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Dirigida por). Guinsburg
Urnberto Eco
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I '1"'1"" d,· ,·aliza\·ão- Tradução: Gilson Cesar Cardoso de Souza; Edição de texto: Elen
I '" 1 ·" 1d«. lkvi:.,\<1 c organização de texto: Luiz Henrique Soares; Produção: Ricardo W
0 É PERSPECTIVA
1 1, ', · ·,,."'·'" l\1111, ICH1ul'll'crnandes Abranches.
1/l\\~
l'tltilo tlu IH I)',IIJ.tl ll.di.IIIO Sun1ário
( :o/1/(' .\i /11 ""'' fcsi di luun·ll
1.1. Por que se deve fazer uma tese e o que ela é ...... 1
1.2. A quem interessa este livro .................... 4
teoria, e se as diferenças não tornam incompatíveis entre si as ~ ~··. a um manual, a uma encic_:: ~
teorias em questão. Pois bem, nenhum filósofo, linguista ou psi- ~e .:.fico um tema como o
r~ ..
canalista contemporâneo conseguiu ainda fazer uma obra dessa ~:Jitores Medievais. Muitos s~:
envergadura de modo satisfatório. Como poderá se sair melhor _: enas do ponto de vista de uc ~ õ ·
um estudante que mal começa a terçar armas e que, por precoce ::se imaginária, proposta a tiL~ :
que seja, não tem mais de seis ou sete anos de leitura adulta nas ~~ fábula, de que os peixes YO .:.: _
costas? Poderia ele, ainda, fazer um discurso parcialmente inte- : ::m executado, esse trabalho } : :.. ~ _
ligente, mas estaríamos de novo no mesmo caso da literatura ~-"'·Mas, para tanto, é preciso~:- ~~
italiana de Contini. Ou poderia propor uma teoria pessoal do :_·1e trataram o tema, em espec:.:.~ :
símbolo, deixando de lado tudo quanto haviam dito os demais :inguém se lembra. Assim, tal::':
autores: no parágrafo 2.2., todavia, diremos o quão discutível é ~::áfico-panorâmica e seria d:~_: __
essa escolha. Conversamos com o estudante em questão: seria ~e leituras. Caso se pretendesse=-:.:
o caso de elaborar uma tese sobre o símbolo em Freud e Jung, :ntão forçoso restringir o carr.~:
abandonando todas as outras acepções e confrontando uni- '15" nos Poetas Carolíngios. Res::· :
camente as desses dois autores. Mas descobrimos que o estu- ;abe o que conservar e o que~'::~
dante não sabia alemão (e sobre o problema do conhecimento Claro está que é muito rr. .:.~;
de línguas estrangeiras, voltaremos a falar no parágrafo 2.5.). ::-ámica, pois que antes de tué.: :
Decidiu-se, então, que ele se limitaria ao termo O Conceito de iurante um, dois ou três anc' 'õ
Símbolo em Peirce, Frye e Jung. A tese examinaria as diferenças ieve-se ter em mente que faze~ :.:·.
entre três conceitos homônimos em outros tantos autores, um sráfica não significa perder é.: .
filósofo, um crítico e um psicólogo; mostraria como, em muitas "Lese sobre a narrativa de Fenc ;:
análises sobre esses três autores, são cometidos inúmeros equí- ~ismo italiano, não deixar de~::· ~
vocos, pois se atribui a um o significado usado por outro. Só no analisar escritores americano' __ ~
final, como conclusão hipotética, o candidato procuraria extrair Só explicamos e entendemos :.
um resultado para mostrar se existiam analogias, e quais, entre num panorama. Mas uma c:.'~
aqueles três conceitos homônimos, aludindo também a outros pano de fundo, e outra é e~::.= :
autores de seu conhecimento, de quem, por explícita limitação Uma coisa é pintar o retrate ~:
do tema, não quisera e não pudera ocupar-se. Ninguém pode- de um campo cortado por u::-:· _.
ria dizer-lhe que não levara em conta o autor k, porque a tese -;ales e regatos. Tem de mb:'.::.:
era sobre x, y e z, nem que citara o autor j apenas em tradução, termos fotográficos, o foco. ::= ::..
pois se tratara de simples menção, para concluir, uma vez que panorama pode afigurar-se --~=-.
a tese pretendia estudar amplamente e no original unicamente ou de segunda mão.
os três autores citados no título. Em suma, recordemos ê'~::
Eis aí como uma tese panorâmica, sem se tornar rigoro- mais se restringe o campo, i' c.
samente monográfica, se reduzia a um meio termo, aceitável balha. Uma tese monogrà:i~ :. ~
por todos. mica. É melhor que a tese 50: ::.
Fique claro, ainda, que o termo "monográfico" pode ter uma história ou a uma enc:~~
uma acepção mais vasta que a usada aqui. Uma monografia é a
abordagem de um só tema, como tal se opondo a uma "história
A ESCOLHA DO TEMA 13
:-_-: :cLÍYeis entre si as de", a um manual, a uma enciclopédia. Daí ser também mono-
=-~. linguista ou psi- gráfico um tema como O Tema do "Mundo às Avessas" nos
::.=e:: uma obra dessa Escritores Medievais. Muitos são os escritores analisados, mas
: _::_c:rá se sair melhor apenas do ponto de vista de um tema específico (isto é, da hipó-
: ~ que, por precoce tese imaginária, proposta a título de exemplo, de paradoxo ou
__ ~ ~~itura adulta nas de fábula, de que os peixes voam, os pássaros nadam etc.). Se
: -: arcialmente inte- bem executado, esse trabalho poderia dar uma ótima monogra-
--_: :aso da literatura fia. Mas, para tanto, é preciso levar em conta todos os escritores
_-: : _ :~oria pessoal do que trataram o tema, em especial os menores, aqueles de quem
- :_ ::.m dito os demais ninguém se lembra. Assim, tal tese se classificaria como mono-
:, ~ quão discutível é gráfico-panorâmica e seria dificílima: exigiria uma infinidade
---=~ ::m questão: seria de leituras. Caso se pretendesse fazê-la de qualquer modo, seria
: -_: ~m Freud e Jung, então forçoso restringir o campo: O Tema do "Mundo às Aves-
~ : mfrontando uni- sas" nos Poetas Carolíngios. Restringe-se um campo quando se
:: =-~·imos que o estu- sabe o que conservar e o que escoimar.
c -_-_:_ Jo conhecimento Claro está que é muito mais excitante fazer a tese pano-
_:_: :-_o parágrafo 2.5.). râmica, pois que antes de tudo parece enfadonho ocupar-se
:~:·:no O Conceito de durante um, dois ou três anos sempre do mesmo autor. Mas
_:·:_::-:taria as diferenças deve-se ter em mente que fazer uma tese rigorosamente mono-
_: , :antos autores, um gráfica não significa perder de vista o panorama. Fazer uma
-_:,:-:::.como, em muitas tese sobre a narrativa de Fenoglio significa ter presente o rea-
-~=:.=.os inúmeros equí- lismo italiano, não deixar de ler Pavese ou Vittorini, bem como
- , ::_=.o por outro. Só no analisar escritores americanos lidos e traduzidos por Fenoglio.
_::_:_::· ·:wocurariaextrair Só explicamos e entendemos um autor quando o inserimos
__- ::_~: gias, e quais, entre num panorama. Mas uma coisa é usar um panorama como
:__:- .:=_ 0 também a outros pano de fundo, e outra é elaborar um quadro panorâmico.
-: : :· explícita limitação Uma coisa é pintar o retrato de um cavalheiro sobre o fundo
~- --,e_ Ninguém pode- de um campo cortado por um regato, e outra é pintar campos,
:__::or k, porque a tese vales e regatos. Tem de mudar a técnica, tem de mudar, em
:c:'enas em tradução, termos fotográficos, o foco. Partindo-se de um único autor, o
:: =~duir, uma vez que panorama pode afigurar-se um tanto desfocado, incompleto
::>riginal unicamente ou de segunda mão.
Em suma, recordemos este princípio fundamental: quanto
se tornar rigoro-
, :::-:1 mais se restringe o campo, melhor e com mais segurança se tra-
·~210 termo, aceitável balha. Uma tese monográfica é preferível a uma tese panorâ-
mica. É melhor que a tese se assemelhe a um ensaio do que a
::_~no gráfico" pode ter uma história ou a uma enciclopédia.
:_::.Cma monografia é a
-:-: 0 ~1 do a uma "história
14 COMO SE FAZ UMA TESE
embora ao seu lado fossem "anões", apoiando-se naqueles tor- Todavia, não é raro :
navam -se "anões em ombros de gigantes", e, desse modo, viam pelo professor de literaT..:._ :.
mais além do que seus predecessores. petrarquiano quinhentis~.:.
Todas essas observações não são válidas para matérias apli- como Pavese, Bassani, S.:.:-_~ _
cadas e experimentais. Numa tese de psicologia, a alternativa não nasce de uma autêntica--_
é entre O Problema da Percepção em Píaget e O Problema da Per- provêm da falsa impress ~ _
cepção (ainda que algum imprudente quisesse propor um tema mais fácil e agradável.
tão genericamente perigoso). A alternativa para a tese historio- Digamos desde já qc::: _·
gráfica é, antes, a tese experimental: A Percepção das Cores em um difícil. É certo que gere.::~-~:
Grupo de Crianças Deficientes. Aqui, o discurso muda, pois há reduzida, os textos são c'.~ :·__
o direito de enfrentar experimentalmente uma questão a fim de documentação pode ser : _
obter um método de pesquisa e trabalhar em condições razoáveis romance nas mãos, em--:::: .:.
de laboratório, com a devida assistência. Mas um pesquisador ou se faz uma tese reme:~~ :
experimental imbuído de coragem não começa a controlar a rea- disseram outros críticos :: : _
ção de seus pesquisados sem antes haver executado pelo menos se quisermos, podemos :::_::c
um trabalho panorâmico (exame de estudos análogos já feitos), sobre um petrarquiano c_.:_--
porquanto de outra forma se arriscaria a descobrir a América então apercebemo-nos é:: :__c
e a demonstrar algo já amplamente demonstrado ou a aplicar menos esquemas inter~':·::~_
métodos que já se revelaram falíveis (embora possa constituir nos referir, enquanto pc.:·:.
objeto de pesquisa o novo controle de um método que ainda não são vagas e contraditóric.o : _
tenha dado resultados satisfatórios). Portanto, uma tese de cará- pela falta de perspecti,-c. :: -:-.
ter experimental não pode ser feita com recursos inteiramente Não há dúvida de m::: : : _
próprios, nem o método pode ser inventado. Mais uma vez se fatigante, uma pesquisa:-::_.
deve partir do princípio de que, se se for um anão inteligente, são menos dispersos e e:cõ~:::·_
é melhor subir aos ombros de um gigante qualquer, mesmo se tos. Contudo, se a tese feL :::-_~c_
for de altura modesta, ou mesmo de outro anão. Haverá sempre a elaborar uma pesquisa, c : _:- _
ocasião de caminhar por si mesmo, mais tarde. Se, além disso, o es~.:.::.:
temporânea, pode ates:: : _ -
nidade de um confron~: : -
2.3. TEMAS ANTIGOS exercitar o próprio gost: :: _
OU TEMAS CONTEMPORÂNEOS? não se deve deixar esc-:-:._ c
dos grandes escritores c: ~ ~::
Enfrentar essa questão é como reavivar a antiga querelle des jamais fizeram teses sob~=_
anciens et des modernes ... Com efeito, o problema inexiste em ou Foscolo. Não há, dec:::~
muitas disciplinas (se bem que uma tese de história da literatura quisador pode levar a cc.::
latina possa tratar tão bem de Horácio como da situação dos sobre um autor conter.1._. __
estudos horacianos nas duas últimas décadas). Em compensação, tidão filológica exigidc.' ~ _
é por demais evidente que, quando alguém se forma em história Por outro lado, o;:::·_:_-
da literatura italiana contemporânea, não haja alternativa. plina. Em filosofia, un-:.c. ~-=_c
.~ ESCOLH,~ DO TE~ IA 17
do que uma sobre Descartes, invertendo-se a relação de "faci- mas aproveitando as ~-=-~ _
lidade" e "leitura": lê-se melhor Pascal que Carnap. chegaria, acumulara r_~ : _
Por isso o único conselho que me sinto capaz de fornecer O ideal, a meu w·
é trabalhe sobre um contemporâneo como se fosse um antigo, e respectivo orientador ~
vice-versa. Será mais agradável e você fará um trabalho mais sério. estudos. A essa altura.
com as diversas matéc:.:
etc. Uma escolha tão ~::--__ _
2.4. QUANTO TEMPO É REQUERIDO nem irremediável. Ter> c
PARA SE FAZER UMA TESE? compreender que a id:: .: . _
tador e até a discipline_. ::: :
Digamo-lo desde já: não mais de três anos e não menos de seis ano inteiro numa tes:: ': :
meses. Não mais de três anos porque, se nesse prazo não se ceber que, em realidaé:: •c
conseguiu circunscrever o tema e encontrar a documentação porânea não signific2, ~ _~ ·_
necessária, uma destas três coisas terá acontecido: aprendido a formar uc.::.:
e organizar um sumáL: :
1. escolhemos a tese errada, superior às nossas forças; tese serve sobretudo r:.: : :
2. somos do tipo incontentável, que deseja dizer tudo, e con- cientemente do tema L::_
tinuamos a martelar a tese por vinte anos, ao passo que um Escolhendo, assir:~ _ -
estudioso hábil deve ser capaz de ater-se a certos limites, curso, tem-se um bc:~-- :
embora modestos, e dentro deles produzir algo de definitivo; mesmo a viagens de c'~_
3. fomos vítimas da "neurose da tese": deixamo-la de lado, gramas dos exames cc,··
retomamo-la, sentimo-nos irrealizados, entramos num tese de psicologia exp:::-~:--- c
estado de depressão, valemo-nos da tese como álibi para exame de literatura la:~:-_:c
muitas covardias, não nos formamos nunca. caráter filosófico e soe~:_: "
com o professor sobre :c_;:-_
Não menos de seis meses porque, ainda que se queira apre- prescritos, que façarr. ::-__ -
sentar o equivalente a um bom ensaio de revista com não mais do interesse dominac~
de sessenta laudas, entre o plano de trabalho, a pesquisa biblio- cionismos dialéticos c_: :·-
gráfica, a coleta de documentos e a execução do texto passam- preferirá sempre que -
-se facilmente seis meses. Por certo, um estudioso mais maduro e orientado em vez de _:- ·
consegue escrever um ensaio em tempo menor, mas conta com objetivando tão só se:::::_
uma retaguarda de anos e anos de leitura e conhecimentos que Escolher a tese nc -:-:-
o estudante precisa edificar do nada. o tempo suficiente pc.:·.::. : :
Quando se fala em seis meses ou três anos, pensa-se natu- Mas nada impeé.c :__
ralmente não no tempo da redação definitiva, que pode levar depois, se se aceitar .: . _::. ~
um mês ou quinze dias, segundo o método adotado; pensa-se curso. Nada, porém, <L: ·
naquele período entre o surgimento da primeira ideia da tese Até porque uma -=- : _ -
e sua apresentação final. Pode suceder, também, que o estu- com o orientador, nos_::·__
dante trabalhe efetivamente na tese durante um ano apenas, o mestre, mas porqu:: :: _:
A ESCOLHA DO TE:V!A 19
_ ~~~ação de "faci- mas aproveitando as ideias e as leituras que, sem saber onde
- -~-=~ap. chegaria, acumulara nos dois anos precedentes.
: :. : c.z de fornecer O ideal, a meu ver, seria escolher a tese (com o auxílio do
-- .,-~ um antigo, e respectivo orientador) por volta do final do segundo ano de
-... ~.:.lho mais sério. estudos. A essa altura, o estudante já está mais familiarizado
com as diversas matérias, inteirado do tema, das dificuldades
etc. Uma escolha tão tempestiva não é nem comprometedora
nem irremediável. Tem -se ainda muito tempo pela frente para
compreender que a ideia não era boa e mudar o tema, o orien-
tador e até a disciplina. E convém não esquecer que gastar um
'- 'ílenos de seis ano inteiro numa tese sobre literatura grega para depois per-
'~ 'Jrazo não se
ceber que, em realidade, se prefere uma sobre história contem-
_ ~:;cumentação porânea não significa total perda de tempo: ter-se-á ao menos
aprendido a formar uma bibliografia básica, a fichar um texto
e organizar um sumário. Recorde-se o que foi dito em 1.3.: uma
- tese serve sobretudo para ensinar a coordenar ideias, indepen-
• • C.' ::.orças;
::..=::~· tudo, e con- dentemente do tema tratado.
: : ~~asso que um Escolhendo, assim, a tese aí pelo fim do segundo ano do
c :_ :;;>rtos limites,
curso, tem -se um bom prazo para se dedicar à pesquisa e
_ ~-,;:: de definitivo; mesmo a viagens de estudo. Pode-se ainda escolher os pro-
=-=~~o-la de lado, gramas dos exames com vistas à tese. É claro que, se fizer uma
c:.~ra1nos num
tese de psicologia experimental, seria difícil conciliá-la com um
~ :::--:::.o álibi para exame de literatura latina; mas em muitas outras disciplinas de
caráter filosófico e sociológico é possível chegar-se a um acordo
com o professor sobre alguns textos, talvez em substituição aos
-: •:: queira apre- prescritos, que façam inserir a matéria do exame no âmbito
::;. :om não mais do interesse dominante. Quando isso é possível sem contor-
-; -:squisa biblio- cionismos dialéticos ou truques pueris, um mestre inteligente
.:.: :::xto passam- preferirá sempre que o aluno prepare um exame "motivado"
--:':· 2nais maduro e orientado em vez de um exame casual, forçado, sem paixão,
__ :::',as conta corn objetivando tão só superar um obstáculo irremovível.
_:·_":-_~·:imentos que Escolher a tese no fim do segundo ano significa, pois, ter
o tempo suficiente para se formar no prazo ideal.
__ • ·::;ensa-se natu- Mas nada impede que a tese seja escolhida antes. Nem
~ ::ue pode levar depois, se se aceitar a ideia de gastar mais algum tempo no
_~ -:ado; pensa-se curso. Nada, porém, aconselha a escolhê-la demasiado tarde.
-- -:::a ideia da tese Até porque uma boa tese deve ser discutida passo a passo
- ~ ~::n, que o estu- com o orientador, nos limites do possível. E não para lisonjear
--: .::n ano apenas, o mestre, mas porque escrever uma tese é como escrever um
20 COMO SE FAZ VMr\ TESE
livro, é um exercício de comunicação que presume a existên- tudo o que precise, ::: ~
cia de um público: e o orientador é a única amostra de público das restaurações Dê- ~ _
competente à disposição do aluno no curso de seu trabalho. arquivos locais. D~~:
Uma tese de última hora obriga o orientador a devorar rapida- uma hipótese, e pc:~_:
mente os capítulos ou a obra já pronta. Caso a veja no último cura fazer uma te~~ : _
momento e não goste, poderá criar dificuldades ao candidato com o projeto, dey,: ~-=-
na banca examinadora, com resultados bem desagradáveis. é válida. E mais: éc:- ~
Desagradáveis também para ele, que nunca deveria chegar à víncia italiana de ---~ ~:
banca com uma tese que não lhe agrade. Isso é motivo de des- tido uma péssimc. ~-=-~
crédito para qualquer orientador. Se este perceber que as coisas documentos dispo=~~ :
vão mal, deve aconselhar o candidato a partir para uma nova vais inéditos, dew:·ç~ :
tese ou esperar um pouco. Caso o estudante, apesar dos con- dispor de uma téc::_~: ~
selhos, ache que o orientador está errado ou que o tempo lhe E eis que o tema,\--..:~:
é adverso, ver-se-á da mesma maneira às voltas com uma dis- contrário, descuk ~ :
cussão tempestuosa, mas ao menos estará prevenido. partir do século xY:::
De todas essas observações, deduz-se que a tese de seis Outro exemp~,: ~
meses, mesmo admitida a título de mal menor, não representa temporâneo que es::"':
de forma alguma o optimum (a menos que, como se disse, o ensaios. Todos foc· _:
tema escolhido nos últimos seis meses permita a utilização da piani. Imaginemos -~-
experiência adquirida nos anos precedentes). Capria e a Críticn ~-
Todavia, há casos que precisam ser solucionados em seis costuma ter, em se_:' _
meses. É então que se deve procurar um tema capaz de ser os artigos e críticas -; _:
abordado de maneira séria e digna em tão reduzido lapso de umas poucas idas "- ~ : _
tempo. Gostaria que todo esse discurso não fosse tomado em mento da totalida_c~ : _
sentido muito "comercial", como se estivéssemos vendendo o autor está vivo, ::: : ' •
"teses de seis meses" ou "teses de seis anos" a preços diferen- outras indicações-=-~~ __
tes e para qualquer tipo de cliente. Mas não resta dúvida que é dos textos desejaé.:'
possível ter uma boa tese de seis meses. me remeterá a oc_:~:
Seus requisitos são: ou contraposto. C : _
razoável. Além di:'' :
1. o tema deve ser circunscrito; algum interesse pe~-' _
2. o tema deve ser, se possível, atual, não exigindo bibliografia que minha decis2.~ ::_
que remonte aos gregos; ou deve ser tema marginal, sobre mente ao mesmo :~::- _
o qual pouca coisa foi escrita; Outra tese de ':
3. todos os documentos devem estar disponíveis num local Guerra Mundial : _: ~
determinado, onde a consulta seja fácil. mos Cinco Anos. -:=-.:__
wdos os livros de ~--
Vamos a alguns exemplos. Se escolho para tema A Igreja de ~ivros didáticos nL
Santa Maria do Castelo de Alexandria, posso esperar encontrar ~;ias à mão, desco-=-~-~- -
A ESCOLHA DO TEMA 21
e que a comparação pode ser feita, e bem, em pouco tempo. Se sobre um dado as'_:-
Naturalmente, não se pode julgar a maneira como um livro e o candidato não sabe"-~~=
aborda a Segunda Guerra Mundial sem um confronto entre pedindo-se a alguém q:..:.~ :
esse discurso específico e o quadro histórico geral que o livro siderados mais importe:_:·_-::
oferece; exige-se, pois, um trabalho mais aprofundado. Tam- muito naquele livro, que: =~~
bém não se pode começar sem antes adotar como parâmetro inserido na bibliografi2.. -; :
uma meia dúzia de histórias sérias da Segunda Guerra Mun- Mas todos esses p:·:: _
dial. Mas é claro que se eliminássemos todas essas formas de principal é: preciso esccc_·· :
controle crítico, a tese poderia ser feita não em seis meses, mas cimento de línguas que::.:_·
numa semana, e então já não seria uma tese, porém um artigo der. Muitas vezes escoL-.::-:
de jornal- arguto e brilhante até, mas incapaz de documentar se vai correr. Examine r::·_: _
a capacidade de pesquisa do candidato. 1) Não se pode faze · .
Caso se queira fazer uma tese de seis meses gastando ape- este não for lido no ori;:' -
nas uma hora por dia, então é inútil continuar a discutir. Lem- tar de um poeta, mas r:·_..:._~
bremos os conselhos dados no parágrafo 1.2. Copiem uma tese Kant, Freud ou Adam S:·_-__
qualquer e pronto. Mas não o é, e por de.' _
todas as obras daquele.:..:.~
um escrito menor coe::_:
2.5. É NECESSÁRIO SABER LÍNGUAS ESTRANGEIRAS? menta ou de sua forrr. .:.: ~
parte da bibliografia se·:::
Este parágrafo não se dirige àqueles que preparam teses sobre sua própria língua, e. '= :
línguas ou literaturas estrangeiras. Com efeito, é absolutamente suceder a seus intérprc~::'
desejável que eles conheçam a língua sobre a qual vão discor- fazem justiça ao pens2-:~~==
rer. Igualmente desejável seria que, no caso de uma tese sobre fica exatamente redes-:>:·=:_
um autor francês, ela fosse escrita em francês. Acontece isso as traduções e divulgac'-: •
em muitas universidades estrangeiras, e é justo. tese significa ir além dê.' ~: _
Mas figuremos o problema daqueles que preparam teses escolares, do tipo "F os::_
em filosofia, sociologia, direito, ciências políticas, história, ciên- ou "Platão é idealista c.-.:~
cias naturais. Há sempre a necessidade de ler um livro escrito defende o coração e D;:' : :
em outra língua, mesmo que a tese trate de Dante ou do Renas- 2) Não se pode fa:c:
cimento, pois ilustres estudiosos desses temas escreveram em as obras mais importcu:~,-.- ·
inglês ou alemão. gua que ignoramos. C:~: -::-
Em casos como esse, geralmente se aproveita a oportu- e nada do francês nãc 2'~-
nidade da tese para começar o aprendizado de uma língua ~'-.Jietzsche, que, no en~.:.=--~:
estrangeira. Motivado pelo tema e com um pouco de esforço de dez anos para cá, 2-~; _:-_
começa-se a compreender qualquer coisa. Muitas vezes é assim zações de Nietzsche ic :· .:.:
que se aprende uma língua. Via de regra não se chega a falá-la, '11esmo vale para Fre-..:.:.
mas consegue-se lê-la com muita proficiência. O que é melhor sem levar em conta c::·_:
do que nada. _:os estruturalistas f r 2.:·_::.,
o-\ ESCOLHA DO TEMA 23
_ -: "='em, em pouco tempo. Se sobre um dado assunto existe apenas um livro em alemão
- ::. :-:1aneira como um livro e o candidato não sabe alemão, o problema poderá ser resolvido
~-~- '"0:11 um confronto entre pedindo-se a alguém que o saiba para ler alguns capítulos con-
: :-.~s:órico geral que o livro
o siderados mais importantes: será mais honesto não se basear
:-:'.ais aprofundado. Tam- muito naquele livro, que, não obstante, poderá ser legitimamente
~~~:e' ::.dotar como parâmetro inserido na bibliografia, pois foi efetivamente consultado.
_' ::..:: Segunda Guerra Mun- Mas todos esses problemas são secundários. O problema
o : s todas essas formas de
:-:·_ , principal é: preciso escolher uma tese que não implique o conhe-
_ :·=~~::. .:1ào em seis meses, mas cimento de línguas que não sei ou que não estou disposto a apren-
~ .:.:-:~a tese, porém um artigo der. Muitas vezes escolhe-se uma tese ignorando os riscos que
:-:·_ ;_, incapaz de documentar se vai correr. Examinemos alguns elementos imprescindíveis:
1) Não se pode fazer uma tese sobre um autor estrangeiro se
: :::- seis meses gastando ape- este não for lido no original. A coisa parece evidente ao se tra-
-·:._ : :~ntinuar a discutir. Lem- tar de um poeta, mas muitos supõem que para uma tese sobre
-- :.;:-:.io 1.2. Copiem uma tese Kant, Freud ou Adam Smith tal precaução seja desnecessária.
Mas não o é, e por duas razões: nem sempre se traduziram
todas as obras daquele autor, e às vezes o desconhecimento de
um escrito menor compromete a compreensão de seu pensa-
- ~ -_-_-\S ESTRANGEIRAS? mento ou de sua formação intelectual; em seguida, a maior
parte da bibliografia sobre determinado autor está escrita em
:o :e' -=~~e preparam teses sobre sua própria língua, e, se ele é traduzido, o mesmo pode não
=: ::1 efeito, é absolutamente suceder a seus intérpretes; por fim, nem sempre as traduções
---~-o::. sobre a qual vão discar- fazem justiça ao pensamento do autor, e fazer uma tese signi-
-: -__:_, caso de uma tese sobre fica exatamente redescobrir esse pensamento original lá onde
o-_ -:::: francês. Acontece isso as traduções e divulgações de todo tipo o falsearam; fazer uma
;: __ .:s. e é justo. tese significa ir além das fórmulas popularizadas pelos manuais
::. :_ -~e~es que preparam teses escolares, do tipo "Foscolo é clássico e Leopardi é romântico"
::- :~.::s políticas, história, ciên- ou "Platão é idealista e Aristóteles é realistà' ou, ainda, "Pascal
' _.::..::~e de ler um livro escrito defende o coração e Descartes a razão".
•: ~=o ;:.:c de Dante ou do Renas- 2) Não se pode fazer uma tese sobre determinado assunto se
:-:<ses temas escreveram em as obras mais importantes a seu respeito foram escritas numa lín-
gua que ignoramos. Um estudante que soubesse bem o alemão
se aproveita a oportu-
_-_-o::~~c: e nada do francês não estaria à altura, hoje, de discorrer sobre
.:~·:·c:adizado
de uma língua Nietzsche, que, no entanto, escreveu em alemão, e isso porque,
_ : : J:n um pouco de esforço de dez anos para cá, algumas das mais interessantes revalori-
o··=~ :,Jisa. Muitas vezes é assim zações de Nietzsche foram compostas em língua francesa. O
-: :.-::gra não se chega a falá-la, mesmo vale para Freud: seria difícil reler o mestre vienense
o_ :- :· :::l.ciência. O que é melhor sem levar em conta o trabalho dos revisionistas americanos e
dos estruturalistas franceses.
24 COMO SE FAZ UMA TESE
3) Não se pode jazer uma tese sobre um autor ou sobre um no país em qr.ê"'-
tema lendo apenas as obras escritas nas línguas que conhece- mos aqui da:· : •
mos. Quem nos assegura que a obra decisiva não está escrita na recursos.
única língua que ignoramos? Sem dúvida, considerações dessa Admitam•'
espécie podem conduzir-nos à neurose, e convém avançar com conciliadora. S__-
bom -senso. Há regras de exatidão científica segundo as quais blema da per c::; :
é lícito, se sobre um autor inglês foi escrita qualquer coisa em conhece língc,
japonês, advertir que se sabe da existência daquele estudo, mas (ou tem bloc_.~
que ele não foi lido. Essa "licença de ignorar" se estende, em o sueco em c::·_-_~
regra geral, às línguas não ocidentais e eslavas, de modo que razoavelmen tê
muitos estudos sobre Marx, bastante sérios, admitem não se ter econômicos, c:
tomado conhecimento das obras escritas em russo. Em casos está sinceram:::·_-c
assim, entretanto, o estudioso honesto sempre poderá saber (e a faculdade
demonstrá-lo) o que disseram em síntese aquelas obras, pois o tema e aprc·_ •
existem excertos e alusões disponíveis. Geralmente, as revis- pensar nesse :O'~_
tas científicas soviéticas, búlgaras, tchecoslovacas, israelenses Pois bem. ::_c
etc. fornecem sumários de seus artigos em inglês ou francês. mas da Percep :.' _
Assim, mesmo trabalhando com um autor francês, pode não tivas em Algu' _ -
ser necessário saber o russo, mas é indispensável ler pelo menos de tudo, traça: _
o inglês, para superar os obstáculos. assunto sobre : :
Conclui-se, pois, que antes de estabelecer o tema de uma desde Olho e ·-~ _
tese é preciso dar uma olhada na bibliografia existente e avaliar cologia da for:-:_ ·
se não existem dificuldades linguísticas significativas. enfocar a terr. .:.~::
Alguns casos são a priori evidentes. É impensável partir gestáltica, Go:-.:·_:
para uma tese sobre filologia grega sem saber o alemão, pois wsky para os c: _
é nessa língua que estão escritos alguns dos mais importantes lógico. Esses L'~:
estudos sobre a matéria. a relação entre: - _
Como quer que seja, a tese se presta a um aprendizado imagens. Pare. ':-
ligeiro da terminologia geral nas línguas ocidentais, pois mas obras aux~~
mesmo que não se saiba ler o russo, pode-se ao menos reconhe- essas três pers:: ~ •
cer os caracteres cirílicos e descobrir se um dado livro trata de os dados prob~::
arte ou de ciência. Aprende-se o alfabeto cirílico numa assen- cular talvez pr ~ -
ta da, e saber que iskusstvo significa arte e nauka significa ciên- (por exemplo. :
cia é mera questão de comparar títulos. Não é preciso ficar cesca) e enric_·..:.~:
assustado; a tese deve ser entendida como uma ocasião única que recolheu. =
para fazer alguns exercícios que nos servirão por toda a vida. ficando a meic :
Tais observações não levam em conta o fato de que o gráfica, mas te:_
melhor a fazer, caso se imponha o confronto com uma biblio- ções italianas. ·=
grafia estrangeira, é arrumar as malas e passar algum tempo Panowsky intc:
A ESCOLHA DO TDIA 25
ou inglês, pois a tese não é sobre Panowsky, mas sobre um pro- 2.6.1. Que é a cientifici -~-
blema em que o recurso a Panowsky é apenas eventual, à guisa
de referência a certas questões. Para alguns, a ciência ':C_
Como ficou dito no parágrafo 2.1., esse tipo de tese não é o com a pesquisa em bc_'~
mais aconselhável, por sujeitar-se à incompletude e à generali- científica se não for co~·_.:_
zação: insistimos em que se trata de um exemplo de tese de seis Sob esse ponto de viste. ~
meses para estudantes interessados em recolher com urgência quisa a respeito da rnc· ~
dados preliminares acerca de um problema qualquer. É uma seria um estudo sobre ~ -
solução apressada, mas que pode ser resolvida de maneira pelo neses por ocasião dare~ __
menos digna. é esse o sentido que se :.:.
Em todo caso, não se sabendo outras línguas e na impossibi- des. Tentemos, pois, é::='_
lidade de aproveitar a preciosa ocasião da tese para aprendê-las, chamar-se científico e~~-- -
a solução mais razoável é trabalhar sobre um tema especifica- O modelo podere_ ~~-
mente pátrio, que não remeta a literaturas estrangeiras, bastando tal como foram aprese:~~_
o recurso a uns poucos textos já traduzidos. Assim, quem pre- estudo é científico qu.:_:·_ ~
tendesse falar dos Modelos do Romance Histórico na Obra Nar- 1) O estudo deb~-.:: _
rativa de Garibaldi deveria, é claro, ter algumas noções básicas definido de tal mane; :
sobre as origens do romance histórico e sobre Walter Scott (além, outros. O termo "obie~.
naturalmente, da polêmica oitocentista italiana sobre o mesmo ficado físico. A raiz c_ _:
tema), mas poderia encontrar algumas obras de consulta em lín- ninguém jamais a ter:":-.~
gua italiana e, também nela, ao menos os livros mais famosos de estudo, ainda que alg.::·_
Scott. Menores seriam ainda os problemas de um assunto como conhecem indivíduos : _
A Influência de Guerrazzi na Cultura Renascentista Italiana. Isso, priamente ditas. Ma' :·-
é óbvio, sem jamais partir de otimismos preconcebidos, sendo os números inteiros s ... :
ainda conveniente investigar bem a bibliografia para ver quais tico pode muito bec ':
autores estrangeiros trataram tal tema. nir o objeto signific2. -::·_
podemos falar, com·: .:_c
ou que outros estabe~::::
2.6. TESE "CIENTÍFICA'' OU TESE POLÍTICA? com base nas quais c~-
ser reconhecido onée ~
Após a contestação estudantil de 1968, frutificou a opinião de que lecido as regras de r e: :
não se deve fazer teses "culturais" ou livrescas, mas teses direta- que surgirão problec_'
mente ligadas a interesses políticos e sociais. Se tal é o caso, então um ser fantástico, '>= :··_
o título deste parágrafo é provocador e equívoco, pois faz pensar nião geral. Temos a c_.:..
que uma tese "políticà' não é "científicà'. Ora, fala-se frequen- podemos falar dos c c~-
temente nas universidades em ciência, cientificismo, pesquisa mitologia clássica, ce :·
científica, valor científico de um trabalho, e semelhantes termos camente reconhech·e~ :
podem ensejar equívocos involuntários, seja por mistificação ou com textos (verbais : _
por suspeitas ilícitas de mumificação da cultura. Tratar-se-á, então, C:::
ESCOLK', DO TE~ L\
ter um ente de que fala a mitologia clássica para ser reconhe- científico, mas uc_:_
cido como centauro. métodos conhecié,: ' :
Em segundo lugar, podemos ainda decidir levar a cabo uma algumas modestas:::
pesquisa hipotética sobre as características que, num mundo Apenas uma c: :c
possível (não o real), uma criatura viva deveria revestir para compilação só terr_ :::_
poder ser um centauro. Temos então de definir as condições de parecido naque::
de subsistência desse mundo possível, sem jamais esquecer que sobre sistemas de :::-
todo o nosso estudo se desenvolve no âmbito daquela hipótese. outra igual é pura -; ::
Caso nos mantenhamos rigorosamente fiéis à premissa origi- 3) O estudo de: : .
nal, estaremos à altura de falar num "objeto" com possibilidades sente nova descobc::-- _
de tornar-se objeto de pesquisa científica. elementares é útL. -_-:
Em terceiro lugar, podemos concluir que já possuímos uma carta inédita.=.-::
provas suficientes para demonstrar que os centauros existem Um trabalho é cie:·_:
de fato. Nesse caso, para constituirmos um objeto viável de acrescentar algo c.: :
discurso, deveremos coletar provas (esqueletos, fragmentos futuros trabalhos s: -:
ósseos, fósseis, fotografias infravermelhas dos bosques da Gré- conta, ao menos e:-::-_ -c
cia ou o mais que seja), para que também os outros concordem tífica se mede pele, ~- _
que, absurda ou correta, nossa hipótese apresenta algo sobre o ção estabelece. Hc. : -
qual se possa refletir. se não as tiverem ~ :·_-_
Naturalmente, esse exemplo é paradoxal, e não creio que vá há outras que os e,: __ :
alguém fazer teses sobre centauros, em especial no que respeita não o fizerem, o n:.: :-. :
à terceira alternativa; o que pretendi foi mostrar como se pode ram-se cartas que-~--
sempre constituir um objeto de pesquisa reconhecível publica- problemas sexuais . ~ _
mente sob certas condições. E, se pode ser feito com centauros, personagem Moll-- _:: _
por que não com noções como comportamento moral, desejos, do conhecimentc ::-:
valores ou a ideia de progresso histórico? à esposa uma se:> __
2) O estudo deve dizer do objeto algo que ainda não foi dito Molly. Trata-se, F: :
ou rever sob uma óptica diferente o que já se disse. Um traba- Por outro lado, c :-
lho matematicamente exato visando demonstrar com métodos em que a perso.c.c.~:
tradicionais o teorema de Pitágoras não seria científico, uma o recurso àquele' :__
vez que nada acrescentaria ao que já sabemos. Tratar-se-ia, no contribuição dis-;: ·
máximo, de um bom trabalho de divulgação, como um manual Stephen Hera, a r:·::·_--
que ensinasse a construir uma casinha de cachorro usando Artista Quando ,-c- ,
madeira, pregos, serrote e martelo. Como já dissemos em 1.1., tal tê-lo em conte. :- __
mesmo uma tese de compilação pode ser cientificamente útil escritor irlandês. ::::.
na medida em que o compilador reuniu e relacionou de modo Analogamer:.::
orgânico as opiniões já expressas por outros sobre o mesmo daqueles documç:-:-
tema. Da mesma maneira, um manual de instruções sobre sito de rigorosíss::~
como fazer uma casinha de cachorro não constitui trabalho lavanderia''. São ~c:: -
A ESCOLHA DO TEMA 29
__ ê_ ser reconhe- científico, mas uma obra que confronte e discuta todos os
métodos conhecidos para construir o dito objeto já apresenta
_:--~~-a cabo uma algumas modestas pretensões à cientificidade.
: _: :1um mundo Apenas uma coisa cumpre ter presente: um trabalho de
- :·evestir para compilação só tem utilidade científica se ainda não existir nada
· · .~- ?.s condições de parecido naquele campo. Havendo já obras comparativas
__ , esquecer que sobre sistemas de construção de casinhas de cachorro, fazer
.: __ =~ela hipótese. outra igual é pura perda de tempo, quando não plágio .
c-~ e:nissa origi- 3) O estudo deve ser útil aos demais. Um artigo que apre-
·_·_ ~- .)Ssibilidades sente nova descoberta sobre o comportamento das partículas
elementares é útil. Um artigo que narre como foi descoberta
possuímos uma carta inédita de Leopardi e a transcreva na íntegra é útil.
c ·_: :. ~ros existem Um trabalho é científico se (observados os requisitos 1 e 2)
:-e to viável de acrescentar algo ao que a comunidade já sabia, e se todos os
- ' iragmentos futuros trabalhos sobre o mesmo tema tiverem que levá-lo em
: '::ues da Gré- conta, ao menos em teoria. Naturalmente, a importância cien-
-. : ' concordem tífica se mede pelo grau de indispensabilidade que a contribui-
c -::.algo sobre o ção estabelece. Há contribuições após as quais os estudiosos,
se não as tiverem em conta, nada poderão dizer de positivo. E
- · :. -:rei o que vá há outras que os estudiosos fariam bem em considerar, mas, se
___ . : .J_Ue respeita não o fizerem, o mundo não se acabará. Recentemente, publica-
_ : :m.o se pode ram-se cartas que James Joyce escreveu à esposa sobre picantes
_· : ::wl publica- problemas sexuais. Por certo, quem estudar amanhã a gênese da
: : ::: centauros, personagem Molly Bloom no Ulisses, de Joyce, poderá valer-se
~-- .:nl, desejos, do conhecimento de que, em sua vida privada, Joyce atribuía
à esposa uma sensualidade vivaz e desenvolvida como a de
c : não foi dito Molly. Trata -se, portanto, de uma útil contribuição científica.
-~""'·Um traba- Por outro lado, existem admiráveis interpretações do Ulisses
-_ :x.o métodos em que a personagem Molly foi focalizada com exatidão sem
_ ::e:1tífico, uma o recurso àqueles dados. Trata-se, por conseguinte, de uma
-::-_ :.tar-se-ia, no contribuição dispensável. Ao contrário, quando se publicou
__ -_: J um manual Stephen Hera, a primeira versão do romance de Joyce Retrato do
::-.,orro usando Artista Quando Jovem, todos concordaram que era fundamen-
:_"e:nos em 1.1., tal tê-lo em conta para a compreensão do desenvolvimento do
- ::::=.:amente útil escritor irlandês. Era uma contribuição científica indispensável.
::::·,ou de modo Analogamente, qualquer um poderia trazer à luz um
' : :>re o mesmo daqueles documentos, frequentemente ironizados, a propó-
_- '=~--ctções sobre sito de rigorosíssimos filólogos alemães, chamados "notas de
- :>~:tui trabalho lavanderia''. São textos de valor ínfimo, notas que o autor haYia
30 COMO SE FAZ UMA TESE
tornado das despesas a serem feitas naquele dia. Às vezes, dados (mas, então, deverei~~--:
desse gênero também são úteis, pois podem conferir um tom a considerar certas :.::: •_
de humanidade ao artista, que todos supunham isolado do ção, participação err~ _•
mundo, ou revelar que naquele momento ele vivia na mais se considero tarnbé::-::~ : •
extrema pobreza. Outras vezes, porém, nada acrescentam ao do grupo após a sue. :__:
que já se sabia, constituem insignificantes curiosidades biográ- se eles expressaram ~:_=
ficas e carecem de qualquer valor científico, mesmo havendo as tinham em mente.~-
pessoas que ganham fama de pesquisadores incansáveis tra- vista do grupo. Só c.s•::.=-_-
zen do à luz semelhantes ninharias. Não é que se deva desenco- de encetar novas i:-_--:: •-
rajar aqueles que se divertem fazendo tais pesquisas, mas não minhas observações :: •-
é possível falar aqui em progresso do conhecimento humano, podia considerar co::.-_:
sendo bem mais útil (se não do ponto de vista científico, pelo fazia parte dele segê.c:_:
menos do pedagógico) escrever um bom livrinho de divulgação ciclo corno tal pelos ,~ :.. ~~
que conte a vida e fale das obras daquele autor. tos disponíveis. Tere: ê.•
4) O estudo deve fornecer elementos para a verificação e a e procedimentos de : : ~--
contestação das hipóteses apresentadas e, portanto, para urna con- Escolhi de prc,_=- :
tinuidade pública. Esse é um requisito fundamental. Posso ten- demonstrar que os :·:: ~
tar demonstrar que existem centauros no Peloponeso, mas para car-se a qualquer ti';: ::
tanto devo: (a) fornecer provas (pelo menos um osso da cauda, Tudo o que disse: . -_
corno se disse); (b) contar corno procedi para achar o fragmento; tese "científicà' e te'::
(c) informar corno se deve fazer para achar outros; (d) dizer, se tica observando to,~.~-·
possível, que tipo de osso (ou outro fragmento qualquer) rnan- Pode haver tarnbér:~ :....-
daria ao espaço minha hipótese, se fosse encontrado. informação alterna~:-·:..
Desse modo, não só forneci as provas para minha hipótese, comunidade operàc·::..
mas procedi de maneira a permitir que outros continuem a documentar, de me,~_
pesquisar, para contestá-la ou confirmá-la. riência e permitir a ê.:~
O mesmo sucede com qualquer outro terna. Suponha- mos resultados, que:· : _
mos que eu faça urna tese para demonstrar que, num movi- casuais e, de fato, r_;'.:
mento extraparlarnentar de 1969, havia dois componentes, um outros fatores que r~~.
leninista e outro trotskista, embora se supusesse que ele fosse O bom de um :c r: ::
homogêneo. Devo apresentar documentos (panfletos, atas de os outros perderen-c ~::-_
assernbleias, artigos etc.) para demonstrar que tenho razão; urna hipótese cient:~-: ~
terei de dizer corno procedi para encontrar aquele material refutada significa ter :-:
e onde o encontrei, de modo que outros possam continuar a proposta anterior. S:: :·: _
pesquisar naquela direção; e devo mostrar ainda que critério a começar novos ex;·:::_
adotei para atribuir o dito material probatório aos membros rários (mesmo sen,:_: __
daquele grupo. Por exemplo, se o grupo desfez-se em 1970, qualquer coisa de c~
preciso dizer o que considero expressão do grupo: apenas o Nesse sentido. -·:-
material teórico produzido por seus membros até aquela data científica e tese po~:~:::
A ESCOLHA DO TEMA 31
.~. ~ .:.~a. As vezes, dados (mas, então, deverei mostrar quais os critérios que me levaram
.:.~:-:.-:.conferir um tom a considerar certas pessoas como membros do grupo: inseri-
: .: . ~ ·.::.::1ham isolado do ção, participação em assembleias, suposições da polícia?), ou
~ :·. ~ ~ ele vivia na mais se considero também os textos produzidos pelos ex-membros
~-.:..:.a acrescentam ao do grupo após a sua dissolução, partindo do princípio de que,
:: : .:.~iosidades biográ- se eles expressaram depois aquelas ideias, isso significa que já
_:-:: =. mesmo havendo as tinham em mente, talvez camufladas, durante o período ati-
. _: ~:s incansáveis tra- vista do grupo. Só assim fornecerei aos outros a possibilidade
~ .: . .:.e se deva desenco- de encetar novas investigações e mostrar, por exemplo, que
:_: ::-esquisas, mas não minhas observações estavam erradas porque, digamos, não se
. ~-~.:cimento humano, podia considerar como membro do grupo um indivíduo que
.: . : ··:sta científico, pelo fazia parte dele segundo a polícia, mas que nunca fora reconhe-
·- ~:::1ho de divulgação cido como tal pelos outros membros, a julgar pelos documen-
. ~ .:.·.:.:or. tos disponíveis. Terei assim apresentado uma hipótese, provas
_.- .:··., a verificação e a e procedimentos de confirmação e contestação.
. ::-::.::-.to, para uma con- Escolhi de propósito temas bizarros justamente para
_:·. .:..:.::1ental. Posso ten- demonstrar que os requisitos de cientificidade podem apli-
: "' :_,Jponeso, mas para car-se a qualquer tipo de pesquisa.
: :·. : ' ·.:.m osso da cauda, Tudo o que disse nos reporta à artificiosa oposição entre
: :.:·:. achar o fragmento; tese "científica" e tese "políticà'. Pode-se fazer uma tese polí-
·.:..::- =·~tros; (d) dizer, se tica observando todas as regras de cientificidade necessárias.
·.::::::o qualquer) man- Pode haver também uma tese que narre uma experiência de
. :::.::. .::.otrado. informação alternativa mediante sistemas audiovisuais numa
:. : -;.:.::-a minha hipótese, comunidade operária: ela será científica na medida em que
_~ : ·.:.~ros continuem a documentar, de modo público e controlável, a minha expe-
riência e permitir a alguém refazê-la quer para obter os mes-
. _:::- .: .' tema. Suponha- mos resultados, quer para descobrir que os meus haviam sido
-.:::·::.::-que, num movi- casuais e, de fato, não se deviam à minha intervenção, mas a
.:.: .s componentes, um outros fatores que não considerei.
-~·.:.sesse que ele fosse O bom de um procedimento científico é que ele nunca faz
·.:: ' _?anfletos, atas de os outros perderem tempo: até mesmo trabalhar na esteira de
~=· .:.:· que tenho razão; uma hipótese científica para depois descobrir que ela deve ser
: ~- :::- .:.~ aquele material refutada significa ter feito algo positivo sob o impulso de uma
· : ~ .::.'ssam continuar a proposta anterior. Se minha tese serviu para estimular alguém
:: .:.:· ainda que critério a começar novos experimentos de contrainformação entre ope-
: :.:.:,:,rio aos membros rários (mesmo sendo ingênuas as minhas presunções), obtive
.:.esfez-se em 1970, qualquer coisa de útil.
.:.J grupo: apenas o Nesse sentido, vê-se que não existe oposição entre tese
:··_::·os até aquela data científica e tese política. Por um lado, pode-se dizer que todo
32 COMO SE FAZ UMA TESE
trabalho científico, na medida em que contribui para o desen- ingênua. Já dissemos qec :. c
volvimento do conhecimento geral, tem sempre um valor por uma tese serve semp-~::
político positivo (tem valor negativo toda ação que tenda a ou política, tanto faz), e:-:_:,
bloquear o processo de conhecimento); mas, por outro, cum- pela preparação que isso ~:,
pre dizer que toda empresa política com possibilidade de êxito cidade de organização C( :·..
deve possuir uma base de seriedade científica. Paradoxalmente, pocc
E, como se viu, é possível fazer uma tese "científica" mesmo interesses políticos não c' ~·.
sem utilizar logaritmos e provetas. rência dos pronomes de.. ·
setecentista. Ou sobre a~~ •
Galileu. Ou sobre geomc~~·
2.6.2. Temas histórico-teóricos ou experiências "quentes"? mórdios do direito ecles:>
hesicastas*. Ou sobre c .. :o::. :
A essa altura, porém, nosso problema inicial se mostra refor- artigo do código de dire~~: c :
mulado: será mais útil fazer uma tese de erudição ou uma tese Pode-se cultivar int~:~ •
ligada a experiências práticas, a empenhos sociais diretos? Em plo) mesmo fazendo un-:_2. :
outras palavras, é mais útil fazer uma tese que fale de autores tos operários do século F :.•
célebres ou de textos antigos, ou uma tese que imponha uma contemporâneas de coL~::..:.:
intervenção direta na atualidade, seja sob o aspecto teórico (por xas da sociedade estuda:-.::. •
exemplo, o conceito de exploração na ideologia neocapitalista) produtivas das xilograL:.' : .
ou de ordem prática (por exemplo, estudo das condições da E, caso queira ser pc ~c·
submoradia nos arredores de Roma)? até hoje só tenha se dec::
A pergunta é, por si mesma, ociosa. Cada um faz aquilo precisamente uma desse:' ~:.
que lhe agrada, e se um estudante passou quatro anos debru- experiências diretas, pc' :
çado sobre filologia românica, ninguém pode pretender que derradeira ocasião pare: ~ :·c
passe a se ocupar de barracos, tal como seria absurdo pretender ricos e técnicos, e para :..:: :
um ato de "humildade acadêmica" da parte de quem passou (além de refletir a partL· =. ~ .
quatro anos com Danilo Dolci, pedindo-lhe uma tese sobre os supostos teóricos ou his~ •.
Reis de França. Trata-se, naturalme::~:
Mas suponhamos que a pergunta seja feita por um estu- respeitar uma opinião é.::c
dante em crise, a indagar-se para que lhe servem os estudos vista de quem, merguL,.:.:.
universitários e, em especial, a experiência da tese. Suponha- acabar sua tese com e~='. •·
mos que esse estudante tenha interesses políticos e sociais pre- de atuação política ao rê :..
cisos e receie trair sua vocação dedicando-se a temas "livrescos': Isso é possível, e os:::-'_
Ora, estando já mergulhado numa experiência polí- pre dizer algumas coisa'. :
tico-social que lhe permita entrever a possibilidade de fazer da respeitabilidade de c~·.:
um discurso conclusivo, seria bom que ele se colocasse o pro- O termo é mais usuab~~~.·.,
blema de como abordar cientificamente sua experiência. monte Atos, na Grécia :
por meio de retiro e a;:c>
Porém, se tal experiência não foi feita, então me parece técnicas de relaxameE;: : .: ,
que a pergunta exprime apenas uma inquietude nobre, mas extensão, o adepto ele;'::
), ESCOLHA DO TE;viA 33
_- _:-.2. uma centena de método precisa ser inventado (razão pela qual frequentemente
:. : :=.:scussões, listas de uma boa tese política é mais difícil que uma tranquila tese
_:.:.o de empréstimo a histórica); (b) porque muita metodologia da pesquisa social
_ ~:::=.o como "tese polí- "à americanà' fetichizou os métodos estatístico-quantitativos,
_ : :.nca examinadora, produzindo vastas pesquisas que não se prestam à compreen-
-c __ :~_'_, considerar bom são dos fenômenos reais e, em consequência, muitos jovens
:. :- __ :':a palhaçada, não politizados assumem uma atitude de desconfiança perante essa
- _' :;olíticos também. sociologia que, no máximo, é uma "sociometrià', acusando-a
- •:--:-~de fazer política. de servir pura e simplesmente o sistema de que constituem a
:=.:- desenvolvimento cobertura ideológica. No entanto, a reação a esse tipo de pes-
~ _: 2. situação social é quisa leva às vezes a não se fazer pesquisa alguma, transfor-
_ :derado. E pode-se mando a tese numa sequência de panfletos, apelos ou assertivas
~::c:. elaborando uma meramente teóricas.
_:-:·_~:::lCOS. Como evitar esse risco? De muitas maneiras: analisando
' ~ =' esses e como são estudos "sérios" sobre temas semelhantes, não se metendo num
__ :_: ~ 'éria. Certa vez, vi trabalho de pesquisa social sem pelo menos ter acompanhado
_-c ~-:·=,~lemas de comu- a atividade de um grupo com alguma experiência, munindo-se
_-_:. "pesquisà' sobre de alguns métodos de coleta e análise de dados, não presu-
> .. :-:1a dada zona. Na mindo fazer em poucas semanas trabalhos de pesquisa que
: __ :·_io, meia dúzia de comumente são longos e difíceis ... Mas, como os problemas
c :_-:::J.. Era natural que variam conforme os campos, o tema e a preparação do estu-
: _:~~·5es não fosse uma dante- e não se pode dar conselhos genéricos-, limitar-me-ei
_: •~=~~aYa os requisitos a um exemplo. Escolherei um tema "novíssimo", para o qual
: •: :-:·eze, mas também não parecem existir precedentes de pesquisa, um tema de can-
-_ : _:.:-::: coisas que pode- dente atualidade e incontestáveis conotações políticas, ideo-
-::: •o:dade de pesquisa lógicas e práticas - e que muitos professores tradicionalistas
: __ : :':::ever, numa mesa definiriam como "meramente jornalístico": o fenômeno das
_ -_-:_~o ria prefere assis- estações de rádio independentes.
• •~ :' direta. Portanto,
~:. ;áginas para che-
_-_:.cada. É, além do 2.6.3. Como transformar um assunto de atualidade
: _-: :.credita ter obtido em tema científico?
: -_-__ de maneira apro-
Sabemos que, nas grandes cidades, surgiram dezenas e deze-
·-: '"-'Fecialmente para nas dessas estações; que existem duas, três, quatro até nos cen-
_::: ~ ~':'.a) porque numa tros com cem mil habitantes; que elas surgem em toda parte.
: ~ - .~ J s tradicionais de Que são de natureza política ou comercial. Que têm problemas
:__~- enquanto para os
legais, mas que a legislação é ambígua e ainda em evolução, e,
::.~cão muitas vezes o entre o momento em que escrevo (ou faço a tese) e o momento
36 COMO SE FAZ UMA TESE
em que este livro for publicado (ou a tese for discutida), a situa- de explicar os c~_
ção já terá sido mudada. fenômenos do c:.:-
Devo, pois, antes de tudo, delimitar com precisão o âmbito precisam ser raz : ~
geográfico e cronológico do meu estudo. Poderá ser apenas As nidos de modo ::~:
Estações de Rádio Livres de 1975 a 1976, desde que completo. rádios livres ar~=-
Se eu decidir examinar apenas as emissoras de Milão, ótimo - extrema -esqueré. ;_
mas que sejam todas! De outra forma, meu estudo será incom- mente, o termo · :· ~
pleto, pois terei talvez descurado as estações mais significativas e não posso lué~: :·
quanto a programas, índices de audiência, formação cultural também falo de~~:
de seus animadores, alvos (periferia, bairros, centro). tal caso, especit.: :_:·
Se decidir trabalhar sobre uma amostra nacional de trinta as rádios que n~:
estações, isso seria perfeitamente válido: mas terei de estabele- justificada) ou e~:_
cer os critérios de escolha da amostra, e, se a realidade nacional termo menos g-:::-_ ~
for três emissoras comerciais para cada cinco políticas (ou uma Nesse pon:,: :-
de extrema direita para cada cinco de esquerda), não deverei livre sob o aspe:::
escolher uma amostra de trinta estações das quais 29 são polí- algumas delas :: ;.
ticas e de esquerda (ou vice-versa), porque desse modo a ima- çrn outras mik :.:-_-
gem que dou do fenômeno refletirá meus desejos ou temores, uma tipologia c~~:
e não a situação real. possuem carac~=
Poderei ainda decidir (como no caso da tese sobre a exis- modelo abstra-:: .:
tência de centauros num mundo possível) entre renunciar ao jvre" cobre UIL. '
estudo sobre as emissoras tais quais são e propor, ao contrário, rentes. (É faci~==---:-
um projeto de emissora livre ideal. Mas, nesse caso, o projeto dessa análise r.: :.
deve ser orgânico e realista, por um lado (não posso pressupor se eu quiser me::-_
a existência de equipamentos inexistentes ou inacessíveis a um .:ondições ide<:.:~ ~
grupo modesto e privado), e, por outro, não posso elaborar um Para cons::-·.:._
projeto ideal sem levar em conta as tendências do fenômeno ::-lo, proceder 2. ::_
real, pelo que, nesse caso ainda, um estudo preliminar sobre .:.s característi: ~'
as rádios existentes é indispensável. -::\.amino, tend,: :·
Em seguida, cabe-me tornar públicos os parâmetros de :: na horizont<:.~ ~
definição de "rádio livre", ou seja, tornar publicamente identi- :·:st1ca. O ex;: r::_:-
ficável o objeto do estudo. ~ é de dimens ~ ::
Entendo por rádio livre apenas uma rádio de esquerda? ::- c.râmetros: r~-=;-
Ou uma rádio montada por um pequeno grupo em situação ::~úsica- fala, -;;:·-:
semilegal no país? Ou uma rádio não dependente do mono- ~::a, aplicados .:.
pólio, ainda que porventura se trate de uma rede articulada \.:ma tabe~.:.
com propósitos meramente comerciais? Ou devo ter presente :- :onduzida-::-: :·
o parâmetro territorial e só considerar rádio livre uma rádio : ~·:· ideológic.:. :-
de San Marino ou de Monte Carlo? Como quer que seja, terei - :::·sa e aceit2.-:-
- ~:CSE
A ESCOLHA DO TEMA 37
--- c ~ese for discutida), a situa- de explicar os meus critérios e explicar por que excluo certos
fenômenos do campo de pesquisa. Obviamente, tais critérios
~--~:~?.r com precisão o âmbito precisam ser razoáveis e os termos que uso terão de ser defi-
~:~·.:do. Poderá ser apenas As nidos de modo inequívoco: posso decidir que, para mim, são
- ~;-6, desde que completo. rádios livres apenas aquelas que exprimem uma posição de
~:~~:ssoras de Milão, ótimo- extrema-esquerda; mas então devo levar em conta que, comu-
--~-'--meu estudo será incom- mente, o termo "rádio livre" se refere também a outras rádios,
-: ::'~ações mais significativas e não posso ludibriar meus leitores, fazendo-lhes crer ou que
__ _:'_:hcia, formação cultural também falo delas ou que elas não existem. Cumpre-me, em
--~ ·Jairros, centro).
tal caso, especificar que contesto a designação "rádio livre" para
__ .:::-:.ostra nacional de trinta as rádios que não quero examinar (mas a exclusão precisa ser
~_:io: mas terei de estabele- justificada) ou escolher para as emissoras de que me ocupo um
~- :_ e, se a realidade nacional termo menos genérico.
:.::'.:.cinco políticas (ou uma Nesse ponto preciso descrever a estrutura de uma rádio
: : ic: esquerda), não deverei livre sob o aspecto organizacional, econômico, jurídico. Se em
:.:.::,es das quais 29 são polí- algumas delas trabalham profissionais em tempo integral e
~ :rque desse modo a ima- em outras militantes em sistema de rodízio, terei de construir
- .:. ::-:.cus desejos ou temores, uma tipologia organizativa. Deverei indagar se todos esses tipos
possuem características comuns que sirvam para definir um
: 1so da tese sobre a exis- modelo abstrato de rádio independente ou se o termo "rádio
~: -''ll·el) entre renunciar ao livre" cobre uma série multiforme de experiências muito dife-
' '~J e propor, ao contrário, rentes. (É facilmente compreensível como o rigor científico
: ~1s, nesse caso, o projeto dessa análise pode ser útil também para efeitos práticos, pois,
__ .:.io (não posso pressupor se eu quiser montar uma rádio livre, deverei saber quais são as
_'::::~~es ou inacessíveis a um condições ideais para seu funcionamento.)
_~=- :-. não posso elaborar um Para construir uma tipologia fidedigna, poderei, por exem-
_' ::::'ldências do fenômeno plo, proceder à elaboração de uma tabela que considere todas
--:-_·_ ;:studo preliminar sobre as características possíveis em função das várias rádios que
examino, tendo na vertical as características de uma dada rádio
: _.:- ~:cos os parâmetros de e na horizontal a frequência estatística de uma dada caracte-
-_::-_:.-:-publicamente identi- rística. O exemplo seguinte destina-se meramente a orientar,
e é de dimensões modestíssimas, no que respeita aos quatro
.:. ' .::c1a rádio de esquerda? parâmetros: presença de operadores profissionais, proporção
--: ~- .:e:no grupo em situação música-fala, presença de publicidade e caracterização ideoló-
- '_: dependente do mono- gica, aplicados a sete emissoras imaginárias.
:--: i c: uma rede articulada Uma tabela assim revelaria, por exemplo, que a Rádio Pop
::.:.:s; Ou devo ter presente é conduzida por um grupo não profissional, com caracteriza-
.:. -:: ~=- rádio livre uma rádio ção ideológica explícita, que transmite mais música que con-
~ ::-:.10 quer que seja, terei versa e aceita publicidade. Ao mesmo tempo, dir-me-ia que a
38 COMO SE FAZ UMA TESE
'::~:-~::a da música sobre a modo que todos respondam a todos os temas julgados impor-
· ~~~~~~~J com a caracteriza- tantes, registrando-se sempre a recusa de responder a esta ou
• ~~~:,menos duas rádios àquela pergunta. Não quer dizer que o questionário deva ser
_:~_~:::.com caracterização seco e conciso,à base do sim e não. Se todos os diretores fizerem
· ~ ~"~ 2 música. Por outro uma declaração programática, o registro de todas essas declara-
=-: :. : ideológica que não ções poderá constituir um documento útil. Que fique bem clara
-~:.~::.E assim por diante. a noção de "dado objetivo" num caso desse tipo. Se o diretor
:-'~.=.;era poucos parâme- diz: "Não temos objetivos políticos e não somos financiados
~ ~~"::~ite tirar conclusões por ninguém'', não significa que esteja dizendo a verdade; mas é
:. c .:.::~a sugestão. um dado objetivo o fato de aquela pessoa apresentar-se publica-
mente com esse aspecto. No máximo poder-se-á refutar seme-
· :.;w Rádio Rádio lhante afirmativa por meio de uma análise crítica do conteúdo
.:•.:ro Pop Canal10o dos programas transmitidos pela emissora em questão. Com o
que chegamos à terceira fonte informativa.
Boletins de escuta. É o aspecto da tese em que se pode
+ + assinalar a diferença entre trabalho sério e trabalho diletante.
Conhecer a atividade de uma rádio independente significa tê-la
+ +
acompanhado durante alguns dias - uma semana, digamos -,
de hora em hora, elaborando uma espécie de "rádio-correio"
+
que mostre o que é transmitido e quando, qual a duração dos
programas, a quantidade de música e fala, quem participa dos
-~' :·: :1tes são três: dados debates, se existem e quais os assuntos tratados etc. Não se
c : :: ;:jns de escuta. pode colocar na tese tudo quanto foi transmitido durante a
· '~ ~uros, mas, no caso semana, mas é possível recorrer àqueles elementos significa-
' :=:::n geral, existe um tivos (comentários sobre músicas, debates, modo de dar uma
- -:~~a. Deve haver tam- notícia) dos quais emerja um perfil artístico, linguístico e ideo-
. :> ~: -:'Jtiva da sociedade, lógico da emissora em apreço .
:" :.:.;;: possa ser consul- Existem modelos de boletins de escuta para rádio e tele-
- : ~ : :nais precisa, outros visão elaborados durante alguns anos pela ARCI de Bolonha,
"-~~=--:o isso é tudo. Lem- por meio dos quais os ouvintes cronometravam a duração das
' :aem parte o nome, notícias, a recorrência de certos termos, e assim por diante.
-:_- :Jade. Uma tese que Uma vez realizado esse estudo com várias emissoras, podere-
•:- :: • :;nra todas as rádios mos proceder às comparações: por exemplo, como determi-
nada canção ou notícia de atualidade foi apresentada por duas
3 ão interrogados os ou mais rádios diferentes.
:_.:..: disserem constitui Poderíamos ainda comparar os programas das emisso-
::"atar-se daquilo que ras monopolistas com os das rádios independentes: propor-
: :~::ção das entrevistas ção música-fala, proporção notícia-entretenimento, proporção
: ~" ::.: um questionário de programas-publicidade, proporção música erudita-música
40 COMO SE FAZ UMA TESE
mostrar como até sobre um tema tão pouco "erudito" e pobre recusam a orientar tese< ' . -
em literatura crítica se pode executar um trabalho científico, atual situação da univers::'. :. :
útil aos outros, inserível numa pesquisa mais ampla e indispen- perar o rigor de muitos e :_:~: __
sável a quem queira aprofundar o tema, sem impressionismo, Há, no entanto, case' -:
observações casuais ou extrapolações arriscadas. fazendo uma pesquisa ce ; -
Para concluir: tese científica ou tese política? Dilema falso. sários inúmeros dados, e :_-: _
É tão científico fazer uma tese sobre a doutrina das ideias em membros de sua equipe :'.: -
Platão como sobre a política da Lotta Continua na Itália entre anos, ele orienta as tese' :-
1974 e 1976. Se você é uma pessoa que pretende trabalhar a economista interessado ::-_:_ ·
sério, pense bem antes de escolher, pois a segunda tese é, sem período, determinará te':.
dúvida, mais difícil que a primeira e requer maior maturi- res, com o fito de estabe~::::
dade científica. Se não por outro motivo, porque não terá uma Ora, tal critério é não a?::-_:
biblioteca em que se apoiar, mas uma biblioteca para organizar. mente útil: o trabalho d: ~:::
Como se vê, é possível conduzir de modo científico uma ampla, feita no interesse :: _: ·
tese que outros definiriam, quanto ao tema, como puramente porque o candidato poc:::. -
"jornalísticà'. E é possível conduzir de modo puramente jorna- um professor muito bec-_:-_:
lístico uma tese que, a julgar pelo título, teria todos os atributos como material de funde : :. ,
para parecer científica. ;JOr outros estudantes s~: ~ _:
um bom trabalho, o cal~ c:_:'_:.-
menos parcial de seus re,-~__ :_
2.7. COMO EVITAR SER EXPLORADO PELO coletiva. Há aqui, entre;:::~-:
ORIENTADOR
1. O professor está e::-:-:_::_
Por vezes o estudante escolhe um tema de seu próprio inte- ~enta o candidato que, pc'~ ':' _
resse. Outras vezes, ao contrário, aceita a sugestão do professor :o.aquela direção. O estude:::-_:-:-
a quem pede a orientação sobre a tese. :'.e água que se limita are::-__- c.
Ao sugerirem temas, os professores podem seguir dois crité- :~utros irão interpretar. C:~:-:~:
rios diferentes: indicar um assunto que conheçam bem e no qual :, professor, ao elaborar c: ::c:
não terão dificuldades em acompanhar o aluno, ou recomendar :'artes do material recolh:_:'_:
um tema que conhecem pouco e querem conhecer mais. _=-,xque não se lhe pode 2.::·:: _
Fique claro que, contrariamente à primeira impressão, 2. O professor é de'::·.:
esse segundo critério é o mais honesto e generoso. O professor : :lhar, aprova -os e utiliz.:. _:
raciocina que, acompanhando uma tese dessas, terá seus pró- :='mo se fosse seu. Às wz2: ::
prios horizontes alargados, pois se quiser avaliar bem o candi- :_~ boa fé: o mestre a co::~-::.
dato e ajudá-lo em seu trabalho terá de debruçar-se sobre algo .:rias ideias e, algum tç~-- ~-
novo. Em geral, quando o professor opta por essa segunda via, : :~ntribuição da do estuc.:.-_:,
é porque confia no candidato. E normalmente lhe diz explici- _da discussão coletiva, =--~ _:
tamente que o tema é novo para ele também e que está inte- :' :de ias que perfilhávan~: ' :_,
ressado em conhecê-lo melhor. Existem professores que se :. ::'ois por estímulo alhe::
A ESCOLHA DO TEMA