectado. Os novos desafios
existem, mas os sistemas atuarão sempre para
ajudar e aperfeiçoar todo o processo
educacional de ensino, pois os desafios são
grandes em relação à Tecnologia de Informação
e Comunicação (TIC) e à proposta de
aprendizagem para aulos surdos. Ressalte-se
que o processo educacional para deficientes
auditivos, como também ferramenta

454
Ensino e Diversidade

pedagógica, pode de maneira nenhuma ser


vista como um simples instrumento
tecnológico, mas, sim, como aliado em sua
formação, promovendo discussões e respostas
mediante essas ferramentas. Basso descreve
que compreender os novos códigos de leitura e
escrita, suas novas linguagens e as formas de
interpretar e entender dando acesso à
educação e seu ensino possibilita que esses
recursos visuais facilitem a inserção de
discentes surdos nesse contexto (BASSO, 2003,
p.119).
Pois bem, a abordagem filosófica carrega
consigo os significados científicos, sociais e
culturais. Além de proporcionar suporte ao
processo de educação, criando uma nova leitura
para o contexto. Freire (1996, p.31) discorre que,
“Ao ser produzido, o conhecimento novo supera
outro que antes foi novo e se fez velho e se
dispõe a ser ultrapassado por outro amanhã.”
Desta maneira, Freire ousava com fragmentos
que estavam presentes em sua vida.
A interdisciplinaridade para Freire era
ação em movimento. É importante destacar que
Paulo Freire encontrava-se na linha de frente
para esse entendimento, o qual teve por
finalidade a quebra da rigidez dos
compartimentos em que se encontravam as
isoladas disciplinas. Ainda convém lembrar as
indagações encontradas nas entrelinhas. O
filósofo questionava as características do
projeto interdisciplinar.

455
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

O infográfico abaixo mostra que a filosofia


traz o estudo do conhecimento; a psicologia
busca a compreensão; a língua de sinais agrega
o entendimento acerca da sua forma de se
comunicar; a neurociência melhora o
entendimento do funcionamento da mente; e a
antropologia estuda os comportamentos.
Inforgráfico 01 – Imagem da interdisciplinaridade

Lingua de Sinais

Fonte: a própria autora

Desta maneira, as tendências


contextualizadas, tanto no lado psicológico
como do social, se adstringem as teorias. É
preciso comparar, descrever, observar,
interpretar e avaliar todo o processo necessário
na utilização de novas tecnologia, fazendo com
que se integrem em nosso cotidiano.

EDUCAÇÃO PARA TODOS


A educação de qualidade visa à formação
para a cidadania, que ainda não se tornou real,

456
Ensino e Diversidade

mesmo depois de vinte anos da Carta Magna.


Esta é considerada a Constituição Cidadã, ao ter
garantido, pela primeira vez na história de um
país, os direitos sociais à educação pública,
laica, presencial, de qualidade e para todos os
brasileiros. A educação contemporânea integra
o desenvolvimento nas instâncias educacionais,
construindo significados que venham a atingir
os objetos constitutivos da sociedade. A
educação relacionada à pesquisa neste artigo é
definida de acordo com a Declaração de
Salamanca136, que preconiza que as escolas:
Deveriam incluir crianças deficientes e
supedotadas [sic], crianças de rua e que
trabalham, crianças de origem remota ou de
população nômade, crianças pertencentes a
minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e
crianças de outros grupos desavantajados ou
marginalizados (UNESCO, 1994, p. 3).

É direito de todos dos cidadãos uma


educação de qualidade, livre de preconceitos e
discriminações. Em nossa política educacional,
o termo inclusão refere-se ao resgate da
educação como direito de todos os citadinos. A
Declaração de Salamanca não deve ser
analisada e muito menos interpretada somente
no viés da educação especial, mas, sim,
apontado a diversidade de alunos e não

Resolução das Nações Unidas que trata dos princípios,


136

política e prática em educação especial. Adotada em


Assembleia Geral

457
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

somente de pessoas com deficiência,


incentivando que o sistema transforme as
escolas em escolas inclusivas.
A Declaração de Jontiem137 trata da
universalização do acesso à educação e da
promoção da equidade, registradando o
compromisso efetivo para a superação da
desigualdade educacional, descrevendo o que o
país deve assumir e demostando que os grupos
excluídos: pobres, indígenas, migranges,
nômades, minorias étnicas, linguísticas, raciais
entre outros, não devem enfrentar quaisquer
espécies de discriminação no acesso às
oportunidades educacionais. (UNESCO, 1990).
O caminho a ser trilhado no processo de
efetivação do direito à educação de qualidade
para todos, não pode depender da classe social,
nem da estrutura física a que se pertence.
Romper com essas barreiras possibilita a todo
ser humano explorar suas potencialidades,
fazendo a sociedade mais justa e rica. Dall`Asta
descreve que toda a sociedade está imersa em
um mundo tecnológico e de direitos de todos a
ter esse contato.
Vive-se num mundo tecnológico e cada vez
mais se precisa entender como ele se
configura a fim de que se possa questionar a
realidade, desenvolvendo a capacidade de
137
Documento elaborado na Conferência Mundial sobre
Educação para Todos, realizada na cidade de Jomtien, na
Tailândia, em 1990, também conhecida como Conferência
de Jomtien

458
Ensino e Diversidade

avaliar o que realmente é bom, o que é


relevante e o que é inaceitável. É
principalmente nesse sentido que a educação
deve atuar (DALL’ASTA, 2004, p.15).

Lembrando que, todos nós apredemos de


forma diferente, uns mais devagar, outros de
maneira acelerada e outros nem tanto. Uns de
forma visual, como os alunos surdos, e outros
de forma auditiva, como os ouvinentes, por
exemplo. Como também existe diversas formas
de ensinar e aprender.
Pois bem, o ato de ensinar e o de
aprender andam paralelos, não se podendo
separá-los dentro do processo educacional. E a
tecnologia está ai para ajudar os docentes a
compreenderem melhor seus discentes, levando
em conta o ser que aprende, modifica, ensina e
é modificado em sua singularidade. Demonstra
a relação entre aluno e sua história pessoal
junto com a modalidade de aprendizagem.
Saliente-se que muitas tecnologias estão
imersas em nosso cotidiano, por vezes
deixamos de percebê-las. É de extrema
necessidade a utilização da tecnologia de
maneira eficiente e eficaz para o ensino, em
específico para a alfabetização de crianças
surdas.
Logo, a formação do ser traz a
possibilidade de questionar o conhecimento em
relação ao mundo, por meio da expressão de
ideias, de significados e pela colaboração do

459
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

conhecimento historicamente produzido de


modo reflexivo (UJIIE, 2013). Conforme a autora
Karin em seus apontamentos em relação à
humanidade e o ser surdo, pois:
A presença do povo surdo é tão antiga quanto
a humanidade. Sempre existiram surdos. O
que acontece, porém, é que nos diferentes
momentos históricos nem sempre eles foram
respeitados em suas diferenças ou mesmo
reconhecidos como seres humanos (Strobel,
2008b, p.42).

Frente à complexidade da questão, sobre


a história dos surdos, observa-se que sua
trajetória perpassa por imposições,
preconceitos e experimentos sem sucesso.
Enfim, alguém começou a entender
diferentemente a cultura dos surdos e hoje eles
podem utilizar a sua língua. Mesmo assim, para
que os surdos vivam em igualdade com os
ouvintes, é necessário principalmente que a
sociedade os respeite da forma que são,
usufruindo de sua linguem gestual espacial,
porém rica e expressiva como qualquer outra
língua mãe e trabalhando em parceria com a
tecnologia. Assim, o discente surdo conseguirá
aprender com mais facilidade sua língua como
também a língua portuguesa e todas as suas
estruturas.

460
Ensino e Diversidade

MATERIAIS E MÉTODOS
CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA
O presente trabalho se caracterizou pela
pesquisa descritiva bibliográfica. Segundo
Laville e Dionne, a análise de conteúdo permite
uma abordagem com uma gama de diversidade
e de objetos para a investigação, como valores,
mentalidades, atitudes, representações,
ideologias etc (LAVILLE E DIONE, 1999 p. 214).
Desta forma, a pesquisa deteve solidez, por
motivo da utilização do referencial teórico
escolhido e sua flexibilidade.
Em suma, Oliveira, em seu apontamento
comenta a importância na modalidade da
pesquisa. Para o autor, a análise de documentos
de domínio científico, como periódicos, livros,
ensaios críticos, enciclopédias, artigos
científicos e dicionários, tem a construção
identificadora, na qual pontua o que é estudo
direto em fontes científicas, sem precisar
recorrer diretamente aos fatos/fenômenos
empíricos (OLIVEIRA, 1999 p. 69). Além disso, o
pesquisador poderá, dessa maneira, fornecer
uma interpretação coerente, tendo como base a
temática abordada.
Utilizamos como aporte teórico o estudo
relacionado à Tecnologia da Informação e
Comunicação (TIC), ressaltando o pensamento
de Tajra, quando decreve que o termo
tecnologia ultrapassa a definição de
equipamentos, uma vez que entremeia toda a
vida social, apresentando-se de diferentes

461
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

maneiras, até mesmo em situações não


palpáveis. (TAJRA, 2012, p. 41).
Com propósito de direcionar argumentos
e discussão no viés tecnológico e de expansão
para materiais educacional para alunos surdos.
Nesse sentido a inteligência artificial, veio
demostrar o seu aprendizado que é empregado
em uma variedade incomparável de tarefas de
computadores, permitindo que cientistas,
pesquisadores, analistas, engenheiros produzam
decisões e resultados que sejam replicáveis e
de certa forma confiáveis, revelando tendências
e ideias antes ocultas.
Aponta-se a Declaração de Jomtien, a
qual tratava sobre a universalização do acesso à
educação e promoção da equidade,
registradando o compromisso efetivo para a
superação da desigualdade educacional.
De outra parte, retoma-se a observação
para aprendizagem de discentes surdos que são
desenvolvidas visualmente. Segundo a autora
Strobel (2008, p.38), a cultura surda envolve as
“atitudes do ser surdo, de ver, de perceber e de
modificar o mundo”. O ser humano desde dos
primórdios até os dias atuais, produz tecnologia.
Como dizia Kampff, “movido por suas
necessidades e desejos, inventa artefatos que
modificam o mundo e a sua forma de
relacionar-se com ele”. (KAMPFF, 2006, p.09).

462
Ensino e Diversidade

ANÁLISE DA PESQUISA
Nasceram interessantes discussões por
meio de inúmeras pesquisas. Não se pode negar
a necessidade de muito a fazer. Para que haja
um esclarecimento, em âmbito geral, foram
levantadas lacunas e, por consequência, pontos
de interrogações. Para isso, precisamos de
excelentes profissionais, que vão além do que
lhes cabe.
Aprimorou-se o trabalho por meios de
bases de dados. Buscando assim, geração de
conhecimento no viés da análise interpretativa,
hábil a ler e a explorar toda a veracidade das
ideias expostas. A análise explicativa tem como
finalidade explicar os fatos em seus termos. A
análise exploratória é dada em descoberta de
práticas que têm a necessidade de
modificações na elaboração de alternativa que
venham a ser substituídas. Já na especificação,
o pesquisador busca indagações para as suas
respostas, estabelecendo uma ligação entre os
dados obtidos e as hipóteses previamente
formuladas. De acordo com Pereira:
A ciência vem sendo marcada pelo princípio
básico de que o conhecimento é construído
de forma progressiva e cumulativa - na visão
positivista, ou seja, baseado em informações
existentes e no acréscimo de resultados de
pesquisas atuais às bases de conhecimento
(SANTOS & PEREIRA, 2004, p.02).

463
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

O grande problema é que são poucos os


docentes que conseguem essa plena
competência, seus questionamentos e os que
realmente formem uma educação com um
legado que busque por constantes
transformações.
O estudo científico que faz a ligação entre
o homem e o ambiente de seu cotidiano deve
investigar suas capacidades, habilidades. Com a
pesquisa, veio à base para dar continuidade e
desenvolvimento a esse trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Por conseguinte, os resultados aqui
atribuídos vieram de pesquisa bibliográfica e
intepretativa, assim sendo de profundos
estudos acadêmicos e de experiência em nosso
cotidiano, tornando-se essencial para a
pesquisa. Nesse sentido, buscou-se a
aproximação da Tecnologia da Informação e
Comunicação (TIC) e materiais adaptados para
alunos surdos, contribuindo para o melhor
desempenho e aprendizagem através de árduas
pesquisas. Com um propósito, a contribuir para
a sociedade o conhecimento. Em síntese, não
existe uma fórmula ou regra preestabelecida
que venha possibilitar a interação entre a
Inteligência Artificial e as pessoas que se
comunicam através da Língua Brasileira de
Sinais - Libras. Precisamos de ferramentas para
que o discente se sinta acolhido onde que quer
esteja, ultrapassando, desse modo, seus limites

464
Ensino e Diversidade

e a necessidade de se superar. Coll & Monereo


expressa a diferença das tecnologias:
Entre todas as tecnologias criadas pelos seres
humanos, aquelas relacionadas com a
capacidade de representar e transmitir
informação – ou seja – as tecnologias da
informação e da comunicação – revestem-se
de uma especial importância, porque afetam
praticamente todos os âmbitos de atividade
das pessoas, desde as formas e práticas de
organização social até o modo de
compreender o mundo, de organizar essa
compreensão e de transmiti-la para outras
pessoas (COLL & MONEREO, 2010, p. 17).

Desta forma, ressaltamos o importante


papel da Tecnologia da Informação e
Comunicação (TIC) na atualidade. É meio de
transmissão de conhecimento e pode ser
passado de geração para geração. Resulta, para
educação, na formação de pessoas que sejam
capazes de lidar com o mundo contemporâneo.
Favorece a formação pedagógica especializada
voltada para uma sociedade do conhecimento,
com seres humanos ativos e criativos. Capacita
seus alunos a desenvolver automia, soluções e
a lidar com a tecnologia cada vez mais
acelerada.

CONCLUSÃO
Este artigo perpassou o importante papel
entre pesquisas e discussões, envolvendo,
assim, a Tecnologia da Informação e

465
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Comunicação (TIC) e materiais adaptados para


alunos surdos. Descobriu-se que ainda existem
barreiras a serem vencidas, quando fala-se de
Inteligência Artificial vs. Educação e pessoas
com deficiência auditiva.
Destacou-se, dessa maneira, os mais
diferentes cenários externos. A tecnologia não é
parte de um futuro distante, pelo contrário, é
nosso cotidiano, o agora! Portando, deve ser
integrada a qualquer disciplina, independente
da área de atuação. De outra parte, utilizando a
tecnologia na alfabetização de alunos surdos
por meio de softwares educacionais, alia-se o
lúdico ao ensino. Ressalte-se que existe a
necessidade que o docente tenha contato
direto com esse recurso, alimentando,
instrumentalizando, utilizando, dando suporte
para o seu desenvolvimento, ampliando as
atividades planejadas e os avanços e interesse
de seus alunos.
Cabe salientar que os deficientes
auditivos são caracterizados por privações
sensoriais, cujo sintoma comum é uma reação
anormal diante do estímulo sonoro (GAGLIARDI
& BARRELLA, 1986). Em síntese, oferecer
oportunidades de aprendizagem é papel da
escola, incentivando e acolhendo, de modo que
o discente sinta-se seguro e confiante. Deve-se
considerar a existência de situações favoráveis
à ampliação de habilidades sociais, estimulando
a função formadora de futuros cidadãos,
buscando-se novas perspectivas de

466
Ensino e Diversidade

conhecimento e comprometimento com a


democratização do saber.
Assim sendo, a educação ocupa um papel
importante na formação de opiniões, tanto no
tocante à parte expressiva, como na crítica,
expandindo atividades que incentivem a
criatividade e a oportunidade de pensamento
crítico. Dessa forma, que sejam valorizados os
estudantes surdos, trazendo-se consigo a
realização de uma sociedade mais igualitária, de
diálogo, e e que suas heranças sejam
partilhadas, e, por fim, inclua-se o
comprometimento com a luta e a esperança de
uma educação para todos.
Constatou-se, assim, que os surdos
precisam de contato com a tecnologia, a fim de
que possam expressar sua identidade surda,
além de aproximarem-se acerca da realidade,
melhorando seu desempenho e aprendizagem.
Podemos afirmar que existe um potencial
em cada indivíduo deficiente auditivo a ser
explorado, como também a necessidade do
reconhecimento da pesquisa bibliográfica no
viés acadêmico e profissional de educação.
Lembrando que uma educação de qualidade
precisa ter automonia.

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471
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

472
Ensino e Diversidade

REFLEXÕES SOBRE A
IMPORTÂNCIA DO PAPEL
DO INTÉRPRETE DE
LÍNGUA DE SINAIS NA
ESCOLA COMUM
Maria Aurioneida Carvalho Fernandes
Regina de Fatima Mendes Schmidlin
Maria Durciane Oliveira BritoCarneiro

A escola inclusiva é em primeira instância


uma questão de atitude, de aceitação do
diferente, de sentimento de pertença e de
comunidade. É uma escola que procura atender
a todos, proporcionando cidadania e dignidade e
não apenas privilégio dos que julgamos capazes.
Na educação de surdo, a inclusão vem se
caracterizando como uma trajetória de lutas e
conquistas, fruto inclusive, da própria
conscientização desses sujeitos. Dentre as
políticas destacadas, sempre fruto das
constantes lutas de direitos da comunidade
surda focamos a figura do intérprete de língua
de sinais, em especial ao do intérprete
educacional, personagem de singular
importância, mas de escassa literatura sobre o
seu papel.
Em Quadros (2004, p.27), lemos que o
intérprete de língua de sinais é “o profissional
que domina a língua de sinais e a língua falada
dos seus pais e que é qualificado para
desempenhar a função de intérprete”. A

473
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

legislação vigente orienta a presença do


profissional intérprete escolar como forma de
garantir a esses alunos um ambiente bilíngue,
onde ele possa utilizar a língua de sinais
(materna), denominada de L1 e a língua
portuguesa (predominante), também
denominada de L2.
O trabalho do intérprete requer uma
complexidade que envolve desde a concepção
que faz do ato de interpretar, à sua formação,
uma vez que esta profissão existe oficialmente,
segunda da Lei nº 12.319/10 (lei do intérprete) e,
como em toda profissão, desenvolver
habilidades e competências para o seu
exercício.
Pelo exposto e vivências como
profissional da educação e responsável por
estágio presenciamos rotineiramente, entre a
comunidade escolar situações de inclusão /
exclusão / desinformação. Assim, apresentamos
a seguinte indagação como forma de nortear a
presente pesquisa: como é desenvolvido o
ensino para as pessoas com surdez que
estudam no ensino fundamental de escolas
públicas de Parnaíba sem a presença do
intérprete educacional?
Para obtermos respostas propomos como
objetivo geral: investigar a prática pedagógica
desenvolvida por professores do ensino
fundamental dos anos iniciais que trabalham
com alunos surdos. E objetivos específicos:
conhecer as representações elaboradas acerca

474
Ensino e Diversidade

da inclusão e do profissional intérprete de


sinais; verificar como acontece o ensino de
alunos com surdez nas escolas de ensino
fundamental sem a presença do intérprete
educacional e identificar as dificuldades
encontradas pelos professores durante as aulas.
A fundamentação teórica baseou-se em
Quadros (1997; 2004); Mantoan (2006); Rosa
(2003), Lacerda (2009) e outros, que contribuem
de forma significativa para a reflexão do
processo de inclusão, do perfil e da valorização
do intérprete educacional.
Destarte, esperamos que esse artigo sirva
de parâmetro para novas indagações a respeito
da temática, onde a comunidade educacional
possa se envolver com questões a ela
relacionadas, como também o papel do
intérprete de língua de sinais possa se tornar
comum nas escolas.

SITUANDO O INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS


NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
DE SURDOS
No Brasil, por volta da década de 80, o
trabalho de interpretação ocorre com mais
frequência nas instituições religiosas, razão pela
qual os melhores intérpretes na língua de sinais,
salvo os filhos de pais surdos, são oriundos das
diversas igrejas. A profissão de intérprete é
recente, homologada pela Lei nº 12.319 de 1º de
setembro de 2010, por essa razão existe uma
variedade de intérpretes das mais diversas

475
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

áreas como pedagogos, pessoas atuantes nas


igrejas e outros.
Destarte, convém salientar que a
interpretação da língua de sinais vinha sendo
desenvolvida ao longo da história pelo
envolvimento que as pessoas possuíam com as
organizações que trabalhavam com surdos.
Entretanto, na educação não era encontrada a
figura do intérprete, porque a filosofia
educacional dominante era o oralismo.
Para Rosa (2003), trabalho do intérprete
de língua de sinais viabiliza a comunicação de
surdos e ouvintes. No meio acadêmico, a prática
tradutória escrita é chamada de tradução,
enquanto o termo interpretação é utilizado para
dar referência à pratica tradutória oral, sendo
que a principal diferença entre a tradução e
interpretação, é que o tradutor reproduz o texto
escrito e para isso tem acesso a diversos
recursos, tecnologias, bibliotecas etc. E o
intérprete faz a tradução oral em tempo real,
onde a presença física é exigida, pois utiliza voz
e gestos para pronunciar um discurso
equivalente pronunciado no português oral ou
vice-versa.
A mesma autora (2003), evidencia que
para a realização do seu trabalho, ao intérprete
não é exigido apenas o conhecimento de língua
de sinais, mas um conjunto de três requisitos
básicos e indissociáveis: conhecimento sobre a
surdez, domínio da língua de sinais e bom nível
de cultura. Para garantir uma educação de

476
Ensino e Diversidade

qualidade para o aluno com surdez, a escola


deverá responder as necessidades educacionais
especiais desse aluno, oferecendo recursos e
metodologias que desenvolvam, além das
habilidades cognitivas, a criticidade,
participação e interações sociais. Entretanto,
para que o aluno com surdez aprenda, precisa
antes de qualquer situação, que compreenda o
seu ambiente e se relacione com ele, ou seja,
precisa se comunicar. Surge, então, a
necessidade do profissional denominado de
intérprete educacional.
A organização dos movimentos da
comunidade surda trouxe muitas conquistas
para a educação de surdos, dentre elas o
reconhecimento da língua brasileira de sinais
(LIBRAS) como forma legal de comunicação e
expressão da pessoa surda e,
consequentemente, a reorganização da prática
educacional para essa população.
Segundo Pires e Nobre (2004), a educação
bilíngue proporciona às pessoas surdas,
condições de inclusão tanto em seu meio como
no meio do ouvinte, o que torna imprescindível
a atuação do intérprete de língua de sinais.
Corroborando com esta ideia, Lacerda (2009),
diz que a ausência do intérprete educacional,
provoca grande prejuízo na interação entre
surdos e ouvintes, deixando-os desmotivados
dada a exclusão de informações.
Consideramos que o intérprete
educacional se traduz num direito para garantia

477
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

de escolarização de pessoas surdas, ao mesmo


tempo, sabemos que o seu trabalho não
assegura a total contemplação de
peculiaridades inerentes a cultura da pessoa
surda no ambiente escolar. O referido
profissional é aquele que atua especificamente
nas escolas, se constitui na figura mais
solicitada nos dias atuais nessa área. Tem a
função de mediar a comunicação entre os
professores e os alunos, alunos e alunos, pais,
funcionários, enfim, de toda a comunidade
escolar, estendendo também suas funções nos
seminários, palestras, reuniões e demais
eventos promovidos pela escola.
É um personagem novo na educação da
pessoa com surdez presente na escola regular,
por isso mesmo esse profissional é insuficiente
no mercado e se concentra mais em grandes
centros, ficando as pequenas cidades, sem esse
profissional. Ademais, o trabalho do intérprete
educacional carece de uma carga horária
semanal que atenda as aulas do currículo dos
alunos.
Na sala de aula ele é um mediador da
comunicação, é quem facilita a compreensão
dos conteúdos apresentados pelo professor,
portanto, não deve somente traduzir os
conhecimentos ministrados pelo professor,
mas, torná-los acessíveis com exemplos e as
experiências do seu cotidiano. Daí a importância
do planejamento e da interação entre o
intérprete e o professor da sala de aula comum.

478
Ensino e Diversidade

Nas dificuldades encontradas por esse


profissional, observa-se a que a própria
mediação esbarra na questão ética da profissão,
quando alunos que interagem apenas com o
intérprete desconsiderando a figura do
professor ou quando o próprio professor delega
ao intérprete essa função, o que comumente se
observa nesse contexto. Conforme ressalta
Quadros (2004, p.60):
O intérprete especialista para atuar na área
da educação deverá ter um perfil para
intermediar as relações entre os professores
e os alunos, bem como, entre os colegas
surdos e os colegas ouvintes. No entanto, as
competências e responsabilidades destes
profissionais não são tão fáceis de serem
determinadas. Há vários problemas de ordem
ética que acabam surgindo em função do tipo
de intermediação que acaba acontecendo em
sala de aula. Muitas vezes, o papel do
intérprete em sala de aula acaba sendo
confundido com o papel do professor. Os
alunos dirigem questões diretamente ao
intérprete, comentam e travam discussões
em relação aos tópicos abordados com o
intérprete e não com o professor.

Quando a escola contrata um intérprete


educacional está dando a possibilidade de o
aluno surdo receber a informação escolar em
língua de sinais, por meio de uma pessoa com
competência nesta língua, aumentando as suas
chances de desenvolver-se e construir novos

479
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

conhecimentos de maneira satisfatória. No


entanto, o papel do intérprete não deve se
confundir professor com a do professor de sala,
ambos têm papéis diferenciados, embora
precisem trabalhar de forma articulada para a
aprendizagem e desenvolvimento do aluno
surdo.
O intérprete da língua brasileira de sinais
no campo educacional tem uma carreira
promissora. Ademais, a política de inclusão
estabelecida pelo Ministério da Educação, bem
como por sua legalização por meio do Decreto
nº 5.626/05, instiga cada vez mais a
necessidade da sua efetivação no ambiente
escolar. Conforme afirma Lacerda (2009, p.35):
O IE tem uma tarefa importante no espaço
escolar, seu papel e modos de atuação
merecem ser mais bem compreendidos e
refletidos. A inclusão do intérprete não
soluciona todos os problemas educacionais
dos surdos, sendo necessário pensar a
educação inclusiva, em qualquer grau de
ensino, de maneira ampla e consequente.

Por isso, é importante e legal que o


intérprete tenha uma formação inicial e
contínua, para que o mesmo possa atuar com
segurança e competência nos vários papéis que
lhes forem apresentados durante a sua tarefa
de interpretar, inclusive colaborando com
professor para o desenvolvimento de uma
prática pedagógica numa perspectiva mais

480
Ensino e Diversidade

inclusivista, ademais, faz-se mister salientar


que a competência perpassa pela formação
profissional, uma vez que o conhecimento é
amplo e dinâmico.

OS CAMINHOS PECORRIDOS NA PESQUISA


Esta pesquisa tem uma abordagem do
tipo qualitativa, buscando em seus
instrumentos a compreensão da concepção de
inclusão e das representações elaboradas
acerca do profissional intérprete de sinais pelos
professores das séries iniciais do ensino
fundamental de Parnaíba. Na perspectiva de
Minayo (2007, p.26), a pesquisa qualitativa,
apresenta-se como uma atividade
fundamentada numa “linguagem baseada em
conceitos, proposições, hipóteses, métodos e
técnicas, linguagem esta que se constrói com
um ritmo próprio e particular”.
Para confrontar a teoria norteadora da
referida pesquisa qualitativa com a realidade
vivenciada pelos atores, utilizamos a pesquisa
de campo, que no entendimento de Marconi &
Lakatos (2003), é utilizada para a obtenção de
informações e/ou conhecimentos acerca do
problema que desejamos elucidar.
Para a coleta de dados, usamos
questionário aberto, entrevista semiestruturada
e observação não participante, para melhor
obter as informações propostas nos objetivos.
No percurso, primeiramente estudamos a
temática com base nos teóricos indicados

481
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

anteriormente. Em seguida, visitamos a escola


como pesquisadora, para conversar com as
professoras. Entregamos os questionários e
estipulamos o prazo de uma semana para
recebê-los. Também comunicamos que
observaríamos as aulas durante aquele mês,
três vezes semanais.
A escola campo da investigação está
localizada na zona urbana da cidade, tem um
quadro de funcionário composto pela diretora
efetiva e adjunta, secretária, auxiliar
administrativo, vigias, zeladoras, merendeira e
professoras, na sua maioria com curso superior.
A infraestrutura está em condições favoráveis
possuindo, além das salas de aula, biblioteca,
secretaria, diretoria, sala para os professores,
cantina, banheiros para os professores e alunos
e dispõe de uma área de coberta.
O campo e os sujeitos envolvidos neste
estudo foram escolhidos por ser uma escola de
ensino fundamental dos anos iniciais, que
trabalha com duas alunas surdas e, também,
por ser uma escola campo de estágio
supervisionado de formação de professores,
onde a pesquisadora coordenava a mencionada
disciplina, além da receptividade à proposta da
pesquisa.
Para responder melhor os objetivos dessa
pesquisa, convidamos as duas professoras das
alunas surdas da escola para colaborarem com
o trabalho, que prontamente concordaram. As
professoras trabalham no turno da tarde, sendo

482
Ensino e Diversidade

uma do 2º ano e outra do 4º ano. No decorrer


do trabalho nos referimos às professoras com
os codinomes de Professoras “A” e “B”
respectivamente, para preservar a identidade
das mesmas. A professora “A” está cursando
Pedagogia, é solteira, trabalha na escola há 2
anos e tem 25 anos. Mora no bairro da mesma
escola e estuda no turno noturno. A professora
“B” é formada em Pedagogia há 3 anos, é
solteira, trabalha nessa escola há 3 anos e em
outra escola da rede particular há 2 e tem 27
anos. Mora em bairro distante das duas escolas.
A escolha dos instrumentos de pesquisa
(questionário e observação não-participante)
justifica-se por ser uma das técnicas mais
utilizadas para investigar o tipo de problema
abordado. O questionário foi aplicado no mês
de junho, numa escola municipal de ensino
fundamental dos anos iniciais da rede pública e
municipal, sem a presença do entrevistador.
Elaboramos cinco perguntas abertas em que os
sujeitos responderam por escrito. Ressaltamos
que os questionários foram devolvidos com
todas as questões respondidas, conforme prazo
estipulado.
Para a análise dos dados, transcrevemos
as respostas coletadas na sua íntegra, para
permitir fidelidade e confiabilidade ao
pensamento das professoras. Em seguida
cruzamos suas respostas com os teóricos que
embasaram nosso referencial e, posteriormente,

483
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

apresentaremos os resultados de forma


dissertativa no item a seguir.

ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS


RESULTADOS
Para melhor sistematização desse tópico
delimitamos os dados em cinco eixos de
análise, em decorrência das indagações feitas
às professoras investigadas, assim organizados:
a) concepção de inclusão; b) dificuldade para
trabalhar com alunos com surdez; c)
capacitação de professores: d) promoção da
inclusão do aluno surdo; e) o Intérprete
educacional como facilitador da aprendizagem,
os quais apresentamos a seguir:
Concepção de Inclusão: 1) Qual é o
conceito que as professoras têm a respeito da
inclusão escolar. Obtivemos as seguintes
respostas:
Professora “A” – “É um processo a ser
revisto pelas autoridades, para que haja
realmente uma inclusão digna não só na escola,
mas na sociedade”.
Professor “B” - “É acolher e proporcionar
a todos os alunos o aprendizado de conviver
com a diversidade”.
A professora “A” entende a inclusão como
uma responsabilidade governamental, que deve
ser melhorada para que seja extensiva a todos.
Muitos professores também têm essa visão
unilateral que esbarra na esfera de um
obstáculo entre o professor e a dificuldade do

484
Ensino e Diversidade

aluno, pois a exclusão escolar também tem


raízes nessa concepção de que o governo é o
único responsável pela inclusão de pessoas
com as diferentes dificuldades e que deve
existir, também, pessoas especiais para
trabalhar com esses alunos, pois essas são as
capacitadas para tal.
A professora “B” sinalizou a educação
inclusiva como um espaço plural, que respeita a
diversidade humana. De fato, o respeito às
individualidades, é um dos princípios da
inclusão que alavanca o processo como um
todo. A inclusão escolar envolve uma quebra de
modelos desenvolvidos na escola tradicional,
requer o envolvimento de toda a comunidade
escolar em função do atendimento das
necessidades específicas que os alunos
apresentam. É preciso entender que a inclusão
para ser um processo legal, obviamente tem
que ser legislação, a exemplo da Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva (2008).
Esse documenta resulta da ampla
discussão realizada em diversos fóruns
educacionais sobre a inclusão em todo o Brasil
e, também, reflete os avanços dos marcos
legais e educacionais. É, de fato, um documento
que norteia uma política social, educacional,
cultural, em defesa de uma educação de
qualidade para todos. Isso é proposta inclusão e
todos os envolvidos no processo educacional
inclusivo devem conhecê-la.

485
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Dificuldade para Trabalhar com Alunos


com Surdez: 02) Você sente dificuldade para
trabalhar com alunos surdos? Quais?
Professora “A”: “Sim, pois não sei utilizar
a Língua de Sinais”.
Professora “B” – “Não, não sinto”.
Nessa questão, encontramos dois
extremos: a professora “A“ disse que sente
dificuldade para trabalhar com alunos com
surdez, pois não sabe utilizar a língua de sinais
e a professora “B”, responde que não sente
dificuldade. Todos nós sabemos que para haver
interação é preciso haver comunicação. Em
geral, a dificuldade maior do professor em
relação ao aluno surdo, esbarra na
comunicação, quando o professor não sabe a
libras, não compreende a língua do aluno e se
sente impotente diante desse desafio. Isto é
bastante compreensivo.
Teresa Mantoan (2006), diz que os
professores da escola comum sentem-se
incompetentes para lidar com as diferenças na
sala de aula, principalmente quando se trata
das deficiências. No entanto, percebemos que a
professora “B”, não se enquadrou nesse modelo
acima citado. Em geral, esse perfil é de
professor que tem conhecimento da dificuldade
apresentada pelo aluno. Embora que durante as
observações encontramos situações que se
caracterizaram tanto como falta de
conhecimento da dificuldade do aluno como de
metodologia do professor.

486
Ensino e Diversidade

Essa pergunta teve a intenção de


provocar a reflexão e implicar na necessidade
de se organizar para trabalhar com os desafios
que a inclusão propõe. Corroborando com essa
proposta, Sassaki (2006, p. 41), diz que “o
processo de inclusão implica transformações
por parte da escola e da sociedade”. Isso
significa que inclusão se constitui num processo
de mudanças para que possa se consolidar.
Capacitação de Professores: 03) Você já
fez alguma capacitação sobre surdez? Caso
afirmativo, o que levou você a buscar essa
capacitação?
Professora “A” – “Não”.
Professora “B”-“Sim. Pelo interesse de
promover os deficientes auditivos uma melhor
interação de ensino-aprendizagem no interior
da sala de aula”.
As respostas apresentadas pelas
professoras mais uma vez encontram-se nos
extremos sim e não. Acreditamos que a
capacitação de professores é a mola principal
do desencadeamento do ensino de qualidade
para surdos na escola comum, pois é na
interação e na comunicação que se aprende. O
professor, sobretudo o que tem em sua sala,
alunos com surdez, foco da nossa pesquisa,
deve buscar capacitação, assim como afirmou a
professora “B”, como forma de poder atender
suas necessidades individuais e de melhorar o
desempenho de seu aluno.

487
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

Um professor que trabalha num processo


de inclusão deve eleger a formação contínua
como pilar da sua competência para o
atendimento das necessidades educacionais
específicas de seus alunos, contribuirá,
também, com a filosofia da escola inclusiva,
embora Mantoan (2006) enfatize que o papel do
professor é de reger a sua sala de aula, e não
ser um especialista em deficiência. Essa
responsabilidade é da equipe de atendimento
especializado; entendemos que esse mesmo
professor tenha maior condição de facilitar a
aprendizagem do aluno se ele entende da sua
cultura e das suas necessidades.
A formação contínua desse professor
poderá acontecer no interior das escolas por
meio de estudos promovidos pela própria
instituição, por meio de profissionais
especializados, na troca experiências de
trabalho, ou por meio dos programas
governamentais. Nos currículos dos cursos de
formação de professores existem disciplinas
específicas para essa formação, como as
disciplinas de libras e fundamentos da escola
inclusiva.
Na escola inclusiva, os professores devem
ser inovadores, criativos e reflexivos. Aliás,
Pimenta (2002), diz que é fundamental “a
formação de professores na tendência
reflexiva’’, pois esse professor é capaz de
recriar práticas que conduz a todos os alunos
condições de ter não só acesso, mas a

488
Ensino e Diversidade

permanência na escola. As professoras


investigadas não demonstraram conhecimento
para trabalhar com qualidade na educação de
suas alunas surdas.
Promoção da Inclusão do Aluno Surdo: 04)
O que você faz para promover a inclusão
escolar do seu aluno surdo?
Professora “A” – “Conscientizando os
outros alunos das limitações do colega e
envolver ele na recreação”.
Professora “B” – “Além do carinho
dispensado, há outras atividades, como
dinâmicas etc.”.
A professora “A” trabalha a inclusão do seu
aluno surdo, conscientizando os outros alunos
sobre as limitações do colega e procura
envolvê-lo na recreação. A professora “B”
trabalha a parte afetiva, também busca
desenvolver atividades de dinâmicas.
Essas atividades promovem a inclusão. É
importante que a professora converse com seus
alunos ouvintes para explicar a dificuldade que
seu aluno surdo tem para se comunicar dada à
surdez, mas que, também, fale sobre as suas
potencialidades, da necessidade que tem de ser
acolhido, de participar das atividades da sala,
enfim de fazê-lo aluno, como qualquer outro.
Um ambiente afetivo não abre espaço para o
preconceito, para o estigma e para a menos
valia do sujeito surdo. A escola é, sobretudo,
um espaço de aprendizagem, de valorização das
pessoas, de inclusão. No entanto, percebemos

489
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

que as duas professoras não se reportaram à


questão da aprendizagem. Para Damázio (2007,
p. 21):
As práticas pedagógicas constituem o maior
problema na escolarização das pessoas com
surdez. Torna-se urgente, repensar essas
práticas para que os alunos com surdez, não
acreditem que suas dificuldades para o
domínio da leitura e da escrita são advindas
dos limites que a surdez lhes impõe, mas
principalmente pelas metodologias adotadas
para ensiná-los.

Convém enfatizar que o professor deve


buscar a formação contínua para que possa
contribuir com a aprendizagem do aluno surdo.
Como mencionado na citação acima, é urgente
o repensar e o refazer a prática pedagógica para
dar respostas à aprendizagem e ao
desenvolvimento da pessoa surda com
resultados satisfatórios e, sobretudo, que ele
possa se empoderar a partir da sua língua ao
invés de tê-la como impedimento da sua
ascensão.
O Intérprete Educacional como Facilitador
da Aprendizagem: 05) Você acredita que a
presença do intérprete educacional para o
aluno surdo facilitaria a sua aprendizagem?
Professora “A” – “Em parte sim, mas eu,
como professora, consigo me comunicar com
ela. Ela também tem aula pela manhã com as
professoras do AEE. Daria certo mesmo? ”

490
Ensino e Diversidade

Professora “B” – “Facilitaria sim, inclusive


para mim que não sei falar em libras. Estou
aprendendo com ela”.
A professora “A” concorda em parte, pois
acredita que a forma de se comunicar com a
aluna é suficiente para promover o seu
aprendizado. Apontou ainda a participação da
aluna na sala de atendimento educacional
especializado -AEE. Desta forma, até duvidou da
necessidade do intérprete educacional. Na
verdade, a professora limitou sua fala apenas
para a interação entre ambas. Entretanto,
durante as observações, constatamos que essa
interação é incipiente, pois não há reciprocidade
em termos de dirimir dúvidas, de orientação nas
tarefas, enfim, não percebemos sequer uma
conversa entre ambas.
A professora “B” disse que sim e como
não sabe se comunicar em libras, seria bom até
para ela. Sua representação acerca do
intérprete está voltada para aquela pessoa que
vai traduzir a comunicação entre ambas.
Sabemos que a presença do intérprete
educacional não é o único veículo de acesso de
aprendizagem do aluno, mas é a possibilidade
que o aluno surdo tem de ampliar o
entendimento dos conteúdos trabalhados em
sala de aula, de participar das discussões e de
outras atividades. Esses são papeis do
intérprete educacional. Conforme afirma
Quadros (2004, p.60):

491
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

O intérprete especialista para atuar na área


da educação deverá ter um perfil para
intermediar as relações entre os professores
e os alunos, bem como, entre os colegas
surdos e os colegas ouvintes. No entanto, as
competências e responsabilidades destes
profissionais não são tão fáceis de serem
determinadas. [...] Muitas vezes, o papel do
intérprete em sala de aula acaba sendo
confundido com o papel do professor.

A autora confirma o pensamento das


professoras que ainda não conhecem a
dimensão do papel do intérprete no ambiente
escolar. Assim como acredita que o professor
poderá assumir o papel do intérprete. A figura
deste profissional na escola traz ao aluno com
surdez a possibilidade de interagir com seus
pares, com a comunidade escolar, inclusive com
o seu professor que desconhece a libras, muitas
vezes. Portanto, é importante ao aluno surdo a
garantia do direito a esse profissional, conforme
estabelece o decreto nº 5.626/05.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo estudo realizado percebemos que as
professoras entendem a inclusão como
responsabilidade governamental. Não sabem se
comunicar em libras, não buscam capacitação e
ainda usam métodos apenas gestuais ou outros.
Nesse sentido recomendamos, não só a essa
escola investigada, mas a todas as escolas,

492
Ensino e Diversidade

inclusive as que não têm alunos surdos, que


capacitem seus professores em libras, tendo
em vista que essa é a língua natural do surdo.
Para ele seja incluído e aprenda tão bem quanto
os ouvintes, ele precisa se relacionar, manter a
comunicação com seus pares. Recomendamos
ainda, a inclusão do intérprete de língua de
sinais no quadro de funcionários da escola
investigada, pois a inclusão é responsabilidade
de todos. Para isto, especificamente nas escolas
públicas, os órgãos governamentais, devem
oferecer suporte para essa política, já as
escolas privadas, podem contratar o intérprete
para melhorar a vivência escolar do aluno com
surdez.
Sabemos que por questões culturais a
figura do intérprete de línguas foi deixada no
anonimato. Até mesmo pela preponderância da
língua oral, inclusive para a comunidade surda.
Longe da intenção de esgotar o estudo sobre a
figura do intérprete de línguas, reconhecemos a
importância da libras para a inclusão da pessoa
surda e a conquista do intérprete de libras
como direito dessa comunidade.
Destarte, esse profissional deve buscar
sua visibilidade por meio da formação e
profissionalismo, como também, por meio de
atuações junto à comunidade surda.
Entendemos que todo processo se dá de forma
paulatina, mas a escola não deve oferecer
apenas ao ensino da libras nos atendimentos
educacionais especializados, mas viabilizar a

493
A práxis docente em meio ao pluralismo atual

atuação do intérprete de libras nas salas


comuns.
A inclusão não se faz por imposição da lei
nem de forma fragmentada. O trabalho do
intérprete de língua de sinais e língua
portuguesa no campo educacional constitui-se
numa conquista, mas também num desafio das
escolas que se propõem a cumprir com as
propostas da inclusão escolar e promover a
aprendizagem e o desenvolvimento do aluno
com surdez.
Os resultados deste trabalho indicam a
necessidade de se continuar investindo em
estudos sobre a educação inclusiva,
promovendo a aprendizagem, o
desenvolvimento e a inclusão do aluno surdo às
práticas pedagógicas de todas as escolas. A
construção do conhecimento nesse campo
deverá contribuir para superar preconceitos e
práticas excludentes em relação ao aluno com
surdez, promovendo não só o seu acesso, mas
também a sua permanência na escola e o
exercício de sua cidadania.
Enfim, consideramos que, não só por uma
exigência legal, mas pelo direito de aprender e
se comunicar na sua língua materna, a escola
precisa ter em seu quadro de funcionários, a
figura do intérprete de libras. Este profissional
vai contribuir de forma significativa para o seu
desenvolvimento educacional, uma vez que
facilitará o entendimento dos conteúdos

494
Ensino e Diversidade

trabalhados em sala de aula e promoverá a sua


inclusão nos demais espaços da escola.

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Você também pode gostar