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TEORIAS DA COMUNICAÇÃO

autora
TAMARA DE SOUZA CAMPOS

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2019
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autora do original  tamara de souza campos

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  andré lage, luís salgueiro e luana barbosa da silva

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  soraia herrador costa lima e leonardo marques hortêncio

Imagem de capa  marco martins | shutterstock.com

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Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


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Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio 5

1. Origem e história: uma perspectiva


científica da Comunicação Social 7
Qual a origem da palavra comunicação? 9
Plurissignificação e comunicação 10
A comunicação simbólica 13

Interdisciplinaridade e a busca pelo objeto da comunicação 17


Conhecimento científico 22
Teoria ou teorias da comunicação? 26

2. Escola Norte-Americana 33
A Escola Norte-Americana: um breve panorama 34

Escola de Chicago 35

Contexto histórico da emergência do Mass Communication Research 36

Teoria hipodérmica ou da bala mágica 38

Mass Communication Research 41

Escola Norte-Americana se reinventando 48

A escola de Palo Alto – Interações sociais 52

3. Escola de Frankfurt e Umberto Eco 59


Criação do Instituto de Pesquisa Social e seus deslocamentos 60

Algumas ideias centrais: técnica, indústria cultural e ideologia 64

Walter Benjamin: reprodutibilidade técnica e aura 69

Apocalípticos e integrados: a crítica de Umberto Eco 73


4. Visões autorais: Marshall McLuhan,
Edgar Morin e Jürgen Habermas 81
McLuhan 82

Aldeia global 84

Edgar Morin 88

Novos olimpianos 91

Sociedades policulturais e sincretismo 92

Jürgen Habermas 94
Conceito de esfera pública 96
Teoria da ação comunicativa 97

5. A descoberta do receptor 105


Formação dos estudos culturais 106

Ideologia, hegemonia e contra hegemonia 109

Compreendendo melhor os Estudos Culturais 114

Stuart Hall – Uma questão de identidade 116

Estudos Culturais na América Latina 118

Um pouco da história nas pegadas da pesquisa comunicacional


na América Latina 120

Teoria das mediações 122


Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

Hoje, a comunicação posiciona-se em um lugar tão central na nossa sociedade,


a ponto de falarmos em uma “Sociedade da Comunicação”, o que, contrapartida,
dificulta uma sistematização do conhecimento, devido à amplitude das questões
que a área abriga. Nesse sentido, as teorias da comunicação nos ajudam a entender
a realidade profissional de hoje no Jornalismo, na Publicidade, no Cinema ou no
âmbito do Audiovisual.
Entender os caminhos para que se chegue a essa condição atual envolve um
mergulho na genealogia dos saberes em diversas áreas, como Sociologia, Ciências
Políticas, Antropologia, Filosofia, Psicologia, pois estas ajudaram a trilhar os ca-
minhos para que a comunicação pudesse atingir um estatuto científico e nos per-
mitem classificar a comunicação como um tipo de conhecimento interdisciplinar.
Algumas das principais teorias do campo comunicacional são apresentadas
neste livro, que aborda desde as primeiras teorias advindas a partir de um contexto
moderno, com o Mass Communication Research, passando pela Escola Alemã,
inglesa, canadense, e alguns autores e conceitos fundamentais.
Na tentativa de sistematizar os pensamentos teóricos, optou-se por di-
vidir o livro em cinco capítulos. O capítulo 1 pretende identificar a natureza do
campo comunicacional, os objetos de estudo da área. O capítulo seguinte enfoca a
Escola Norte-Americana e demonstra que, apesar do destaque da corrente do Mass
Communication, não podemos pensar em uma homogeneidade nesta vertente,
pois a Escola de Chicago e de Palo Alto compreenderiam os fenômenos comuni-
cativos a partir de uma outra mirada.
No terceiro capítulo, você irá tomar contato com um dos conceitos mais im-
portantes da comunicação até hoje: a ideia de indústria cultural. Além da pers-
pectiva da Escola de Frankfurt, considerada por Umberto Eco como apocalíptica,
também apresentamos a ideia de integrados, igualmente questionada pelo italiano.
O quarto capítulo possibilita que você conheça três autores muito explorados
em estudos e pesquisas em nossa área: o canadense Marshall McLuhan, o francês
Edgar Morin e o alemão Jürgen Habermas e sua teoria do Agir Comunicativo.
O último capítulo enfoca a descoberta do receptor, primeiramente com a
Escola Inglesa e o início dos Estudos Culturais, para, em seguida, pensar os estu-
dos de recepção no âmbito da América Latina.

5
É importante percebermos que pesquisas recentes sugerem que as Teorias da
Comunicação representam um espaço de fronteiras indefinidas, pois a questão in-
terdisciplinar ainda é uma marca do campo, com proposições e diálogos advindos
de diversas áreas, embora cada vez mais a Comunicação adquira um estatuto de
campo independente.

Bons estudos!
1
Origem e história:
uma perspectiva
científica da
Comunicação Social
Origem e história: uma perspectiva científica
da Comunicação Social

Para começarmos a falar de Teorias da Comunicação, faz-se necessário o en-


tendimento do que é Comunicação. Apesar de parecer algo evidente, pois a co-
municação está presente em nosso cotidiano, veremos que é mais complicado que
isso, pois há diversas modalidades comunicativas, dispositivos e visões variadas,
dependendo do olhar e enfoque de quem analisa.
A humanidade só começa a pensar na Comunicação como um problema a
partir do início do século XX, justamente por ter sido algo natural, típico da natu-
reza humana, e que sempre fizemos desde que o início dos tempos. No entanto, o
que mudou? Por que a comunicação passa a ser vista como algo que exigia esforço
reflexivo por parte dos cientistas?
Você verá que um dos pontos mais importantes foi, certamente, a chegada
dos meios de comunicação de massa e os novos rumos que assumiram as diversas
formas de interações sociais, com o estilo de vida cada vez menos relacionado à
lógica da tradição e mais influenciado pelos discursos dos aparatos midiáticos. A
modernidade, portanto, ajuda a redesenhar as relações sociais e, com isso, muda
radicalmente a experiência de nos comunicarmos. A partir daí é que podemos co-
meçar a compreender o porquê de apenas no século XX a comunicação começar a
chamar a atenção enquanto questão científica.
A fim de mapearmos o nosso campo, você acompanhará algumas ideias de
pesquisadores contemporâneos do campo comunicacional, especialmente Luiz C.
Martino (2010) e Vera Veiga França (2010), que ajudarão a sistematizar o enten-
dimento da origem e do conceito do termo Comunicação e o objeto de estudo
da área. Esperamos, com isso, fornecer bases sustentáveis para o fortalecimento
do campo e para um conhecimento enriquecido em condições de possibilidades
históricas, pautado pela própria empiria que o termo oferece.

OBJETIVOS
•  Compreender a origem etimológica da palavra comunicação;
•  Reconhecer o contexto de surgimento do campo comunicacional;

capítulo 1 •8
•  Assimilar a natureza do conhecimento científico e a questão do método;
•  Diferenciar as ideias de epistemologia, paradigma, objeto científico, interdisciplinaridade,
senso comum.

Qual a origem da palavra comunicação?

Para Martino (2010, p. 11), se não soubermos o que é comunicação, como


poderemos nos situar neste campo? Apesar de ser uma palavra e uma prática cons-
tante em nosso cotidiano, você verá que a definição e a compreensão acadêmica
acerca da comunicação não é tarefa fácil, seja pelas diferentes modalidades comu-
nicativas, seja por distintas correntes do saber e de autores. Uma reflexão sobre a
origem do termo comunicação, portanto, é uma estratégia inicial válida de ma-
peamento da área.
A palavra comunicação tem origem no vocábulo communicatio, que vem do
latim e, segundo Martino (2010), foi criado no contexto do cristianismo antigo,
para nomear uma nova prática que surgira na vida eclesial. Existiam dois grandes
grupos: os anacoretas e os cenobitas. Os primeiros tinham uma experiência mais
radical com a solidão. Já os cenobitas viviam em conventos e mosteiros, sendo
que, para ambos os grupos, o isolamento e a contemplação eram condições neces-
sárias para a conexão com o divino.
Os cenobitas começaram a tornar comum a prática de jantar em conjunto
com os demais, em vez do isolamento da refeição dentro dos aposentos de cada
um, chamados de claustros. Repare que “claustro”, não por acaso, nos remete à
ideia de clausura, isolamento. Entretanto, como esse “jantar coletivo” era algo
novo para a dinâmica dos mosteiros naquele período, os religiosos criaram tam-
bém uma palavra: communicatio, a fim de nomear esse novo hábito.
No mosteiro apareceu uma prática que recebeu o nome de communicatio, que
é o ato de “tomar a refeição da noite em comum”, cuja peculiaridade, evidente-
mente, não recai sobre a banalidade do ato de “comer”, mas de fazê-lo “juntamen-
te com outros”, reunindo então, aqueles que se encontravam isolados. A originali-
dade dessa prática fica por conta da ideia de “romper o isolamento” e nisso reside
a diferença entre a communicatio eclesiástica e o simples jantar da comunidade
primitiva. (MARTINO, 2010, p. 13)

capítulo 1 •9
No mosteiro apareceu uma prática que recebeu o nome de communicatio, que é o ato
de “tomar a refeição da noite em comum”, cuja peculiaridade, evidentemente, não recai
sobre a banalidade do ato de “comer”, mas de fazê-lo “juntamente com outros”, reunindo
então, aqueles que se encontravam isolados. A originalidade dessa prática fica por conta
da ideia de “romper o isolamento” e nisso reside a diferença entre a communicatio ecle-
siástica e o simples jantar da comunidade primitiva. (MARTINO, 2010, p. 13)

A communicatio, portanto, originalmente, era a refeição compartilhada no


contexto medieval, o que rompeu com o ato de jantar isoladamente. É interessan-
te dissecarmos a palavra em latim, pois assim podemos compreendê-la melhor. O
prefixo “co” indica simultaneidade, já a raiz “munis” sugere “estar encarregado de”,
ao passo que o sufixo “tio” reforça a ideia de atividade, ação.

COMMUNICATIO

Apesar de a palavra em latim ter sido criada há séculos, esse sentido de ação
realizada em comum perdura ainda hoje. Para Martino (2010, p. 15), o termo
comunicação refere-se ao processo de compartilhar um mesmo objeto de cons-
ciência, exprimindo a relação entre consciências.
Importante entendermos que o termo comunicação não pode ser estabelecido
como todo e qualquer tipo de relação e não pode ser aplicado às propriedades ou
ao modo de ser das coisas nem representa uma ação que reúne os membros de
uma comunidade. O termo comunicação é uma espécie de ação intencional exer-
cido sobre outro sujeito, a partir da ideia do tornar comum um produto de um
encontro social, que subentende uma intencionalidade de interagir. Ou seja, não
podemos confundir a comunicação com mera convivência.

Plurissignificação e comunicação

Uma vez entendida a origem da palavra comunicação, podemos nos deter


em sentidos mais atuais, a partir do auxílio dos dicionários, pois estes, ao mesmo
tempo em que classificam a palavra, também contribuem para causar certa dis-
persão dos sentidos. Devemos ter em mente que os dicionários são construções
que se encarregam de mapear os sentidos, que recolhem os usos das palavras por
uma comunidade linguística, em condições de possibilidades históricas. Isto é,
dependendo do período no qual o verbete foi criado, a partir do entendimento de

capítulo 1 • 10
determinada comunidade acerca da comunicação, os sentidos sofrem variações.
Confira alguns verbetes a seguir.

1. Fato de comunicar, de estabelecer uma relação com alguém, com alguma coisa ou en-
tre coisas; 2. Transmissão de signos através de um código (natural ou convencional); 3.
Capacidade ou processo de troca de pensamentos, sentimentos, ideias ou informações
através da fala, gestos, imagens, ou seja, de forma direta ou através de meios técnicos; 4.
Ação de utilizar meios tecnológicos (comunicação telefônica); 5. Mensagem, informação
(a coisa que se comunica: anúncio, novidade, informação, aviso); 6. Comunicação de
espaços (passagem de um lugar a outro), circulação, transporte de coisas; 7. Disciplina,
saber, ciência.

As definições um e três estão bem próximas à origem etimológica do termo


comunicação, sugerindo a ideia de compartilhamento de um objeto da consciên-
cia, ao incorporarem as construções verbais “estabelecer relação” ou “troca”. Já a
definição dois utiliza a palavra “transmissão”, que novamente nos remete à ideia
de troca.
A definição quatro envolve “meios tecnológicos”, dando uma nova nuance
para a comunicação, que, conforme vimos, vem da palavra communicatio, origi-
nalmente concebida em um contexto pautado pela oralidade e por, no máximo,
a troca epistolar, como era o caso dos mosteiros e conventos. Não estamos mais
nos referindo meramente à comunicação face a face, mas à comunicação mediada
também por aparatos tecnológicos, o que traz outras implicações.
A definição cinco estabelece uma conexão com o campo publicitário, a partir
de “anúncio” ou “aviso”, e com um contexto jornalístico, com a ideia de “informa-
ção” e “novidade”. Nesse ponto, é válido que conceituemos informação e comuni-
cação, de modo a diferenciá-los.

SAIBA MAIS
Informação: mensagem codificada transmitida por alguém.
Comunicação: ocorre quando aquele que interage com o outro decodifica a mensagem,
possibilitando que os interagentes compartilhem um mesmo objeto da consciência. Ou seja,
se alguém fala algo em japonês e você não domina esse idioma, então essa mensagem codi-
ficada continua sendo informação, pois você não detém o arsenal simbólico para decodificar
a mensagem. Outro exemplo que impede a passagem da informação para a comunicação
é o fato de um falante A dizer algo a um falante B e este não prestar atenção, não escutar.

capítulo 1 • 11
A comunicação enquanto informação e mensagem deve ser entendida na or-
dem do simbólico, ou seja, “não se pode confundir a mensagem com o papel e
a tinta. Ambos permanecem no nível do empírico, no nível da materialidade das
coisas e não das palavras.”. (MARTINO, 2010, p. 17)

Para que a página de um livro se transforme em mensagem é preciso reunir tanto


a atividade do leitor, quanto o produto da atividade do escritor. Consequentemente,
um livro na estante não é comunicação, senão a partir do momento dessa interação.
Digo relação [...], isto é, pode se tornar comunicação a partir do momento que for lido.
(MARTINO, 2010, p. 16)

Esse trecho de Martino (2010) é interessante, pois permite que você com-
preenda melhor os elementos inerentes ao processo comunicativo. Um livro é
elaborado por um autor, que escreve as palavras (mensagem) a partir de um código
(língua portuguesa) no suporte papel (livro). No entanto, se o leitor folheia as
páginas e é analfabeto, por exemplo, ele não terá condições de decodificar o con-
teúdo, e permanecerá, para ele, no âmbito da informação. Portanto, a mensagem
contida em um livro só se torna efetivamente comunicação quando o leitor age em
cima do conteúdo, decodificando-o.
Assim, é preciso que se tenha a completa relação entre duas ou mais cons-
ciências para que haja comunicação. “Toda informação pressupõe um supor-
te, certos traços materiais e um código com o qual é elaborada a informação.”
(MARTINO, 2010, p. 17)
A informação é parte do processo de comunicação, devendo ser considerada
como comunicação em potencial, podendo ser codificada, ou seja, estocada por
meio de um suporte (quando faço uma emissão radiofônica, reproduzo vibrações
com certa frequência, ondas sonoras, tendo o ar como suporte) e também reverti-
da em um segundo momento, ou seja, interpretada, decodificada.
Interpretando o sexto sentido a partir dos verbetes, a definição traz as ideias
de circulação, comunicação de espaços, transporte de coisas e estreita-se à ativida-
de econômica, sugerindo o sentido de convencimento, fala, persuasão. Martino
(2010, p. 19) cita o deus Hermes, o mensageiro dos deuses, que tinha os atributos
da comunicação e era tido como o patrono dos oradores, escritores e mercadores.
O transporte de mercadorias e o falar bem eram encarados como atividades cor-
relatas, uma vez que não bastava simplesmente transportar, pois era preciso saber
negociar, persuadir.

capítulo 1 • 12
Desse modo, apesar de percebermos a articulação entre o transporte e a venda
de mercadorias como qualidades necessárias ao comerciante de antigamente, nota-
mos como essas prerrogativas ainda estão no cerne da esfera publicitária, que, em
linhas gerais, visa ao transporte de mensagens simbólicas do agente que anuncia
para o público-alvo, por meio de diversos canais e suportes.
Nesse sentido, a comunicação deixa de ser uma prática social natural para
se tornar um exercício coletivo, enquanto estratégia de poder, tornando, assim,
visível a comunicação.
O último verbete apresenta a comunicação como “disciplina, saber, ciência”.
Isto é, saímos de uma concepção prática, de troca entre indivíduos, seja face a face
ou mediada por um aparato tecnológico, para nos referirmos a determinado saber.
O processo comunicativo, portanto, é objeto desse saber, o que torna significativa
e vital a importância da comunicação para a vida humana.
Martino (2010, p. 20) nos faz perceber o quanto a análise semântica de ver-
betes presentes no dicionário evoca condições históricas outras, diferentes vozes e
conceitos, a que ele chama de polissemia.

A comunicação simbólica

Como vimos, a palavra comunicação sucinta diversos níveis semânticos, o


que a torna polissêmica. Uma forma de compreendermos melhor a natureza da
comunicação implicada no exercício das atividades jornalísticas, publicitárias e
cinematográficas, é dividirmos a comunicação em três grandes frentes, conforme
sugere Martino (2010):
Seres brutos

capítulo 1 • 13
©© JACK HONG | SHUTTERSTOCK.COM Seres orgânicos

Homem

Na dimensão dos seres brutos, a comunicação assume a acepção etimológi-


ca, ou seja, comunicação enquanto relação. Assim, o termo adquire o sentido de
“transmissão”:

capítulo 1 • 14
Todos os sistemas de troca de força ou de energia podem ser descritos como pro-
cessos comunicativos: emissor (1a bola), receptor (2a bola), mensagem (força/calor)
e efeito (deslocamento/dilatação). Temos aí, por analogia, todos os elementos que
tradicionalmente são utilizados na descrição do processo de comunicação humana.
(MARTINO, 2010, p. 21)

Trata-se de uma “ação/reação” entre objetos. Outro exemplo é a comunicação


estabelecida entre um notebook e um datashow. A mensagem seria o conteúdo de
uma apresentação de slide, projetada a partir da conexão HDMI entre computa-
dor/projetor, por meio da luz.
Na dimensão dos seres orgânicos, Martino (2010, p. 22) nos alerta que “as
reações não podem mais ser descritas como processos mecânicos, visto que o or-
ganismo, em sua idiossincrasia, seleciona as respostas”. Ou seja, a relação ação/
reação passa a ter uma gama de possibilidades, deixando, portanto, de ser biná-
ria. O processo da comunicação ocorre pela interpretação e seleção. Um exemplo
ocorre na relação sexual, na qual o animal seleciona e interage com suas espécies.
Outro exemplo são cachorros brincando. Tal ação pode começar como algo lúdico
e, pela interpretação mesmo que instintiva de um dos animais, que julga o outro
agressivo, incorrer em uma briga. Nós, seres humanos, temos mais dificuldade de
enquadrar como brincadeira ou briga por não compreendermos inteiramente as
pistas emitidas pelos animais.
No domínio do homem, que é o mais nos interessa, a comunicação assume
forma simbólica, implicando intervenções de cultura no processo interativo. Há,
pelo menos, três modalidades: a intracomunicação, que é a comunicação de um
indivíduo com ele mesmo. Algumas vezes não nos damos conta, mas dialogamos
conosco o tempo todo, seja nos autoincentivando, seja nos repreendendo. A in-
tercomunicação é a que praticamos com outrem, que pode ser também grupal.
Quando pensamos em uma comunicação massiva ou mesmo digital, a proporção
em termos de pessoas conectadas a uma mesma mensagem aumenta consideravel-
mente, a partir dos dispositivos envolvidos.
Nesse ponto, há a necessidade de entendermos que, ao trabalharmos com a
dimensão cultural, estamos lidando com a transmissão de um patrimônio através
das gerações. Isso explica o fato de a Comunicação Social ser uma ciência social
aplicada, ou seja, há um fundo social, humanista, que embasa a ação do comuni-
cador, o que explica a importância de disciplinas como Sociologia, Antropologia e
Filosofia. Por isso, sempre precisamos acompanhar as tendências, notícias e produ-
ções culturais de maneira geral, pois a observação da cultura é que nos possibilita

capítulo 1 • 15
compreendermos os distintos públicos e planejarmos o processo comunicativo.
Todo bom comunicador, assim, é antes de tudo um intenso observador social e
deve sempre estar atendo aos ícones, índices e símbolos.

SAIBA MAIS
A semiótica é a ciência que trata dos estudos dos signos e pode ser considerada como
uma das teorias da comunicação. Signo é tudo aquilo que cria uma representação sobre
alguma coisa. Pelo seu grau de importância, os cursos de Comunicação Social costumam
dedicar uma disciplina somente a essa frente de estudos. Veja a esquematização que Char-
les Peirce (1972) estabeleceu:
Ícones: são signos que guardam semelhança com o objeto representado. Uma fotogra-
fia um desenho ou um busto podem ser ícones.
Índices: o índice sugere uma relação, indica o objeto representado. O chão molhado é
um indício de que choveu, a pegada na areia indica que alguém passou pelo local e a fumaça
indica o fogo.
Símbolos: o signo símbolo envolve convenções culturais, ou seja, regras para seus usos
e suas aplicações. Um mesmo símbolo pode evocar sentidos diversos, de acordo com o
contexto histórico. A suástica é símbolo religioso em forma de cruz cujas hastes têm as
extremidades recurvas. Foi usada entre alguns budistas, representando a felicidade e a boa
sorte. Foi também explorada e adaptada pelo III Reich e se tornou o símbolo do nazismo,
sendo que, para os alemães nazistas tinha um sentido diverso do evocado hoje ou daquele
inferido pelos judeus da época.

Até mesmo a noção de Homem está na ordem do simbólico, em oposição ao


ser biológico (animal homem). A representação do mundo não é apresentada ao
homem sem levar em consideração a mediação do desejo, o conhecimento e o
reconhecimento, ou seja, envolve não só uma comunicação intencional, estraté-
gica de quem interage, mas também está calcada nas convenções culturais, o que
permite a interação e o entendimento. “Comunicar é simular a consciência de
outrem, tornar comum (participar) um mesmo objeto mental (sensação, pensa-
mento, desejo, afeto). (MARTINO, 2010, p. 23)

capítulo 1 • 16
Interdisciplinaridade e a busca pelo objeto da comunicação

Sempre que falamos de um campo científico, também está em jogo uma epis-
temologia. Mas, o que esse termo significa? A epistemologia engloba o conheci-
mento fundamentado, sendo diferente da opinião, por exemplo.
A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do
conhecimento. Ao compreendermos a epistemologia comunicacional, portanto,
levamos em conta como produzimos o conhecimento científico na área hoje, ou
seja, metodologias recomendadas para os estudos, conceitos e autores reconheci-
dos, as estruturas diversas da produção científica (monografia, artigo, dissertações
e teses); dessa maneira, buscamos nos aproximar do autorizado pelo campo cien-
tífico comunicacional. Há regras no fazer ciências, desde o modo de escrever à
maneira de organizar os estudos, passando por autores e vertentes teóricas aceitas
e pelas regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas, a ABNT, só para citar
alguns exemplos.

SAIBA MAIS
Exemplo de esquema clássico de uma pesquisa científica

Testagem/reflexão
da hipótese a partir
Enunciado de um de pressupostos
problema teórico-metodológicos

Formulação de Conclusão
uma hipótese

Imagem feita pela autora (2019)

No entanto, para chegarmos a esse panorama atual, a comunicação precisou


passar por um processo de legitimação social, a fim de ser reconhecida enquanto
campo científico.

capítulo 1 • 17
O século XIX inaugura uma nova ordenação científica de mundo. As ciên-
cias humanas, como a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia, a Geografia e a
História surgem nesse ínterim, bem como a noção de homem. Antes, a ideia de
indivíduo não fazia tanto sentido, pois havia um senso coletivo muito forte, com
comunidades coesas, vivendo à luz de uma tradição transmitida dos mais velhos
para os mais jovens.
Os grupos ficavam circunscritos a uma localidade geográfica bem restrita, já
que os meios de transporte e as formas de comunicação eram limitados. Uma das
grandes contribuições dos meios de comunicação massivos foi exatamente a possi-
bilidade de redesenhar as fronteiras do tempo e do espaço, imposta à humanidade
por séculos. A nova concepção territorial precisa levar em conta a emergência
desse novo ser que sofre um processo de desterritorialização.
A palavra “comunicação” começa a ser proferida à exaustão, não à toa, a partir
da segunda metade do século XX, conforme nos explica Vera França (2015). De
forma paralela surge um novo saber especializado, uma nova disciplina científica,
cujo objeto seria os processos de comunicação. Mas quando essa ciência inicia e
qual a definição do objeto de estudo dessa ciência/disciplina?
Existem pelo menos dois grandes desafios quando pensamos nas teorias da co-
municação, conforme aponta Hohlfeldt (2008), sendo o primeiro a plurissignifi-
cação, que procuramos discutir introdutoriamente a partir das variadas semânticas
sugeridas pelos verbetes nos dicionários e que você irá compreender melhor à me-
dida que for conhecendo diferentes visões acerca dos processos comunicativos, nos
próximos capítulos. O segundo desafio seria a dificuldade de definir o campo de
pesquisa e de atuação do profissional da Comunicação. Se a Comunicação é con-
dição para a própria ação humana, como delimitar quando esse campo começa,
o que pertence ao exercício dos profissionais e os objetos de estudo dessa ciência?
A prática comunicacional existe há séculos, com alguns, inclusive, situando
a origem dos jornais nas Actas Diurnas, no Império Romano, e uma “publicida-
de arcaica”, a partir dos pregoeiros da Antiguidade Clássica ou dos egípcios, que
pintavam em muros suas mensagens. No entanto, a construção do conhecimento
científico só começa a se tornar possível a partir de um processo de desnaturali-
zação da comunicação humana, que passa a ser visto por uma óptica de inten-
cionalidade e estratégia, pelo advento dos meios de comunicação e da moderni-
dade. Por tal razão, o jornalismo mercadológico costuma ser associado ao século
XIX, bem como a Publicidade, que é o setor emergente que possibilita justamen-
te ao Jornalismo abandonar o caráter panfletário para ser um empreendimento

capítulo 1 • 18
comercial. O próprio cinema torna-se uma realidade na passagem do século XIX
para o XX, quando há efetivamente uma massa urbana, com poder de consumo.
Assim, verifica-se que a prática da comunicação é algo que foi desenvolvido
em diferentes civilizações, pois o homem é um ser social que organiza sua inte-
ração por meio da linguagem e dos signos. No entanto, a prática da comunica-
ção enquanto atividade profissional, com jornalistas e publicitários reconhecidos
como comunidade profissional, com direitos e deveres, é algo que só se concretiza
de maneira mais sistemática a partir dos séculos XIX e XX.
A estruturação dos campos profissional e científico da comunicação podem
ser explicados a partir das décadas de 1960 e 1970 do século XX, no Brasil. A
era do milagre econômico e o aperfeiçoamento gradativo dos equipamentos in-
ventados (rádio e TV) propiciaram a integração e modernização das indústrias da
comunicação.
Na década de 1960, as universidades começaram a ampliar a oferta de car-
reiras no âmbito da comunicação, em especial a Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Escola de Comunicações Culturais da
Universidade de São Paulo (ECA-USP), que em 1966 já contava com a forma-
ção em Jornalismo, Relações Públicas, Radiotelevisão e Cinema. Um marco im-
portante foi o Congresso Nacional de Comunicação, convocado pela Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), em 1971, no Rio de Janeiro (RJ). Era a primeira vez
que pesquisadores, líderes sindicais e representantes de todas as áreas empresariais
da Comunicação participavam de uma reunião.

Portanto, os anos 70 foram emblemáticos, para delinear a fisionomia do nosso campo


comunicacional. Não apenas pelo crescimento e diversificação do setor produtivo, mas
sobretudo pela acumulação de conhecimentos que, a partir de então, as emergentes
faculdades de comunicação passaram a produzir, sistematizar, socializar. (MELO, 2008)

A comunicação é um tipo de saber no qual a marca da interdisciplinaridade


se faz presente, com o diálogo entre distintas áreas do saber. Isso é compreensível,
pois vários campos se interessam pelas interações humanas. Martino (2010, p.
28) afirma que seria um engano primário achar que a natureza interdisciplinar de
certo estudo pudesse dispensar o trabalho de definição de seu objeto. Esse trabalho
de definição/conceituação sobre qual espaço a Comunicação ocupa e onde reside
sua materialidade é fundamental, à medida que um objeto comunicacional pode
ser confundido com o objeto de outras ciências.

capítulo 1 • 19
É importante compreendermos que essa confusão em torno do objeto co-
municacional revela-se, sobretudo, pelo fato de que os processos comunicativos
atravessam praticamente toda a extensão das Ciências Humanas.

(...) a natureza dos estudos em Ciências Humanas, que tem no homem, um ser essencial-
mente comunicativo, seu objeto comum – faz com que a análise dos processos comuni-
cativos seja um ponto de passagem quase que obrigatório, o que dificulta a delimitação
mais precisa do objeto da comunicação, uma vez que ele se encontra misturado às
análises de outras disciplinas. (MARTINO, 2010, p. 28)

Vera França (2015) questiona-se sobre qual seria o objeto da Comunicação. Ela
afirma que, na realidade, há um conjunto de objetos empíricos, bastando que nós
observemos com atenção, para nos depararmos com o programa de rádio e TV, um
outdoor, as campanhas políticas, as revistas e jornais, as conversas cotidianas, os cor-
pos tatuados. Mas estes objetos não estão “prontos e acabados”, pois necessitam de
um recorte, um determinado olhar que deve ser aplicado aos mesmos a fim de que
realmente se configurem como objetos da comunicação, porque “o objeto da comu-
nicação não são os objetivos comunicativos do mundo, mas uma forma de identifi-
cá-los, de falar deles – ou de construídos conceitualmente. (FRANÇA, 2015, p. 42)
A partir desse ponto, podemos inferir que pensar unicamente os meios de
comunicação de massa enquanto objetos da Comunicação é reducionista, não
porque estes não o possam ser, mas porque é necessário dar um tratamento co-
municacional a esses objetos, que, caso contrário, poderiam ser perfeitamente es-
tudados por outra ciência humana. Além do mais, você já viu que a comunicação
humana vai muito além da comunicação massiva, estando presente em nossas
interlocuções face a face ou mesmo nas formas de comunicação digital.
Martino (2010), em uma frase, ajuda para que avancemos na busca pelo objeto da
comunicação, ao afirmar que tal objeto é “uma leitura do social” a partir dos meios de
comunicação e/ou modalidades comunicativas. Tal movimento envolve uma mirada
na qual os meios de comunicação e a cultura de massa não se opõem nem se reduzem
um ao outro, mas exigem uma relação de reciprocidade e complementação.
A emergência da nossa disciplina reside na compreensão das condições de pos-
sibilidades históricas dos processos comunicativos e das práticas que envolvem a
utilização dos meios de comunicação e o seu objeto de estudo. Um sociólogo, por
exemplo, ao refletir sobre os discursos de determinado jornal em dado contexto,
talvez consiga, a partir da análise das matérias, representar as condições históricas

capítulo 1 • 20
e sociais em jogo, algo que o trabalho de um comunicador também deveria dar
conta, talvez não com o mesmo nível de profundidade. Contudo, o estudo do
sociólogo, possivelmente, não traria para o debate as condições da produção noti-
ciosa, os critérios de noticiabilidade, seleção e hierarquização da informação, tam-
pouco as características da materialidade jornal impresso, pois estas são questões
mais caras ao universo comunicacional, embora também tendam a ser tratadas
tangencialmente e superficialmente por outros campos. O mesmo se aplicaria a
um sociólogo refletindo sobre peças publicitárias. Talvez esse intelectual retratasse
brilhantemente o contexto social de origem das peças, mas dificilmente seria hábil
ao analisar as cores e os elementos da peça de um modo mais técnico/teórico, ou
mesmo, refletir sobre os arquétipos que cada peça sugere.
Para França (2010, p. 39), não se trata apenas de “um objeto que está à nossa
frente disponível aos nossos sentidos, materializado em objetos e práticas que po-
demos ver, ouvir e tocar”.
Para a pesquisadora, seria reducionista ou simplista demais estabelecer o obje-
to da comunicação como algo que depreende das possíveis formas exploradas pela
sociedade contemporânea, desde os meios às trocas simbólicas (da produção dos
corpos às marcas de linguagem).

Ora, é óbvio que os homens sempre se comunicaram, que os primeiros agrupamentos


humanos, aquilo que podemos intuir como o embrião da vida social, apenas se cons-
tituíram sobre a base das trocas simbólicas, da expressividade dos homens. É óbvio
que a comunicação – processo social básico de produção e partilhamento do sentido
através da materialização de formas simbólicas – existiu desde sempre na história dos
homens e não foi inventada pela imprensa, pela TV, pela internet. A modernização não
descobriu a comunicação, apenas a problematizou e complexificou seu desenvolvi-
mento, promovendo o surgimento de múltiplas formas e modulações na sua realização.
(FRANÇA, 2010, p. 41)

Para Vera França (2010), o objeto da Comunicação pressupõe a apreensão e


a conformação dos estímulos na forma de um “objeto” recortado. O problema
sentido se transforma em problema formulado, a partir do qual se constrói um
objeto de conhecimento. Portanto, ao voltarmos nosso olhar sobre o objeto da
Comunicação e tomando as proposições de França (2010), o percebemos como a
forma de identificar, de falar ou de construir conceitualmente, os objetos comuni-
cativos do mundo, ou seja produzir construções inerentes ao próprio processo de
conhecimento, a partir das ferramentas e do grau de experimentação disponível.

capítulo 1 • 21
Conhecimento científico

Tendo compreendido o objeto da Comunicação, você entenderá melhor a


própria questão do conhecimento científico como uma das formas de apreender-
mos o mundo a nossa volta.

Conhecer é atividade especificamente humana. Ultrapassa o mero “dar-se conta de”, e


significa a apreensão, a interpretação. Conhecer supõe a presença de sujeitos; supõe
um objeto ou problema que suscita sua atenção compreensiva; o uso de instrumentos
de apreensão, um trabalho de debruçar-se sobre. (FRANÇA, 2010, p. 43)

O saber científico, portanto, prima pela representação do conhecido a partir


da construção do sujeito por meio de modelos de apreensão. Por isso, envolve
método, ou seja, maneira de estudarmos, perspectivas teóricas que são acionadas.
Entender o processo de construção do conhecimento é importante para es-
tabelecer as relações que se formam entre os saberes. França (2010) nos aponta,
inicialmente, o conhecimento como resultado de nossa vivência, o cotidiano, nos-
sas ações no e para o mundo. Há diferentes formas de compreendemos o mundo,
como conhecimento religioso ou místico, o conhecimento estético a partir da
fruição artística e mesmo do que denominamos de senso comum.
Senso comum é o tipo de saber que busca fornecer orientação ao homem e
não o deixar repetir os erros do passado, tendo relação com conhecimentos que
são socialmente partilhados, por isso a palavra “comum”. É uma forma de saber
também válida, que ajuda a ancorar o indivíduo em seu cotidiano, mas não envol-
ve método e sistematização, como o conhecimento científico.
O conhecimento da Comunicação começa como uma forma básica da vida
social, e o aprendizado do homem se dá nos primeiros momentos da vida. Somos
inseridos nas formas comunicacionais de nossa cultura e passamos a reconhecer
os modelos comunicativos com os quais somos defrontados cotidianamente. “A
exposição e o uso permanente dos meios de comunicação fazem deles práticas
e objetos familiares e amplamente conhecidos pelos membros da sociedade.”
(FRANÇA, 2010, p. 44) É um conhecimento experimentado, espontâneo, vivo,
intuitivo, que transita no dia a dia dos sujeitos, conforme assinala a pesquisadora.
No entanto, é um conhecimento que apresenta limites, ultrapassados pelo
conhecimento científico, através de métodos e técnicas de pesquisa, categorias
analíticas, objetivas, cuidadosas e disciplinares. Portanto, menos imediatista que o
conhecimento do senso comum.

capítulo 1 • 22
Vale salientar que Vera França também chama a atenção para o conhecimento
como fenômeno social e histórico, ou seja, sujeito a condicionamentos e influên-
cias. “O que significa: é também parcial e sujeito a erros.” (FRANÇA, 2010, p. 44)
Ou melhor, o conhecimento científico por vezes não ultrapassa o senso comum e,
desta maneira, pode ser atravessado pelo viés dos interesses de posições de poder.
A diferença, porém, reside na constante tentativa da objetividade, pela autocrítica
de métodos e resultados, pela constante validação.

Essa vinculação com a realidade não é – ou não pode ser – uma retórica vazia na dis-
cussão sobre o conhecimento. Vinculada às outras formas de conhecimento, a ciência
pretende alcançar um maior refinamento, um maior alcance. Outras diferentes formas
de conhecimento atendem a diferentes objetivos (sobreviver, viver bem, experimentar,
melhorar nossa posição etc.) em um processo em que o conhecimento é apenas fator
subsidiário ou decorrente. (FRANÇA, 2010, p. 45)

SAIBA MAIS
Em notícia publicada pelo Jornal O Globo, em 2014, na ocasião da agressão contra o
jogador Daniel Alves, o jornalista usa o episódio da “banana” como um gancho para abordar
o estudo dos crânios que Samuel George Morton fez no século XIX. Hoje, a teoria da supe-
rioridade do crânio dos caucasianos não é mais reconhecida, mas assumiu estatuto científico
na época. Isso porque, naquele contexto, a partir do qual o nazismo se erigiu, as condições
históricas eram favoráveis a essas prerrogativas, que hoje consideramos racistas e eugenis-
tas, apesar de o racismo persistir, conforme abordado no trecho da notícia abaixo:
“Ele angariou fama em seu país e na Europa no século XIX disseminando a teoria de que
a superioridade racial é corroborada pelo estudo dos crânios. Aqueles de estrutura mais com-
plexa e avançada, um sinal inegável de inteligência e maior capacidade de raciocínio, seriam
os de caucasianos. Seu argumento resistiu por 150 anos. Foi analisado por figuras como
Charles Darwin, convenceu abolicionistas e só foi definitivamente desmantelado na década
de 1980, embora as manifestações racistas persistam.” (GRANDELLE, 2014)
Confira a matéria na íntegra disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/
historia/estudo-de-cranios-serviu-como-base-falha-ciencia-do-racismo-12370323>.
Acesso em: jun. 2019.

O conhecimento científico vem da realidade e retorna a ela em uma relação de


proximidade e afastamento, e é influenciado, portanto, pelas condições históricas

capítulo 1 • 23
e sociais, pela luta simbólica entre intelectuais envolvidos, ou seja, há toda uma
questão de ordem política que subjaz o conhecimento científico. O exercício da
boa ciência, no entanto, no âmbito das sociais e humanidades, reconhece essas
condições e até as problematiza, além de se ater ao método e ao rigor científico.
Como principais objetivos da ciência, podemos citar o desejo de compreender
o mundo, de facilitar a vida e a prevenção de fenômenos e controle da natureza.
França indica um duplo movimento na relação entre a ciência e a prática. Uma
teoria sem prática é abstração, uma vez que é a partir da prática que surgem as
questões, as problemáticas. “O homem teoriza não apenas porque pensa, mas
porque sente, age, se relaciona.” (FRANÇA, 2010, p. 45)
A pesquisadora lembra que cabe à teoria produzir reflexões sobre o mundo.
Esse movimento do conhecimento ajuda a entender porque os estudos da comu-
nicação são recentes, já que, como vimos, a comunicação só passa a ser vista como
um problema a partir dos meios de comunicação de massa.
Engana-se, no entanto, quem acredita que só o conhecimento científico pro-
duz explicações. O processo do cotidiano, as relações estabelecidas no terreno da
Comunicação produzem conhecimento sobre ela.

Mas ao lado desse conhecimento, no entanto, outro esforço compreensivo vem sendo
desenvolvido no campo da ciência, através do desenvolvimento de inúmeros estudos
sobre os meios de comunicação e a realidade comunicativa. A teoria ou teorias da comu-
nicação são o resultado e a sistematização dessas inúmeras e distintas iniciativas, com
pretensão científica, de conhecer a comunicação. (FRANÇA, 2010, p. 47)

O campo de estudo da comunicação caracteriza-se por tensões, contradições e


dificuldades da natureza do objeto ou por relações conflituosas entre o campo da
teoria e o campo da prática.
França (2010) aponta uma primeira dificuldade no campo de estudo da co-
municação, que diz respeito ao protagonismo da prática com relação ao desenvol-
vimento acadêmico da temática, ou a uma “dinâmica invertida”, resultado de
uma intervenção e de um trabalho de recorte. Ou seja, as reflexões teóricas acerca
da prática ocorreram esta já estava relativamente consolidada.
Ao pensarmos a comunicação, portanto, devemos entender que foi a partir
do desenvolvimento das práticas e da invenção dos meios de comunicação que
foram alavancados os estudos e as reflexões, as indagações, os questionamentos
e tensionamentos. Mesmo na Academia instaurou-se certa ordem pragmática de

capítulo 1 • 24
ativação do conhecimento objetivo, pese, por exemplo, o estímulo a cursos profis-
sionalizantes na área de comunicação, em que o jornalismo foi o maior expoente.
Essas práticas antecederam as proposições teóricas, que chegaram à posteriori,
abrindo para a formação técnica a dimensão humanística e social. A consequên-
cia dessa ordem invertida pela prática trouxe alguns inconvenientes e distorções,
como aponta França.

Uma delas é a natureza instrumental da demanda. Enquanto atividade essencialmente.


Enquanto atividade essencialmente envolvida com o processo produtivo da sociedade, a
comunicação está sempre às voltas com a qualidade de seu desempenho, configurando
uma demanda operacional e consequente orientação pragmática de muitas pesquisas
empreendidas. Com frequência, o estudo da comunicação se desenvolve voltado para a
obtenção de determinados resultados, guiado por finalidades específicas – o que cer-
tamente compromete o distanciamento crítico necessário ao conhecimento. (FRANÇA,
2010, p. 48)

França ressalta também o poder que a comunicação exerce na sociedade con-


temporânea, presente de maneira atuante nas relações políticas, econômicas e so-
ciais. Ou seja, existe um arcabouço ideológico e de condicionamento de toda a
ordem que reveste o saber da comunicação.
A relação exagerada com a prática provoca no terreno da comunicação uma
série de implicações, inclusive, o desprezo pela empiria, que pode acarretar na per-
da do papel explicativo e de sua razão de ser. Daí resulta também uma rivalidade
entre comunicadores que se situam em uma esfera mercadológica e alguns acadê-
micos da Comunicação, quando estes deveriam estar em um diálogo construtivo,
pois a vivência dos profissionais pode ajudar e trazer novos elementos para os
teóricos refletirem, bem como os acadêmicos, ao promoverem e divulgarem seus
estudos, podem contribuir para que os profissionais compreendam melhor ques-
tões centrais da comunicação, do próprio mercado e as relações trabalhistas e de
produção da comunicação. Ou seja, prática e teoria são igualmente importantes
e o comunicador completo entende a função de ambas, mesmo que aprecie mais
uma forma à outra.
Outra dificuldade apontada pela pesquisadora refere-se à extensão e à diversi-
dade da dimensão empírica que a comunicação recobre, bem como a diversidade
dos fatos e das práticas que podem constituir seu objeto. A variação de atividades
do campo comunicacional e os diversos veículos assumem aspectos e rotinas par-
ticulares, tornando quase inviável construirmos esquemas conceituais que sejam
capazes de dar conta de tamanha diversidade.

capítulo 1 • 25
Não podemos esquecer que a mobilidade do objeto empírico da Comunicação,
principalmente no que tange à verdadeira revolução tecnológica, dá-se no ritmo
que supera a reflexão acadêmica.
São distintos o tempo da reflexão e o tempo da prática; mais ainda essa distinção se faz
sentir em um campo em que a prática se renova quase anualmente. O que impossibilita
o acompanhamento mais próximo e torna rapidamente ultrapassados muitos esforços
investigativos. (FRANÇA, 2010, p. 49)

Outra proposição das pesquisas de França aponta também a dificuldade no


que se refere à heterogeneidade dos aportes teóricos acionados para a compreen-
são dos processos comunicativos. A Comunicação implica múltiplos olhares, quer
pela diversidade das atividades movidas pelas relações sociais e humanísticas, quer
pela multiplicidade evocada pela evolução dos meios. “É um objeto complexo
que apresenta recortes possíveis de serem investigados por várias disciplinas.”
(FRANÇA, 2010, p. 49) Daí a heterogeneidade inicial, das teorias da comuni-
cação, resultado de proposições descontínuas, insipientes e enunciados advindos
de saberes debruçados na Sociologia, Antropologia, Psicologia, entre outros, que
refletiam um olhar conceitual e metodológico da disciplina de origem. Esse pro-
cesso, segundo França (2010), tanto enriquece os olhares quanto dificulta a inte-
gração teórica e metodológica do campo.
Outro ponto, para além do panorama apresentado até aqui, é que os estudos
sobre a Comunicação apresentam forte tendência ao modismo, sem, contudo, o
aprofundamento e a maturação necessários.
Para França (2010), o corpo das teorias da comunicação ainda apresenta um
quadro fragmentado, muito em função da falta de uma tradição de estudo científico
na área. O campo da Comunicação ainda não constitui, claramente, o seu objeto e
a sua metodologia. Para a pesquisadora, ainda hoje, o campo encontra-se espalhado
em outras áreas do saber. Por conta disso, ao pensarmos o campo da Comunicação
enquanto domínio ou espaço interdisciplinar, é possível a composição de referências
que geram um estoque de conhecimento maior e mais “robusto”, já que os estudos
comunicacionais ainda representam um domínio relativamente novo.

Teoria ou teorias da comunicação?

O esforço de conhecer a Comunicação faz surgir estudos e teorias, que podem


ser considerados como um sistema de enunciados sobre a realidade ou um aspecto
da realidade. Por isso, não podemos pensar em uma teoria da comunicação, mas

capítulo 1 • 26
sim em teorias, cada qual advinda de um contexto social específico, a partir de
autores que compartilham certas premissas, ou seja, que são orientados por um
paradigma.
A ideia de paradigma foi criada por Thomas Kuhn (1970) e é oriunda do
grego, significando representar de maneira exemplar. As ciências evoluem através
de paradigmas, que são modelos e interpretações de mundo ou abordagens, en-
foques. É como uma espécie de paisagem mental que ajuda a orientar o olhar do
cientista, tanto na maneira como ele percebe e recorta o objeto, quanto na meto-
dologia que emprega e autores que aciona.
Para criar uma analogia, poderíamos afirmar que cada ciência envolve uma
grande cultura, premissas básicas que serão compartilhadas por todos. O publicitá-
rio, por exemplo, é tido como um grande criativo e tal característica do campo é tão
forte que é experimentada pela maior parte dos publicitários, mesmo que alguém
de atendimento não tenha isso tão introjetado como um diretor de criação (ou seja,
temos aqui diferentes maneiras de perceber os fatos a partir da atividade em ques-
tão). Contudo, a publicidade feita no Brasil é muito diferente da de outros países e
mercados, o que mostra paradigmas diferenciados, em diálogo com questões locais.
O mesmo ocorre com relação às teorias que buscam analisar os processos co-
municacionais: você verá que nos Estados Unidos, no início do século XX, por
exemplo, alguns autores percebiam a comunicação de uma maneira bem diferen-
ciada da escola alemã, por exemplo. E, mesmo dentro de cada tradição teórica,
embora possamos pensar em um paradigma que oriente os autores, de maneira
geral, não há total consenso.
Ao falarmos de paradigma no âmbito das teorias da comunicação, portanto,
estamos supondo ordenação, método, quadros de referência e determinada paisa-
gem mental.
A prática científica, ao formular leis, teorias, e explicações cria modelos que
fomentam as tradições científicas e fornecem problemas e soluções para uma co-
munidade científica. Entender as ciências é conhecer sua prática, seu funciona-
mento e seus mecanismos. É compreender o comportamento do cientista, suas
atitudes e suas decisões, pois os paradigmas moldam nossa visão de mundo e
comportamento, pressupondo, então, um viés ideológico e lógico.
Todo campo tem uma racionalidade própria e, à medida que você avança em
um curso na universidade, por exemplo, vai identificando os principais modelos,
esquemas lógicos e teorias, pois não entender a lógica do campo de atuação pode

capítulo 1 • 27
significar exclusão da área, já que isso pode ser exigido em uma entrevista, em sua
empresa e, especialmente, na pesquisa e docência.
Por meio da educação, o jovem adquire os esquemas conceituais de sua ati-
vidade. A ciência é uma tentativa de forçar a natureza (física e social) a esquemas
conceituais fornecidos pela educação profissional, que permite a apreensão e a
internalização dos pressupostos de determinado saber.
Segundo Kuhn (1970), há três fases envolvidas no processo de conhecer, sen-
do elas:
•  Estágio pré-científico. Nesse ínterim, não há sistematização nem método,
mas a atitude de contemplação que pode levar a uma busca propriamente cientí-
fica. Nesse ponto, há cientistas tentando fazer ciência, mas não há nenhum tipo
de consenso. É com o surgimento de paradigmas, como a mecânica de Aristóteles,
a óptica de Newton e a teoria da eletricidade, que algumas disciplinas puderam
adentrar a fase científica.
•  Ciência normal. O papel fundamental da ciência normal não é de mos-
trar novidades. Ela pretende explicar algum fato por paradigmas existentes. O
conhecimento dado em escolas está nesse âmbito, bem como boa parte do próprio
conhecimento universitário. É o conhecimento aceito, legítimo.
•  Ciência extraordinária ou revolucionária nada mais é do que a adoção de
outro paradigma, isto é, de visão de mundo. A partir de contradições que surgem
dentro da ciência normal, precedentes vão sendo criados para que alguns cientistas
contestem o conhecimento já aceito. Isso não ocorre sem que os representantes da
ciência normal tentem ao máximo fornecer explicações que refutem as anomalias
surgidas, esvaziando o movimento contestatório. Uma vez que a proposta de ex-
plicação da ciência revolucionária passe a ser reconhecida pelo campo científico,
o conhecimento deixa de ser revolucionário para se tornar ciência normal. No
entanto, o fato de uma explicação substituir a outra não necessariamente significa
que o paradigma “vencido” era errôneo, pois há toda uma demanda das conjuntu-
ras históricas nas quais os cientistas estão inseridos.

RESUMO
Nesta unidade, você pôde acompanhar, a partir da perspectiva acadêmico-científica, que
deslocou os teóricos Luiz C. Martino e Vera França, em especial, a epistemologia e origem
histórica do fenômeno da comunicação, bem como o caráter interdisciplinar de um campo

capítulo 1 • 28
e a forma de modelagem do objeto de estudo desta área, primeiro sob a égide hegemônica
de outros saberes. Depois, constituindo-se de um caráter mais independente, mas que ainda
está construindo as subjetividades teórico-metodológicas para o estudo de sua empiria.
Em um primeiro momento do capítulo, você acompanhou o pensamento de Martino
(2010), conhecendo a evolução do termo que deu origem à palavra comunicação e enten-
dendo que essa comunicação foi se sedimentando a partir das práticas sociais, gerando
diferenças que embasaram uma polissemia quando pensamos na palavra. O sentido etimo-
lógico de troca, mesmo ao se tratar de um vocábulo secular, perdura e ainda ajuda a explicar
a Comunicação.
Outra questão importante foi compreendermos diferentes modalidades comunicativas,
com a distinção entre interações de seres brutos, orgânicos e do Homem, com a comunica-
ção simbólica, que envolve cultura e convenções sociais. Mesmo a comunicação simbólica
pode variar muito conforme a materialidade envolvida, pois uma coisa são os encontros face
a face, outra dinâmica permeia as comunicações massivas, com diferenças entre os vários
meios possíveis (cinema, rádio, TV, publicidade) e outro universo nos é possível apontar a
partir do ciberespaço.
Em outro momento do capítulo, fizemos uso das teorizações de Martino sobre a interdis-
ciplinaridade e, novamente, falamos do objeto de estudo da comunicação, que ainda carece,
na visão do pesquisador, de definições conceituais mais elaboradas e da possibilidade de se
identificar, no estudo dos meios de comunicação, um fio condutor que permitiria ao pesquisa-
dor da comunicação atravessar os vários níveis de uma problemática complexa, utilizando-se
de uma gama bastante variada de saberes, sem no entanto, perder de vista a integralidade
de um objeto próprio.
E, sob outras formas de olhar o objeto, o capítulo expressa o pensamento e as propo-
sições da pesquisadora Vera França, que trabalha a perspectiva do objeto da comunicação
inicialmente como construção histórica e social que precisa ser entendida sob a égide e a
reflexão do próprio processo de conhecer, o que implica não só acionar um objeto empírico,
como o rádio ou a televisão, por exemplo, mas dar um tratamento a esse objeto que o qua-
lifique enquanto estudo comunicacional, promovendo uma leitura social a partir de um meio
de comunicação.
Vimos, com o pensamento da pesquisadora, que a construção das teorias da comuni-
cação ainda tem no seu alicerce bases heterogêneas, descontínuas e complexas, mas que
começa a ganhar corpo e estoques de conhecimento, que podem levar à tradição, tão neces-
sária à fala legitimada da ciência no reconhecimento dos campos de saberes.

capítulo 1 • 29
SAIBA MAIS
Há congressos científicos renomados no campo da comunicação, como a Intercom e
a Compós. Você sabia, por exemplo, que a Intercom permite que alunos já na graduação
apresentem trabalhos, desde que orientandos por um professor? Uma ótima maneira de
compreender a abrangência do campo comunicacional é analisar as temáticas, recortes e
metodologias presentes nos artigos produzidos pelos pesquisadores. Acessando o site des-
ses congressos, basta procurar pelos anais – que disponibilizam, nesses casos, os artigos
gratuitamente na íntegra, divididos pelos Grupos de Trabalho (GT) temáticos. Selecione os
anais de algum ano que deseje explorar, escolha um GT que te agrade e confira alguns arti-
gos acerca dos tópicos que mais lhe interessam.

AUTORES
Luiz Claudio Martino: Professor Titular em Teorias e Epistemologia da Comunicação
da Universidade de Brasília e Pesquisador 1C do CNPq (Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Científico e Tecnológico – Ministério da Ciência e Tecnologia). Chercheurinvitéau
GRICIS, Montréal. Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (1989), Especialização em Filosofia pela UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1991), Mestrado em Escola de Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1992), Mestrado em Psicologia pela Fundação Getúlio Vargas e Universidade Federal do Rio
de Janeiro (1992), DEA em Sciences Sociales: Cultures et Comportaments – Université de
Paris V (René Descartes) (1993) e Doutorado em Sociologia – Université de Paris V (René
Descartes) (1997). Membro de Comitê de Assessoramento CAPES (2000 a 2009). Consultor
ad hoc CAPES e CNPq. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Estudo de
Meios, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria da comunicação, epistemologia da
comunicação, história da comunicação, meios de comunicação, tecnologia da comunicação.

Vera Regina Veiga França: Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunica-


ção da UFMG; coordenadora do GRIS (Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade da FA-
FICH/UFMG). Atua nas áreas de Teorias da Comunicação, Comunicação e Cultura Midiática,
Metodologia de Pesquisa em Comunicação. É formada em Comunicação Social/Jornalismo
pela PUC-MG, com mestrado em Comunicação pela UnB, DEA e doutorado em Ciências So-
ciais na Université René Descartes – Paris V (1989-1993). Fez estágio de pós-doutorado em
Sociologia junto ao CEMS (Centre d'Etudesdes Mouvements Sociaux) da Ecole dês Hautes

capítulo 1 • 30
Etudesen Sciences Sociales (EHESS), na França (2005-2006). Foi presidente da Associação
Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS) no biênio 2001-
2003. Pesquisadora 1B do CNPq, tem desenvolvido e orientado projetos em torno dos proces-
sos interativos midiáticos, com ênfase na televisão; na relação popular/midiático; na construção
do acontecimento e no conceito de público enquanto forma e experiência.

ATIVIDADES
01. Estabeleça semelhanças entre os pensamentos acerca do objeto da comunicação pre-
sentes nas proposições dos pesquisadores Luiz C. Martino e Vera França.

02. Escolha um tema/objeto que poderia ser alvo de estudo e apresente à turma as condições
que o levariam a ser um estudo da comunicação e identifique qual saber interdisciplinar trafe-
garia na pesquisa. França sinaliza a presença de uma “dinâmica invertida”, ou seja, as reflexões
teóricas acerca da prática ocorreram quando esta já estava relativamente consolidada.

03. Explique, a partir dos pressupostos do professor Luiz C. Martino a evolução conceitual
do termo comunicação.

04. Identifique e justifique, de acordo com as proposições da professora Vera França, a dife-
rença entre o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico.

05. Explique a noção de paradigma elaborada por Thomas Kuhn, bem como as três fases
do conhecimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FRANÇA, V. O objeto da comunicação – A comunicação como objeto. In: HOLFELDT, Antonio e outros
(orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010,
p. 39-60.
GRANDELLE, R. Estudo de crânios serviu como base à falha ciência do racismo. O Globo. Rio de
Janeiro, 3 maio 2014. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/historia/estudo-de-
cranios-serviu-como-base-falha-ciencia-do-racismo-12370323>. Acesso em: 26 nov. 2018.

capítulo 1 • 31
HOHLFELDT, A. Teoria da Comunicação: a recepção brasileira de das correntes do pensamento
hegemônico. In: MELO, J. M. (org) O campo da comunicação no Brasil. Petrópolis: Ed. Vozes, 2008,
p. 23-36.
KUHN, T. S. The Structure of Scientific Revolutions. 2 ed., enlarged. Chicago and London:
University of Chicago Press, 1970.
MARTINO, L. C. De qual comunicação estamos falando? In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs).
Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010, p. 11-
25.
_________. Interdisciplinaridade Objeto de estudo da comunicação. In: HOLFELDT, Antonio e outros
(orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010,
p. 27-38.
MELO, J. M. Introdução: o campo da comunicação no Brasil. In: MELO, J. M. (org). O campo da
comunicação no Brasil. Petrópolis: Ed. Vozes, 2008, p. 11-20.
PEIRCE, C. S. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix, 1972.
WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1995.

capítulo 1 • 32
2
Escola
Norte-Americana
Escola Norte-Americana
A definição de comunicação, bem como os critérios para estabelecer qual teo-
ria se enquadraria no campo comunicacional e o porquê, ainda são objetos de
discussão de muitos pesquisadores, mesmo que de maneira interdisciplinar, sem a
preocupação em fixar o campo.
A ideia do capítulo é situar o leitor, a partir dos paradigmas integrantes da cha-
mada Escola Norte-Americana para os estudos da comunicação, que conjugava
ideias distintas, que podem até ser encaradas como dicotômicas, como o caso das
teorias pertencentes ao Mass Communication Research e a Escola de Chicago, por
exemplo. Apresentam-se modelos teóricos que, de alguma maneira, debateram
sobre as formas de comunicar na sociedade.
Vários autores são deslocados, ao longo do capítulo, para mostrar a multipli-
cidade de visões e saberes que dialogam com a pesquisa na área da comunicação.

OBJETIVOS
•  Compreender a Escola Norte-Americana da comunicação;
•  Entender o que une as teorias do Mass Communication Research;
•  Reconhecer a heterogeneidade da Escola Norte-Americana, com as vertentes marginais;

A Escola Norte-Americana: um breve panorama

Os Estados Unidos abrigaram diferentes tradições de estudo da comunicação.


Pesquisadores como Park, Burgess e Cooley, no início do século XX e através da
Escola de Chicago, desenvolviam estudos com enfoque microssociológico de pro-
cessos comunicativos, encarando a “cidade” e suas interações como um laboratório
social.
No período compreendido entre 1920 a 1960, o Mass Communication
Research, que representou um capítulo à parte dentro da Escola Norte-Americana,
ganhou notoriedade, com pesquisas quantitativas, que compreendiam o público
como uma massa que assimilava sem resistência as mensagens midiáticas.
Com os anos 1930, Herbert Blumer, um dos membros da Escola de Chicago,
com base nas ideias de George Mead, inaugura o termo “interacionismo simbólico”,

capítulo 2 • 34
que entende a vida social por meio da interação social realizada pelos indivíduos
entre si, mas esse interagir acontece por conta da observação dos processos comu-
nicacionais. Isso inicia um novo campo de pesquisa na área e a possibilidade de
teóricos próprios.
Por fim, na década de 1940, autores da Escola de Palo Alto, de áreas diferentes
como Antropologia, Linguística, Sociologia, Matemática e a Psiquiatria propuse-
ram outra tradição de estudos em comunicação. Bateson, Goffman e Watzlawick,
entre outros, acreditam que a compreensão da comunicação se dá por um processo
social permanente e que deve ser estudado a partir de um modelo circular.
Você deve compreender a centralidade do Mass Communication na tradição
da Escola Norte-Americana. A Escola de Chicago inicia suas atividades em 1910
e perde sua supremacia pouco antes da Segunda Guerra Mundial, na década de
1930 para o Mass Communication, que acaba também ofuscando o Interacionismo
Simbólico e a Escola de Palo Alto. Tais correntes, segundo Araújo (2010), se de-
senvolveram de forma marginal nos EUA, o que acabara por constituir campos
de pesquisa restritos às áreas em que se originaram, com mínima influência em
outros países, até a década de 1960, quando o Mass Communication perde sua
força, abrindo espaço para novas perspectivas teóricas.

Escola de Chicago

Nascida de uma tradição sociológica, a vertente se desenvolveu entre o fim


do século XIX e as primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos. Dentro
dessas condições de possibilidades históricas, os estudos dessa escola contribuíram
para refletir para a constituição dos grupos na cidade e as relações interpessoais.
Ainda hoje, as proposições da Escola de Chicago para análise de fenômenos
sociais vêm sendo resgatadas em diferentes campos e trazem contribuições aos
processos comunicacionais.
Um de seus principais teóricos é Robert Park. Em seus estudos, diante das
comunidades étnicas, se questionou sobre a função assimiladora dos jornais, a
natureza da informação e a diferença entre jornalismo e propaganda social. Outro
teórico que merece destaque é William FooteWhyte, cujo trabalho Sociedade da
Esquina é considerado pioneiro na antropologia urbana, a partir de uma pesquisa
etnográfica. FooteWhyte morou de 1936 a 1940 em um bairro ítalo-americano
para compreender as formas de interação e sociabilidade dos “rapazes da esquina”
e dos gângsteres locais.

capítulo 2 • 35
A cidade é um lugar privilegiado de observação do pesquisador dessa vertente,
que visava estudar a mobilidade urbana, as desigualdades sociais, os processos
de marginalização e as peculiaridades simbólico/estruturais de comunidades tidas
como degradadas, a fim de alterar a realidade de tais locais. Isso porque alguns pes-
quisadores dessa vertente possuíam um ímpeto reformista, apesar de reconhece-
rem riqueza e organização social naquilo que, aparentemente, parecia ser caótico.
Vale ressaltar que, de acordo com França (2014, p. 144), no caso da Escola de
Chicago sua hegemonia se manteve na sociologia americana até meados de 1930,
quando se consolidou outra tradição sociológica nos EUA, conhecida por Mass
Communication Research.

Contexto histórico da emergência do Mass Communication


Research

A partir de 1930, os Estados Unidos desenvolvem pesquisas voltadas para os


meios de comunicação de massa, nas quais se determinaram seus efeitos e suas
funções. Esses trabalhos, conhecidos como Mass Communication Research, teriam
inaugurado a teoria das comunicações. A Escola de Chicago, vista na seção anterior,
tinha como foco uma abordagem sociológico-antropológica, discutindo assuntos
ligados à comunicação de modo tangencial. Por tal razão, o Mass Communication
é tido como a primeira vertente dedicada aos estudos comunicacionais.
Quatro pesquisadores podem ser apontados como “pais fundadores” da pes-
quisa em comunicação, Paul Lazarsfeld, Harold Lasswell, Kurt Lewin e Carl
Hovland. Durante esse período, surgem vários institutos e centros de pesquisas,
consequentemente, a formulação das primeiras teorizações sobre o papel dos
meios e processos de condicionamento.
Estes estudos eram motivados por questões de ordem política e econômica,
expansão da produção industrial e necessidade se alcançarem novos mercados e
consumidores. Com isso, surgem, cada vez mais, pesquisas voltadas para o estu-
do da audiência e para o aperfeiçoamento das técnicas de persuasão, pois “[...]
a reacomodação do mundo sob o impacto da fase monopolista do capitalismo,
bem como a ascensão dos Estados Unidos como grande potência imperialista,
atribuem à comunicação um papel estratégico.”. (FRANÇA, 2010, p. 54)
Na Primeira Guerra Mundial, na Europa, os meios de comunicação desem-
penham um papel de persuasores da população civil na sustentação da economia
e no fortalecimento do sentimento nacional. Em 1929, nos Estados Unidos, a

capítulo 2 • 36
comunicação assume moldes no projeto de planificação e racionalização da so-
ciedade. No entanto, foi na Segunda Guerra Mundial que a potencialidade e o
alcance da comunicação tiveram maior expressão, através de programas desenvol-
vidos pela Alemanha nazista. A finalidade era a de controlar e manipular política e
ideologicamente, a partir da combinação de formas interpessoais e massivas, pela
utilização máxima dos meios disponíveis.
No contexto da Guerra Fria e na política intervencionista americana há um
aperfeiçoamento e maior análise na utilização dos meios como instrumentos de
difusão de produtos culturais.

(...) passando pela criação de agências de desenvolvimento e Institutos de pesquisa


nos países do Terceiro Mundo, toda uma política de intervenção, centrada nas manipu-
lações ideológicas (no domínio das mentes e corações) vem incentivar e exigir o de-
senvolvimento das pesquisas e o maior domínio das técnicas e do fazer comunicativo.
(FRANÇA, 2010, p. 55)

Nesse ínterim que a comunicação deixa de ser uma atividade natural do ser
humano e começa a passar por um processo de desfamiliarização/questionamento
da comunidade acadêmica. A própria obra de um dos pais fundadores do Mass
Communication, Harold Lasswell, nos ajuda a compreender a centralidade que os
meios de comunicação vão assumindo no seio acadêmico. Se na década de 1920
o autor produziu quatro textos sobre propaganda, sendo considerado inclusive o
primeiro a escrever cientificamente sobre o tema, entre 1930 e 1950 ele redigiu
48 textos sobre comunicação e/ou propaganda, incluindo o verbete presente na
Enciclopédia de Ciência Sociais. (VARÃO, 2017)
Sendo assim, a comunicação de massa ganha vulto, e a comunicação é encara-
da como fenômeno social. Além da intra comunicação, proposta pela Psicologia,
que ocorre no indivíduo internamente, a comunicação interpessoal, entre duas
pessoas e a comunicação grupal, entre uma pessoa e um grupo ou vice-versa, ga-
nha fôlego o que chamamos de comunicação de massa, ou media.

A comunicação de massa pressupõe a urbanização massiva, fenômeno que ocorre, em


especial, ao longo do século XIX, graças à Segunda Revolução Industrial, dificultando
ou mesmo impedindo que as pessoas possam se comunicar diretamente entre si ou
atingir a todo e qualquer tipo de informação de maneira pessoal, passando a depender
de intermediários para tal. (HOHLFEDLT, 2010, p. 62)

capítulo 2 • 37
Nesse sentido, para o pesquisador, esse intermediário tanto pode tratar-se do
jornalista (que busca e constrói a notícia), quanto do publicitário e do cineasta,
que difundem cultura a partir de tecnologias que se encarregam da distribuição
dessa informação.
Se pensarmos, pois, a comunicação como um fenômeno social possível a par-
tir da linguagem, entendemos então, a implicação de um número maior de atores
no processo comunicativo. Para Hohlfeldt (2010), precisa ficar claro a existência
de uma íntima relação entre os processos comunicacionais e os desenvolvimentos
sociais, já que o ato comunicativo, ao permitir a troca de mensagens, estabelece
várias funções, tais como: informar, criar consenso de opiniões, persuadir, conven-
cer, constituir identidades, entreter.
Essas diferentes funções foram alvo das pesquisas norte-americanas, que sedi-
mentaram vários modelos teóricos ao longo do século XX, visando compreender
as relações entre a comunicação e a sociedade. Você verá algumas perspectivas da
Escola Norte-Americana, tidas como visões funcionalistas, que buscavam com-
preender as funções sociais desempenhadas pelos meios de comunicação.

SAIBA MAIS
Podemos considerar o funcionalismo como uma corrente de pensamento da Sociologia
que compreende a sociedade como um organismo composto por diversas partes, tal qual o
corpo humano formado por distintos órgãos, cada qual com uma função específica. Nesse
sentido, a mídia também é encarada pelas funções que exerce para o salutar dos grupamen-
tos humanos, como determinadas formas de pensar e agir, bem como a interação e a coope-
ração, tão necessárias ao mundo do trabalho e perpetuação da herança cultural.

Teoria hipodérmica ou da bala mágica

As pesquisas desenvolvidas nesta época têm um modelo teórico comum, de-


nominado por vários autores de “teoria hipodérmica”, em uma referência ao
termo “agulha hipodérmica”, desenvolvido por Harold Lasswell para explicar a
ação dos meios de comunicação junto aos indivíduos. Outros autores, no entan-
to, adotam diferentes denominações como: teoria da bala mágica ou teoria da
correia de transmissão. São diferentes nomes para uma mesma visão: a de que o
público era desprovido de capacidade crítica, se configurando como um rebanho

capítulo 2 • 38
desgovernado, que assimilaria as mensagens de modo homogêneo, sendo guiado
pelos meios de comunicação de massa.

Ou seja, os produtores midiáticos elaboravam determinada mensagem, geran-


do um estímulo x, e a massa toda entenderia da mesma forma, o que resultaria
em formas de pensar e de agir iguais. É como se uma injeção com a mensagem
midiática fosse aplicada, restando ao público incorporar tal conteúdo. A mesma
ideia do público como um alvo passivo está presente na analogia da bala mágica.

A teoria das balas mágicas popularizou-se a partir de 1920, e fundava-se no conceito de


que o processo de comunicação de massas é equivalente ao que se passa em uma galeria
de tiro. Bastava atingir o alvo para que este caísse. As balas eram irresistíveis, as pessoas
estavam totalmente indefesas. (GUARALDO, 2007, apud SANTOS, 2004, p. 18)

Contudo, você deve estar pensando que essa visão hoje em dia parece estra-
nha, já que temos acesso a pontos de vista tão plurais das pessoas, especialmente se
observamos as redes sociais, certo? Nesse ponto nos cabe alertar para que você não
adote uma postura anacrônica, ou seja, não veja os fenômenos sociais e históricos
do passado a partir das suas lentes do presente, não considerando os acontecimen-
tos históricos do momento em questão. Conforme já abordado, a Escola Norte-
Americana estava muito relacionada à expansão político-ideológica dos EUA e
intimamente ligada a um contexto de guerra. Ora, era necessário envolver os cida-
dãos na guerra, no sentido de os mesmos apoiarem a pátria contra o inimigo, além
de suportarem as possíveis privações em um Estado em guerra.

Os cidadãos tinham de odiar o inimigo, amar sua pátria, e devotar-se ao máximo ao es-
forço de Guerra. Não se podia depender de que o fizessem por conta própria. Os veícu-
los de comunicação de massa disponíveis então tornaram-se as principais ferramentas
para persuadi-los a agir assim. (GUARALDO, 2007, apud Melvin DeFleur, 1993)

capítulo 2 • 39
Devemos lembrar que o Estado era um grande anunciante nesse contexto,
bastando que você se recorde do famoso cartaz do Tio Sam, criado em 1917, pelo
artista James Flagg, que desenhou a figura idosa em um cartaz com o dedo em
riste e com a frase I Want You for US Army (“Eu Quero Você para o Exército dos
EUA”). Tal peça fora encomendada pelas Forças Armadas dos Estados Unidos,
que recrutava soldados para a Primeira Guerra Mundial.

SAIBA MAIS
Caso queira ver peças publicitárias difundidas durante a Primeira Guerra Mundial, a fim
de compreender como a persuasão era exercida como estratégia, a partir dos meios de co-
municação de massa, acesse:
<https://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategiasensino/propaganda-primeira
guerra-mundial.htm> ou
<http://www.momentosdehistoria.com/MH_06_01_Patriotismo.htm>. Acesso em: jun.
2019.

Contudo, é importante salientar que os primeiros anos da evolução teórica


da perspectiva da agulha hipodérmica foram desordenados e mesmo caóticos, se-
gundo os estudos de Araújo (2010). Não houve a preocupação da ordenação e da
precisão de uma ciência em desenvolvimento, com muitas denominações citadas
sendo criadas de modo “retrospectivo”. Entretanto, podemos sistematizar as prin-
cipais características da teoria hipodérmica da seguinte forma:
•  Estudos ancorados nas teorias da sociedade de massa, na qual se via a so-
ciedade industrial do século XX como multidão de indivíduos isolados física e
psicologicamente.
•  Tal perspectiva era influenciada pelas teorias behavioristas, que entendiam
a ação humana como resposta a um estímulo externo. O behaviorismo, que vem
do inglês, behavior, ou seja, indica comportamento, visava alterar uma conduta
individual para atingir um fim coletivo. Nesse ponto vale retomar o exemplo do
Tio Sam que, ao “olhar”, “falar” e “apontar” para o indivíduo, o convoca para o
exército, acionando um argumento patriota e de pertencimento para gerar uma
resposta positiva, que efetivamente resultaria em aumento do efetivo militar.

capítulo 2 • 40
A partir destas proposições, implementa-se o modelo comunicativo da teoria
hipodérmica, ou seja, a de um processo iniciado nos meios de comunicação, que
atingem os indivíduos, provocando determinados efeitos. Por essa teoria, a figura
do indivíduo é totalmente passiva, exposta ao estímulo vindo dos meios.

O máximo que os primeiros estudos distinguiram, em termos de diferenciações entre o


público, foi dividi-lo de acordo com grandes categorias como idade, sexo e classe social
econômica. Por fim, os efeitos eram entendidos como sendo diretos, isto é, se dão sem
a interferência de outros fatores. Daí a concepção de que os meios agiam sobre a socie-
dade à maneira de uma “agulha hipodérmica”. (ARAÚJO, 2010, p. 126)

Os estudiosos da época compreendiam a massa como um grupo anônimo, ou


melhor, composto por indivíduos anônimos, cuja interação basicamente inexiste,
sem troca de experiência entre os membros da massa. A massa encontrava-se fisica-
mente separada, ou seja, não se misturava, dialogava ou articulava, o que explica-
ria a crença no poder onipotente da mídia e na falta de capacidade dos indivíduos
de reagirem aos estímulos midiáticos.
A massa não tinha características de sociedade ou comunidade, pois não teria cos-
tumes, tradição, organização social, regras, rituais ou lideranças institucionalizadas.

Mass Communication Research

Composto por autores que transitam desde a engenharia das comunica-


ções até outros saberes, como a Sociologia ou a Psicologia, os estudos da Mass
Communication Research foram uma frente hegemônica entre as décadas de 1920
a 1960 do século XX, sendo que vai perdendo sua força gradativamente a partir do
fim dos anos 1940. No entanto, é possível delinear ao menos quatro características
que tais estudos reúnem, conforme aponta Araújo (2010):

[...] o que permite dar unidade a esse conjunto de estudos, são quatro características
comuns. A primeira delas é a orientação empiricista dos estudos, tendendo, na maio-
ria das vezes, para enfoques que privilegiam a dimensão quantitativa. A segunda é a
orientação pragmática, mais política do que científica, que determinou a problemática
de estudos. As pesquisas de comunicação dessa tradição de estudos têm origem em
demandas instrumentais do Estado, das Forças Armadas ou dos grandes monopólios
da área da comunicação de massa e têm por objetivo compreender como funcionam os
processos comunicativos com o objetivo de otimizar os resultados. A terceira caracterís-
tica é o objeto de estudos: tratam-se de estudos voltados, prioritariamente, à comuni-
cação mediática. Por fim, a quarta diz respeito ao modelo comunicativo que fundamenta
todos os estudos. (ARAÚJO, 2010, p. 120, grifo nosso)

capítulo 2 • 41
Dessa forma, temos como quatro características integrantes do Mass
Communication:
•  Estudos empíricos, com metodologia quantitativa;
•  Orientação pragmática derivada de investimentos públicos e privados;
•  Estudos focados na comunicação midiática;
•  Crença na onipotência da mídia e uso do conceito de massa.

O estudo de Merton e Lazarsfeld, no fim da década de 1930, nos ajuda a


compreender melhor as quatro características sinalizadas por Araújo na citação
anterior. Várias pessoas participaram de um teste no qual deveriam apertar um
botão verde, caso gostassem do conteúdo midiático ao qual foram expostas, e o
botão vermelho, caso rejeitassem. Não apertar nada significava indiferença. Além
disso, agulhas registravam em um cilindro os altos e baixos em termos de reações
de ouvintes. Trata-se de um estudo empirista e com enfoque quantitativo, com
pesquisas repetidas junto à mesma amostragem, o que indica uma vontade de
formalização matemática para interpretar fatos sociais e a própria mídia.
A orientação pragmática e, mais política que científica, fica nítida se lem-
brarmos que a pesquisa estava vinculada ao Princeton Radio Project, financiada
por Frank Stanton, diretor de pesquisas da CBS (grande emissora de rádio na
época, que se tornou alguns anos depois a famosa emissora televisiva, com mesmo
nome). Tal marca se fez muito presente no Mass Communication, cujos pesquisa-
dores dependiam de contratos públicos e privados para realizarem a pesquisa, o
que acabou valorizando a pesquisa com viés administrativo.
Isso fortaleceu uma linha de estudos quantitativos acerca da audiência midiá-
tica, fato que se enquadraria na terceira característica de trabalhos dessa natureza,
conforme abordado na citação. Já o modelo comunicativo, que orientaria os estudos
do Mass Communication, está relacionado com a própria perspectiva da agulha hi-
podérmica, e a ideia de uma comunicação unilateral, além de uma mídia com uma
capacidade de persuasão que deixaria os espectadores sem poder de resistência.
Para Araújo (2010), mesmo com toda a variedade de correntes que a Mass
Communication abriga, podemos dividi-los em três grandes grupos:
•  O primeiro deles é a teoria matemática da comunicação, também conhe-
cida como teoria da informação, elaborada por dois engenheiros matemáticos,
Shannon e Weaver, que trabalhavam em uma companhia telefônica de Nova York
e estavam preocupados em transmitir o maior número possível de mensagens no
menor espaço de tempo ao menor custo operacional, com a menor taxa de ruído.

capítulo 2 • 42
Assim, formulam em 1948 a teoria matemática da comunicação, que se destacou
por sistematizar o processo comunicativo, a partir de uma perspectiva técnica,
com ênfase nos aspectos quantitativos.

O trabalho realizado por Claude Shannon e descrito por Weaver apresenta a


seguinte representação de um sistema de comunicação.

Fonte de informação → Transmissor → Canal → Receptor → Destino

Sinal Ruído Sinal

Nesse sentido, a comunicação se apresenta como um sistema no qual uma fonte


de informação seleciona uma mensagem desejada a partir de um conjunto de men-
sagens possíveis, codifica esta mensagem transformando-a em um sinal passível de
ser enviado por um canal ao receptor, que fará o trabalho do emissor ao inverso.
A comunicação, portanto, passa a ser compreendida como processo de trans-
missão de mensagens por uma fonte de informação, através de um canal, a um
destinatário. Os próprios pesquisadores forneceram um exemplo que nos auxilia
no entendimento dos elementos da teoria, ao situarem o cérebro de quem fala
como a fonte de informação, e o cérebro de quem recebe como o destinatário. O
sistema vocal seria o transmissor, e o ouvido, o receptor.
Não há uma preocupação com o contexto social no qual a comunicação se
desenrola, pois, o que está em voga em tal modelo é a lógica de mecanismo, não
levando “em conta a significação dos sinais, ou seja, o sentido que lhe atribui o
destinatário e a intenção que preside à sua intenção” (MATELLART, 1999). A
crítica que se fez a essa teoria é a de que seu teor matemático a faz mais apropriada
para máquinas e não para seres humanos. Seu caráter linear, de uma mensagem
que vai de um ponto a outro, concebe a comunicação apenas como transmissão.
No mesmo ano que Shannon publica sua primeira versão do modelo mate-
mático, seu ex-professor e também matemático, Nobert Wiener, publica o livro
Cybernetics or Controland Communication in the Animaland Machine, em que per-
cebe que a organização da sociedade deverá ser feita a partir de uma nova matéria-
-prima, a informação. O pesquisador defende a tese de que a sociedade só poderá
ser entendida por meio dos estudos das mensagens e das facilidades promovidas
pela comunicação, ressaltando que as mensagens entre os homens e as máquinas
têm um papel importante naquelas condições históricas, pois a sociedade da infor-
mação só existiria para ele caso a informação circulasse, sem embargos.

capítulo 2 • 43
Wiener entendeu a cibernética para além da teoria da transmissão das mensa-
gens da engenharia elétrica, e assim, a definiu como um vasto campo que contem-
plava não apenas o estudo da linguagem, mas o das mensagens:

(...) como meios de dirigir a maquinaria e a sociedade, o desenvolvimento de máquinas


computadoras e outros autômatos [...], certas reflexões acerca da Psicologia e do siste-
ma nervoso, e uma nova teoria conjetural do método científico. (WIENER, 2000, p. 15)

Wiener afirma que a cibernética tem como objetivo desenvolver a lingua-


gem acessível a uma série de técnicas para enfrentar o controle das comunicações
em geral, ou seja, os meios de comunicação controlam as informações e é uma
ameaça à ordem social, isso porque ele visualiza a informação livre como forma
de organização da sociedade de maneira muito mais eficaz. Diferentemente de
Shannon, que se abstém de fazer alguma crítica social, Wiener escreve no contexto
da Segunda Guerra Mundial, percebendo como negativo o fato de que o controle
dos meios de comunicação tinha sido engendrado por grupos que só se preocupa-
vam com o poder e o dinheiro.
•  O segundo grande grupo, segundo Araújo (2010), é a corrente funcionalista,
originada a partir dos estudos de Lasswell. A motivação de pesquisa dessa corrente se
constitui nas funções exercidas pela comunicação de massa na sociedade. Aborda hi-
póteses sobre as relações entre os indivíduos, a sociedade e os meios de comunicação
de massa. O centro de sua preocupação é o equilíbrio da sociedade, na perspectiva
do funcionamento do sistema social no seu conjunto e seus componentes.

Não é apenas a dinâmica interna dos processos comunicativos que define o


campo de interesse de uma teoria dos meios de comunicação de massa, mas sim a
dinâmica do sistema social.
Araújo (2010, p. 123) lembra que a teoria sociológica de referência para es-
tes estudos é o estrutural funcionalismo. “O sistema social na sua globalidade é
entendido como um organismo cujas diferentes partes desempenham funções de
integração e de manutenção do sistema”. É importante entender também que a
abordagem funcionalista toma o organismo do ser vivo, como estrutura, compos-
to de partes, em que cada uma cumpre um papel e gera o todo.
Para Lasswell, a mídia destila um “caldo de cultura” que pode influenciar in-
divíduos, sendo fundamental conhecer o teor das mensagens dos meios de co-
municação massivos, até porque tais meios poderiam ser usados na correção de
disfunções sociais. A mídia para o autor teria três grandes funções:

capítulo 2 • 44
1. Articulação da parte com o todo, no sentido de integrar um sistema, como
uma newsletter em uma empresa;
2. Vigilância sobre o meio, para garantir circulação de informação e manutenção
do regime democrático, punindo/combatendo transgressões; e
3. Transmissão da herança cultural, com a mídia ajudando a perpetuar visões de
mundo e papéis sociais, o que ajuda na manutenção do status quo.

Uma das principais contribuições da corrente funcionalista para a consolida-


ção dos Mass Communication Research é a formalização do processo comunicativo,
a partir do estudo proposto em 1948, por Lasswell. O texto “A estrutura e a fun-
ção da comunicação da sociedade” se mantém como um dos clássicos da comuni-
cação. O modelo de Lasswell problematiza e soluciona o processo comunicativo,
apontando que a maneira conveniente para descrever o ato da comunicação con-
siste em responder às seguintes perguntas:

· Conclusão
QUEM
· Estudo da produção

· Mensagem
DIZ O QUE
· Análise de conteúdo

· Meio
EM QUE CANAL
· Análise de mídia

· Receptor
PARA QUEM
· Análise de audiência

COM QUE EFEITO · Estudo dos efeitos

Imagem feita pela autora: CAMPOS, 2019.

capítulo 2 • 45
Tal modelo teve grande influência em toda pesquisa americana, servindo de
paradigma para as diferentes tendências de pesquisa e tornando-se, durante anos,
uma verdadeira teoria da comunicação. Repare que além das perguntas clássi-
cas feitas por Lasswell, no quadro anterior, aproveitamos para sinalizar, ao lado
direito, as frentes de pesquisa geradas por cada uma dessas perguntas, já que tal
esquematização contribui sobremaneira para organizar as possibilidades de pes-
quisa na área comunicacional, influenciando até os dias de hoje diferentes nichos/
metodologias de pesquisa.
Vale lembrar, no entanto, que o estudo de Lasswell aponta como centro do
problema os efeitos provocados pelas mensagens (ou pelos meios de comunica-
ção), em detrimento das outras questões, como o receptor e mesmo a ênfase na
técnica. O modelo de Lasswell continuava a supor o postulado da teoria da bala
mágica, uma relação behavorista de E – R (estímulo-resposta). Lasswell acreditava,
portanto, que a “a propaganda era uma forma de unificar a mente dos cidadãos,
uma sugestão direta, capaz de manipular as crenças, atitudes e ações do público”.
Outro autor conhecido por sua perspectiva funcionalista é Lazarsfeld, cuja
trajetória interdisciplinar fora marcada por uma articulação entre a Matemática,
Sociologia e Psicologia, assim como uma dedicação ao longo dos anos de sua
carreira ao estudo dos meios de comunicação. Lazarsfeld, como já ressaltado, tem
importância ímpar no Mass Communication, sendo considerado um de seus pais
fundadores, tendo sido o mentor de diversos pesquisadores que se tornariam refe-
rências no estudo da indústria publicitária.
Em parceria com Merton, Lazarsfeld percebe, assim como Lasswell, três prin-
cipais funções desempenhadas pelos meios de comunicação de massa:
1. A atribuição de status, que implica em dar destaque a determinadas figuras,
em um trabalho de seleção e ênfase no qual a mídia diz o que é importante ser
lembrado e esquecido;
2. Normas sociais: manutenção de status quo e dos padrões morais públicos;
3. Disfunções narcotizantes, o que implicaria em distração e entretenimento das
massas para promover certa apatia, falta de articulação política e aumentar a sus-
cetibilidade às mensagens midiáticas.

Nesse sentido, se retomarmos as três funções de Lasswell (elencadas nas ima-


gens a seguir) perceberemos pontos de convergência com Lazarsfeld-Merton:

capítulo 2 • 46
Funções da Mídia para Funções da Mídia para
Lasswell Lazarsfeld e Merton

Integração Atribuição de status


parte/todo normas sociais
Herança social “disfunções
vigilância do meio narcotizantes”

Sistematização feita pela autora: CAMPOS, 2019.

Apesar de usarem termos diferentes, tanto Lasswell ao prever a integração en-


tre as partes de um sistema, quanto Lazarsfeld, ao enfatizar a atribuição de status,
estão preocupados com que cada indivíduo e instituição desempenhe a função
cabível para que a sociedade se mantenha saudável.
A herança cultural e as normas reforçam os direitos e deveres de cada ator so-
cial, e a vigilância do meio pressupõe as correções das “anomias”, ao passo que as
disfunções narcotizantes, que envolvem um bombardeio de informações, gerando
uma espécie de Mass Apathy, que desarticularia a capacidade de resistência da
massa, ao entretê-la. Lazarsfeld e Merton (1978, p. 241) afirmam que “os meios
de comunicação de massa devem ser incluídos entre os narcotizantes mais respei-
táveis e mais eficientes. Chegam a ser tão eficazes a ponto de impedir os viciados
de reconhecerem sua própria doença”.
É curioso destacar que, gradativamente, Harold Lasswell vai ter seu nome
“substituído em importância pelo de Lazarsfeld, que se firma especialmente no
final dos anos 1940 e durante toda a década de 1950.” (VARÃO, 2017, p. 118)

SAIBA MAIS
O conceito de anomia foi criado por Émile Durkheim e significa a ausência e/ou desin-
tegração das normas sociais. A anomia, portanto, era algo a ser evitado, a partir de regras,
tradições e solidariedade entre os membros de uma sociedade, com a perspectiva do grupo
prevalecendo sob a individual. Durkheim, considerado também o pai do funcionalismo, acaba
influenciando vários autores do Mass Communication Research, que buscavam compreender
as funções desempenhadas pela mídia a fim de manter o status quo, já que os pesquisadores
tinham como financiadores o Estado e as empresas privadas.

capítulo 2 • 47
•  O terceiro e talvez principal grupo que compõe o Mass Communication Research
é a corrente voltada para os estudos da comunicação. Evidenciado, principalmente na
década de 1920, este grupo é composto por diversos estudos pontuais com característi-
cas comuns. Araújo (2010, p. 124) pontua, que a maior parte destes estudos, sobre au-
diências, efeitos de campanha política e propaganda era encomendada e financiada
por entidades interessadas diretamente na otimização destes efeitos, o que nos remete
para a dimensão mais política do que científica no Mass Communication. Lasswell
e Lazarsfeld dependiam de forma recorrente de fundos proveniente de instituições
públicas e privadas para realizarem suas pesquisas. Havia certa primazia dos estudos
de propaganda, em detrimento dos de jornalismo, embora o mesmo representasse um
nicho importante. “A crença nesse poder da propaganda e a noção de que ela seria
fundamental em outros conflitos armados que porventura pudessem surgir (o que era
iminente) fizeram com que se investisse alto sobre o assunto.” (VARÃO, 2017, p. 112)

Araújo (2010) destaca ainda, que os estudos mais numerosos desta época são
aqueles que procuraram relacionar a quantidade de mensagens de violência nos meios
a atitudes violentas por parte do público, principalmente o público infanto-juvenil.

Escola Norte-Americana se reinventando

Os estudos subsequentes no âmbito da Escola Americana dos Efeitos, a partir


da década de 1940, apresentaram proposições distintas, intercaladas em alguns
aspectos ou sobrepostas. No entanto, todas trouxeram contribuições ao modelo
comunicativo da teoria hipodérmica.
O primeiro movimento de estudo a promover a superação do modelo hipo-
dérmico foi a investigação empírico-experimental, conhecida como “abordagem
da persuasão” – entre a ação dos meios e os efeitos, atuava uma série de processos
psicológicos, tais como o interesse em obter determinada informação, a prefe-
rência por determinado tipo de meio, a predisposição a determinados assuntos,
as diferentes capacidades de memorização. Os estudos de Carls Hovland sobre a
eficiência da propaganda junto a soldados americanos se destacam nesse ramo de
estudo. Isso quebra a ideia de linearidade do processo.
Ainda neste movimento de estudo, outra proposição procurou estabelecer fa-
tores que garantissem uma organização otimizada das mensagens para atender
as finalidades persuasivas. Entre os fatores, podemos destacar como exemplos:
credibilidade do comunicador, a ordem da argumentação, a integralidade das

capítulo 2 • 48
argumentações e a explicitação de conclusões. Exemplos que interferem na efi-
ciência do processo e na natureza dos efeitos obtidos.
Outro movimento de estudos denomina-se teoria dos efeitos limitados, que
abriga diferentes abordagens, tanto psicológicas quanto sociológicas.
Pela abordagem psicológica, o principal representante é Kurt Lewin e seus
estudos sobre as relações dos indivíduos dentro de grupos e seus processos de de-
cisão, nos efeitos das pressões, normas e atribuições do grupo no comportamento
e atitudes de seus membros. Leon Festinger, discípulo de Lewin desenvolveu em
1957, a teoria da dissonância cognitiva – conjunto de pressupostos envolvendo a
natureza do comportamento humano, suas motivações em relação ao mundo que
é experienciado por cada indivíduo.
Pela abordagem sociológica, temos os estudos desenvolvidos por Paul Lazarsfeld.
O estudioso iniciou os estudos objetivando compreender as reações da audiência
nas campanhas eleitorais políticas dos EUA. Na realidade, o candidato democrata
Franklin Roosevelt concorria à reeleição e gozava de boa popularidade junto ao pú-
blico, mas sofria forte oposição dos grandes meios de comunicação de massa norte-
-americanos. Sendo assim, Lazarsfeld viu uma oportunidade para investigar o poder
midiático no sentido de condicionar os votos, a partir de estímulos midiáticos, cana-
lizando as intenções para o candidato republicano, e não para Roosevelt.
No entanto, no curso da pesquisa, a equipe de cientistas percebe que os votos
não estavam sendo influenciados pelos meios de comunicação massivos, mas sim
pelas pessoas que conviviam com os entrevistados de pesquisa em diversos am-
bientes de sociabilidade. Lazarsfeld e seus colegas envolvidos na pesquisa refutam
a hipótese inicial e negam a possibilidade de um isolamento dos indivíduos, pers-
pectiva essa inerente à ideia de massa, “muito pelo contrário, eles (os indivíduos)
estão enredados em inúmeros grupos, que tornam suas escolhas um ato complexo
tecido nas e pelas relações sociais cotidianas.” (FERREIRA, 2017, p. 89)
É assim que a figura do líder de opinião é descoberta, o que permitiu a teoria
do fluxo binário (também conhecida como teoria da comunicação em dois tem-
pos ou two step flow). O líder de opinião funcionaria como um ator responsável
por introduzir informações no seio do grupo, geralmente para reforçar crenças que
já vigoram no grupamento social em questão. No esquema a seguir, fica nítido
como o líder de opinião é quem efetivamente consome o conteúdo midiático,
sendo responsável por distribuir essas informações no interior do grupo, para os
demais membros, que estariam sob o raio de influência desse mediador.

capítulo 2 • 49
Líder de
opinião
Meios de comunicação
de massa

Líder de
opinião

Sistematização feita pela autora: CAMPOS, 2019.

Dois estudos foram decisivos para a evolução da teorização norte-americana:


The People’s Choice, em 1944 e Personal Influence: The part Played by People in the
Flow of Mass Communication, em 1955.

Os resultados levaram à descoberta do “líder de opinião”, indivíduo que, no meio da


malha social, influencia outros indivíduos na tomada de decisão. Implementa-se o mo-
delo “two-step flow communication” – comunicação que acontece em um fluxo em dois
níveis: dos meios aos líderes e dos líderes às demais pessoas. (ARAÚJO, 2010, p. 128)

Araújo (2010) pondera que a inclusão das condições do contexto social em


que vivem os indivíduos, nos estudos da comunicação, implementa o primeiro
momento em que se percebe a influência das relações interpessoais na configura-
ção dos efeitos da comunicação. É o início da ideia de um processo indireto de in-
fluência, em vez da ideia de manipulação que vigorara tão fortemente por décadas.
Destaca-se ainda, outro enfoque importante desse movimento, desenvolvido
por Klapper (aluno de Lazarsfeld), um modelo teórico em que os meios de co-
municação não são causa única dos efeitos, mas se acham envolvidos no meio de
muitos outros fatores, o que se obriga a incorporação de mais fatores extramedia
nos estudos e também da vivência das pessoas, da rede de relações interpessoais em
que cada indivíduo se acha envolvido.
Percebe-se que a evolução, pela qual passa a investigação sobre os efeitos, nos
Estados Unidos, até os anos 1960, deve-se principalmente, aos resultados contra-
ditórios e complexos encontrados nas pesquisas empíricas, que levavam a reformu-
lações dos quadros teóricos utilizados pelos pesquisadores da época.
Somente, a partir da década de 1960, é que esse movimento de estudo começa
a dialogar de forma mais consistente com outras correntes, tanto norte-americanos

capítulo 2 • 50
(interacionismo simbólico, semiótica, Escola de Palo Alto e outras), como esco-
las europeias (corrente culturológica francesa, semiologia, Cultural Studies, de
Birmingham), o que resulta em novas abordagens acerca dos efeitos, que se dis-
tanciam dos estudos de 1930, cujo pano de fundo era o argumento hipodérmico.
Uma destas abordagens é a corrente de “Usos e Gratificações”, na qual se
destaca Katz, discípulo de Lazarsfeld. Os estudos, iniciados na década de 1970,
subvertiam a pergunta clássica “o que os meios fazem com as pessoas” para bus-
car compreender “o que as pessoas fazem com os meios”. É trabalhada a ideia de
uma “leitura negociada”. Investiga-se a atividade de apropriação promovida pelos
receptores das mensagens midiáticas. A partir de então, o receptor é um sujeito/
agente, com práticas de processos de interpretação e satisfação de necessidades.
Ou seja, a perspectiva behavorista que pregava efeitos diretos é deslocada, ceden-
do espaço para uma abordagem sociológica na qual há uma esfera de influência
midiática, e não um condicionamento.
Outra abordagem a se destacar é a hipótese do agenda setting, também co-
nhecida como teoria dos efeitos a longo prazo. Deslocando os estudos de Araújo
(2010, p. 129), essa abordagem “parte da construção teórica que pensa a ação dos
meios não como formadores de opinião, causadores de efeitos diretos, mas como
alteradores da estrutura cognitiva das pessoas”. Para os pesquisadores desse mo-
vimento, o modo dos indivíduos de conhecer o mundo é modificado a partir da
ação dos meios de comunicação de massa, é o agendamento de temas e assuntos
na sociedade. Essa corrente substitui, portanto, a ideia dos efeitos imediatos, por
efeitos percebidos em um período maior de tempo.
Em suma, podemos dizer que o movimento evolutivo da pesquisa norte-ame-
ricana, segundo Araújo (2010) é marcado pela consolidação de uma grande pers-
pectiva teórica presente na teoria matemática e pela questão-programa de Lasswell,
estudos preocupados com as funções da comunicação e sobretudo com as questões
dos efeitos, além de terem tratamento quantitativo e cuja lógica reside no modelo
hipodérmico. No entanto, a partir da década de 1960 em especial, a questão da
linearidade na comunicação e o entendimento de uma mídia onipotente abrem
espaço para uma visão mais relativista, que passa a considerar a importância de
outros fatores, conforme sinaliza Araújo (2015, p. 130).

As características psicológicas dos receptores, as formas de organização das mensa-


gens, a rede de relações interpessoais em que os indivíduos se inserem, elementos
extramedia que atuam de forma concomitante nos meios de comunicação, os usos que
as pessoas fazem desses meios, e a natureza da ação dos meios na sociedade.

capítulo 2 • 51
Para além desse movimento de revisão, que rompe com a linearidade do pro-
cesso comunicacional e passa a considerar a importância do contexto e do recep-
tor, a Escola Norte-Americana também não abriga somente teorias que possam ser
enquadradas no Mass Communication Research, conforme foi ressaltado na abertu-
ra desse capítulo. Devemos ter em mente que “a designação ‘escolas’ pode ser ilu-
sória” (MATTELART, 2012, p. 11), já que a mesma teria a capacidade de abrigar
autores e pressupostos que não implicam em uma homogeneidade. Esse é o caso
da Escola de Chicago e da vertente de Palo Alto, ambas consideradas pertencentes
à Escola Norte-Americana, por uma questão geográfica e mesmo de produção,
que coincidiu temporalmente com a Mass Communication, mas que diferem bas-
tante da proposta sobre a qual nos debruçamos até o momento nesse capítulo.
Essas correntes de estudos exteriores à Mass Communication Research também
possibilitaram que as pesquisas norte-americanas desconstruíssem o paradigma
hipodérmico, reabilitando correntes de estudos com pressupostos diversos.
Por uma questão de evolução temporal, começamos o capítulo com a Escola de
Chicago, cujo ápice foi de 1910 a 1930, e passamos por diferentes abordagens do
Mass Communication, com protagonismo nas décadas de 1920 a 1960, influencian-
do também novas teorias, como a dos usos e gratificações e a do agenda setting. Agora
você conhecerá um pouco mais sobre a Escola do Palo Alto, que pode ser situada
na década de 1940 e, assim como Chicago, também pode ser considerada marginal.

A escola de Palo Alto – Interações sociais

A Escola de Palo Alto surge nos anos 1940, nos Estados Unidos. É formada
por um grupo distinto de pesquisadores com diferentes formações (Antropologia,
Linguística, Matemática, Psicologia). Vale ressaltar que este grupo de estudiosos
adota uma posição contrária à teoria matemática da comunicação proposta por
Shannon e Weaver, bem como o modelo comunicacional de forma linear. Para
eles, a teoria da informação deve ser deixada de lado e a comunicação deve ser vista
e observada a partir de um modelo circular.
Para os pesquisadores de Palo Alto, o receptor é tão importante quanto o emis-
sor dentro do processo comunicativo, e a análise do contexto se sobrepõe à do con-
teúdo, sendo possível deduzir uma lógica comunicacional de acordo com a situa-
ção pesquisada. Santos (2008, p. 63) apresenta três hipóteses formuladas por esses
estudiosos.

capítulo 2 • 52
•  A essência da comunicação reside em processos relacionais e interacionais, o
que implica dizer que a comunicação acontece na relação com o outro, e por meio
da interação entre ambos;
•  Todo comportamento humano tem valor comunicativo, ou seja, tanto a
comunicação verbal quanto a não verbal gera possibilidade comunicativa;
•  As perturbações psíquicas remetem a perturbações da comunicação do indi-
víduo com o seu meio, logo o comportamento humano é influenciado e pode ser
indicação do meio social em que está inserido.

Esses estudiosos acreditam na impossibilidade de não haver comunicação, já


que entendem que os indivíduos estão se comunicando a todo momento, mas to-
dos obedecem a regras da comunicação, mesmo que de forma inconsciente.
Você já deve ter compreendido que os modelos e as vertentes teóricas no âmbito
da Escola Norte-Americana envolvem distintos paradigmas, com a escola longe de
exibir uma homogeneidade. A escola abriga distintas visões, algumas bem divergentes,
como é o caso da perspectiva do Mass Communication Research, com ênfase quantitati-
va e focada nos efeitos, apresentando a comunicação como um processo unilateral, e as
visões das Escola de Chicago ou Palo Alto – a primeira com um enfoque microssocio-
lógico, que se distancia sobremaneira da abordagem quantitativa, e a segunda tradição
percebendo a comunicação como um fenômeno interacional simbólico, o que implica
interpretação, feedback, ou seja, um movimento de mão dupla.
A seguir, elaboramos uma sistematização da Escola Norte-Americana, a fim de
que você compreenda melhor a riqueza que essa denominação abriga.

Esquema da Escola Norte-Americana

Pesquisa de
audiência
Teoria
Matemática

Perspectiva Escola de
funcionalista Escola de Palo Alto
(Lasswell e Chicago
Lazarsfeld)

Sistematização feita pela autora: CAMPOS, 2019.

capítulo 2 • 53
Escola Americana pós 1940, relativização da teoria hipodérmica

Usos e
Vertente gratificações e
sociológica agenda setting
Vertente do efeitos
psicológica limitados:
dos efeitos Fluxo binário
Abordagem limitados:
da persuasão Kurt lewin e
(Caris hovland) teoria da dissonância
cognitiva

Sistematização feita pela autora: CAMPOS, 2019.

RESUMO
O capítulo abordou as matrizes teóricas das Escolas Norte-Americanas, que levaram à
criação de vários modelos teóricos desenvolvidos, principalmente ao longo do século XX, na
tentativa de se compreender as relações entre a comunicação e a sociedade. Começamos com
a Escola de Chicago, de tradição sociológica, que se desenvolveu entre o fim do século XIX e
as primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos. Dentro dessas condições de possi-
bilidades históricas, os estudos dessa escola contribuíram para refletir para a constituição dos
grupos na cidade e as relações interpessoais. Devemos lembrar também a influência da escola
em autores clássicos do Mass Comunication, como é o caso de Lazarsfeld, filiado no início de
sua vida acadêmica a essa vertente, e Lasswell, que se formou em Chicago e lecionou no local.
Para ajudar na sistematização das variações de correntes teóricas dessa Escola, des-
locamos os estudos do pesquisador Carlos Alberto Araújo, e a divisão sistêmica dos grupos
que compõem os estudos norte-americanos: o primeiro deles é a teoria matemática da
comunicação (Shannon e Weaver).
O segundo grande grupo, segundo Araújo (2010), é a corrente funcionalista, originada
a partir dos estudos de Lasswell. O terceiro e talvez principal grupo que compõe a Mass
Communication Research é a corrente dos estudos voltados para audiência. As pesquisas
desenvolvidas nesta época e nas duas décadas seguintes têm um modelo teórico comum,
denominado por vários autores teoria hipodérmica.

capítulo 2 • 54
Outro movimento de estudos denomina-se teoria dos efeitos limitados. Abriga diferentes
abordagens, tanto psicológicas quanto sociológicas, além da teoria de usos e gratificações.
Abordou-se também a Escola de Palo Alto, que surge nos anos 1940, nos Estados Uni-
dos. É formada por um grupo distinto de pesquisadores com diferentes formações (Antropo-
logia, Linguística, Matemática, Psicologia). Vale ressaltar que este grupo de estudiosos adota
uma posição contrária à teoria matemática da comunicação proposta por Shannon Weaver e
o modelo comunicacional de forma linear. Para eles, a teoria da informação deve ser deixada
de lado e a comunicação deve ser vista e observada a partir de um modelo circular.

ATIVIDADES
01. O Mass Communication Research é uma vertente formada pela contribuição de diver-
sas formulações teóricas: como a teoria da bala mágica (ou agulha hipodérmica), o modelo
de Shannon & Weaver (ou teoria matemática ou informacional), o modelo funcionalista de
Lasswell e o fluxo da comunicação em dois tempos (ou teoria do fluxo binário ou two step
flow). Explique uma dessas teorias, fazendo alusão ao contexto histórico e à ideia de massa.

02. (Enade) A primeira teoria da comunicação social foi fortemente influenciada pela expe-
riência da propaganda. Obras como A Técnica da propaganda na Guerra Mundial, Violação
das Massas e Psicologia da Propaganda foram os primeiros estudos sérios sobre os efeitos
da comunicação de massa. As obras tentavam responder a duas questões: que poder tem os
meios de comunicação e qual efeito produzem nos cidadãos. A este primeiro sistema explica-
tivo deram-se vários nomes, o mais conhecido é teorias das balas mágicas.
SANTOS, J. R. O que é comunicação. Lisboa: Difusão Cultural, 1992. Adaptado.

Considerando o assunto tratado no texto, avalie as afirmações a seguir.


I. A expressão "teoria das agulhas hipodérmicas" é outra designação dada a que os meios
de comunicação agiam como agulhas que injetavam estímulos nas veias das pessoas, de
forma a provocar determinadas reações desejadas.
II. Indivíduos respondiam de forma imediata e direta aos meios de comunicação social,
como em uma relação causal entre exposição à mensagem e ação. Quem lesse ou escutasse
uma mensagem, passaria a atuar em favor do conteúdo consumido.
III. Os meios de comunicação estavam envolvidos em campanhas para mobilizar comporta-
mentos, conforme os desejos de instituições poderosas. O modelo explicativo transformou-
-se em uma teoria da propaganda, que concebia a comunicação de massa como onipotente.

capítulo 2 • 55
É correto o que se afirma em
a) I, apenas. d) II e III, apenas.
b) III, apenas. e) I, II e III.
c) I e II, apenas.

03. Aponte as quatro características presentes nas pesquisas pertencentes ao Mass


Communication Research, explicando cada uma dessas variáveis.

04. (Enade) A teoria de usos e gratificações, entre outros aspectos, ocupa-se em explicar
porque um indivíduo opta por assistir TV, ouvir o rádio ou ler o jornal. Ocupa-se, também, em
compreender os fatores que levam o receptor até os meios de comunicação, aos conteúdos
que escolhe e como se expõe às mensagens publicitárias.
De acordo com essa abordagem, avalie as afirmações a seguir:
I. O receptor busca os meios de comunicação e os conteúdos que melhor atendam a suas
necessidade e seus desejos; os motivos que o levam à escolha desses meios e conteúdos
sociais, ambientais e conjunturais.
II. A exposição aos meios de comunicação compete com outras formas de gratificação não
relacionadas àqueles meios potencialmente capazes de satisfazer os mesmos que motivos
levaram o indivíduo a expor-se a eles. Dito de outra forma, a exposição aos meios de comu-
nicação é um ato intencional, não casual.
III. A audiência é consumidora dos meios de comunicação e, potencialmente, consumidora
de produtos, estando o foco de estudo voltado para o mapeamento da audiência em termos
de tamanho e composição sociodemográfica, com pesquisas financiadas por anunciantes, os
maiores interessados em conhecer as dimensões e a composição da audiência.
É correto o que se afirma em
a) I, apenas. d) II e III, apenas.
b) III, apenas. e) I, II e III.
c) I e II, apenas.

05. Vimos que, apesar do protagonismo do Mass Communication na Escola Norte-Ameri-


cana, a mesma também fora integrada por outras duas vertentes consideradas marginais a
essa perspectiva. Enumere essas escolas, evidenciando o motivo pelo qual não podem ser
enquadradas na tradição do Mass Communication.

capítulo 2 • 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Carlos Alberto. A pesquisa norte-americana. In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria
da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010.
FERREIRA, Giovandro. Paul Lazarsfeld. In: AGUIAR, Leonel; BARSOTTI, Adriana. Clássicos da
Comunicação: os teóricos. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 84-105.
GUARALDO, Tamara de Souza Brandão. Aspectos da pesquisa Norte-Americana em
Comunicação. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/guaraldo-tamaraaspectos-dapesquisa.
pdf>. Acesso em: jun. 2019.
HOLFELDT, Antonio. As origens antigas – A comunicação e as civilizações. Teoria da Comunicação:
Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010.
LAZARSFELD, Paul; MERTON, Robert. Comunicação de Massa, gosto popular e ação social
organizada. In: COHEN, Gabriel (org.). Comunicação e indústria cultural, 4. ed. São Paulo:
Companhia Editorial Nacional, 1978.
MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. História das Teorias da Comunicação. 6. ed. São
Paulo: Loyola, 2003.
SANTOS, Roberto Elísio dos. As Teorias da Comunicação: da fala à internet. 2. ed., São Paulo:
Paulinas, 2008.
VARAO, Rafiza. Harold Lasswell. In: AGUIAR, Leonel; BARSOTTI, Adriana. Clássicos da
Comunicação: os teóricos. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 106-127.
WIENER, N. Cibernética e sociedade. O uso humano dos seres humanos. 7. ed., São Paulo: Cultrix,
2000.

capítulo 2 • 57
capítulo 2 • 58
3
Escola de Frankfurt
e Umberto Eco
Escola de Frankfurt e Umberto Eco
O objetivo do capítulo é proporcionar as diferentes visões sobre os aspectos da
sociedade e da mídia, apresentados a partir dos posicionamentos propostos à luz,
por assim dizer, da teoria crítica, que promovia uma crítica severa à mercantiliza-
ção da cultura e ao que chamavam de manipulação ideológica, empregada pelos
meios de comunicação de massa.
Em um primeiro momento do capítulo, portanto, você entenderá a Escola de
Frankfurt, seu contexto de surgimento, os intelectuais que a compunham e o que
pesquisavam, além de ter contato com conceitos-chave, como a ideia de “indústria
cultural”, a problemática da instrumentalização ou racionalidade, bem como a
questão da aura e da reprodutibilidade técnica.
Após conhecer mais profundamente a escola alemã, desenvolvida em contra-
posição à perspectiva pragmática e positivista americana, você entenderá melhor
os conceitos “apocalípticos e integrados”, de Umberto Eco. O autor italiano cri-
ticava as formulações sobre cultura de massa, apresentando os limites das duas
possibilidades, ora alinhadas a uma defesa do sistema social e econômico, no qual
ela era produzida e do qual ela era o principal elemento de diversão, ou seja, os
integrados, ora, à procura de demonstrar destruição da cultura pela indústria
cultural, ou seja, os apocalípticos.

OBJETIVOS
•  Compreender a Escola de Frankfurt;
•  Entender os conceitos de indústria cultural, racionalidade técnica e reprodutibilidade técnica;
•  Reconhecer a quem Umberto Eco chama de apocalípticos e quem seriam os integrados.

Criação do Instituto de Pesquisa Social e seus deslocamentos

O início dos anos 1930 foi marcado pelo surgimento dos estudos sobre a cul-
tura da sociedade industrial, com a chamada Teoria Crítica ou Escola de Frankfurt,
em referência ao Instituto de Pesquisa Social, fundado em 1924, na Universidade
de Frankfurt.

capítulo 3 • 60
A fundação de tal instituto de pesquisa só foi possível graças ao aporte finan-
ceiro dado pela família de Felix Weil, nascido na Argentina, mas filho de ilustres
empresários alemães que imigraram para a América do Sul, onde construíram
fortuna com um negócio no ramo de cereais.
Em 1908, a família de Felix, de origem judaica, retornou a Frankfurt e en-
frentou a Primeira Guerra Mundial. Após esse período, Felix desenvolveu o in-
teresse pelas teorias de cunho socialista e se aproximou de alguns professores da
Universidade de Frankfurt, pois os docentes também assumiam uma linha socia-
lista. Foi organizada por Weil a “Primeira Semana de Trabalho Marxista”, evento
que pretendia discutir as ideias de Marx e acabou despertando a vontade de criar
um instituto independente e que fomentasse pesquisas com essa base marxista.
A partir de uma doação de Herman Weil, pai de Felix, e de um contrato com
o Ministério da Educação Alemão, o instituto passa a ser a primeira instituição
de pesquisa da Alemanha sob orientação marxista, contando como endosso de
vários docentes da universidade e tendo Carl Grünberg como o primeiro diretor.
Grünberg pesquisou e estimulou trabalhos sobre e história do socialismo e do
movimento operário, a partir de investigações que focavam as condições históricas
e econômicas, com nítida influência marxista.
Em 1931, Max Horkheimer assume a direção do instituto, após Grünberg se
afastar por problemas de saúde, imprimindo outro colorido para os trabalhos, que
deixam de acionar tanto a Economia para, em diálogo com o marxismo, propor
uma interpretação filosófica. Dois anos depois, quando Adolf Hitler é nomeado
chanceler, Horkheimer tem sua casa invadida, mas já estava morando com sua
esposa em um hotel. O instituto é fechado por abrigar atividades consideradas
“hostis” e Horkheimer decide transferi-las do instituto de Frankfurt para Genebra,
cujo nome passou a ser Société Internationale de Recherches Sociales. O fato de os
fundos advirem do capital da família Weil permitiu a perpetuação do instituto,
que gozava de certa autonomia e o dinheiro foi transferido para o novo local. No
entanto, essa experiência em Genebra durou pouco tempo, já que, essa célula do
Instituto foi fechada pelos nazistas. Em 1934, Horkheimer leva a sede do instituto
a Nova York, a fim de fugir da perseguição antissemita já que ele, assim como a
maior parte dos professores associados ao Instituto eram judeus.
Gradativamente, os outros intelectuais que já colaboravam com o instituto nos
tempos de Frankfurt vão emigrando para os EUA. Marcuse, Löwenthal, Pollock e
Wittfogel e Adorno. Walter Benjamin permanece na Europa e comete suicídio, pois
julga que seria capturado pelas tropas espanholas e enviado para a Gestapo. Em 1938,

capítulo 3 • 61
o quadro fixo de colaboradores do Instituto – que em solo norte-americano passou
a ser chamado de International Institute of Social Research – estava reunido outra vez.
A mudança para os EUA traz consequências ao Instituto, pois, em solo americano,
a realidade era bastante diferente da Europa, com um capitalismo avançado com o
qual nunca tiveram contato. Hollywood e o mercado do filme, além do rádio, um po-
deroso meio de comunicação na época eram os dois destaques daquele mercado mas-
sivo midiático. Essa experiência foi fundamental para o desenvolvimento de Dialética
do Esclarecimento e do conceito de Indústria Cultural, que você verá adiante.
Em 1949, Horkheimer retorna à Alemanha e reabre, um ano depois, o
Instituto, na Universidade de Frankfurt, local em que volta a lecionar como pro-
fessor de Filosofia. Adorno também regressa. É apenas com a volta a Frankfurt
que a designação Escola de Frankfurt foi criada. Antes a menção era feita generi-
camente ao instituto. Outro ponto importante de recordar é que os pesquisadores
não eram comunicadores, mas sim intelectuais da Filosofia, Sociologia, Artes e
Literatura. Contudo, as ideias desenvolvidas pelo grupo influenciaram intensa-
mente o campo comunicacional no Brasil e no mundo.
Enquanto a escola começava a perder sua força em alguns países, a partir da
década de 1960, nesse mesmo período, o Brasil importa a teoria crítica, até para
ajudar a explicar a indústria cultural que começou a se formar em nosso país nessa
década. “Existe por assim dizer uma coincidência entre a importação e a emergência
de uma nova realidade social até então pouco discutida entre nós” (ORTIZ, 1985,
p. 1). Vários conceitos ainda são mobilizados hoje por pesquisadores em distintos
campos do saber para além da Comunicação, como nas Ciências Sociais, Filosofia,
História, Literatura, Música e Estética. Um autor que passou a ser mais lido foi
Walter Benjamin, especialmente a partir da década de 1980. Curiosamente, não
recebeu muita atenção em vida e chegou a ter a sua tese de doutorado reprovada.

Os frankfurtianos trataram de um leque de assuntos que compreendia desde os proces-


sos civilizadores modernos e o destino do ser humano na era da técnica até a política,
a arte, a música, a literatura e a vida cotidiana. Dentro desses temas e de forma original
é que vieram a descobrir a crescente importância dos fenômenos de mídia e da cultura
de mercado na formação do modo de vida contemporâneo. (RÜDIGER, 2001, p. 132)

SAIBA MAIS
O fato de as escolas receberem seu nome apenas décadas depois do início dos estudos
é algo recorrente no campo científico, não sendo exclusividade da Escola de Frankfurt, pois

capítulo 3 • 62
também vimos que o mesmo ocorrera com a chamada Escola Norte-Americana. O fato é que,
especialmente no início de um movimento intelectual, os próprios pesquisadores ainda estão
tentando compreender seus objetos e não há trabalhos suficientes para uma classificação, que
costuma ocorrer a posteriori, depois que outros intelectuais se debruçam sobre determinado
período histórico, seus autores e suas produções, a fim de categorizar em escolas e tendências.

Embora seja difícil pensar em termos de uma unicidade da Escola de Frankfurt,


já que os principais autores cunharam conceitos diferentes e nem sempre seus pon-
tos de vista convergiam, talvez o aspecto que une esses intelectuais seja a crítica social
sob o ponto de vista marxista não ortodoxa, ou seja, uma maneira não convencional
de acionar e compreender os pressupostos de Karl Marx, criando um pensamento
novo sob a influência do autor, em vez de meros replicadores de seu pensamento.
Um exemplo é o fato de os autores não considerarem a luta de classes mais como
o motor da história, tal qual Marx, pois, para os frankfurtianos o sistema de domi-
nação abarcava a todos, a consciência não era mais livre, impedindo a organização
de uma classe revolucionária. Os principais nomes da Escola são: Theodor Adorno,
Walter Benjamin, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, entre outros.
Conheça um pouco sobre eles a seguir.

Expoente da Escola de Frankfurt, nasceu na mesma cidade


em 1903 e era profundo conhecedor da Filosofia, Sociologia
e Psicologia, além de estudos ligados à Música, já que era
compositor. Criou, junto com Horkheimer, a ideia de indústria
THEODOR ADORNO cultural, um dos principais conceitos de Frankfurt. Foi diretor
do Instituto de Pesquisas Sociais na década de 1950, após
a aposentadoria de Horkheimer. Faleceu em 1969, assu-
mindo, no ano de sua morte, uma posição tida como menos
pessimista.
Nasceu em Berlim, em 1892 e se matou em 1940, na iminên-
cia de ser capturado pelas forças nazistas. Era mais respei-
tado em seu círculo intelectual, alcançando reconhecimen-
to mundial como um dos maiores filósofos da modernidade
após sua morte. Isso porque Adorno era seu amigo e editou
WALTER BENJAMIN suas obras postumamente. Alguma de suas principais ideias
são a de reprodutibilidade técnica e aura. Enquanto muitos
entendem que esse filósofo integrava Frankfurt, outros o co-
locavam como colaborador esporádico do que propriamente
membro.

capítulo 3 • 63
Foi o segundo diretor do Instituto de Pesquisa Social, tendo
sido um dos responsáveis por dar visibilidade ao centro. Era
muito influenciado por Schopenhauer. Suas fundamentações,
junto a Adorno, acerca da razão instrumental, representam o
MAX HORKHEIMER cerne da Escola de Frankfurt. Teve que deslocar o Instituto de
Pesquisas Sociais para a Universidade de Colúmbia, em Nova
York, de 1934-1949, quando retorna à Alemanha e reabre
o Instituto em 1950. Foi reitor da Universidade de Frankfurt
entre 1951-1953. Faleceu em 1973, na Alemanha.
Nascido em 1893, Marcuse foi admitido no Instituto de
Pesquisa Social em 1933. Diferentemente de Horkheimer e
Adorno, que retornaram à Alemanha após a Segunda Guer-
ra, Marcuse permanece nos EUA, onde reside e escreve
HERBERT até sua morte, em 1979. Entre suas preocupações, estava
MARCUSE o desenvolvimento descontrolado da tecnologia, a repres-
são à liberdade individual e a crítica ao racionalismo moder-
no. Uma de suas principais contribuições foi a de "homem
unidimensional".

Tabela 3.1  –  Sistematização feita pela autora. Campos, 2019.

Algumas ideias centrais: técnica, indústria cultural e ideologia

Os primeiros estudos desenvolvidos no Instituto concentravam os esforços na


análise da economia capitalista e na história do movimento operário. Mas quando
Horkheimer torna-se diretor do Instituto, gradativamente redefine a orientação
teórica das pesquisas, junto com Theodor Adorno. A teoria crítica surge da união
do pensamento de Marx com o de Freud e Nietzsche, e tem como objetivo a aná-
lise do mal-estar das sociedades capitalistas industrializadas no mundo ocidental.
Mas para entendermos esse mal-estar, precisamos compreender que boa parte
desses intelectuais vivenciaram a Primeira Guerra, o período entre guerras, marca-
do por expressiva inflação, altos índices de desemprego e queda da produtividade
industrial alemã. Após esse período, esses teóricos experimentaram os horrores
do nazismo e da Segunda Guerra, na condição de judeus. Vários integrantes des-
sa vertente recorreram ao autoexílio para sobreviver, pois eram perseguidos por
Hitler por sua origem e suas ideias. Isso ajuda a explicar o tom pessimista dos
frankfurtianos e o certo desencantamento com o mundo que os mesmos expres-
savam. A conjuntura política da década de 1930, com advento do Fascismo, an-
tes de significar progresso e modernidade, representava uma barbárie. No livro
Dialética do Esclarecimento (ou Dialética do Iluminismo ou das Luzes, dependendo
da tradução), publicado por Horkheimer e Adorno em 1947, fora produzido no

capítulo 3 • 64
decorrer da Segunda Guerra e um dos questionamentos principais dos dois era
“Saber por que a humanidade mergulha em um novo tipo de barbárie em vez de
chegar a um estado autenticamente humano.” (WIGGERSHAUS, 2002, p. 357)
Você deve ter notado que uma das traduções para o célebre livro é Dialética do
Iluminismo. Entender a crítica que os autores fazem com relação a essa conjuntura
histórica é fundamental, pois costumamos associar o Iluminismo com um evento
extremamente positivo na história da humanidade, o qual propiciara a Revolução
Francesa e o famoso lema: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ou seja, se os
historiadores comumente ressaltam os aspectos positivos do Iluminismo, os auto-
res de Frankfurt, a partir de um viés filosófico, em diálogo com a teoria marxista,
apresentam uma nova versão para esse movimento, encarando-o sob um prisma
negativo. Na crítica alemã, “podemos distinguir alguns níveis de significação:
a) Trata-se de um saber cuja essência é a técnica;
b) Promove a dimensão da calculabilidade e da utilidade;
c) Erradica do mundo a dimensão do gratuito (arte);
d) É uma nova forma de dominação” (ORTIZ, 1985, p. 2). Essas são premissas
importantes da Escola Alemã e de sua teoria crítica.

Os autores de Frankfurt não percebiam, por exemplo, que essa prometida


liberdade moderna realmente teria se concretizado, tampouco a igualdade ou a
fraternidade. A ideia de liberdade, para os autores, significa que cada um pode
auxiliar na criação de uma sociedade capaz de permitir uma vida justa a todos.
Entretanto, essa ideia estava condicionada, segundo Santos (2008) ao uso racional
da técnica de produção e em vez de ser usada a serviço da felicidade, tornou-se
uma forma de explorar o homem.

A técnica é a essência de se saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do
discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o capital. As múltiplas
coisas que, segundo Bacon, ele ainda encerra nada mais são do que instrumentos: o
rádio, que é a imprensa sublimada; o avião de caça, que é uma artilharia mais eficaz; o
controle remoto, que é uma bússola mais confiável. O que os homens querem apren-
der da natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens.
(ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 5)

Nesse sentido, a modernidade e os avanços científicos, bem como a circulação


de informação, são encarados pelos intelectuais de Frankfurt como maneiras de
gerar lucro, de promover processos de dominação sobre a natureza e o próprio

capítulo 3 • 65
homem. A técnica, conceito muito importante para os autores, não estava a servi-
ço de gerar progresso, mas sim de alienar, distrair e conformar os comportamentos.
E os meios de comunicação, para os frankfurtinianos, tinham um papel es-
tratégico nesse sentido, pois os conteúdos veiculados pela mídia e pela imprensa
produziam uma alienação que esconderia a verdadeira intenção de uma sociedade
capitalista. “A Escola enfatiza os elementos da racionalidade do mundo moderno
para denunciá-los como uma nova forma de dominação.” (ORTIZ, 1985, p. 2)
A indústria cultural representa a mercantilização da cultura que, em vez de
possibilitar experiências estéticas e capacidade crítica dos sujeitos, também se teria
convertido em ferramenta de submissão e lucro. Ou seja, o conceito de Indústria
Cultural é a produção da cultura como mercadoria, com o mercado de massas
impondo o mesmo esquema de organização e planejamento administrativo das
fabricações em série aos produtos imateriais da cultura (simbólicos). Revistas, pro-
gramas radiofônicos, filmes, música são produzidos pela “indústria cultural” como
os demais produtos fabricados em série (automóveis, por exemplo).
Devemos ter em mente o sentido de cultura para os alemães. Nós, muitas ve-
zes, associamos cultura com modos de vida, hábitos e práticas de um grupo social,
o que estaria alinhado a uma visão antropológica de cultura. Mas o sentido de
cultura para os frankfurtianos deriva de “kultur”, relacionado a distintas formas de
arte, incluindo a Música e a Literatura, além da Filosofia. “Kultur”, ou cultura na
tradição alemã, portanto, teria dimensão espiritual, transcendental, experimental
e libertadora. É da indignação de perceber que a cultura fora convertida em mer-
cadoria, transportada ao universo econômico-material, que Adorno e Horkheimer
criam a ideia de Indústria Cultural. A própria designação do conceito já contém
em si um elemento de crítica, um paradoxo, pois ao juntar as palavras indústria
e cultura, eles pretendem justamente denunciar o absurdo que é o processo de
mercantilização da cultura.
O conceito de Indústria Cultural também é uma tentativa de marcar essa po-
sição crítica dos autores, que não conseguiam conceber o uso da expressão “cultura
de massa”, pois para eles soava enganosa, como se a cultura emanasse das próprias
massas. A cultura, que a partir do momento que é convertida em ferramenta para
geração de lucro, também deixa de ser cultura para os frankfurtianos, na acepção
alemã da palavra, é fabricada pelos produtores culturais. Acaba sendo reduzida
a partir de esquemas que deixavam as pretensas obras de artes muito parecidas
umas com as outras. Nas palavras de Horkheimer e Adorno, no texto “A Indústria
Cultural”, “a civilização atual a tudo confere um ar de semelhança".

capítulo 3 • 66
SAIBA MAIS
Nos escritos marxistas, o conceito de massa comumente assume dimensão positiva, asso-
ciada a um “despertar das massas”. Na Escola de Frankfurt, entretanto, a presunção de cultura
de massa soa como falaciosa, já que a cultura não emanava do povo. A própria ideia de clas-
se, fundamental na teoria marxista, não é trabalhada pelos filósofos de Frankfurt, que tinham
uma perspectiva totalitária, no sentido de que ninguém escaparia ao domínio da técnica e da
racionalidade moderna. Além disso, os autores são também influenciados por uma literatura de
Psicologia das Multidões, na qual o sentido de massa pressupõe a dissolução do heterogêneo
no homogêneo, sugerindo que as sociedades de massa caminhariam para a barbárie.

O processo de diferenciação e criação das obras de arte acaba comprometido,


já que eram empregadas fórmulas de sucesso, resultando em filmes, músicas e li-
vros que eram todos muito parecidos uns com os outros. Nesse sentido, a cultura
acabaria sendo produzida a partir de moldes, de plots com estrutura já esboçada
previamente, em um processo semelhante à de uma indústria que cria bens a partir
da serialização e padronização. Essa questão da aniquilação da diferença é crucial
para o projeto de dominação perpetrado, pois ao mesmo tempo garante o lucro
com a conformação dos gostos, como também permite uma previsibilidade das
manifestações sociais.
O produto da indústria cultural acaba tornando-se repetitivo, um evento para
consumo e não fruição, não permitindo a experimentação do novo e se curvando
a modismos. A indústria cultural, portanto, promoveria a vulgarização das artes e
dos conhecimentos.
Ao operar a partir de técnicas e da padronização, a indústria cultural anula
o individualismo e a resistência crítica, tendo a veiculação de estereótipos e o
consumo desempenhando papel fundamental nesse processo. A partir da circu-
lação repetida do que é bom ou ruim, bonito ou feio, adequado ou inadequado,
os indivíduos têm as suas subjetividades ressignificadas, associando o prazer e a
felicidade ao consumo.
A arte, para os frankfurtianos, perde sua ação mobilizadora, contestadora e
de fruição, para se estabelecer como um evento de consumo e dominação simbó-
lica via meios de comunicação de massa. Ou seja, a cultura perde sua dimensão
“transcendental” que a colocava como uma resistência, uma barreira à expansão do
processo de racionalização e os produtos culturais são entendidos como produtos

capítulo 3 • 67
feitos para impedir a atividade mental do espectador, são produtos que geram
cultura da alienação. A ideia era conformar e reduzir o gosto das massas, de forma
a garantir o sucesso do empreendimento cultural.
Assim, caso um filme fosse produzido conforme os esquemas já identificados
como promissores, como o final feliz, a mocinha com um determinado perfil e o
vilão com outro, o lucro seria quase uma certeza. A partir do consumo desses pro-
dutos culturais, as pessoas modelariam suas formas de pensar e agir, como decorre
a manipulação e a dominação por meio de mensagens ideológicas. A indústria
cultural é portadora da ideologia dominante e o Iluminismo, em vez de libertar
o homem do medo da magia e dos mitos, desloca a forma de dominação para o
progresso da técnica, impedindo a consciência das massas.

SAIBA MAIS
Você deve compreender que ideologia, no senso comum, costuma ser sinônimo de ideá-
rio, maneira de pensar. Contudo, academicamente, o sentido de ideologia conforme cunhou
Karl Marx, tem dimensão histórica, social e política, significando uma visão mistificada da
realidade, na tentativa de manter relações de dominação. A classe dominante busca apre-
sentar sua perspectiva como verdade universal, fazendo seus interesses particulares serem
percebidos pelo conjunto da sociedade como interesse de todos. Dito de outra forma, os
donos do poder tentam esconder dos demais as formas de exploração e as desigualdades
sociais e econômicas, a fim de se perpetuarem no poder.

A Indústria Cultural seria mais um sintoma de que o projeto de uma moderni-


dade que promoveria a igualdade, liberdade e a fraternidade falhou, submetendo
os indivíduos e todas as relações ao jugo do capital, inclusive a própria cultura.
A crise consiste na queda da cultura em mercadoria, ou seja, a atividade ou o ato
cultural passa a ser compreendido a partir de um valor econômico, o que dimi-
nuiu os traços de uma experiência vivenciada autêntica. Importante ressaltar, no
entanto, que o interesse dos teóricos de Frankfurt não residia apenas nos meios
de comunicação de massa, mas sim em toda uma conjuntura que integraria um
capitalismo avançado, sendo a indústria cultural uma delas.

capítulo 3 • 68
Walter Benjamin: reprodutibilidade técnica e aura

A partir de Walter Benjamin, constantemente considerado um dos autores


centrais de Frankfurt, fica evidente que não é possível pensar a Escola de Frankfurt
como uma vertente homogênea. Seu ensaio escrito em 1933, A obra de ate na
era de sua reprodutibilidade técnica (1993), causou um profundo incômodo em
Adorno, tanto que ele escreveu O fetichismo na música como regressão da audição,
em resposta ao amigo.
A obra de Benjamin coloca que os homens sempre reproduziram a arte de
maneira mecânica, com base na imitação dos discípulos aos mestres, e mesmo
de interessados com algum talento, que queriam lucrar. Entretanto, a reprodu-
ção técnica seria algo novo, que teria começado com a xilogravura e permitia
reproduzir desenhos na Idade Média, passando pela prensa, que representava a
possibilidade de reprodução do texto escrito. Com a litografia, no século XIX,
é possível uma revitalização da indústria gráfica, que passa a conseguir retratar a
vida cotidiana. No entanto, ainda no início da litografia chega a fotografia, e “pela
primeira vez a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes”
(BENJAMIN, 1993, p. 167). O olho, dirá Benjamin, apreende mais rápido do
que a mão desenha, causando uma aceleração na reprodução de imagens que atin-
ge o mesmo nível da palavra oral. A fotografia, por sua vez, levaria ao invento do
cinema, que, para o autor, apresenta uma potencialidade ímpar de revolucionar a
obra de arte tradicional.
O hic et nunc das obras de arte, que podemos traduzir como o “aqui e agora”,
se perde com a questão da reprodutibilidade técnica. Antes da reprodução técnica,
a experiência estética no campo artístico era na relação direta com a obra; o aqui e
agora desta é “a unidade de sua presença no próprio local em que ela se encontra”
(BENJAMIN, 1993, p. 7), dotando-a de aura. Benjamin define aura como “a
única aparição de uma realidade longínqua, por mais próxima que esteja” (ibidem,
p. 9). Ou seja, o objeto dotado de aura incorpora tantos significados, tantos são os
sentidos atribuídos a ele, que ele se torna um objeto “distante” pela importância
que lhe é atribuída.
Para o autor, o original de uma obra de arte dá testemunho de todas as relações
na qual esteve inserida. Uma cópia jamais poderia emanar toda a relação histórica
e social da obra, fato que remete a uma dimensão histórica e autêntica do objeto
cultuado. Portanto, uma cópia é destituída de aura.

capítulo 3 • 69
No caso do cinema, por exemplo, o filme para Benjamin seria uma obra co-
letiva, na medida em que só se torna possível a partir da reprodução técnica, e
envolve uma imensa divisão do trabalho entre técnicos, atores, músicos, diretores
etc. Se pelo lado da produção, o filme é necessariamente uma obra coletiva, tam-
bém o é no lado da fruição, pois um consumidor não pode comprar um filme,
como fazia com uma tela, já que os custos envolvidos na realização de uma obra
cinematográfica são muito altos. Lembre-se de que Benjamin escreveu na década
de 1930 do século XX, não existindo tecnologias como o VHS, DVDs etc.
Dessa forma, o cinema já nasce dependendo da difusão em massa, sendo o
filme “uma forma cujo caráter artístico é em grande parte determinado por sua re-
produtibilidade” (BENJAMIN, 1993, p.175). Isso é uma novidade, pois a obra de
arte era pensada como resultado de um único indivíduo criador. Por isso Chaplin
é curioso, ele tenta controlar o maior número possível de aspectos de uma arte,
que é inerentemente coletiva. Ele dirige, atua, compõe, escreve o roteiro e edita.
A dinâmica da obra cinematográfica é muito diferente da trajetória da arte na
história do mundo ocidental, que geralmente gozava do que Benjamin chamava
de valor de culto. Ele dá como exemplo um alce copiado pelo homem paleolítico
nas paredes da caverna. Tal imagem acaba funcionando como um instrumento de
magia, raramente exposta aos homens. O valor de culto era tão forte, pois a arte
tinha relação com a questão religiosa e deveria ser recolhida, ser mantida quase
secreta, a fim de não ser dessacralizada. Benjamin dá outros exemplos a partir os
quais podemos perceber que a arte tinha um forte valor de culto e pouco valor
de exposição.

(...) certas estátuas divinas somente são acessíveis ao sumo sacerdote, na cella, certas
madonas permanecem cobertas quase o ano inteiro, certas esculturas em catedrais da
Idade Média são invisíveis, do solo para o observador. À medida que as obras de arte
se emancipam do seu uso ritual, aumentam as ocasiões para que elas sejam expostas.
(BENJAMIN, 1993, p. 173)

Dito de outro modo, quando os objetos passam a ser copiados e expostos


pelo mundo, o valor de culto é subtraído de maneira inversamente proporcio-
nal ao valor de exibição. Esse deslocamento é engendrado a partir do avanço da
Modernidade, que emancipa arte de sua função ritual, litúrgica. Se as formas de
arte eram utilizadas como elementos estruturais de caráter religioso, estas se des-
vinculam dessa função, passando a vigorar a ideia da “arte pela arte”, da arte pura.

capítulo 3 • 70
Com a reprodutibilidade técnica, além da arte se desvincular do ritual religioso,
cresce o seu valor de exposição.
Em síntese, o valor de culto da arte – relacionado à liturgia, se encerra, e o
consumo da arte passa a ser um fim em si mesmo. Benjamin vê positivamente esse
deslocamento, pois o que antes era restrito à capela, aos teatros e aos museus pode
circular por meio da reprodutibilidade técnica. Isto é, há um potencial democra-
tizante da arte a partir da reprodutibilidade técnica, possibilitando que muitas
pessoas passem a ter contato com as obras de arte, antes restritas a uma pequena
elite. Além disso, Benjamin percebe uma refuncionalização da arte, antes ligada à
magia com funções práticas, usada nos rituais litúrgicos e que eram observadas por
conta de suas propriedades mágicas.
O fato de Walter Benjamin defender que a reprodutibilidade técnica propicie
que a arte circule mais livremente gerou as fortes críticas de Adorno, que o acusa-
va de ser otimista com relação aos fenômenos de massa e o motivou a escrever O
fetichismo na música como regressão da audição, conforme sinalizado no início dessa
seção. É interessante a relação entre esses dois autores que, apesar de muito ami-
gos, travaram alguns debates intelectuais, inclusive em 121 cartas trocadas entre os
anos de 1928 e 1940, publicadas no livro Correspondência 1928-1940 – Adorno
e Benjamin (2013).
Entretanto, em que medida a cultura de massa não seria estigmatizada por
Horkheimer e Adorno? Se por um lado, há o risco de padronização da cultura em
prol do lucro, por outro, não deixa de existir certa nostalgia de um tempo no qual
a arte independia da técnica, ou, nas palavras de Mattelart, “é difícil não perceber
em seu texto o eco de vigoroso protesto erudito contra a intrusão da técnica no
mundo da cultura.” (2012, p. 79).
Temos na Escola de Frankfurt, por um lado, Adorno e Horkheimer com “uma
postura política cética de recusa da indústria cultural, ao contrário de Benjamin,
que investiga as contradições e as ambiguidades das novidades técnicas no reino
da produção cultural.” (SALLES, 2017, p. 56). Isso não significa que Benjamin
considerasse os fenômenos de comunicação de massa positivos, já que o autor dei-
xa evidente, especialmente durante seu exílio na França, na década de 1930, sua
preocupação com “as consequências sociais da cultura de massa, já alertando para
a necessidade de compreendê-la e confrontá-la.” (SALLES, 2017, p. 54)
No entanto, acenava para uma vontade de compreender melhor a natureza dos
novos dispositivos, pois Benjamin, como no caso do reconhecimento do potencial
do cinema. O filósofo não deixou de atentar para o fato de que a modernidade não

capítulo 3 • 71
trazia em seu bojo apenas a barbárie, mas também a possibilidade da circulação da
arte para além de uma elite, a partir do fenômeno da reprodutibilidade.
“A reprodutibilidade técnica da obra de arte modifica a relação da massa com
a arte. Retrógrada diante de Picasso, ela se torna progressista diante de Chaplin
(BENJAMIN, 1993, p. 187). Isso tem relação com o caráter coletivo com o qual
o cinema é gestado. Enquanto um pintor de quadro concebe sua obra para que
um indivíduo ou poucos a contemplem simultaneamente, a recepção cinemato-
gráfica envolve a soma das reações individuais – que constitui a reação coletiva – e
cada reação individual é influenciada pela natureza do público que ali se encontra.
Você já deve ter tido a experiência, por exemplo, de ter assistido a um filme no
cinema e ter sido contagiado pelas outras risadas, saindo com a sensação de que
era uma comédia muito engraçada. Contudo, é bem possível que em outra sala de
cinema, um público de natureza distinta possa ter achado bem menos engraçado e
que você, assistindo novamente sozinho em casa, não compreenda porque achou
engraçado da primeira vez.
A grande função do cinema, para Benjamin, seria a de preparar o aparato per-
ceptivo do indivíduo para as novas demandas do homem moderno. As mudanças
de imagens, que não podem ser fixadas pelo público, pois uma imagem se sobre-
põe à outra, em uma sequência, se diferenciam da contemplação de um quadro,
que se dá de modo estático. A sequência de imagens que se apresentam uma após a
outra não permite a contemplação demorada, indo ao encontro dos novos tempos
acelerados que passam a se impor no contexto que o autor escreve.

O cinema é a forma de arte correspondente aos perigos existentes com os quais se


confronta o homem contemporâneo. Ele corresponde a metamorfoses profundas do
aparelho perceptivo, com as quais experimenta o passante, em uma escala individual,
quando enfrenta o tráfico, e como as experimenta, em uma escala histórica, todo aquele
que combate a ordem social vigente. (BENJAMIN, 1993, p. 192)

Além de ajudar a preparar a percepção dos indivíduos para o mundo mo-


derno, o cinema também permitiria momentos de sonho e devaneio, a partir da
sugestão de um universo onírico, de fantasia, do sobrenatural e miraculoso, como
quando Benjamin cita as aventuras do camundongo Mickey. Acompanhar essas
fantasias oníricas teria até mesmo um caráter terapêutico, pois os espectadores
sublimariam tendências e psicoses a partir dos filmes.

capítulo 3 • 72
Apocalípticos e integrados: a crítica de Umberto Eco

Umberto Eco foi filósofo, especialista em história medieval e semiólogo italia-


no, famoso também por escrever romances, como O nome da rosa, best-seller que
foi adaptado para o cinema, o Pêndulo de Foucault, ambos da década de 1980. Sua
última obra que envolvia uma trama com jornalistas, foi Número Zero, publicado
em 2015.
Deslocando o trabalho do pesquisador Luís Sá Martino (2014) pode-se dizer
que à primeira vista, a obra do estudioso italiano Umberto Eco se divide entre o
escritor, autor do livro O nome da Rosa e A ilha do dia anterior, e o teórico da co-
municação, autor de obras sobre estética, mídia e semiótica. Tal interesse de Eco
pela cultura massiva pode ser parcialmente atribuído ao período em que trabalhou
na Radiotelevisione Italiana (RAI), em Milão, entre 1954 e 1958.
Um dos livros mais emblemáticos de Eco para refletir sobre os fenômenos
comunicacionais massivos é Apocalípticos e Integrados diante da Cultura de Massa,
publicado em 1964. A obra tem como proposta analisar o tripé mídia, cultura e
indústria e se apresenta como uma coletânea de estudos sobre histórias em quadri-
nhos, música pop e televisão. Traz na introdução, uma das primeiras tentativas de
classificar as pesquisas em comunicação de massa.

O universo das comunicações de massa é – reconheçamo-lo ou não – o nosso universo;


e se quisermos falar de valores, as condições objetivas das comunicações são aquelas
fornecidas pela existência dos jornais, do rádio, da televisão, da música reproduzida e
reproduzível, das novas formas de comunicação visível e auditiva. (ECO,1979, p. 10)

Eco deixa claro a ideia de que a cultura de massa faz parte do cotidiano e pode
ser criticada, mas não evitada. Essa é uma crítica de Eco aos frankfurtianos, que
apenas percebiam aspectos negativos dos meios de comunicação de massa e tenta-
vam, assim, negá-los em bloco, sem realizar uma análise de cada caso. Sá Martino
(2014) ressalta que em 1960, a cultura de massa já fazia parte do repertório cul-
tural do planeta. Os meios de comunicação como rádio, jornal, cinema, televisão
estavam presentes no dia a dia das pessoas.
Eco chega a dedicar, ironicamente, o livro aos apocalípticos, sem os quais não
seria possível escrever nem 25% da obra. Apesar de a crítica ser um pouco mais
dura aos intelectuais de Frankfurt, devemos ter em mente que ela também levanta
vários pontos problemáticos no posicionamento dos integrados, afirmando, por
exemplo, que é injusto resumir as atitudes humanas – que seriam tão ricas, a dois

capítulo 3 • 73
conceitos genéricos e polêmicos como “apocalípticos” (pessimistas) e “integrados”
(românticos).
Eco identifica duas possibilidades de crítica, de acordo com Martino (2014,
p. 136):
•  Ligada às pesquisas em comunicação norte-americanas, a Mass
Communication Research. Estudos estes vinculados às produções da indústria de
comunicações e não faziam uma crítica do processo em si, mas estudavam os
processos e os efeitos da comunicação. Por essa lógica, as proposições que com-
punham a defesa da cultura de massa estariam alinhadas a uma defesa do sistema
social e econômico, no qual ela era produzida e do qual ela era o principal elemen-
to de diversão. Esses teóricos, de viés funcionalista, foram denominados por Eco
de integrados;
•  A segunda, com bases oriundas do outro lado do Atlântico. Trata-se dos
críticos das culturas de massa, ou seja, uma referência à Escola de Frankfurt, em
particular a Theodor Adorno. Nas palavras de Martino (2014, p. 136), “os ensaios
teóricos procuravam mostrar a destruição da cultura pela indústria cultural, ou
seja, os apocalípticos.”

O pesquisador italiano fez um inventário das críticas e das defesas da cultura


de massa. A seguir, tentaremos sintetizar esse método, utilizado por Eco, para que
haja uma melhor compreensão. Deslocaremos os argumentos estruturais de apre-
sentação do pesquisador brasileiro Martino (2014).
O argumento para o integrado, em relação à cultura de massa é:
•  A cultura de massa permitiu o acesso de muitas pessoas a bens culturais,
antes restritos para poucos;
•  Elevou o nível intelectual das pessoas e permitiu a popularização da arte;
•  Acabou com os preconceitos. Qualquer pessoa pode conhecer arte, ouvir
todo tipo de música, ter acesso à cultura;
•  Facilita o acesso à obra de arte, tornando-a mais popular e conhecida;
•  Cultura não é mais uma coisa erudita e distante. Qualquer coisa se torna
cultura imediata;
•  Artistas sempre trabalharam para os nobres, para os reis e tinham que criar
conforme a vontade deles. A cultura de massa deu até mais espaço para a cria-
ção individual.

capítulo 3 • 74
Na contramão dos argumentos dos integrados, encontra-se em Eco (1979), a
crítica apocalíptica:
•  A cultura de massa modifica, adapta e destrói a verdadeira cultura para
poder vencê-la;
•  Nivela por baixo e equipara tudo nesse patamar;
•  Nem todo mundo está preparado para ter acesso à cultura. A ideia de uma
“cultura para as massas” é uma contradição;
•  Facilitar significa mudar, cortar, adaptar: a cultura é destruída em nome do
sucesso e do lucro;
•  Os valores humanos são deixados de lado, enquanto futilidades ganham
status de arte e política;
•  Na indústria cultural, os artistas são transformados em operários. A cria-
tividade é substituída por fórmulas e padrões, e a invenção é sempre vista com
desconfiança, ou seja, sucesso significa lucro.

É claro, nestas proposições, que Umberto Eco critica os autores de Frankfurt


por sua recusa na análise da cultura, por conta de uma visão elitista de mundo.
Para Eco, isso resultaria em conformismo e não em crítica. O italiano chega a su-
gerir o termo “comunicação de massa”, de forma a fugir dos conceitos polêmicos
de “cultura de massa”, defendido pelos integrados, como se não houvesse também
uma questão de dominação e poder dos meios, e a ideia de “indústria cultural”,
dos apocalípticos, que apenas enxerga os processos de manipulação e a impossi-
bilidade de uma cultura, já que esta fora seriada e padronizada para gerar o lucro.
Umberto Eco entende que exista um sistema de condicionamentos com o
qual todo operador de cultura deve lidar, se desejar se comunicar com seus se-
melhantes, não negando, portanto, a dimensão apontada pelos frankfurtianos. A
crítica de Eco é o fato de os alemães se recusarem a analisar a natureza dos meios
de comunicação de massa, seus conteúdos e a recepção do público e suas caracte-
rísticas, o que impediria, inclusive, que os intelectuais percebessem que a cultura
aristocrática dialoga com a popular, com ambas se influenciando mutuamente.
O autor sugere que se realize uma análise estrutural das mensagens, levando em
consideração ao menos quatro dimensões:
•  Levar em conta a linguagem empregada;
•  O modo como são percebidos e interpretados pelos receptores;
•  O contexto histórico-cultural em que se insere a mensagem;
•  O pano de fundo político e social que lhe dá caráter.

capítulo 3 • 75
Outro ponto salientado por Eco é que os produtos midiáticos de massa são
feitos para agradar, ou seja, uma estética da cultura de massa não pode deixar de
lado a questão da satisfação envolvida quando se está diante da tela, do rádio ou do
livro, pois “[...] os meios de comunicação adequam seus produtos às possibilidades
interpretativas de um público médio.” (ALMEIDA, 2017, p. 283)
Eco compreende que os conteúdos dos meios de comunicação de massa tanto
possam operar como material para evasão e distração quanto podem informar e
educar.
O livro Apocalípticos e Integrados pode ser considerado como ponto de par-
tida e resumo de uma análise estrutural da narrativa de mídia, como nos alerta
Sá Martino (2014, p. 138). Após esse estudo, Eco desenvolveu outros estudos
envolvendo a cultura de massa, em uma perspectiva mais próxima da semiótica,
mas com tom ensaístico. Nos livros Viagem à irrealidade cotidiana ou em O Super-
Homem de massa, volta a percorrer os caminhos de uma realidade na qual a mídia
está cada vez mais presente, mantendo a leitura crítica da cultura.

RESUMO
O capítulo contemplou as abordagens sobre os fenômenos comunicacionais, a partir dos
estudos sobre A Escola de Frankfurt e Umberto Eco. Foi possível compreender conceitos
centrais, como o de “indústria cultural”, “aura” e reprodutibilidade técnica, produzidos dentro
da tradição alemã, além de entender o contexto social dessa vertente, que influenciou for-
temente a perspectiva desencantada de mundo desses intelectuais que experimentaram os
horrores da Segunda Guerra.
O fenômeno da popularização no acesso à comunicação gera, segundo muitos autores e
estudos pautados na teoria crítica, a massificação da cultura, razão pela qual Adorno e Hor-
kheimer cunharam o conceito de indústria cultural. A partir do momento que a cultura deve
se enquadrar em fórmulas pré-concebidas para gerar lucro, a cultura deixa de existir, já que
não pode mais cumprir seu papel social de propiciar reflexão e crítica.
O caráter doutrinador da indústria cultural objetificaria os próprios indivíduos, ao reduzir
os gostos a um denominador comum, eliminado a diferença. Nesse sentido, entende-se a
crítica ao caráter paralisador das proposições frankfurtiana, proferidas por Umberto Eco, que
opta pelo termo Comunicação de Massa. Ou seja, nem utiliza a prerrogativa da cultura de
massa, dos integrados nem a ideia de indústria cultural, dos frankfurtianos.
O estudioso italiano se divide entre o escritor, autor do livro O nome da Rosa e A ilha do
dia anterior, e o teórico da comunicação, autor de obras sobre estética, mídia e semiótica, en-

capítulo 3 • 76
tre elas Apocalípticos e Integrados diante da Cultura de Massa. Eco deixa claro a ideia de que
a cultura de massa faz parte do cotidiano e pode ser criticada, mas não evitada. A obsessão
em só defender aspectos positivos dos integrados, em contraposição à perspectiva negativa
dos frankfurtianos, não possibilitaria análises propriamente midiáticas, já que nenhum desses
grupos realmente se esforçava em compreender a natureza do contexto midiático no qual
a mensagem circulou, a natureza desses meios e dos receptores, bem como os mesmos
reagiram ao conteúdo.

SAIBA MAIS
Luis Mauro Sá Martino é jornalista, professor universitário e Doutor em Ciências So-
ciais pela PUC-SP. Estudou, durante um ano como pesquisador-bolsista da Universidade de
Esta Anglia, no Reino Unido. É autor dos livros Mídia e Poder simbólico, O habitus na comu-
nicação (em conjunto com Clóvis de Barros Filho), Comunicação: Troca Cultural (Paulus) e
Estética da Comunicação (Vozes).
Francisco Rüdiger é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo,
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Autor de 15 obras
relacionadas com seu campo de especialização, colabora regularmente em revistas acadê-
micas e é parecerista de periódicos como Galáxia (PUCSP), Comunicação, Mídia e Consumo
(ESPM-SP), Estudos de Sociologia (Unesp), Comunicação & Sociedade (Metodista SBC) e
Fronteiras (Unisinos).

ATIVIDADES
01. (IFRS) Leia as afirmativas sobre a Escola de Frankfurt.
I. A pesquisa social para os frankfurtianos deve ser especializada, restrita aos campos de
saber específicos, visto que a pretensão de totalidade, mais do que contribuir, prejudica e
embaça as análises da sociedade.
II. A teoria crítica da sociedade é a designação dada ao conjunto de elaborações desenvol-
vidas pela Escola de Frankfurt. O nome da teoria não é apenas um nome fantasia sem senti-
do, porém uma referência ao atributo que a distinguiria dos trabalhos da sociologia empírica
americana.
III. Embora os frankfurtianos tenham recusado a ortodoxia marxista, trata-se de uma teoria
crítica cujo esforço foi reatualizar a transformação operada por Karl Marx.

capítulo 3 • 77
IV. De orientação nitidamente liberal, a Escola de Frankfurt tem sua origem no Instituto de
Pesquisa Social, e seus estudos procuram questionar a crescente valorização das pesquisas
de orientação marxista. Mais do que um experimento de pesquisa social, a Escola de Frank-
furt é uma militância liberal.

Dentre as alternativas a seguir, em qual delas há afirmativas verdadeiras?


a) Apenas I e II. d) Apenas II e IV.
b) Apenas I e III. e) Apenas I e IV.
c) Apenas II e III.

02. (Unirio) Theodor Adorno e Max Horkheimer, dois dos principais pensadores da Escola
de Frankfurt, propõem a expressão “indústria cultural” para substituir a noção de cultura de
massa, pois
a) A expressão cultura de massa era dúbia, enquanto indústria cultural seria o modo mais
adequado para definir a cultura produzida industrialmente para a massa e não pela massa.
b) Os meios de comunicação, responsáveis pela produção da cultura popular, fazem parte
de grandes oligopólios industriais.
c) A cultura é produzida industrialmente de maneira a estimular o senso crítico dos inte-
grantes da massa.
d) O conceito de massa é de difícil sustentação, pois são os sujeitos que, através da sua
individualidade, produzem industrialmente a cultura.
e) Não há como produzir cultura fora do sistema industrial capitalista que se apropria dos
valores culturais norte-americanos para disseminá-los para a massa.

03. (CCV-UFC) A Escola de Frankfurt é uma referência nos estudos da teoria crítica da
comunicação. Sobre a Escola de Frankfurt, marque a opção incorreta.
a) A teoria marxista está na base do pensamento dos teóricos da Escola de Frankfurt.
b) Indústria cultural é um dos principais conceitos propostos pelos teóricos da Escola
de Frankfurt.
c) Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Walter Benjamin são os principais
pensadores da Escola de Frankfurt.
d) O conceito de Indústria Cultural pode ser entendido como um processo social que trans-
forma a cultura em bem de consumo.
e) O centro de pesquisa que reunia pensadores e estudiosos do campo das Ciências So-
ciais e Filosofia, embora nomeado como Escola de Frankfurt, estava localizado nos Es-
tados Unidos, berço das principais teorias da comunicação.

capítulo 3 • 78
04. (Vunesp– DPE-RO) Sobre a Escola de Frankfurt, é correto afirmar que
a) Formulou um modelo de teoria considerada positivista e cientificista.
b) Consistia em um grupo de intelectuais alemães que produzia um pensamento conhecido
como teoria tradicional do Direito.
c) Seus integrantes se dedicaram a estudos, dentre outros, relacionados à sociedade de
comunicação de massas, à sociedade industrial e aos problemas decorrentes do desen-
volvimento do capitalismo.
d) Surgiu dentro do contexto da Revolução Francesa, criando uma nova ordem sociopolítica.
e) Jürgen Habermas, pensador da primeira geração da Escola, desenvolveu importantes
críticas à teoria da ação comunicativa.

05. (TER/PE) Em 1964 foi lançada uma obra que se tornou clássica porque discute a in-
fluência das técnicas de comunicação e as transformações geradas nos padrões de intera-
ção social. Essa obra de Umberto Eco considera
a) Apocalípticos os que entendiam que a massificação da produção e o consumo eram
responsáveis pela queda da essência na criação artística.
b) Que os integrados concordavam com os apocalípticos, mas pregavam que as novas
tecnologias seriam fator de dominação das classes subalternas
c) Apocalípticos e integrados os defensores da censura dos meios de comunicação, em
graus diferentes, para impedir a desestabilização econômica.
d) Apocalípticos os autores que consideram a cultura como um bem possível de ser consu-
mido somente pelas classes sociais privilegiadas economicamente.
e) Integrados os que defendem que as tecnologias de comunicação não serão massifi-
cadas porque sempre haverá uma técnica mais avançada a ser oferecida ao merca-
do consumidor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Gabriela Machado. Umberto Eco – 1932-2016. In: AGUIAR, Leonel; BARSOTTI, Adriana.
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conceitos e métodos. 5.ed., Rio de Janeiro: Vozes, 2014, p. 50-66.
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WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt. História, desenvolvimento teórico, significação política.
Difel: Rio de Janeiro, 2002.

capítulo 3 • 80
4
Visões autorais:
Marshall McLuhan,
Edgar Morin e
Jürgen Habermas
Visões autorais: Marshall McLuhan, Edgar
Morin e Jürgen Habermas

Nesse capítulo, você terá contato com três autores muito importantes para o
campo da Comunicação Social. São eles o canadense Marshall McLuhan, o fran-
cês Edgar Morin e o alemão Jürgen Habermas. McLuhan é o criador da célebre
frase “o meio é a mensagem”, tendo refletido sobre a importância da natureza dos
meios de comunicação, para além do conteúdo.
Morin abordou a temática da cultura das massas, percebendo um diálogo
entre a cultura massiva e outras formas culturais, como a familiar, religiosa, entre
outras, em um processo de influência mútua. O conceito de novos olimpianos
também foi desenvolvido por Morin, a fim de refletir acerca dos ícones explorados
pelas indústrias cinematográficas e publicitárias.
Habermas é considerado um autor da segunda geração de Frankfurt, tendo
sido, inclusive, assistente de pesquisa de Theodor Adorno. No entanto, a partir
da teoria do agir comunicativo, o alemão procurava uma brecha para o sistema de
dominação capitalista, relativizando as premissas frankfurtianas.

OBJETIVOS
•  Conhecer quem foi McLuhan e suas principais ideias;
•  Entender a discussão de cultura de massa e o papel dos “novos olimpianos”, de Edgar Morin;
•  Diferenciar a perspectiva de Jürgen Habermas de seus antecessores de Frankfurt, a partir
da noção do “agir comunicativo”.

McLuhan

Marshall McLuhan nasceu em 1911 e foi um intelectual e filósofo canadense


que se interessou pelos fenômenos comunicacionais. Começou a ter fama nos
anos 1950, com a promoção de Seminários sobre Comunicação e Cultura, na
Universidade de Toronto. Esses eventos resultaram em inúmeros convites de ou-
tras universidades, até que a Universidade de Toronto, para não perder McLuhan,

capítulo 4 • 82
permite que o autor seja o responsável pelo Centro de Cultura e Tecnologia, no
início dos anos 1960.
McLuhan teve aproximadamente 15 obras publicadas, além de artigos aca-
dêmicos. Entre suas obras de maior destaque estão O Meio é a Mensagem, Guerra
e Paz na Aldeia Global, A galáxia de Gutemberg e Os meios de comunicação como
extensões do homem, seu primeiro livro de grande notoriedade.
Para o canadense, o cotidiano estrutura-se a partir das mediações tecnológicas,
e os meios de comunicação alteram a percepção e os sentidos. A ideia de meio, de
McLuhan, também pode ser traduzida como tecnologia. As tecnologias permiti-
ram que os homens expandissem suas capacidades, por isso a ideia dos “meios de
comunicação como extensão do homem”, presente em Understading Media: meios
de comunicação como extensões do corpo (1964).

Um martelo estende o poder da mão, a roda estende a habilidade do pé etc. Um meio


de comunicação seria mais uma dessas extensões técnicas. Cada uma das tecnologias
produz um viés sobre o mundo da vida, sobre a organização das sociedades, propondo
uma ideologia, uma visão de mundo específica. Assim, a invenção da escrita teria permi-
tido a criação dos impérios, como a máquina a vapor possibilitou a expansão capitalista,
como a eletricidade possibilita a aldeia global. (BRAGA, 2012, p. 49)

Toda tecnologia, portanto, é uma extensão do homem e a cada nova tecno-


logia disponível, as sociedades se alteram. A fotografia, o livro e o binóculo, por
exemplo, mudam o universo do olho, o rádio prolonga a audição. Se por um lado,
as tecnologias aumentam a capacidade humana, por outro, também pode atrofiar
ou amputar, para usar uma expressão do autor. A roda, o carro ou o avião funcio-
nam para ampliar a nossa locomoção, mas também atrofiam a perna, no sentido
de que passamos a usá-las menos. Esse ponto é interessante, pois demonstra um
aspecto negativo, já que o autor é comumente acusado por seu excesso de otimis-
mo com relação à tecnologia.
Devemos compreender que McLuhan rompe com boa parte da lógica dos estu-
dos da comunicação, o que ajudou a gerar fortes críticas ao autor. O deslocamento
do eixo de discussões do conteúdo para a natureza do meio, com a ideia de que os
artefatos culturais interferem na cultura e trocas entre os homens, rompe com ideias
vigentes de que a mensagem é o mais importante. A ideia básica residia na impor-
tância de estruturar a mensagem, sua forma, seu conteúdo, no sentido de levar o
receptor a uma decodificação pretendida. McLuhan subverte esse raciocínio, reivin-
dicando um lugar de importância primária para os meios, as tecnologias, que im-
primiriam seu caráter e lógica à comunicação, sendo o conteúdo em si secundário.

capítulo 4 • 83
A partir dessas premissas que você pode avançar para compreender a célebre
frase de “o meio é a mensagem”. Se o autor entende que toda tecnologia vai in-
fluenciar as sociedades, os meios de comunicação também se enquadram nessa
lógica. O próprio meio de comunicação torna-se um elemento da mensagem, pois
as mensagens não existem soltas. O meio, portanto, condiciona a mensagem, dá
forma também e, quando se transpõe uma mensagem de um meio para outro, há
uma reelaboração completa dessa mensagem.
McLuhan foi um dos primeiros autores a se preocupar também com o dispo-
sitivo em jogo, e não apenas com o conteúdo, atentando para a diferença que cada
escolha do suporte midiático gerava. Dessa forma, um mesmo filme exibido na
TV ou no cinema, por exemplo, resulta em experiências bastante diferentes para
quem assiste.
Os meios têm efeitos peculiares na percepção das pessoas e carregam uma
mensagem em si mesmo. Poucas pessoas demitiriam seus funcionários pelo ce-
lular, certo? Isso porque cada meio tem gramática própria, evocando sensações
diferentes, já que toda tecnologia cria um novo ambiente e muda a sociabilidade
envolvida. Para McLuhan, portanto, as sociedades sempre foram moldadas mais
pela natureza dos meios que os homens usam para se comunicar do que pelo con-
teúdo da comunicação.
Daí também que podemos entender porque alguns o acusaram de ser um
determinista tecnológico, pois sua ênfase nos artefatos culturais acabava sugerin-
do um movimento que iria apenas das tecnologias para a sociedade. No entanto,
quando ele afirma que “nós criamos as tecnologias e elas nos criam” (MCLUHAN,
1964), fica nítido que o mesmo percebia um fenômeno de ordem cíclica, e não de
modo meramente unidirecional.

Aldeia global

McLuhan propõe três fases distintas nas quais os fenômenos de comunicação


ajudaram a moldar a própria história das sociedades:
1. As civilizações orais;
2. A galáxia de Gutemberg;
3. A aldeia global.

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Tribalização (oral).
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Gutemberg (destribalização).
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Aldeia Global (retribalização).

capítulo 4 • 85
Na civilização oral, como o nome sugere, as trocas entre os indivíduos eram
feitas por meio da fala, e as formas de sociabilidade eram pautadas pela emoção, in-
tuição e certo estado de encantamento. Nesse ínterim, o ouvido predominava sobre
a visão, com destaque para a figura dos grandes narradores, geralmente mais idosos.
As civilizações consideradas arcaicas se enquadram nessa tipologia, cuja imagem re-
presentativa seria indivíduos em roda, contando histórias. Existia uma unidade entre
os eixos tempo e espaço e o conhecimento era mais fechado, do âmbito de cada gru-
pamento social. Por essa razão, McLuhan entendia que esse momento era marcado
por uma tribalização. O que teria liberado as aldeias desse transe tribal teria sido a
escrita alfabética, que permitiu ao homem conquistar impérios.
Na galáxia de Gutemberg, a prensa é inventada, razão pela qual McLuhan
escolhe o nome de Gutemberg para representar essa segunda era. Essa etapa é
caracterizada pelo avanço da tecnologia tipográfica, que teria instaurado um indi-
vidualismo, pois o consumo de informações a partir dos jornais impressos e livros
são movimentos individuais, impessoais e solitários, bem diferentes das interações
em roda, típicas das civilizações orais.
Se antes o homem aprendia a partir dos relatos da comunidade local, na era
de Gutemberg o indivíduo conhece outras realidades a partir de romances e da
imprensa. Ou seja, o homem não mais precisava se educar a partir da palavra da
tradição dos antigos. A industrialização, o nacionalismo e a emergência dos mer-
cados de massa começam a retirar o homem da tribo, fortalecendo a racionalidade
e a lógica linear, em vez do encantamento da era anterior. O papel transformou a
maneira como o ser humano se relacionava com os outros e com o conhecimento,
pois a informação não precisava mais ficar estocada apenas na memória.
A terceira etapa pensada por McLuhan é denominada de aldeia global e foi
iniciada pelo avançar da eletrônica. O livro perde sua hegemonia para a tela, suge-
rindo certo regresso à oralidade, por meio do rádio e televisão. Não há fronteiras
para a transmissão do conhecimento, o que conectaria todos os homens global-
mente, em uma única tribo, em uma “aldeia global”. O globo sofre uma espécie
de retração e o diálogo global se torna possível, já que ocorre uma disjunção dos
eixos tempo e espaço. As tecnologias da aldeia global acionam a visão e a audição,
e a linearidade e centralização da era mecânica anterior cedem espaço à simulta-
neidade eletrônica e descentralizadora.
Para cada uma das eras propostas, estava em jogo determinadas formas de co-
municação: oralidade, registro escrito e o apogeu da imagem e do audiovisual. O
que deu forma e tom a essas eras foram as tecnologias disponíveis. As formulações

capítulo 4 • 86
de McLuhan, portanto, colocam os meios de comunicação como o centro do
processo e propõe que as histórias das sociedades devem ser vistas mais a partir do
exame de suas tecnologias de informação.
O canadense é tido como um dos autores mais controversos da área da comu-
nicação. Alguns o consideram um grande improvisador, com seus aforismos, e,
de outro lado, outros o entendem como um oráculo da era eletrônica, que teria
antecipado a interconexão global gerada pela internet em pelo menos três décadas.
Esse ponto é relevante, pois o autor escreve na década de 1960, em um período
que o mundo estava bipartido, com a Guerra Fria perpetrada pelos Estados Unidos
e pela União Soviética. As ideias que pareciam utópicas naquele contexto de uma
televisão, ainda em preto e branco, com o mundo digital acabaram ganhando o
status de profecia, o que ajudou em um processo de revalorização da obra do autor.

SAIBA MAIS
Aforismos vem do grego aphorismus, que significa “definição breve”, “sentença”. Alguns
sinônimos de aforismos são: ditado, máxima. Um aforismo, portanto, envolve uma expressão
sucinta de um pensamento. McLuhan era conhecido por seus aforismos, incluindo os famo-
sos “o meio é a mensagem”, “Notícias, mais que arte, são artefatos”, “não há passageiros na
espaçonave Terra. Somos todos da tripulação”.

Uma última ideia do autor canadense é a de meios quentes e meios frios, que
também gerou controvérsia no campo comunicacional. Ocorre que para as teorias
da comunicação anteriores, o nível de envolvimento do público com a mensagem
estaria atrelado ao conteúdo e à forma (estrutura) da mensagem. No entanto,
McLuhan diz que é a natureza do meio que informa qual o nível de envolvimento.
Os meios quentes exigem uma atenção constante do receptor, ou seja, há um alto
envolvimento entre meio e espectador, como no caso do livro ou do rádio. Já os
meios frios conjugam mais de um sentido na relação com os meios. São de mais
fácil compreensão, como com a TV e o telefone e requerem mais interação do
espectador, no sentido de preencher as lacunas de informação que faltam.
Vale lembrar que essa classificação não é definitiva, visto que “os meios po-
dem ser aquecidos ou esfriados, dependendo tanto de como esses critérios se ajus-
tam nos diversos ambientes quanto pelas recombinações que se verificam entre os
meios e tecnologias de comunicação.” (MARQUES, 2017, p. 173)

capítulo 4 • 87
Como ocorre com qualquer autor e perspectiva teórica, algumas críticas foram
feitas ao canadense. A acusação de ele ser um determinista tecnológico, já aborda-
do anteriormente, que possuía uma crença no poder transformador da mídia ou
mesmo que ele estaria a serviço do capitalismo americano, marcado pelo desen-
volvimento tecnológico. A ideia de aldeia global, nesse sentido, foi alvo de debates
de alguns intelectuais que afirmavam que McLuhan era utópico com relação ao
conceito, uma vez que a interligação não incluía a todos.

Edgar Morin

Edgar Morin nasceu em 1921 e dedicou boa parte de seus estudos à cultura
de massas, embora o cerne de suas preocupações sempre tenha sido propriamente
a cultura, ou, nas palavras de Wolf (1994), “a definição da nova forma de cultura
da sociedade contemporânea”. Ocorre que Morin é um autor de difícil apresenta-
ção, pois o mesmo era licenciado em História, Geografia e Direito, se autointitu-
lando “contrabandista de saberes”. Essa formação transdisciplinar é fundamental
para compreender o autor, que transitava e articulava saberes de campos distintos,
e acabou gerando também uma confusão, com alguns o compreendendo enquan-
to sociólogo, filósofo ou antropólogo.
Morin possui mais de 50 obras publicadas, sendo uma de suas principais o
livro O Espírito do Tempo (1965), que, no Brasil, ganhou o título de Cultura de
Massas no século XX, tendo sido dividido em dois volumes: Neurose e Necrose.
Esse título é uma referência, embora irônica, à expressão usada pelo filósofo
alemão Friedrich Hegel – “espírito do tempo”, para se referir ao conjunto de princí-
pios de determinada época, responsável por dar características semelhantes às várias
formas da cultura de um tempo. Isso vai ao encontro da percepção de Morin acerca
da comunicação de massa, já que o autor advogava a favor de pensar a comunicação
associada a outros problemas, evitando percebê-la de forma fragmentada. Na rea-
lidade, esse ímpeto em entender os problemas de forma complexa perpassou toda
a produção intelectual de Morin, o que nos remete novamente a importância da
interdisciplinaridade e da articulação de saberes distintos para o autor.
A novidade dos estudos da Cultura de Massas, a partir de 1960 foi estudá-la
de maneira crítica, tendo como base a leitura dela própria. Tomando emprestado
o pensamento de Sá Martino (2014), podemos dizer que Morin identifica na cul-
tura de massa, as novas formas do imaginário do século XX, por isso a noção de

capítulo 4 • 88
“espírito do tempo”. O objetivo do “espírito do tempo” é encontrar as fórmulas e
as estruturas geradoras da produção cultural.

No começo do século XX, o poder industrial estendeu-se por todo o globo terrestre. As
colonizações da África, a dominação da Ásia, chegam ao seu apogeu. Eis que começa,
nas feiras de amostras e máquinas de níqueis, a segunda industrialização, a que se pro-
cessa nas imagens e nos sonhos. A segunda colonização não mais horizontal, mas desta
vez vertical, penetra na grande reserva que é a alma humana. (MORIN, 1977, p. 13)

Para o pesquisador francês, a indústria cultural não está ligada exclusivamente


ao capitalismo, mas a todo e qualquer sistema de colonização e por isso mesmo,
parte de uma produção controlada por questões externas à simples criação artís-
tica. Isso fica evidente na primeira parte do livro, a que Morin denomina de “A
integração Cultural”.
Para Morin (1977, p. 15), a cultura de massas “constitui um corpo de símbo-
los, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema
de projeções e de identificações específicas”. Ou seja, é muito mais da mentalidade
do século XX do que de um regime econômico específico.
Morin buscava extrapolar uma visão meramente crítica dos meios de comunica-
ção, mais se esforçando para compreender a relação da mídia, com a própria cultura
e sociedade, a partir dos imaginários vigentes. Ele aponta que a cultura de massa
surge a partir da década de 1930, nos EUA, e abarca o mundo ocidental. Há uma
mudança no mundo do trabalho, que deixa de ser tão físico e passa a ser desprovido
de autonomia e criatividade. As classes trabalhadoras passam a ter uma vida fora da
esfera do trabalho, ou, nas palavras do autor, a “seiva da vida encontra novas irriga-
ções fora do trabalho, e as vivências vão se refugiar no lazer e vida privada”.
O emprego do conceito Cultura de Massas, sob à luz de Morin, se relaciona
intimamente com o novo padrão de vida das massas urbanas, pois estas ingressam
no universo do lazer, bem-estar e consumo, antes exclusivos da burguesia. Com o
lazer, o entretenimento e as atividades de lazer são recheados de hábitos ditados por
esta cultura. Ou seja, a dinâmica da criação cultural é vinculada à lógica de produção
em série. O tipo fundamental de comunicação é o espetáculo, com destaque para o
audiovisual como o principal veículo e o estímulo ao lúdico, ao jogo, à curiosidade,
a temas apelativos, ou seja, uma cultura do lazer, de forma mais geral.
Nesse ponto, é importante recorrermos ao conceito de “dialética da projeção-
-identificação”, categoria cunhada por Morin. A indústria cultural tenderia a aten-
der aos anseios da massa, incluindo esses desejos nos produtos intangíveis, o que

capítulo 4 • 89
permitiria ao público uma identificação com o consumido. A partir da figura dos
sósias – representações nas tramas que possibilitam alguma ligação com a realidade
das massas, exprimindo algumas de suas aspirações e recalques, o homem médio
conseguiria satisfazer seus desejos, mesmo que indiretamente. Sempre que falamos
em dialética, estamos lidando com dois elementos indissociáveis, que dependem
um do outro para existir.
Era exatamente dessa forma que Morin percebia a relação público/indústria
cultural: ao mesmo tempo em que a indústria cultural incute gostos no consumi-
dor, precisa se valer desses gostos para gerar uma identificação e garantir o sucesso
da empreitada. Há um diálogo entre produção e consumo, mas é desigual. Como
uma conversa entre um prolixo e um mudo. Para Morin, o espectador não fala. Só
escolhe se desliga ou não, compra ou não, assiste ou não ao filme.

SAIBA MAIS
A ideia de homem médio é aplicada nos estudos de comunicação como uma tipifica-
ção do homem comum, no sentido de compreender os gostos gerais, a fim de adaptar os
produtos culturais para os gostos vigentes. Hoje, com a pesquisa de mercado e a lógica de
segmentos de mercado, cada vez menos se recorre a essa ideia, embora, ainda no âmbito da
comunicação, o homem médio paute as ações de broadcasting.

Nesse sentido, podemos entender, a partir da óptica de Morin, que o consumo


se mostra uma necessidade e a única forma de encontrar o bem-estar. Valores como
beleza e riqueza se relacionam diretamente com felicidade, que pode ser medida pelo
poder aquisitivo ou pela representação desse poder. Portanto, para o pesquisador é
também por meio do estético que se estabelece a relação do consumo imaginário.

Uma cultura, afinal de contas, constitui uma espécie de sistema neurovegetativo que irri-
ga, segundo seus entrelaçamentos, a vida real do imaginário e o imaginário da vida real.
Essa irrigação se efetua segundo o duplo movimento de projeção e de identificação... O
imaginário é um sistema projetivo que se constitui no universo espectral e que permite a
projeção e a identificação mágica religiosa ou estética. (MORIN, 1977, p. 121)

Há, segundo Morin (1977), uma relação de projeção-identificação, a partir


da forma como os personagens e os espectadores da cultura de massa se relacio-
nam entre si. As proposições de Morin nos fazem pensar que toda relação de

capítulo 4 • 90
projeção-identificação se dá dentro do campo estético-mágico-religioso. Morin
explica que a projeção tem potência de diversão, evasão, compensação e de trans-
ferência. Ou seja, o processo de projeção-identificação está ligado a inúmeras ex-
periências estéticas proporcionadas pela cultura de massa.

Novos olimpianos

O conceito de “Olimpianos”, trabalhado em O Espírito do Tempo, também é


importante para entendermos a dialética da projeção-identificação. Morin recupe-
ra o termo olimpiano, da mitologia grega, para aplicar aos personagens que habi-
tavam o mundo mágico do cinema. Os novos olimpianos ajudam na reprodução
da lógica do consumo da indústria cultural, que é intimamente ligada à forma de
produção capitalista.
Esses olimpianos propõem o modelo ideal da vida de lazer, sua suprema aspi-
ração. Vivem segundo a ética da felicidade e do prazer, do jogo e do espetáculo.
Essa exaltação simultânea da vida privada, do espetáculo, do jogo é aquela mesma
do lazer, e aquela mesma da cultura de massa. (MORIN, 1977, p. 105)

Esses olimpianos propõem o modelo ideal da vida de lazer, sua suprema aspiração. Vi-
vem segundo a ética da felicidade e do prazer, do jogo e do espetáculo. Essa exaltação
simultânea da vida privada, do espetáculo, do jogo é aquela mesma do lazer, e aquela
mesma da cultura de massa. (MORIN, 1977, p. 105)
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A cultura de massa se constitui em função das necessidades individuais que emer-


gem. A indústria fornece modelos e imagens que dão forma às aspirações, operando

capítulo 4 • 91
através da exploração da imagem dos novos olimpianos. Os meios de comunicação
elevam à qualidade de fato histórico situações que não deveriam ter importância,
somente porque envolve esses semideuses. Esse entendimento de que não seriam
plenamente deuses, mas sim meio-deuses e meio-mortais, é importante para Morin,
pois se fossem inteiramente deuses dificultaria a identificação dos consumidores.
Assim, a vida dos olimpianos também é uma vida parecida em alguns aspectos
com a vida ordinária dos mortais, ou seja, eles separam e reatam relações, sofrem
acidentes, passam por situações de embaraço e doença. No entanto, sua existência
no universo midiático é revestida de glamour, glória, erotismo, se distanciando
sobremaneira da vida ordinária. É dessa forma que têm um duplo papel:
1. São deuses no papel que encarnam;
2. Humanos em suas vidas privadas.

São mitificados e a humanização permite a identificação. Ou seja, são semi-


deuses, na acepção de Morin, elevados em relação ao nível da rotina do cotidiano,
mas ainda assim acometidos por problemas que infligem todos nós. É esse vínculo
com o humano que torna os novos olimpianos tão sedutores e carismáticos, des-
tronando antigos modelos, como pais, educadores e heróis nacionais.
A obra de Morin mostra como as práticas culturais, a partir do século XX estão
pautadas pelo universo simbólico da cultura. Esse imaginário está no cinema, na
televisão, na música, nos quadrinhos, que criariam uma mitologia da felicidade,
promovendo uma segunda industrialização: a do espírito. Sá Martino (2014, p. 146-
7) lembra que os ícones da imaginação, a quem a sociedade reverencia em forma
mitológica são codificados no limite da tela e das páginas de revistas. Essa viagem do
ser humano, ao que podemos chamar de imaginário, caminha pela cultura de massa.

Sociedades policulturais e sincretismo

As sociedades modernas são policulturais (MORIN, 1977, p. 16). A cultura


de massa integra e se integra ao mesmo tempo em uma realidade policultural; faz-
-se conter controlar, censurar (pelo Estado, pela Igreja) e, simultaneamente, tende
a corroer, a desagregar outras culturas, como as culturas de classe, étnicas, religio-
sas, nacionais ou políticas. A cultura de massas, portanto, não é autônoma, apesar
de ser superior às outras culturas, pois a cultura de massas sugere e seduz, em uma
direção diferente de outras formas culturais que têm caráter mais imperativo.

capítulo 4 • 92
O comportamento da indústria cultural é produto da busca pelo máximo lu-
cro, o que leva a tentativa de cooptar o maior público possível. Segundo Morin, há
forças complementares em jogo para atender os consumidores. O grande objetivo
seria o de alcançar diferentes grupos, o que envolve um sincretismo na criação dos
bens culturais. Públicos antes inexistentes agora abarcados pelo mercado, como
crianças e idosos.
O conceito de sincretismo é central em Morin e envolve articular elementos
de distintas origens culturais, a fim de conquistar o maior público possível. Se
pegarmos como exemplo um filme atual, como Shrek, por exemplo, podemos
compreender melhor o que Morin entendia por sincretismo. Quando os produto-
res culturais responsáveis por essa obra decidem mobilizar a cultura infantil com a
adulta, sugerindo uma releitura sarcástica dos contos de fada, conseguem agradar
tanto à criança, ao jovem e ao adulto. Além de recorrer ao sincretismo, a indústria
cultural apela para quatro processos de vulgarização das obras:
•  A simplificação: retira o complexo, o inteligível, para que todos
acompanhem.
•  Modernização: introduz a psicologia moderna em uma obra ambientada
no passado.
•  Maniqueização: potencializa o antagonismo bem × mal, para envolver mais.
•  Atualização: mais radical que a modernização, envolve a transferência pura
do passado para o presente.

O ímpeto de produzir mercadorias que seriam aceitas pelo maior número


possível de pessoas, levaria, portanto, a uma simplificação, a fim de tornar a obra
fácil e agradável para o homem médio. “A cultura industrial que desagrega efeti-
vamente as culturas do hic et nunc. Ela tende ao público indeterminado. Não tem
raízes, mas uma implantação técnico-burocrática.” (MORIN, 1977, p. 64)
A tendência à estandartização acabou criando também uma linha oposta, na
direção da singularização e da individualização, pois no “reino da massa (anônima),
criado pela própria produção cultural também se manteria o impulso da criação,
invenção” (COUTINHO, 2017, p. 219). Será sempre necessário o novo para fazer
frente às cópias. Há, portanto, um grau de complementariedade antagônica entre as
partes envolvidas no processo. Nesse ponto, é interessante percebermos uma crítica
de Morin tanto aos funcionalistas norte-americanos, quanto aos frankfurtianos.

capítulo 4 • 93
Entre as duas teses que ainda vigoram no que diz respeito ao mundo da mídia, de um
lado a que chamamos de otimista por considerar a mídia um bem em si ou a verdade
dos fatos, e, de outro, a que chamamos de aristocrática ou pseudomarxista que diz, ao
contrário, que a mídia é cretina, destrói o espírito e esconde os verdadeiros problemas,
me permito outra tese que pretende não ser uma visão eufórica da cultura de massas
nem apenas pejorativa. Eu entendo que se trata de algo complexo que tem aspectos
positivos e também negativos. (MORIN, 2001, p.10-11)

Por mais que a técnica aja nas obras culturais e ele reconheça a existência de
uma indústria da cultura, a arte sempre pode ultrapassar a estandartização. É por
isso que Morin explica que Hollywood produz não apenas filmes padrão, mas,
eventualmente, cria também obras-primas.
A distinção com a cultura culta – dos livros, músicas e teatro clássicos – é pu-
ramente formal para o autor. Os CDs e o rádio multiplicam Bach e Beethoven, os
livros de bolso tornam acessíveis obras de Shakespeare, Sartre. A democratização é
uma tendência da cultura de massa.
Morin provoca ao afirmar que, se não há como saber o que o público pensa,
o questionamento mais importante é: será que o produto cultural feito a partir
das normas da indústria satisfaz às necessidades culturais do público? Nesse sen-
tido, podemos perceber que o autor cria uma série de conceitos para pensar nessa
promoção da felicidade do público, desde a dialética da projeção-identificação, a
figura dos novos olimpianos, explorando astros de cinema, campeões, príncipes,
reis, playboys, artistas, ou mesmo o “happy end”, que visa resolver sempre os con-
flitos dos personagens de modo positivo, o que explica um enfraquecimento do
gênero tragédia. Todos esses recursos ajudariam a promover uma “industrialização
do espírito”, uma “colonização da alma”, a partir da exposição de uma cultura
pautada em uma mitologia da felicidade.
Outro fator importante para salientar é o fato de que os consumidores par-
ticipam do espetáculo da cultura de massa sempre por intermédio, seja do [...]
corifeu, mediador, jornalista, locutor, fotógrafo, cameraman, vedete, herói imagi-
nário.” (COUTINHO, 2017, p. 220)

Jürgen Habermas

O agir comunicacional e a ideia de esfera pública são o centro da elaboração


teórica de Jürgen Habermas, nascido em 1929. O pesquisador é um expoente da
segunda geração da teoria crítica ou Escola de Frankfurt, que você conheceu no
capítulo anterior. Habermas trabalhou inclusive com Theodor Adorno, tendo sido

capítulo 4 • 94
seu assistente de pesquisa, mas construiu carreira própria, contribuindo com uma
extensa e rica produção de livros e artigos, o que o levou a ser um dos grandes
pensadores da atualidade.
Diferentemente dos autores de Frankfurt, Habermas perseguiu soluções para
enfrentar os problemas da sociedade capitalista, buscando reverter a agenda nega-
tiva em um viés que não nega o caráter sistêmico do mundo, que tenta engendrar
a lógica do consumo e da manipulação em diversas esferas da vida, mas também
reconhece que diversas relações podem ser pautadas por honestidade e justiça. Ou
seja, o capital não converte a tudo e a todos em objetos e sujeitos objetificados,
pois ainda há espaço para o diálogo e a deliberação democrática.
A visão de Habermas sobre a formação social capitalista é mais otimista do
que a de seus antecessores. Rüdiger (2010, p. 140) lembra que os frankfurtianos
da primeira geração se ocuparam sobretudo com os fatores econômicos de forma-
ção e o significado sociológico da Indústria Cultural.

A percepção de que a cultura de mercado, embora pretende ser apolítica, representa


ela mesma, uma forma de controle social ou mando organizacional não é um dos pontos
de menor interesse de seu pensamento, como fica patente nos primeiros escritos de
Habermas. (RÜDIGER, 2010, p. 140)

Torna-se importante atentar para o período no qual Habermas escreve, pois,


apesar de próximo ao de seus colegas frankfurtianos, oferece uma explicação plausí-
vel do porquê o autor não ser tão pessimista, visto que suas ideias foram formuladas
“após o pós-guerra, ao longo da reconstituição dos Estados-nação e da efetivação
de instrumentos de deliberação a partir da Organização das Nações Unidas e suas
agências multilaterais constitutivas.” (CABRAL FILHO e CABRAL, 2017, p. 246)
Sendo assim, era um cenário de reconstrução e abertura de diálogo, conhecido
inclusive como o “bem-estar do pós-guerra”, divergindo da barbárie, da persegui-
ção e da guerra experimentadas pelos frankfurtianos.
O tema prioritário do pesquisador girava em torno de investigar a possibilidade
de emancipação humana representada, especialmente, pela realização de interesses
públicos. O estudioso acredita que a comunicação serve como forma de auxiliar a
reconstrução da vida social, ao organizar seus fundamentos e ajudar na construção
do desenvolvimento da sociedade, ou seja, ele foge da visão pessimista dos frankfu-
tinianos, a partir da aceitação do projeto de realização humana de uma sociedade.
O diagnóstico sobre a situação social e a história criada por esta situação é
o ponto de partida para explicar a crise da vida política que ocorre em nossas

capítulo 4 • 95
sociedades. Para Habermas, a crescente apatia ou o desinteresse da população com
a ação política têm relação com a destruição da cultura na era de sua conversão
em mercadoria.
As obras Mudança Estrutural da Esfera Pública, de 1962, e Teoria da Ação
Comunicativa, de 1981 são centrais para entendermos as propostas de Habermas
no campo comunicacional.

Conceito de esfera pública

A obra de 1962 é um estudo sobre a formação e o declínio da esfera pública


burguesa. Mostra que uma parcela importante das conquistas e liberdades que
desfrutamos hoje se deveu à formação de uma esfera pública, em que sujeitos livres
se reuniram para discutir e deliberar sobre seus interesses comuns. Habermas ex-
plica que esse movimento começou em cafés e saraus, nos quais a burguesia discu-
tia, em um primeiro momento, assuntos relacionados à vida cultural, como peças
de teatro, óperas, livros e shows. Com o passar dos anos, os burgueses começaram
também a conversar sobre política e a vida pública dos cidadãos.

A imprensa, no século XVIII, ajuda substancialmente na formação dessa es-


fera pública burguesa, para Habermas. Portanto, o conceito de esfera pública se
refere a dois termos: o espaço público e a opinião pública. Conclui-se, então, que

capítulo 4 • 96
a esfera pública é o conjunto de espaços no qual ocorrem os debates e as discussões
sociais, com a finalidade de se estabelecerem um consenso.
Essa discussão acontece em meio ao livre trânsito de informações e ideias pro-
movidas pelos veículos de comunicação. Isso permitiu à burguesia desenvolver uma
consciência crítica em relação às autoridades tradicionais, encarnadas no Estado e na
Igreja. As formas de sociabilidade típicas da monarquia são redesenhadas, a partir da
expansão do aparelho de Estado e do poder econômico, no qual o papel da mídia é
transformado, no sentido de permitir uma circulação mais livre da informação. Além
da imprensa, outros fatores ajudam a explicar a formação da esfera pública burguesa.
•  Arena da vida pública é organizada em centros de sociabilidade (casas de
encontros, teatros, museus, livrarias, tavernas, cafeterias, clubes);
•  Crescimento da comunicação social (editoras, imprensa);
•  Surgimento de público leitor através de sociedades de leitura e bibliotecas e
processo de alfabetização crescente;
•  Transportes melhorados, o que permite mais mobilidade urbana.

Além da reprodução em larga escala que permitiu às ideias circularem, alte-


rando relação do homem com o conhecimento, o surgimento da esfera pública
estava relacionado a um governo representativo e uma constituição liberal – e
amplas liberdades civis básicas perante a lei (liberdades de expressão, de imprensa,
de reunião, de associação e de julgamento justo).
O conteúdo crítico que essa esfera, de início, tinha, se viu forçado a ceder terre-
no e assistir ao surgimento de novas realidades. O cidadão deu lugar ao consumidor
e ao contribuinte. Daí a esfera pública ser colonizada pelo consumismo promovido
pelos interesses mercantis e pela manipulação da propaganda dos partidos políticos
e dos Estados pós-liberais como nazifascismo e dos regimes democráticos de massa.
A busca do consenso político pelo livre uso da razão individual retrocedeu
diante da utilização da mídia a serviço da razão de estado e a conversão da ativida-
de política em objeto de espetáculo, pois ao mesmo tempo em que alimentam o
mundo da vida, os meios de comunicação de massa também atuam em favor da
esfera sistêmica. Ou seja, tentam colonizar o mundo da vida.

Teoria da ação comunicativa

Na obra de 1981, Teoria da Ação Comunicativa, Habermas defende a razão co-


municativa como parte que integra a racionalidade humana, sendo a comunicação

capítulo 4 • 97
uma ação que constrói a vida social e facilita a interação, a compreensão e o en-
tendimento mútuo entre as pessoas. A comunicação é apresentada como nosso
processo mais básico de socialização, pois entramos no mundo da vida a partir
da linguagem, o que leva a conquistar uma competência comunicativa. As ideias
de mundo da vida e esfera sistêmica são importantes, para que compreendamos
melhor o autor.
Ele denomina de mundo da vida as reservas de padrões de interpretação, or-
ganizadas linguisticamente e transmitidas culturalmente. Sua compreensão de
cultura não se alinha à de seus colegas frankfurtianos, pois entende cultura como
reserva de saber, conjunto dos valores, formas de expressão, perspectivas que ser-
vem como fontes para o entendimento entre os participantes de uma interação.
A partir da cultura é que os participantes da comunicação podem interpretar no
momento em que tentam se entender sobre algo.
O agir comunicativo é um tipo ideal de comunicação e os homens deveriam
se esforçar para exercê-lo, pois envolve:
a) A veracidade do que eu falo;
b) Significa que meus sentimentos são expressos de modo sincero;
c) Subentende que a ação nos encontros ou normas que o regulam são justas.

Para Habermas, era preciso focar as estruturas e as regras que tornam possíveis
as interações entre sujeitos apoiados em seu reconhecimento mútuo. Estes são
pressupostos como características gerais pela aptidão discursiva e comunicativa
dos atores sociais, ou seja, pela sua competência interativa. Entretanto, para que
a comunicação possa acontecer de forma adequada, Habermas parte da noção de
que a linguagem seja utilizada de forma clara, o que garante o entendimento.
Além da ação comunicativa, outra ação importante do autor é a de ação estra-
tégica, inerente à esfera sistêmica. A esfera sistêmica envolve o sucesso individual,
em vez de o entendimento mútuo, como na ação comunicativa. A lógica do mer-
cado e do capital é a da esfera sistêmica, sendo assim, os pressupostos de verdade,
sinceridade e justiça são secundários nas relações interpessoais orientadas pela ação
estratégica. A esfera sistêmica objetiva colonizar as outras esferas do mundo da
vida, em uma direção que visa poder e dinheiro.

capítulo 4 • 98
Esfera sistêmica Mundo da vida

• Reprodução material, regida • Reprodução simbólica das


pela lógica instrumental de redes de significado; domínio
dominação, pelos poderes social que contrasta com o
hierárquicos (políticos) e sistema, onde a linguagem é
econômicos. mediadora e a solidariedade
impera, onde prevalecem as
• RAZÃO INSTRUMENTAL= ações comunicativas.
valoriza uma ação estratégica,
que visa o sucesso do indivíduo. • RAZÃO COMUNICATIVA=
valoriza a ação comunicativa,
que visa a integração, debate
e entendimento mútuo.

Imagem feita pela autora: CAMPOS, 2019.

Por esse motivo que o autor preconiza que tentemos estar mais próximos ao
agir comunicativo do que do agir estratégico. Nesse novo âmbito, os atores pro-
curam harmonizar seus interesses e planos de ação, através de um processo de
discussão, buscando um consenso.
Na ação estratégica, não há a intenção de ouvir os argumentos dos outros,
enquanto no agir comunicativo há um espaço de diálogo, em que se pensa em
conjunto sobre quais devem ser os melhores objetivos a serem buscados por um
grupo social. O entendimento mútuo, do agir comunicativo, será um importante
facilitador da coordenação de ações e servirá de base para a defesa da democracia
no cenário político, com a crítica da repressão, censura e de outras medidas que
não propiciam o diálogo dentro da sociedade.
Maar (2014, p. 19) pontua que na teoria da ação comunicativa, o importante
era mostrar o que seriam, conforme Habermas, as tendências de desenvolvimento
social e as possibilidades de intervenção que nele se abrem, privilegiando processos
de emancipação na formação de sujeitos coletivos.

capítulo 4 • 99
ATIVIDADES
01. (FCC – TCE-PI) Em A Galáxia de Gutemberg, lançado em 1962, o professor canadense
Marshall McLuhan defendeu que os meios de comunicação criaram um ambiente mental que
abrangia todo o planeta, sendo os veículos impressos os de maior influência na formação da
cultura europeia e da consciência humana. Na referida obra, este ambiente cultural e comu-
nicacional mundializado foi descrito por McLuhan, pela primeira vez, com um conceito que
perpassa toda sua obra. Este conceito é o de
a) Indústria cultural.
b) Tipologia das fontes.
c) Aldeia global.
d) Crítica materialista.
e) Determinismo estruturalista.

02. (Consulplan – Prefeitura de Mossoró-RN) Em 1960, o pesquisador canadense Hebert


Marshall McLuhan, da Escola de Comunicação da Universidade de Toronto, lançou a “teoria
da aldeia global” que tratava do fenômeno imposto pelos meios eletrônicos de comunicação
a distância, permitindo não apenas ampliar os poderes de organização social da população,
mas abolindo, em grande medida, a sua fragmentação espacial, possibilitando que qualquer
acontecimento em uma parte remota do mundo tenha reflexos em outra distante, geografi-
camente. Que fenômeno atual foi previsto pelo pesquisador em meados do século passado?
a) Fim da Guerra Fria
b) Globalização
c) Queda do Comunismo
d) União Europeia
e) Crise Econômica Internacional

03. (Enade – Comunicação Social) Os olimpianos estão presentes em todos os setores da


cultura de massa. Heróis do imaginário cinematográfico são também os heróis da informação.
Estão presentes nos pontos de contato entre a cultura de massa e o público: entrevistas,
festas de caridade, exibições publicitárias, programas televisados ou radiofônicos. Eles fazem
universos se comunicarem: o do imaginário, o da informação e o dos conselhos, das incita-
ções e das normas. Nesse sentido, a sobre individualidade dos olimpianos é o fermento da
individualidade moderna.
MORIN, E. Cultura de massas no século XX. Adaptado.

capítulo 4 • 100
Disponível em: <http://gshow.globo.com/Bastidores/noticia/2015/07/isabelle-drum-
mond-e-maria-eduarda-mudam-visual.html>. Acesso em: jun. 2019.

I. As descrições feitas por Edgar Morin em relação à cultura do século XX não são aplicá-
veis ao atual contexto neste início de século XXI, pois, com o advento da internet, os chama-
dos olimpianos deixaram de exercer tanta influência no espaço público.
II. A promoção das chamadas “celebridades” pelos veículos de comunicação serve para
impulsionar o mercado de venda de bens culturais, como roupas e músicas, o que se en-
quadra na interpretação feita pela teoria crítica, que analisa os meios de comunicação pela
perspectiva da indústria cultural.
III. Os meios de comunicação, por meio das novelas e do “jornalismo de celebridade”, incen-
tivam a formação de padrões estéticos que influenciam a formação de crianças e jovens, pois
os olimpianos se convertem em modelos desejáveis pela sociedade.
IV. A leitura sobre a vida de celebridades é um tipo de lazer adequado ao século XXI e tem
reduzidas implicações econômicas, pois esta atividade pode ser realizada de qualquer lugar
por intermédio de smartphones, e não é cara.
É correto apenas o que se afirma em
a) I e III.
b) I e IV.
c) II e III.
d) I, II e IV.
e) II, III e IV.

capítulo 4 • 101
04. (UEM-PR) Jürgen Habermas (1929) pertenceu inicialmente à Escola de Frankfurt, tam-
bém conhecida como teoria crítica, antes de fazer seu próprio caminho de investigação filo-
sófica. Sobre o pensamento de Jürgen Habermas, assinale o que for correto.
a) Ao afastar-se da Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas abandona, ao mesmo tempo, a
teoria crítica da sociedade e a crítica da razão instrumental.
b) Ao contrário de Max Horkheimer, Theodor W. Adorno e Walter Benjamin, Jürgen Haber-
mas continua fiel ao materialismo histórico, ou seja, à ortodoxia marxista.
c) A relação posta pela Filosofia positivista entre o objeto da investigação científica e o
sujeito que investiga é, para Jürgen Habermas, o caminho a ser adotado por uma racio-
nalidade que deseja a emancipação humana.
d) A racionalidade comunicativa, contida na teoria da ação comunicativa de Jürgen Haber-
mas, elabora-se na interação intersubjetiva, mediatizada pela linguagem de sujeitos que
desejam alcançar, por meio do entendimento, um consenso autêntico.

05. A esfera pública burguesa tem seu surgimento atrelado a um governo representativo e
uma constituição liberal – e amplas liberdades civis básicas perante a lei (liberdades de ex-
pressão, de imprensa, de reunião, de associação e de julgamento justo). Leia as alternativas
a seguir e marque aquela que não influenciou no processo de consolidação de uma esfera
pública burguesa, na qual sujeitos livres podiam discutir seus interesses comuns.
a) Arena da vida pública foi organizada em centros de sociabilidade (casas de encontros,
teatros, museus, livrarias, tavernas, cafeterias, clubes).
b) Crescimento da comunicação social (editoras, imprensa).
c) Surgimento de público leitor através de sociedades de leitura e bibliotecas e processo
de alfabetização crescente.
d) Transportes melhorados, o que permite mais mobilidade urbana.
e) Aliança entre monarcas e burgueses, já que os primeiros tinham prestígio e os burgue-
ses detinham o capital.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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capítulo 4 • 102
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capítulo 4 • 103
capítulo 4 • 104
5
A descoberta do
receptor
A descoberta do receptor
Neste capítulo, abordaremos os estudos culturais e a teoria das mediações,
tomando como base as proposições da professora da PUC-RS, Ana Carolina
Escosteguy e de Luiz Sá Martino, professor da Cásper Líbero. Pretende-se, mostrar
como o estudo de recepção, a partir do olhar iniciado nos Estudos Culturais ingleses,
orientou a vertente latino-americana, mais conhecida como “teoria das mediações”.
A segunda metade do século XX apresenta, no cenário acadêmico científi-
co, uma mudança de olhar sobre o processo comunicacional, que descentraliza a
observação do emissor da mensagem e passa a compreender o papel do receptor
como um agente com possibilidade de ação na resposta.
Enxerga-se o sujeito nos estudos de comunicação. Estuda-se, a partir de então,
muito mais o que as pessoas fazem com os meios do que os meios fazem com as
pessoas.

OBJETIVOS
•  Compreender a importância dos Estudos Culturais;
•  Conhecer a nova definição de cultura e as ideias de hegemonia e contra hegemonia;
•  Reconhecer os estudos de recepção e a ideia de um receptor ativo e dotado de subjetividade.

Formação dos estudos culturais

Os Estudos Culturais surgem a partir do Center for Contemporary Culture Studies


(CCCS), na Universidade de Birmingham, em Londres. O eixo de preocupações do
CCCS centra-se nas relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, suas for-
mas e práticas culturais, instituições, bem como as mudanças sociais, especialmente
a cultura de grupos marginalizados, como a classe operária inglesa no pós-guerra. Os
temas escolhidos pelo movimento, normalmente, eram negligenciados pelas pesqui-
sas acadêmicas da época, e abrangiam da cultura popular à cultura de massa.
O olhar sobre temas relativos à cultura de massa e sua influência, a partir dos
meios de comunicação, permitiu, segundo Sá Martino (2014), uma nova visão
da comunicação em suas mais variadas formas. “A cultura da televisão passou a
ser compreendida de uma maneira mais crítica” (SÁ MARTINO, 2014, p. 246).

capítulo 5 • 106
Além da televisão, outras manifestações como a literatura popular, os vídeos mu-
sicais, a música pop e o cinema de Hollywood passaram a ser objeto de estudos.
Richard Hoggart inspirado na sua pesquisa, The Uses of Literacy (1957), funda
o Centro, em 1964. Outros textos que antecederam a formação do centro, mas
contribuíram para a criação da instituição foram: Culture and Society (1958), de
Raymond Willliams e The Making of the English Working-Class (1963), de Edward
Thompson. Tais trabalhos serviram como um norte para as pesquisas que seriam
desenvolvidas no bojo dessa escola, tanto que os três autores são tidos como pais
fundadores da vertente.
The Uses of Literacy (1957) é em parte autobiográfico e em parte a história cul-
tural do meio do século XX, através de metodologia qualitativa. Hoggart nasceu
em 1918 e era filho de operários. Começou na docência letrando adultos desse
meio. A origem popular do autor e sua atuação como professor alfabetizando
adultos é interessante, pois permite outro olhar sobre a cultura, compreendendo
o modo de vida dos mais simples como também rico do ponto de vista simbólico
e cultural. O autor, em suas pesquisas, tinha como foco materiais culturais, antes
desprezados, da cultura popular e dos meios de comunicação de massa.
Ana Carolina Escosteguy (2010) deixa claro que a partir da perspectiva dos
Estudos Culturais, há uma atenção às formas de expressão culturais não tradicio-
nais, o que “descentra a legitimidade cultural”. Com isso, a cultura popular alcan-
ça legitimidade, uma vez que ocupa espaço de atividade crítica e de intervenção.
Um fato importante de salientar é que no período da formação do grupo
de pesquisa, há o nascimento e a consolidação da TV como “força cultural sem
precedentes” (SÁ MARTINO, 2014, p. 245). Os Estudos Culturais, assim, cons-
truíram tendência importante da crítica cultural que questiona o estabelecimento
de hierarquias entre formas e práticas culturais estabelecidas, a partir de oposições
como cultura alta/baixa, superior/inferior etc.
Ao publicar em 1957, The Uses of Literacy, Richard Hoggart queria compreen-
der como as pessoas usavam as informações da mídia na vida cotidiana, partindo
do princípio que a capacidade de leitura é a possibilidade de as pessoas relaciona-
rem o que leem ou veem em sua vida cotidiana. Aos olhos do pesquisador, o es-
pectador é uma pessoa comum, trabalha, tem amigos, família. Isso tudo interfere
no uso que o indivíduo faz da mensagem da mídia. “A mídia era discuti-
da, pensada e mesmo negada pelo leitor: seu poder se diluía na articulação com a
vida cotidiana do receptor, era parte desse cotidiano, mas não o dominava.” (SÁ
MARTINO, 2014, p. 246)

capítulo 5 • 107
O trabalho de Hoggart, inaugura, segundo Escosteguy (2010), o olhar de que
no âmbito popular não existe apenas submissão, mas também resistência, o que
mais tarde será recuperado pelos estudos de audiência dos meios massivos.
Já Culture and Society (1958), de Raymond Williams, que era filho de um
ferroviário, constrói um histórico do conceito de cultura e culmina com a noção
de que a “cultura comum ou ordinária” pode ser vista como um modo de vida em
condições de igualdade de existência com o mundo das artes, literatura e música.
Traz contribuição teórica importante para os Estudos Culturais, a partir do seu
olhar diferenciado sobre a história literária, mostrando que cultura é uma catego-
ria-chave que conecta a análise literária com a investigação social.
De todos os estudiosos da primeira geração dos Estudos Culturais, Raymond
Williams, segundo Sá Martino (2014) foi um dos que mais prestou atenção aos
problemas da comunicação. Para ele, a “cultura” havia perdido o sentido de “culti-
vo”, que tinha desde o século XIX. William e numera os sentidos típicos da cultura.
•  Para designar o estado geral ou hábito de mente;
•  O estado de desenvolvimento intelectual de uma sociedade, pensada como
um todo;
•  O conjunto das artes;
•  Um modo de vida material e intelectual.

Williams articula essas proposições aos estudos de mídia, pois, para ele, a cultura
seria tudo aquilo que serve para conferir identidade às comunidades, não passível de
ser reduzida aos quatro pressupostos anteriores. Os estudos culturais deveriam in-
vestigar os usos de mensagens no cotidiano de indivíduos vinculados à comunidade.
Por fim, The Making of the English Working-Class (1963) refaz uma parte da his-
tória da sociedade inglesa de um ponto de vista particular – a história “dos de baixo”.
Thompson elabora uma história social britânica dentro da tradição marxista.
O autor era militante do Partido Comunista e também participou do letramento
de adultos no início de sua atuação docente, assim como Hoggart. A cultura, para
Thompson, era uma rede de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana,
dentro da qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano.
Edward Thompson compreendia que a classe trabalhadora se definia pela ati-
vidade, mas também por conta de suas práticas culturais. “A cultura não era apenas
arte, algo para ser admirado ou que se vê nos momentos de folga, mas todas as prá-
ticas que davam a identidade para um grupo – no caso, a classe trabalhadora.” (SÁ
MARTINO, 2014, p. 247) Isso incluía, por exemplo, tomar cerveja em um pub.

capítulo 5 • 108
Escosteguy (2010) ressalta que existe uma ligação coordenada entre os três
autores citados como fundadores dos Estudos Culturais, com preocupações em
comum que abrangem as relações entre cultura, história e sociedade.

Ideologia, hegemonia e contra hegemonia

O entendimento particular de cultura é o que gera movimento singular no


campo dos Estudos Culturais e seu enfoque sobre a dimensão cultural contem-
porânea, ou seja, há uma análise das práticas culturais como formas materiais e
simbólicas. “Logo, postula-se que a criação cultural se situa no espaço social e eco-
nômico, dentro do qual a atividade criativa é condicionada.” (Escosteguy, 2010,
p. 156) Entretanto, pelos Estudos Culturais, a cultura tem um papel que não é
totalmente explicado pelas determinações da esfera pública.

Superestrutura
(Direito, estado,
religião, cultura)

Infraestrutura
(meios de produção/
relações de produção)

A autora. Campos, 2019.

A relação entre marxismo e os Estudos Culturais inicia-se e desenvolve-se através da


crítica de certo reducionismo e economicismo daquela perspectiva, resultando na con-
testação do modelo base-superestrutura. A perspectiva marxista contribui para os Es-
tudos Culturais no sentido de compreender a cultura na sua “autonomia relativa”, isto é,
ela não é dependente das relações econômicas nem seu reflexo, mas tem influência e
sofre consequências das relações político-econômicas. (ESCOSTEGUY, 2010, p. 156)

capítulo 5 • 109
Vale lembrar que, na perspectiva marxista, a infraestrutura demanda as condi-
ções da superestrutura, ou seja, as relações de trabalho e economia vão contribuir
no condicionamento da superestrutura, na qual a cultura estaria situada, ao lado
da religião, do Direito, do Estado. Para Marx, portanto, as condições materiais
de existência (infraestrutura) é que determinam nossa forma de agir e de pensar
(superestrutura). Na imagem anterior, no entanto, é possível perceber que as ins-
tituições na superestrutura também atuam para manter e regulamentar a infraes-
trutura, pois há uma relação dialética. O que Marx queria dizer com isso é que são
as relações de produção que dão os contornos de determinada sociedade, que se
expressam em suas leis, formas religiosas, culturais e de sociabilidade. Além disso,
toda a superestrutura serve para reforçar as relações de poder.
Somente a partir dessa explicação é que conseguimos compreender melhor a
fala de Escosteguy, no sentido de os Estudos Culturais criticarem o economicismo
da visão marxista.
O que os teóricos dos Estudos Culturais criticavam era o fato de as produ-
ções midiáticas sempre resultarem em mais dominação, pois nem sempre tudo
que partia da superestrutura necessariamente iria reforçar o status quo e as formas
de poder. Esse é um ponto muito importante, pois várias perspectivas anteriores
partiam da suposição de que as produções midiáticas eram controladas por uma
pequena minoria que detinha o capital, ou seja, tudo que seria proveniente dos
meios de comunicação de massa seria um eco da voz dos burgueses, com o intuito
de gerar mais lucro e manter os processos de dominação econômicos e culturais.
Caso você não lembre, essa era exatamente a visão os teóricos de Frankfurt, que,
por sinal, eram marxistas.
Nesse ponto, é necessário passarmos brevemente pela noção de ideologia.
Ideologia foi um termo consagrado por Karl Marx no século XIX e pode ser
classificado como um conjunto de ideias pertencentes à classe dominante que
são universalizadas e incorporadas pelas classes dominadas. Marx não separava a
produção das ideias das condições econômicas e sociais das quais elas surgem. Isso
significa que as ideias não surgem de maneira espontânea, pois estão estritamente
relacionadas à base econômica, a saber, as relações de produção, forças produtivas
e a divisão social do trabalho, a infraestrutura, como já vimos, que influenciaria
na criação e difusão das ideias. Nessa perspectiva, quem controla os meios de pro-
dução material também controla os meios de produção intelectual e, por isso, as
ideias dominantes de uma sociedade seriam originárias da classe dominante.

capítulo 5 • 110
A partir da infraestrutura, que representa a base econômica se ergueria a supe-
restrutura, composta pelo Estado, leis, religião, política, formas ideológicas. Em
outros termos, a superestrutura engloba ideias, instituições e todo um conjunto de
práticas e preceitos que operariam no sentido de manter os meios de produção e o
capital de posse da classe dominante. Assim, há a tendência para que as ideias do
grupo dominante sejam predominantes na superestrutura, fazendo com que esta
tenda a sancionar o poder da classe dominante. Como resultado desse fenômeno,
as ideias dominantes seriam também ideias das classes dominantes, que mantêm
seu poder através dos aparelhos ideológicos.
A ideologia é criada pela classe dominante para atenuar a contradição, deixá-la
menos aparente, de forma que a classe se perpetue no poder. No terreno da ideo-
logia, a realidade é apresentada de modo invertido, posto que os sentidos que cir-
culam não representam de fato o que é a realidade. Esta é obscurecida em favor da
perpetuação da classe dominante, por meio de mecanismos que não deixam que
sua dominação seja percebida. Ou seja, como temos um cabedal de ideias criadas
pela classe dominante, regulamentadas e sustentadas por instituições ideológicas,
não analisamos as condições sociais para explicar os fenômenos, mas percebemos
os fenômenos a partir dos pressupostos ideológicos circulantes. Vem desse movi-
mento a ideia de inversão de realidade.
Com essa tradição de discutir a ideologia no campo da comunicação, os tra-
balhos majoritariamente primavam por dois eixos: os estudos denuncistas, que
ressaltavam o caráter manipulador dos meios que impunham a uma massa acrítica
ideias que interessariam ao poder e, de outro lado, os estudos de resistência, que
buscavam valorizar a cultura popular e propor estratégias de resistência à cultura
hegemônica. Isso gerou certo empobrecimento das análises, pois haveria submis-
são fatal de um lado e libertação redentora do outro.
As ideias de hegemonia e contra-hegemonia, recorrentes em trabalhos dos
Estudos Culturais, contribuíram para a alteração desse cenário teórico, trazendo
uma dimensão da vida cotidiana dos indivíduos. O resgate do pensamento de
Gramsci, assim, ajudou a sofisticar os estudos acerca da cultura e dos meios de co-
municação, permitindo um nível mais profundo de discussão. Não a toa, Gramsci
foi reconhecido como o primeiro a contribuir para alargar a teoria marxista.
A ideia de cultura é central no pensamento gramsciano, pois ela é uma are-
na onde se trava uma luta política, na qual a classe dominante ou parte de uma
classe dominante utiliza os meios de comunicação como ferramentas hegemô-
nicas para impor uma superioridade moral e intelectual sobre os demais. Já a

capítulo 5 • 111
contra-hegemonia seria a capacidade de os dominados resistirem e se contrapo-
rem às ideias hegemônicas. Atrelada a isso, está a ideia de construção de consen-
so, que remete a uma dimensão de negociação. Apesar de certa homogeneização
social, existiriam formas de resistência.
Gramsci não percebe as ideias vindo apenas da classe dominante de modo
vertical e se impondo aos dominados, mas entende que estes não apenas pro-
duzem ideias contra-hegemônicas, mas que tais ideias são também incorporadas
pelas próprias instâncias hegemônicas, ou seja, produtos culturais hegemônicos
absorvem perspectivas dos grupos dominados, como seria o caso dos folhetins
populares, que eram dedicados ao grande público e tinham elementos da cultura
subalterna que garantiam o sucesso editorial.
Se os produtos culturais não incorporassem, em algum grau, as perspectivas
dos grupos subalternos, seria mais difícil conseguir que estes grupos fruíssem desta
produção. Em outros termos, as noções de hegemonia e contra-hegemonia per-
mitem aos grupos subalternos se configurarem enquanto atores sociais, pois estes
também construiriam sua visão de mundo, não sendo apenas sujeitos passivos.
Para os autores dos Estudos Culturais, as forças de dominação não cessaram e os
poderosos continuam a ter vantagem nessa arena social. No entanto, o consumidor
comum também tinha a capacidade de interpretar as mensagens, aceitá-las parcial-
mente, recusá-las ou mesmo reelaborá-las para criticar os próprios emissores.
Os Estudos Culturais passam a perceber a produção de sentidos, adotando
uma concepção de prática na cultura, portanto, uma ação, provocada por “agen-
ciamentos” culturais. O receptor passa a ser ativo e não mais uma ponta passiva
no processo comunicacional.
Além da forte influência da perspectiva marxista, a partir da concepção cultu-
ral de Gramsci, os Estudos Culturais também beberam da fonte do estruturalismo
francês, sobretudo Roland Barthes e dos pensadores da pós-modernidade, como
Foucault e Derrida, além de Saussure e Pierce, pelo viés semiótico.
Com a incorporação das ideias de Gramsci, acerca de hegemonia e contra-he-
gemonia, a relação entre mídia, política, manipulação e participação popular pode
ser relativizada. Gramsci ressalta uma dimensão da negociação na esfera política,
possibilitando que membros da classe subalterna sejam atores sociais e não meros
espectadores. Demonstra também que nem todos os discursos são proferidos pela
classe dominante, pois esta também incorporaria discursos marginais a suas insti-
tuições. A partir dessas ideias, portanto, apesar de existir uma apropriação desigual

capítulo 5 • 112
dos produtos culturais e uma tendência a homogeneização, a cultura é encarada
como um local de luta, no qual pode se construir ou questionar o consenso.

SAIBA MAIS
Os conceitos de hegemonia e contra-hegemonia foram criados por Gramsci em 1930,
mas demoraram a ganhar fôlego nas discussões acadêmicas. Isso em decorrência de outro
conceito que guiou por muito tempos os estudos que analisavam os meios de comunicação
de massa: a noção de ideologia.

Com a premissa das lutas sociais para a construção da hegemonia ocorrendo


no âmbito cultural, o próprio entendimento acerca do cultural pode ser aprofun-
dado. Existiam antes duas concepções que davam tratamentos distintos à cultura:
a vertente materialista, que via a cultura como um produto direto ou indireto das
relações de trabalho e forças produtivas, demonstrado em Marx, e a concepção
idealista, que entendia a cultura como produtora, fonte explicativa para entender-
mos a razão de determinadas práticas.
Raymond Williams propõe unir as duas perspectivas em uma relação dialé-
tica, resultando que a cultura aparece tanto como fonte explicativa como quanto
produto. Isso significa também que os atores sociais tanto são construídos pela
cultura quanto a constroem. Portanto, a cultura é um sistema de símbolos com-
partilhados que conferiria sentido a nossas práticas, mas nós não a reproduzimos
somente, pois a todo o tempo a reconstruímos, ressignificamos.
Como as produções culturais estão ligadas à nossa ação social, e a ação social
se pauta em códigos culturais e reconstrói a todo tempo esses códigos, os sentidos
não são estanques, mas mutáveis, sujeitos à manipulação, razão pela qual é na
cultura que as lutas pela manutenção e quebra de hegemonia ocorrem.
Gramsci atribuía o surgimento das culturas populares à apropriação desigual
dos produtos sociais, que gerariam, por sua vez, uma elaboração própria das con-
dições de vida e necessidades de consumo específicas.
Deve-se ressaltar, no entanto, que as relações entre os meios de comunicação
e os indivíduos ocorrem de forma assimétrica, pois os meios atuam no sentido de
construir sentidos e valores que são compartilhados amplamente pela sociedade.
Os Estudos Culturais, portanto, não pregam nem total submissão aos meios
nem a visão liberal defendida de que há total autonomia do indivíduo, partindo

capítulo 5 • 113
do pressuposto de que há oferta ilimitada e liberdade de escolha na seleção dos
produtos culturais. Da mesma forma, nem uma visão apocalítica sobre os meios
de comunicação, avistando em toda e qualquer ação um ímpeto de dominação,
nem uma visão purista e romantizada sobre as culturas tradicionais e subalternas
como única fonte de cultura verdadeira. O sujeito é agente e paciente, e existe
uma dimensão da memória e da amnésia, da criação e da fruição imediata, crise
de identidade e ofertas mais variadas para construção de identidade. Trata-se de
uma realidade híbrida.

Compreendendo melhor os Estudos Culturais

Através da análise da cultura, é possível reconstituir o comportamento e a cons-


telação de ideias de dada sociedade. Importante ressaltar que os Estudos Culturais
promovem um encontro entre a comunicação e a cultura, não sendo passível enqua-
drar essa vertente em uma única disciplina, nem mesmo a comunicação, uma vez
que aciona distintas epistemologias. Com influência marxista, gramsciana, mobiliza
a Filosofia, a Sociologia, a Antropologia, a Teoria da Literatura e também a História.
Em termos de metodologia, há uma multiplicidade de maneiras de fazer pes-
quisa, com a etnografia, análise de conteúdo, de recepção, autobiografias e his-
tórias de vida. No campo da comunicação, por exemplo, poderíamos citar como
objetos plausíveis a cobertura jornalística, a análise textual dos meios massivos,
estudos de recepção e temáticas relacionadas à construção de identidade e meios
de comunicação (sexuais, de gênero, étnicas e geracionais).
Os Estudos Culturais são um campo de discussão de ideias, e não disciplina
acadêmica. O que o distingue de disciplinas acadêmicas tradicionais é seu envol-
vimento explicitamente político. As análises não pretendem ser neutras ou impar-
ciais. Na crítica que fazem das relações de poder numa situação cultural ou social
determinada, os Estudos Culturais tomam partido dos grupos em desvantagem.
Isso pode ser explicado pela relação de vários autores com movimentos sociais,
como Women’s Liberation Movement, Worker’s Educational Association, Campaign
for Nuclear Disarmament. A partir de uma compreensão mais alargada de cultura,
e de um entendimento de que a cultura popular também é sinônimo de riqueza
simbólica, pois as classes populares possuíram formas culturais próprias, é que os
Estudos Culturais se destacaram.

capítulo 5 • 114
A sistematização de Sá Martino (2014) aponta alguns conceitos dos Estudos
Culturais que valem a pena ser citados:
•  O espaço das apropriações dos meios de comunicação pela sociedade é o re-
ceptor, ou seja, o público. A compreensão dos usos feitos pelos indivíduos diante da
mídia envolve entender as subjetividades das sociedades com suas diferentes relações.

Todo espaço de cultura é um espaço político de construção de hegemonia – e, se os


meios de comunicação de massa transformam a cultura em produto, a disseminação em
larga escala dos produtos culturais, é o momento também de pensar os jogos da política
cultural a partir da mídia. (SÁ MARTINO, 2014, p. 247)

•  Os meios de comunicação são a arena das disputas de espaço pela constru-


ção de práticas significativas dentro de uma cultura de luta e também se consti-
tuem como instrumento de imposição legitimada de um padrão.

A cultura popular – entendida aqui como a cultura pop produzida pelos meios de comuni-
cação – é uma das responsáveis pela articulação de identidades cotidianas na medida em
que é um dos principais elementos de definição do mundo. (SÁ MARTINO, 2014, p. 247)

•  Os meios de comunicação são, pelas proposições dos Estudos Culturais,


uma produção cultural inserida em um contexto histórico e social particular.

Sua ideia de “cultura” não está vinculada apenas às “produções do espírito”, mas a qual-
quer produção simbólica a partir da qual o ser humano entende seu mundo. Em uma
cultura pontuada pelos meios de comunicação, entender a cultura de massas é a chave
para entender o cotidiano.

Existe uma necessidade de compreender a cultura de massa pelos receptores,


ou seja, implica que estes receptores analisam, com base em seu grupo social, con-
vicções, valores, gênero, classe social etc.
Com os Estudos Culturais, muda-se a concepção de cultura em prol de uma
definição mais elástica, pronta para conceituar e interpretar as práticas simbólicas
do cotidiano moderno.

Há uma revisão da categoria “massa”, pois a ideia de massa estaria relacionada a um


coletivo que não se comunica e no qual não há criticidade. Ao contrário, a cultura reflete
igualmente momentos de padronização e diversidade – sobretudo quando se pensa nas
diferentes formas de recepção vinculadas às minorias. Opor a ideia de “minorias” ao
conceito de “massa” não se trata de um desvio semântico, mas de uma questão política.
(SÁ MARTINO, 2014, p. 248)

capítulo 5 • 115
A ideia de minorias permitiria a questão da contra-hegemonia, da resistência e
da agência do público, indo ao encontro da vertente, já que os Estudos Culturais
percebem valor na cultura de grupos antes considerados marginalizados.
Stuart Hall não é citado como um dos fundadores dos Estudos Culturais, mas
terá papel fundamental, à medida que assume o cargo de Hoggart na direção do
Centro, de 1968 a 1979. O período em que o pesquisador estava no cargo é mar-
cado pelo incentivo ao desenvolvimento da investigação de práticas de resistência
de subculturas e de análises dos meios massivos.

Stuart Hall – Uma questão de identidade

O jamaicano Stuart Hall viveu e atuou no Reino Unido, sendo, portanto,


inserido nas condições históricas em que se formavam os Estudos Culturais. Sua
preocupação centrava-se em dar base comum aos estudos sem perder ou negar
nenhuma contribuição em que possa ser utilizada.
Isso porque os Estudos Culturais estão em permanente construção, sendo,
ainda hoje, um tipo de estudo valorizado na área acadêmica. Com o passar do
tempo, novas ideias, teorias e métodos, com a finalidade de compreender e não
fechar o assunto (Sá Martino, 2014), foram sendo acrescidas. O objeto de estudo
dos Estudos Culturais circula pela sociedade com ênfase no papel da mídia como
produtor-reprodutor da cultura e como espaço de luta simbólica.
Um de seus principais trabalhos sobre mídia é o ensaio “Codificação/
Decodificação” (Encoding/Decoding), de 1981. Neste, Hall questiona a premissa
de que as mensagens são unidimensionais e a ideia da passividade da audiência,
reivindicando o entendimento de que a mensagem é polissêmica e que o efeito da
ideologia é negar isso. O pesquisador jamaicano lança a premissa de que se o sen-
tido não é articulado em práticas, ele não tem efeito. Essa concepção abre as portas
para a realização de estudos empíricos de recepção, rompendo com as proposições
estruturalistas e privilegiando a ação dos sujeitos ante o poder da mídia.
A seguir, o modelo Encoding/Decoding proposto por Hall.

capítulo 5 • 116
Codificar Decodificar
DISCURSOS DOS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO

ESTRUTURAS DE ESTRUTURAS DE
SIGNIFICADO SIGNIFICADO

QUADROS DE QUADROS DE
REFERÊNCIA DE REFERÊNCIA DE
CONHECIMENTO CONHECIMENTO
RELAÇÕES DE RELAÇÕES DE
PRODUÇÃO PRODUÇÃO
INFRAESTRUTURA INFRAESTRUTURA
TÉCNICA TÉCNICA

A partir desse modelo de comunicação, a codificação é a definição de senti-


do dentro da forma discursiva, influenciada pelas práticas dos profissionais dos
media, e a decodificação é o trabalho feito pelo receptor para produzir sentido
desses discursos.
Esse modelo foi visto como ponto de virada dos Estudos Culturais, pois in-
troduziu a ideia de que os programas de televisão são textos relativamente abertos,
capazes de serem lidos de diferentes modos por diferentes pessoas. O pesquisador
propôs, ainda, uma correlação entre a situação social da pessoa e o sentido que
ela gera de um programa. Assistir televisão passa a ser um processo de negociação
entre o espectador e o texto.
Os Estudos Culturais e suas novas contribuições faziam-se em torno de um
eixo central: a preocupação com o uso da cultura pelo povo. É a partir dos Estudos
Culturais que novos objetos são integrados à pauta da pesquisa, como já men-
cionado antes, são eles: música pop, desenhos animados, jogos de futebol e tele-
novelas, uma vez que são práticas culturais de um grupo. Antes, esses objetos de
estudos eram considerados sem importância acadêmico-científica.
O novo olhar observador dos Estudos Culturais trouxe a crítica, mas com
a intenção de compreender o significado desses produtos culturais para quem
está assistindo.

capítulo 5 • 117
A recepção está muito longe de ser passiva – e isso é uma premissa clara desde os
fundadores dos Estudos Culturais. A ideia de que o povo constrói e reconstrói sua pró-
pria cultura está longe de ser ingênua, mas baseia-se na noção de cultura como prática
dotada de sentido. Trata-se de mostrar um público ativo, imerso em um conjunto de
práticas e consumo cultural influenciado pelas condições econômicas e sociais. (SÁ
MARTINO, 2014, p. 250)

Importante ressaltar o quanto esse discurso conduz para uma preocupação


com as minorias étnicas, nacionais e sexuais. Isso porque, os Estudos Culturais
proporcionaram a abertura de espaços para grupos, antes marginalizados, que ga-
nham, a partir de então, uma espécie de “legitimidade”, inicialmente, acadêmica,
mas que favorece o firmamento como movimentos importantes da sociedade.
Para Hall, esse novo olhar sobre a cultura mostra o quanto ela pode ser um
espaço de deslocamento, de conflito, uma vez que para muitos grupos margina-
lizados significou para além de um reconhecimento de novo espaço cultural, um
lugar aberto para a luta política.
O pesquisador jamaicano acreditava que a leitura feita pelo receptor é sempre
diferente da leitura pretendida pelo produtor, embora ambos estejam dentro da
mesma cultura. O receptor é um ser social e histórico e sua maneira de ver televisão
ou ler uma revista está ligada a seu desenvolvimento nesse sentido. Como exemplo,
podemos lançar o seguinte questionamento: como nos vemos diante dos padrões
apresentados pela mídia? Portanto, a recepção é o lugar no qual a comunicação
acontece de maneira efetiva, mas cada um decodifica com base em sua história.
Os Estudos Culturais revelaram ao mundo o que estava silenciado, esquecido,
excluído, interditado, como as políticas de gênero, em especial o feminismo, o im-
pacto pelo “fim” do mundo colonial nos anos de 1960, o surgimento das culturas
do Terceiro Mundo que se tornam protagonistas, a oposição entre capitalismo e
comunismo, a recepção das minorias.
As proposições de Hall e dos demais pesquisadores dos Estudos Culturais
contemporâneos descartaram, de certa forma, o que havia de hipodérmico no
modelo de comunicação.

Estudos Culturais na América Latina

Na América Latina, os Estudos Culturais encontram na comunicação um solo


fértil para se desenvolver, levando em conta preocupações como a ampliação do
sentido de cultura, a importância e constituição das culturas populares e a ativi-
dade das audiências.

capítulo 5 • 118
As condições de possibilidades históricas em que a política vivencia na década
de 1980, com a instauração dos processos de redemocratização em vários países la-
tino-americanos, também favoreceram o desenvolvimento dos Estudos Culturais
em vários países do continente.
Os principais autores dos Estudos Culturais na América Latina são Jesús
Martín- Barbero, Néstor Garcia Canclini e Guilherme Orozco.
No Brasil, os Estudos Culturais ganharam força com os estudos da recepção,
destacando-se nessa abordagem, o colombiano Jesús Martín-Barbero, que ques-
tionou o olhar supervalorizado para as mídias em detrimento de práticas, situa-
ções, contextos, usos e modos de apropriação, destacando assim, os sujeitos no
processo comunicativo. A “teoria das mediações” é vista por muitos teóricos como
Sá Miranda, como resultado de um deslocamento teórico e geográfico. Um dos
principais expoentes desse olhar sobre o Hemisfério Sul é Jésus Martin-Barbero,
com a obra de 1987, Dos meios às Mediações.
A produção do conhecimento em comunicação na América Latina foi im-
pulsionada pelas demandas políticas e sociais. Foram as marcas da dependência
estrutural de uma cultura do silêncio e da submissão, mas que, ao mesmo tempo
deixa estabelecer níveis de resistência e de luta, o principal pano de fundo pela
busca de se compreender o que acontecia com a comunicação e assim, pode-se ou
pretendeu-se demarcar as fronteiras do emergente campo de estudo (CHRISTA
BERGER, 2010).
Quanto ao argentino Néstor Garcia Canclini, o foco de sua investigação cen-
tra-se na existência de uma necessidade de se identificar, a partir da cultura, quais
produtos materiais e simbólicos podem ajudar a melhorar as condições da popu-
lação da América Latina. Para ele, os países mais desenvolvidos poderiam auxiliar
os menos favorecidos em prol da inclusão social e da qualidade de vida. Para
Canclini, só há eficácia na comunicação quando há entendimento das relações de
colaboração e transação entre emissores e receptores, uma vez que não existe um
sentido fixo e sim colaboração e interação entre ambos nesse processo.
Quanto a Orozco, seus estudos têm como objetivo promover uma leitura es-
truturada e consciente do discurso televisivo. Lança o conceito de “televidência”,
no qual se busca “telever” o que está por trás, ou seja, colocar em evidência aquilo
que não está sendo dito na televisão. Para ele, o processo comunicativo não se
limita à questão da emissão, mas também da recepção, na audiência, no momen-
to em que é realizada a experiência com aquilo que foi vivenciado no momento
da comunicação.

capítulo 5 • 119
Segundo Escosteguy (2014, p. 255), hoje, no contexto acadêmico brasileiro,
as contribuições dos Estudos Culturais estão para além dos estudos de recepção,
voltando-se a estudos de culturas juvenis, de gêneros e formatos midiáticos, de
questões estéticas, entre outras pesquisas com influência teórico-metodológica das
mais distintas áreas disciplinares, assim como para diferentes objetos de estudo.

MULTIMÍDIA
Para entender melhor o conceito de “televidência” proposto por Orozco, vale a pena as-
sistir: Videodrome, David Cronenberg ou O show de Truman, de Peter Weir.

Um pouco da história nas pegadas da pesquisa comunicacional na


América Latina

Utilizando as pegadas metodológicas para uma compreensão mais cronológi-


ca, voltamos um pouco ao passado teórico. Desde a década de 1930, encontram-se
estudos sobre o jornalismo vinculados à discussão sobre liberdade de imprensa
e legislação.
A influência norte-americana ingressa na América Latina, trazendo jun-
to temas e métodos. Surge então, em 1959, o Centro Internacional de Estudos
Superiores de Periodismo para a América Latina (Ciespal), em Quito, Equador. O
Centro é fundado no contexto da Aliança para o Progresso, uma resposta do go-
verno Kennedy ao novo cenário latino-americano. Era uma resposta à Revolução
Cubana, que obrigou os Estados Unidos a revisarem sua política exterior, em uma
tentativa de impedir a expansão do movimento cubano. “Durante o governo de
John F. Kennedy, foi idealizado um plano de ajuda à América Latina em matéria
de saúde, educação e de melhoria para as zonas rurais.” (BERGER, 2010, p. 242)
O Ciespal oferece cursos para o aperfeiçoamento de profissionais que atuam em
comunicação de massa da região. Nomes como Wilbur Schramm, Raymond Nixon,
John McNelly, Jacques Kayser e Joffre Dumazedier são alguns dos pesquisadores que
atuaram no Centro, através de seminários e pesquisas, posicionando temas como:
comunicação e modernização, rádio e tele-educação, liderança de opinião.
A partir de 1973, durante o primeiro encontro organizado por pesquisadores
latino-americanos, o Centro recebe muitas críticas e passa a buscar raízes na América
Latina, introduzindo em seus cursos a preocupação pela comunicação popular, pela

capítulo 5 • 120
pesquisa participante, substituindo professores estrangeiros por argentinos (Daniel
Prietto), chilenos (Eduardo Contredas Budge), brasileiros (Luiz Gonzaga Mota) e
assim propiciar uma compreensão mais próxima da realidade da região.
A indústria petroleira e o desabrochar da democracia na Venezuela, a partir
da década de 1960, fez a Venezuela se sobressair na América Latina. O país passa
a ser um dos primeiros a ter televisão com investimentos comerciais significativos.
E é justamente, com a televisão, que os investimentos norte-americanos se fazem
presentes na indústria cultural, primeiro na Venezuela e depois, com o mesmo
modelo, por toda a América Latina.
Também, em 1959, na Venezuela, surge o Instituto Venezuelano de
Investigaciones de Prensa de La Universidad Central, cuja a primeira pesquisa bus-
cou saber Qué publicóla prensa venezolana durante la ditadura? Comprovando,
segundo Berger (2010, p. 244) a procedência oficial do noticiário.
Vale ressaltar que este centro será a origem do ININCO (Instituto de
Investigaciones de la Comunicación), fundado em 1973, cujo o objetivo é a pesqui-
sa da comunicação social ou de massas, que compreende tanto o estudo teórico
e metodológico dos problemas da comunicação como a análise permanente dos
diferentes meios e de sua incidência no âmbito nacional. Antonio Pasquali será o
nome mais importante do Instituto.
Pode-se concluir que Venezuela e Equador são as primeiras sedes da pesquisa
em comunicação na América Latina.
Em 1970, surge o CEREN (Centro de Estudos da Realidade Nacional), vin-
culado à Universidade Católica do Chile. O Centro é coordenado por Armand
Mattelart e integrado por Héctor Schmucler, Hugo Assmann, Michele Mattelart,
Mabel Piccini e Ariel Dorfman. O centro se destacará na pesquisa sobre o domínio
das multinacionais na comunicação latino-americana, desde uma perspectiva mar-
xista, introduzindo conceitos como ideologia, relações de poder, conflitos de classe.

Esta perspectiva, inaugurada no Chile da Unidade Popular, já vinha sendo ensaiada pelo
grupo de 1965, com as pesquisas antropológicas/demográficas/comunicacionais, e
contava também com a participação de Paulo Freire, estendendo-se, posteriormente,
por toda a América Latina e marcando a fisionomia dos Estudos Latino-americanos da
comunicação. (BERGER, 2010, p. 245)

O grupo se desfaz com o golpe militar chileno. Alguns de seus membros vol-
tam a se encontrar no México, através do Instituto Latinoamericano de Estudios
Transnacionales-ILET. O núcleo do ILET era formado por pesquisadores chilenos,

capítulo 5 • 121
argentinos e peruanos. A orientação do Instituto era de informação internacio-
nal e estrutura transnacional, com livre fluxo de informação, democratização
da comunicação.
A reflexão latino-americana sobre a comunicação se instaura entre os anos
1960 e 1970. As condições estruturais do chamado “subdesenvolvimento” passa-
ram a incorporar a análise dos meios. O panorama político da região é o que carac-
teriza a reflexão do momento. Era o momento, na América Latina de oposição
ao American Way of Life.
Portanto, são nessas condições históricas com possibilidades de luta pelo so-
cialismo, de intervenção militar e a convivência com o capital norte-americano
que a comunicação de massa é introduzida e sedimentada na América Latina. Essa
comunicação é identificada com a televisão e com o financiamento norte-ameri-
cano, formando o pano de fundo e a motivação para a produção de uma pesquisa
crítica sobre a comunicação massiva eminente.
A “pesquisa-denúncia” dos anos 1970 foi substituída pela “pesquisa ação”, nos
anos 1980, o que Berger (2010) ressalta como uma observação não só comprome-
tida como também militante para o trabalho acadêmico.
Apesar de termos visto vários autores e vários países na origem do processo
de debates sobre comunicação na América Latina, destacam-se, no entanto, três
obras que concentram e são responsáveis em grande medida pela circulação do
debate: De los médios a las mediaciones (MARTÍN-BARBERO, 1987); Culturas
Híbridas (CANCLINI, 1997) e Más(+) Cultura (s): ensayos sobre realidades plurales
(GONZÁLES, 1994).
As pesquisas desse período pautam-se pela problemática da cultura e da
recepção esclarecidas pela noção de mediação. A lógica do poder absoluto dos
meios de comunicação é rompida a partir da discussão sobre cultura como base
do desenvolvimento.
Barbero, Canclini e Orozco são, inclusive, autores consagrados pelas teses e
dissertações, pois adotaram, no Brasil, a perspectiva sociocultural da recepção,
embora já tenhamos um cabedal de conhecimento produzido por pesquisado-
res brasileiros.

Teoria das mediações

O debate sobre a recepção midiática na América Latina deve ser visto, levando
em consideração a importância dos Estudos Culturais.

capítulo 5 • 122
Como citado na introdução, a figura de Jesus Martin-Barbero é um ponto de
referência para a área. Pode-se dizer que a construção do trabalho intelectual de
Martín-Barbero está identificada em dois momentos particulares que demarcam
pontos de partida: um primeiro período marcado por matrizes vinculadas à Filosofia
e Semiologia; um segundo, pelo contato com o pensamento crítico da cultura.
Pelo pensamento crítico da cultura, há uma atenção às teorias do discurso e
da linguagem para aprofundar questões que emergem dos conflitos e movimentos
sociais e da problemática da cultura popular e da comunicação de massa. Questões
que tomaram importância e maior densidade com os estudos sobre a televisão em
que a telenovela é o objeto mais significativo e conceituado como expressão do
popular massivo.
A partir da obra Dos meios às mediações, Barbero (1987) propõe um deslo-
camento dos estudos de comunicação, ou seja, no lugar de se preocupar com os
meios e suas condições específicas de produção ou mensagem, era preciso pensar
nas mediações, nos processos culturais, sociais e econômicos que enquadravam
tanto a produção quanto a recepção das mensagens da mídia.

Tratava-se de entender as relações da cultura de massa, criada nos Estados Unidos


ou a partir de modelos norte-americanos com as culturas locais e tradicionais da Amé-
rica Latina. Sobretudo havia uma preocupação com o receptor: “na leitura” – como no
consumo – não existe apenas reprodução, mas também produção, uma produção que
questiona a centralidade atribuída ao texto-rei, explica Martin-Barbero em seu livro. (SÁ
MARTINO, 2014, p. 183)

O pesquisador pretende recuperar o “popular” no debate comunicacional.


Barbero pretende trabalhar a comunicação, a partir da cultura e lança um conceito
fundamental para os estudos de recepção: o conceito de mediação.
Entende-se, portanto, que se trata de um deslocamento da análise do meio de
comunicação propriamente dito para onde o sentido é produzido, para o âmbito
dos usos sociais, as mediações culturais da comunicação.
Barbero aponta três lugares fundamentais na mediação: a cotidianidade fa-
miliar, a temporalidade social e a competência cultural. A família é uma situação
primordial de conhecimento e o bairro pode ser visto como “lugar” de reconheci-
mento – trata-se dos processos de reconhecimento com “lugares” de constituição
de identidades, o que permitiu melhor entendimento das mediações que reconfi-
guram os processos de recepção ao longo dos tempos. A temporalidade social tem
relação com o tempo do capital, a partir do qual o programa foi criado, e o tempo
da cotidianidade, no qual o programa é consumido. Já a competência cultural

capítulo 5 • 123
representa a bagagem que o indivíduo carrega, fruto de sua existência e que aciona
na decodificação.
O lugar privilegiado para a análise do processo de recepção é o cotidiano,
dentro da lógica de Barbero, pois está na relação com o próprio corpo até o uso
do tempo, o habitar e a consciência do que é possível ser alcançado por cada um.
Estudar os conflitos, o hegemônico e o subalterno, o moderno e o tradicional,
as mutações e as fragmentações dos públicos, sem que se deixe cair em dualismo é
a implicação do fenômeno coletivo, ao qual chamamos recepção.

Boa parte da recepção está de alguma forma, não programada, mas condicionada, orga-
nizada, tocada, orientada pela produção, tanto em termos econômicos como em termos
estéticos, narrativos, semióticos. (BARBERO, 1997, p. 56)

Barbero propõe que há um processo de negociação de sentido nos modos de


interação do receptor com o meio – a recepção é um espaço de interação; desse
modo, não há comunicação se cada um, por exemplo, ler no jornal o que lhe der
na cabeça, livremente. Ou seja, esse espaço de interação se dá não somente com
as mensagens, mas com a sociedade e com os outros sujeitos. É pela circulação do
discurso que se constrói o sentido dos produtos midiáticos.
Ao reconhecer o poder como uma das chaves dos estudos de recepção, Martin-
Barbero afirma que se devem estudar as assimetrias e negociações entre o autor e
leitor e entre o leitor e autor. Nesse sentido, a história pessoal, a cultura de um
grupo, as relações sociais imediatas, capacidades cognitivas são mediações e tam-
bém interferem no processo dos sujeitos e da maneira pela qual assistem televisão,
sua relação com os meios e com as mensagens veiculadas.
No Brasil, as obras de Barbero se difundiram a partir do programa de pós-gra-
duação em Ciências da Comunicação da USP, no final da década de 1980.
Outro autor importante dentro da teoria das mediações é o mexicano
Guillermo Orozco Gómes. Mexicano de Guadalajara e especialista em televisão,
firmou-se no campo da comunicação como um dos maiores pesquisadores dos
processos de recepção. A obra do pesquisador sintetiza um esforço de aproximação
entre o campo da comunicação e o da educação.
A obra Televisión y producción de significados (três ensayos) é considerada um
ponto de inflexão na trajetória acadêmica de Orozco, colocando-o na vanguarda
dos estudos qualitativos de recepção, uma vez que conjuga o pensamento comu-
nicacional latino-americano com a visão anglo-americana sobre os processos pe-
dagógicos e os estudos sobre as audiências. Para ele, os estudos de recepção sobre

capítulo 5 • 124
a televisão devem abarcar uma compreensão mais integral da interação entre a
audiência, televisão e educação. Na genealogia de sua obra, tem-se como uma das
bases, a noção de mediação proposta por Jésus Martín-Barbero.
A obra de Orozco apresenta a multiplicidade de representações e reconfigura-
ções sociais, políticas e culturais que emergem de um ecossistema comunicativo,
cada vez mais amplo. Orozco parte do pressuposto de que a interação entre televisão
e audiência se constrói de modo complexo, multidirecional e multidimensional,
a partir de múltiplas mediações, definindo assim, a mediação como o processo de
estruturação vindo de ação concreta ou intervenção no processo recepção midiática,
sendo que estas mediações se manifestam por meio do discurso e das ações.
Sá Martino (2014, p. 184) lembra que para Orozco, a mediação entre TV e
público, por exemplo, acontece nas práticas sociais, ou seja, o cotidiano e a histó-
ria são mediações fundamentais.

As mediações são os conhecimentos e as práticas sociais das pessoas. São estruturas


simbólicas dinâmicas a partir das quais é atribuído o sentido de uma mensagem em deter-
minado momento no espaço e no tempo. As condições materiais e simbólicas, nas quais o
receptor está inserido e que influenciam a recepção de uma mensagem são os elementos
responsáveis pelas reapropriações e reconstruções levadas a efeito pelo receptor. Ver te-
levisão ou ir ao cinema é uma prática social. Mesmo sozinho diante da tela, o telespectador
mira a televisão com um olhar carregado de referências. (SÁ MARTINO, 2014, p. 184)

O olhar do pesquisador mexicano entende a polissemia da programação. A re-


cepção estabelece a comunicação, segundo Orozco. Para ele, a audiência comporta
um desafio pedagógico que nada mais é do que dar sentido a essa multiplicidade
de elementos, de mediações que contribuem, simultaneamente, tanto para enten-
der os sujeitos-audiências como para sua emancipação.
Orozco acredita que é possível alargar as fronteiras do conhecimento fomen-
tando uma alfabetização televisiva que permita aos sujeitos-audiência esgarçar seus
horizontes referenciais, mas esse processo só ocorrerá se articulado com um segun-
do âmbito, que ele define como a “mediacidade” televisiva.
Isto é, as audiências só constroem vínculos ou interatuam com a linguagem
televisiva, a partir dos fluxos próprios desse meio. Portanto, a partir de formatos,
gêneros, grades e ofertas de programas que a audiência definirá o tempo emprega-
do e as condições deste para o consumo da televisão.
Vale ressaltar, que a base para a construção das audiências ou processo de “tele-
vidência”, segundo Orozco, é formada por um quadrilátero, constituído da lingua-
gem televisiva, a mediacidade da televisão, sua tecnicidade e a institucionalização.

capítulo 5 • 125
Tem-se então, a partir disso, uma proposta teórico-metodológica que se propõe a
explicar com clareza a complexidade das audiências, como também oferece uma
ampla gama de possibilidades instrumentais para a pesquisa em comunicação, sem
esquecer os aspectos críticos essenciais.
É importante entender que não é o simples ato de receber a mensagem, mas
reconstituí-la a partir das mediações. Os valores, as ideias, os gostos acompa-
nham o receptor. “Essas diferenças de mediações estão no meio do espaço entre
o indivíduo e a tela. As mediações atuam decisivamente na recepção da mensa-
gem.” (SÁ MARTINO, 2014, p. 184)

Tal âmbito não pode ser visto separadamente da problematização da tecnicidade tele-
visiva e da sua dimensão institucional, que completam o mencionado quadrilátero que
dá forma ao processo de “televidência”. A primeira alude à tecnologia que constitui a
televisão e, no entender de Orozco, vai muito além da sua materialidade. Representa
um espaço de oportunidade, posto que o avanço tecnológico do meio – como a digita-
lização, por exemplo, permite explorar novas capacidades perceptivas e de aprendizado
da audiência. Por sua vez, a ideia de institucionalidade põe manifestamente a dimensão
política da televisão. (PERES-NETO, 2010, p. 361)

A partir da interconexão desses quatros pontos, o pesquisador mexicano cons-


trói as noções de macro e micromediações dos “televidentes”, ou seja, os sujei-
tos-audiências estão constituídos por um processo de inter-relações com base no
quadrilátero, que por sua vez, estabelece mediações (macro/micro). Daí a exis-
tência de sujeitos-audiências passar pelo entendimento do ato de ver a televisão
(“televidência”), a partir de um consumo muito além da materialidade do ver, do
ato de assistir a televisão.
O pensamento de Orozco reverbera no trabalho de inúmeros pesquisadores
brasileiros como Maria Immacolata Vassalo, Maria Aparecida Baccega, Adilson
Citelli, Ismar Oliveira e Nilda Jacks.
O pesquisador mexicano apresenta a televisão como um meio aliado dos edu-
cadores e em suma, reivindica a importância da construção de uma educação para
o consumo da televisão, razão pela qual defende a necessidade de situar os recep-
tores na transitoriedade dos sujeitos-audiências, cujo processo de atribuição de
sentido ao televisivo vai além do mero ato de assistir à televisão.
Pela teoria das mediações, é possível compreender ou perceber como as con-
dições de possibilidades históricas latino-americanas interferem no processo de
recepção. Pela teoria, o receptor não existe como massa ou público, mas como
indivíduos que vivem em sociedade. A questão está em pensar mecanismos de

capítulo 5 • 126
uma cultura híbrida, como propõe Garcia-Canclini, outro importante nome das
pesquisas latino-americanas.
Em Canclini, há uma preocupação, a partir da teoria das mediações em per-
ceber o diálogo entre a cultura popular, de massa e erudita. O pesquisador argen-
tino examina os modos de negociação do popular no processo cultural e político
hegemônico para avançar a discussão sobre as hibridizações culturais, no sentido
de afirmar uma autonomia relativa das culturas populares. Para Canclini, a cultura
popular não se deduz da cultura dominante. Com forte influência de Antonio
Gramsci e Pierre Bourdieu, Canclini acredita que a constituição do habitus não se
reduz à socialização na escola, na família e as classes populares têm modos próprios
de ressemantizar a cultura hegemônica.
Pode-se dizer que as mediações são complexas negociações de sentido entre a
hegemonia de uma indústria cultural protegida, que representa interesses econô-
micos e um público mais ou menos preparado para enfrentá-la. A negociação se
configura em um confronto entre hegemonia e resistência na definição do sentido
de uma mensagem.
Néstor Garcia-Canclini, propõe em Consumidores e Cidadão (1999) como o
consumo é o código de uma das principais mediações. O consumo, de natureza
simbólica ou material ganha importância por ser a referência ao principal elemen-
to: a mercadoria.
Para Canclini, a transformação do ato consumista no centro do modelo ca-
pitalista fez todas as outras práticas sociais se estruturarem pelo consumo de bens
materiais e simbólicos. Uma das principais mediações é o efeito da posse de uma
mercadoria nas outras pessoas.
A centralidade de Canclini, na área da comunicação, reside na introdução
do debate sobre a importância da articulação entre comunicação e cultura, tanto
em termos conceituais quanto empíricos. O impacto de suas teorizações está nas
análises e nos estudos sobre as relações entre comunicação e identidade cultural e
de ambas vinculadas ao consumo cultural.
Duas décadas de pesquisas culminaram com uma de suas obras mais impor-
tantes: Culturas Híbridas: estratégias para entrar y salir de la modernidade (1990),
que fora traduzida para vários idiomas.
Na sua proposta de discussão para a modernidade em âmbito latino-ameri-
cano, o autor repensa as mestiçagens e as intersecções entre as culturas, a partir
da noção de hibridização. Para Canclini é no processo de “des-colecionamento”
(quando não mais se apartam rigidamente as coleções de artes tidas como cultas e

capítulo 5 • 127
os objetos populares, em diversos locais, como museus, repertórios públicos etc.)
que se trava um diálogo intenso entre a cultura erudita, a popular, a de massa,
possibilitando focalizar suas intersecções. Nesse sentido, reorganizam-se vínculos
entre grupos e sistemas simbólicos, e os “des-colecionamentos” e hibridizações
não permitem mais uma associação rígida entre classes sociais e estratos culturais.
Essa negociação entre o legítimo e o ordinário, proposto no âmbito das conven-
ções sociais e principalmente, no que tange à reconsideração das identidades e dos
produtos culturais, abriu para os estudos de Canclini uma nova proposta de análise
das realidades e dos processos culturais que se distancia da noção de pureza, antes
imposta, para um olhar com interferência e relação com os meios de comunicação.
O livro culmina em uma fragmentação e em uma multiplicidade de combi-
nações que originam as tais culturas híbridas que defende. Tanto no Brasil, como
em outros países da América Latina, as proposições de Canclini seguem dando
norte a gerações de pesquisadores. Suas teorizações constroem as bases para um
pensamento de pesquisa latino-americano e também, por se voltarem, mais recen-
temente, para a problemática da cultura virtual.
Por fim, a teoria das mediações, com base nos autores aqui apresentados,
propõe uma substituição do aspecto linear “produção-recepção” por uma com-
plexa dialética do processo de recepção, no qual a imagem é compreendida como
parte de um fluxo maior de mensagens e práticas.

RESUMO
Nesta unidade, você conheceu um pouco das contribuições dos Estudos Culturais para
o campo da comunicação.
O capítulo começou abordando a origem dos Estudos Culturais, a partir da criação do
Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS), fundado por Richard Hoggart, em
1964, na Universidade de Birmingham.
Além de Hoggart, são considerados pioneiros dos Estudos Culturais, Raymond Williams
e Edward Thompsom. Outra figura se destaca no cenário britânico é Stuart Hall, que também
atuou na direção do CCCS.
Além dos estudos culturais ingleses, é recorrente na literatura de comunicação a divisão
dos Estudos Culturais em dois momentos. O primeiro trata da questão inglesa dos Estudos Cul-
turais com enfoque no cultural local e regional; e no segundo momento, temos a divisão desses
estudos com enfoque na cultura latino-americana. Os principais autores dos Estudos Culturais
na América Latina são Jesús Martín-Barbero, Néstor García Canclinie Guillermo Orozco.

capítulo 5 • 128
Pode-se dizer que as contribuições dos Estudos Culturais, tanto ingleses quanto na Amé-
rica Latina estão na preocupação ao conteúdo que o receptor entende, isso porque é na
recepção que efetivamente a comunicação acontece. Tal fato é importante de se perceber, já
que a leitura que o produtor de comunicação tem, não necessariamente, condiz com a leitura
promovida pelo receptor.
Neste início institucional da pesquisa na América Latina, apresentamos os Centros de
Pesquisa organizados, a partir do final da década de 1950 até os anos 1980 e as diferentes
orientações propostas por eles, a partir de condições de possibilidades históricas. Destacam-
-se, portanto, Ciespal em Quito, Instituto Venezuelno de Investigaciones de Prensa, ININCO,
na Venezuela, CEREN, no Chile e ILET, no México.
A partir da década de 1980, a proposta de repensar as peculiaridades do contexto-histó-
rico cultural latino-americano em que se inserem os processos comunicacionais, bem como a
aproximação entre comunicação e cultura resultou em um interesse pelos receptores, públicos e
audiências, mudando o olhar da investigação e dos estudos da comunicação na América Latina.
De modo pouco mais específico, entendemos que três aspectos se destacam nas pes-
quisas em comunicação, a partir dos Estudos Culturais:
1. O desenvolvimento de um tipo de investigação sobre as audiências ou sobre o processo
de recepção;
2. A crítica a uma compreensão da comunicação como um fenômeno centrado nas pró-
prias tecnologias de comunicação e;
3. A ampliação da concepção de cultura e valorização da cultura popular.

Os principais conceitos vistos foram os de cultura popular, mediações, identidades e


hibridações culturais, em uma perspectiva de reconhecer que os processos comunicacionais
estão relacionados de maneira intrínseca com os socioculturais.

SAIBA MAIS
Jésus Martín-Barbero nasceu em 1937, em Ávila, Espanha. Transferiu-se para a Colôm-
bia em 1963, onde passou a realizar sua obra teórica, cuja influência no Brasil se dá desde
os anos de 1980. Semiólogo, antropólogo e filósofo.
Guillermo Orozco Goméz nasceu em Guadalajara, no México, obteve sua graduação em
Comunicação em 1974, no Instituto Tecnológico de Estudios Superiores de Occidente (Ite-
so). Realizou especialização em Educação, em 1977, na Universidade da Colônia, na Alema-
nha. O doutorado foi em Havard, USA, em 1988.

capítulo 5 • 129
Néstor García Canclini era filósofo por formação. Nascido na Argentina em 1939 e ra-
dicado no México em 1976, quando se exilou. Cientista político por atuação, nos campos da
arte e da cultura, é um dos expoentes do pensamento latino-americano, no que tange aos
estudos culturais.

ATIVIDADES
01. Qual a importância das proposições dos fundadores dos Estudos Culturais para o campo
da comunicação?

02. (DataPrev – Comunicação Social) Pensadores e pesquisadores das disciplinas de Ciên-


cias Humanas, como Filosofia, Sociologia, Psicologia e Linguística, têm dado contribuições
em hipóteses e análises para o que se denomina “teoria da comunicação”, um apanhado
geral de ideias que pensam a comunicação entre indivíduos – especialmente a comunicação
mediada – como fenômeno social. Entre as teorias, destacam-se o funcionalismo, primeira
corrente teórica, a Escola de Frankfurt e a Escola de Palo Alto. O trabalho teórico na América
Latina ganhou impulso na década de 1970, quando se passou a retrabalhar e transformar
as teorias anteriores. Assim, surgiu a teoria das mediações, de Jesús Martin- Barbero, que
apresenta uma percepção diferenciada para a relação existente entre emissor e receptor
de determinada mensagem. Qual?
a) O receptor (público) aceita toda a mensagem transmitida pelo emissor.
b) O receptor analisa profundamente a transmissão/dominação ideológica na comunica-
ção de massa.
c) O receptor critica a dominação ideológica na comunicação de massa.
d) O público passa a ser também parte “participativa” do processo de comunicação de
determinada mensagem.
e) O receptor tem consciência da mensagem recebida e só aceita o que deseja.

03. (CCV-UFC) Sobre os Estudos Culturais, marque a opção incorreta.


a) Os Estudos Culturais têm sua origem na Inglaterra.
b) Os principais expoentes dos Estudos Culturais são C. Shannon, H. Laswell e W. Weaver.
c) As relações entre a cultura contemporânea e a sociedade estão no eixo dos Estu-
dos Culturais.

capítulo 5 • 130
d) O campo dos Estudos Culturais surge, de forma organizada, através do Centro de Estu-
dos Culturais Contemporâneos (CCCS).
e) Entre os temas das pesquisas apoiadas nos Estudos Culturais estão os estudos sobre:
feminismo, recepção e consumo midiático, raça e etnia.

04. (COMPERVE) No campo da pesquisa e dos estudos da comunicação, a perspectiva


teórica conhecida como “Estudos Culturais” tem por abordagem central a questão
a) do controle e da regulação dos meios de comunicação.
b) da explicitação das funções dos meios de comunicação.
c) da produção de sentidos relativos aos conteúdos da mídia.
d) do funcionamento da radiodifusão pública.

05. (FCC,) Stuart Hall, do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade


de Birmingham, Inglaterra, interpreta a comunicação a partir de dois tipos de estruturas de
sentido e que têm as relações de produção e a infraestrutura técnica como referenciais de
conhecimento. Esta teorização, a qual critica a pesquisa com abordagem linear da comunica-
ção de massa, é conhecida como
a) Codificação/Decodificação.
b) Economia Política.
c) Indústria Cultural.
d) Funcionalismo da Comunicação.
e) Semiótica ou Semiologia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHRISTA, Berger. A pesquisa em comunicação na América Latina. In: HOLFELDT, Antonio e outros
(orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010.
ECOSTESGUY. Ana Carolina. Os Estudos Culturais. In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria da
Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010.
GARCIA-CANCLINI, Nestor. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
MAAR, Wolfgang Leo. Dicionário de Comunicação – escolas, teorias e outros. In: CITELLI, Adilson e
outros (org). São Paulo: Contexto, 2014.
MARTIN-BARBERO, Jésus. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.

capítulo 5 • 131
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5. ed., Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
SÁ MARTINO, Luiz Mauro. Teoria da comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5. ed., Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.

GABARITO
Capítulo 1

01. Para Martino, o objeto da comunicação envolve uma leitura do social” a partir dos meios
de comunicação e/ou modalidades comunicativas. Tal movimento envolve uma mirada na
qual os meios de comunicação e a cultura de massa não se opõem nem se reduzem um ao
outro, mas exigem uma relação de reciprocidade e complementação. França também aponta
essa necessidade de determinado olhar, pois não reconhece os objetos enquanto inerentes
às materialidades comunicativas, já que é necessário dar um tratamento comunicacional a
esses objetos, que, caso contrário, poderiam ser perfeitamente estudados por outra ciência
humana. Para França (2010), o corpo das teorias da comunicação ainda apresenta um qua-
dro fragmentado, muito em função da falta de uma tradição de estudo científico na área. O
campo da Comunicação ainda não constitui, claramente, o seu objeto e a sua metodologia.
Para a pesquisadora, ainda hoje, o campo encontra-se espalhado em outras áreas do saber,
o que explica a interdisciplinaridade. O objeto é, portanto, complexo e passível de ser obser-
vado a partir de várias disciplinas. Há uma heterogeneidade dos aportes teóricos acionados
para a compreensão dos processos comunicativos.

02. Não é possível apontar uma resposta, pois os objetos possíveis são inúmeros. No entan-
to, é necessário que o aluno atente para empreender uma leitura de realidade social a partir
dos meios de comunicação, que perceba o diálogo com disciplinas afins, como as Ciências
Sociais, Filosofia e a Psicologia, além de estabelecer um recorte.

03. O termo comunicação se originou do vocábulo em latim, communicatio, criado no con-


texto medieval para nomear o novo hábito de jantar coletivamente, rompendo o ato da refei-
ção isolada nos claustros ou em outros espaços. O sentido de uma ação realizada intencio-
nalmente e em conjunto perdura, apesar de a palavra ter sido criada há séculos.

capítulo 5 • 132
04. O senso comum também é uma forma de conhecimento válida e que ajuda a ancorar o
homem no mundo. No entanto, não pressupõe método e rigor, que são etapas fundamentais
do conhecimento científico.

05. A noção de paradigma envolve uma maneira de olhar, uma paisagem mental que nos
permite enquadrar um autor/conceito dentro de uma vertente teórica. O paradigma envolve
três etapas: uma fase pré-científica, ciência normal, que engloba os paradigmas, e a ciência
revolucionária, a partir da qual erigem novas explicações, à medida que os paradigmas vigen-
tes vão se mostrando insustentáveis para explicar os fenômenos.

Capítulo 2

01. A resposta varia de acordo com a teoria elencada, no entanto, é importante destacar que
o início do século XX, o processo de urbanização e a própria modernidade propiciaram um
terreno no qual os meios de comunicação de massa encontraram solo fértil, ocupando a vida
cotidiana. Tal centralidade dos meios, associado às necessidades de um Estado em guerra
espantou diversos pesquisadores, conduzindo as primeiras pesquisas em Comunicação nos
Estados Unidos.

02. E.

03. De acordo com Araújo (2010), as quatro características são:


1. estudos empíricos,
2. orientação pragmática derivada de investimentos público e privados;
3. estudos focados na comunicação midiática, e
4. crença na onipotência da mídia e uso do conceito de massa. Os estudos empíricos
envolviam uma metodologia quantitativa, a orientação mais política que científica é explicada
pelo fato de os cientistas conduzirem suas pesquisas a partir de verba pública e privada,
sendo o próprio Estado e as empresas os anunciados. Os estudos passam a ter como foco
central os meios de comunicação de massa, e a crença na onipotência está relacionada à
perspectiva behavorista e a adoção da teoria da agulha hipodérmica.

04. C.

capítulo 5 • 133
05. Escola de Chicago e Palo Alto. A Escola de Chicago é anterior ao Mass Communication,
tendo como marco 1910, mas acaba sendo ofuscada pelo Mass Communication, tida como
a primeira vertente teórica realmente dedicada aos estudos da comunicação. Chicago ado-
tava a etnografia como principal metodologia, a partir de uma perspectiva microssociológica,
o que se distancia da proposta quantitativa e da ideia de massa do Mass Communication.
Já Palo Alto data de 1940 e adotava uma visão interacional do processo comunicativo, en-
tendendo o mesmo como algo cíclico, sendo o receptor tão importante quanto o emissor. A
escola reivindica outro paradigma comunicacional, bem distante da concepção unidirecional
e linear presente no Mass Communication.

Capítulo 3

01. C. 03. E. 05. A.

02. A. 04. C.

Capítulo 4

01. C. 03. C. 05. E.

02. B. 04. D.

Capítulo 5

01. Os trabalhos criam a base epistemológica dos estudos culturais, ao revisarem a catego-
ria de cultura, compreendendo-a em um sentido amplo, próximo ao antropológico atual, além
de perceberem o trabalho ativo do público. Importante salientar que os três pais fundadores
(Hoggart, Williams e Thompson) tinham uma origem de classe média, o que os tornava mais
próximos da natureza popular, permitindo aos autores uma relativização das premissas de
alta e baixa cultura.

02. D 04. C

03. B 05. A

capítulo 5 • 134
capítulo 5 • 135
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 136

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