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O toureiro - 2ª parte

É noite. Faz um pouco de frio, mas a cidade ainda está quente, fervendo de emoção pelo que se sucedera àquela tarde. O grande herói do dia, o toureiro, está sendo
homenageado na praça principal. O povo, tomado de grande emoção, vê o bravo homem receber do chefe da cidade um prêmio por sua destreza naquele dia: um
punhal, cravejado de brilhantes, e cujo aço reluzia como a mais pura expressão de força, dado somente aos grandes valentes que provaram sua firmeza enquanto
homens, e machos, e fortes - e por isso a população estava lá, para homenagear aquele homem que lhes proporcionara, talvez, o melhor momento de suas vidas - sim,
porque todos gostariam, não importa como, de destruir os touros que os assolavam, ou a peste que matava, ou ao demônio que combatiam dentro de si.

Começa a grandiosa festa. Os homens se embebedam, as mulheres conversam, as crianças saltitam de canto a canto, demonstrando sua alegria pela festa que existia
e aproveitando os poucos momentos que ainda teriam antes que o dia findasse. Quando a celebração se encerra, pessoas felizes vão para suas casas, onde dormirão,
esperando o grande dia de trabalho que viria a seguir, como tantos outros que teriam no futuro.

A noite cai como breu na grande casa, no centro da vila, onde está nosso homem. Durante toda a festa, não deixava de olhar a formosa donzela, linda como a noite e
deslumbrante como o sol, que também o fitava. Deitado na cama, insone, tentava pensar em qualquer outra coisa - mas, no que quer que pensasse, a figura daquela
mulher voltava, e o consumia em brasas, e o fazia querê-la, como chama que acende, como rio que corre, querendo as margens e querendo o mar ...

Estava nesse pensamento quando ouve alguns passos, aproximando-se do quarto. Saca da espada, pensando ser algum inimigo, como tantos que combatera antes de
chegar até ali. Mas o que vira era espantoso: a porta se abre, e a donzela ali entra, como se já soubesse que ele estava lá.

Olham-se num instante. Levanta-se o homem, cobrindo-se, pois está nu (a noite é quente, e não se vê nada), como que perguntando-se porque ela estaria ali.
Aproxima-se dela, que não se retém - pelo contrário, pedindo que se chegasse. E então, sabe-se lá porque motivo ou razão, a beija grandiosamente.

Nesse momento um espírito forte toma conta da sala. A moça, vestida, solta o cordão que prende seu gracioso vestido, que não trocara ainda. O vento, feroz, assiste ao
homem tomando-a com fúria, arrebatando-a com graça, rompendo os pendões que o separavam do contato físico com aquele corpo divinal, usando o punhal para
rasgar dela a última peça que ainda restava de seu próprio pudor, tornando-a livre para amá-lo, ferozmente.

E o que se viu foram instantes de fúria, lobos uivantes, paixão incontida, tensão lancinante, orgasmo voraz, tudo consumindo, ao corpo e a alma, como se fosse um
touro correndo por sangue, procurando um homem, lutando com força para seduzir, de corpo e alma, a paixão que viria a ser sua - e que correspondia, em espasmos
banais, como grande leoa, gemendo e gritando, procurando seu amado leão.

Sofrendo, gemendo, vibrando, ambos correm e suam, como se aquilo fosse a arena da tarde. E então, forte como o sol, firme como a noite, grande como a força de dois
seres que se unem, chega o ápice - e então, desfalecem, cumprida a missão.

...

Manhã do dia seguinte. O sol está a pino, e as pessoas trabalham, como sempre trabalharam durante todo o tempo. Nada mais se ouve da festa de outrora - hoje,
apenas lembranças soam daquele dia, como alentos para o duro serviço que se está por fazer.

O toureiro prepara-se para partir. Jamais imaginara ter passado por tudo aquilo. Recebera muitos prêmios por sua audácia - a gratidão de todos, a promessa de um
homem, a força interna. Mas, acima de tudo, queria saber se realmente receberia o que pediu. E, quando viu o lenço pendurado na janela, e a moça acenando-lhe, não
teve dúvidas: acima de tudo, conquistara o coração de uma mulher, e estava feliz por ter feito, realmente, tudo o que queria naquela noite.

Saiu, com um sorriso nos lábios. Não se sabe se voltou, não se sabe o que deixou, não se sabe nem porque apareceu, ou se dele se falou. Só se diz que aquela donzela
sempre o esperou - e, se você encontrar um lenço na sacada de uma janela, é porque ela ainda está lá, sempre esbelta, sempre bela, a esperar pelo homem que um dia
ela quis que fosse seu.

Omar O. Sirep

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