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FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA MATA SUL – FAMASUL

ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE HISTÓRIA

JOSÉ ANTONIO RIBEIRO FILHO

LEMBRAR ESCREVER ESQUECER


Jeane Marie Gagnebin

PALMARES – PE
2020.2
JOSÉ ANTONIO RIBEIRO FILHO

LEMBRAR ESCREVER ESQUECER


Jeane Marie Gagnebin

Resenha apresentada como requisito parcial para


obtenção do título de especialista em Ensino de
História, pela Faculdade de Formação de
Professores da Mata Sul – FAMASUL.

PALMARES – PE
2020.2
GAGNEBIN, Marie. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006. p. 39-47.

O historiador Fernando Catroga em “Memória, história e historiografia” (2001),


problematiza o conceito de memória a partir das elucubrações do sociólogo francês Maurice
Halbwachs, notadamente conhecido por suas observações no campo da Mémoire collective.
Ademais, além de dotar-se de uma dimensão subjetiva, a memória encontra-se enredada por
fatores sociais responsáveis pela construção de identidades e crenças intersubjetivas. Não
obstante, a memória nem sempre foi objeto de pesquisa do profissional interessado na
representação do pretérito – quer seja motivado por um culto ao passado (historicismo), quer
seja por um fetichismo em relação ao documento (positivismo); ambos produtos de uma crença
na reconstituição integral do tempo vivido.
Posto isto, o objeto de análise deste breve texto é o trabalho da filósofa suíça Jeanne
Marie Gagnebin, intitulado “Lembrar escrever esquecer” (2006). Mais especificamente, o
capítulo alcunhado de “Verdade e memória do passado”. Nele, a autora desenvolve um diálogo
com dois importantes pensadores, a saber: Walter Benjamin e sua crítica ao historicismo
burguês; e Paul Ricœur ao tratar da dupla dimensão da operação historiográfica. Em Walter
Benjamin, é sintomático a recusa de padrões explicativos estruturantes e/ou universais. Nisso,
o paradigma positivista/historicista apresenta-se como sendo o principal alvo do ensaísta
alemão. Em suas famosas teses sobre o conceito de História, ele “denuncia a cumplicidade entre
o modelo dito objetivo do historicismo e um certo discurso nivelador, que se vangloria de ser a
história verdadeira e, portanto, a única certa” (p. 40). Neste sentido, fica candente que para
Benjamin a verdade encontra-se circunspecta ao tempo-agora, isto é, ao presente.
É, pois, imprescindível ressaltarmos a historicidade das palavras proferidas por Walter
Benjamin, sobretudo se ambicionarmos compreender seu pensamento político/social. O terreno
maior dessa discussão é o velho continente europeu. Se 1914 ficou marcado pelo desenredo do
sentimento de progresso e esperança provocados pela Belle Époque, 1939 caracterizou-se pela
inumação de centenas de milhares de almas – incluindo a do próprio Benjamin. Ao término da
guerra, a impressão que se teve foi a de que “a experiência do horror e da exterminação
metódica parece ter provocado um abalo sem precedentes da confiança na ciência e na razão”
(p. 41). Para Gagnebin, a década de 1980 é particularmente tipificada pela suspeição do caráter
científico do discurso das ciências humanas (Jean-François Lyotard, em “A condição pós-
moderna” (1979), traça um diagnóstico preciso ao ressaltar o “fim das metanarrativas” como
um fator preceptivo nesse período de crise epistêmica). Ora, se não há mais uma verdade
disponível e verificável, como conciliar isso a um ofício que se pretende científico?
Assim, o anjo da História, figura que na clássica descrição de Walter Benjamin aparenta
estar de costas para o futuro, começa a se afastar também do passado. Não há verdades. Tudo
é narrativa. Afinal, como ficou eternizado nos termos do crítico literário Roland Barthes, o autor
está morto. A referência externa ao texto desmanchou-se no ar – como a própria modernidade.
O que resta são signos que se remetem a outros signos, num processo ad infinitum. Com isso,
o negacionismo/revisionismo histórico ganhou força e as câmaras de gás, que antes
simbolizavam a banalidade do mal, hoje representam para muitos um fato cuja materialidade
se desfez no tempo. Em Walter Benjamin, ao se renegar a memória, nega-se também um
mortuário às vítimas do horror circunstancial do passado. Ou, fazendo referência ao historiador
francês Michel de Certeau, “o discurso sobre o passado tem como estatuto ser o discurso do
morto” (Certeau, 1982, p. 56). É preciso, por conseguinte, rememorar para que os mortos
consigam repousar em silêncio.
Para Paul Ricœur, a problemática referente à linguagem tornou-se um entrave frente ao
incontornável revisionismo que se estendeu no Pós-guerra (o linguistic turn e o movimento pós-
estruturalista na França foram, respectivamente, os grandes responsáveis por essa “revolução
copernicana” no âmbito dos estudos linguísticos, ambos precedidos pelas assertivas de
Ferdinand de Saussure e seu estruturalismo). Em resposta aos desafios impostos pelo Zeitgeist,
Ricœur recorreu a um conceito de verdade estranho ao método heurístico de caráter
nomológico. Trata-se, portanto, de uma abordagem “não descritiva do mundo”. No caso
específico da História, a principal dificuldade advém da dubiedade provocada pelo próprio
termo, que engloba tanto o narrado (historiam rerum gestarum) quanto o acontecido (res
gestae). No texto, Gagnebin ressalta que é “preciso levar a sério e tentar pensar até o limite essa
preciosa ambiguidade do próprio conceito de História, em que se ligam, indissociavelmente, o
agir e o falar humanos” (p. 43).
Em linhas gerais, tanto Benjamin quanto Ricœur insurgem-se contra “[...] o
esquecimento e a denegação, mas sem cair em uma definição dogmática de verdade” (p. 44).
Neste sentido, o ato de historiar apresenta-se como uma operação essencialmente política (aqui,
o “político” ganha uma dimensão coletiva, distinto do conceito de “ídolo político” trabalhado
por historiadores como François Simiand). Outrossim, o historiador não é um agente à parte
das estruturas sociais do seu espaço de experiência. Seja na curta, média ou longa duração, os
efeitos do tempo histórico sobre a escrita são indissociáveis do resultado final da pesquisa.
Porém, ainda que não seja possível uma objetividade tal qual defendida pelos
historicistas/positivistas (“apenas mostrar como realmente aconteceu”, como costumava dizer
Ranke), ainda persiste uma obrigação ética à memória das vítimas que sucumbiram à barbárie.

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