autora
TAMARA DE SOUZA CAMPOS
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2019
Conselho editorial roberto paes e gisele lima
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2019.
2. Escola Norte-Americana 33
A Escola Norte-Americana: um breve panorama 34
Escola de Chicago 35
Aldeia global 84
Edgar Morin 88
Novos olimpianos 91
Jürgen Habermas 94
Conceito de esfera pública 96
Teoria da ação comunicativa 97
Prezados(as) alunos(as),
5
É importante percebermos que pesquisas recentes sugerem que as Teorias da
Comunicação representam um espaço de fronteiras indefinidas, pois a questão in-
terdisciplinar ainda é uma marca do campo, com proposições e diálogos advindos
de diversas áreas, embora cada vez mais a Comunicação adquira um estatuto de
campo independente.
Bons estudos!
1
Origem e história:
uma perspectiva
científica da
Comunicação Social
Origem e história: uma perspectiva científica
da Comunicação Social
OBJETIVOS
• Compreender a origem etimológica da palavra comunicação;
• Reconhecer o contexto de surgimento do campo comunicacional;
capítulo 1 •8
• Assimilar a natureza do conhecimento científico e a questão do método;
• Diferenciar as ideias de epistemologia, paradigma, objeto científico, interdisciplinaridade,
senso comum.
capítulo 1 •9
No mosteiro apareceu uma prática que recebeu o nome de communicatio, que é o ato
de “tomar a refeição da noite em comum”, cuja peculiaridade, evidentemente, não recai
sobre a banalidade do ato de “comer”, mas de fazê-lo “juntamente com outros”, reunindo
então, aqueles que se encontravam isolados. A originalidade dessa prática fica por conta
da ideia de “romper o isolamento” e nisso reside a diferença entre a communicatio ecle-
siástica e o simples jantar da comunidade primitiva. (MARTINO, 2010, p. 13)
COMMUNICATIO
Apesar de a palavra em latim ter sido criada há séculos, esse sentido de ação
realizada em comum perdura ainda hoje. Para Martino (2010, p. 15), o termo
comunicação refere-se ao processo de compartilhar um mesmo objeto de cons-
ciência, exprimindo a relação entre consciências.
Importante entendermos que o termo comunicação não pode ser estabelecido
como todo e qualquer tipo de relação e não pode ser aplicado às propriedades ou
ao modo de ser das coisas nem representa uma ação que reúne os membros de
uma comunidade. O termo comunicação é uma espécie de ação intencional exer-
cido sobre outro sujeito, a partir da ideia do tornar comum um produto de um
encontro social, que subentende uma intencionalidade de interagir. Ou seja, não
podemos confundir a comunicação com mera convivência.
Plurissignificação e comunicação
capítulo 1 • 10
determinada comunidade acerca da comunicação, os sentidos sofrem variações.
Confira alguns verbetes a seguir.
1. Fato de comunicar, de estabelecer uma relação com alguém, com alguma coisa ou en-
tre coisas; 2. Transmissão de signos através de um código (natural ou convencional); 3.
Capacidade ou processo de troca de pensamentos, sentimentos, ideias ou informações
através da fala, gestos, imagens, ou seja, de forma direta ou através de meios técnicos; 4.
Ação de utilizar meios tecnológicos (comunicação telefônica); 5. Mensagem, informação
(a coisa que se comunica: anúncio, novidade, informação, aviso); 6. Comunicação de
espaços (passagem de um lugar a outro), circulação, transporte de coisas; 7. Disciplina,
saber, ciência.
SAIBA MAIS
Informação: mensagem codificada transmitida por alguém.
Comunicação: ocorre quando aquele que interage com o outro decodifica a mensagem,
possibilitando que os interagentes compartilhem um mesmo objeto da consciência. Ou seja,
se alguém fala algo em japonês e você não domina esse idioma, então essa mensagem codi-
ficada continua sendo informação, pois você não detém o arsenal simbólico para decodificar
a mensagem. Outro exemplo que impede a passagem da informação para a comunicação
é o fato de um falante A dizer algo a um falante B e este não prestar atenção, não escutar.
capítulo 1 • 11
A comunicação enquanto informação e mensagem deve ser entendida na or-
dem do simbólico, ou seja, “não se pode confundir a mensagem com o papel e
a tinta. Ambos permanecem no nível do empírico, no nível da materialidade das
coisas e não das palavras.”. (MARTINO, 2010, p. 17)
Esse trecho de Martino (2010) é interessante, pois permite que você com-
preenda melhor os elementos inerentes ao processo comunicativo. Um livro é
elaborado por um autor, que escreve as palavras (mensagem) a partir de um código
(língua portuguesa) no suporte papel (livro). No entanto, se o leitor folheia as
páginas e é analfabeto, por exemplo, ele não terá condições de decodificar o con-
teúdo, e permanecerá, para ele, no âmbito da informação. Portanto, a mensagem
contida em um livro só se torna efetivamente comunicação quando o leitor age em
cima do conteúdo, decodificando-o.
Assim, é preciso que se tenha a completa relação entre duas ou mais cons-
ciências para que haja comunicação. “Toda informação pressupõe um supor-
te, certos traços materiais e um código com o qual é elaborada a informação.”
(MARTINO, 2010, p. 17)
A informação é parte do processo de comunicação, devendo ser considerada
como comunicação em potencial, podendo ser codificada, ou seja, estocada por
meio de um suporte (quando faço uma emissão radiofônica, reproduzo vibrações
com certa frequência, ondas sonoras, tendo o ar como suporte) e também reverti-
da em um segundo momento, ou seja, interpretada, decodificada.
Interpretando o sexto sentido a partir dos verbetes, a definição traz as ideias
de circulação, comunicação de espaços, transporte de coisas e estreita-se à ativida-
de econômica, sugerindo o sentido de convencimento, fala, persuasão. Martino
(2010, p. 19) cita o deus Hermes, o mensageiro dos deuses, que tinha os atributos
da comunicação e era tido como o patrono dos oradores, escritores e mercadores.
O transporte de mercadorias e o falar bem eram encarados como atividades cor-
relatas, uma vez que não bastava simplesmente transportar, pois era preciso saber
negociar, persuadir.
capítulo 1 • 12
Desse modo, apesar de percebermos a articulação entre o transporte e a venda
de mercadorias como qualidades necessárias ao comerciante de antigamente, nota-
mos como essas prerrogativas ainda estão no cerne da esfera publicitária, que, em
linhas gerais, visa ao transporte de mensagens simbólicas do agente que anuncia
para o público-alvo, por meio de diversos canais e suportes.
Nesse sentido, a comunicação deixa de ser uma prática social natural para
se tornar um exercício coletivo, enquanto estratégia de poder, tornando, assim,
visível a comunicação.
O último verbete apresenta a comunicação como “disciplina, saber, ciência”.
Isto é, saímos de uma concepção prática, de troca entre indivíduos, seja face a face
ou mediada por um aparato tecnológico, para nos referirmos a determinado saber.
O processo comunicativo, portanto, é objeto desse saber, o que torna significativa
e vital a importância da comunicação para a vida humana.
Martino (2010, p. 20) nos faz perceber o quanto a análise semântica de ver-
betes presentes no dicionário evoca condições históricas outras, diferentes vozes e
conceitos, a que ele chama de polissemia.
A comunicação simbólica
capítulo 1 • 13
©© JACK HONG | SHUTTERSTOCK.COM Seres orgânicos
Homem
capítulo 1 • 14
Todos os sistemas de troca de força ou de energia podem ser descritos como pro-
cessos comunicativos: emissor (1a bola), receptor (2a bola), mensagem (força/calor)
e efeito (deslocamento/dilatação). Temos aí, por analogia, todos os elementos que
tradicionalmente são utilizados na descrição do processo de comunicação humana.
(MARTINO, 2010, p. 21)
capítulo 1 • 15
compreendermos os distintos públicos e planejarmos o processo comunicativo.
Todo bom comunicador, assim, é antes de tudo um intenso observador social e
deve sempre estar atendo aos ícones, índices e símbolos.
SAIBA MAIS
A semiótica é a ciência que trata dos estudos dos signos e pode ser considerada como
uma das teorias da comunicação. Signo é tudo aquilo que cria uma representação sobre
alguma coisa. Pelo seu grau de importância, os cursos de Comunicação Social costumam
dedicar uma disciplina somente a essa frente de estudos. Veja a esquematização que Char-
les Peirce (1972) estabeleceu:
Ícones: são signos que guardam semelhança com o objeto representado. Uma fotogra-
fia um desenho ou um busto podem ser ícones.
Índices: o índice sugere uma relação, indica o objeto representado. O chão molhado é
um indício de que choveu, a pegada na areia indica que alguém passou pelo local e a fumaça
indica o fogo.
Símbolos: o signo símbolo envolve convenções culturais, ou seja, regras para seus usos
e suas aplicações. Um mesmo símbolo pode evocar sentidos diversos, de acordo com o
contexto histórico. A suástica é símbolo religioso em forma de cruz cujas hastes têm as
extremidades recurvas. Foi usada entre alguns budistas, representando a felicidade e a boa
sorte. Foi também explorada e adaptada pelo III Reich e se tornou o símbolo do nazismo,
sendo que, para os alemães nazistas tinha um sentido diverso do evocado hoje ou daquele
inferido pelos judeus da época.
capítulo 1 • 16
Interdisciplinaridade e a busca pelo objeto da comunicação
Sempre que falamos de um campo científico, também está em jogo uma epis-
temologia. Mas, o que esse termo significa? A epistemologia engloba o conheci-
mento fundamentado, sendo diferente da opinião, por exemplo.
A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do
conhecimento. Ao compreendermos a epistemologia comunicacional, portanto,
levamos em conta como produzimos o conhecimento científico na área hoje, ou
seja, metodologias recomendadas para os estudos, conceitos e autores reconheci-
dos, as estruturas diversas da produção científica (monografia, artigo, dissertações
e teses); dessa maneira, buscamos nos aproximar do autorizado pelo campo cien-
tífico comunicacional. Há regras no fazer ciências, desde o modo de escrever à
maneira de organizar os estudos, passando por autores e vertentes teóricas aceitas
e pelas regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas, a ABNT, só para citar
alguns exemplos.
SAIBA MAIS
Exemplo de esquema clássico de uma pesquisa científica
Testagem/reflexão
da hipótese a partir
Enunciado de um de pressupostos
problema teórico-metodológicos
Formulação de Conclusão
uma hipótese
capítulo 1 • 17
O século XIX inaugura uma nova ordenação científica de mundo. As ciên-
cias humanas, como a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia, a Geografia e a
História surgem nesse ínterim, bem como a noção de homem. Antes, a ideia de
indivíduo não fazia tanto sentido, pois havia um senso coletivo muito forte, com
comunidades coesas, vivendo à luz de uma tradição transmitida dos mais velhos
para os mais jovens.
Os grupos ficavam circunscritos a uma localidade geográfica bem restrita, já
que os meios de transporte e as formas de comunicação eram limitados. Uma das
grandes contribuições dos meios de comunicação massivos foi exatamente a possi-
bilidade de redesenhar as fronteiras do tempo e do espaço, imposta à humanidade
por séculos. A nova concepção territorial precisa levar em conta a emergência
desse novo ser que sofre um processo de desterritorialização.
A palavra “comunicação” começa a ser proferida à exaustão, não à toa, a partir
da segunda metade do século XX, conforme nos explica Vera França (2015). De
forma paralela surge um novo saber especializado, uma nova disciplina científica,
cujo objeto seria os processos de comunicação. Mas quando essa ciência inicia e
qual a definição do objeto de estudo dessa ciência/disciplina?
Existem pelo menos dois grandes desafios quando pensamos nas teorias da co-
municação, conforme aponta Hohlfeldt (2008), sendo o primeiro a plurissignifi-
cação, que procuramos discutir introdutoriamente a partir das variadas semânticas
sugeridas pelos verbetes nos dicionários e que você irá compreender melhor à me-
dida que for conhecendo diferentes visões acerca dos processos comunicativos, nos
próximos capítulos. O segundo desafio seria a dificuldade de definir o campo de
pesquisa e de atuação do profissional da Comunicação. Se a Comunicação é con-
dição para a própria ação humana, como delimitar quando esse campo começa,
o que pertence ao exercício dos profissionais e os objetos de estudo dessa ciência?
A prática comunicacional existe há séculos, com alguns, inclusive, situando
a origem dos jornais nas Actas Diurnas, no Império Romano, e uma “publicida-
de arcaica”, a partir dos pregoeiros da Antiguidade Clássica ou dos egípcios, que
pintavam em muros suas mensagens. No entanto, a construção do conhecimento
científico só começa a se tornar possível a partir de um processo de desnaturali-
zação da comunicação humana, que passa a ser visto por uma óptica de inten-
cionalidade e estratégia, pelo advento dos meios de comunicação e da moderni-
dade. Por tal razão, o jornalismo mercadológico costuma ser associado ao século
XIX, bem como a Publicidade, que é o setor emergente que possibilita justamen-
te ao Jornalismo abandonar o caráter panfletário para ser um empreendimento
capítulo 1 • 18
comercial. O próprio cinema torna-se uma realidade na passagem do século XIX
para o XX, quando há efetivamente uma massa urbana, com poder de consumo.
Assim, verifica-se que a prática da comunicação é algo que foi desenvolvido
em diferentes civilizações, pois o homem é um ser social que organiza sua inte-
ração por meio da linguagem e dos signos. No entanto, a prática da comunica-
ção enquanto atividade profissional, com jornalistas e publicitários reconhecidos
como comunidade profissional, com direitos e deveres, é algo que só se concretiza
de maneira mais sistemática a partir dos séculos XIX e XX.
A estruturação dos campos profissional e científico da comunicação podem
ser explicados a partir das décadas de 1960 e 1970 do século XX, no Brasil. A
era do milagre econômico e o aperfeiçoamento gradativo dos equipamentos in-
ventados (rádio e TV) propiciaram a integração e modernização das indústrias da
comunicação.
Na década de 1960, as universidades começaram a ampliar a oferta de car-
reiras no âmbito da comunicação, em especial a Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Escola de Comunicações Culturais da
Universidade de São Paulo (ECA-USP), que em 1966 já contava com a forma-
ção em Jornalismo, Relações Públicas, Radiotelevisão e Cinema. Um marco im-
portante foi o Congresso Nacional de Comunicação, convocado pela Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), em 1971, no Rio de Janeiro (RJ). Era a primeira vez
que pesquisadores, líderes sindicais e representantes de todas as áreas empresariais
da Comunicação participavam de uma reunião.
capítulo 1 • 19
É importante compreendermos que essa confusão em torno do objeto co-
municacional revela-se, sobretudo, pelo fato de que os processos comunicativos
atravessam praticamente toda a extensão das Ciências Humanas.
(...) a natureza dos estudos em Ciências Humanas, que tem no homem, um ser essencial-
mente comunicativo, seu objeto comum – faz com que a análise dos processos comuni-
cativos seja um ponto de passagem quase que obrigatório, o que dificulta a delimitação
mais precisa do objeto da comunicação, uma vez que ele se encontra misturado às
análises de outras disciplinas. (MARTINO, 2010, p. 28)
Vera França (2015) questiona-se sobre qual seria o objeto da Comunicação. Ela
afirma que, na realidade, há um conjunto de objetos empíricos, bastando que nós
observemos com atenção, para nos depararmos com o programa de rádio e TV, um
outdoor, as campanhas políticas, as revistas e jornais, as conversas cotidianas, os cor-
pos tatuados. Mas estes objetos não estão “prontos e acabados”, pois necessitam de
um recorte, um determinado olhar que deve ser aplicado aos mesmos a fim de que
realmente se configurem como objetos da comunicação, porque “o objeto da comu-
nicação não são os objetivos comunicativos do mundo, mas uma forma de identifi-
cá-los, de falar deles – ou de construídos conceitualmente. (FRANÇA, 2015, p. 42)
A partir desse ponto, podemos inferir que pensar unicamente os meios de
comunicação de massa enquanto objetos da Comunicação é reducionista, não
porque estes não o possam ser, mas porque é necessário dar um tratamento co-
municacional a esses objetos, que, caso contrário, poderiam ser perfeitamente es-
tudados por outra ciência humana. Além do mais, você já viu que a comunicação
humana vai muito além da comunicação massiva, estando presente em nossas
interlocuções face a face ou mesmo nas formas de comunicação digital.
Martino (2010), em uma frase, ajuda para que avancemos na busca pelo objeto da
comunicação, ao afirmar que tal objeto é “uma leitura do social” a partir dos meios de
comunicação e/ou modalidades comunicativas. Tal movimento envolve uma mirada
na qual os meios de comunicação e a cultura de massa não se opõem nem se reduzem
um ao outro, mas exigem uma relação de reciprocidade e complementação.
A emergência da nossa disciplina reside na compreensão das condições de pos-
sibilidades históricas dos processos comunicativos e das práticas que envolvem a
utilização dos meios de comunicação e o seu objeto de estudo. Um sociólogo, por
exemplo, ao refletir sobre os discursos de determinado jornal em dado contexto,
talvez consiga, a partir da análise das matérias, representar as condições históricas
capítulo 1 • 20
e sociais em jogo, algo que o trabalho de um comunicador também deveria dar
conta, talvez não com o mesmo nível de profundidade. Contudo, o estudo do
sociólogo, possivelmente, não traria para o debate as condições da produção noti-
ciosa, os critérios de noticiabilidade, seleção e hierarquização da informação, tam-
pouco as características da materialidade jornal impresso, pois estas são questões
mais caras ao universo comunicacional, embora também tendam a ser tratadas
tangencialmente e superficialmente por outros campos. O mesmo se aplicaria a
um sociólogo refletindo sobre peças publicitárias. Talvez esse intelectual retratasse
brilhantemente o contexto social de origem das peças, mas dificilmente seria hábil
ao analisar as cores e os elementos da peça de um modo mais técnico/teórico, ou
mesmo, refletir sobre os arquétipos que cada peça sugere.
Para França (2010, p. 39), não se trata apenas de “um objeto que está à nossa
frente disponível aos nossos sentidos, materializado em objetos e práticas que po-
demos ver, ouvir e tocar”.
Para a pesquisadora, seria reducionista ou simplista demais estabelecer o obje-
to da comunicação como algo que depreende das possíveis formas exploradas pela
sociedade contemporânea, desde os meios às trocas simbólicas (da produção dos
corpos às marcas de linguagem).
capítulo 1 • 21
Conhecimento científico
capítulo 1 • 22
Vale salientar que Vera França também chama a atenção para o conhecimento
como fenômeno social e histórico, ou seja, sujeito a condicionamentos e influên-
cias. “O que significa: é também parcial e sujeito a erros.” (FRANÇA, 2010, p. 44)
Ou melhor, o conhecimento científico por vezes não ultrapassa o senso comum e,
desta maneira, pode ser atravessado pelo viés dos interesses de posições de poder.
A diferença, porém, reside na constante tentativa da objetividade, pela autocrítica
de métodos e resultados, pela constante validação.
Essa vinculação com a realidade não é – ou não pode ser – uma retórica vazia na dis-
cussão sobre o conhecimento. Vinculada às outras formas de conhecimento, a ciência
pretende alcançar um maior refinamento, um maior alcance. Outras diferentes formas
de conhecimento atendem a diferentes objetivos (sobreviver, viver bem, experimentar,
melhorar nossa posição etc.) em um processo em que o conhecimento é apenas fator
subsidiário ou decorrente. (FRANÇA, 2010, p. 45)
SAIBA MAIS
Em notícia publicada pelo Jornal O Globo, em 2014, na ocasião da agressão contra o
jogador Daniel Alves, o jornalista usa o episódio da “banana” como um gancho para abordar
o estudo dos crânios que Samuel George Morton fez no século XIX. Hoje, a teoria da supe-
rioridade do crânio dos caucasianos não é mais reconhecida, mas assumiu estatuto científico
na época. Isso porque, naquele contexto, a partir do qual o nazismo se erigiu, as condições
históricas eram favoráveis a essas prerrogativas, que hoje consideramos racistas e eugenis-
tas, apesar de o racismo persistir, conforme abordado no trecho da notícia abaixo:
“Ele angariou fama em seu país e na Europa no século XIX disseminando a teoria de que
a superioridade racial é corroborada pelo estudo dos crânios. Aqueles de estrutura mais com-
plexa e avançada, um sinal inegável de inteligência e maior capacidade de raciocínio, seriam
os de caucasianos. Seu argumento resistiu por 150 anos. Foi analisado por figuras como
Charles Darwin, convenceu abolicionistas e só foi definitivamente desmantelado na década
de 1980, embora as manifestações racistas persistam.” (GRANDELLE, 2014)
Confira a matéria na íntegra disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/
historia/estudo-de-cranios-serviu-como-base-falha-ciencia-do-racismo-12370323>.
Acesso em: jun. 2019.
capítulo 1 • 23
e sociais, pela luta simbólica entre intelectuais envolvidos, ou seja, há toda uma
questão de ordem política que subjaz o conhecimento científico. O exercício da
boa ciência, no entanto, no âmbito das sociais e humanidades, reconhece essas
condições e até as problematiza, além de se ater ao método e ao rigor científico.
Como principais objetivos da ciência, podemos citar o desejo de compreender
o mundo, de facilitar a vida e a prevenção de fenômenos e controle da natureza.
França indica um duplo movimento na relação entre a ciência e a prática. Uma
teoria sem prática é abstração, uma vez que é a partir da prática que surgem as
questões, as problemáticas. “O homem teoriza não apenas porque pensa, mas
porque sente, age, se relaciona.” (FRANÇA, 2010, p. 45)
A pesquisadora lembra que cabe à teoria produzir reflexões sobre o mundo.
Esse movimento do conhecimento ajuda a entender porque os estudos da comu-
nicação são recentes, já que, como vimos, a comunicação só passa a ser vista como
um problema a partir dos meios de comunicação de massa.
Engana-se, no entanto, quem acredita que só o conhecimento científico pro-
duz explicações. O processo do cotidiano, as relações estabelecidas no terreno da
Comunicação produzem conhecimento sobre ela.
Mas ao lado desse conhecimento, no entanto, outro esforço compreensivo vem sendo
desenvolvido no campo da ciência, através do desenvolvimento de inúmeros estudos
sobre os meios de comunicação e a realidade comunicativa. A teoria ou teorias da comu-
nicação são o resultado e a sistematização dessas inúmeras e distintas iniciativas, com
pretensão científica, de conhecer a comunicação. (FRANÇA, 2010, p. 47)
capítulo 1 • 24
ativação do conhecimento objetivo, pese, por exemplo, o estímulo a cursos profis-
sionalizantes na área de comunicação, em que o jornalismo foi o maior expoente.
Essas práticas antecederam as proposições teóricas, que chegaram à posteriori,
abrindo para a formação técnica a dimensão humanística e social. A consequên-
cia dessa ordem invertida pela prática trouxe alguns inconvenientes e distorções,
como aponta França.
capítulo 1 • 25
Não podemos esquecer que a mobilidade do objeto empírico da Comunicação,
principalmente no que tange à verdadeira revolução tecnológica, dá-se no ritmo
que supera a reflexão acadêmica.
São distintos o tempo da reflexão e o tempo da prática; mais ainda essa distinção se faz
sentir em um campo em que a prática se renova quase anualmente. O que impossibilita
o acompanhamento mais próximo e torna rapidamente ultrapassados muitos esforços
investigativos. (FRANÇA, 2010, p. 49)
capítulo 1 • 26
sim em teorias, cada qual advinda de um contexto social específico, a partir de
autores que compartilham certas premissas, ou seja, que são orientados por um
paradigma.
A ideia de paradigma foi criada por Thomas Kuhn (1970) e é oriunda do
grego, significando representar de maneira exemplar. As ciências evoluem através
de paradigmas, que são modelos e interpretações de mundo ou abordagens, en-
foques. É como uma espécie de paisagem mental que ajuda a orientar o olhar do
cientista, tanto na maneira como ele percebe e recorta o objeto, quanto na meto-
dologia que emprega e autores que aciona.
Para criar uma analogia, poderíamos afirmar que cada ciência envolve uma
grande cultura, premissas básicas que serão compartilhadas por todos. O publicitá-
rio, por exemplo, é tido como um grande criativo e tal característica do campo é tão
forte que é experimentada pela maior parte dos publicitários, mesmo que alguém
de atendimento não tenha isso tão introjetado como um diretor de criação (ou seja,
temos aqui diferentes maneiras de perceber os fatos a partir da atividade em ques-
tão). Contudo, a publicidade feita no Brasil é muito diferente da de outros países e
mercados, o que mostra paradigmas diferenciados, em diálogo com questões locais.
O mesmo ocorre com relação às teorias que buscam analisar os processos co-
municacionais: você verá que nos Estados Unidos, no início do século XX, por
exemplo, alguns autores percebiam a comunicação de uma maneira bem diferen-
ciada da escola alemã, por exemplo. E, mesmo dentro de cada tradição teórica,
embora possamos pensar em um paradigma que oriente os autores, de maneira
geral, não há total consenso.
Ao falarmos de paradigma no âmbito das teorias da comunicação, portanto,
estamos supondo ordenação, método, quadros de referência e determinada paisa-
gem mental.
A prática científica, ao formular leis, teorias, e explicações cria modelos que
fomentam as tradições científicas e fornecem problemas e soluções para uma co-
munidade científica. Entender as ciências é conhecer sua prática, seu funciona-
mento e seus mecanismos. É compreender o comportamento do cientista, suas
atitudes e suas decisões, pois os paradigmas moldam nossa visão de mundo e
comportamento, pressupondo, então, um viés ideológico e lógico.
Todo campo tem uma racionalidade própria e, à medida que você avança em
um curso na universidade, por exemplo, vai identificando os principais modelos,
esquemas lógicos e teorias, pois não entender a lógica do campo de atuação pode
capítulo 1 • 27
significar exclusão da área, já que isso pode ser exigido em uma entrevista, em sua
empresa e, especialmente, na pesquisa e docência.
Por meio da educação, o jovem adquire os esquemas conceituais de sua ati-
vidade. A ciência é uma tentativa de forçar a natureza (física e social) a esquemas
conceituais fornecidos pela educação profissional, que permite a apreensão e a
internalização dos pressupostos de determinado saber.
Segundo Kuhn (1970), há três fases envolvidas no processo de conhecer, sen-
do elas:
• Estágio pré-científico. Nesse ínterim, não há sistematização nem método,
mas a atitude de contemplação que pode levar a uma busca propriamente cientí-
fica. Nesse ponto, há cientistas tentando fazer ciência, mas não há nenhum tipo
de consenso. É com o surgimento de paradigmas, como a mecânica de Aristóteles,
a óptica de Newton e a teoria da eletricidade, que algumas disciplinas puderam
adentrar a fase científica.
• Ciência normal. O papel fundamental da ciência normal não é de mos-
trar novidades. Ela pretende explicar algum fato por paradigmas existentes. O
conhecimento dado em escolas está nesse âmbito, bem como boa parte do próprio
conhecimento universitário. É o conhecimento aceito, legítimo.
• Ciência extraordinária ou revolucionária nada mais é do que a adoção de
outro paradigma, isto é, de visão de mundo. A partir de contradições que surgem
dentro da ciência normal, precedentes vão sendo criados para que alguns cientistas
contestem o conhecimento já aceito. Isso não ocorre sem que os representantes da
ciência normal tentem ao máximo fornecer explicações que refutem as anomalias
surgidas, esvaziando o movimento contestatório. Uma vez que a proposta de ex-
plicação da ciência revolucionária passe a ser reconhecida pelo campo científico,
o conhecimento deixa de ser revolucionário para se tornar ciência normal. No
entanto, o fato de uma explicação substituir a outra não necessariamente significa
que o paradigma “vencido” era errôneo, pois há toda uma demanda das conjuntu-
ras históricas nas quais os cientistas estão inseridos.
RESUMO
Nesta unidade, você pôde acompanhar, a partir da perspectiva acadêmico-científica, que
deslocou os teóricos Luiz C. Martino e Vera França, em especial, a epistemologia e origem
histórica do fenômeno da comunicação, bem como o caráter interdisciplinar de um campo
capítulo 1 • 28
e a forma de modelagem do objeto de estudo desta área, primeiro sob a égide hegemônica
de outros saberes. Depois, constituindo-se de um caráter mais independente, mas que ainda
está construindo as subjetividades teórico-metodológicas para o estudo de sua empiria.
Em um primeiro momento do capítulo, você acompanhou o pensamento de Martino
(2010), conhecendo a evolução do termo que deu origem à palavra comunicação e enten-
dendo que essa comunicação foi se sedimentando a partir das práticas sociais, gerando
diferenças que embasaram uma polissemia quando pensamos na palavra. O sentido etimo-
lógico de troca, mesmo ao se tratar de um vocábulo secular, perdura e ainda ajuda a explicar
a Comunicação.
Outra questão importante foi compreendermos diferentes modalidades comunicativas,
com a distinção entre interações de seres brutos, orgânicos e do Homem, com a comunica-
ção simbólica, que envolve cultura e convenções sociais. Mesmo a comunicação simbólica
pode variar muito conforme a materialidade envolvida, pois uma coisa são os encontros face
a face, outra dinâmica permeia as comunicações massivas, com diferenças entre os vários
meios possíveis (cinema, rádio, TV, publicidade) e outro universo nos é possível apontar a
partir do ciberespaço.
Em outro momento do capítulo, fizemos uso das teorizações de Martino sobre a interdis-
ciplinaridade e, novamente, falamos do objeto de estudo da comunicação, que ainda carece,
na visão do pesquisador, de definições conceituais mais elaboradas e da possibilidade de se
identificar, no estudo dos meios de comunicação, um fio condutor que permitiria ao pesquisa-
dor da comunicação atravessar os vários níveis de uma problemática complexa, utilizando-se
de uma gama bastante variada de saberes, sem no entanto, perder de vista a integralidade
de um objeto próprio.
E, sob outras formas de olhar o objeto, o capítulo expressa o pensamento e as propo-
sições da pesquisadora Vera França, que trabalha a perspectiva do objeto da comunicação
inicialmente como construção histórica e social que precisa ser entendida sob a égide e a
reflexão do próprio processo de conhecer, o que implica não só acionar um objeto empírico,
como o rádio ou a televisão, por exemplo, mas dar um tratamento a esse objeto que o qua-
lifique enquanto estudo comunicacional, promovendo uma leitura social a partir de um meio
de comunicação.
Vimos, com o pensamento da pesquisadora, que a construção das teorias da comuni-
cação ainda tem no seu alicerce bases heterogêneas, descontínuas e complexas, mas que
começa a ganhar corpo e estoques de conhecimento, que podem levar à tradição, tão neces-
sária à fala legitimada da ciência no reconhecimento dos campos de saberes.
capítulo 1 • 29
SAIBA MAIS
Há congressos científicos renomados no campo da comunicação, como a Intercom e
a Compós. Você sabia, por exemplo, que a Intercom permite que alunos já na graduação
apresentem trabalhos, desde que orientandos por um professor? Uma ótima maneira de
compreender a abrangência do campo comunicacional é analisar as temáticas, recortes e
metodologias presentes nos artigos produzidos pelos pesquisadores. Acessando o site des-
ses congressos, basta procurar pelos anais – que disponibilizam, nesses casos, os artigos
gratuitamente na íntegra, divididos pelos Grupos de Trabalho (GT) temáticos. Selecione os
anais de algum ano que deseje explorar, escolha um GT que te agrade e confira alguns arti-
gos acerca dos tópicos que mais lhe interessam.
AUTORES
Luiz Claudio Martino: Professor Titular em Teorias e Epistemologia da Comunicação
da Universidade de Brasília e Pesquisador 1C do CNPq (Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Científico e Tecnológico – Ministério da Ciência e Tecnologia). Chercheurinvitéau
GRICIS, Montréal. Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (1989), Especialização em Filosofia pela UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1991), Mestrado em Escola de Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1992), Mestrado em Psicologia pela Fundação Getúlio Vargas e Universidade Federal do Rio
de Janeiro (1992), DEA em Sciences Sociales: Cultures et Comportaments – Université de
Paris V (René Descartes) (1993) e Doutorado em Sociologia – Université de Paris V (René
Descartes) (1997). Membro de Comitê de Assessoramento CAPES (2000 a 2009). Consultor
ad hoc CAPES e CNPq. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Estudo de
Meios, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria da comunicação, epistemologia da
comunicação, história da comunicação, meios de comunicação, tecnologia da comunicação.
capítulo 1 • 30
Etudesen Sciences Sociales (EHESS), na França (2005-2006). Foi presidente da Associação
Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS) no biênio 2001-
2003. Pesquisadora 1B do CNPq, tem desenvolvido e orientado projetos em torno dos proces-
sos interativos midiáticos, com ênfase na televisão; na relação popular/midiático; na construção
do acontecimento e no conceito de público enquanto forma e experiência.
ATIVIDADES
01. Estabeleça semelhanças entre os pensamentos acerca do objeto da comunicação pre-
sentes nas proposições dos pesquisadores Luiz C. Martino e Vera França.
02. Escolha um tema/objeto que poderia ser alvo de estudo e apresente à turma as condições
que o levariam a ser um estudo da comunicação e identifique qual saber interdisciplinar trafe-
garia na pesquisa. França sinaliza a presença de uma “dinâmica invertida”, ou seja, as reflexões
teóricas acerca da prática ocorreram quando esta já estava relativamente consolidada.
03. Explique, a partir dos pressupostos do professor Luiz C. Martino a evolução conceitual
do termo comunicação.
04. Identifique e justifique, de acordo com as proposições da professora Vera França, a dife-
rença entre o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico.
05. Explique a noção de paradigma elaborada por Thomas Kuhn, bem como as três fases
do conhecimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FRANÇA, V. O objeto da comunicação – A comunicação como objeto. In: HOLFELDT, Antonio e outros
(orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010,
p. 39-60.
GRANDELLE, R. Estudo de crânios serviu como base à falha ciência do racismo. O Globo. Rio de
Janeiro, 3 maio 2014. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/historia/estudo-de-
cranios-serviu-como-base-falha-ciencia-do-racismo-12370323>. Acesso em: 26 nov. 2018.
capítulo 1 • 31
HOHLFELDT, A. Teoria da Comunicação: a recepção brasileira de das correntes do pensamento
hegemônico. In: MELO, J. M. (org) O campo da comunicação no Brasil. Petrópolis: Ed. Vozes, 2008,
p. 23-36.
KUHN, T. S. The Structure of Scientific Revolutions. 2 ed., enlarged. Chicago and London:
University of Chicago Press, 1970.
MARTINO, L. C. De qual comunicação estamos falando? In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs).
Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010, p. 11-
25.
_________. Interdisciplinaridade Objeto de estudo da comunicação. In: HOLFELDT, Antonio e outros
(orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010,
p. 27-38.
MELO, J. M. Introdução: o campo da comunicação no Brasil. In: MELO, J. M. (org). O campo da
comunicação no Brasil. Petrópolis: Ed. Vozes, 2008, p. 11-20.
PEIRCE, C. S. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix, 1972.
WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1995.
capítulo 1 • 32
2
Escola
Norte-Americana
Escola Norte-Americana
A definição de comunicação, bem como os critérios para estabelecer qual teo-
ria se enquadraria no campo comunicacional e o porquê, ainda são objetos de
discussão de muitos pesquisadores, mesmo que de maneira interdisciplinar, sem a
preocupação em fixar o campo.
A ideia do capítulo é situar o leitor, a partir dos paradigmas integrantes da cha-
mada Escola Norte-Americana para os estudos da comunicação, que conjugava
ideias distintas, que podem até ser encaradas como dicotômicas, como o caso das
teorias pertencentes ao Mass Communication Research e a Escola de Chicago, por
exemplo. Apresentam-se modelos teóricos que, de alguma maneira, debateram
sobre as formas de comunicar na sociedade.
Vários autores são deslocados, ao longo do capítulo, para mostrar a multipli-
cidade de visões e saberes que dialogam com a pesquisa na área da comunicação.
OBJETIVOS
• Compreender a Escola Norte-Americana da comunicação;
• Entender o que une as teorias do Mass Communication Research;
• Reconhecer a heterogeneidade da Escola Norte-Americana, com as vertentes marginais;
capítulo 2 • 34
que entende a vida social por meio da interação social realizada pelos indivíduos
entre si, mas esse interagir acontece por conta da observação dos processos comu-
nicacionais. Isso inicia um novo campo de pesquisa na área e a possibilidade de
teóricos próprios.
Por fim, na década de 1940, autores da Escola de Palo Alto, de áreas diferentes
como Antropologia, Linguística, Sociologia, Matemática e a Psiquiatria propuse-
ram outra tradição de estudos em comunicação. Bateson, Goffman e Watzlawick,
entre outros, acreditam que a compreensão da comunicação se dá por um processo
social permanente e que deve ser estudado a partir de um modelo circular.
Você deve compreender a centralidade do Mass Communication na tradição
da Escola Norte-Americana. A Escola de Chicago inicia suas atividades em 1910
e perde sua supremacia pouco antes da Segunda Guerra Mundial, na década de
1930 para o Mass Communication, que acaba também ofuscando o Interacionismo
Simbólico e a Escola de Palo Alto. Tais correntes, segundo Araújo (2010), se de-
senvolveram de forma marginal nos EUA, o que acabara por constituir campos
de pesquisa restritos às áreas em que se originaram, com mínima influência em
outros países, até a década de 1960, quando o Mass Communication perde sua
força, abrindo espaço para novas perspectivas teóricas.
Escola de Chicago
capítulo 2 • 35
A cidade é um lugar privilegiado de observação do pesquisador dessa vertente,
que visava estudar a mobilidade urbana, as desigualdades sociais, os processos
de marginalização e as peculiaridades simbólico/estruturais de comunidades tidas
como degradadas, a fim de alterar a realidade de tais locais. Isso porque alguns pes-
quisadores dessa vertente possuíam um ímpeto reformista, apesar de reconhece-
rem riqueza e organização social naquilo que, aparentemente, parecia ser caótico.
Vale ressaltar que, de acordo com França (2014, p. 144), no caso da Escola de
Chicago sua hegemonia se manteve na sociologia americana até meados de 1930,
quando se consolidou outra tradição sociológica nos EUA, conhecida por Mass
Communication Research.
capítulo 2 • 36
comunicação assume moldes no projeto de planificação e racionalização da so-
ciedade. No entanto, foi na Segunda Guerra Mundial que a potencialidade e o
alcance da comunicação tiveram maior expressão, através de programas desenvol-
vidos pela Alemanha nazista. A finalidade era a de controlar e manipular política e
ideologicamente, a partir da combinação de formas interpessoais e massivas, pela
utilização máxima dos meios disponíveis.
No contexto da Guerra Fria e na política intervencionista americana há um
aperfeiçoamento e maior análise na utilização dos meios como instrumentos de
difusão de produtos culturais.
Nesse ínterim que a comunicação deixa de ser uma atividade natural do ser
humano e começa a passar por um processo de desfamiliarização/questionamento
da comunidade acadêmica. A própria obra de um dos pais fundadores do Mass
Communication, Harold Lasswell, nos ajuda a compreender a centralidade que os
meios de comunicação vão assumindo no seio acadêmico. Se na década de 1920
o autor produziu quatro textos sobre propaganda, sendo considerado inclusive o
primeiro a escrever cientificamente sobre o tema, entre 1930 e 1950 ele redigiu
48 textos sobre comunicação e/ou propaganda, incluindo o verbete presente na
Enciclopédia de Ciência Sociais. (VARÃO, 2017)
Sendo assim, a comunicação de massa ganha vulto, e a comunicação é encara-
da como fenômeno social. Além da intra comunicação, proposta pela Psicologia,
que ocorre no indivíduo internamente, a comunicação interpessoal, entre duas
pessoas e a comunicação grupal, entre uma pessoa e um grupo ou vice-versa, ga-
nha fôlego o que chamamos de comunicação de massa, ou media.
capítulo 2 • 37
Nesse sentido, para o pesquisador, esse intermediário tanto pode tratar-se do
jornalista (que busca e constrói a notícia), quanto do publicitário e do cineasta,
que difundem cultura a partir de tecnologias que se encarregam da distribuição
dessa informação.
Se pensarmos, pois, a comunicação como um fenômeno social possível a par-
tir da linguagem, entendemos então, a implicação de um número maior de atores
no processo comunicativo. Para Hohlfeldt (2010), precisa ficar claro a existência
de uma íntima relação entre os processos comunicacionais e os desenvolvimentos
sociais, já que o ato comunicativo, ao permitir a troca de mensagens, estabelece
várias funções, tais como: informar, criar consenso de opiniões, persuadir, conven-
cer, constituir identidades, entreter.
Essas diferentes funções foram alvo das pesquisas norte-americanas, que sedi-
mentaram vários modelos teóricos ao longo do século XX, visando compreender
as relações entre a comunicação e a sociedade. Você verá algumas perspectivas da
Escola Norte-Americana, tidas como visões funcionalistas, que buscavam com-
preender as funções sociais desempenhadas pelos meios de comunicação.
SAIBA MAIS
Podemos considerar o funcionalismo como uma corrente de pensamento da Sociologia
que compreende a sociedade como um organismo composto por diversas partes, tal qual o
corpo humano formado por distintos órgãos, cada qual com uma função específica. Nesse
sentido, a mídia também é encarada pelas funções que exerce para o salutar dos grupamen-
tos humanos, como determinadas formas de pensar e agir, bem como a interação e a coope-
ração, tão necessárias ao mundo do trabalho e perpetuação da herança cultural.
capítulo 2 • 38
desgovernado, que assimilaria as mensagens de modo homogêneo, sendo guiado
pelos meios de comunicação de massa.
Contudo, você deve estar pensando que essa visão hoje em dia parece estra-
nha, já que temos acesso a pontos de vista tão plurais das pessoas, especialmente se
observamos as redes sociais, certo? Nesse ponto nos cabe alertar para que você não
adote uma postura anacrônica, ou seja, não veja os fenômenos sociais e históricos
do passado a partir das suas lentes do presente, não considerando os acontecimen-
tos históricos do momento em questão. Conforme já abordado, a Escola Norte-
Americana estava muito relacionada à expansão político-ideológica dos EUA e
intimamente ligada a um contexto de guerra. Ora, era necessário envolver os cida-
dãos na guerra, no sentido de os mesmos apoiarem a pátria contra o inimigo, além
de suportarem as possíveis privações em um Estado em guerra.
Os cidadãos tinham de odiar o inimigo, amar sua pátria, e devotar-se ao máximo ao es-
forço de Guerra. Não se podia depender de que o fizessem por conta própria. Os veícu-
los de comunicação de massa disponíveis então tornaram-se as principais ferramentas
para persuadi-los a agir assim. (GUARALDO, 2007, apud Melvin DeFleur, 1993)
capítulo 2 • 39
Devemos lembrar que o Estado era um grande anunciante nesse contexto,
bastando que você se recorde do famoso cartaz do Tio Sam, criado em 1917, pelo
artista James Flagg, que desenhou a figura idosa em um cartaz com o dedo em
riste e com a frase I Want You for US Army (“Eu Quero Você para o Exército dos
EUA”). Tal peça fora encomendada pelas Forças Armadas dos Estados Unidos,
que recrutava soldados para a Primeira Guerra Mundial.
SAIBA MAIS
Caso queira ver peças publicitárias difundidas durante a Primeira Guerra Mundial, a fim
de compreender como a persuasão era exercida como estratégia, a partir dos meios de co-
municação de massa, acesse:
<https://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategiasensino/propaganda-primeira
guerra-mundial.htm> ou
<http://www.momentosdehistoria.com/MH_06_01_Patriotismo.htm>. Acesso em: jun.
2019.
capítulo 2 • 40
A partir destas proposições, implementa-se o modelo comunicativo da teoria
hipodérmica, ou seja, a de um processo iniciado nos meios de comunicação, que
atingem os indivíduos, provocando determinados efeitos. Por essa teoria, a figura
do indivíduo é totalmente passiva, exposta ao estímulo vindo dos meios.
[...] o que permite dar unidade a esse conjunto de estudos, são quatro características
comuns. A primeira delas é a orientação empiricista dos estudos, tendendo, na maio-
ria das vezes, para enfoques que privilegiam a dimensão quantitativa. A segunda é a
orientação pragmática, mais política do que científica, que determinou a problemática
de estudos. As pesquisas de comunicação dessa tradição de estudos têm origem em
demandas instrumentais do Estado, das Forças Armadas ou dos grandes monopólios
da área da comunicação de massa e têm por objetivo compreender como funcionam os
processos comunicativos com o objetivo de otimizar os resultados. A terceira caracterís-
tica é o objeto de estudos: tratam-se de estudos voltados, prioritariamente, à comuni-
cação mediática. Por fim, a quarta diz respeito ao modelo comunicativo que fundamenta
todos os estudos. (ARAÚJO, 2010, p. 120, grifo nosso)
capítulo 2 • 41
Dessa forma, temos como quatro características integrantes do Mass
Communication:
• Estudos empíricos, com metodologia quantitativa;
• Orientação pragmática derivada de investimentos públicos e privados;
• Estudos focados na comunicação midiática;
• Crença na onipotência da mídia e uso do conceito de massa.
capítulo 2 • 42
Assim, formulam em 1948 a teoria matemática da comunicação, que se destacou
por sistematizar o processo comunicativo, a partir de uma perspectiva técnica,
com ênfase nos aspectos quantitativos.
capítulo 2 • 43
Wiener entendeu a cibernética para além da teoria da transmissão das mensa-
gens da engenharia elétrica, e assim, a definiu como um vasto campo que contem-
plava não apenas o estudo da linguagem, mas o das mensagens:
capítulo 2 • 44
1. Articulação da parte com o todo, no sentido de integrar um sistema, como
uma newsletter em uma empresa;
2. Vigilância sobre o meio, para garantir circulação de informação e manutenção
do regime democrático, punindo/combatendo transgressões; e
3. Transmissão da herança cultural, com a mídia ajudando a perpetuar visões de
mundo e papéis sociais, o que ajuda na manutenção do status quo.
· Conclusão
QUEM
· Estudo da produção
· Mensagem
DIZ O QUE
· Análise de conteúdo
· Meio
EM QUE CANAL
· Análise de mídia
· Receptor
PARA QUEM
· Análise de audiência
capítulo 2 • 45
Tal modelo teve grande influência em toda pesquisa americana, servindo de
paradigma para as diferentes tendências de pesquisa e tornando-se, durante anos,
uma verdadeira teoria da comunicação. Repare que além das perguntas clássi-
cas feitas por Lasswell, no quadro anterior, aproveitamos para sinalizar, ao lado
direito, as frentes de pesquisa geradas por cada uma dessas perguntas, já que tal
esquematização contribui sobremaneira para organizar as possibilidades de pes-
quisa na área comunicacional, influenciando até os dias de hoje diferentes nichos/
metodologias de pesquisa.
Vale lembrar, no entanto, que o estudo de Lasswell aponta como centro do
problema os efeitos provocados pelas mensagens (ou pelos meios de comunica-
ção), em detrimento das outras questões, como o receptor e mesmo a ênfase na
técnica. O modelo de Lasswell continuava a supor o postulado da teoria da bala
mágica, uma relação behavorista de E – R (estímulo-resposta). Lasswell acreditava,
portanto, que a “a propaganda era uma forma de unificar a mente dos cidadãos,
uma sugestão direta, capaz de manipular as crenças, atitudes e ações do público”.
Outro autor conhecido por sua perspectiva funcionalista é Lazarsfeld, cuja
trajetória interdisciplinar fora marcada por uma articulação entre a Matemática,
Sociologia e Psicologia, assim como uma dedicação ao longo dos anos de sua
carreira ao estudo dos meios de comunicação. Lazarsfeld, como já ressaltado, tem
importância ímpar no Mass Communication, sendo considerado um de seus pais
fundadores, tendo sido o mentor de diversos pesquisadores que se tornariam refe-
rências no estudo da indústria publicitária.
Em parceria com Merton, Lazarsfeld percebe, assim como Lasswell, três prin-
cipais funções desempenhadas pelos meios de comunicação de massa:
1. A atribuição de status, que implica em dar destaque a determinadas figuras,
em um trabalho de seleção e ênfase no qual a mídia diz o que é importante ser
lembrado e esquecido;
2. Normas sociais: manutenção de status quo e dos padrões morais públicos;
3. Disfunções narcotizantes, o que implicaria em distração e entretenimento das
massas para promover certa apatia, falta de articulação política e aumentar a sus-
cetibilidade às mensagens midiáticas.
capítulo 2 • 46
Funções da Mídia para Funções da Mídia para
Lasswell Lazarsfeld e Merton
SAIBA MAIS
O conceito de anomia foi criado por Émile Durkheim e significa a ausência e/ou desin-
tegração das normas sociais. A anomia, portanto, era algo a ser evitado, a partir de regras,
tradições e solidariedade entre os membros de uma sociedade, com a perspectiva do grupo
prevalecendo sob a individual. Durkheim, considerado também o pai do funcionalismo, acaba
influenciando vários autores do Mass Communication Research, que buscavam compreender
as funções desempenhadas pela mídia a fim de manter o status quo, já que os pesquisadores
tinham como financiadores o Estado e as empresas privadas.
capítulo 2 • 47
• O terceiro e talvez principal grupo que compõe o Mass Communication Research
é a corrente voltada para os estudos da comunicação. Evidenciado, principalmente na
década de 1920, este grupo é composto por diversos estudos pontuais com característi-
cas comuns. Araújo (2010, p. 124) pontua, que a maior parte destes estudos, sobre au-
diências, efeitos de campanha política e propaganda era encomendada e financiada
por entidades interessadas diretamente na otimização destes efeitos, o que nos remete
para a dimensão mais política do que científica no Mass Communication. Lasswell
e Lazarsfeld dependiam de forma recorrente de fundos proveniente de instituições
públicas e privadas para realizarem suas pesquisas. Havia certa primazia dos estudos
de propaganda, em detrimento dos de jornalismo, embora o mesmo representasse um
nicho importante. “A crença nesse poder da propaganda e a noção de que ela seria
fundamental em outros conflitos armados que porventura pudessem surgir (o que era
iminente) fizeram com que se investisse alto sobre o assunto.” (VARÃO, 2017, p. 112)
Araújo (2010) destaca ainda, que os estudos mais numerosos desta época são
aqueles que procuraram relacionar a quantidade de mensagens de violência nos meios
a atitudes violentas por parte do público, principalmente o público infanto-juvenil.
capítulo 2 • 48
argumentações e a explicitação de conclusões. Exemplos que interferem na efi-
ciência do processo e na natureza dos efeitos obtidos.
Outro movimento de estudos denomina-se teoria dos efeitos limitados, que
abriga diferentes abordagens, tanto psicológicas quanto sociológicas.
Pela abordagem psicológica, o principal representante é Kurt Lewin e seus
estudos sobre as relações dos indivíduos dentro de grupos e seus processos de de-
cisão, nos efeitos das pressões, normas e atribuições do grupo no comportamento
e atitudes de seus membros. Leon Festinger, discípulo de Lewin desenvolveu em
1957, a teoria da dissonância cognitiva – conjunto de pressupostos envolvendo a
natureza do comportamento humano, suas motivações em relação ao mundo que
é experienciado por cada indivíduo.
Pela abordagem sociológica, temos os estudos desenvolvidos por Paul Lazarsfeld.
O estudioso iniciou os estudos objetivando compreender as reações da audiência
nas campanhas eleitorais políticas dos EUA. Na realidade, o candidato democrata
Franklin Roosevelt concorria à reeleição e gozava de boa popularidade junto ao pú-
blico, mas sofria forte oposição dos grandes meios de comunicação de massa norte-
-americanos. Sendo assim, Lazarsfeld viu uma oportunidade para investigar o poder
midiático no sentido de condicionar os votos, a partir de estímulos midiáticos, cana-
lizando as intenções para o candidato republicano, e não para Roosevelt.
No entanto, no curso da pesquisa, a equipe de cientistas percebe que os votos
não estavam sendo influenciados pelos meios de comunicação massivos, mas sim
pelas pessoas que conviviam com os entrevistados de pesquisa em diversos am-
bientes de sociabilidade. Lazarsfeld e seus colegas envolvidos na pesquisa refutam
a hipótese inicial e negam a possibilidade de um isolamento dos indivíduos, pers-
pectiva essa inerente à ideia de massa, “muito pelo contrário, eles (os indivíduos)
estão enredados em inúmeros grupos, que tornam suas escolhas um ato complexo
tecido nas e pelas relações sociais cotidianas.” (FERREIRA, 2017, p. 89)
É assim que a figura do líder de opinião é descoberta, o que permitiu a teoria
do fluxo binário (também conhecida como teoria da comunicação em dois tem-
pos ou two step flow). O líder de opinião funcionaria como um ator responsável
por introduzir informações no seio do grupo, geralmente para reforçar crenças que
já vigoram no grupamento social em questão. No esquema a seguir, fica nítido
como o líder de opinião é quem efetivamente consome o conteúdo midiático,
sendo responsável por distribuir essas informações no interior do grupo, para os
demais membros, que estariam sob o raio de influência desse mediador.
capítulo 2 • 49
Líder de
opinião
Meios de comunicação
de massa
Líder de
opinião
capítulo 2 • 50
(interacionismo simbólico, semiótica, Escola de Palo Alto e outras), como esco-
las europeias (corrente culturológica francesa, semiologia, Cultural Studies, de
Birmingham), o que resulta em novas abordagens acerca dos efeitos, que se dis-
tanciam dos estudos de 1930, cujo pano de fundo era o argumento hipodérmico.
Uma destas abordagens é a corrente de “Usos e Gratificações”, na qual se
destaca Katz, discípulo de Lazarsfeld. Os estudos, iniciados na década de 1970,
subvertiam a pergunta clássica “o que os meios fazem com as pessoas” para bus-
car compreender “o que as pessoas fazem com os meios”. É trabalhada a ideia de
uma “leitura negociada”. Investiga-se a atividade de apropriação promovida pelos
receptores das mensagens midiáticas. A partir de então, o receptor é um sujeito/
agente, com práticas de processos de interpretação e satisfação de necessidades.
Ou seja, a perspectiva behavorista que pregava efeitos diretos é deslocada, ceden-
do espaço para uma abordagem sociológica na qual há uma esfera de influência
midiática, e não um condicionamento.
Outra abordagem a se destacar é a hipótese do agenda setting, também co-
nhecida como teoria dos efeitos a longo prazo. Deslocando os estudos de Araújo
(2010, p. 129), essa abordagem “parte da construção teórica que pensa a ação dos
meios não como formadores de opinião, causadores de efeitos diretos, mas como
alteradores da estrutura cognitiva das pessoas”. Para os pesquisadores desse mo-
vimento, o modo dos indivíduos de conhecer o mundo é modificado a partir da
ação dos meios de comunicação de massa, é o agendamento de temas e assuntos
na sociedade. Essa corrente substitui, portanto, a ideia dos efeitos imediatos, por
efeitos percebidos em um período maior de tempo.
Em suma, podemos dizer que o movimento evolutivo da pesquisa norte-ame-
ricana, segundo Araújo (2010) é marcado pela consolidação de uma grande pers-
pectiva teórica presente na teoria matemática e pela questão-programa de Lasswell,
estudos preocupados com as funções da comunicação e sobretudo com as questões
dos efeitos, além de terem tratamento quantitativo e cuja lógica reside no modelo
hipodérmico. No entanto, a partir da década de 1960 em especial, a questão da
linearidade na comunicação e o entendimento de uma mídia onipotente abrem
espaço para uma visão mais relativista, que passa a considerar a importância de
outros fatores, conforme sinaliza Araújo (2015, p. 130).
capítulo 2 • 51
Para além desse movimento de revisão, que rompe com a linearidade do pro-
cesso comunicacional e passa a considerar a importância do contexto e do recep-
tor, a Escola Norte-Americana também não abriga somente teorias que possam ser
enquadradas no Mass Communication Research, conforme foi ressaltado na abertu-
ra desse capítulo. Devemos ter em mente que “a designação ‘escolas’ pode ser ilu-
sória” (MATTELART, 2012, p. 11), já que a mesma teria a capacidade de abrigar
autores e pressupostos que não implicam em uma homogeneidade. Esse é o caso
da Escola de Chicago e da vertente de Palo Alto, ambas consideradas pertencentes
à Escola Norte-Americana, por uma questão geográfica e mesmo de produção,
que coincidiu temporalmente com a Mass Communication, mas que diferem bas-
tante da proposta sobre a qual nos debruçamos até o momento nesse capítulo.
Essas correntes de estudos exteriores à Mass Communication Research também
possibilitaram que as pesquisas norte-americanas desconstruíssem o paradigma
hipodérmico, reabilitando correntes de estudos com pressupostos diversos.
Por uma questão de evolução temporal, começamos o capítulo com a Escola de
Chicago, cujo ápice foi de 1910 a 1930, e passamos por diferentes abordagens do
Mass Communication, com protagonismo nas décadas de 1920 a 1960, influencian-
do também novas teorias, como a dos usos e gratificações e a do agenda setting. Agora
você conhecerá um pouco mais sobre a Escola do Palo Alto, que pode ser situada
na década de 1940 e, assim como Chicago, também pode ser considerada marginal.
A Escola de Palo Alto surge nos anos 1940, nos Estados Unidos. É formada
por um grupo distinto de pesquisadores com diferentes formações (Antropologia,
Linguística, Matemática, Psicologia). Vale ressaltar que este grupo de estudiosos
adota uma posição contrária à teoria matemática da comunicação proposta por
Shannon e Weaver, bem como o modelo comunicacional de forma linear. Para
eles, a teoria da informação deve ser deixada de lado e a comunicação deve ser vista
e observada a partir de um modelo circular.
Para os pesquisadores de Palo Alto, o receptor é tão importante quanto o emis-
sor dentro do processo comunicativo, e a análise do contexto se sobrepõe à do con-
teúdo, sendo possível deduzir uma lógica comunicacional de acordo com a situa-
ção pesquisada. Santos (2008, p. 63) apresenta três hipóteses formuladas por esses
estudiosos.
capítulo 2 • 52
• A essência da comunicação reside em processos relacionais e interacionais, o
que implica dizer que a comunicação acontece na relação com o outro, e por meio
da interação entre ambos;
• Todo comportamento humano tem valor comunicativo, ou seja, tanto a
comunicação verbal quanto a não verbal gera possibilidade comunicativa;
• As perturbações psíquicas remetem a perturbações da comunicação do indi-
víduo com o seu meio, logo o comportamento humano é influenciado e pode ser
indicação do meio social em que está inserido.
Pesquisa de
audiência
Teoria
Matemática
Perspectiva Escola de
funcionalista Escola de Palo Alto
(Lasswell e Chicago
Lazarsfeld)
capítulo 2 • 53
Escola Americana pós 1940, relativização da teoria hipodérmica
Usos e
Vertente gratificações e
sociológica agenda setting
Vertente do efeitos
psicológica limitados:
dos efeitos Fluxo binário
Abordagem limitados:
da persuasão Kurt lewin e
(Caris hovland) teoria da dissonância
cognitiva
RESUMO
O capítulo abordou as matrizes teóricas das Escolas Norte-Americanas, que levaram à
criação de vários modelos teóricos desenvolvidos, principalmente ao longo do século XX, na
tentativa de se compreender as relações entre a comunicação e a sociedade. Começamos com
a Escola de Chicago, de tradição sociológica, que se desenvolveu entre o fim do século XIX e
as primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos. Dentro dessas condições de possi-
bilidades históricas, os estudos dessa escola contribuíram para refletir para a constituição dos
grupos na cidade e as relações interpessoais. Devemos lembrar também a influência da escola
em autores clássicos do Mass Comunication, como é o caso de Lazarsfeld, filiado no início de
sua vida acadêmica a essa vertente, e Lasswell, que se formou em Chicago e lecionou no local.
Para ajudar na sistematização das variações de correntes teóricas dessa Escola, des-
locamos os estudos do pesquisador Carlos Alberto Araújo, e a divisão sistêmica dos grupos
que compõem os estudos norte-americanos: o primeiro deles é a teoria matemática da
comunicação (Shannon e Weaver).
O segundo grande grupo, segundo Araújo (2010), é a corrente funcionalista, originada
a partir dos estudos de Lasswell. O terceiro e talvez principal grupo que compõe a Mass
Communication Research é a corrente dos estudos voltados para audiência. As pesquisas
desenvolvidas nesta época e nas duas décadas seguintes têm um modelo teórico comum,
denominado por vários autores teoria hipodérmica.
capítulo 2 • 54
Outro movimento de estudos denomina-se teoria dos efeitos limitados. Abriga diferentes
abordagens, tanto psicológicas quanto sociológicas, além da teoria de usos e gratificações.
Abordou-se também a Escola de Palo Alto, que surge nos anos 1940, nos Estados Uni-
dos. É formada por um grupo distinto de pesquisadores com diferentes formações (Antropo-
logia, Linguística, Matemática, Psicologia). Vale ressaltar que este grupo de estudiosos adota
uma posição contrária à teoria matemática da comunicação proposta por Shannon Weaver e
o modelo comunicacional de forma linear. Para eles, a teoria da informação deve ser deixada
de lado e a comunicação deve ser vista e observada a partir de um modelo circular.
ATIVIDADES
01. O Mass Communication Research é uma vertente formada pela contribuição de diver-
sas formulações teóricas: como a teoria da bala mágica (ou agulha hipodérmica), o modelo
de Shannon & Weaver (ou teoria matemática ou informacional), o modelo funcionalista de
Lasswell e o fluxo da comunicação em dois tempos (ou teoria do fluxo binário ou two step
flow). Explique uma dessas teorias, fazendo alusão ao contexto histórico e à ideia de massa.
02. (Enade) A primeira teoria da comunicação social foi fortemente influenciada pela expe-
riência da propaganda. Obras como A Técnica da propaganda na Guerra Mundial, Violação
das Massas e Psicologia da Propaganda foram os primeiros estudos sérios sobre os efeitos
da comunicação de massa. As obras tentavam responder a duas questões: que poder tem os
meios de comunicação e qual efeito produzem nos cidadãos. A este primeiro sistema explica-
tivo deram-se vários nomes, o mais conhecido é teorias das balas mágicas.
SANTOS, J. R. O que é comunicação. Lisboa: Difusão Cultural, 1992. Adaptado.
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É correto o que se afirma em
a) I, apenas. d) II e III, apenas.
b) III, apenas. e) I, II e III.
c) I e II, apenas.
04. (Enade) A teoria de usos e gratificações, entre outros aspectos, ocupa-se em explicar
porque um indivíduo opta por assistir TV, ouvir o rádio ou ler o jornal. Ocupa-se, também, em
compreender os fatores que levam o receptor até os meios de comunicação, aos conteúdos
que escolhe e como se expõe às mensagens publicitárias.
De acordo com essa abordagem, avalie as afirmações a seguir:
I. O receptor busca os meios de comunicação e os conteúdos que melhor atendam a suas
necessidade e seus desejos; os motivos que o levam à escolha desses meios e conteúdos
sociais, ambientais e conjunturais.
II. A exposição aos meios de comunicação compete com outras formas de gratificação não
relacionadas àqueles meios potencialmente capazes de satisfazer os mesmos que motivos
levaram o indivíduo a expor-se a eles. Dito de outra forma, a exposição aos meios de comu-
nicação é um ato intencional, não casual.
III. A audiência é consumidora dos meios de comunicação e, potencialmente, consumidora
de produtos, estando o foco de estudo voltado para o mapeamento da audiência em termos
de tamanho e composição sociodemográfica, com pesquisas financiadas por anunciantes, os
maiores interessados em conhecer as dimensões e a composição da audiência.
É correto o que se afirma em
a) I, apenas. d) II e III, apenas.
b) III, apenas. e) I, II e III.
c) I e II, apenas.
capítulo 2 • 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010.
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Comunicação: os teóricos. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 84-105.
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Comunicação. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/guaraldo-tamaraaspectos-dapesquisa.
pdf>. Acesso em: jun. 2019.
HOLFELDT, Antonio. As origens antigas – A comunicação e as civilizações. Teoria da Comunicação:
Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010.
LAZARSFELD, Paul; MERTON, Robert. Comunicação de Massa, gosto popular e ação social
organizada. In: COHEN, Gabriel (org.). Comunicação e indústria cultural, 4. ed. São Paulo:
Companhia Editorial Nacional, 1978.
MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. História das Teorias da Comunicação. 6. ed. São
Paulo: Loyola, 2003.
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Paulinas, 2008.
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Comunicação: os teóricos. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 106-127.
WIENER, N. Cibernética e sociedade. O uso humano dos seres humanos. 7. ed., São Paulo: Cultrix,
2000.
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3
Escola de Frankfurt
e Umberto Eco
Escola de Frankfurt e Umberto Eco
O objetivo do capítulo é proporcionar as diferentes visões sobre os aspectos da
sociedade e da mídia, apresentados a partir dos posicionamentos propostos à luz,
por assim dizer, da teoria crítica, que promovia uma crítica severa à mercantiliza-
ção da cultura e ao que chamavam de manipulação ideológica, empregada pelos
meios de comunicação de massa.
Em um primeiro momento do capítulo, portanto, você entenderá a Escola de
Frankfurt, seu contexto de surgimento, os intelectuais que a compunham e o que
pesquisavam, além de ter contato com conceitos-chave, como a ideia de “indústria
cultural”, a problemática da instrumentalização ou racionalidade, bem como a
questão da aura e da reprodutibilidade técnica.
Após conhecer mais profundamente a escola alemã, desenvolvida em contra-
posição à perspectiva pragmática e positivista americana, você entenderá melhor
os conceitos “apocalípticos e integrados”, de Umberto Eco. O autor italiano cri-
ticava as formulações sobre cultura de massa, apresentando os limites das duas
possibilidades, ora alinhadas a uma defesa do sistema social e econômico, no qual
ela era produzida e do qual ela era o principal elemento de diversão, ou seja, os
integrados, ora, à procura de demonstrar destruição da cultura pela indústria
cultural, ou seja, os apocalípticos.
OBJETIVOS
• Compreender a Escola de Frankfurt;
• Entender os conceitos de indústria cultural, racionalidade técnica e reprodutibilidade técnica;
• Reconhecer a quem Umberto Eco chama de apocalípticos e quem seriam os integrados.
O início dos anos 1930 foi marcado pelo surgimento dos estudos sobre a cul-
tura da sociedade industrial, com a chamada Teoria Crítica ou Escola de Frankfurt,
em referência ao Instituto de Pesquisa Social, fundado em 1924, na Universidade
de Frankfurt.
capítulo 3 • 60
A fundação de tal instituto de pesquisa só foi possível graças ao aporte finan-
ceiro dado pela família de Felix Weil, nascido na Argentina, mas filho de ilustres
empresários alemães que imigraram para a América do Sul, onde construíram
fortuna com um negócio no ramo de cereais.
Em 1908, a família de Felix, de origem judaica, retornou a Frankfurt e en-
frentou a Primeira Guerra Mundial. Após esse período, Felix desenvolveu o in-
teresse pelas teorias de cunho socialista e se aproximou de alguns professores da
Universidade de Frankfurt, pois os docentes também assumiam uma linha socia-
lista. Foi organizada por Weil a “Primeira Semana de Trabalho Marxista”, evento
que pretendia discutir as ideias de Marx e acabou despertando a vontade de criar
um instituto independente e que fomentasse pesquisas com essa base marxista.
A partir de uma doação de Herman Weil, pai de Felix, e de um contrato com
o Ministério da Educação Alemão, o instituto passa a ser a primeira instituição
de pesquisa da Alemanha sob orientação marxista, contando como endosso de
vários docentes da universidade e tendo Carl Grünberg como o primeiro diretor.
Grünberg pesquisou e estimulou trabalhos sobre e história do socialismo e do
movimento operário, a partir de investigações que focavam as condições históricas
e econômicas, com nítida influência marxista.
Em 1931, Max Horkheimer assume a direção do instituto, após Grünberg se
afastar por problemas de saúde, imprimindo outro colorido para os trabalhos, que
deixam de acionar tanto a Economia para, em diálogo com o marxismo, propor
uma interpretação filosófica. Dois anos depois, quando Adolf Hitler é nomeado
chanceler, Horkheimer tem sua casa invadida, mas já estava morando com sua
esposa em um hotel. O instituto é fechado por abrigar atividades consideradas
“hostis” e Horkheimer decide transferi-las do instituto de Frankfurt para Genebra,
cujo nome passou a ser Société Internationale de Recherches Sociales. O fato de os
fundos advirem do capital da família Weil permitiu a perpetuação do instituto,
que gozava de certa autonomia e o dinheiro foi transferido para o novo local. No
entanto, essa experiência em Genebra durou pouco tempo, já que, essa célula do
Instituto foi fechada pelos nazistas. Em 1934, Horkheimer leva a sede do instituto
a Nova York, a fim de fugir da perseguição antissemita já que ele, assim como a
maior parte dos professores associados ao Instituto eram judeus.
Gradativamente, os outros intelectuais que já colaboravam com o instituto nos
tempos de Frankfurt vão emigrando para os EUA. Marcuse, Löwenthal, Pollock e
Wittfogel e Adorno. Walter Benjamin permanece na Europa e comete suicídio, pois
julga que seria capturado pelas tropas espanholas e enviado para a Gestapo. Em 1938,
capítulo 3 • 61
o quadro fixo de colaboradores do Instituto – que em solo norte-americano passou
a ser chamado de International Institute of Social Research – estava reunido outra vez.
A mudança para os EUA traz consequências ao Instituto, pois, em solo americano,
a realidade era bastante diferente da Europa, com um capitalismo avançado com o
qual nunca tiveram contato. Hollywood e o mercado do filme, além do rádio, um po-
deroso meio de comunicação na época eram os dois destaques daquele mercado mas-
sivo midiático. Essa experiência foi fundamental para o desenvolvimento de Dialética
do Esclarecimento e do conceito de Indústria Cultural, que você verá adiante.
Em 1949, Horkheimer retorna à Alemanha e reabre, um ano depois, o
Instituto, na Universidade de Frankfurt, local em que volta a lecionar como pro-
fessor de Filosofia. Adorno também regressa. É apenas com a volta a Frankfurt
que a designação Escola de Frankfurt foi criada. Antes a menção era feita generi-
camente ao instituto. Outro ponto importante de recordar é que os pesquisadores
não eram comunicadores, mas sim intelectuais da Filosofia, Sociologia, Artes e
Literatura. Contudo, as ideias desenvolvidas pelo grupo influenciaram intensa-
mente o campo comunicacional no Brasil e no mundo.
Enquanto a escola começava a perder sua força em alguns países, a partir da
década de 1960, nesse mesmo período, o Brasil importa a teoria crítica, até para
ajudar a explicar a indústria cultural que começou a se formar em nosso país nessa
década. “Existe por assim dizer uma coincidência entre a importação e a emergência
de uma nova realidade social até então pouco discutida entre nós” (ORTIZ, 1985,
p. 1). Vários conceitos ainda são mobilizados hoje por pesquisadores em distintos
campos do saber para além da Comunicação, como nas Ciências Sociais, Filosofia,
História, Literatura, Música e Estética. Um autor que passou a ser mais lido foi
Walter Benjamin, especialmente a partir da década de 1980. Curiosamente, não
recebeu muita atenção em vida e chegou a ter a sua tese de doutorado reprovada.
SAIBA MAIS
O fato de as escolas receberem seu nome apenas décadas depois do início dos estudos
é algo recorrente no campo científico, não sendo exclusividade da Escola de Frankfurt, pois
capítulo 3 • 62
também vimos que o mesmo ocorrera com a chamada Escola Norte-Americana. O fato é que,
especialmente no início de um movimento intelectual, os próprios pesquisadores ainda estão
tentando compreender seus objetos e não há trabalhos suficientes para uma classificação, que
costuma ocorrer a posteriori, depois que outros intelectuais se debruçam sobre determinado
período histórico, seus autores e suas produções, a fim de categorizar em escolas e tendências.
capítulo 3 • 63
Foi o segundo diretor do Instituto de Pesquisa Social, tendo
sido um dos responsáveis por dar visibilidade ao centro. Era
muito influenciado por Schopenhauer. Suas fundamentações,
junto a Adorno, acerca da razão instrumental, representam o
MAX HORKHEIMER cerne da Escola de Frankfurt. Teve que deslocar o Instituto de
Pesquisas Sociais para a Universidade de Colúmbia, em Nova
York, de 1934-1949, quando retorna à Alemanha e reabre
o Instituto em 1950. Foi reitor da Universidade de Frankfurt
entre 1951-1953. Faleceu em 1973, na Alemanha.
Nascido em 1893, Marcuse foi admitido no Instituto de
Pesquisa Social em 1933. Diferentemente de Horkheimer e
Adorno, que retornaram à Alemanha após a Segunda Guer-
ra, Marcuse permanece nos EUA, onde reside e escreve
HERBERT até sua morte, em 1979. Entre suas preocupações, estava
MARCUSE o desenvolvimento descontrolado da tecnologia, a repres-
são à liberdade individual e a crítica ao racionalismo moder-
no. Uma de suas principais contribuições foi a de "homem
unidimensional".
capítulo 3 • 64
decorrer da Segunda Guerra e um dos questionamentos principais dos dois era
“Saber por que a humanidade mergulha em um novo tipo de barbárie em vez de
chegar a um estado autenticamente humano.” (WIGGERSHAUS, 2002, p. 357)
Você deve ter notado que uma das traduções para o célebre livro é Dialética do
Iluminismo. Entender a crítica que os autores fazem com relação a essa conjuntura
histórica é fundamental, pois costumamos associar o Iluminismo com um evento
extremamente positivo na história da humanidade, o qual propiciara a Revolução
Francesa e o famoso lema: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ou seja, se os
historiadores comumente ressaltam os aspectos positivos do Iluminismo, os auto-
res de Frankfurt, a partir de um viés filosófico, em diálogo com a teoria marxista,
apresentam uma nova versão para esse movimento, encarando-o sob um prisma
negativo. Na crítica alemã, “podemos distinguir alguns níveis de significação:
a) Trata-se de um saber cuja essência é a técnica;
b) Promove a dimensão da calculabilidade e da utilidade;
c) Erradica do mundo a dimensão do gratuito (arte);
d) É uma nova forma de dominação” (ORTIZ, 1985, p. 2). Essas são premissas
importantes da Escola Alemã e de sua teoria crítica.
A técnica é a essência de se saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do
discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o capital. As múltiplas
coisas que, segundo Bacon, ele ainda encerra nada mais são do que instrumentos: o
rádio, que é a imprensa sublimada; o avião de caça, que é uma artilharia mais eficaz; o
controle remoto, que é uma bússola mais confiável. O que os homens querem apren-
der da natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens.
(ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 5)
capítulo 3 • 65
homem. A técnica, conceito muito importante para os autores, não estava a servi-
ço de gerar progresso, mas sim de alienar, distrair e conformar os comportamentos.
E os meios de comunicação, para os frankfurtinianos, tinham um papel es-
tratégico nesse sentido, pois os conteúdos veiculados pela mídia e pela imprensa
produziam uma alienação que esconderia a verdadeira intenção de uma sociedade
capitalista. “A Escola enfatiza os elementos da racionalidade do mundo moderno
para denunciá-los como uma nova forma de dominação.” (ORTIZ, 1985, p. 2)
A indústria cultural representa a mercantilização da cultura que, em vez de
possibilitar experiências estéticas e capacidade crítica dos sujeitos, também se teria
convertido em ferramenta de submissão e lucro. Ou seja, o conceito de Indústria
Cultural é a produção da cultura como mercadoria, com o mercado de massas
impondo o mesmo esquema de organização e planejamento administrativo das
fabricações em série aos produtos imateriais da cultura (simbólicos). Revistas, pro-
gramas radiofônicos, filmes, música são produzidos pela “indústria cultural” como
os demais produtos fabricados em série (automóveis, por exemplo).
Devemos ter em mente o sentido de cultura para os alemães. Nós, muitas ve-
zes, associamos cultura com modos de vida, hábitos e práticas de um grupo social,
o que estaria alinhado a uma visão antropológica de cultura. Mas o sentido de
cultura para os frankfurtianos deriva de “kultur”, relacionado a distintas formas de
arte, incluindo a Música e a Literatura, além da Filosofia. “Kultur”, ou cultura na
tradição alemã, portanto, teria dimensão espiritual, transcendental, experimental
e libertadora. É da indignação de perceber que a cultura fora convertida em mer-
cadoria, transportada ao universo econômico-material, que Adorno e Horkheimer
criam a ideia de Indústria Cultural. A própria designação do conceito já contém
em si um elemento de crítica, um paradoxo, pois ao juntar as palavras indústria
e cultura, eles pretendem justamente denunciar o absurdo que é o processo de
mercantilização da cultura.
O conceito de Indústria Cultural também é uma tentativa de marcar essa po-
sição crítica dos autores, que não conseguiam conceber o uso da expressão “cultura
de massa”, pois para eles soava enganosa, como se a cultura emanasse das próprias
massas. A cultura, que a partir do momento que é convertida em ferramenta para
geração de lucro, também deixa de ser cultura para os frankfurtianos, na acepção
alemã da palavra, é fabricada pelos produtores culturais. Acaba sendo reduzida
a partir de esquemas que deixavam as pretensas obras de artes muito parecidas
umas com as outras. Nas palavras de Horkheimer e Adorno, no texto “A Indústria
Cultural”, “a civilização atual a tudo confere um ar de semelhança".
capítulo 3 • 66
SAIBA MAIS
Nos escritos marxistas, o conceito de massa comumente assume dimensão positiva, asso-
ciada a um “despertar das massas”. Na Escola de Frankfurt, entretanto, a presunção de cultura
de massa soa como falaciosa, já que a cultura não emanava do povo. A própria ideia de clas-
se, fundamental na teoria marxista, não é trabalhada pelos filósofos de Frankfurt, que tinham
uma perspectiva totalitária, no sentido de que ninguém escaparia ao domínio da técnica e da
racionalidade moderna. Além disso, os autores são também influenciados por uma literatura de
Psicologia das Multidões, na qual o sentido de massa pressupõe a dissolução do heterogêneo
no homogêneo, sugerindo que as sociedades de massa caminhariam para a barbárie.
capítulo 3 • 67
feitos para impedir a atividade mental do espectador, são produtos que geram
cultura da alienação. A ideia era conformar e reduzir o gosto das massas, de forma
a garantir o sucesso do empreendimento cultural.
Assim, caso um filme fosse produzido conforme os esquemas já identificados
como promissores, como o final feliz, a mocinha com um determinado perfil e o
vilão com outro, o lucro seria quase uma certeza. A partir do consumo desses pro-
dutos culturais, as pessoas modelariam suas formas de pensar e agir, como decorre
a manipulação e a dominação por meio de mensagens ideológicas. A indústria
cultural é portadora da ideologia dominante e o Iluminismo, em vez de libertar
o homem do medo da magia e dos mitos, desloca a forma de dominação para o
progresso da técnica, impedindo a consciência das massas.
SAIBA MAIS
Você deve compreender que ideologia, no senso comum, costuma ser sinônimo de ideá-
rio, maneira de pensar. Contudo, academicamente, o sentido de ideologia conforme cunhou
Karl Marx, tem dimensão histórica, social e política, significando uma visão mistificada da
realidade, na tentativa de manter relações de dominação. A classe dominante busca apre-
sentar sua perspectiva como verdade universal, fazendo seus interesses particulares serem
percebidos pelo conjunto da sociedade como interesse de todos. Dito de outra forma, os
donos do poder tentam esconder dos demais as formas de exploração e as desigualdades
sociais e econômicas, a fim de se perpetuarem no poder.
capítulo 3 • 68
Walter Benjamin: reprodutibilidade técnica e aura
capítulo 3 • 69
No caso do cinema, por exemplo, o filme para Benjamin seria uma obra co-
letiva, na medida em que só se torna possível a partir da reprodução técnica, e
envolve uma imensa divisão do trabalho entre técnicos, atores, músicos, diretores
etc. Se pelo lado da produção, o filme é necessariamente uma obra coletiva, tam-
bém o é no lado da fruição, pois um consumidor não pode comprar um filme,
como fazia com uma tela, já que os custos envolvidos na realização de uma obra
cinematográfica são muito altos. Lembre-se de que Benjamin escreveu na década
de 1930 do século XX, não existindo tecnologias como o VHS, DVDs etc.
Dessa forma, o cinema já nasce dependendo da difusão em massa, sendo o
filme “uma forma cujo caráter artístico é em grande parte determinado por sua re-
produtibilidade” (BENJAMIN, 1993, p.175). Isso é uma novidade, pois a obra de
arte era pensada como resultado de um único indivíduo criador. Por isso Chaplin
é curioso, ele tenta controlar o maior número possível de aspectos de uma arte,
que é inerentemente coletiva. Ele dirige, atua, compõe, escreve o roteiro e edita.
A dinâmica da obra cinematográfica é muito diferente da trajetória da arte na
história do mundo ocidental, que geralmente gozava do que Benjamin chamava
de valor de culto. Ele dá como exemplo um alce copiado pelo homem paleolítico
nas paredes da caverna. Tal imagem acaba funcionando como um instrumento de
magia, raramente exposta aos homens. O valor de culto era tão forte, pois a arte
tinha relação com a questão religiosa e deveria ser recolhida, ser mantida quase
secreta, a fim de não ser dessacralizada. Benjamin dá outros exemplos a partir os
quais podemos perceber que a arte tinha um forte valor de culto e pouco valor
de exposição.
(...) certas estátuas divinas somente são acessíveis ao sumo sacerdote, na cella, certas
madonas permanecem cobertas quase o ano inteiro, certas esculturas em catedrais da
Idade Média são invisíveis, do solo para o observador. À medida que as obras de arte
se emancipam do seu uso ritual, aumentam as ocasiões para que elas sejam expostas.
(BENJAMIN, 1993, p. 173)
capítulo 3 • 70
Com a reprodutibilidade técnica, além da arte se desvincular do ritual religioso,
cresce o seu valor de exposição.
Em síntese, o valor de culto da arte – relacionado à liturgia, se encerra, e o
consumo da arte passa a ser um fim em si mesmo. Benjamin vê positivamente esse
deslocamento, pois o que antes era restrito à capela, aos teatros e aos museus pode
circular por meio da reprodutibilidade técnica. Isto é, há um potencial democra-
tizante da arte a partir da reprodutibilidade técnica, possibilitando que muitas
pessoas passem a ter contato com as obras de arte, antes restritas a uma pequena
elite. Além disso, Benjamin percebe uma refuncionalização da arte, antes ligada à
magia com funções práticas, usada nos rituais litúrgicos e que eram observadas por
conta de suas propriedades mágicas.
O fato de Walter Benjamin defender que a reprodutibilidade técnica propicie
que a arte circule mais livremente gerou as fortes críticas de Adorno, que o acusa-
va de ser otimista com relação aos fenômenos de massa e o motivou a escrever O
fetichismo na música como regressão da audição, conforme sinalizado no início dessa
seção. É interessante a relação entre esses dois autores que, apesar de muito ami-
gos, travaram alguns debates intelectuais, inclusive em 121 cartas trocadas entre os
anos de 1928 e 1940, publicadas no livro Correspondência 1928-1940 – Adorno
e Benjamin (2013).
Entretanto, em que medida a cultura de massa não seria estigmatizada por
Horkheimer e Adorno? Se por um lado, há o risco de padronização da cultura em
prol do lucro, por outro, não deixa de existir certa nostalgia de um tempo no qual
a arte independia da técnica, ou, nas palavras de Mattelart, “é difícil não perceber
em seu texto o eco de vigoroso protesto erudito contra a intrusão da técnica no
mundo da cultura.” (2012, p. 79).
Temos na Escola de Frankfurt, por um lado, Adorno e Horkheimer com “uma
postura política cética de recusa da indústria cultural, ao contrário de Benjamin,
que investiga as contradições e as ambiguidades das novidades técnicas no reino
da produção cultural.” (SALLES, 2017, p. 56). Isso não significa que Benjamin
considerasse os fenômenos de comunicação de massa positivos, já que o autor dei-
xa evidente, especialmente durante seu exílio na França, na década de 1930, sua
preocupação com “as consequências sociais da cultura de massa, já alertando para
a necessidade de compreendê-la e confrontá-la.” (SALLES, 2017, p. 54)
No entanto, acenava para uma vontade de compreender melhor a natureza dos
novos dispositivos, pois Benjamin, como no caso do reconhecimento do potencial
do cinema. O filósofo não deixou de atentar para o fato de que a modernidade não
capítulo 3 • 71
trazia em seu bojo apenas a barbárie, mas também a possibilidade da circulação da
arte para além de uma elite, a partir do fenômeno da reprodutibilidade.
“A reprodutibilidade técnica da obra de arte modifica a relação da massa com
a arte. Retrógrada diante de Picasso, ela se torna progressista diante de Chaplin
(BENJAMIN, 1993, p. 187). Isso tem relação com o caráter coletivo com o qual
o cinema é gestado. Enquanto um pintor de quadro concebe sua obra para que
um indivíduo ou poucos a contemplem simultaneamente, a recepção cinemato-
gráfica envolve a soma das reações individuais – que constitui a reação coletiva – e
cada reação individual é influenciada pela natureza do público que ali se encontra.
Você já deve ter tido a experiência, por exemplo, de ter assistido a um filme no
cinema e ter sido contagiado pelas outras risadas, saindo com a sensação de que
era uma comédia muito engraçada. Contudo, é bem possível que em outra sala de
cinema, um público de natureza distinta possa ter achado bem menos engraçado e
que você, assistindo novamente sozinho em casa, não compreenda porque achou
engraçado da primeira vez.
A grande função do cinema, para Benjamin, seria a de preparar o aparato per-
ceptivo do indivíduo para as novas demandas do homem moderno. As mudanças
de imagens, que não podem ser fixadas pelo público, pois uma imagem se sobre-
põe à outra, em uma sequência, se diferenciam da contemplação de um quadro,
que se dá de modo estático. A sequência de imagens que se apresentam uma após a
outra não permite a contemplação demorada, indo ao encontro dos novos tempos
acelerados que passam a se impor no contexto que o autor escreve.
capítulo 3 • 72
Apocalípticos e integrados: a crítica de Umberto Eco
Eco deixa claro a ideia de que a cultura de massa faz parte do cotidiano e pode
ser criticada, mas não evitada. Essa é uma crítica de Eco aos frankfurtianos, que
apenas percebiam aspectos negativos dos meios de comunicação de massa e tenta-
vam, assim, negá-los em bloco, sem realizar uma análise de cada caso. Sá Martino
(2014) ressalta que em 1960, a cultura de massa já fazia parte do repertório cul-
tural do planeta. Os meios de comunicação como rádio, jornal, cinema, televisão
estavam presentes no dia a dia das pessoas.
Eco chega a dedicar, ironicamente, o livro aos apocalípticos, sem os quais não
seria possível escrever nem 25% da obra. Apesar de a crítica ser um pouco mais
dura aos intelectuais de Frankfurt, devemos ter em mente que ela também levanta
vários pontos problemáticos no posicionamento dos integrados, afirmando, por
exemplo, que é injusto resumir as atitudes humanas – que seriam tão ricas, a dois
capítulo 3 • 73
conceitos genéricos e polêmicos como “apocalípticos” (pessimistas) e “integrados”
(românticos).
Eco identifica duas possibilidades de crítica, de acordo com Martino (2014,
p. 136):
• Ligada às pesquisas em comunicação norte-americanas, a Mass
Communication Research. Estudos estes vinculados às produções da indústria de
comunicações e não faziam uma crítica do processo em si, mas estudavam os
processos e os efeitos da comunicação. Por essa lógica, as proposições que com-
punham a defesa da cultura de massa estariam alinhadas a uma defesa do sistema
social e econômico, no qual ela era produzida e do qual ela era o principal elemen-
to de diversão. Esses teóricos, de viés funcionalista, foram denominados por Eco
de integrados;
• A segunda, com bases oriundas do outro lado do Atlântico. Trata-se dos
críticos das culturas de massa, ou seja, uma referência à Escola de Frankfurt, em
particular a Theodor Adorno. Nas palavras de Martino (2014, p. 136), “os ensaios
teóricos procuravam mostrar a destruição da cultura pela indústria cultural, ou
seja, os apocalípticos.”
capítulo 3 • 74
Na contramão dos argumentos dos integrados, encontra-se em Eco (1979), a
crítica apocalíptica:
• A cultura de massa modifica, adapta e destrói a verdadeira cultura para
poder vencê-la;
• Nivela por baixo e equipara tudo nesse patamar;
• Nem todo mundo está preparado para ter acesso à cultura. A ideia de uma
“cultura para as massas” é uma contradição;
• Facilitar significa mudar, cortar, adaptar: a cultura é destruída em nome do
sucesso e do lucro;
• Os valores humanos são deixados de lado, enquanto futilidades ganham
status de arte e política;
• Na indústria cultural, os artistas são transformados em operários. A cria-
tividade é substituída por fórmulas e padrões, e a invenção é sempre vista com
desconfiança, ou seja, sucesso significa lucro.
capítulo 3 • 75
Outro ponto salientado por Eco é que os produtos midiáticos de massa são
feitos para agradar, ou seja, uma estética da cultura de massa não pode deixar de
lado a questão da satisfação envolvida quando se está diante da tela, do rádio ou do
livro, pois “[...] os meios de comunicação adequam seus produtos às possibilidades
interpretativas de um público médio.” (ALMEIDA, 2017, p. 283)
Eco compreende que os conteúdos dos meios de comunicação de massa tanto
possam operar como material para evasão e distração quanto podem informar e
educar.
O livro Apocalípticos e Integrados pode ser considerado como ponto de par-
tida e resumo de uma análise estrutural da narrativa de mídia, como nos alerta
Sá Martino (2014, p. 138). Após esse estudo, Eco desenvolveu outros estudos
envolvendo a cultura de massa, em uma perspectiva mais próxima da semiótica,
mas com tom ensaístico. Nos livros Viagem à irrealidade cotidiana ou em O Super-
Homem de massa, volta a percorrer os caminhos de uma realidade na qual a mídia
está cada vez mais presente, mantendo a leitura crítica da cultura.
RESUMO
O capítulo contemplou as abordagens sobre os fenômenos comunicacionais, a partir dos
estudos sobre A Escola de Frankfurt e Umberto Eco. Foi possível compreender conceitos
centrais, como o de “indústria cultural”, “aura” e reprodutibilidade técnica, produzidos dentro
da tradição alemã, além de entender o contexto social dessa vertente, que influenciou for-
temente a perspectiva desencantada de mundo desses intelectuais que experimentaram os
horrores da Segunda Guerra.
O fenômeno da popularização no acesso à comunicação gera, segundo muitos autores e
estudos pautados na teoria crítica, a massificação da cultura, razão pela qual Adorno e Hor-
kheimer cunharam o conceito de indústria cultural. A partir do momento que a cultura deve
se enquadrar em fórmulas pré-concebidas para gerar lucro, a cultura deixa de existir, já que
não pode mais cumprir seu papel social de propiciar reflexão e crítica.
O caráter doutrinador da indústria cultural objetificaria os próprios indivíduos, ao reduzir
os gostos a um denominador comum, eliminado a diferença. Nesse sentido, entende-se a
crítica ao caráter paralisador das proposições frankfurtiana, proferidas por Umberto Eco, que
opta pelo termo Comunicação de Massa. Ou seja, nem utiliza a prerrogativa da cultura de
massa, dos integrados nem a ideia de indústria cultural, dos frankfurtianos.
O estudioso italiano se divide entre o escritor, autor do livro O nome da Rosa e A ilha do
dia anterior, e o teórico da comunicação, autor de obras sobre estética, mídia e semiótica, en-
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tre elas Apocalípticos e Integrados diante da Cultura de Massa. Eco deixa claro a ideia de que
a cultura de massa faz parte do cotidiano e pode ser criticada, mas não evitada. A obsessão
em só defender aspectos positivos dos integrados, em contraposição à perspectiva negativa
dos frankfurtianos, não possibilitaria análises propriamente midiáticas, já que nenhum desses
grupos realmente se esforçava em compreender a natureza do contexto midiático no qual
a mensagem circulou, a natureza desses meios e dos receptores, bem como os mesmos
reagiram ao conteúdo.
SAIBA MAIS
Luis Mauro Sá Martino é jornalista, professor universitário e Doutor em Ciências So-
ciais pela PUC-SP. Estudou, durante um ano como pesquisador-bolsista da Universidade de
Esta Anglia, no Reino Unido. É autor dos livros Mídia e Poder simbólico, O habitus na comu-
nicação (em conjunto com Clóvis de Barros Filho), Comunicação: Troca Cultural (Paulus) e
Estética da Comunicação (Vozes).
Francisco Rüdiger é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo,
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Autor de 15 obras
relacionadas com seu campo de especialização, colabora regularmente em revistas acadê-
micas e é parecerista de periódicos como Galáxia (PUCSP), Comunicação, Mídia e Consumo
(ESPM-SP), Estudos de Sociologia (Unesp), Comunicação & Sociedade (Metodista SBC) e
Fronteiras (Unisinos).
ATIVIDADES
01. (IFRS) Leia as afirmativas sobre a Escola de Frankfurt.
I. A pesquisa social para os frankfurtianos deve ser especializada, restrita aos campos de
saber específicos, visto que a pretensão de totalidade, mais do que contribuir, prejudica e
embaça as análises da sociedade.
II. A teoria crítica da sociedade é a designação dada ao conjunto de elaborações desenvol-
vidas pela Escola de Frankfurt. O nome da teoria não é apenas um nome fantasia sem senti-
do, porém uma referência ao atributo que a distinguiria dos trabalhos da sociologia empírica
americana.
III. Embora os frankfurtianos tenham recusado a ortodoxia marxista, trata-se de uma teoria
crítica cujo esforço foi reatualizar a transformação operada por Karl Marx.
capítulo 3 • 77
IV. De orientação nitidamente liberal, a Escola de Frankfurt tem sua origem no Instituto de
Pesquisa Social, e seus estudos procuram questionar a crescente valorização das pesquisas
de orientação marxista. Mais do que um experimento de pesquisa social, a Escola de Frank-
furt é uma militância liberal.
02. (Unirio) Theodor Adorno e Max Horkheimer, dois dos principais pensadores da Escola
de Frankfurt, propõem a expressão “indústria cultural” para substituir a noção de cultura de
massa, pois
a) A expressão cultura de massa era dúbia, enquanto indústria cultural seria o modo mais
adequado para definir a cultura produzida industrialmente para a massa e não pela massa.
b) Os meios de comunicação, responsáveis pela produção da cultura popular, fazem parte
de grandes oligopólios industriais.
c) A cultura é produzida industrialmente de maneira a estimular o senso crítico dos inte-
grantes da massa.
d) O conceito de massa é de difícil sustentação, pois são os sujeitos que, através da sua
individualidade, produzem industrialmente a cultura.
e) Não há como produzir cultura fora do sistema industrial capitalista que se apropria dos
valores culturais norte-americanos para disseminá-los para a massa.
03. (CCV-UFC) A Escola de Frankfurt é uma referência nos estudos da teoria crítica da
comunicação. Sobre a Escola de Frankfurt, marque a opção incorreta.
a) A teoria marxista está na base do pensamento dos teóricos da Escola de Frankfurt.
b) Indústria cultural é um dos principais conceitos propostos pelos teóricos da Escola
de Frankfurt.
c) Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Walter Benjamin são os principais
pensadores da Escola de Frankfurt.
d) O conceito de Indústria Cultural pode ser entendido como um processo social que trans-
forma a cultura em bem de consumo.
e) O centro de pesquisa que reunia pensadores e estudiosos do campo das Ciências So-
ciais e Filosofia, embora nomeado como Escola de Frankfurt, estava localizado nos Es-
tados Unidos, berço das principais teorias da comunicação.
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04. (Vunesp– DPE-RO) Sobre a Escola de Frankfurt, é correto afirmar que
a) Formulou um modelo de teoria considerada positivista e cientificista.
b) Consistia em um grupo de intelectuais alemães que produzia um pensamento conhecido
como teoria tradicional do Direito.
c) Seus integrantes se dedicaram a estudos, dentre outros, relacionados à sociedade de
comunicação de massas, à sociedade industrial e aos problemas decorrentes do desen-
volvimento do capitalismo.
d) Surgiu dentro do contexto da Revolução Francesa, criando uma nova ordem sociopolítica.
e) Jürgen Habermas, pensador da primeira geração da Escola, desenvolveu importantes
críticas à teoria da ação comunicativa.
05. (TER/PE) Em 1964 foi lançada uma obra que se tornou clássica porque discute a in-
fluência das técnicas de comunicação e as transformações geradas nos padrões de intera-
ção social. Essa obra de Umberto Eco considera
a) Apocalípticos os que entendiam que a massificação da produção e o consumo eram
responsáveis pela queda da essência na criação artística.
b) Que os integrados concordavam com os apocalípticos, mas pregavam que as novas
tecnologias seriam fator de dominação das classes subalternas
c) Apocalípticos e integrados os defensores da censura dos meios de comunicação, em
graus diferentes, para impedir a desestabilização econômica.
d) Apocalípticos os autores que consideram a cultura como um bem possível de ser consu-
mido somente pelas classes sociais privilegiadas economicamente.
e) Integrados os que defendem que as tecnologias de comunicação não serão massifi-
cadas porque sempre haverá uma técnica mais avançada a ser oferecida ao merca-
do consumidor.
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WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt. História, desenvolvimento teórico, significação política.
Difel: Rio de Janeiro, 2002.
capítulo 3 • 80
4
Visões autorais:
Marshall McLuhan,
Edgar Morin e
Jürgen Habermas
Visões autorais: Marshall McLuhan, Edgar
Morin e Jürgen Habermas
Nesse capítulo, você terá contato com três autores muito importantes para o
campo da Comunicação Social. São eles o canadense Marshall McLuhan, o fran-
cês Edgar Morin e o alemão Jürgen Habermas. McLuhan é o criador da célebre
frase “o meio é a mensagem”, tendo refletido sobre a importância da natureza dos
meios de comunicação, para além do conteúdo.
Morin abordou a temática da cultura das massas, percebendo um diálogo
entre a cultura massiva e outras formas culturais, como a familiar, religiosa, entre
outras, em um processo de influência mútua. O conceito de novos olimpianos
também foi desenvolvido por Morin, a fim de refletir acerca dos ícones explorados
pelas indústrias cinematográficas e publicitárias.
Habermas é considerado um autor da segunda geração de Frankfurt, tendo
sido, inclusive, assistente de pesquisa de Theodor Adorno. No entanto, a partir
da teoria do agir comunicativo, o alemão procurava uma brecha para o sistema de
dominação capitalista, relativizando as premissas frankfurtianas.
OBJETIVOS
• Conhecer quem foi McLuhan e suas principais ideias;
• Entender a discussão de cultura de massa e o papel dos “novos olimpianos”, de Edgar Morin;
• Diferenciar a perspectiva de Jürgen Habermas de seus antecessores de Frankfurt, a partir
da noção do “agir comunicativo”.
McLuhan
capítulo 4 • 82
permite que o autor seja o responsável pelo Centro de Cultura e Tecnologia, no
início dos anos 1960.
McLuhan teve aproximadamente 15 obras publicadas, além de artigos aca-
dêmicos. Entre suas obras de maior destaque estão O Meio é a Mensagem, Guerra
e Paz na Aldeia Global, A galáxia de Gutemberg e Os meios de comunicação como
extensões do homem, seu primeiro livro de grande notoriedade.
Para o canadense, o cotidiano estrutura-se a partir das mediações tecnológicas,
e os meios de comunicação alteram a percepção e os sentidos. A ideia de meio, de
McLuhan, também pode ser traduzida como tecnologia. As tecnologias permiti-
ram que os homens expandissem suas capacidades, por isso a ideia dos “meios de
comunicação como extensão do homem”, presente em Understading Media: meios
de comunicação como extensões do corpo (1964).
capítulo 4 • 83
A partir dessas premissas que você pode avançar para compreender a célebre
frase de “o meio é a mensagem”. Se o autor entende que toda tecnologia vai in-
fluenciar as sociedades, os meios de comunicação também se enquadram nessa
lógica. O próprio meio de comunicação torna-se um elemento da mensagem, pois
as mensagens não existem soltas. O meio, portanto, condiciona a mensagem, dá
forma também e, quando se transpõe uma mensagem de um meio para outro, há
uma reelaboração completa dessa mensagem.
McLuhan foi um dos primeiros autores a se preocupar também com o dispo-
sitivo em jogo, e não apenas com o conteúdo, atentando para a diferença que cada
escolha do suporte midiático gerava. Dessa forma, um mesmo filme exibido na
TV ou no cinema, por exemplo, resulta em experiências bastante diferentes para
quem assiste.
Os meios têm efeitos peculiares na percepção das pessoas e carregam uma
mensagem em si mesmo. Poucas pessoas demitiriam seus funcionários pelo ce-
lular, certo? Isso porque cada meio tem gramática própria, evocando sensações
diferentes, já que toda tecnologia cria um novo ambiente e muda a sociabilidade
envolvida. Para McLuhan, portanto, as sociedades sempre foram moldadas mais
pela natureza dos meios que os homens usam para se comunicar do que pelo con-
teúdo da comunicação.
Daí também que podemos entender porque alguns o acusaram de ser um
determinista tecnológico, pois sua ênfase nos artefatos culturais acabava sugerin-
do um movimento que iria apenas das tecnologias para a sociedade. No entanto,
quando ele afirma que “nós criamos as tecnologias e elas nos criam” (MCLUHAN,
1964), fica nítido que o mesmo percebia um fenômeno de ordem cíclica, e não de
modo meramente unidirecional.
Aldeia global
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Tribalização (oral).
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Gutemberg (destribalização).
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Na civilização oral, como o nome sugere, as trocas entre os indivíduos eram
feitas por meio da fala, e as formas de sociabilidade eram pautadas pela emoção, in-
tuição e certo estado de encantamento. Nesse ínterim, o ouvido predominava sobre
a visão, com destaque para a figura dos grandes narradores, geralmente mais idosos.
As civilizações consideradas arcaicas se enquadram nessa tipologia, cuja imagem re-
presentativa seria indivíduos em roda, contando histórias. Existia uma unidade entre
os eixos tempo e espaço e o conhecimento era mais fechado, do âmbito de cada gru-
pamento social. Por essa razão, McLuhan entendia que esse momento era marcado
por uma tribalização. O que teria liberado as aldeias desse transe tribal teria sido a
escrita alfabética, que permitiu ao homem conquistar impérios.
Na galáxia de Gutemberg, a prensa é inventada, razão pela qual McLuhan
escolhe o nome de Gutemberg para representar essa segunda era. Essa etapa é
caracterizada pelo avanço da tecnologia tipográfica, que teria instaurado um indi-
vidualismo, pois o consumo de informações a partir dos jornais impressos e livros
são movimentos individuais, impessoais e solitários, bem diferentes das interações
em roda, típicas das civilizações orais.
Se antes o homem aprendia a partir dos relatos da comunidade local, na era
de Gutemberg o indivíduo conhece outras realidades a partir de romances e da
imprensa. Ou seja, o homem não mais precisava se educar a partir da palavra da
tradição dos antigos. A industrialização, o nacionalismo e a emergência dos mer-
cados de massa começam a retirar o homem da tribo, fortalecendo a racionalidade
e a lógica linear, em vez do encantamento da era anterior. O papel transformou a
maneira como o ser humano se relacionava com os outros e com o conhecimento,
pois a informação não precisava mais ficar estocada apenas na memória.
A terceira etapa pensada por McLuhan é denominada de aldeia global e foi
iniciada pelo avançar da eletrônica. O livro perde sua hegemonia para a tela, suge-
rindo certo regresso à oralidade, por meio do rádio e televisão. Não há fronteiras
para a transmissão do conhecimento, o que conectaria todos os homens global-
mente, em uma única tribo, em uma “aldeia global”. O globo sofre uma espécie
de retração e o diálogo global se torna possível, já que ocorre uma disjunção dos
eixos tempo e espaço. As tecnologias da aldeia global acionam a visão e a audição,
e a linearidade e centralização da era mecânica anterior cedem espaço à simulta-
neidade eletrônica e descentralizadora.
Para cada uma das eras propostas, estava em jogo determinadas formas de co-
municação: oralidade, registro escrito e o apogeu da imagem e do audiovisual. O
que deu forma e tom a essas eras foram as tecnologias disponíveis. As formulações
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de McLuhan, portanto, colocam os meios de comunicação como o centro do
processo e propõe que as histórias das sociedades devem ser vistas mais a partir do
exame de suas tecnologias de informação.
O canadense é tido como um dos autores mais controversos da área da comu-
nicação. Alguns o consideram um grande improvisador, com seus aforismos, e,
de outro lado, outros o entendem como um oráculo da era eletrônica, que teria
antecipado a interconexão global gerada pela internet em pelo menos três décadas.
Esse ponto é relevante, pois o autor escreve na década de 1960, em um período
que o mundo estava bipartido, com a Guerra Fria perpetrada pelos Estados Unidos
e pela União Soviética. As ideias que pareciam utópicas naquele contexto de uma
televisão, ainda em preto e branco, com o mundo digital acabaram ganhando o
status de profecia, o que ajudou em um processo de revalorização da obra do autor.
SAIBA MAIS
Aforismos vem do grego aphorismus, que significa “definição breve”, “sentença”. Alguns
sinônimos de aforismos são: ditado, máxima. Um aforismo, portanto, envolve uma expressão
sucinta de um pensamento. McLuhan era conhecido por seus aforismos, incluindo os famo-
sos “o meio é a mensagem”, “Notícias, mais que arte, são artefatos”, “não há passageiros na
espaçonave Terra. Somos todos da tripulação”.
Uma última ideia do autor canadense é a de meios quentes e meios frios, que
também gerou controvérsia no campo comunicacional. Ocorre que para as teorias
da comunicação anteriores, o nível de envolvimento do público com a mensagem
estaria atrelado ao conteúdo e à forma (estrutura) da mensagem. No entanto,
McLuhan diz que é a natureza do meio que informa qual o nível de envolvimento.
Os meios quentes exigem uma atenção constante do receptor, ou seja, há um alto
envolvimento entre meio e espectador, como no caso do livro ou do rádio. Já os
meios frios conjugam mais de um sentido na relação com os meios. São de mais
fácil compreensão, como com a TV e o telefone e requerem mais interação do
espectador, no sentido de preencher as lacunas de informação que faltam.
Vale lembrar que essa classificação não é definitiva, visto que “os meios po-
dem ser aquecidos ou esfriados, dependendo tanto de como esses critérios se ajus-
tam nos diversos ambientes quanto pelas recombinações que se verificam entre os
meios e tecnologias de comunicação.” (MARQUES, 2017, p. 173)
capítulo 4 • 87
Como ocorre com qualquer autor e perspectiva teórica, algumas críticas foram
feitas ao canadense. A acusação de ele ser um determinista tecnológico, já aborda-
do anteriormente, que possuía uma crença no poder transformador da mídia ou
mesmo que ele estaria a serviço do capitalismo americano, marcado pelo desen-
volvimento tecnológico. A ideia de aldeia global, nesse sentido, foi alvo de debates
de alguns intelectuais que afirmavam que McLuhan era utópico com relação ao
conceito, uma vez que a interligação não incluía a todos.
Edgar Morin
Edgar Morin nasceu em 1921 e dedicou boa parte de seus estudos à cultura
de massas, embora o cerne de suas preocupações sempre tenha sido propriamente
a cultura, ou, nas palavras de Wolf (1994), “a definição da nova forma de cultura
da sociedade contemporânea”. Ocorre que Morin é um autor de difícil apresenta-
ção, pois o mesmo era licenciado em História, Geografia e Direito, se autointitu-
lando “contrabandista de saberes”. Essa formação transdisciplinar é fundamental
para compreender o autor, que transitava e articulava saberes de campos distintos,
e acabou gerando também uma confusão, com alguns o compreendendo enquan-
to sociólogo, filósofo ou antropólogo.
Morin possui mais de 50 obras publicadas, sendo uma de suas principais o
livro O Espírito do Tempo (1965), que, no Brasil, ganhou o título de Cultura de
Massas no século XX, tendo sido dividido em dois volumes: Neurose e Necrose.
Esse título é uma referência, embora irônica, à expressão usada pelo filósofo
alemão Friedrich Hegel – “espírito do tempo”, para se referir ao conjunto de princí-
pios de determinada época, responsável por dar características semelhantes às várias
formas da cultura de um tempo. Isso vai ao encontro da percepção de Morin acerca
da comunicação de massa, já que o autor advogava a favor de pensar a comunicação
associada a outros problemas, evitando percebê-la de forma fragmentada. Na rea-
lidade, esse ímpeto em entender os problemas de forma complexa perpassou toda
a produção intelectual de Morin, o que nos remete novamente a importância da
interdisciplinaridade e da articulação de saberes distintos para o autor.
A novidade dos estudos da Cultura de Massas, a partir de 1960 foi estudá-la
de maneira crítica, tendo como base a leitura dela própria. Tomando emprestado
o pensamento de Sá Martino (2014), podemos dizer que Morin identifica na cul-
tura de massa, as novas formas do imaginário do século XX, por isso a noção de
capítulo 4 • 88
“espírito do tempo”. O objetivo do “espírito do tempo” é encontrar as fórmulas e
as estruturas geradoras da produção cultural.
No começo do século XX, o poder industrial estendeu-se por todo o globo terrestre. As
colonizações da África, a dominação da Ásia, chegam ao seu apogeu. Eis que começa,
nas feiras de amostras e máquinas de níqueis, a segunda industrialização, a que se pro-
cessa nas imagens e nos sonhos. A segunda colonização não mais horizontal, mas desta
vez vertical, penetra na grande reserva que é a alma humana. (MORIN, 1977, p. 13)
capítulo 4 • 89
permitiria ao público uma identificação com o consumido. A partir da figura dos
sósias – representações nas tramas que possibilitam alguma ligação com a realidade
das massas, exprimindo algumas de suas aspirações e recalques, o homem médio
conseguiria satisfazer seus desejos, mesmo que indiretamente. Sempre que falamos
em dialética, estamos lidando com dois elementos indissociáveis, que dependem
um do outro para existir.
Era exatamente dessa forma que Morin percebia a relação público/indústria
cultural: ao mesmo tempo em que a indústria cultural incute gostos no consumi-
dor, precisa se valer desses gostos para gerar uma identificação e garantir o sucesso
da empreitada. Há um diálogo entre produção e consumo, mas é desigual. Como
uma conversa entre um prolixo e um mudo. Para Morin, o espectador não fala. Só
escolhe se desliga ou não, compra ou não, assiste ou não ao filme.
SAIBA MAIS
A ideia de homem médio é aplicada nos estudos de comunicação como uma tipifica-
ção do homem comum, no sentido de compreender os gostos gerais, a fim de adaptar os
produtos culturais para os gostos vigentes. Hoje, com a pesquisa de mercado e a lógica de
segmentos de mercado, cada vez menos se recorre a essa ideia, embora, ainda no âmbito da
comunicação, o homem médio paute as ações de broadcasting.
Uma cultura, afinal de contas, constitui uma espécie de sistema neurovegetativo que irri-
ga, segundo seus entrelaçamentos, a vida real do imaginário e o imaginário da vida real.
Essa irrigação se efetua segundo o duplo movimento de projeção e de identificação... O
imaginário é um sistema projetivo que se constitui no universo espectral e que permite a
projeção e a identificação mágica religiosa ou estética. (MORIN, 1977, p. 121)
capítulo 4 • 90
projeção-identificação se dá dentro do campo estético-mágico-religioso. Morin
explica que a projeção tem potência de diversão, evasão, compensação e de trans-
ferência. Ou seja, o processo de projeção-identificação está ligado a inúmeras ex-
periências estéticas proporcionadas pela cultura de massa.
Novos olimpianos
Esses olimpianos propõem o modelo ideal da vida de lazer, sua suprema aspiração. Vi-
vem segundo a ética da felicidade e do prazer, do jogo e do espetáculo. Essa exaltação
simultânea da vida privada, do espetáculo, do jogo é aquela mesma do lazer, e aquela
mesma da cultura de massa. (MORIN, 1977, p. 105)
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capítulo 4 • 91
através da exploração da imagem dos novos olimpianos. Os meios de comunicação
elevam à qualidade de fato histórico situações que não deveriam ter importância,
somente porque envolve esses semideuses. Esse entendimento de que não seriam
plenamente deuses, mas sim meio-deuses e meio-mortais, é importante para Morin,
pois se fossem inteiramente deuses dificultaria a identificação dos consumidores.
Assim, a vida dos olimpianos também é uma vida parecida em alguns aspectos
com a vida ordinária dos mortais, ou seja, eles separam e reatam relações, sofrem
acidentes, passam por situações de embaraço e doença. No entanto, sua existência
no universo midiático é revestida de glamour, glória, erotismo, se distanciando
sobremaneira da vida ordinária. É dessa forma que têm um duplo papel:
1. São deuses no papel que encarnam;
2. Humanos em suas vidas privadas.
capítulo 4 • 92
O comportamento da indústria cultural é produto da busca pelo máximo lu-
cro, o que leva a tentativa de cooptar o maior público possível. Segundo Morin, há
forças complementares em jogo para atender os consumidores. O grande objetivo
seria o de alcançar diferentes grupos, o que envolve um sincretismo na criação dos
bens culturais. Públicos antes inexistentes agora abarcados pelo mercado, como
crianças e idosos.
O conceito de sincretismo é central em Morin e envolve articular elementos
de distintas origens culturais, a fim de conquistar o maior público possível. Se
pegarmos como exemplo um filme atual, como Shrek, por exemplo, podemos
compreender melhor o que Morin entendia por sincretismo. Quando os produto-
res culturais responsáveis por essa obra decidem mobilizar a cultura infantil com a
adulta, sugerindo uma releitura sarcástica dos contos de fada, conseguem agradar
tanto à criança, ao jovem e ao adulto. Além de recorrer ao sincretismo, a indústria
cultural apela para quatro processos de vulgarização das obras:
• A simplificação: retira o complexo, o inteligível, para que todos
acompanhem.
• Modernização: introduz a psicologia moderna em uma obra ambientada
no passado.
• Maniqueização: potencializa o antagonismo bem × mal, para envolver mais.
• Atualização: mais radical que a modernização, envolve a transferência pura
do passado para o presente.
capítulo 4 • 93
Entre as duas teses que ainda vigoram no que diz respeito ao mundo da mídia, de um
lado a que chamamos de otimista por considerar a mídia um bem em si ou a verdade
dos fatos, e, de outro, a que chamamos de aristocrática ou pseudomarxista que diz, ao
contrário, que a mídia é cretina, destrói o espírito e esconde os verdadeiros problemas,
me permito outra tese que pretende não ser uma visão eufórica da cultura de massas
nem apenas pejorativa. Eu entendo que se trata de algo complexo que tem aspectos
positivos e também negativos. (MORIN, 2001, p.10-11)
Por mais que a técnica aja nas obras culturais e ele reconheça a existência de
uma indústria da cultura, a arte sempre pode ultrapassar a estandartização. É por
isso que Morin explica que Hollywood produz não apenas filmes padrão, mas,
eventualmente, cria também obras-primas.
A distinção com a cultura culta – dos livros, músicas e teatro clássicos – é pu-
ramente formal para o autor. Os CDs e o rádio multiplicam Bach e Beethoven, os
livros de bolso tornam acessíveis obras de Shakespeare, Sartre. A democratização é
uma tendência da cultura de massa.
Morin provoca ao afirmar que, se não há como saber o que o público pensa,
o questionamento mais importante é: será que o produto cultural feito a partir
das normas da indústria satisfaz às necessidades culturais do público? Nesse sen-
tido, podemos perceber que o autor cria uma série de conceitos para pensar nessa
promoção da felicidade do público, desde a dialética da projeção-identificação, a
figura dos novos olimpianos, explorando astros de cinema, campeões, príncipes,
reis, playboys, artistas, ou mesmo o “happy end”, que visa resolver sempre os con-
flitos dos personagens de modo positivo, o que explica um enfraquecimento do
gênero tragédia. Todos esses recursos ajudariam a promover uma “industrialização
do espírito”, uma “colonização da alma”, a partir da exposição de uma cultura
pautada em uma mitologia da felicidade.
Outro fator importante para salientar é o fato de que os consumidores par-
ticipam do espetáculo da cultura de massa sempre por intermédio, seja do [...]
corifeu, mediador, jornalista, locutor, fotógrafo, cameraman, vedete, herói imagi-
nário.” (COUTINHO, 2017, p. 220)
Jürgen Habermas
capítulo 4 • 94
seu assistente de pesquisa, mas construiu carreira própria, contribuindo com uma
extensa e rica produção de livros e artigos, o que o levou a ser um dos grandes
pensadores da atualidade.
Diferentemente dos autores de Frankfurt, Habermas perseguiu soluções para
enfrentar os problemas da sociedade capitalista, buscando reverter a agenda nega-
tiva em um viés que não nega o caráter sistêmico do mundo, que tenta engendrar
a lógica do consumo e da manipulação em diversas esferas da vida, mas também
reconhece que diversas relações podem ser pautadas por honestidade e justiça. Ou
seja, o capital não converte a tudo e a todos em objetos e sujeitos objetificados,
pois ainda há espaço para o diálogo e a deliberação democrática.
A visão de Habermas sobre a formação social capitalista é mais otimista do
que a de seus antecessores. Rüdiger (2010, p. 140) lembra que os frankfurtianos
da primeira geração se ocuparam sobretudo com os fatores econômicos de forma-
ção e o significado sociológico da Indústria Cultural.
capítulo 4 • 95
sociedades. Para Habermas, a crescente apatia ou o desinteresse da população com
a ação política têm relação com a destruição da cultura na era de sua conversão
em mercadoria.
As obras Mudança Estrutural da Esfera Pública, de 1962, e Teoria da Ação
Comunicativa, de 1981 são centrais para entendermos as propostas de Habermas
no campo comunicacional.
capítulo 4 • 96
a esfera pública é o conjunto de espaços no qual ocorrem os debates e as discussões
sociais, com a finalidade de se estabelecerem um consenso.
Essa discussão acontece em meio ao livre trânsito de informações e ideias pro-
movidas pelos veículos de comunicação. Isso permitiu à burguesia desenvolver uma
consciência crítica em relação às autoridades tradicionais, encarnadas no Estado e na
Igreja. As formas de sociabilidade típicas da monarquia são redesenhadas, a partir da
expansão do aparelho de Estado e do poder econômico, no qual o papel da mídia é
transformado, no sentido de permitir uma circulação mais livre da informação. Além
da imprensa, outros fatores ajudam a explicar a formação da esfera pública burguesa.
• Arena da vida pública é organizada em centros de sociabilidade (casas de
encontros, teatros, museus, livrarias, tavernas, cafeterias, clubes);
• Crescimento da comunicação social (editoras, imprensa);
• Surgimento de público leitor através de sociedades de leitura e bibliotecas e
processo de alfabetização crescente;
• Transportes melhorados, o que permite mais mobilidade urbana.
capítulo 4 • 97
uma ação que constrói a vida social e facilita a interação, a compreensão e o en-
tendimento mútuo entre as pessoas. A comunicação é apresentada como nosso
processo mais básico de socialização, pois entramos no mundo da vida a partir
da linguagem, o que leva a conquistar uma competência comunicativa. As ideias
de mundo da vida e esfera sistêmica são importantes, para que compreendamos
melhor o autor.
Ele denomina de mundo da vida as reservas de padrões de interpretação, or-
ganizadas linguisticamente e transmitidas culturalmente. Sua compreensão de
cultura não se alinha à de seus colegas frankfurtianos, pois entende cultura como
reserva de saber, conjunto dos valores, formas de expressão, perspectivas que ser-
vem como fontes para o entendimento entre os participantes de uma interação.
A partir da cultura é que os participantes da comunicação podem interpretar no
momento em que tentam se entender sobre algo.
O agir comunicativo é um tipo ideal de comunicação e os homens deveriam
se esforçar para exercê-lo, pois envolve:
a) A veracidade do que eu falo;
b) Significa que meus sentimentos são expressos de modo sincero;
c) Subentende que a ação nos encontros ou normas que o regulam são justas.
Para Habermas, era preciso focar as estruturas e as regras que tornam possíveis
as interações entre sujeitos apoiados em seu reconhecimento mútuo. Estes são
pressupostos como características gerais pela aptidão discursiva e comunicativa
dos atores sociais, ou seja, pela sua competência interativa. Entretanto, para que
a comunicação possa acontecer de forma adequada, Habermas parte da noção de
que a linguagem seja utilizada de forma clara, o que garante o entendimento.
Além da ação comunicativa, outra ação importante do autor é a de ação estra-
tégica, inerente à esfera sistêmica. A esfera sistêmica envolve o sucesso individual,
em vez de o entendimento mútuo, como na ação comunicativa. A lógica do mer-
cado e do capital é a da esfera sistêmica, sendo assim, os pressupostos de verdade,
sinceridade e justiça são secundários nas relações interpessoais orientadas pela ação
estratégica. A esfera sistêmica objetiva colonizar as outras esferas do mundo da
vida, em uma direção que visa poder e dinheiro.
capítulo 4 • 98
Esfera sistêmica Mundo da vida
Por esse motivo que o autor preconiza que tentemos estar mais próximos ao
agir comunicativo do que do agir estratégico. Nesse novo âmbito, os atores pro-
curam harmonizar seus interesses e planos de ação, através de um processo de
discussão, buscando um consenso.
Na ação estratégica, não há a intenção de ouvir os argumentos dos outros,
enquanto no agir comunicativo há um espaço de diálogo, em que se pensa em
conjunto sobre quais devem ser os melhores objetivos a serem buscados por um
grupo social. O entendimento mútuo, do agir comunicativo, será um importante
facilitador da coordenação de ações e servirá de base para a defesa da democracia
no cenário político, com a crítica da repressão, censura e de outras medidas que
não propiciam o diálogo dentro da sociedade.
Maar (2014, p. 19) pontua que na teoria da ação comunicativa, o importante
era mostrar o que seriam, conforme Habermas, as tendências de desenvolvimento
social e as possibilidades de intervenção que nele se abrem, privilegiando processos
de emancipação na formação de sujeitos coletivos.
capítulo 4 • 99
ATIVIDADES
01. (FCC – TCE-PI) Em A Galáxia de Gutemberg, lançado em 1962, o professor canadense
Marshall McLuhan defendeu que os meios de comunicação criaram um ambiente mental que
abrangia todo o planeta, sendo os veículos impressos os de maior influência na formação da
cultura europeia e da consciência humana. Na referida obra, este ambiente cultural e comu-
nicacional mundializado foi descrito por McLuhan, pela primeira vez, com um conceito que
perpassa toda sua obra. Este conceito é o de
a) Indústria cultural.
b) Tipologia das fontes.
c) Aldeia global.
d) Crítica materialista.
e) Determinismo estruturalista.
capítulo 4 • 100
Disponível em: <http://gshow.globo.com/Bastidores/noticia/2015/07/isabelle-drum-
mond-e-maria-eduarda-mudam-visual.html>. Acesso em: jun. 2019.
I. As descrições feitas por Edgar Morin em relação à cultura do século XX não são aplicá-
veis ao atual contexto neste início de século XXI, pois, com o advento da internet, os chama-
dos olimpianos deixaram de exercer tanta influência no espaço público.
II. A promoção das chamadas “celebridades” pelos veículos de comunicação serve para
impulsionar o mercado de venda de bens culturais, como roupas e músicas, o que se en-
quadra na interpretação feita pela teoria crítica, que analisa os meios de comunicação pela
perspectiva da indústria cultural.
III. Os meios de comunicação, por meio das novelas e do “jornalismo de celebridade”, incen-
tivam a formação de padrões estéticos que influenciam a formação de crianças e jovens, pois
os olimpianos se convertem em modelos desejáveis pela sociedade.
IV. A leitura sobre a vida de celebridades é um tipo de lazer adequado ao século XXI e tem
reduzidas implicações econômicas, pois esta atividade pode ser realizada de qualquer lugar
por intermédio de smartphones, e não é cara.
É correto apenas o que se afirma em
a) I e III.
b) I e IV.
c) II e III.
d) I, II e IV.
e) II, III e IV.
capítulo 4 • 101
04. (UEM-PR) Jürgen Habermas (1929) pertenceu inicialmente à Escola de Frankfurt, tam-
bém conhecida como teoria crítica, antes de fazer seu próprio caminho de investigação filo-
sófica. Sobre o pensamento de Jürgen Habermas, assinale o que for correto.
a) Ao afastar-se da Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas abandona, ao mesmo tempo, a
teoria crítica da sociedade e a crítica da razão instrumental.
b) Ao contrário de Max Horkheimer, Theodor W. Adorno e Walter Benjamin, Jürgen Haber-
mas continua fiel ao materialismo histórico, ou seja, à ortodoxia marxista.
c) A relação posta pela Filosofia positivista entre o objeto da investigação científica e o
sujeito que investiga é, para Jürgen Habermas, o caminho a ser adotado por uma racio-
nalidade que deseja a emancipação humana.
d) A racionalidade comunicativa, contida na teoria da ação comunicativa de Jürgen Haber-
mas, elabora-se na interação intersubjetiva, mediatizada pela linguagem de sujeitos que
desejam alcançar, por meio do entendimento, um consenso autêntico.
05. A esfera pública burguesa tem seu surgimento atrelado a um governo representativo e
uma constituição liberal – e amplas liberdades civis básicas perante a lei (liberdades de ex-
pressão, de imprensa, de reunião, de associação e de julgamento justo). Leia as alternativas
a seguir e marque aquela que não influenciou no processo de consolidação de uma esfera
pública burguesa, na qual sujeitos livres podiam discutir seus interesses comuns.
a) Arena da vida pública foi organizada em centros de sociabilidade (casas de encontros,
teatros, museus, livrarias, tavernas, cafeterias, clubes).
b) Crescimento da comunicação social (editoras, imprensa).
c) Surgimento de público leitor através de sociedades de leitura e bibliotecas e processo
de alfabetização crescente.
d) Transportes melhorados, o que permite mais mobilidade urbana.
e) Aliança entre monarcas e burgueses, já que os primeiros tinham prestígio e os burgue-
ses detinham o capital.
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capítulo 4 • 102
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capítulo 4 • 103
capítulo 4 • 104
5
A descoberta do
receptor
A descoberta do receptor
Neste capítulo, abordaremos os estudos culturais e a teoria das mediações,
tomando como base as proposições da professora da PUC-RS, Ana Carolina
Escosteguy e de Luiz Sá Martino, professor da Cásper Líbero. Pretende-se, mostrar
como o estudo de recepção, a partir do olhar iniciado nos Estudos Culturais ingleses,
orientou a vertente latino-americana, mais conhecida como “teoria das mediações”.
A segunda metade do século XX apresenta, no cenário acadêmico científi-
co, uma mudança de olhar sobre o processo comunicacional, que descentraliza a
observação do emissor da mensagem e passa a compreender o papel do receptor
como um agente com possibilidade de ação na resposta.
Enxerga-se o sujeito nos estudos de comunicação. Estuda-se, a partir de então,
muito mais o que as pessoas fazem com os meios do que os meios fazem com as
pessoas.
OBJETIVOS
• Compreender a importância dos Estudos Culturais;
• Conhecer a nova definição de cultura e as ideias de hegemonia e contra hegemonia;
• Reconhecer os estudos de recepção e a ideia de um receptor ativo e dotado de subjetividade.
capítulo 5 • 106
Além da televisão, outras manifestações como a literatura popular, os vídeos mu-
sicais, a música pop e o cinema de Hollywood passaram a ser objeto de estudos.
Richard Hoggart inspirado na sua pesquisa, The Uses of Literacy (1957), funda
o Centro, em 1964. Outros textos que antecederam a formação do centro, mas
contribuíram para a criação da instituição foram: Culture and Society (1958), de
Raymond Willliams e The Making of the English Working-Class (1963), de Edward
Thompson. Tais trabalhos serviram como um norte para as pesquisas que seriam
desenvolvidas no bojo dessa escola, tanto que os três autores são tidos como pais
fundadores da vertente.
The Uses of Literacy (1957) é em parte autobiográfico e em parte a história cul-
tural do meio do século XX, através de metodologia qualitativa. Hoggart nasceu
em 1918 e era filho de operários. Começou na docência letrando adultos desse
meio. A origem popular do autor e sua atuação como professor alfabetizando
adultos é interessante, pois permite outro olhar sobre a cultura, compreendendo
o modo de vida dos mais simples como também rico do ponto de vista simbólico
e cultural. O autor, em suas pesquisas, tinha como foco materiais culturais, antes
desprezados, da cultura popular e dos meios de comunicação de massa.
Ana Carolina Escosteguy (2010) deixa claro que a partir da perspectiva dos
Estudos Culturais, há uma atenção às formas de expressão culturais não tradicio-
nais, o que “descentra a legitimidade cultural”. Com isso, a cultura popular alcan-
ça legitimidade, uma vez que ocupa espaço de atividade crítica e de intervenção.
Um fato importante de salientar é que no período da formação do grupo
de pesquisa, há o nascimento e a consolidação da TV como “força cultural sem
precedentes” (SÁ MARTINO, 2014, p. 245). Os Estudos Culturais, assim, cons-
truíram tendência importante da crítica cultural que questiona o estabelecimento
de hierarquias entre formas e práticas culturais estabelecidas, a partir de oposições
como cultura alta/baixa, superior/inferior etc.
Ao publicar em 1957, The Uses of Literacy, Richard Hoggart queria compreen-
der como as pessoas usavam as informações da mídia na vida cotidiana, partindo
do princípio que a capacidade de leitura é a possibilidade de as pessoas relaciona-
rem o que leem ou veem em sua vida cotidiana. Aos olhos do pesquisador, o es-
pectador é uma pessoa comum, trabalha, tem amigos, família. Isso tudo interfere
no uso que o indivíduo faz da mensagem da mídia. “A mídia era discuti-
da, pensada e mesmo negada pelo leitor: seu poder se diluía na articulação com a
vida cotidiana do receptor, era parte desse cotidiano, mas não o dominava.” (SÁ
MARTINO, 2014, p. 246)
capítulo 5 • 107
O trabalho de Hoggart, inaugura, segundo Escosteguy (2010), o olhar de que
no âmbito popular não existe apenas submissão, mas também resistência, o que
mais tarde será recuperado pelos estudos de audiência dos meios massivos.
Já Culture and Society (1958), de Raymond Williams, que era filho de um
ferroviário, constrói um histórico do conceito de cultura e culmina com a noção
de que a “cultura comum ou ordinária” pode ser vista como um modo de vida em
condições de igualdade de existência com o mundo das artes, literatura e música.
Traz contribuição teórica importante para os Estudos Culturais, a partir do seu
olhar diferenciado sobre a história literária, mostrando que cultura é uma catego-
ria-chave que conecta a análise literária com a investigação social.
De todos os estudiosos da primeira geração dos Estudos Culturais, Raymond
Williams, segundo Sá Martino (2014) foi um dos que mais prestou atenção aos
problemas da comunicação. Para ele, a “cultura” havia perdido o sentido de “culti-
vo”, que tinha desde o século XIX. William e numera os sentidos típicos da cultura.
• Para designar o estado geral ou hábito de mente;
• O estado de desenvolvimento intelectual de uma sociedade, pensada como
um todo;
• O conjunto das artes;
• Um modo de vida material e intelectual.
Williams articula essas proposições aos estudos de mídia, pois, para ele, a cultura
seria tudo aquilo que serve para conferir identidade às comunidades, não passível de
ser reduzida aos quatro pressupostos anteriores. Os estudos culturais deveriam in-
vestigar os usos de mensagens no cotidiano de indivíduos vinculados à comunidade.
Por fim, The Making of the English Working-Class (1963) refaz uma parte da his-
tória da sociedade inglesa de um ponto de vista particular – a história “dos de baixo”.
Thompson elabora uma história social britânica dentro da tradição marxista.
O autor era militante do Partido Comunista e também participou do letramento
de adultos no início de sua atuação docente, assim como Hoggart. A cultura, para
Thompson, era uma rede de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana,
dentro da qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano.
Edward Thompson compreendia que a classe trabalhadora se definia pela ati-
vidade, mas também por conta de suas práticas culturais. “A cultura não era apenas
arte, algo para ser admirado ou que se vê nos momentos de folga, mas todas as prá-
ticas que davam a identidade para um grupo – no caso, a classe trabalhadora.” (SÁ
MARTINO, 2014, p. 247) Isso incluía, por exemplo, tomar cerveja em um pub.
capítulo 5 • 108
Escosteguy (2010) ressalta que existe uma ligação coordenada entre os três
autores citados como fundadores dos Estudos Culturais, com preocupações em
comum que abrangem as relações entre cultura, história e sociedade.
Superestrutura
(Direito, estado,
religião, cultura)
Infraestrutura
(meios de produção/
relações de produção)
capítulo 5 • 109
Vale lembrar que, na perspectiva marxista, a infraestrutura demanda as condi-
ções da superestrutura, ou seja, as relações de trabalho e economia vão contribuir
no condicionamento da superestrutura, na qual a cultura estaria situada, ao lado
da religião, do Direito, do Estado. Para Marx, portanto, as condições materiais
de existência (infraestrutura) é que determinam nossa forma de agir e de pensar
(superestrutura). Na imagem anterior, no entanto, é possível perceber que as ins-
tituições na superestrutura também atuam para manter e regulamentar a infraes-
trutura, pois há uma relação dialética. O que Marx queria dizer com isso é que são
as relações de produção que dão os contornos de determinada sociedade, que se
expressam em suas leis, formas religiosas, culturais e de sociabilidade. Além disso,
toda a superestrutura serve para reforçar as relações de poder.
Somente a partir dessa explicação é que conseguimos compreender melhor a
fala de Escosteguy, no sentido de os Estudos Culturais criticarem o economicismo
da visão marxista.
O que os teóricos dos Estudos Culturais criticavam era o fato de as produ-
ções midiáticas sempre resultarem em mais dominação, pois nem sempre tudo
que partia da superestrutura necessariamente iria reforçar o status quo e as formas
de poder. Esse é um ponto muito importante, pois várias perspectivas anteriores
partiam da suposição de que as produções midiáticas eram controladas por uma
pequena minoria que detinha o capital, ou seja, tudo que seria proveniente dos
meios de comunicação de massa seria um eco da voz dos burgueses, com o intuito
de gerar mais lucro e manter os processos de dominação econômicos e culturais.
Caso você não lembre, essa era exatamente a visão os teóricos de Frankfurt, que,
por sinal, eram marxistas.
Nesse ponto, é necessário passarmos brevemente pela noção de ideologia.
Ideologia foi um termo consagrado por Karl Marx no século XIX e pode ser
classificado como um conjunto de ideias pertencentes à classe dominante que
são universalizadas e incorporadas pelas classes dominadas. Marx não separava a
produção das ideias das condições econômicas e sociais das quais elas surgem. Isso
significa que as ideias não surgem de maneira espontânea, pois estão estritamente
relacionadas à base econômica, a saber, as relações de produção, forças produtivas
e a divisão social do trabalho, a infraestrutura, como já vimos, que influenciaria
na criação e difusão das ideias. Nessa perspectiva, quem controla os meios de pro-
dução material também controla os meios de produção intelectual e, por isso, as
ideias dominantes de uma sociedade seriam originárias da classe dominante.
capítulo 5 • 110
A partir da infraestrutura, que representa a base econômica se ergueria a supe-
restrutura, composta pelo Estado, leis, religião, política, formas ideológicas. Em
outros termos, a superestrutura engloba ideias, instituições e todo um conjunto de
práticas e preceitos que operariam no sentido de manter os meios de produção e o
capital de posse da classe dominante. Assim, há a tendência para que as ideias do
grupo dominante sejam predominantes na superestrutura, fazendo com que esta
tenda a sancionar o poder da classe dominante. Como resultado desse fenômeno,
as ideias dominantes seriam também ideias das classes dominantes, que mantêm
seu poder através dos aparelhos ideológicos.
A ideologia é criada pela classe dominante para atenuar a contradição, deixá-la
menos aparente, de forma que a classe se perpetue no poder. No terreno da ideo-
logia, a realidade é apresentada de modo invertido, posto que os sentidos que cir-
culam não representam de fato o que é a realidade. Esta é obscurecida em favor da
perpetuação da classe dominante, por meio de mecanismos que não deixam que
sua dominação seja percebida. Ou seja, como temos um cabedal de ideias criadas
pela classe dominante, regulamentadas e sustentadas por instituições ideológicas,
não analisamos as condições sociais para explicar os fenômenos, mas percebemos
os fenômenos a partir dos pressupostos ideológicos circulantes. Vem desse movi-
mento a ideia de inversão de realidade.
Com essa tradição de discutir a ideologia no campo da comunicação, os tra-
balhos majoritariamente primavam por dois eixos: os estudos denuncistas, que
ressaltavam o caráter manipulador dos meios que impunham a uma massa acrítica
ideias que interessariam ao poder e, de outro lado, os estudos de resistência, que
buscavam valorizar a cultura popular e propor estratégias de resistência à cultura
hegemônica. Isso gerou certo empobrecimento das análises, pois haveria submis-
são fatal de um lado e libertação redentora do outro.
As ideias de hegemonia e contra-hegemonia, recorrentes em trabalhos dos
Estudos Culturais, contribuíram para a alteração desse cenário teórico, trazendo
uma dimensão da vida cotidiana dos indivíduos. O resgate do pensamento de
Gramsci, assim, ajudou a sofisticar os estudos acerca da cultura e dos meios de co-
municação, permitindo um nível mais profundo de discussão. Não a toa, Gramsci
foi reconhecido como o primeiro a contribuir para alargar a teoria marxista.
A ideia de cultura é central no pensamento gramsciano, pois ela é uma are-
na onde se trava uma luta política, na qual a classe dominante ou parte de uma
classe dominante utiliza os meios de comunicação como ferramentas hegemô-
nicas para impor uma superioridade moral e intelectual sobre os demais. Já a
capítulo 5 • 111
contra-hegemonia seria a capacidade de os dominados resistirem e se contrapo-
rem às ideias hegemônicas. Atrelada a isso, está a ideia de construção de consen-
so, que remete a uma dimensão de negociação. Apesar de certa homogeneização
social, existiriam formas de resistência.
Gramsci não percebe as ideias vindo apenas da classe dominante de modo
vertical e se impondo aos dominados, mas entende que estes não apenas pro-
duzem ideias contra-hegemônicas, mas que tais ideias são também incorporadas
pelas próprias instâncias hegemônicas, ou seja, produtos culturais hegemônicos
absorvem perspectivas dos grupos dominados, como seria o caso dos folhetins
populares, que eram dedicados ao grande público e tinham elementos da cultura
subalterna que garantiam o sucesso editorial.
Se os produtos culturais não incorporassem, em algum grau, as perspectivas
dos grupos subalternos, seria mais difícil conseguir que estes grupos fruíssem desta
produção. Em outros termos, as noções de hegemonia e contra-hegemonia per-
mitem aos grupos subalternos se configurarem enquanto atores sociais, pois estes
também construiriam sua visão de mundo, não sendo apenas sujeitos passivos.
Para os autores dos Estudos Culturais, as forças de dominação não cessaram e os
poderosos continuam a ter vantagem nessa arena social. No entanto, o consumidor
comum também tinha a capacidade de interpretar as mensagens, aceitá-las parcial-
mente, recusá-las ou mesmo reelaborá-las para criticar os próprios emissores.
Os Estudos Culturais passam a perceber a produção de sentidos, adotando
uma concepção de prática na cultura, portanto, uma ação, provocada por “agen-
ciamentos” culturais. O receptor passa a ser ativo e não mais uma ponta passiva
no processo comunicacional.
Além da forte influência da perspectiva marxista, a partir da concepção cultu-
ral de Gramsci, os Estudos Culturais também beberam da fonte do estruturalismo
francês, sobretudo Roland Barthes e dos pensadores da pós-modernidade, como
Foucault e Derrida, além de Saussure e Pierce, pelo viés semiótico.
Com a incorporação das ideias de Gramsci, acerca de hegemonia e contra-he-
gemonia, a relação entre mídia, política, manipulação e participação popular pode
ser relativizada. Gramsci ressalta uma dimensão da negociação na esfera política,
possibilitando que membros da classe subalterna sejam atores sociais e não meros
espectadores. Demonstra também que nem todos os discursos são proferidos pela
classe dominante, pois esta também incorporaria discursos marginais a suas insti-
tuições. A partir dessas ideias, portanto, apesar de existir uma apropriação desigual
capítulo 5 • 112
dos produtos culturais e uma tendência a homogeneização, a cultura é encarada
como um local de luta, no qual pode se construir ou questionar o consenso.
SAIBA MAIS
Os conceitos de hegemonia e contra-hegemonia foram criados por Gramsci em 1930,
mas demoraram a ganhar fôlego nas discussões acadêmicas. Isso em decorrência de outro
conceito que guiou por muito tempos os estudos que analisavam os meios de comunicação
de massa: a noção de ideologia.
capítulo 5 • 113
do pressuposto de que há oferta ilimitada e liberdade de escolha na seleção dos
produtos culturais. Da mesma forma, nem uma visão apocalítica sobre os meios
de comunicação, avistando em toda e qualquer ação um ímpeto de dominação,
nem uma visão purista e romantizada sobre as culturas tradicionais e subalternas
como única fonte de cultura verdadeira. O sujeito é agente e paciente, e existe
uma dimensão da memória e da amnésia, da criação e da fruição imediata, crise
de identidade e ofertas mais variadas para construção de identidade. Trata-se de
uma realidade híbrida.
capítulo 5 • 114
A sistematização de Sá Martino (2014) aponta alguns conceitos dos Estudos
Culturais que valem a pena ser citados:
• O espaço das apropriações dos meios de comunicação pela sociedade é o re-
ceptor, ou seja, o público. A compreensão dos usos feitos pelos indivíduos diante da
mídia envolve entender as subjetividades das sociedades com suas diferentes relações.
A cultura popular – entendida aqui como a cultura pop produzida pelos meios de comuni-
cação – é uma das responsáveis pela articulação de identidades cotidianas na medida em
que é um dos principais elementos de definição do mundo. (SÁ MARTINO, 2014, p. 247)
Sua ideia de “cultura” não está vinculada apenas às “produções do espírito”, mas a qual-
quer produção simbólica a partir da qual o ser humano entende seu mundo. Em uma
cultura pontuada pelos meios de comunicação, entender a cultura de massas é a chave
para entender o cotidiano.
capítulo 5 • 115
A ideia de minorias permitiria a questão da contra-hegemonia, da resistência e
da agência do público, indo ao encontro da vertente, já que os Estudos Culturais
percebem valor na cultura de grupos antes considerados marginalizados.
Stuart Hall não é citado como um dos fundadores dos Estudos Culturais, mas
terá papel fundamental, à medida que assume o cargo de Hoggart na direção do
Centro, de 1968 a 1979. O período em que o pesquisador estava no cargo é mar-
cado pelo incentivo ao desenvolvimento da investigação de práticas de resistência
de subculturas e de análises dos meios massivos.
capítulo 5 • 116
Codificar Decodificar
DISCURSOS DOS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO
ESTRUTURAS DE ESTRUTURAS DE
SIGNIFICADO SIGNIFICADO
QUADROS DE QUADROS DE
REFERÊNCIA DE REFERÊNCIA DE
CONHECIMENTO CONHECIMENTO
RELAÇÕES DE RELAÇÕES DE
PRODUÇÃO PRODUÇÃO
INFRAESTRUTURA INFRAESTRUTURA
TÉCNICA TÉCNICA
capítulo 5 • 117
A recepção está muito longe de ser passiva – e isso é uma premissa clara desde os
fundadores dos Estudos Culturais. A ideia de que o povo constrói e reconstrói sua pró-
pria cultura está longe de ser ingênua, mas baseia-se na noção de cultura como prática
dotada de sentido. Trata-se de mostrar um público ativo, imerso em um conjunto de
práticas e consumo cultural influenciado pelas condições econômicas e sociais. (SÁ
MARTINO, 2014, p. 250)
capítulo 5 • 118
As condições de possibilidades históricas em que a política vivencia na década
de 1980, com a instauração dos processos de redemocratização em vários países la-
tino-americanos, também favoreceram o desenvolvimento dos Estudos Culturais
em vários países do continente.
Os principais autores dos Estudos Culturais na América Latina são Jesús
Martín- Barbero, Néstor Garcia Canclini e Guilherme Orozco.
No Brasil, os Estudos Culturais ganharam força com os estudos da recepção,
destacando-se nessa abordagem, o colombiano Jesús Martín-Barbero, que ques-
tionou o olhar supervalorizado para as mídias em detrimento de práticas, situa-
ções, contextos, usos e modos de apropriação, destacando assim, os sujeitos no
processo comunicativo. A “teoria das mediações” é vista por muitos teóricos como
Sá Miranda, como resultado de um deslocamento teórico e geográfico. Um dos
principais expoentes desse olhar sobre o Hemisfério Sul é Jésus Martin-Barbero,
com a obra de 1987, Dos meios às Mediações.
A produção do conhecimento em comunicação na América Latina foi im-
pulsionada pelas demandas políticas e sociais. Foram as marcas da dependência
estrutural de uma cultura do silêncio e da submissão, mas que, ao mesmo tempo
deixa estabelecer níveis de resistência e de luta, o principal pano de fundo pela
busca de se compreender o que acontecia com a comunicação e assim, pode-se ou
pretendeu-se demarcar as fronteiras do emergente campo de estudo (CHRISTA
BERGER, 2010).
Quanto ao argentino Néstor Garcia Canclini, o foco de sua investigação cen-
tra-se na existência de uma necessidade de se identificar, a partir da cultura, quais
produtos materiais e simbólicos podem ajudar a melhorar as condições da popu-
lação da América Latina. Para ele, os países mais desenvolvidos poderiam auxiliar
os menos favorecidos em prol da inclusão social e da qualidade de vida. Para
Canclini, só há eficácia na comunicação quando há entendimento das relações de
colaboração e transação entre emissores e receptores, uma vez que não existe um
sentido fixo e sim colaboração e interação entre ambos nesse processo.
Quanto a Orozco, seus estudos têm como objetivo promover uma leitura es-
truturada e consciente do discurso televisivo. Lança o conceito de “televidência”,
no qual se busca “telever” o que está por trás, ou seja, colocar em evidência aquilo
que não está sendo dito na televisão. Para ele, o processo comunicativo não se
limita à questão da emissão, mas também da recepção, na audiência, no momen-
to em que é realizada a experiência com aquilo que foi vivenciado no momento
da comunicação.
capítulo 5 • 119
Segundo Escosteguy (2014, p. 255), hoje, no contexto acadêmico brasileiro,
as contribuições dos Estudos Culturais estão para além dos estudos de recepção,
voltando-se a estudos de culturas juvenis, de gêneros e formatos midiáticos, de
questões estéticas, entre outras pesquisas com influência teórico-metodológica das
mais distintas áreas disciplinares, assim como para diferentes objetos de estudo.
MULTIMÍDIA
Para entender melhor o conceito de “televidência” proposto por Orozco, vale a pena as-
sistir: Videodrome, David Cronenberg ou O show de Truman, de Peter Weir.
capítulo 5 • 120
pesquisa participante, substituindo professores estrangeiros por argentinos (Daniel
Prietto), chilenos (Eduardo Contredas Budge), brasileiros (Luiz Gonzaga Mota) e
assim propiciar uma compreensão mais próxima da realidade da região.
A indústria petroleira e o desabrochar da democracia na Venezuela, a partir
da década de 1960, fez a Venezuela se sobressair na América Latina. O país passa
a ser um dos primeiros a ter televisão com investimentos comerciais significativos.
E é justamente, com a televisão, que os investimentos norte-americanos se fazem
presentes na indústria cultural, primeiro na Venezuela e depois, com o mesmo
modelo, por toda a América Latina.
Também, em 1959, na Venezuela, surge o Instituto Venezuelano de
Investigaciones de Prensa de La Universidad Central, cuja a primeira pesquisa bus-
cou saber Qué publicóla prensa venezolana durante la ditadura? Comprovando,
segundo Berger (2010, p. 244) a procedência oficial do noticiário.
Vale ressaltar que este centro será a origem do ININCO (Instituto de
Investigaciones de la Comunicación), fundado em 1973, cujo o objetivo é a pesqui-
sa da comunicação social ou de massas, que compreende tanto o estudo teórico
e metodológico dos problemas da comunicação como a análise permanente dos
diferentes meios e de sua incidência no âmbito nacional. Antonio Pasquali será o
nome mais importante do Instituto.
Pode-se concluir que Venezuela e Equador são as primeiras sedes da pesquisa
em comunicação na América Latina.
Em 1970, surge o CEREN (Centro de Estudos da Realidade Nacional), vin-
culado à Universidade Católica do Chile. O Centro é coordenado por Armand
Mattelart e integrado por Héctor Schmucler, Hugo Assmann, Michele Mattelart,
Mabel Piccini e Ariel Dorfman. O centro se destacará na pesquisa sobre o domínio
das multinacionais na comunicação latino-americana, desde uma perspectiva mar-
xista, introduzindo conceitos como ideologia, relações de poder, conflitos de classe.
Esta perspectiva, inaugurada no Chile da Unidade Popular, já vinha sendo ensaiada pelo
grupo de 1965, com as pesquisas antropológicas/demográficas/comunicacionais, e
contava também com a participação de Paulo Freire, estendendo-se, posteriormente,
por toda a América Latina e marcando a fisionomia dos Estudos Latino-americanos da
comunicação. (BERGER, 2010, p. 245)
O grupo se desfaz com o golpe militar chileno. Alguns de seus membros vol-
tam a se encontrar no México, através do Instituto Latinoamericano de Estudios
Transnacionales-ILET. O núcleo do ILET era formado por pesquisadores chilenos,
capítulo 5 • 121
argentinos e peruanos. A orientação do Instituto era de informação internacio-
nal e estrutura transnacional, com livre fluxo de informação, democratização
da comunicação.
A reflexão latino-americana sobre a comunicação se instaura entre os anos
1960 e 1970. As condições estruturais do chamado “subdesenvolvimento” passa-
ram a incorporar a análise dos meios. O panorama político da região é o que carac-
teriza a reflexão do momento. Era o momento, na América Latina de oposição
ao American Way of Life.
Portanto, são nessas condições históricas com possibilidades de luta pelo so-
cialismo, de intervenção militar e a convivência com o capital norte-americano
que a comunicação de massa é introduzida e sedimentada na América Latina. Essa
comunicação é identificada com a televisão e com o financiamento norte-ameri-
cano, formando o pano de fundo e a motivação para a produção de uma pesquisa
crítica sobre a comunicação massiva eminente.
A “pesquisa-denúncia” dos anos 1970 foi substituída pela “pesquisa ação”, nos
anos 1980, o que Berger (2010) ressalta como uma observação não só comprome-
tida como também militante para o trabalho acadêmico.
Apesar de termos visto vários autores e vários países na origem do processo
de debates sobre comunicação na América Latina, destacam-se, no entanto, três
obras que concentram e são responsáveis em grande medida pela circulação do
debate: De los médios a las mediaciones (MARTÍN-BARBERO, 1987); Culturas
Híbridas (CANCLINI, 1997) e Más(+) Cultura (s): ensayos sobre realidades plurales
(GONZÁLES, 1994).
As pesquisas desse período pautam-se pela problemática da cultura e da
recepção esclarecidas pela noção de mediação. A lógica do poder absoluto dos
meios de comunicação é rompida a partir da discussão sobre cultura como base
do desenvolvimento.
Barbero, Canclini e Orozco são, inclusive, autores consagrados pelas teses e
dissertações, pois adotaram, no Brasil, a perspectiva sociocultural da recepção,
embora já tenhamos um cabedal de conhecimento produzido por pesquisado-
res brasileiros.
O debate sobre a recepção midiática na América Latina deve ser visto, levando
em consideração a importância dos Estudos Culturais.
capítulo 5 • 122
Como citado na introdução, a figura de Jesus Martin-Barbero é um ponto de
referência para a área. Pode-se dizer que a construção do trabalho intelectual de
Martín-Barbero está identificada em dois momentos particulares que demarcam
pontos de partida: um primeiro período marcado por matrizes vinculadas à Filosofia
e Semiologia; um segundo, pelo contato com o pensamento crítico da cultura.
Pelo pensamento crítico da cultura, há uma atenção às teorias do discurso e
da linguagem para aprofundar questões que emergem dos conflitos e movimentos
sociais e da problemática da cultura popular e da comunicação de massa. Questões
que tomaram importância e maior densidade com os estudos sobre a televisão em
que a telenovela é o objeto mais significativo e conceituado como expressão do
popular massivo.
A partir da obra Dos meios às mediações, Barbero (1987) propõe um deslo-
camento dos estudos de comunicação, ou seja, no lugar de se preocupar com os
meios e suas condições específicas de produção ou mensagem, era preciso pensar
nas mediações, nos processos culturais, sociais e econômicos que enquadravam
tanto a produção quanto a recepção das mensagens da mídia.
capítulo 5 • 123
representa a bagagem que o indivíduo carrega, fruto de sua existência e que aciona
na decodificação.
O lugar privilegiado para a análise do processo de recepção é o cotidiano,
dentro da lógica de Barbero, pois está na relação com o próprio corpo até o uso
do tempo, o habitar e a consciência do que é possível ser alcançado por cada um.
Estudar os conflitos, o hegemônico e o subalterno, o moderno e o tradicional,
as mutações e as fragmentações dos públicos, sem que se deixe cair em dualismo é
a implicação do fenômeno coletivo, ao qual chamamos recepção.
Boa parte da recepção está de alguma forma, não programada, mas condicionada, orga-
nizada, tocada, orientada pela produção, tanto em termos econômicos como em termos
estéticos, narrativos, semióticos. (BARBERO, 1997, p. 56)
capítulo 5 • 124
a televisão devem abarcar uma compreensão mais integral da interação entre a
audiência, televisão e educação. Na genealogia de sua obra, tem-se como uma das
bases, a noção de mediação proposta por Jésus Martín-Barbero.
A obra de Orozco apresenta a multiplicidade de representações e reconfigura-
ções sociais, políticas e culturais que emergem de um ecossistema comunicativo,
cada vez mais amplo. Orozco parte do pressuposto de que a interação entre televisão
e audiência se constrói de modo complexo, multidirecional e multidimensional,
a partir de múltiplas mediações, definindo assim, a mediação como o processo de
estruturação vindo de ação concreta ou intervenção no processo recepção midiática,
sendo que estas mediações se manifestam por meio do discurso e das ações.
Sá Martino (2014, p. 184) lembra que para Orozco, a mediação entre TV e
público, por exemplo, acontece nas práticas sociais, ou seja, o cotidiano e a histó-
ria são mediações fundamentais.
capítulo 5 • 125
Tem-se então, a partir disso, uma proposta teórico-metodológica que se propõe a
explicar com clareza a complexidade das audiências, como também oferece uma
ampla gama de possibilidades instrumentais para a pesquisa em comunicação, sem
esquecer os aspectos críticos essenciais.
É importante entender que não é o simples ato de receber a mensagem, mas
reconstituí-la a partir das mediações. Os valores, as ideias, os gostos acompa-
nham o receptor. “Essas diferenças de mediações estão no meio do espaço entre
o indivíduo e a tela. As mediações atuam decisivamente na recepção da mensa-
gem.” (SÁ MARTINO, 2014, p. 184)
Tal âmbito não pode ser visto separadamente da problematização da tecnicidade tele-
visiva e da sua dimensão institucional, que completam o mencionado quadrilátero que
dá forma ao processo de “televidência”. A primeira alude à tecnologia que constitui a
televisão e, no entender de Orozco, vai muito além da sua materialidade. Representa
um espaço de oportunidade, posto que o avanço tecnológico do meio – como a digita-
lização, por exemplo, permite explorar novas capacidades perceptivas e de aprendizado
da audiência. Por sua vez, a ideia de institucionalidade põe manifestamente a dimensão
política da televisão. (PERES-NETO, 2010, p. 361)
capítulo 5 • 126
uma cultura híbrida, como propõe Garcia-Canclini, outro importante nome das
pesquisas latino-americanas.
Em Canclini, há uma preocupação, a partir da teoria das mediações em per-
ceber o diálogo entre a cultura popular, de massa e erudita. O pesquisador argen-
tino examina os modos de negociação do popular no processo cultural e político
hegemônico para avançar a discussão sobre as hibridizações culturais, no sentido
de afirmar uma autonomia relativa das culturas populares. Para Canclini, a cultura
popular não se deduz da cultura dominante. Com forte influência de Antonio
Gramsci e Pierre Bourdieu, Canclini acredita que a constituição do habitus não se
reduz à socialização na escola, na família e as classes populares têm modos próprios
de ressemantizar a cultura hegemônica.
Pode-se dizer que as mediações são complexas negociações de sentido entre a
hegemonia de uma indústria cultural protegida, que representa interesses econô-
micos e um público mais ou menos preparado para enfrentá-la. A negociação se
configura em um confronto entre hegemonia e resistência na definição do sentido
de uma mensagem.
Néstor Garcia-Canclini, propõe em Consumidores e Cidadão (1999) como o
consumo é o código de uma das principais mediações. O consumo, de natureza
simbólica ou material ganha importância por ser a referência ao principal elemen-
to: a mercadoria.
Para Canclini, a transformação do ato consumista no centro do modelo ca-
pitalista fez todas as outras práticas sociais se estruturarem pelo consumo de bens
materiais e simbólicos. Uma das principais mediações é o efeito da posse de uma
mercadoria nas outras pessoas.
A centralidade de Canclini, na área da comunicação, reside na introdução
do debate sobre a importância da articulação entre comunicação e cultura, tanto
em termos conceituais quanto empíricos. O impacto de suas teorizações está nas
análises e nos estudos sobre as relações entre comunicação e identidade cultural e
de ambas vinculadas ao consumo cultural.
Duas décadas de pesquisas culminaram com uma de suas obras mais impor-
tantes: Culturas Híbridas: estratégias para entrar y salir de la modernidade (1990),
que fora traduzida para vários idiomas.
Na sua proposta de discussão para a modernidade em âmbito latino-ameri-
cano, o autor repensa as mestiçagens e as intersecções entre as culturas, a partir
da noção de hibridização. Para Canclini é no processo de “des-colecionamento”
(quando não mais se apartam rigidamente as coleções de artes tidas como cultas e
capítulo 5 • 127
os objetos populares, em diversos locais, como museus, repertórios públicos etc.)
que se trava um diálogo intenso entre a cultura erudita, a popular, a de massa,
possibilitando focalizar suas intersecções. Nesse sentido, reorganizam-se vínculos
entre grupos e sistemas simbólicos, e os “des-colecionamentos” e hibridizações
não permitem mais uma associação rígida entre classes sociais e estratos culturais.
Essa negociação entre o legítimo e o ordinário, proposto no âmbito das conven-
ções sociais e principalmente, no que tange à reconsideração das identidades e dos
produtos culturais, abriu para os estudos de Canclini uma nova proposta de análise
das realidades e dos processos culturais que se distancia da noção de pureza, antes
imposta, para um olhar com interferência e relação com os meios de comunicação.
O livro culmina em uma fragmentação e em uma multiplicidade de combi-
nações que originam as tais culturas híbridas que defende. Tanto no Brasil, como
em outros países da América Latina, as proposições de Canclini seguem dando
norte a gerações de pesquisadores. Suas teorizações constroem as bases para um
pensamento de pesquisa latino-americano e também, por se voltarem, mais recen-
temente, para a problemática da cultura virtual.
Por fim, a teoria das mediações, com base nos autores aqui apresentados,
propõe uma substituição do aspecto linear “produção-recepção” por uma com-
plexa dialética do processo de recepção, no qual a imagem é compreendida como
parte de um fluxo maior de mensagens e práticas.
RESUMO
Nesta unidade, você conheceu um pouco das contribuições dos Estudos Culturais para
o campo da comunicação.
O capítulo começou abordando a origem dos Estudos Culturais, a partir da criação do
Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS), fundado por Richard Hoggart, em
1964, na Universidade de Birmingham.
Além de Hoggart, são considerados pioneiros dos Estudos Culturais, Raymond Williams
e Edward Thompsom. Outra figura se destaca no cenário britânico é Stuart Hall, que também
atuou na direção do CCCS.
Além dos estudos culturais ingleses, é recorrente na literatura de comunicação a divisão
dos Estudos Culturais em dois momentos. O primeiro trata da questão inglesa dos Estudos Cul-
turais com enfoque no cultural local e regional; e no segundo momento, temos a divisão desses
estudos com enfoque na cultura latino-americana. Os principais autores dos Estudos Culturais
na América Latina são Jesús Martín-Barbero, Néstor García Canclinie Guillermo Orozco.
capítulo 5 • 128
Pode-se dizer que as contribuições dos Estudos Culturais, tanto ingleses quanto na Amé-
rica Latina estão na preocupação ao conteúdo que o receptor entende, isso porque é na
recepção que efetivamente a comunicação acontece. Tal fato é importante de se perceber, já
que a leitura que o produtor de comunicação tem, não necessariamente, condiz com a leitura
promovida pelo receptor.
Neste início institucional da pesquisa na América Latina, apresentamos os Centros de
Pesquisa organizados, a partir do final da década de 1950 até os anos 1980 e as diferentes
orientações propostas por eles, a partir de condições de possibilidades históricas. Destacam-
-se, portanto, Ciespal em Quito, Instituto Venezuelno de Investigaciones de Prensa, ININCO,
na Venezuela, CEREN, no Chile e ILET, no México.
A partir da década de 1980, a proposta de repensar as peculiaridades do contexto-histó-
rico cultural latino-americano em que se inserem os processos comunicacionais, bem como a
aproximação entre comunicação e cultura resultou em um interesse pelos receptores, públicos e
audiências, mudando o olhar da investigação e dos estudos da comunicação na América Latina.
De modo pouco mais específico, entendemos que três aspectos se destacam nas pes-
quisas em comunicação, a partir dos Estudos Culturais:
1. O desenvolvimento de um tipo de investigação sobre as audiências ou sobre o processo
de recepção;
2. A crítica a uma compreensão da comunicação como um fenômeno centrado nas pró-
prias tecnologias de comunicação e;
3. A ampliação da concepção de cultura e valorização da cultura popular.
SAIBA MAIS
Jésus Martín-Barbero nasceu em 1937, em Ávila, Espanha. Transferiu-se para a Colôm-
bia em 1963, onde passou a realizar sua obra teórica, cuja influência no Brasil se dá desde
os anos de 1980. Semiólogo, antropólogo e filósofo.
Guillermo Orozco Goméz nasceu em Guadalajara, no México, obteve sua graduação em
Comunicação em 1974, no Instituto Tecnológico de Estudios Superiores de Occidente (Ite-
so). Realizou especialização em Educação, em 1977, na Universidade da Colônia, na Alema-
nha. O doutorado foi em Havard, USA, em 1988.
capítulo 5 • 129
Néstor García Canclini era filósofo por formação. Nascido na Argentina em 1939 e ra-
dicado no México em 1976, quando se exilou. Cientista político por atuação, nos campos da
arte e da cultura, é um dos expoentes do pensamento latino-americano, no que tange aos
estudos culturais.
ATIVIDADES
01. Qual a importância das proposições dos fundadores dos Estudos Culturais para o campo
da comunicação?
capítulo 5 • 130
d) O campo dos Estudos Culturais surge, de forma organizada, através do Centro de Estu-
dos Culturais Contemporâneos (CCCS).
e) Entre os temas das pesquisas apoiadas nos Estudos Culturais estão os estudos sobre:
feminismo, recepção e consumo midiático, raça e etnia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHRISTA, Berger. A pesquisa em comunicação na América Latina. In: HOLFELDT, Antonio e outros
(orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010.
ECOSTESGUY. Ana Carolina. Os Estudos Culturais. In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria da
Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9. ed., 2010.
GARCIA-CANCLINI, Nestor. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
MAAR, Wolfgang Leo. Dicionário de Comunicação – escolas, teorias e outros. In: CITELLI, Adilson e
outros (org). São Paulo: Contexto, 2014.
MARTIN-BARBERO, Jésus. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
capítulo 5 • 131
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5. ed., Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
SÁ MARTINO, Luiz Mauro. Teoria da comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5. ed., Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
GABARITO
Capítulo 1
01. Para Martino, o objeto da comunicação envolve uma leitura do social” a partir dos meios
de comunicação e/ou modalidades comunicativas. Tal movimento envolve uma mirada na
qual os meios de comunicação e a cultura de massa não se opõem nem se reduzem um ao
outro, mas exigem uma relação de reciprocidade e complementação. França também aponta
essa necessidade de determinado olhar, pois não reconhece os objetos enquanto inerentes
às materialidades comunicativas, já que é necessário dar um tratamento comunicacional a
esses objetos, que, caso contrário, poderiam ser perfeitamente estudados por outra ciência
humana. Para França (2010), o corpo das teorias da comunicação ainda apresenta um qua-
dro fragmentado, muito em função da falta de uma tradição de estudo científico na área. O
campo da Comunicação ainda não constitui, claramente, o seu objeto e a sua metodologia.
Para a pesquisadora, ainda hoje, o campo encontra-se espalhado em outras áreas do saber,
o que explica a interdisciplinaridade. O objeto é, portanto, complexo e passível de ser obser-
vado a partir de várias disciplinas. Há uma heterogeneidade dos aportes teóricos acionados
para a compreensão dos processos comunicativos.
02. Não é possível apontar uma resposta, pois os objetos possíveis são inúmeros. No entan-
to, é necessário que o aluno atente para empreender uma leitura de realidade social a partir
dos meios de comunicação, que perceba o diálogo com disciplinas afins, como as Ciências
Sociais, Filosofia e a Psicologia, além de estabelecer um recorte.
capítulo 5 • 132
04. O senso comum também é uma forma de conhecimento válida e que ajuda a ancorar o
homem no mundo. No entanto, não pressupõe método e rigor, que são etapas fundamentais
do conhecimento científico.
05. A noção de paradigma envolve uma maneira de olhar, uma paisagem mental que nos
permite enquadrar um autor/conceito dentro de uma vertente teórica. O paradigma envolve
três etapas: uma fase pré-científica, ciência normal, que engloba os paradigmas, e a ciência
revolucionária, a partir da qual erigem novas explicações, à medida que os paradigmas vigen-
tes vão se mostrando insustentáveis para explicar os fenômenos.
Capítulo 2
01. A resposta varia de acordo com a teoria elencada, no entanto, é importante destacar que
o início do século XX, o processo de urbanização e a própria modernidade propiciaram um
terreno no qual os meios de comunicação de massa encontraram solo fértil, ocupando a vida
cotidiana. Tal centralidade dos meios, associado às necessidades de um Estado em guerra
espantou diversos pesquisadores, conduzindo as primeiras pesquisas em Comunicação nos
Estados Unidos.
02. E.
04. C.
capítulo 5 • 133
05. Escola de Chicago e Palo Alto. A Escola de Chicago é anterior ao Mass Communication,
tendo como marco 1910, mas acaba sendo ofuscada pelo Mass Communication, tida como
a primeira vertente teórica realmente dedicada aos estudos da comunicação. Chicago ado-
tava a etnografia como principal metodologia, a partir de uma perspectiva microssociológica,
o que se distancia da proposta quantitativa e da ideia de massa do Mass Communication.
Já Palo Alto data de 1940 e adotava uma visão interacional do processo comunicativo, en-
tendendo o mesmo como algo cíclico, sendo o receptor tão importante quanto o emissor. A
escola reivindica outro paradigma comunicacional, bem distante da concepção unidirecional
e linear presente no Mass Communication.
Capítulo 3
02. A. 04. C.
Capítulo 4
02. B. 04. D.
Capítulo 5
01. Os trabalhos criam a base epistemológica dos estudos culturais, ao revisarem a catego-
ria de cultura, compreendendo-a em um sentido amplo, próximo ao antropológico atual, além
de perceberem o trabalho ativo do público. Importante salientar que os três pais fundadores
(Hoggart, Williams e Thompson) tinham uma origem de classe média, o que os tornava mais
próximos da natureza popular, permitindo aos autores uma relativização das premissas de
alta e baixa cultura.
02. D 04. C
03. B 05. A
capítulo 5 • 134
capítulo 5 • 135
ANOTAÇÕES
capítulo 5 • 136