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RESUMO – ÉTICA E EDUCAÇÃO

1. O objecto da É tica

Objectivos gerais
O objecto da É tica exige:
 A nã o identificaçã o da É tica com a Moral;
 A existência de uma É tica que, nã o sendo científica, recebe o contributo das diversas
Ciências a respeito do ser humano;
 Que a actuaçã o moral, singular, seja complementada/criticada pela reflexã o ética,
universal;
 Que cada um de nó s tenha a consciência de que deparará com problemas morais, ao
longo da sua vida;
 Que haja, tanto em termos pessoais, quanto em termos colectivos, a passagem da Moral
efectiva – ou vivida – para a Moral reflexa – ou É tica;
 A tomada de consciência para a possibilidade de variaçã o das respostas sobre o que é o
“Bom”, consoante as diferentes É ticas;
 A verificaçã o do seguinte facto: a É tica nã o é uma intra-disciplina da Filosofia;
 Que as questõ es éticas fundamentais devam ser abordadas a partir de pressupostos
filosó ficos,
 Que, através do seu objecto, a É tica se relacione com as Ciências que estudam as
relaçõ es e os comportamentos dos seres humanos em sociedade (psicologia,
antropologia, sociologia);
 A consideraçã o para com o seguinte aspecto: o comportamento moral é uma forma
específica do comportamento dos seres humanos.

1.1- Definição de Ética


Nã o se pode confundir a É tica com a Moral: a É tica nã o cria a Moral. Apesar de toda a Moral
pressupor determinados princípios, normas ou regras de comportamento, nã o é a É tica que os
estabelece numa determinada comunidade.
A É tica depara com uma experiência de índole histó rico-social no terreno da Moral, ou seja
com um conjunto de prá ticas morais já em vigor e é partindo delas que procura determinar:
 A essência da Moral;
 A origem da Moral;
 As condiçõ es objectivas e subjectivas do acto moral;
 As fontes da avaliaçã o moral;
 A natureza e a funçã o dos juízos morais;
 Os critérios de justificaçã o dos juízos morais;
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 O princípio que rege a mudança e a sucessã o dos diferentes sistemas morais.

A Ética é a teoria do comportamento moral dos seres humanos em sociedade. É o saber


de uma forma específica do comportamento humano.
Segundo Luís de Araú jo, a atribuiçã o de uma dimensã o científica à É tica só será possível se
dela resultar uma objectividade tal que permita aos juízos em que se exprime afastar toda e
qualquer subjectividade. Outros autores ainda, consideram que os enunciados éticos nã o
possuem, em rigor, uma dimensã o científica, pois exprimem unicamente sentimentos
subjectivos.
Se for possível construir a É tica assente num processo científico de fundamentaçã o, parece
tornar-se inevitá vel o relativismo moral: é possível uma É tica com rigor científico? É desejá vel
uma tal ética?

1.1.1 – Ética como reflexão, influenciada pela Ciência


O autor mais representativo desta corrente é Luís de Araú jo. Segundo este autor é possível
construir uma É tica que, apesar de nã o ser deduzida das Ciências, se articula com os
conhecimentos que vã o emergindo a partir destas a respeito da realidade humana. O
conteú do da reflexã o moral resulta, simultaneamente, de uma exigência ló gica de coerência
conjugada com os conhecimentos científicos que ajudam a traçar a ideia de ser humano que
está subjacente à criaçã o e à fruiçã o dos valores.
A É tica forma-se como uma reflexã o integralmente autó noma face à s abstracçõ es de natureza
metafísica e à s proposiçõ es intrinsecamente teoló gicas. Ela configura-se, apesar da
ambiguidade e do cará cter dubitativo que é inerente a tudo quanto é humano, como um
discurso legítimo acerca do agir humano e da sua justificaçã o axioló gica.

1.1.2- A Ética como Ciência


É Adolfo Sá nchez Vasquez, entre outros, que defende a É tica como Ciência. Segundo esta
corrente:
 A Ética é uma Ciência. De acordo com esta abordagem, a É tica ocupa-se de um
problema pró prio – o sector da realidade humana a que chamamos Moral, constituído
por um tipo peculiar de factos ou actos humanos. Como Ciência, a É tica parte de um
determinado conjunto de factos, pretendendo descobrir-lhes os princípios gerais.
Enquanto conhecimento científico, a É tica deve aspirar à racionalidade e à
objectividade e proporcionar conhecimentos sistemá ticos, metó dicos e, no limite do
possível, comprová veis.
 A Ética é a Ciência da Moral, ou seja, de uma esfera do comportamento humano. Nã o se
deve aqui confundir a teoria com o objecto: o mundo moral. Os princípios, as normas
ou os juízos de uma Moral determinada nã o apresentam cará cter científico. Daí que se
podemos falar numa É tica científica, nã o o podemos fazer em relaçã o à Moral,
porquanto nã o existe uma Moral científica, embora exista (ou possa existir) um
conhecimento Moral que pode ser científico. O científico baseia-se no método e nã o no
pró prio objecto.
 A Moral não é uma Ciência, mas sim o objecto de uma Ciência. A É tica nã o é a Moral e,
portanto, nã o pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescriçõ es, dado que a

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sua missã o consiste em explicar a Moral efectiva e, neste sentido, pode influir na
pró pria Moral.

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A origem etimoló gica da palavra É tica encontra-se em dois vocá bulos:
 éthos – que significa costume, uso, maneira (exterior) de proceder
 êthos – que se reporta á residência, toca, morada habitual, maneira de ser, cará cter

Actualmente, a apalavra É tica usa-se em 3 sentidos:


 no sentido de ordem moral ou ordem ética, entendida como a totalidade do dever
moral;
 no sentido de estrutura fundamental das ideias morais ou ideias éticas,
reconhecidas por uma pessoa, ou por um grupo;
 no sentido de conduta moral efectiva, tanto de uma pessoa como de um grupo.

A Moral tem origem no latim “mos”, “mores”, entendido no sentido de conjunto de normas ou
regras adquiridas por há bito.
Enquanto a Moral se reporta a comportamentos concretos de índole particular, que
pressupõ em a coexistência da liberdade e da responsabilidade, a É tica, de feiçã o
tendencialmente universal, diz respeito a princípios normativos daqueles comportamentos. A
Ética é a base normativa da Moral, com capacidade para clarificar e rectificar os
comportamentos morais efectivos. Os seres humanos nã o só agem moralmente como
reflectem sobre esses comportamentos prá ticos, tomando-os como objecto do seu
pensamento e reflexã o. Uma tal dimensã o almeja atingir, e esclarecer, as mais relevantes
actuaçõ es humanas, i.e., aquelas que se reportam consciente e livremente, ao bom, ao certo, ao
correcto, ao justo, ao prudente. Todos nó s ambicionamos pautar o nosso comportamento por
essas normas, tais normas, uma vez aceites, sã o reconhecidas como obrigató rias e é de acordo
com elas que temos o dever de agir, rejeitando todas as outras possibilidades de actuaçã o
moral.
Admitindo que o mundo dos valores é uno e coerente, todos os valores devem convergir para
um nú cleo axioló gico: aquele que é constituído pelo Bem.

A É tica ocupa-se das normas que regem ou devem reger as relaçõ es de cada indivíduo com os
outros e dos valores que cada indivíduo deve realizar no seu comportamento.

1.2- Problemas morais e problemas éticos


Nas relaçõ es quotidianas que as pessoas estabelecem entre si, surgem problemas morais (ex:
quando me encontro em apuros devo fazer uma promessa com a intenção de não a cumprir?
Devo dizer sempre a verdade, ou há ocasiões em que posso mentir? Quem, num conflito armado,
sabe que um amigo colabora com o inimigo, deve ocultar este facto – em nome da amizade – ou
deve denunciá-lo como traidor?). Estamos ante problemas prá ticos e problemas cuja soluçã o
nã o diz unicamente respeito à pessoa que os propõ e, mas também à quele, ou à queles, que

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sofrem as consequências da sua acçã o, ou da sua decisã o. Estes problemas têm lugar no plano
da inter-subjectividade.
Nestas situaçõ es as pessoas defrontam-se com a necessidade de pautar o seu comportamento
por normas que se julgam serem as mais apropriadas. Estas normas sã o aceites intimamente e
reconhecidas como obrigató rias e é de acordo com elas que as pessoas compreendem que têm
o dever de agir desta ou daquela maneira. Nestes casos, dizemos que o ser humano age
moralmente. Sobre este comportamento, que é resultado de uma decisã o reflectida e, como
tal, nã o é espontâ nea ou natural, ou outros julgam, à luz de normas estabelecidas, e formulam
juízos (ex: X agiu bem mentindo naquelas circunstâncias; Y deveria denunciar o seu amigo,
traidor). Temos, de um lado, actos e formas de comportamento dos seres humanos em face de
determinados problemas (morais), e, por outro, juízos que aprovam ou desaprovam
moralmente esses mesmos actos.
No entanto, tanto os actos quanto os juízos pressupõ em certas normas que apontam o que se
deve fazer.
Na vida quotidiana, deparamo-nos com problemas prá ticos do género dos apontados e aos
quais ninguém pode fugir. Para resolvê-los as pessoas recorrem a normas, cumprem
determinados actos, formulam juízos e, por vezes, serve-se de determinados argumentos ou
razõ es para justificar a decisã o adoptada ou os passos dados.
O comportamento humano prá tico-moral, ainda que sujeito a variaçõ es de uma época para
outra e de uma sociedade para outra, remonta à s origens do ser humano como ser social. Ao
comportamento prá tico-moral sucedeu a reflexã o sobre ele. Desde entã o, os seres humanos
nã o só agem moralmente, como, em simultâ neo, julgam ou avaliam de uma determinada
maneira estas decisõ es e estes actos, mas também reflectem sobre o seu comportamento
prá tico e tomam-no como objecto para o seu pensamento e para a sua reflexã o. Verifica-se,
assim, a passagem do plano da prática moral para o da teoria moral, ou seja, da Moral
efectiva – vivida – para a Moral reflexa (Ética). Quando se verifica esta passagem estamos
na esfera dos problemas teó rico-morais ou éticos. Os problemas prá tico-morais sã o
particulares, os problemas éticos sã o gerais. A É tica diz-nos, em termos gerais, o que é um
comportamento pautado por normas ou em que consiste o fim – o Bom – visado pelo
comportamento moral. O problema de o que fazer em cada situaçã o concreta é um problema
prá tico-moral e nã o um problema teó rico-ético. A teoria pode influenciar o comportamento
moral-prá tico, pois traça um caminho geral, em cujo marco os seres humanos podem orientar
a sua conduta nas diversas situaçõ es particulares.
Muitas teorias éticas organizaram-se em torno da definiçã o do Bom, na suposiçã o de que, se
soubermos determinar o que é, poderemos saber o que deveremos ou nã o fazer. As respostas
sobre o que é Bom variam de uma teoria para outra (para uns é a felicidade ou o prazer, para
outros o ú til, o poder, a auto-criaçã o do ser humano). Outro problema ético fundamental é,
por exemplo, o de definir a essência ou os traços essenciais do comportamento moral, em
contraponto com outras formas do comportamento humano como a Religiã o, a Política, o
Direito, etc.
O problema da essência do acto moral remete para outro problema muito importante: o da
responsabilidade. É possível falar em comportamento moral somente quando o sujeito que
assim se comporta é responsá vel pelos seus actos, mas isto pressupõ e que ele pô de fazer o
que queria, pô de escolher entre duas ou mais alternativas. O problema da liberdade da
vontade é, por isso, insepará vel do da responsabilidade. Decidir e agir numa situaçã o concreta
é um problema prá tico-moral; investigar o modo como a responsabilidade moral se relaciona
com a liberdade é um problema teó rico, da competência da É tica. Problemas éticos sã o
também o da obrigatoriedade moral, i.e., o da natureza e dos fundamentos do comportamento

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moral enquanto obrigató rio, bem como o da realizaçã o moral, nã o só encarado como
empreendimento pessoal, mas também como empreendimento colectivo.
No entanto, os seres humanos, no seu comportamento prá tico-moral, além de levarem a cabo
determinados actos, julgam ou avaliam esses mesmos actos: formulam juízos de aprovaçã o ou
de reprovaçã o, e sujeitam-se livre e conscientemente a certas normas ou regras de acçã o.
Embora os problemas teó ricos e os problemas prá ticos sejam diferentes, nã o estã o separados
por uma barreira intransponível. As soluçõ es que dadas aos problemas prá ticos nã o deixam
de influir na colocaçã o e na soluçã o dada os problemas teó ricos. Por outro lado, os problemas
propostos pela Moral prá tica, vivida, constituem a matéria de reflexã o, ao qual a teoria ética
tem de regressar constantemente, para nã o se tornar uma especulaçã o estéril, mas sim a
teoria de um modo efectivo, real, do comportamento do ser humano.

1.3- O campo da Ética


Os problemas éticos caracterizam-se pela sua generalidade, distinguindo-se, assim, dos
problemas morais da vida quotidiana. Se a É tica revela uma relaçã o entre o comportamento
moral e as necessidades e os interesses sociais, ela ajuda-nos a situar, no devido lugar, a Moral
efectiva de um grupo social que tem a pretensã o de que os seus princípios e as suas normas
tenham validade universal, sem ter em conta as necessidades e os interesses concretos de
outros grupos sociais. Se a É tica ao definir o que é o bom, se recusa a reduzi-lo à quilo que
satisfaz o interesse pró prio de uma determinada pessoa, influirá na prá tica moral, ao rejeitar
um comportamento egoísta como sendo moralmente vá lido.
Procurou ver-se na É tica uma disciplina normativa, cuja funçã o principal consistiria em
indicar o tipo específico de comportamento que seria o mais desejá vel, sob o ponto de vista
moral. Contudo, esta caracterizaçã o da É tica como disciplina normativa pode levar-nos a
esquecer o seu cará cter reflexivo. A funçã o da É tica é idêntica à de qualquer outra teoria:
explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade. Por outro lado, a realidade
moral varia historicamente e, com ela, variam os seus princípios e as suas normas: a ambiçã o
de formular princípios e normas universais, deixando de lado a experiência moral histó rica,
afastaria da teoria a realidade que pretendia explicar.
A É tica é a teoria, a investigaçã o ou explicaçã o de um tipo de experiência humana, ou forma de
comportamento dos seres humanos, a que chamamos Moral. Aquilo que se afiram na É tica
sobre a natureza ou fundamento das normas morais deve valer para qualquer sociedade
histó rica. É isto que assegura o cará cter teó rico da É tica e evita a sua reduçã o a uma disciplina
normativa ou programá tica.
O valor da É tica, como teoria, está naquilo que explica e nã o no facto de prescrever ou
recomendar algo com vista à acçã o em situaçõ es concretas. A É tica diz respeito nã o ao ser ou
ao fazer mas sim ao dever ser.
O comportamento moral apresenta-se como uma forma de comportamento humano, como um
facto, e cabe à É tica explicá -lo, tomando a prá tica moral da humanidade como objecto da sua
reflexã o. A É tica é uma explicaçã o daquilo que foi ou é e nã o uma simples descriçã o: nã o lhe
cabe formular juízos de valor sobre a prá tica moral de outras sociedades, em nome de uma
Moral absoluta e universal, mas deve, antes, explicar a razã o de ser desta pluralidade e das
mudanças de Moral – cabe-lhe explicar o facto de os seres humanos terem recorrido a
diferentes prá ticas morais, mesmo opostas entre si.
A ética tem em consideraçã o a existência da histó ria da Moral, i.e., toma como ponto de
partida a diversidade de Morais ao longo do tempo, com os seus respectivos valores,
princípios e normas. Como teoria, a É tica nã o se identifica com os princípios e normas de
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nenhuma Moral em particular. A par da explicaçã o das suas diferenças, a É tica deve investigar
o princípio que permita compreendê-las no seu movimento, assim como no seu
desenvolvimento.
A É tica trabalha com actos concretos. Estes actos sã o actos humanos, logo actos de valor,
consideraçã o que nã o prejudica em nada as exigências de um estudo objectivo e racional. A
É tica estuda uma forma peculiar do comportamento humano que os seres humanos julgam
como valioso e que, além disto, é obrigató rio e irrecusá vel.

Segundo Fernando Savater o saber viver, ou arte de viver, é aquilo a que se chama ética.

1.4- Ética e Filosofia


A É tica é o conjunto sistemá tico de conhecimentos racionais e objectivos sobre o
comportamento humano moral. Tem um objecto específico que se pretende estudar
racionalmente e sem subordinaçã o a nenhum outro ramo do saber já constituído. Isto opõ e-se
à concepçã o tradicional da É tica, que a reduzia a um mero capítulo da Filosofia, na maioria dos
casos, especulativa. A concepçã o tradicional da É tica nega o cará cter racional e independente
da É tica: esta nã o elabora proposiçõ es objectivamente vá lidas mas sim juízos de valor ou
normas que nã o podem pretender essa validade. Isto aplica-se a um tipo determinado de É tica
– a É tica normativa – à qual se atribui a funçã o fundamental de fazer recomendaçõ es e
formular um conjunto de normas e prescriçõ es morais. Tal objecçã o nã o atinge a teoria ética,
que pretende explicar a natureza, fundamentos e condiçõ es da Moral. Um có digo moral, ou um
sistema de normas, nã o é Ciência, mas pode ser explicado com o contributo crítico das
diversas ciências. A Moral nã o é científica, mas as suas origens, fundamentos e evoluçõ es
podem ser investigadas racional e objectivamente, i.e., do ponto de vista da Ciência.
Na negaçã o de qualquer relaçã o da É tica com a Ciência alguns autores querem ater-se à
dependência exclusiva da É tica em relaçã o à Filosofia. A É tica é, neste sentido, apresentada
como uma parte da Filosofia especulativa. Esta É tica filosó fica preocupa-se mais em procurar
concordâ ncia com princípios filosó ficos universais do que com a realidade moral no seu
desenvolvimento histó rico. Numa época em que a Histó ria, a Antropologia, a Psicologia e as
Ciências Sociais nos proporcionam materiais muito valiosos para o estudo do acto moral, já
nã o se justifica a existência de uma É tica puramente filosó fica, especulativa, alheada do saber
científico e da pró pria realidade humana moral.
A defesa do cará cter filosó fico da É tica é vá lida para grande parte da histó ria da Filosofia,
período em que, por ainda nã o estar constituído um saber científico sobre diversos ramos da
realidade natural e/ou humana, a Filosofia se apresentava como um saber que se ocupava
praticamente de tudo. De entre as vá rias disciplinas, tradicionalmente associadas à Filosofia,
que trilham o seu caminho pró prio, encontra-se a É tica.
O facto de a É tica ser concebida como um saber que tem um objecto pró prio, tratado
racionalmente, ou seja, um saber que procura uma autonomia idêntica à de qualquer saber
científico, nã o significa que esta autonomia possa ser considerada como absoluta em relaçã o
aos demais ramos do saber e, também, em relaçã o à Filosofia, dado que as contribuiçõ es da
reflexã o filosó fica no terreno da É tica, para além de nã o poderem ser relegadas para o
esquecimento, devem ser postas em evidência pois, em muitos casos, conservam a sua riqueza
e vitalidade.
A É tica é incompatível com qualquer cosmovisã o universal e totalizadora que se pretenda
colocar acima das Ciências ou em contradiçã o com elas.
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As questõ es éticas fundamentais sã o as que dizem respeito à s relaçõ es entre liberdade,
responsabilidade e necessidade, devem ser abordadas a partir de pressupostos filosó ficos
bá sicos, como o da dialéctica da necessidade, da liberdade e da responsabilidade.
Por outro lado, a É tica assumida como teoria de uma forma específica do comportamento
humano, nã o pode deixar de partir de uma determinada concepçã o filosó fica do ser humano.
O comportamento moral é pró prio do ser humano como ser histó rico, social e prá tico. Se a
Moral é insepará vel da actividade do ser humano, a É tica nunca poderá deixar de ter como
fundamento a concepçã o filosó fica do ser humano, que nos dá uma visã o deste como ser
social, histó rico e criador. Há todo um conjunto de conceitos com os quais a ética trabalha que
sã o oriundos da Filosofia – liberdade, necessidade, valor, consciência, sociabilidade.
A É tica está estreitamente relacionada com a Filosofia. Esta relaçã o nã o exclui o seu cará cter
racional mas pressupõ e-no necessariamente.

1.5- A Ética e as Ciências Humanas e Sociais


É através do seu objecto que a É tica se relaciona com as Ciências que estudam as relaçõ es e os
comportamentos dos seres humanos em sociedade, proporcionando elementos que
contribuem para esclarecer o tipo peculiar de comportamento humano que é a Moral. Sã o
elas: a Psicologia, a Antropologia Social e a Sociologia, principalmente.
Os agentes morais sã o as pessoas que fazem parte de uma comunidade. Os seus actos sã o
morais unicamente se considerados nas suas relaçõ es com os outros. Ainda que o
comportamento moral corresponda à necessidade social de regular as relaçõ es dos seres
humanos numa determinada direcçã o, a actividade moral é vivida interna ou intimamente
pelo sujeito num processo subjectivo – para esta explicaçã o intervém de forma preciosa a
Psicologia. A Psicologia auxilia a É tica quando põ e em evidência a dinâ mica e as motivaçõ es
do comportamento do ser humano, assim como quando modeliza e estrutura do cará cter e da
personalidade. Aquela disciplina dá a sua ajuda à É tica quando se examinam os actos
voluntá rios, a formaçã o dos há bitos, a génese da consciência moral e dos juízos morais. A
explicaçã o psicoló gica do comportamento humano possibilita a compreensã o das condiçõ es
subjectivas dos actos dos seres humanos e, deste modo, contribui para a compreensã o da sua
dimensã o moral.
A ética tem também uma ligaçã o muito estreita com a Antropologia Social e a Sociologia.
Nelas, estuda-se o comportamento do ser humano como ser social. À s Ciências Sociais
interessam, sobretudo, nã o o aspecto psíquico ou subjectivo do comportamento humano
(Psicologia) mas as formas sociais em cujo â mbito actuam os seres humanos.
O sujeito do comportamento moral é a pessoa concreta que parte de uma determinada
estrutura social, e é desde a consideraçã o dessa estrutura que o seu modo de comportar-se,
moralmente, nã o pode ser considerado como unicamente particular: ele é, sempre, social. É
devido à relaçã o existente entre a Moral e a sociedade que a É tica nã o pode prescindir do
conhecimento objectivo das estruturas sociais, das suas relaçõ es, instituiçõ es, conhecimento
que é proporcionado pelas Ciências Sociais, particularmente pela Sociologia.
Enquanto a Sociologia procura estudar a sociedade humana em geral, a Antropologia Social
estuda, fundamentalmente, as sociedades primitivas, ou desaparecidas. No estudo do
comportamento dessas sociedades a Antropologia Social estuda, igualmente, o
comportamento moral. Os antropó logos conseguiram estabelecer relaçõ es entre a estrutura
social e o có digo moral que as regia. Observa-se uma diversidade de Morais, nã o só no tempo,
mas também no espaço, é necessá rio que a É tica, como teoria da Moral, nã o ignore que está
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sempre na presença de comportamentos humanos que variam e se diversificam no tempo.
Quer o antropó logo quer o historiador, permitem que se tenha em consideraçã o o cará cter
mutá vel das Morais, a sua mudança e sucessã o de acordo com e a mudança e a sucessã o das
sociedades.
Qualquer Ciência do comportamento humano, ou das relaçõ es entre os seres humanos, pode
trazer uma contribuiçã o ú til para a É tica como reflexã o acerca da Moral. Além de relacionar-se
com o Direito, a É tica também se relaciona com a Economia Política.
Para concluir: a ética relaciona-se com as Ciências Sociais, uma vez que o comportamento
moral é uma forma específica do comportamento humano, que se manifesta em diversos
planos: psicoló gico, social, jurídico, religioso, estético, etc. Retenha-se que a Ética é o saber
reflexivo sobre o comportamento moral.

As normas morais mudam de sociedade para sociedade, e modificam-se no decorrer da


histó ria.

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2. Problemas fundamentais da É tica
Objectivos gerais:
 A consciência é, sempre, uma consciência de valor,
 O ser humano recusa a indiferença ante o mundo em que está inserido e ante aquilo
que o rodeia;
 A liberdade afirma-se no exercício de auto-determinaçã o de cada pessoa;
 A finalidade superior da reflexã o moral visa a obtençã o da felicidade, na dignidade;
 Cada um de nó s está obrigado a responder à seguinte questã o: o que devo fazer?
 O progresso moral nã o pode ser reduzido ao progresso histó rico;
 Se o progresso histó rico cria condiçõ es para a existência do progresso moral, ele nã o
gera, por si só , o progresso moral;
 Se a Ideologia é fundamental para expressar os anseios dos diferentes grupos sociais,
ela é perniciosa ao tentar emascarar a realidade só cio-política-econó mica-mental.

2.1- A consciência moral e o mundo


A imagem da vida humana que se nos impõ e à consciência reflexiva pode ser reduzida a duas
estruturas fundamentais:
 A estrutura empírica – que abrange os elementos a descobrir na experiência simples
(sexo, idade, corpo)
 O âmbito em que se constroem os projectos existenciais – dá conta da estrutura
moral que suporta as decisõ es morais.

Questõ es que se relacionam com a explicaçã o do fundamento da acçã o moral:


 É preciso distinguir na consciência humana a dimensã o em que esta se revela como
representaçã o da realidade daquela perspectiva em que se assume como possibilidade
de apreciaçã o dessa mesma realidade.
 Ao aceitarmos que a criaçã o de valores resulta de uma actividade efectiva da
consciência, o argumento do interesse ou do desejo perfila-se como elemento
primordial do acto valorador. Nã o se deverá confundir a valoraçã o com os valores.
 É no poder de consciência, funçã o de cada eu, que reside o cará cter da sua natureza, ou
seja, a razã o determinante que revela o sujeito como pessoa, manifestando-se, deste
modo, a índole ética da condiçã o humana.
A consciência moral nã o se apresenta unicamente como uma estrutura afectiva, mas como
uma síntese se aspectos íntimos e de aspectos exteriores, ou seja, a partir do cruzamento
dos dados da consciência com aquilo que, do mundo, nos afecta.
O homem recusa a indiferença perante o mundo que o rodeia, assume-se como
participante, movido pelo imperativo da realizaçã o pessoal, é solicitado a orientar as suas
acçõ es mediante o dinamismo que se traduz num acto emergente da liberdade. Impõ e-se
reflectir em que consiste a liberdade e no que é um ser livre. É possível explicar a
liberdade humana como sendo resultante de um processo cujas raízes bioló gicas
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determinam a formaçã o de operaçõ es cognitivas que, por seu turno, desenvolvem as
condiçõ es para o aparecimento de alternativas que a consciência (reflexiva e voluntá ria)
expressará sob a forma de comportamentos. A afirmaçã o da liberdade humana apenas terá
sentido se se admitir uma concepçã o de personalidade em que se reconheça a intervençã o
estruturante das matrizes bioló gica, antropoló gica e cultural.
No exercício da auto-determinaçã o a vontade humana manifesta-se como uma
predisposiçã o para a escolha de fins, que se descobrem em ligaçã o com os valores
previamente elaborados pela consciência que, a si mesma, se compromete.
Reconhecendo-se forçosamente determinado a aderir a valores, o ser humano necessita de
estabelecer o critério que servirá de sustentá culo à hierarquia em que irã o rever-se as
suas preferências, fundamentar as escolhas que fizer e as acçõ es que levar a cabo.
É da reflexã o livre sobre a vida que surgem os valores. Por isso, a liberdade surge como o
fundamento ú ltimo da nossa pauta axioló gica (dos valores morais).
A finalidade superior da reflexão moral consiste em promover as condições
peculiares para que o ser humano consiga alcançar a felicidade na dignidade.

2.2- Natureza da Ética. Fundamentação das normas morais.


A problemá tica fundamental da É tica consiste na necessidade de cada pessoa ter de responder
à seguinte questã o: O que devo fazer?
Aquele que se ocupa da É tica tem de esforçar-se por procurar uma síntese entre o
conhecimento e a vida, síntese a partir da qual se torna possível a constituiçã o da moralidade.
No â mbito do conhecimento moral, o sujeito nã o emite somente juízos de realidade – através
dos quais exprime juízos de realidade -, mas formula igualmente juízos de valor – o
conhecimento ético expressa-se numa dupla dimensã o, que engloba a realidade fá ctica e, em
simultâ neo, abarca uma realidade axioló gica.
O conhecimento ético apresenta-se como uma experiência fundamental que se norteia
intencionalmente pela exigência de consolidaçã o de um sistema de valores capaz de definir o
contexto dos fins mais indeléveis da vida humana, nos quais radica o critério de moralidade
para a actuaçã o.
A É tica procura responder à s mais sérias questõ es da vida humana, assumindo-se como
crítica e meditaçã o da vocaçã o activa do ser humano em ordem à instauraçã o dos valores e
das normas que lhes possibilitem tornar-se pessoa, quer dizer, criador autó nomo e
responsá vel do seu devir histó rico-social.
A atitude metó dica no â mbito do conhecimento do saber ético comporta dois momentos
nucleares:
 Uma compreensã o exigente do humano;
 Uma atitude prescritiva a respeito do que deve ser a recta e paradigmá tica forma de
vida humana.

Se o saber científico deve contribuir para a compreensã o do humano, o mesmo nã o acontece a


respeito do que deve ser a recta e paradigmá tica forma de vida humana, pois tudo quanto vier
a ser enunciado carece de fundamentaçã o científica, dado que nã o se trata de uma aná lise de
factos, mas sim de afirmaçõ es de feiçã o normativa.

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Se a tarefa da É tica consiste em apontar o caminho para que a existência humana se projecte
liberta de alienaçõ es e orientada por uma ordem justa, é importante reflectir sobre o
conteú do desta É tica: o facto de considerarmos a É tica a partir de uma matriz humanista, nã o
significa que dela estejam ausentes questõ es de natureza metafísica (ex: questõ es que se
relacionam com o sentido da vida e a explicaçã o ú ltima da realidade). Por outro lado, ao
sublinhar as relaçõ es, inevitá veis que a ética assume com a problemá tica da metafísica, nã o
significa que se afirme a dependência do pensamento normativa face à metafísica.
É na matriz antropoló gica que reside a fundamentaçã o da É tica pois incluem-se nã o só os
traços fundamentais que permitem a caracterizaçã o do ser humano, mas também a aná lise da
evoluçã o histó rica das ideias, em articulaçã o com o desenvolvimento dos padrõ es culturais.
A É tica está em condiçõ es de propor um conjunto de directrizes ou de princípios
vocacionados para o aperfeiçoamento pessoal e da sociedade, desde que a procura de critérios
de moralidade nã o deixe de ser norteada por uma intensa preocupaçã o em estabelecer a
unidade entre a teoria e a prá tica, visto que somente a partir da aliança entre a especulaçã o e
a experiência directa, a reflexã o moral terá a possibilidade de intervir com eficá cia no
processo de transformaçã o das estruturas psicoló gicas e culturais que influenciam o
comportamento humano.

2.3- Moral e História: o sentido do Progresso Moral


A histó ria apresenta-nos uma sucessã o de Morais que correspondem à s diferentes sociedades
que se substituíram ao longo do tempo. Mudam os princípios e as normas morais, a concepçã o
daquilo que é bom, certo, correcto, justo.
Se compararmos uma sociedade com outra que lhe é anterior, podemos estabelecer uma
relaçã o entre as suas Morais respectivas, considerando que uma Moral é mais avançada, mais
elevada, ou mais fecunda do que a de outra sociedade.
Há um progresso moral que nã o se verifica à margem das mudanças radicais de cará cter
social. O progresso moral nã o pode dissociar-se da passagem de uma sociedade para outra.
No entanto, o progresso moral nã o pode ser reduzido ao progresso histó rico, ou sequer, que o
progresso histó rico seja, por si só , condiçã o para o progresso moral. Dizemos é que o
progresso moral nã o pode ser concebido independentemente do progresso social e histó rico.
O progresso histó rico resulta da actividade produtiva, social e espiritual dos seres humanos.
Nesta actividade, cada pessoa participa como ser consciente, procurando realizar os seus
projectos e as suas intençõ es.
O progresso histó rico nã o é igual para todos os povos e para todos os seres humanos.
Determinados povos progridem mais do que outros, e numa mesma sociedade nem todas as
pessoas participam do progresso da mesma maneira. Actualmente, vá rios povos vivem em
patamares muito diferentes da evoluçã o histó rica.
Conclusõ es da relaçã o do progresso moral com o progresso histó rico e social:
 O progresso histó rico cria as condiçõ es necessá rias para o progresso moral;

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 O progresso histó rico e social afecta, de uma maneira ou de outra, positiva ou
negativamente, os seres humanos de uma determinada sociedade, sob o ponto de vista
moral.
Embora o progresso histó rico crie as condiçõ es para o progresso moral, ele nã o gera, por si só ,
qualquer tipo de progresso moral, porque os seres humanos nã o evoluem sempre na direcçã o
moralmente boa, mas também evoluçã o na direcçã o má . O progresso histó rico e social pode
ter consequências positivas ou negativas do ponto de vista moral. No entanto, apesar das
consequências morais do progresso histó rico e social, nã o podemos julgar moralmente o
progresso histó rico. O facto de o progresso histó rico nã o dever ser julgado à luz de categorias
morais nã o significa que, histó rica e objectivamente, nã o possa registar-se um progresso
moral que, tal como o progresso histó rico, nã o foi até agora o resultado de uma acçã o
planeada, livre e consciente dos seres humanos.
Bases do conteú do objectivo do progresso moral:
 1.º - O progresso moral mede-se pela ampliaçã o da esfera moral na vida social. Esta
ampliaçã o revela-se ao serem reguladas moralmente as relaçõ es entre as pessoas.
 2.º - O progresso moral determina-se pela elevaçã o do cará cter consciente e livre do
comportamento das pessoas ou dos grupos sociais e, consequentemente, pelo
crescimento da responsabilidade das pessoas ou dos grupos sociais no seu
comportamento moral. Um sociedade é tanto mais rica, sob o ponto de vista moral,
quanto mais possibilidades oferece aos seus membros para assumirem a
responsabilidade, pessoal ou colectiva, pelos seus actos. Por isso, o progresso moral é
insepará vel do desenvolvimento da personalidade livre.
 3.º - O progresso moral determina-se pelo grau de articulaçã o e de coordenaçã o entre
os interesses pessoais e os interesses colectivos.
 4.º - o progresso moral manifesta-se como um processo dialéctico de negaçã o e de
conservaçã o de elementos morais anteriores.

2.4- A Ética como crítica das Ideologias


O emascaramento, uma constante político-social do séc. XX, perdura na actualidade. A
maneira como as pessoas refutam, ou fundamentam, os conceitos, os juízos e as normas que
constituem o processo ideoló gico sã o, quase sempre, tomados em funçã o dos interesses
pró prios do espírito do tempo. Sã o, pois, os interesses específicos de cada pessoa, e do grupo
social significativo em que aquela se integra, que comandam o conhecimento e que também
têm a capacidade de falsificá -lo. Só um esforço determinado, baseado em critérios estritos de
racionalidade, pode ser um obstá culo à queda na manipulaçã o.
As Ideologias sã o expressõ es reflexas, mais ou menos conscientes, dos contextos sociais em
que as pessoas e os grupos humanos se inserem. Contudo, as Ideologias tentam impor crenças
que sã o, muitas vezes, fonte de opressã o e de alienaçã o, que contribuem para deturpar a
capacidade de apreensã o do real, ao proporcionarem uma interpretaçã o do mundo e da vida
que se assume, socialmente, como a visã o correcta do mundo e da vida. Segundo Edgar Morin
“Quem possui uma ideologia também é possuído por ela”.
A ideologia é particularmente apelativa em épocas de crise, nas quais se verifica uma quebra
de confiança na razã o e o ser humano cai na incerteza. Temos que ter presente que na raiz das
Ideologias é possível encontrar teorias morais que pretendem justificar as atitudes daqueles

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que exercem algum tipo e poder sobre os outros seres humanos o que exprime nã o só uma
concepçã o do mundo, mas também um conjunto de regras de vida.
Sabemos que a É tica visa esclarecer, perante cada ser humano, as ideias de Bem e de Mal,
reflectindo sobre as prá ticas morais concretas para, em seguida, edificar padrõ es éticos para o
comportamento moral efectivo. Importa ter presente uma diferença fundamental entre É tica e
Ideologia: enquanto a Ética tem um carácter predominantemente teorético e
especulativo, a Ideologia assume uma feição fundamentalmente prescritiva e prática, o
que a aproxima da Moral.
Há um inter-relacionamento entre a Ideologia e a decisã o moral, que desemboca, por vezes, na
dissoluçã o do plano moral no plano ideoló gico, dado que as ideias de Bem e de Mal se
perspectivam em funçã o dos interesses e das tendências dominantes.
Os critérios ideoló gicos consagram regras e fins para a conduta humana, capazes de
entorpecer a razã o, nã o só pela força que exercem, mas também pela seduçã o com que
enunciam soluçõ es para os conflitos existenciais, impondo assim a renú ncia à reflexã o ética:
corremos o risco de ver a Ideologia transmutar-se em moralismo.
A conduta moral pressupõ e a autonomia da pessoa, que assim manifesta o seu cará cter livre e
responsá vel.
A É tica, encarada desde o plano da exigência de autenticidade humana, nã o pode reduzir-se a
um mero quadro das atitudes e comportamentos, no qual a pessoa seja despojada das
características que a identificam como pessoa. A reflexã o ética nã o exprime uma preocupaçã o
ú nica, de feiçã o paradigmá tica, em torno das regras orientadoras das diversas modalidades de
convivência, dado que a É tica está sempre situada além dos moralismos. Para que a É tica nã o
seja reduzida a um moralismo, tributá rio do terreno das Ideologias, a pessoa tem que elevar a
reflexã o acima das estruturas sociais, revê-las criticamente e, em seguida, deve atribui-lhes
um fundamento que remete sempre para a compreensã o pessoal dos valores.
A tarefa de des-ideologizaçã o da É tica terá que ser um processo permanente de refutaçã o
racional dos pressupostos em que se enraízam os contextos ideoló gicos, entendidos como
usurpadores colectivos dos objectivos pró prios da vida de cada pessoa.

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3. É tica e Educaçã o
Objectivos gerais:
 “A educaçã o é uma espécie de acçã o promotora e instauradora de valores”:
 Diferentes perspectivas da educaçã o moral:
o O Modelo de Clarificaçã o dos Valores;
o A Educaçã o para o Desenvolvimento Moral
o O Modelo Integrado para a Clarificaçã o dos Valores;
o A Educaçã o nas Virtudes Morais.
 A deontologia diz respeito aos deveres, aplicados no estrito exercício de uma profissã o;
 Todos os agentes educativos (professores, pais, educandos, administradores da
educaçã o e políticos da educaçã o, comunicaçã o social e agentes culturais) devem estar
submetidos ao crivo da Deontologia Educacional.

3.1- Relações entre a Moral e a Educação


O ser humano nã o se cumpre sem Educaçã o. A educaçã o é um processo de mú tua formaçã o
em grupo. Tanto o educador como o educando, ensinam e aprendem, contribuindo de maneira
determinante para uma díade dialéctica de feiçã o ú nica que possibilita a modificaçã o
qualitativa dos seus participantes.
Entendendo a educaçã o como promoçã o de valores, defende-se que cada ser humano deve ser
consciencializado no contexto da Educaçã o, em ordem à plenificaçã o da vida total. Se a
Educaçã o é o processo de personalizaçã o de cada ser humano, cada um de nó s é e torna-se
pessoa numa situaçã o concreta. Neste sentido, o dever moral nã o pode separar-se da
possibilidade de agir moralmente. A Educaçã o, que nã o pode deixar de visar a esfera da Moral,
tem de considerar o primado do ser do educando, em detrimento do seu ter.

3.1.2- Diferentes perspectivas da Educação Moral


Correntes mais importantes no â mbito da promoçã o dos valores éticos, na educaçã o escolar
dos nossos dias:
 Modelo de clarificaçã o dos Valores
 Educaçã o para o Desenvolvimento Moral
 Modelo Integrado para a Clarificaçã o dos Valores
 Educaçã o nas Virtudes Morais

3.1.3- O Modelo de Clarificação dos Valores


É um movimento prá tico mais preocupado com o como fazer do que com o que fazer.
O educador deve transmitir aos educando as formas de comportamento e de actuaçã o
correctos, os comportamentos vigentes, que devem ser assumidos de modo consciente e
crítico.
Segundo os defensores deste modelo de Clarificaçã o dos valores:

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 Cabe aos alunos criar o seu pró prio sistema de valores. Qualquer outra posiçã o
educativa é moralmente incorrecta;
 A educaçã o moral deve evitar metodologias moralistas, devendo adoptar as
metodologias que repousam na tomada de consciência dos valores;
 O desenvolvimento moral, espontâ neo e livre, deve ser estimulado;
 O có digo de valores dos outros (pessoas, sociedades, culturas) deve ser respeitado
num clima simultaneamente responsá vel e tolerante.

O papel do professor consiste em auxiliar os alunos a alcançar posturas axioló gicas morais,
por meio de um conjunto de técnicas, de entre as quais sobressaem os diá logos, as folhas de
valores, as frases inacabadas e as perguntas esclarecedoras, sendo também de considerar o
role-playing ou a simulaçã o.
Mas a Clarificaçã o de Valores encerra grandes dificuldades: ao nível da realizaçã o prá tica; esta
corrente nã o oferece meios adequados para a soluçã o das questõ es morais que coloca; ela tem
um grau elevado de subjectivismo e de relativismo moral. Pretende-se a neutralidade do
educador, mas, isto, deixa o aluno em completa solidã o.

3.1.4- A Educação para o Desenvolvimento Moral


O principal autor é Lawrence Kohlberg. A sua teoria defende uma acçã o educativa ordenada
para o desenvolvimento psicoló gico adequado. Esta teoria (que se opõ e ao Modelo de
Clarificaçã o dos Valores) defende que a educaçã o moral é o processo de desenvolvimento do
raciocínio moral que os sujeitos conseguem alcançar por meio de discussõ es sobre dilemas
morais, colocados a partir de situaçõ es reais, que conduzem à tomada de decisõ es sobre o que
é justo ou moral, no contexto e que vivem. Por outro lado, esta teoria afirma que os estímulos
ambientais, para o processo de desenvolvimento moral, sã o as possibilidades de adopçã o de
papéis que oferece à pessoa, a atmosfera moral do grupo ou a instituiçã o a que pertence,
assim como o diá logo moral. L. Kohlberg defende que o diá logo moral deve ser democrá tico e
participativo. Isto exige uma comunidade justa, i.e., democrá tica, participativa e solidá ria
quanto aos deveres, direitos e relaçõ es, que se estruturam segundo normas de equidade.
As estratégias que se devem congregar sã o: reconhecimento do está dio em que actua o
educando; exposiçã o dos raciocínios morais do seu pró prio está dio; exposiçã o, aos educandos,
de situaçõ es problemá ticas que provoquem conflitos morais genuínos e, como tal, inquietaçã o,
criaçã o de uma atmosfera de diá logo e intercâ mbio na qual os pontos de vista sobre o conflito
moral sejam discutidos abertamente.
Os dilemas morais devem apresentar as seguintes características:
 Devem estar baseados em situaçõ es da vida real;
 Devem ser tã o simples, quanto possível;
 Devem conter dois ou mais resultados possíveis, com implicaçõ es morais;
 Devem oferecer propostas de acçã o.

Críticas ao Modelo de Educaçã o para o Desenvolvimento Moral:

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 O nível de maturidade do pensamento ló gico nã o encontra frequentemente
correspondência ao nível do pensamento moral;
 A capacidade para assimilar e desempenhar as diversas funçõ es exigidas também nã o é
congruente com o nível moral;
 Muitas das situaçõ es dilemá ticas de Kohlberg põ em aos alunos situaçõ es-limite
extremamente difíceis e talvez inapropriadas pedagogicamente, pois sã o situaçõ es
simuladas;
 As situaçõ es existenciais moralmente graves nã o podem ser simuladas. O essencial da
situaçã o escapa à simulaçã o, só está presente na situaçã o real.

3.1.5- Modelo Integrado para a Clarificação dos Valores


O Modelo Integrado para a Clarificaçã o dos Valores (proposto por Ricardo Marín) assenta em
quatro momentos: cognoscitivo, afectivo, voluntá rio e de acçã o – individual e social.
 1.º momento (cognoscitivo) - parte-se do princípio de que tudo o que se quer tem que
ser previamente conhecido. As nossas preferências sã o precedidas por informaçõ es
que nos chegam através de vá rios modos (mass media, grupos com que nos
relacionamos, etc.);
 2.º momento (afectivo) – os valores têm que ter uma ressonâ ncia pessoal, as coisas
“mais valiosas” (ex: a nossa formaçã o) reclamam esforços, sacrifícios e renú ncias.
 3.º momento (voluntá rio – volitivo) – importâ ncia da decisã o livre, dado que a
liberdade é a capacidade de decidir por si mesmo.
 4.º momento (social) – o ser humano tem um cará cter fundamentalmente social. A
questã o dos valores está também intrinsecamente ligada ao aspecto social.

3.1.6- A Educação nas Virtudes Morais


Esta corrente filia-se em Aristó teles e na filosofia cristã medieval, admitindo a existência de
uma lei moral universal inserida na natureza humana. Esta corrente considera que a pessoa
pode conhecer a lei moral e deve obedecer-lhe na sua conduta moral efectiva. Dos princípios
morais fundamentais insertos na sua consciência deve a pessoa extrair as aplicaçõ es
adequadas à s situaçõ es concretas e particulares da vida. O acto de decisã o, bem como o de
derivaçã o de regras morais fundamentais, é racional e livre.
Para a Educaçã o nas Virtudes Morais, é na pessoa e na sua natureza que se encontram os
primeiros princípios morais; é preciso contar com a consciência e o acto prudencial que
concretizam as normas morais, que devem regular as acçõ es morais concretas.
Esta corrente rejeita os dilemas morais de Kohlberg, uma vez que eles sã o inadequados à
psicologia concreta da criança ou do jovem, sã o eventualmente traumá ticos, sã o simulados e,
portanto, falsos.
Esta corrente considera que:
 É nas situaçõ es morais concretas e reais que se deve radicar a actividade educativa
moral;

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 O educando deve ser treinado a derivar dos primeiros princípios morais os princípios
subordinados e as regras a aplicar em situaçõ es concretas;
 Devem ser criadas ou aproveitadas as situaçõ es morais concretas em que o educando
realize actos morais.

3.2.7- Síntese conclusiva


A Educaçã o Moral tem como objectivo primordial a resposta à questã o: que devo, como
pessoa, fazer? Isto nã o visa, por parte do educando, a aquisiçã o de competências específicas
numa determinada á rea do saber, mas pretende a realizaçã o efectiva do conjunto de
dimensõ es que constituem o todo que o sujeito em processo de educaçã o é. A escola deve ser
livre e promotora da liberdade. Nã o deverá haver coacçã o ou simulaçã o de valores. A
Educaçã o, que é vida, tem necessariamente que ser viva, tanto para nó s, quanto para outrem.
A promoçã o da Moral, em termos educativos, exige a fecundidade da praxiologia dos valores,
dado que a educaçã o é a componente essencial dessa praxiologia. A educaçã o, neste sentido,
deve ser entendida como educaçã o permanente, ou seja, como a pró pria vida como processo
contínuo de aprendizagem de aperfeiçoamento.
O humanismo integral, que tem como meta a obtençã o da felicidade na dignidade, visa a
pessoa toda e todas as pessoas.

*****
O homem é o ú nico ser educá vel. Que se trabalha a si mesmo sobre uma ideia de si mesmo
para realizar em si essa ideia.
Nã o há educaçã o sem valores. A educaçã o é um processo que visa a realizaçã o do educando
como valor para si mesmo. A sua actividade axioló gica começa pelo valor que dá a si mesmo. A
educaçã o é valiosa porque é o meio de realizar o homem como valor. Todos os valores que a
educaçã o promove sã o-no dentro do valor englobante que é o que o homem dá a si mesmo.

3.2- Deontologia Educacional

3.2.1- O que é a Deontologia?


3.2.2- Código de direitos e deveres no âmbito concreto de acção
profissional
A Deontologia é o conjunto normativo de imposiçõ es que deve nortear uma qualquer
actividade profissional, em ordem ao tratamento equâ nime a todos aqueles que recorrem ao
fornecimento de um bem e/ou serviço.

3.2.3- Reflexão crítica sobre o código deontológico

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Qualquer desempenho profissional está sujeito, de modo mais ou menos difuso, à s influências
do meio e, sobretudo, à s pressõ es daqueles que coabitam com o fornecedor do bem e/ou
serviço.
Objectivos do có digo deontoló gico:
 Proporcionar aos utentes um tratamento idêntico, assente na diversidade essencial
que constitui cada um dos seres humanos que procura a satisfaçã o de uma necessidade
por meio da prestaçã o de um bem e/ou serviço;
 Fornecer aos profissionais uma pauta e a regulaçã o dos deveres, obrigaçõ es prá ticas e
responsabilidades que surgem no exercício de uma profissã o.

3.2.4- Reflexão dinâmica sobre o código deontológico


Há a exigência de cada um dos utentes ser tratado como ser inigualá vel, fim e nunca meio para
o funcioná rio/empregado que se encontra incumbido do atendimento do cliente.

3.2.5- Procedimento moral concreto no âmbito delimitado


No â mbito educativo, o problema da Deontologia profissional reside nas obrigaçõ es e
responsabilidades que
 A sociedade outorga a cada educador;
 Cada educador outorga a si pró prio, e que derivam do poder e dos limites da Educaçã o.
A Deontologia do professor deve estar relacionada consigo pró prio, relacionada com os
colegas, relacionada com os alunos e relacionada com o contexto social.

3.2.6- O que entender por Deontologia Educacional


3.2.6.1- Deontologia dos educadores
Os educadores têm em mã os uma responsabilidade dupla: aquela que diz respeito ao
funcioná rio, a mais estrita; aquela que concerne ao formador de seres humanos, a mais ampla.
Os direitos e deveres dos professores encontram-se no ECD.

3.2.6.2- Deontologia dos pais e outros agentes educativos


A tem um papel fundamental na educaçã o das crianças / jovens. Contudo, cada vez mais,
assiste-se á demissã o da família desse seu papel. As mudanças no mundo contemporâ neo têm
afectado muito as famílias e provocado a sua quase “ausência” na educaçã o dos filhos.
Contudo, torna-se imperativo que as famílias reconheçam os seus direitos mas também os
seus deveres e colaborem com os professores na educaçã o. Em relaçã o aos outros agentes
educativos (psicó logos, pessoal auxiliar, etc.) torna-se fundamental definir o seu quadro de
referências deontoló gicas, em ordem à interacçã o, retroacçã o e transacçã o de todos aqueles
que, profissionalmente, vivem da/para a Educaçã o.

3.2.6.3- Deontologia dos educandos


Os alunos estã o situados no centro do processo educativo. Em oposiçã o ao magistrocentrismo
que imperou durante séculos, o aluno actual disfruta de muito mais oportunidades do que

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aqueles que o antecederam. No entanto, assiste-se muitas vezes a situaçõ es em que o aluno
confunde a liberdade que lhe é dada com a libertinagem que pretende impor aos educadores e
demais agentes educativos. Será que o educando dos nossos dias está tã o ciente dos seus
deveres como o está dos seus direitos?

3.2.6.4- Deontologia dos administradores da educação e dos políticos da educação


A Educaçã o nã o se restringe ao espaço das salas de aula. Também nela intervêm questõ es
como a planificaçã o da rede escolar, do pessoal previsto, das opçõ es estratégicas relativas à s
reformas do sistema educativo. O professor, o administrador da escola, o responsá vel político
pela educaçã o agem sobre os alunos para que eles recebam uma boa educaçã o.

3.2.6.5- Comunicação Social e Deontologia Educacional


A missã o da comunicaçã o social é tripla: formar, informar e divertir aqueles que a consomem.
Hoje, mais do que nunca, vivemos na aldeia global e, por esse motivo, a escola já nã o é o ú nico
factor educativo. Os vá rios meios de comunicaçã o social (imprensa, cinema, TV, TIC) levam o
educando a descobrir, ele pró prio por si pró prio, o meio, o país, a civilizaçã o em que vive.
Actualmente, é toda a sociedade que se quer educada e que pretende ser educada. A
linguagem tem de estar adequada ao pú blico a quem se dirige a notícia. Informar nã o é
deformar.

3.2.6.6- Agentes Culturais e Deontologia Educacional


Em sentido lato vivemos na sociedade da cultura. Grande parte das obras a que temos acesso
é de divulgaçã o. Contudo, divulgaçã o nã o é sinó nimo de banalizaçã o. Ao divulgarmos uma
obra temos a obrigaçã o de a conhecermos em profundidade. Em relaçã o a todos os
intervenientes no acto educativo importa saber qual é o código do dever fazer, a Deontologia
que se lhes aplica.

******
A sociedade contemporâ nea caracteriza-se pela generalizaçã o a toda a populaçã o da educaçã o
e ensino. Por esse motivo, as tarefas dos professores tornaram-se mais complexas e
diversificadas. Tendo a profissã o docente como objectivo a formaçã o humana, ela adquire, por
esse mesmo facto, uma incidência ética determinante que se reflecte na relaçã o pedagó gica
com os alunos, com outros intervenientes da comunidade educativa e com a sociedade em
geral.
A incidência ética da profissã o docente nã o pode ser inteiramente legislada pois, na maioria
dos casos, depende do juízo ú nico e prudencial do docente em situaçã o, orientado por
princípios racionais e universalizantes de justiça e responsabilidade. No entanto, a
experiência ética dos docentes pode ir sendo codificada. (Pedro D’Orey da Cunha)

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