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Animação Digital: Reflexos dos novos médias nos conceitos

tradicionais de animação

Filipe Costa Luz


MovLab - Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Resumo
A introdução de técnicas digitais na produção cinematográfica veio revolucionar todo
um universo técnico e sugerir novas estéticas onde a imagem se sobrepõe à tradicional
história que é contada. Uma nova cultura assente em espectáculo imergiu forçada pela
diluição de fronteiras entre filme capturado por uma câmara vídeo (Live action footage)
e imagens geradas por computador (CGI), ao ponto de Manovich sugerir classificar o
cinema como um subgénero da animação. Neste trabalho pretendemos enquadrar a
definição tradicional de animação com animação digital e cinema, procurando nas novas
tecnologias características que descodificam os reflexos da manipulação digital no
processo da animação. Analisando exemplos de animação manga, cartoon, animada por
motion capture e efeitos visuais 3D para cinema, pretendemos mostrar que a animação
tem contornos que precisam de ser bem definidos para se entender onde começa o filme
de animação ou de representação em animação.
Palavras-chave: Animação, Cinema, Mocap, Rotoscopia, Manipulação Digital

A introdução de técnicas digitais na produção cinematográfica veio revolucionar


todo um universo técnico e sugerir novas estéticas onde a imagem se sobrepõe à
tradicional história que é contada. Uma nova cultura assente em espectáculo imergiu
forçada pela diluição de fronteiras entre filme capturado por uma câmara vídeo (live
action footage) e imagens geradas por computador (CGI), ao ponto de Manovich
sugerir o cinema como um subgénero da animação.

Neste trabalho pretendemos enquadrar a definição tradicional de animação com


animação digital e cinema, procurando nas novas tecnologias características que
descodificam os reflexos da manipulação digital no processo da animação.

Analisando exemplos de animação manga, cartoon, animada por captura de


movimentos (mocap) e efeitos visuais 3D para cinema, pretendemos mostrar que a
animação tem contornos que precisam de ser bem definidos para se entender onde
começa o filme de animação ou de representação em animação.

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1) Introdução (para uma definição de animação)

A Animation Society discute actualmente a definição de animação. O modo com


a introdução de novas técnicas se intrometem no processo criativo da produção
tradicional de animação, faz com que se coloque em causa o conceito de animação. A
rotoscopia é considerado por muitos uma técnica que reproduz movimentos, não é
animação pura, logo as nomeações para Óscares dos filmes como o Happy Feet
(Warner Bros, 2006) ou Monster House (Sony, 2006) levantam imediatamente diversas
dúvidas (Riedman, 2007).

O filme Polar Express (Robert Zemeckis, 2004) é um exemplo deste ponto de


vista, pois não vemos uma personagem animada, apenas a representação directa do
actor Tom Hanks (Sporn, 2008), tal como em Happy feet nos apaixonamos pelo
sapateado fantástico do pequeno pinguim, ou melhor dizendo, da dança de Savion
Glover.

Será que os animadores deixaram de ser peças chaves na indústria


cinematográfica, devido ao excessivo encanto por efeitos visuais? A animação foi
transformada num efeito do computador?

A introdução dos computadores trouxe um “novo lápis” estando a animação


agora a ser influenciada pela manipulação digital, reconhecendo-se actualmente o
fascínio pelo efeito de animação (Wells, 2002). Hoje, numa lógica de filmes
estruturados no efeito visual, como o exemplo Matrix (Warner Bros., 1999), dos irmãos
Wachowski, remete-nos para um caminho que poderá ser o cinema hoje também um
sub-género de animação (Manovich, 2001).

Mais uma vez a tecnologia intromete-se nos projectos de animação ao ponto de


muitas definições serem registadas segundo o processo de construção dos desenhos
animados. O modo como a tecnologia foi evoluindo desde os primórdios da imagem em
movimento é proporcional à variedade de processos de animação e, por conseguinte, às
definições que foram surgindo. Assim sendo, gostaríamos neste momento de ficarmos
apenas com uma definição que sirva de ponto de partida para uma pesquisa em técnicas
e definições para animação: Animação é uma acção de gerar percepção de movimento
(vida) no que está estático (inanimado). É uma questão de estar animado ou vivo (Routt,
2007)

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Como anteriormente referimos, existem diversas definições para animação.
Numa rápida pesquisa, encontramos de imediato conceitos como animação cartoon,
animação stopmotion, animação 3D, animação flash, animação performativa, animação
electrónica, entre outros. Tal acontece porque quando visionamos projectos de
animação, a tecnologia força o modo de animar ao ponto da animação parecer ser um
conceito demasiado diversificado para ser categorizado como uma única entidade.
Animação refere metaforicamente os filmes cartoon (filmes de animação) onde
supostamente os desenhos ganham vida, no sentido literal que têm motivações, alma e
mente (Routt, 2007). Porém, as animações experimentais Future of Gamming de
Johnny Hardstaff (2001) ou Tyger de Guilherme Marcondes (2006) obrigam-nos a
repensar o conceito de animação.

Animação provém do latin Animus/anima, que significa ar, respirar, vida, alma
e mente. Animar é então dar a ilusão de vida no que está inanimado. Não existe
nenhuma definição precisa, porém é possível registar uma vasta lista de definições
(Denslow, 1997: 1).

A animação foi inicialmente entendida como um média cartoon, muito


influenciada pela presença da animação Disney (Wells, 2002: 38). Significa que, de um
modo geral, o estilo de animação Norte-Americana influenciou a orientação de como a
animação deveria ser vista. Os estúdios americanos, de onde se destacam a Warner
Bros., MGM ou Fleisher Studio, desenvolveram animações com estilo Disney onde as
personagens foram orientadas para a comédia.

Até aos dias de hoje, esta nova forma de expressão artística foi demasiado
orientada para crianças, porém, tal como os jogos de computador, o mercado da
animação já se alterou profundamente. Veja-se os exemplos das séries The Simpsons,
South Park ou da diferença de conteúdos da Dreamworks para a Disney.

A animação americana distingue-se claramente dos produtos de outros países.


Na animação chinesa reconhece-se a influência da caligrafia, na Checoslováquia a
tradição das marionetas é uma referência, os “movimentos congelados” da animação
japonesa, tal como na Rússia predomina a estética do desenho recortado. (Wells, 2002)

Facilmente percebemos que existem diferentes estilos de animação ora


provenientes do conceito visual/narrativo ou da técnica utilizada

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«Animation is both art and craft; it is a process in which the cartoonist,
illustrator, fine artist, screenwriter, musician, camera operator and motion Picture
director combine their skills to create a new breed of artist – the animator» (Blair, 1994:
6)

Partindo assim do pressuposto que a animação gera movimento a partir de


objectos inanimados, gostaríamos de seguir as definições de animação apresentadas por
Wells, por simplificar os sub-géneros de animação em 3 orientações: orthodox,
developmental e experimental animation (Wells, 1998).

Segundo Wells, a orthodox animation (cartoon, cell) deve ser entendida como a
formalmente mais anárquica e fantástica ao nível visual e narrativo. Engloba as
animações hiper-realisticas da Disney, ou seja, aproximam-se da representação do real
no contexto da acção, mas os movimentos dos personagens não seguem as leis
gravíticas e físicas do mundo real. São mundos representados realisticamente mas sem
semelhante (Baudrillard, 1991). Como developmental animation, Wells engloba a
animação stop motion com fantoches, bonecos em plasticina ou técnicas de corte e
colagem. Veja-se os exemplos de Terry Gilliam para os Monty Python, as animações da
Aardman ou o filme “Team America” (Trey Parker, 2004). Os filmes de cariz mais
abstracto devem ser englobados no que Wells intitula de experimental animation. A
interpretação da obra do artista é o mais importante, enquanto a narrativa é delegada
para a orthodox animation. Veja-se como em 3dspace, de Alexander Rutterford (2002),
ou Feet of Song, de Erica Russel (1989), a dinâmica musical, o ritmo, movimento e
evolução dos objectos animados são o mais importante, logo continuidade narrativa,
unidade visual ou diálogos narrativos são eliminados na experimental animation.

Segundo esta subdivisão, a técnica utilizada não é o mais importante para a


definição de géneros de animação. De igual modo, podemos mantermo-nos fiel ao
conceito de animação como algo que é criado fotograma a fotograma, independente da
técnica utilizada. A animação é assim dissociada de tudo o que não é gerado a partir de
movimento, como a rotoscopia ou o mocap, pois animação é criação da ilusão de
movimento e em vez da representação de movimento. Podemos dizer que a animação
está para o desenho, tradicional ou digital, como o cinema para a película. A animação
não é capturada do mundo real, mas sim processada a partir de movimentos artificiais,
continuando a oferecer novas possibilidades narrativas ou expressivas aos animadores

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que usem tecnologia tradicional ou digital, porque a animação não tem regras definidas,
ela é fruto da arte que acontece entre fotogramas.

Segundo Norman McClaren, animação não é a arte dos desenhos que se movem,
mas sim a arte dos movimentos que são desenhados. «O que acontece entre cada
fotograma é mais importante do que acontece em cada fotograma.» (Solomon, 1987:
11)

2) Movimento na animação

O movimento foi sempre o objectivo central da animação. Dar vida a desenhos


estáticos de modo a que personagens possam ser definidas através de características
expressas em acções. Vladimir Tyla, um dos primeiros animadores cartoon, criou a
personagem Stromboli no filme pinocchio (Disney, 1940) que é uma figura em
constante movimento, onde cada gesto mostra uma intolerável ira. Se esta personagem
tivesse sido animada por outro artista, então o resultado seria totalmente diferente. Na
animação fotograma a fotograma, a energia é transposta criativamente pelo animador,
delineando o conceito de cada personagem.

Porém, o expressivo movimento cartoon é também uma personagem dos filmes


Disney. O exagero transformado nas doze regras da animação Disney (Thomas &
Jonhston, 1981: 47-70) tornou-se uma característica destes filmes, algo impossível de
reproduzir no mundo real devido à limitação que as forças gravíticas exercem sobre
nós.

De igual modo, a percepção da animação tradicional foi sempre demasiado


plana (Flatness) devido à técnica do desenho obrigar a construir todo um universo
imaginário sobre a folha de papel. A Disney, para fugir á limitação de filmar sobre o
mesmo desenho, desenvolveu um mecanismo (multi plane) que permitiu desconstruir o
espaço do desenho em diferentes camadas, de modo a criar o efeito de profundidade de
campo tão próprio da visão humana. A curta The Short Mill (Disney, 1937) estreou esta
técnica que foi no ano seguinte largamente utilizada no filme A Branca de Neve e os
Sete Anões.

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A animação manga (anime) é também caracteristicamente bidimensional, porém
a expressão de movimentos interrompidos, mostrando o pormenor de determinadas
acção em fotogramas expostos por longos períodos de tempo, torna-a única. A anime,
através da desconstrução do espaço e tempo no fotograma, rompe com a percepção do
espectador nos eventos que decorrem, através de particulares interrupções do
movimento. Lamarre recorre ao termo Anime-ic para definir esta característica da
anime.

Os anime-ic funcionam de modo próximo aos slow-motions em filmes, pois a


fractura no movimento quando um fotograma fica congelado por demasiado tempo
provoca a aproximação do espectador à emoção da acção ou dos objectivos no evento
que ocorre. Anime representa visualmente as forças escondidas e a energia quando a
anime explora o dinamismo do movimento para afectar o mundo real. (Brophy, 2007:
191)

Assim, a expressão dos movimento anime-ic permitem aos realizadores salientar


determinados aspectos da acção ou história. Se os planos gerais mostram a amplitude da
cena, os grandes planos projectados num único fotograma, revelam na sua fractura de
tempo e movimento, o pormenor em detalhe.

A anime tem esta cinemática particular de representações anime-ic do


movimento coincidentes no modo como se relacionam com a narrativa, personagens e
espectáculo. As rupturas qualitativas da animação permitem ao espectador não ficar
totalmente absorto na narrativa, mas de igual modo, nos eventos das acções. A sensação
de presença na história é interrompida pelo desfrutar de momentos estéticos (mais
espectaculares).

Segundo Ruddell os espectadores podem ser atraídos pela animação través das
técnicas cinematográficas que tradicionalmente são utilizadas neste média (Ruddell,
2008: 125); porém, nas representações anime-ic, os espectadores ficam mais envolvidos
pelas representações de movimentos da acção, ou seja, ficam sujeitos ao prazer das
imagens espectáculo que aparecem fora de tempo, sem relação de espaço ou do evento
que é narrado.

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Os aspectos anime-ic são fundamentais para a representação do movimento, que
não podem ser dissociados da animação japonesa e que podem ser vistos noutras formas
de composição digital de vídeo. (Ruddell, 2008: 123)

Nos filmes de animação, específicos exemplos de movimento e não-movimento


(anime-ic) que se desdobram em muitos destes filmes, são semelhantes à animação CG
presente nos filmes live-action, ou Universal Capture (Borshukov, 2004 e Manovich,
2006). Estes momentos de espectáculo são salientados pelos planos em câmara-lenta e
pela repetição em vários ângulos.

Fig.1) Preparação de um plano “bullet-time” do filme Matrix.

Veja o exemplo do Bullet-time no filme matrix (Andy e Larry Wachowsky,


1999), onde o espectador é transposto para um novo espaço de representação em multi-
planos, de modo a que se aproxime da acção e a possa desfrutar em longas exposições.
O conceito das imagens congeladas, tais como as animações “bullet-time”, chama a
atenção para as possibilidades da animação gerada por computador (CGI). Porém
levantam questões ao conceito de vida nas imagens em movimento do cinema, pois tal
como no exemplo do filme Matrix, interrompem o espaço e tempo, pontuando
pormenores da acção e elevando a estética do espectáculo sobre os aspectos da
narrativa.

Os novos filmes de animação, como o “The incredibles” (Brad Bird, 2005),


procuram combinar personagens ícones da animação ou banda desenhada com

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movimentos hiper-cinematicos num espaço volumétrico 3D (Lamarre, 2006: 131),
recorrendo às técnicas utilizadas nos filmes de acção em vez de irem buscar referências
aos filmes de animação Disney. O cinema associa-se também à liberdade da animação,
veja-se o exemplo de Sin City (Frank Miller & Robert Rodriguez, 2005), pois os
métodos de produção são muito semelhantes ao desenvolvimento dos filmes de
animação.

Lamarre indica que, derivando do cinema, em especial dos filmes baseados em


efeitos visuais, os filmes de animação procuram nos movimentos de câmara, na
definição das personagens ou na escolha de planos, uma nova orientação estética que
assentam em paradigma da cinemática e acção de movimentos (Lamarre, 2006: 132).

3) Animação e manipulação digital

A curta “Ryan” (Chris Landreth, 2004) é um fantástico exemplo de como as


imagens geradas por computador podem criar novas formas visuais e narrativas. As
personagens desenvolvidas são fruto da criatividade do animador que é gerada a partir
do conhecimento técnico das ferramentas digitais. As formas visuais são exclusivas das
técnicas de desenho por computador, impossíveis de reproduzir por outras ferramentas.
Porém, este trabalho não se limita a uma excelente estética de animação, pois é um
projecto que simultaneamente é animação tradicional, documentário e “pesadelo”
(Wells, 2006). Esta confusão de géneros faz lembrar o rap narrativo, ou a narrativa rap
“What Goes up (must come down) de Adam Smith (2005), que mais uma vez nos
mostram que continua a existir espaço para a criatividade.

Os vídeoclips, separadores e anúncios de TV, sequências cinematográficas ou


vídeo experimental, usam e abusam da integração de todo o tipo de técnicas de
animação, para cativarem a atenção do espectador. A manipulação digital não distingue
a real natureza dos objectos mapeados em pixels na imagem, logo a possibilidade
criativa de juntar novas tecnologias com antigas torna-se um meio de experimentação
«Digital media generate realities rather than record them». (Lamarre, 2006: 137)

O que têm de comum filmes como Harry Potter and the Sorcerer's Stone (Chris
Columbus, 2001), The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring (Peter Jackson,
2001) ou The Matrix (Andy e Larry Wachowski, 1999)? Ambos os filmes assentam

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numa estratégia de espectáculo, onde a construção de ambientes fantásticos tornam-se
uma prioridade na produção do filme. As técnicas de pós-produção, como filmar em
chroma, tracking vídeo, motion control ou modelação e animação 3D são comuns a
estes três filmes ao ponto de opções tomadas no desenvolvimento do guião terem
implicações totalmente distintas no resultado final do filme (Manovich, 2006: 26).

A partir da década de 90, a banalização do uso de ferramentas digitais nos


processos de produção de conteúdos fílmicos, fez emergir uma nova estética de
conteúdos híbridos, ora reais (live action footage) ou artificiais (CGI). Segundo
Manovich, foi também definido um novo campo de exploração criativa – motion
graphics, onde é permitido a mistura de todo a natureza de objectos (imagens 2d, 3d,
som, etc). A animação aparece assim num novo espaço diluidamente definido entre o
cinema, a arte e o Design Gráfico (Faber & Walters, 2004).

John Gaeta, premiado com um óscar em efeitos especiais através do filme The
Matrix, desenvolveu um processo (Image-based Rendering) que consistiu em fotografar
ambientes e edifícios e mapeá-los como texturas num modelo tridimensional, cópia do
real, de modo a poderem filmar em ciclorama verde de vários ângulos para no final
poderem sincronizar as imagens de estúdio com as geradas por computador com
elevado grau de realismo (Pinteau, 2003: 204-207). Tal foi atingido, porque todo o
espaço real foi reproduzido em 3D através desta técnica de texturização e as imagens
interpoladas fotograma a fotograma, algo que apenas é possível através da manipulação
digital e que torna indistinguível o real do artificial (Rickitt, 2006: 110).

Manovich refere que a capacidade de reproduzir objectos através de técnicas


digitais, possibilita que as imagens produzidas por computador sejam indistinguíveis
das capturadas por uma máquina fotográfica. Porém a noção de realismo é um pouco
diferente, porque nos computadores a simulação realística não é exactamente
relacionada com o mundo real (Manovich, 1997: 6). Veja-se o exemplo do filme
Matrix, onde o universo representado é verosímil mas as acções são próprias da
animação.

As novas ferramentas digitais permitem uma representação de tal modo realista


que ajudam a criar a ilusão cinematográfica. Apesar de algumas técnicas digitais serem
antigas, veja-se o exemplo Bullet-time onde as centenas de câmaras disponibilizadas à
volta dos actores assentam nas moderníssimas técnicas de Étienne-Jules Marey utilizou

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no séc. XIX. Como podemos constatar, esta técnica foi inventada antes do cinema
quando Marey estudava o voo de aves a 60 fotogramas por segundo. De igual modo,
Eadweard Muybridge capturava imagens de movimento de animais e pessoas para
finalmente se puder entender o que acontece num fracção de tempo na execução de uma
determinada acção. Revela-se mais uma vez esta capacidade que os novos médias têm
de absorver tecnologias antigas (Bolter e Gruisin, 2000: 44-50), ampliando-as numa
nova plasticidade onde no exemplo do cinema o efeito visual se torna imperceptível,
generalizando a técnica numa paisagem pós-digital (Manovich, 2006: 26).

A animação tem então papel fundamental, porque é a técnica subjacente a todas


estas aplicações vídeo que estão ao dispor dos realizadores. A revolução é tão relevante
na introdução das técnicas digitais de pós-produção, de onde se destaca a animação, que
o próprio conceito de pós-produção deveria ser redefinido, visto que a “pós” é agora
também “pré” produção.

Antes da composição de imagem digital através de mattes (ou canal alpha como
são mais conhecidos) a pós-produção “limitava-se” à integração de som e correcção de
cor. A partir do filme Tron (Disney, 1982) começou progressivamente a ser introduzido
os princípios da manipulação de vídeo digital, que vieram revolucionar toda a estética
cinematográfica, apesar de neste período o processo ter sido profundamente analógico,
no sentido que os efeitos foram executados directamente sobre a película para a
construção dos diferentes mattes.

Hoje, quando o guião é aprovado, a primeira pessoa que pega no texto e inicia o
processo de produção é o visual effects supervisor. É ele que vai identificar no texto os
planos que requerem animação 3D, composição vídeo ou vídeo real. A partir desse
momento são definidas estratégias que implicam que as cenas sejam filmadas de acordo
com os gráficos e personagens 3D que serão introduzidas em pós-produção. É hoje
técnica comum animar os storyboards em duas fases: 1) animação dos desenhos dos
planos (animatic 2D); 2) animação da construção simplificada em 3D de toda a cena
(animatic 3D). No final, já poderá ser idealizado como filmar os ambientes reais,
identificar quais os objectos 3D a modelar/animar e quais os objectos ou personagens a
serem filmados em sobre ciclorama (chroma).

O que as novas tecnologias trouxeram foi uma maior conectividade entre


médias, actualmente num projecto de cinema, não podemos planear processos por

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etapas onde as tecnologias ou técnicas são usadas apenas num determinado momento e
depois evoluímos para outras etapas projectuais. Percebe-se assim como os técnicos de
pós-produção passaram para o início da produção de um filme, para que no final a
integração de conteúdos de diferentes naturezas, seja o mais realista possível.

Como exemplo de representação hiper-realista, o filme final fantasy parece ser o


ultimate digital cinema que manovich proclama (Manovich, 1997), devido a todos os
elementos do filme terem sido criados de raiz, sem ter sido recorrido a fotografia real. O
filme pretende mimetizar o vídeo real, criando um espelho do real a partir de
informação puramente digital – pintura digital (Lamarre, 2006: 132). Intitulada de
Universal Capture por Borshukov (Borshukov, 2004), a imagem mista de ambientes
reais com artificiais forçaram uma nova estética cinematográfica onde o efeito mais
surpreendente é o objectivo. Veja-se por exemplo o exagero de efeitos visuais no filme
300 (Zack Snyder, 2006), onde a luz tanto se aproxima das imagens quentes da
publicidade ou dos videoclips Mtv.

Significa então que os novos meios digitais redesenharam novamente toda a


estrutura da concepção do filme e, curiosamente, hoje não se trata apenas de contar uma
história, por vezes o espectáculo hiper-real se sobrepõe ao conteúdo narrativo. O
realismo gráfico pode ser agora construído digitalmente numa nova geração de técnicas
de produção de imagem de síntese, porém o desenvolvimento de imagens geradas por
computador continua a associar-se ao estudo do mundo real para a sua cópia para o
espaço digital. Veja-se como a “simples” correcção de cor no vídeo já deixou de se
limitar á manipulação de valores de RGB, pois com a introdução das imagens HDRI e
openEXR a luz é manipulada por valores de exposição de luz capturados no mundo real
e processados para o digital. A Industrial Light and Magic, Inc. criou os ficheiros
openEXR, porque permitem usar as diferentes exposições de luz de um espaço real ou
artificial, na composição de uma determinada cena vídeo live-action ou 3D. Os técnicos
de 3D conseguem através desta técnica criar imagens onde se torna impossível
distinguir o real do artificial.

Todo o espectador sente-se confortável com tal dissolução de fronteiras, desde


que o realismo seja atingido. Lamarre reforça esta ideia com o exemplo da personagem
Jar-Jar Binks, onde a fusão de imagem real com artificial se torna de tal modo
transparente que o espectador facilmente se envolve com essa personagem com tanta

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atracção como por outra real. Tal acontece porque o aspecto real é verosímil (Lamarre,
2006: 133). Os movimentos capturados por mocap, as simulações gravíticas, as
expressões animadas e a representação foto-real são de tal modo equivalentes à nossa
experiência do mundo real, que se torna imperceptível objectos reais de objectos
artificiais.

A própria animação da Disney procurou o real no estilo cartoon. As personagens


movem-se com semelhanças dos seres humanos, a profundidade de campo foi
inicialmente simulada através da técnica multi plane e, claro, as imagens geradas por
computador também o fizeram com o intuito de se aproximarem o mais possível do
universo real. Em ambos os estilos de animação, interessa salientar que se por um lado
a tecnologia simplifica um processo, por outro complica-se em novas tarefas. Enquanto
o animador tradicional precisa de se concentrar no processo de animação sobre o lápis e
papel, o animador em suporte digital, terá de ser em simultâneo um técnico de
informática. Os animadores stop-motion precisam de dominar materiais das áreas do
Design de Produto ou de Interiores, como silicone ou resinas. Os animadores 3D
recorrem muitas vezes a linguagens de programação, como o Python, Mel ou Max
script para poderem criar automatismos, ou novas ferramentas para a animação de um
determinado objecto ou personagem, tornando-se assim em programadores de software.

4) mocap é animação?

Através da captura vídeo dos movimentos de Cab Calloway em “Minnie the


Moocher” (1932), revela-se o potencial da rotoscopia como técnica útil ao cinema de
animação, mas nunca verdadeiramente aceite pelos animadores por não ser uma técnica
de autoria, mas sim um processo de cópia de movimentos de um actor. Apesar de
dirigido muitas das vezes por um animador, no momento da captura vídeo, a
interpretação da personagem é feita pelo actor.

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Fig.2 e 3) Planos de referência à animação da “Snow White and Seven the Dwarfs” (Disney,
1937)

Michael Spoorn, utilizando o exemplo do filme Cinderella (Disney, 1950) onde


os animadores recorreram à rotoscopia para a criação da animação da personagem
Cinderela, salienta a diferença entre inspiração e criação de animação (Spoorn, 2008).

Enquanto os actores têm a vantagem de poder relacionar-se com outros actores


no palco, para que a sua representação possa ser mais rica, os animadores estão sozinhos
sobre a folha de papel ou sobre o espaço para o fotograma digital e, segundo a sua
experiência e criatividade, conseguirem gerar a vida das personagens.

Assim sendo, a rotoscopia facilita o processo, porém não gera animação de


personagens. Fotograma a fotograma, os animadores precisam de interpretar os
movimentos para desenhar/animar por cima das imagens. A definição de um contorno
de uma personagem é algo que tem de ser criado em cada fotograma, de modo que o
resultado final possa dar vida ao movimento e à alma da personagem. Veja-se como os
filmes desenvolvidos através de rotoscopia interpolada, um processo de rotoscopia
gerada por computador, como o “Walking Life” (Richard Linklater, 2001) ou “Scanner
Darkly” (Richard Linklater, 2006) mostram um resultado pouco próximo da animação e
mais aproximado ao motion graphics.

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Fig.4) Scanner Darkly (Richard Linklater, 2006) Fig.5) Take on Me (A-Ha, 1985)

O filme Walking Life mostra como as técnicas tradicionais da animação


(rotoscopia) são absorvidas nos novos recursos digitais obrigando a repensar quem
poderá ser chamado de forma legítima um animador (Ward, 2006: 238). Ward vai mais
longe ao referinr-se a este tipo de filmes como “poor animation”, devido ao fascínio
pelo resultado visual da tecnologia sobrepor-se à tradicional arte da animação, desenho,
história e construção de personagens.

Por outro lado, o vídeo clip “Take on Me” (A-Ha, 1985), com 6 MTv music
awards em 1985, revela como a rotoscopia manipulada por um desenhador/animador
pode criar uma estética diferente só conseguida pela arte da animação sobre o
fotograma. Este vídeo não poderá ser considerado animação pura, porém a interpretação
dos fotogramas para gerar o movimento das personagens, ou as formas geométricas que
surgem sobre o vídeo são animação. O filme “Snow White and Seven the Dwarfs”
(Disney, 1937), famoso tecnicamente pelo recurso aos multiplanos e à rotoscopia
apresentou sérios obstáculos aos animadores. Se por um lado os movimentos dos
actores capturados pelas câmaras de filmar aceleravam o processo de absorção dos
movimentos e, por conseguinte, do desenho, por outro criavam barreiras criativas aos
animadores. Les Clark, um dos principais animadores deste filme, recorreu a sequências
vídeo para a construção de um dos planos onde a branca de neve se encontra em casa
com os sete anões, porém ao desenhar os elementos em diferentes perspectivas da
imagem capturada por vídeo e ao animar as personagens em diferentes planos foi o que
permitiu criar um plano mágico e convincente, dando credencia a toda a cena (Thomas,
Johnson, 1981: 329).

“You may have read that a lot of rotoscoping was done, but I have proof that I
didn’t rotoscope my Queen. Live action was taken of an actress who acted out the parts.

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I studied the live action on a Moviola, got it firmly in my brain, then put it away and
never touched it again” (Strzyz, 1983).

O videoclip “Bad Mirror” (Vicious Five, 2005) mostra como um grupo de


pessoas consegue fazer um aparente vídeo de animação, sem nunca terem exercitado
verdadeiramente as técnicas de desenho ou animação. Este videoclip foi filmado em
estúdio para depois serem impressos os 4800 fotogramas. Desfragmentado o vídeo por
planos, em blocos de 50 a 160 fotogramas, foram distribuídos por diferentes pessoas de
modo a que cada uma delas desenvolvesse uma técnica de desenho em rotoscopia. O
objectivo não foi criar um vídeo de animação mas sim um produto desenhado em
rotoscopia de modo a que o resultado fosse de certo modo imprevisível. Apesar de
alguns planos terem sequências de animação, a maior parte limitam-se a desenhos
coloridos que permitem criar a estética gráfica do videoclip.

Pensamos que a rotoscopia limita de tal modo a animação que o controle é


usurpado aos animadores e transferido para os actores. O mesmo pode acontecer com as
modernas técnicas de captura de movimentos (mocap) para personagens 3D. Quando
um animador recebe os dados capturados em Mocap, as acções já foram executadas pelo
actor. Os movimentos já vêm definidos, apenas têm de ser limpos através de técnicas de
tratamento de dados mocap (data cleaning) e aplicados à personagem do filme através
de correcções de escalas ou trajectórias de movimentos dos diferentes segmentos do
corpo (retargeting). Como já referido anteriormente, tal não é animação, mas sim
representação.

Criar um ciclo de caminhada é gerar movimento a partir do nada, enquanto a


rotoscopia ou o mocap disponibiliza-nos a representação de um determinado
movimento por parte de um actor. Se queremos transmitir uma sensação de medo,
ansiedade ou alegria, no caminhar de uma personagem é necessário sempre termos
alguma referência. Um animador, no desenho fotograma a fotograma, recorre à sua
experiência e memória para criativamente produzir o ciclo de movimento. O actor, de
igual modo o faz. Assim sendo, quando capturados movimentos de um actor, nos
softwares de animação tridimensional, o animador terá de adaptar os movimentos à
personagem 3D e, poderá corrigir, transformar ou simplesmente deixar estar tudo como
está. Desse modo, é questionável se mocap é um trabalho puro de animação ou não,

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como poderá ser então uma questão relevante se num filme de animação tradicional, o
animador não poderá receber um Oscar por melhor representação.

5) Conclusão

“Animation is simply everywhere” (wells, 2006) A animação estende-se para


vários domínios porque ela é um processo que cria movimento a partir do que está
estático, inanimado. Desse modo, o vídeo de animação gerado por mocap ou rotoscopia
não poderá ser considerada animação pura, ao ponto de diversos autores a considerarem
endemoninhada devido a ser dotada de movimento, vida (Cholodenko, 1991, p.15).

Diversos autores, definiram a animação mocap como bedevil (endemoninhada)


por serem dotadas de vida, de movimento (Cholodenko, 1991: 15).

Vimos também que o digital prometeu elevar tanto a animação como o cinema
para um nível superior, para a construção de novos mundos, que hoje assistimos ao
cinema assente em espectáculo onde a imagem gerada por computador é crucial para a
concepção visual e desenvolvimento dos guiões. A imagem manipulada por
computador elevou a estética visual para uma nova dimensão que gerar grande impacto
e encantamento (Darley, 2000, p.93-94). A segunda ordem de realismo que Darley
propõe, dá-se porque os objectos são visionados como reais, mas com comportamentos
irreais, veja-se como os automóveis-robôs do filme Transformers (Michael Bay, 2007)
são absorvidos como personagens hiper-reais.

«Realism in animation could be understood as over-illusionism» (wells, 1998:


27).

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