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( :ok\ao 1'::-.tudo.·,
Dirigida por). Guinsburg
Urnberto Eco

COMO SE FAZ UMA TESE

EDIÇÃO REVISTA E ATUALIZADA

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I '1"'1"" d,· ,·aliza\·ão- Tradução: Gilson Cesar Cardoso de Souza; Edição de texto: Elen
I '" 1 ·" 1d«. lkvi:.,\<1 c organização de texto: Luiz Henrique Soares; Produção: Ricardo W
0 É PERSPECTIVA
1 1, ', · ·,,."'·'" l\1111, ICH1ul'll'crnandes Abranches.
1/l\\~
l'tltilo tlu IH I)',IIJ.tl ll.di.IIIO Sun1ário
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Copyright © 1977 Casa Editrice Valentino Bompiani & C.S.p.A.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Eco, Umberto, 1932-
Como se faz uma tese I Umberto Eco ; tradução Gilson Cesar
Cardoso de Souza - São Paulo : Perspectiva, 2014, 25. ed. -
(Coleção Estudos; 85/ dirigido por). Guinsburg)

Título original: Come si fa una tesi di laurea.


Bibliografia.
ISBN 978-85-273-0079-7

1. Teses r. Título. rr. Série NOTA DA EDIÇÃO ................................. XI

APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA -


CDD-808.02
04-1974 Lucrécia D'Aléssio Ferrara ....................... xm
Índices para catálogo sistemático:
INTRODUÇÃO .................................... XIX
1. Teses : Elaboração : Retórica 8o8.o2

1. QUE É UMA TESE E PARA QUE SERVE ............. 1

1.1. Por que se deve fazer uma tese e o que ela é ...... 1
1.2. A quem interessa este livro .................... 4

1.3. Como uma tese pode servir também

após a formatura ............................. 6


1.4. Quatro regras óbvias .......................... 7
25ª edição revista e atualizada

Direitos reservados em língua portuguesa à


EDITORA PERSPECTIVA S.A. 2. A ESCOLHA DO TEMA ........................... 9

Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025


01401-ooo São Paulo SP Brasil
2.1. Tese monográfica ou tese panorâmica? .......... <J
Telefax: (on) 3885-8388 2.2. Tese histórica ou tese teórica? . . . . . . . . . . . . . . . 1 1
www.editoraperspectiva.com.br
2.3. Temas antigos ou temas contemporâneos?.. 1<,
2014
2. A Escolha do Tema
· ,-:s, isto é, estejam ao

- , _,. r:is, ou seja, estejam

- _:_; 2steja ao alcance da

~ ' --: i'.recem banais e resu-


.:~-~--"- :ese deve fazer uma
~~-=-~=-é exatamente assim,
: • :-~c'. das justo porque não
:.:-_-_~ermos tão óbvios'.
-:.:.:.: rornecer alguns con-
- _:~:a tese que se saiba e

2.1. TESE MONOGRÁFICA OU TESE PANORÂMICA?

A primeira tentação do estudante é fazer uma tese que fale de


muitas coisas. Interessado por literatura, seu primeiro impulso é
escrever algo como A Literatura Hoje. Tendo de restringir o tema,
escolherá A Literatura Italiana do Pós-Guerra aos Anos Sessenta.
Teses desse tipo são perigosíssimas. Estudiosos bem mais
velhos se sentem abalados diante de tais temas. Para quem tem
vinte anos, o desafio é impossível. Ou elaborará uma enfado-
nha resenha de nomes e opiniões correntes ou dará à sua obra
um corte original e se verá acusado de imperdoáveis omissões.
O grande crítico contemporâneo Gianfranco Contini publi-
cou em 1957 uma Literatura Italiana dos Séculos XVIII e XIX
(Sansoni Accademia). Pois bem, caso se tratasse de uma tese,
ele seria reprovado, embora seu trabalho conte com 472 pági-
nas impressas. De fato, poder-se-ia acusá-lo de descuido ou
ignorância por não haver citado nomes que a maioria consi-
· _,- --_ctessor seja adequado. Com dera muito importantes ou de haver dedicado capítulos intei-
-~-::.:::.ou preguiça, querem fazer ros a autores considerados "menores" e breves notas de rodapé
___ -·erdade, é da matéria B. O a autores tidos por "maiores': Naturalmente, tratando-se de
_ :c :_·_e::-ccão) e depois não se vê à
um estudioso cujo preparo teórico e argúcia crítica são bem
10 COMO SE FAZ UMA TESE

conhecidos, todos compreenderam que tais exclusões e despro- variantes de um texto : __ -


porções eram intencionais, e que a ausência era criticamente diários. Poder-se-ão, ""
muito mais eloquente do que uma página de crítica impiedosa guarda Literária dos _-_
e demolidora. Mas se a mesma brincadeira for feita por um em Pavese e Fenoglio, c ..
estudante de 22 anos, quem garantirá que em seu silêncio haja Autores "Fantásticos": S -
muita malícia e que as omissões substituem páginas críticas Passando às facu~C. c_ c:
escritas alhures - ou que o autor sabia escrever? aplicável a todas as me.:~
Em teses desse gênero, o estudante costuma acusar os O tema geologia, ~- :
membros da banca de não tê-lo compreendido, mas estes não nologia, como ramo C.:,~ __
podiam compreendê-lo, razão pela qual uma tese muito pano- abrangente. Os Vulcões -
râmica constitui sempre um ato de orgulho. Não que o orgulho exercício bom, porém c·:·_ -
intelectual- numa tese - deva ser condenado a priori. Pode-se mais o assunto, teríac : '
mesmo dizer que Dante era um mau poeta, mas cumpre dizê-lo do Popocatepetl (que 1.r:~ : -
depois de pelo menos trezentas páginas de cerradas análises escalado em 1519 e que ': ·:
dos textos dantescos. Essas demonstrações, numa tese pano- Tema mais restrito, qcc: c
râmica, não podem ser feitas. Eis por que seria então oportuno anos, seria O Nascime·:~_
que o estudante, em vez de A Literatura Italiana do Pós-Guerra 20 de fevereiro de 1943 .:. -

aos Anos Sessenta, escolhesse um título mais modesto. Aconselharia o últ::·:-_


Digo-lhes já qual seria a ideal: não Os Romances de Fenoglio, di dato diga tudo o que :-: _
mas As Diversas Redações de "Il partígiano ]ohnny". Enfado- Há algum tempo,-;::
nho? É possível, mas como desafio é mais interessante. fazer sua tese sobre OS:
Pensando bem, trata-se de um ato de velhacaria. Com uma Era uma tese impossí1·e~. ::: _
tese panorâmica sobre a literatura de quatro décadas, o estu- ria ser "símbolo": esse : ~ _:
dante se expõe a toda sorte de contestações possíveis. Poderá o o autor e, às vezes, ec ::-
orientador, ou um simples membro da banca, resistir à tentação dizer duas coisas abso~·.::.:.
de alardear seu conhecimento de um autor menor não citado ?O r símbolo, os lógicos ~:
pelo estudante? Bastará que os membros da banca, consultando expressões privadas de ' i -
o índice, descubram três omissões para que o estudante se torne "1ido, uma função precis.:.
alvo de uma rajada de acusações que fará sua tese parecer um os a e b ou x e y das =: ::-_
conglomerado de coisas dispersas. Se, ao contrário, ele tiver tra- :.utores entendem um c: =-:
balhado seriamente sobre um tema bastante preciso, estará às :orno ocorre nos sonhe ' :
voltas com um material ignorado pela maior parte dos juízes. ·clm órgão sexual, ao des~
Não estou aqui sugerindo um truquezinho reles; talvez seja um ~ma tese com semelha::-.:-:- ·
truque, mas não reles, porque exige esforço. Acontece apenas a.cepções do símbolo m. : ~-­
que o candidato se mostra "esperto' diante de uma plateia menos J_,ue pusesse em evidên:::.
experta que ele e, visto ter-se esforçado para se tornar experto, ccepções, esmiuçar se s: :
nada mais justo que gozar as vantagens de semelhante situação. :eito unitário fundam c::·.:_
Entre os dois extremos da tese panorâmica sobre quatro
C.W Coopere E_J. Ro:- :c
décadas de literatura e da tese rigidamente monográfica sobre Stanford University P:·=··
A ESCOLHA DO TEMA li

~• ~~=~~usões e despro- variantes de um texto curto existem muitos estados interme-


- :::.. ç~·a criticamente diários. Poder-se-ão, assim, determinar temas como A Neovan-
::. ~ ~:·itica impiedosa guarda Literária dos Anos Sessenta, ou A Imagem da Langhe
~ _:::. ~~o r feita por um em Pavese e Fenoglio, ou ainda Afinidades e Diferenças em Três
: ::~ seu silêncio haja Autores "Fantásticos": Savinio, Buzzati e Landolfi.
-_: =~-- páginas críticas Passando às faculdades científicas, damos um conselho
::~~~er? aplicável a todas as matérias:
c :: stuma acusar os O tema geologia, por exemplo, é muito amplo. Vulca-
~~~:'_:_:'_o, mas estes não nologia, como ramo daquela disciplina, é também bastante
~~~~:.. :c:se muito pano- abrangente. Os Vulcões do México poderiam ser tratados num
- -ão que o orgulho exercício bom, porém um tanto superficial. Limitando-se ainda
:.. :'_' c7 priori. Pode-se mais o assunto, teríamos um estudo mais valioso: A História
_ :~~~_c.s cumpre dizê-lo do Popocatepetl (que um dos companheiros de Cortez deve ter
:~ .::erradas análises escalado em 1519 e que só teve uma erupção violenta em 1702).
' c' ·mma tese pano- Tema mais restrito, que diz respeito a um menor número de
: ~~:2. então oportuno anos, seria O Nascimento e a Morte Aparente do Parícutin (de
_;,;a do Pós-Guerra 20 de fevereiro de 1943 a 4 de março de 1952) 1

-~'--'modesto. Aconselharia o último tema. Mas desde que, então, o can-


--_:;iJces de Fenoglio, didato diga tudo o que for possível sobre o maldito vulcão.
_~ TL'lmny". Enfado- Há algum tempo, procurou-me um estudante que queria
~: -=~ ~eressante. fazer sua tese sobre O Símbolo no Pensamento Contemporâneo.
- ~:_:_--..a.caria. Com uma Era uma tese impossível. Eu, pelo menos, não sabia o que pode-
___ ~- =, décadas, o estu- ria ser "símbolo": esse termo muda de significado conforme
~' :,Jssíveis. Poderá o o autor e, às vezes, em dois autores diferentes, pode querer
::-_::.. :c:sistir à tentação dizer duas coisas absolutamente opostas. Não se esqueça que,
::: :~1c:nor não citado por símbolo, os lógicos formais ou os matemáticos entendem
_:_ :_ =c.nca, consultando expressões privadas de significado, que ocupam um lugar defi-
_~ : estudante se torne nido, uma função precisa, num dado cálculo formalizado (como
_ <-"- tese parecer um os a e b ou x e y das fórmulas algébricas); enquanto outros
:: ~~ ~:·ário, ele tiver tra- autores entendem uma forma cheia de significados ambíguos,
~=~~~ ?reciso, estará às como ocorre nos sonhos, que podem referir-se a uma árvore, a
-~ :.._: :· parte dos juízes. um órgão sexual, ao desejo de prosperar etc. Como, pois, fazer
: :·:::c:s; talvez seja um uma tese com semelhante título? Seria preciso analisar todas as
~ : : _-\contece apenas acepções do símbolo na cultura contemporânea, fazer uma lista
, :.. -õ .:.:na plateia menos que pusesse em evidência as afinidades e discrepâncias dessas
· _:_:~:.. se tornar experto, acepções, esmiuçar se sob as discrepâncias não existe um con-
c ::::::elhante situação. ceito unitário fundamental, recorrente em cada autor e cada
~- _:_::--..ica sobre quatro
C.W Coopere E.J. Robins, The Term Paper: A Manual and Model, Stanford,
· ~~ :-:--..onográfica sobre Stanford University Press, 4-ª ed., 1967, p. 3-
12 COMO SE FAZ UMA TESE A ESC CC-~~~

teoria, e se as diferenças não tornam incompatíveis entre si as ~ ~··. a um manual, a uma encic_:: ~
teorias em questão. Pois bem, nenhum filósofo, linguista ou psi- ~e .:.fico um tema como o
r~ ..
canalista contemporâneo conseguiu ainda fazer uma obra dessa ~:Jitores Medievais. Muitos s~:
envergadura de modo satisfatório. Como poderá se sair melhor _: enas do ponto de vista de uc ~ õ ·
um estudante que mal começa a terçar armas e que, por precoce ::se imaginária, proposta a tiL~ :
que seja, não tem mais de seis ou sete anos de leitura adulta nas ~~ fábula, de que os peixes YO .:.: _
costas? Poderia ele, ainda, fazer um discurso parcialmente inte- : ::m executado, esse trabalho } : :.. ~ _
ligente, mas estaríamos de novo no mesmo caso da literatura ~-"'·Mas, para tanto, é preciso~:- ~~
italiana de Contini. Ou poderia propor uma teoria pessoal do :_·1e trataram o tema, em espec:.:.~ :
símbolo, deixando de lado tudo quanto haviam dito os demais :inguém se lembra. Assim, tal::':
autores: no parágrafo 2.2., todavia, diremos o quão discutível é ~::áfico-panorâmica e seria d:~_: __
essa escolha. Conversamos com o estudante em questão: seria ~e leituras. Caso se pretendesse=-:.:
o caso de elaborar uma tese sobre o símbolo em Freud e Jung, :ntão forçoso restringir o carr.~:
abandonando todas as outras acepções e confrontando uni- '15" nos Poetas Carolíngios. Res::· :
camente as desses dois autores. Mas descobrimos que o estu- ;abe o que conservar e o que~'::~
dante não sabia alemão (e sobre o problema do conhecimento Claro está que é muito rr. .:.~;
de línguas estrangeiras, voltaremos a falar no parágrafo 2.5.). ::-ámica, pois que antes de tué.: :
Decidiu-se, então, que ele se limitaria ao termo O Conceito de iurante um, dois ou três anc' 'õ
Símbolo em Peirce, Frye e Jung. A tese examinaria as diferenças ieve-se ter em mente que faze~ :.:·.
entre três conceitos homônimos em outros tantos autores, um sráfica não significa perder é.: .
filósofo, um crítico e um psicólogo; mostraria como, em muitas "Lese sobre a narrativa de Fenc ;:
análises sobre esses três autores, são cometidos inúmeros equí- ~ismo italiano, não deixar de~::· ~
vocos, pois se atribui a um o significado usado por outro. Só no analisar escritores americano' __ ~
final, como conclusão hipotética, o candidato procuraria extrair Só explicamos e entendemos :.
um resultado para mostrar se existiam analogias, e quais, entre num panorama. Mas uma c:.'~
aqueles três conceitos homônimos, aludindo também a outros pano de fundo, e outra é e~::.= :
autores de seu conhecimento, de quem, por explícita limitação Uma coisa é pintar o retrate ~:
do tema, não quisera e não pudera ocupar-se. Ninguém pode- de um campo cortado por u::-:· _.
ria dizer-lhe que não levara em conta o autor k, porque a tese -;ales e regatos. Tem de mb:'.::.:
era sobre x, y e z, nem que citara o autor j apenas em tradução, termos fotográficos, o foco. ::= ::..
pois se tratara de simples menção, para concluir, uma vez que panorama pode afigurar-se --~=-.­
a tese pretendia estudar amplamente e no original unicamente ou de segunda mão.
os três autores citados no título. Em suma, recordemos ê'~::
Eis aí como uma tese panorâmica, sem se tornar rigoro- mais se restringe o campo, i' c.
samente monográfica, se reduzia a um meio termo, aceitável balha. Uma tese monogrà:i~ :. ~
por todos. mica. É melhor que a tese 50: ::.
Fique claro, ainda, que o termo "monográfico" pode ter uma história ou a uma enc:~~
uma acepção mais vasta que a usada aqui. Uma monografia é a
abordagem de um só tema, como tal se opondo a uma "história
A ESCOLHA DO TEMA 13

:-_-: :cLÍYeis entre si as de", a um manual, a uma enciclopédia. Daí ser também mono-
=-~. linguista ou psi- gráfico um tema como O Tema do "Mundo às Avessas" nos
::.=e:: uma obra dessa Escritores Medievais. Muitos são os escritores analisados, mas
: _::_c:rá se sair melhor apenas do ponto de vista de um tema específico (isto é, da hipó-
: ~ que, por precoce tese imaginária, proposta a título de exemplo, de paradoxo ou
__ ~ ~~itura adulta nas de fábula, de que os peixes voam, os pássaros nadam etc.). Se
: -: arcialmente inte- bem executado, esse trabalho poderia dar uma ótima monogra-
--_: :aso da literatura fia. Mas, para tanto, é preciso levar em conta todos os escritores
_-: : _ :~oria pessoal do que trataram o tema, em especial os menores, aqueles de quem
- :_ ::.m dito os demais ninguém se lembra. Assim, tal tese se classificaria como mono-
:, ~ quão discutível é gráfico-panorâmica e seria dificílima: exigiria uma infinidade
---=~ ::m questão: seria de leituras. Caso se pretendesse fazê-la de qualquer modo, seria
: -_: ~m Freud e Jung, então forçoso restringir o campo: O Tema do "Mundo às Aves-
~ : mfrontando uni- sas" nos Poetas Carolíngios. Restringe-se um campo quando se
:: =-~·imos que o estu- sabe o que conservar e o que escoimar.
c -_-_:_ Jo conhecimento Claro está que é muito mais excitante fazer a tese pano-
_:_: :-_o parágrafo 2.5.). râmica, pois que antes de tudo parece enfadonho ocupar-se
:~:·:no O Conceito de durante um, dois ou três anos sempre do mesmo autor. Mas
_:·:_::-:taria as diferenças deve-se ter em mente que fazer uma tese rigorosamente mono-
_: , :antos autores, um gráfica não significa perder de vista o panorama. Fazer uma
-_:,:-:::.como, em muitas tese sobre a narrativa de Fenoglio significa ter presente o rea-
-~=:.=.os inúmeros equí- lismo italiano, não deixar de ler Pavese ou Vittorini, bem como
- , ::_=.o por outro. Só no analisar escritores americanos lidos e traduzidos por Fenoglio.
_::_:_::· ·:wocurariaextrair Só explicamos e entendemos um autor quando o inserimos
__- ::_~: gias, e quais, entre num panorama. Mas uma coisa é usar um panorama como
:__:- .:=_ 0 também a outros pano de fundo, e outra é elaborar um quadro panorâmico.
-: : :· explícita limitação Uma coisa é pintar o retrato de um cavalheiro sobre o fundo
~- --,e_ Ninguém pode- de um campo cortado por um regato, e outra é pintar campos,
:__::or k, porque a tese vales e regatos. Tem de mudar a técnica, tem de mudar, em
:c:'enas em tradução, termos fotográficos, o foco. Partindo-se de um único autor, o
:: =~duir, uma vez que panorama pode afigurar-se um tanto desfocado, incompleto
::>riginal unicamente ou de segunda mão.
Em suma, recordemos este princípio fundamental: quanto
se tornar rigoro-
, :::-:1 mais se restringe o campo, melhor e com mais segurança se tra-
·~210 termo, aceitável balha. Uma tese monográfica é preferível a uma tese panorâ-
mica. É melhor que a tese se assemelhe a um ensaio do que a
::_~no gráfico" pode ter uma história ou a uma enciclopédia.
:_::.Cma monografia é a
-:-: 0 ~1 do a uma "história
14 COMO SE FAZ UMA TESE

2.2. TESE HISTÓRICA OU TESE TEÓRICA? -::ssa resposta pro'.~c:~:~


sem humildade c~-==-~~­
Essa alternativa só vale para algumas matérias. Com efeito, em que se deve entenê:e:· ~
disciplinas como história da matemática, filologia românica ou ~-_-irtude para os fr&::'
história da literatura alemã, uma tese só pode ser histórica. Em soas orgulhosas) se::_ :
outras, como composição arquitetônica, física do reator nuclear pode excluir que o : : _ ·
ou anatomia comparada, fazem-se comumente teses teóricas anos, tenha comr:-c-c:-~
ou experimentais. Mas há outras disciplinas, como filosofia Lindo essa hipótese ; ~ :-
teorética, sociologia, antropologia cultural, estética, filosofia quando um gênio é c::•
do direito, pedagogia e direito internacional, em que é possível aão toma conscié::-_c~­
fazer os dois tipos de tese. lida e digerida dm_:_:~-,
Uma tese teórica é aquela que se propõe atacar um pro- grandeza. Como r=-~~c
blema abstrato, que pode já ter sido ou não objeto de outras nar não uma, mas ~=-- _
reflexões: a natureza da vontade humana, o conceito de liber- da magnitude dess~ :
dade, a noção de papel social, a existência de Deus, o código Mas suponhc.:~~:
genético. Enumerados assim, esses temas fazem imediata- cio de ter comprec::~c.
mente sorrir, pois se pensa naqueles tipos de abordagem a que provém do nada. e: -c
Gramsci chamava "breves acenos ao universo': Insignes pen- influência de out:·: ~ : _
sadores, contudo, se debruçaram sobre esses temas. Mas, afora em tese historiog: :_=.:
raras exceções, fizeram-no como conclusão de um trabalho de a noção de liberd2. é~
meditação de várias décadas. Yolver temas coe:
Nas mãos de um estudante com experiência científica A Noção de Libe:-.~
necessariamente limitada, tais temas podem dar origem a duas em Parsons. Se tiYe: ~:
soluções. A primeira (que é ainda a menos trágica) é fazer a no confronto con~ :.=
tese definida (no parágrafo anterior) como "panorâmica". É tra- se pode dizer sot:: :
tado o conceito de papel social, mas em diversos autores. E, a outro a abordou. ::.
esse respeito, valem as observações já feitas. A segunda solução rética do candidc.~:
preocupa mais, porque o candidato presume poder resolver, toriográfica. O rê' :._ ~
no âmbito de umas poucas páginas, o problema de Deus e da que ele disse, pois : ' ~
definição de liberdade. Minha experiência me diz que os estu- dente) que põe ec - _~
dantes que escolhem temas do gênero acabam por fazer teses cil mover-se no Y2.: -~- -
brevíssimas, destituídas de apreciável organização interna, mais -::ncontrar um po:~~:
próximas de um poema lírico do que de um estudo científico. tão vagos como 2. :· : .
E, geralmente, quando se objeta ao candidato que o discurso gênio, e sobretud: :: _
está demasiado personalizado, genérico, informal, privado de de outro autor, pc~' ~
verificações historiográficas e citações, ele responde que não reproduzir sem c:~~:
foi compreendido, que sua tese é muito mais inteligente que autor para demo'·~~~:
outros exercícios de banal compilação. Isso pode ser verdade; um ponto de apo:: :
contudo, ainda uma vez, a experiência ensina que quase sempre pela autoridade c: ' ~
A ESCOLHA DO TEMA

~ =:;:JCA? essa resposta provém de um candidato com ideias confusas,


sem humildade científica nem capacidade de comunicação. O
.~~~~.:.~érias.
Com efeito, em que se deve entender por humildade científica (que não é uma
~ ~ ~.:. "ilologia românica ou virtude para os fracos, mas, ao contrário, uma virtude das pes-
_, : ·.:'ode ser histórica. Em soas orgulhosas) será dito no parágrafo 4.2-4- É certo que não se
~ :.:. ~~:sica do reator nuclear pode excluir que o candidato seja um gênio que, com apenas 22
: : :-:~umente teses teóricas anos, tenha compreendido tudo, e é evidente que estou admi-
-~' ~::>linas, como filosofia tindo essa hipótese sem qualquer sombra de ironia. Sabe-se que
: .:.~ ~~~ral, estética, filosofia quando um gênio desses surge na face da Terra a humanidade
~: ::.Jnal, em que é possível não toma consciência dele de uma hora para outra; sua obra é
lida e digerida durante alguns anos antes que se descubra a sua
•-: -::-opõe atacar um pro- grandeza. Como pretender que uma banca ocupada em exami-
.~-.: não objeto de outras nar não uma, mas inúmeras teses, se aperceba imediatamente
--~~~.:.::a., 0 conceito de liber- da magnitude desse corredor solitário?
. ~~=~-=ia de Deus, o código Mas suponhamos a hipótese de o estudante estar côns-
, , ~é' mas fazem imediata- cio de ter compreendido um problema capital: dado que nada
~=-: os de abordagem a que provém do nada, ele terá elaborado seus pensamentos sob a
·.:.LiYerso". Insignes pen- influência de outros autores. Transforma então sua tese teórica
:~::esses temas. Mas, afora em tese historio gráfica, isto é, deixa de lado o problema do ser,
.~~~~-1são de um trabalho de a noção de liberdade ou o conceito de ação social, para desen-
volver temas como O Problema do Ser no Primeiro Heidegger,
: : :~~~ experiência científica A Noção de Liberdade em Kant ou O Conceito de Ação Social
__, ~: .:,dem dar origem a duas em Parsons. Se tiver ideias originais, estas virão à tona também
_ •~~ :-:~::nos trágica) é fazer a no confronto com as ideias do autor tratado: muita coisa nova
~ :·;-:10 " panoramKa.
" · "E- t ra- se pode dizer sobre a liberdade estudando-se a maneira como
_, :::n diversos autores. E, a outro a abordou. E, se quiser, aquilo que deveria ser a tese teo-
.:. =·::itas. A segunda solução rética do candidato se tornará o capítulo final de sua tese his-
:: -:-resume poder resolver, toriográfica. O resultado será que todos poderão controlar o
, =. oroblema de Deus e da que ele disse, pois os conceitos (referidos a um pensador prece-
~ ::·::: 11 cia me diz que os estu- dente) que põe em jogo serão publicamente controláveis. É difí-
·~:::·o acabam por fazer teses cil mover-se no vácuo e instituir um discurso ab initio. Cumpre
--:~ xganização interna, mais encontrar um ponto de apoio, principalmente para problemas
: _::: de um estudo científico. tão vagos como a noção de ser ou de liberdade. Mesmo para o
_ :andidato que o discurso gênio, e sobretudo para ele, nada há de humilhante em partir
,:~~:::-:o, informal, privado de de outro autor, pois isso não significa fetichizá-lo, adorá-lo ou
~ _: 'es, ele responde que não reproduzir sem crítica as suas afirmações; pode-se partir de um
: :·::~ito mais inteligente que autor para demonstrar seus erros e limitações. A questão é ter
-~2.o. Isso pode ser verdade; um ponto de apoio. Os medievais, com seu exagerado respeito
c:· ::l ensina que quase sempre pela autoridade dos autores antigos, diziam que os modernos,
16 COMO SE FAZ UMA TESE

embora ao seu lado fossem "anões", apoiando-se naqueles tor- Todavia, não é raro :
navam -se "anões em ombros de gigantes", e, desse modo, viam pelo professor de literaT..:._ :.
mais além do que seus predecessores. petrarquiano quinhentis~.:.
Todas essas observações não são válidas para matérias apli- como Pavese, Bassani, S.:.:-_~ _
cadas e experimentais. Numa tese de psicologia, a alternativa não nasce de uma autêntica--_
é entre O Problema da Percepção em Píaget e O Problema da Per- provêm da falsa impress ~ _
cepção (ainda que algum imprudente quisesse propor um tema mais fácil e agradável.
tão genericamente perigoso). A alternativa para a tese historio- Digamos desde já qc::: _·
gráfica é, antes, a tese experimental: A Percepção das Cores em um difícil. É certo que gere.::~-~:­
Grupo de Crianças Deficientes. Aqui, o discurso muda, pois há reduzida, os textos são c'.~ :·__
o direito de enfrentar experimentalmente uma questão a fim de documentação pode ser : _
obter um método de pesquisa e trabalhar em condições razoáveis romance nas mãos, em--:::: .:.
de laboratório, com a devida assistência. Mas um pesquisador ou se faz uma tese reme:~~ :
experimental imbuído de coragem não começa a controlar a rea- disseram outros críticos :: : _
ção de seus pesquisados sem antes haver executado pelo menos se quisermos, podemos :::_::c
um trabalho panorâmico (exame de estudos análogos já feitos), sobre um petrarquiano c_.:_--
porquanto de outra forma se arriscaria a descobrir a América então apercebemo-nos é:: :__c
e a demonstrar algo já amplamente demonstrado ou a aplicar menos esquemas inter~':·::~_­
métodos que já se revelaram falíveis (embora possa constituir nos referir, enquanto pc.:·:.
objeto de pesquisa o novo controle de um método que ainda não são vagas e contraditóric.o : _
tenha dado resultados satisfatórios). Portanto, uma tese de cará- pela falta de perspecti,-c. :: -:-.
ter experimental não pode ser feita com recursos inteiramente Não há dúvida de m::: : : _
próprios, nem o método pode ser inventado. Mais uma vez se fatigante, uma pesquisa:-::_.
deve partir do princípio de que, se se for um anão inteligente, são menos dispersos e e:cõ~:::·_­
é melhor subir aos ombros de um gigante qualquer, mesmo se tos. Contudo, se a tese feL :::-_~c_
for de altura modesta, ou mesmo de outro anão. Haverá sempre a elaborar uma pesquisa, c : _:- _
ocasião de caminhar por si mesmo, mais tarde. Se, além disso, o es~.:.::.:
temporânea, pode ates:: : _ -
nidade de um confron~: : -
2.3. TEMAS ANTIGOS exercitar o próprio gost: :: _
OU TEMAS CONTEMPORÂNEOS? não se deve deixar esc-:-:._ c
dos grandes escritores c: ~ ~::
Enfrentar essa questão é como reavivar a antiga querelle des jamais fizeram teses sob~=_
anciens et des modernes ... Com efeito, o problema inexiste em ou Foscolo. Não há, dec:::~­
muitas disciplinas (se bem que uma tese de história da literatura quisador pode levar a cc.::
latina possa tratar tão bem de Horácio como da situação dos sobre um autor conter.1._. __
estudos horacianos nas duas últimas décadas). Em compensação, tidão filológica exigidc.' ~ _
é por demais evidente que, quando alguém se forma em história Por outro lado, o;:::·_:_-
da literatura italiana contemporânea, não haja alternativa. plina. Em filosofia, un-:.c. ~-=_c
.~ ESCOLH,~ DO TE~ IA 17

_.:.:~::o-se naqueles to r- Todavia, não é raro o caso do estudante que, aconselhado


-::. desse modo, viam pelo professor de literatura italiana a fazer sua tese sobre um
petrarquiano quinhentista ou sobre um árcade, prefira temas
_::.c.s _?ara matérias apli- como Pavese, Bassani, Sanguineti. Muitas vezes essa escolha
•_: ta, a alternativa não nasce de uma autêntica vocação e é difícil contestá-la. Outras
-.- ~ J Problema da Per- provêm da falsa impressão de que um autor contemporâneo é
--,~~s;:; propor um tema mais fácil e agradável.
- ~ ::'ara a tese historio- Digamos desde já que o autor contemporâneo é sempre mais
-:_- ---~o das Cores em um difícil. É certo que geralmente existe uma bibliografia mais
c._::a::-so muda, pois há reduzida, os textos são de mais fácil acesso, a primeira fase da
: .:.:::a questão a fim de documentação pode ser consultada à beira-mar com um bom
: =-•~ : Jndições razoáveis romance nas mãos, em vez de fechado numa biblioteca. Mas
_ : ~::s um pesquisador ou se faz uma tese remendada, simplesmente repetindo o que
_:-_-_~:a a controlar a rea- disseram outros críticos e então não há mais nada a dizer (e,
- :::~:utado pelo menos se quisermos, podemos fazer uma tese ainda mais remendada
_::_: ~ :.nálogos já feitos), sobre um petrarquiano quinhentista), ou se faz algo de novo, e
_ .::.::scobrir a América então apercebemo-nos de que sobre o autor antigo existem pelo
_-_: :~s~rado ou a aplicar menos esquemas interpretativos seguros aos quais podemos
- -_ : - -~-a possa constituir nos referir, enquanto para o autor moderno as opiniões ainda
·:·_;e~,Jdo que ainda não são vagas e contraditórias, a nossa capacidade crítica é falseada
-.:.::-.~:.uma tese de cará- pela falta de perspectiva e tudo se torna extremamente difícil.
-_ :·:::-x:.-sos inteiramente Não há dúvida de que o autor antigo impõe uma leitura mais
-~.:.::: . .\Iais uma vez se fatigante, uma pesquisa bibliográfica mais atenta, mas os títulos
_ a::-:1 anão inteligente, são menos dispersos e existem quadros bibliográficos já comple-
--~ .:_·Jalquer, mesmo se tos. Contudo, se a tese for entendida como a ocasião para aprender
- ~:-:2.o. Haverá sempre a elaborar uma pesquisa, o autor antigo coloca maiores obstáculos.
-~.:.~·::e. Se, além disso, o estudante inclinar-se para a crítica con-
temporânea, pode a tese constituir-se na derradeira oportu-
nidade de um confronto com a literatura do passado, para
exercitar o próprio gosto e a capacidade de leitura. Eis por que
não se deve deixar escapar semelhante oportunidade. Muitos
dos grandes escritores contemporâneos, mesmo de vanguarda,
~- ::. antiga querelle des jamais fizeram teses sobre Montale ou Pound, mas sobre Dante
::- ~- ::blema inexiste em ou Foscolo. Não há, decerto, regras precisas, e um valente pes-
::. ~ ~-:.:stória da literatura quisador pode levar a cabo uma análise histórica ou estilística
: :::~o da situação dos sobre um autor contemporâneo com a mesma acuidade e exa-
_.:. .:~ . Em compensação, tidão filológica exigidas para um autor antigo.
- -· ~e forma em história Por outro lado, o problema varia de disciplina para disci-
.. : -:.c.ia alternativa. plina. Em filosofia, uma tese sobre Husserl coloca mais entraves
18 CO:\! O SE fAZ lJMA TESE

do que uma sobre Descartes, invertendo-se a relação de "faci- mas aproveitando as ~-=-~ _
lidade" e "leitura": lê-se melhor Pascal que Carnap. chegaria, acumulara r_~ : _
Por isso o único conselho que me sinto capaz de fornecer O ideal, a meu w·
é trabalhe sobre um contemporâneo como se fosse um antigo, e respectivo orientador ~­
vice-versa. Será mais agradável e você fará um trabalho mais sério. estudos. A essa altura.
com as diversas matéc:.:
etc. Uma escolha tão ~::--__ _
2.4. QUANTO TEMPO É REQUERIDO nem irremediável. Ter> c
PARA SE FAZER UMA TESE? compreender que a id:: .: . _
tador e até a discipline_. ::: :
Digamo-lo desde já: não mais de três anos e não menos de seis ano inteiro numa tes:: ': :
meses. Não mais de três anos porque, se nesse prazo não se ceber que, em realidaé:: •c
conseguiu circunscrever o tema e encontrar a documentação porânea não signific2, ~ _~ ·_
necessária, uma destas três coisas terá acontecido: aprendido a formar uc.::.:
e organizar um sumáL: :
1. escolhemos a tese errada, superior às nossas forças; tese serve sobretudo r:.: : :
2. somos do tipo incontentável, que deseja dizer tudo, e con- cientemente do tema L::_
tinuamos a martelar a tese por vinte anos, ao passo que um Escolhendo, assir:~ _ -
estudioso hábil deve ser capaz de ater-se a certos limites, curso, tem-se um bc:~-- :
embora modestos, e dentro deles produzir algo de definitivo; mesmo a viagens de c'~_
3. fomos vítimas da "neurose da tese": deixamo-la de lado, gramas dos exames cc,··
retomamo-la, sentimo-nos irrealizados, entramos num tese de psicologia exp:::-~:--- c
estado de depressão, valemo-nos da tese como álibi para exame de literatura la:~:-_:c
muitas covardias, não nos formamos nunca. caráter filosófico e soe~:_: "
com o professor sobre :c_;:-_
Não menos de seis meses porque, ainda que se queira apre- prescritos, que façarr. ::-__ -
sentar o equivalente a um bom ensaio de revista com não mais do interesse dominac~
de sessenta laudas, entre o plano de trabalho, a pesquisa biblio- cionismos dialéticos c_: :·-
gráfica, a coleta de documentos e a execução do texto passam- preferirá sempre que -
-se facilmente seis meses. Por certo, um estudioso mais maduro e orientado em vez de _:- ·
consegue escrever um ensaio em tempo menor, mas conta com objetivando tão só se:::::_
uma retaguarda de anos e anos de leitura e conhecimentos que Escolher a tese nc -:-:-
o estudante precisa edificar do nada. o tempo suficiente pc.:·.::. : :
Quando se fala em seis meses ou três anos, pensa-se natu- Mas nada impeé.c :__
ralmente não no tempo da redação definitiva, que pode levar depois, se se aceitar .: . _::. ~
um mês ou quinze dias, segundo o método adotado; pensa-se curso. Nada, porém, <L: ·
naquele período entre o surgimento da primeira ideia da tese Até porque uma -=- : _ -
e sua apresentação final. Pode suceder, também, que o estu- com o orientador, nos_::·__
dante trabalhe efetivamente na tese durante um ano apenas, o mestre, mas porqu:: :: _:
A ESCOLHA DO TE:V!A 19

_ ~~~ação de "faci- mas aproveitando as ideias e as leituras que, sem saber onde
- -~-=~ap. chegaria, acumulara nos dois anos precedentes.
: :. : c.z de fornecer O ideal, a meu ver, seria escolher a tese (com o auxílio do
-- .,-~ um antigo, e respectivo orientador) por volta do final do segundo ano de
-... ~.:.lho mais sério. estudos. A essa altura, o estudante já está mais familiarizado
com as diversas matérias, inteirado do tema, das dificuldades
etc. Uma escolha tão tempestiva não é nem comprometedora
nem irremediável. Tem -se ainda muito tempo pela frente para
compreender que a ideia não era boa e mudar o tema, o orien-
tador e até a disciplina. E convém não esquecer que gastar um
'- 'ílenos de seis ano inteiro numa tese sobre literatura grega para depois per-
'~ 'Jrazo não se
ceber que, em realidade, se prefere uma sobre história contem-
_ ~:;cumentação porânea não significa total perda de tempo: ter-se-á ao menos
aprendido a formar uma bibliografia básica, a fichar um texto
e organizar um sumário. Recorde-se o que foi dito em 1.3.: uma
- tese serve sobretudo para ensinar a coordenar ideias, indepen-
• • C.' ::.orças;
::..=::~· tudo, e con- dentemente do tema tratado.
: : ~~asso que um Escolhendo, assim, a tese aí pelo fim do segundo ano do
c :_ :;;>rtos limites,
curso, tem -se um bom prazo para se dedicar à pesquisa e
_ ~-,;:: de definitivo; mesmo a viagens de estudo. Pode-se ainda escolher os pro-
=-=~~o-la de lado, gramas dos exames com vistas à tese. É claro que, se fizer uma
c:.~ra1nos num
tese de psicologia experimental, seria difícil conciliá-la com um
~ :::--:::.o álibi para exame de literatura latina; mas em muitas outras disciplinas de
caráter filosófico e sociológico é possível chegar-se a um acordo
com o professor sobre alguns textos, talvez em substituição aos
-: •:: queira apre- prescritos, que façam inserir a matéria do exame no âmbito
::;. :om não mais do interesse dominante. Quando isso é possível sem contor-
-; -:squisa biblio- cionismos dialéticos ou truques pueris, um mestre inteligente
.:.: :::xto passam- preferirá sempre que o aluno prepare um exame "motivado"
--:':· 2nais maduro e orientado em vez de um exame casual, forçado, sem paixão,
__ :::',as conta corn objetivando tão só superar um obstáculo irremovível.
_:·_":-_~·:imentos que Escolher a tese no fim do segundo ano significa, pois, ter
o tempo suficiente para se formar no prazo ideal.
__ • ·::;ensa-se natu- Mas nada impede que a tese seja escolhida antes. Nem
~ ::ue pode levar depois, se se aceitar a ideia de gastar mais algum tempo no
_~ -:ado; pensa-se curso. Nada, porém, aconselha a escolhê-la demasiado tarde.
-- -:::a ideia da tese Até porque uma boa tese deve ser discutida passo a passo
- ~ ~::n, que o estu- com o orientador, nos limites do possível. E não para lisonjear
--: .::n ano apenas, o mestre, mas porque escrever uma tese é como escrever um
20 COMO SE FAZ VMr\ TESE

livro, é um exercício de comunicação que presume a existên- tudo o que precise, ::: ~
cia de um público: e o orientador é a única amostra de público das restaurações Dê- ~ _
competente à disposição do aluno no curso de seu trabalho. arquivos locais. D~~:
Uma tese de última hora obriga o orientador a devorar rapida- uma hipótese, e pc:~_:­
mente os capítulos ou a obra já pronta. Caso a veja no último cura fazer uma te~~ : _
momento e não goste, poderá criar dificuldades ao candidato com o projeto, dey,: ~-=-­
na banca examinadora, com resultados bem desagradáveis. é válida. E mais: éc:- ~
Desagradáveis também para ele, que nunca deveria chegar à víncia italiana de ---~ ~:
banca com uma tese que não lhe agrade. Isso é motivo de des- tido uma péssimc. ~-=-~
crédito para qualquer orientador. Se este perceber que as coisas documentos dispo=~~ :
vão mal, deve aconselhar o candidato a partir para uma nova vais inéditos, dew:·ç~ :
tese ou esperar um pouco. Caso o estudante, apesar dos con- dispor de uma téc::_~: ~
selhos, ache que o orientador está errado ou que o tempo lhe E eis que o tema,\--..:~:
é adverso, ver-se-á da mesma maneira às voltas com uma dis- contrário, descuk ~ :
cussão tempestuosa, mas ao menos estará prevenido. partir do século xY:::
De todas essas observações, deduz-se que a tese de seis Outro exemp~,: ~
meses, mesmo admitida a título de mal menor, não representa temporâneo que es::"':
de forma alguma o optimum (a menos que, como se disse, o ensaios. Todos foc· _:
tema escolhido nos últimos seis meses permita a utilização da piani. Imaginemos -~-­
experiência adquirida nos anos precedentes). Capria e a Críticn ~-­
Todavia, há casos que precisam ser solucionados em seis costuma ter, em se_:' _
meses. É então que se deve procurar um tema capaz de ser os artigos e críticas -; _:
abordado de maneira séria e digna em tão reduzido lapso de umas poucas idas "- ~ : _
tempo. Gostaria que todo esse discurso não fosse tomado em mento da totalida_c~ : _
sentido muito "comercial", como se estivéssemos vendendo o autor está vivo, ::: : ' •
"teses de seis meses" ou "teses de seis anos" a preços diferen- outras indicações-=-~~ __
tes e para qualquer tipo de cliente. Mas não resta dúvida que é dos textos desejaé.:'
possível ter uma boa tese de seis meses. me remeterá a oc_:~:
Seus requisitos são: ou contraposto. C : _
razoável. Além di:'' :
1. o tema deve ser circunscrito; algum interesse pe~-' _
2. o tema deve ser, se possível, atual, não exigindo bibliografia que minha decis2.~ ::_
que remonte aos gregos; ou deve ser tema marginal, sobre mente ao mesmo :~::- _
o qual pouca coisa foi escrita; Outra tese de ':
3. todos os documentos devem estar disponíveis num local Guerra Mundial : _: ~
determinado, onde a consulta seja fácil. mos Cinco Anos. -:=-.:__
wdos os livros de ~--­
Vamos a alguns exemplos. Se escolho para tema A Igreja de ~ivros didáticos nL
Santa Maria do Castelo de Alexandria, posso esperar encontrar ~;ias à mão, desco-=-~-~- -
A ESCOLHA DO TEMA 21

~ _: ":'~·çsume a existên- tudo o que preciso para reconstruir a história e as peripécias


--: :. :,:-:.1ostra de público das restaurações na biblioteca municipal de Alexandria e nos
: _>~ de seu trabalho. arquivos locais. Digo "posso esperar" porque estou fazendo
·_:.::·a devorar rapida- uma hipótese, e ponho-me na situação do estudante que pro-
~ :.' a veja no último cura fazer uma tese de seis meses. Antes, porém, de ir avante
· . _:.::des ao candidato com o projeto, devo informar-me para verificar se tal hipótese
~ -::11 desagradáveis. é válida. E mais: deverei ser um estudante que mora na pro-
... :2. deveria chegar à
víncia italiana de Alexandria; se moro em Caltanissetta, terei
:'' ' é motivo de des- tido uma péssima ideia. E há outro "mas': Caso haja alguns
' :. < :<:ber que as coisas documentos disponíveis, mas na forma de manuscritos medie-
_· ~:·~:r para uma nova vais inéditos, deverei conhecer um pouco de paleologia, isto é,
~ __ ~ ~2. apesar dos con-
dispor de uma técnica de leitura e decifração de manuscritos.
• .: que o tempo lhe E eis que o tema, que parecia tão fácil, se torna difícil. Se, pelo
--::tas com uma dis- contrário, descubro que tudo já foi publicado, pelo menos a
~ :'~·çyenido.
partir do século xvm, sinto-me mais seguro.
~- '~ ':J.ue a tese de seis
Outro exemplo: Raffaele La Capria é um escritor con-
. __ ·_ -::~or, não representa temporâneo que escreveu apenas três romances e um livro de
:_c:. ,:orno se disse, o ensaios. Todos foram publicados pelo mesmo editor, Bom-
, :: :-:'.i ta a utilização da piani. Imaginemos uma tese com o título A Obra de Raffaele La
Capria e a Crítica Italiana Contemporânea. Como todo editor
· : ~ _:.cionados em seis costuma ter, em seus arquivos, recortes de jornais com todos
:·_-_ ::-:ma capaz de ser os artigos e críticas publicados sobre o autor, posso esperar que
:·eduzido lapso de umas poucas idas à editora, em Milão, bastem para um ficha-
_- '--~· tosse tomado em menta da totalidade dos textos que me interessam. Ademais,
- -_- ~ssemos vendendo o autor está vivo, posso escrever-lhe ou entrevistá-lo, obtendo
·_ : .: a preços diferen- outras indicações bibliográficas e, com toda certeza, fotocópias
· ~: resta dúvida que é dos textos desejados. Naturalmente, um dado ensaio crítico
me remeterá a outros autores a que La Capria é comparado
ou contraposto. O campo se dilata um pouco, mas de modo
razoável. Além disso, se escolhi La Capria, é porque já tinha
algum interesse pela literatura italiana contemporânea, sem o
· · ~:,:igindo bibliografia que minha decisão teria sido tomada cínica, fria e arriscada-
: _ ~c::T:.a marginal, sobre mente ao mesmo tempo.
Outra tese de seis meses: A Interpretação da Segunda
:.:'poníveis num local Guerra Mundial nos Livros Para o Curso Secundário dos Últi-
·1 mos Cinco Anos. Talvez seja um pouco complicado assinalar
=--=-.:~L
todos os livros de história em circulação, mas as editoras de
• :-ara tema A Igreja de livros didáticos não são tantas assim. Com os textos e as fotocó-
: : .::so esperar encontrar pias à mão, descobre-se que o trabalho ocupará poucas páginas
22 COMO SE FAZ UMA TESE

e que a comparação pode ser feita, e bem, em pouco tempo. Se sobre um dado as'_:-
Naturalmente, não se pode julgar a maneira como um livro e o candidato não sabe"-~~=­
aborda a Segunda Guerra Mundial sem um confronto entre pedindo-se a alguém q:..:.~ :
esse discurso específico e o quadro histórico geral que o livro siderados mais importe:_:·_-::
oferece; exige-se, pois, um trabalho mais aprofundado. Tam- muito naquele livro, que: =~~
bém não se pode começar sem antes adotar como parâmetro inserido na bibliografi2.. -; :
uma meia dúzia de histórias sérias da Segunda Guerra Mun- Mas todos esses p:·:: _
dial. Mas é claro que se eliminássemos todas essas formas de principal é: preciso esccc_·· :
controle crítico, a tese poderia ser feita não em seis meses, mas cimento de línguas que::.:_·
numa semana, e então já não seria uma tese, porém um artigo der. Muitas vezes escoL-.::-:
de jornal- arguto e brilhante até, mas incapaz de documentar se vai correr. Examine r::·_: _
a capacidade de pesquisa do candidato. 1) Não se pode faze · .
Caso se queira fazer uma tese de seis meses gastando ape- este não for lido no ori;:' -
nas uma hora por dia, então é inútil continuar a discutir. Lem- tar de um poeta, mas r:·_..:._~
bremos os conselhos dados no parágrafo 1.2. Copiem uma tese Kant, Freud ou Adam S:·_-__
qualquer e pronto. Mas não o é, e por de.' _
todas as obras daquele.:..:.~
um escrito menor coe::_:
2.5. É NECESSÁRIO SABER LÍNGUAS ESTRANGEIRAS? menta ou de sua forrr. .:.: ~
parte da bibliografia se·:::
Este parágrafo não se dirige àqueles que preparam teses sobre sua própria língua, e. '= :
línguas ou literaturas estrangeiras. Com efeito, é absolutamente suceder a seus intérprc~::'
desejável que eles conheçam a língua sobre a qual vão discor- fazem justiça ao pens2-:~~==­
rer. Igualmente desejável seria que, no caso de uma tese sobre fica exatamente redes-:>:·=:_
um autor francês, ela fosse escrita em francês. Acontece isso as traduções e divulgac'-: •
em muitas universidades estrangeiras, e é justo. tese significa ir além dê.' ~: _
Mas figuremos o problema daqueles que preparam teses escolares, do tipo "F os::_
em filosofia, sociologia, direito, ciências políticas, história, ciên- ou "Platão é idealista c.-.:~
cias naturais. Há sempre a necessidade de ler um livro escrito defende o coração e D;:' : :
em outra língua, mesmo que a tese trate de Dante ou do Renas- 2) Não se pode fa:c:
cimento, pois ilustres estudiosos desses temas escreveram em as obras mais importcu:~,-.- ·
inglês ou alemão. gua que ignoramos. C:~: -::-
Em casos como esse, geralmente se aproveita a oportu- e nada do francês nãc 2'~-­
nidade da tese para começar o aprendizado de uma língua ~'-.Jietzsche, que, no en~.:.=--~:
estrangeira. Motivado pelo tema e com um pouco de esforço de dez anos para cá, 2-~; _:-_
começa-se a compreender qualquer coisa. Muitas vezes é assim zações de Nietzsche ic :· .:.:
que se aprende uma língua. Via de regra não se chega a falá-la, '11esmo vale para Fre-..:.:.
mas consegue-se lê-la com muita proficiência. O que é melhor sem levar em conta c::·_:
do que nada. _:os estruturalistas f r 2.:·_::.,
o-\ ESCOLHA DO TEMA 23

_ -: "='em, em pouco tempo. Se sobre um dado assunto existe apenas um livro em alemão
- ::. :-:1aneira como um livro e o candidato não sabe alemão, o problema poderá ser resolvido
~-~- '"0:11 um confronto entre pedindo-se a alguém que o saiba para ler alguns capítulos con-
: :-.~s:órico geral que o livro
o siderados mais importantes: será mais honesto não se basear
:-:'.ais aprofundado. Tam- muito naquele livro, que, não obstante, poderá ser legitimamente
~~~:e' ::.dotar como parâmetro inserido na bibliografia, pois foi efetivamente consultado.
_' ::..:: Segunda Guerra Mun- Mas todos esses problemas são secundários. O problema
o : s todas essas formas de
:-:·_ , principal é: preciso escolher uma tese que não implique o conhe-
_ :·=~~::. .:1ào em seis meses, mas cimento de línguas que não sei ou que não estou disposto a apren-
~ .:.:-:~a tese, porém um artigo der. Muitas vezes escolhe-se uma tese ignorando os riscos que
:-:·_ ;_, incapaz de documentar se vai correr. Examinemos alguns elementos imprescindíveis:
1) Não se pode fazer uma tese sobre um autor estrangeiro se
: :::- seis meses gastando ape- este não for lido no original. A coisa parece evidente ao se tra-
-·:._ : :~ntinuar a discutir. Lem- tar de um poeta, mas muitos supõem que para uma tese sobre
-- :.;:-:.io 1.2. Copiem uma tese Kant, Freud ou Adam Smith tal precaução seja desnecessária.
Mas não o é, e por duas razões: nem sempre se traduziram
todas as obras daquele autor, e às vezes o desconhecimento de
um escrito menor compromete a compreensão de seu pensa-
- ~ -_-_-\S ESTRANGEIRAS? mento ou de sua formação intelectual; em seguida, a maior
parte da bibliografia sobre determinado autor está escrita em
:o :e' -=~~e preparam teses sobre sua própria língua, e, se ele é traduzido, o mesmo pode não
=: ::1 efeito, é absolutamente suceder a seus intérpretes; por fim, nem sempre as traduções
---~-o::. sobre a qual vão discar- fazem justiça ao pensamento do autor, e fazer uma tese signi-
-: -__:_, caso de uma tese sobre fica exatamente redescobrir esse pensamento original lá onde
o-_ -:::: francês. Acontece isso as traduções e divulgações de todo tipo o falsearam; fazer uma
;: __ .:s. e é justo. tese significa ir além das fórmulas popularizadas pelos manuais
::. :_ -~e~es que preparam teses escolares, do tipo "Foscolo é clássico e Leopardi é romântico"
::- :~.::s políticas, história, ciên- ou "Platão é idealista e Aristóteles é realistà' ou, ainda, "Pascal
' _.::..::~e de ler um livro escrito defende o coração e Descartes a razão".
•: ~=o ;:.:c de Dante ou do Renas- 2) Não se pode fazer uma tese sobre determinado assunto se
:-:<ses temas escreveram em as obras mais importantes a seu respeito foram escritas numa lín-
gua que ignoramos. Um estudante que soubesse bem o alemão
se aproveita a oportu-
_-_-o::~~c: e nada do francês não estaria à altura, hoje, de discorrer sobre
.:~·:·c:adizado
de uma língua Nietzsche, que, no entanto, escreveu em alemão, e isso porque,
_ : : J:n um pouco de esforço de dez anos para cá, algumas das mais interessantes revalori-
o··=~ :,Jisa. Muitas vezes é assim zações de Nietzsche foram compostas em língua francesa. O
-: :.-::gra não se chega a falá-la, mesmo vale para Freud: seria difícil reler o mestre vienense
o_ :- :· :::l.ciência. O que é melhor sem levar em conta o trabalho dos revisionistas americanos e
dos estruturalistas franceses.
24 COMO SE FAZ UMA TESE

3) Não se pode jazer uma tese sobre um autor ou sobre um no país em qr.ê"'-
tema lendo apenas as obras escritas nas línguas que conhece- mos aqui da:· : •
mos. Quem nos assegura que a obra decisiva não está escrita na recursos.
única língua que ignoramos? Sem dúvida, considerações dessa Admitam•'
espécie podem conduzir-nos à neurose, e convém avançar com conciliadora. S__-
bom -senso. Há regras de exatidão científica segundo as quais blema da per c::; :
é lícito, se sobre um autor inglês foi escrita qualquer coisa em conhece língc,
japonês, advertir que se sabe da existência daquele estudo, mas (ou tem bloc_.~
que ele não foi lido. Essa "licença de ignorar" se estende, em o sueco em c::·_-_~
regra geral, às línguas não ocidentais e eslavas, de modo que razoavelmen tê
muitos estudos sobre Marx, bastante sérios, admitem não se ter econômicos, c:
tomado conhecimento das obras escritas em russo. Em casos está sinceram:::·_-c
assim, entretanto, o estudioso honesto sempre poderá saber (e a faculdade
demonstrá-lo) o que disseram em síntese aquelas obras, pois o tema e aprc·_ •
existem excertos e alusões disponíveis. Geralmente, as revis- pensar nesse :O'~_
tas científicas soviéticas, búlgaras, tchecoslovacas, israelenses Pois bem. ::_c
etc. fornecem sumários de seus artigos em inglês ou francês. mas da Percep :.' _
Assim, mesmo trabalhando com um autor francês, pode não tivas em Algu' _ -
ser necessário saber o russo, mas é indispensável ler pelo menos de tudo, traça: _
o inglês, para superar os obstáculos. assunto sobre : :
Conclui-se, pois, que antes de estabelecer o tema de uma desde Olho e ·-~ _
tese é preciso dar uma olhada na bibliografia existente e avaliar cologia da for:-:_ ·
se não existem dificuldades linguísticas significativas. enfocar a terr. .:.~::
Alguns casos são a priori evidentes. É impensável partir gestáltica, Go:-.:·_:
para uma tese sobre filologia grega sem saber o alemão, pois wsky para os c: _
é nessa língua que estão escritos alguns dos mais importantes lógico. Esses L'~:
estudos sobre a matéria. a relação entre: - _
Como quer que seja, a tese se presta a um aprendizado imagens. Pare. ':-
ligeiro da terminologia geral nas línguas ocidentais, pois mas obras aux~~­
mesmo que não se saiba ler o russo, pode-se ao menos reconhe- essas três pers:: ~ •
cer os caracteres cirílicos e descobrir se um dado livro trata de os dados prob~::­
arte ou de ciência. Aprende-se o alfabeto cirílico numa assen- cular talvez pr ~ -
ta da, e saber que iskusstvo significa arte e nauka significa ciên- (por exemplo. :
cia é mera questão de comparar títulos. Não é preciso ficar cesca) e enric_·..:.~:
assustado; a tese deve ser entendida como uma ocasião única que recolheu. =
para fazer alguns exercícios que nos servirão por toda a vida. ficando a meic :
Tais observações não levam em conta o fato de que o gráfica, mas te:_
melhor a fazer, caso se imponha o confronto com uma biblio- ções italianas. ·=
grafia estrangeira, é arrumar as malas e passar algum tempo Panowsky intc:
A ESCOLHA DO TDIA 25

-_- ·· ou sobre um no país em questão. Tal solução seria dispendiosa, e procura-


-~é c]Ue conhece- mos aqui dar conselhos também aos estudantes carentes de
-_~: ~stá escrita na recursos.
__ '~ ::.erações dessa Admitamos, portanto, uma derradeira hipótese, a mais
-~ -~~ avançar com conciliadora. Suponhamos um estudante interessado no pro-
: ;·~ndo as quais blema da percepção visual aplicada à temática da arte. Ele não
_~ ~--='Jer coisa em conhece línguas estrangeiras e não tem tempo de aprendê-las
: .:.:::.0: estudo, mas (ou tem bloqueios psicológicos: há pessoas que aprendem
_ ':: estende, em o sueco em uma semana e outras que não conseguem falar
-~, ::.e modo que razoavelmente o francês em dez anos). Ademais, por motivos
::·:·-~~em não se ter econômicos, deve apresentar uma tese de seis meses. Todavia,
- _:'50. Em casos está sinceramente interessado naquele assunto, quer concluir
-~:: xlerá saber (e a faculdade para começar a trabalhar e espera um dia retomar
: _:~o:s obras, pois o tema e aprofundá-lo mais calmamente. Devemos também
--=-=~ -:nte, as revis- pensar nesse estudante.
- ~ ~ .:.s. israelenses Pois bem, ele pode propor-se um tema do tipo Os Proble-
--:~~sou francês. mas da Percepção Visual em Suas Relações Com as Artes Figura-
-~=--~~s, pode não tivas em Alguns Autores Contemporâneos. Será oportuno, antes
:_~=~-pelo menos de tudo, traçar um quadro da problemática psicológica no tema,
assunto sobre o qual abundam obras traduzidas para o italiano,
:: : ~ema de uma desde Olho e Cérebro, de Gregory, aos textos maiores da psi-
:::_,~ente e avaliar cologia da forma e da psicologia transacional. Depois, pode-se
_:-_: :~lYas. enfocar a temática de três autores: Arnheim para a abordagem
- ~- o:::1sável partir gestáltica, Gombrich para a semiótico-informacional e Pano-
- c.lemão, pois wsky para os ensaios sobre perspectiva do ponto de vista icono-
-~ ~~s importantes lógico. Esses três autores debatem a fundo, e sob ópticas diversas,
a relação entre naturalidade e "culturalidade" da percepção das
_=~~ aprendizado imagens. Para situá-los num fundo panorâmico, existem algu-
: ~:2entais, pois mas obras auxiliares, como as de Gillo Dorfles. Uma vez traçadas
:·:-_enos reconhe- essas três perspectivas, o estudante poderá também tentar reler
: :_ :_: livro trata de os dados problemáticos obtidos à luz de uma obra de arte parti-
__ : .: :1uma assen- cular talvez propondo novamente uma interpretação já clássica
- significa ciên- (por exemplo, o modo como Longhi analisa Piero della Fran-
.: e preciso ficar cesca) e enriquecendo-a com os dados mais "contemporâneos"
_::ocasião única que recolheu. O produto acabado não terá nada de original,
: : :· toda a vida. ficando a meio caminho entre a tese panorâmica e a tese mono-
:·ato de que o gráfica, mas terá sido possível elaborá-lo com base em tradu-
:: :n uma biblio- ções italianas. O estudante não será reprovado por não ter lido
- :~· algum tempo Panowsky inteiro, ou mesmo o material disponível em alemão
26 CO!'v!O SE FAZ UMA TESE

ou inglês, pois a tese não é sobre Panowsky, mas sobre um pro- 2.6.1. Que é a cientifici -~-
blema em que o recurso a Panowsky é apenas eventual, à guisa
de referência a certas questões. Para alguns, a ciência ':C_
Como ficou dito no parágrafo 2.1., esse tipo de tese não é o com a pesquisa em bc_'~
mais aconselhável, por sujeitar-se à incompletude e à generali- científica se não for co~·_.:_
zação: insistimos em que se trata de um exemplo de tese de seis Sob esse ponto de viste. ~­
meses para estudantes interessados em recolher com urgência quisa a respeito da rnc· ~­
dados preliminares acerca de um problema qualquer. É uma seria um estudo sobre ~ -
solução apressada, mas que pode ser resolvida de maneira pelo neses por ocasião dare~ __
menos digna. é esse o sentido que se :.:.
Em todo caso, não se sabendo outras línguas e na impossibi- des. Tentemos, pois, é::='_
lidade de aproveitar a preciosa ocasião da tese para aprendê-las, chamar-se científico e~~-- -
a solução mais razoável é trabalhar sobre um tema especifica- O modelo podere_ ~~-­
mente pátrio, que não remeta a literaturas estrangeiras, bastando tal como foram aprese:~~_
o recurso a uns poucos textos já traduzidos. Assim, quem pre- estudo é científico qu.:_:·_ ~
tendesse falar dos Modelos do Romance Histórico na Obra Nar- 1) O estudo deb~-.:: _
rativa de Garibaldi deveria, é claro, ter algumas noções básicas definido de tal mane; :
sobre as origens do romance histórico e sobre Walter Scott (além, outros. O termo "obie~.
naturalmente, da polêmica oitocentista italiana sobre o mesmo ficado físico. A raiz c_ _:
tema), mas poderia encontrar algumas obras de consulta em lín- ninguém jamais a ter:":-.~
gua italiana e, também nela, ao menos os livros mais famosos de estudo, ainda que alg.::·_
Scott. Menores seriam ainda os problemas de um assunto como conhecem indivíduos : _
A Influência de Guerrazzi na Cultura Renascentista Italiana. Isso, priamente ditas. Ma' :·-
é óbvio, sem jamais partir de otimismos preconcebidos, sendo os números inteiros s ... :
ainda conveniente investigar bem a bibliografia para ver quais tico pode muito bec ':
autores estrangeiros trataram tal tema. nir o objeto signific2. -::·_
podemos falar, com·: .:_c
ou que outros estabe~::::
2.6. TESE "CIENTÍFICA'' OU TESE POLÍTICA? com base nas quais c~-­
ser reconhecido onée ~
Após a contestação estudantil de 1968, frutificou a opinião de que lecido as regras de r e: :
não se deve fazer teses "culturais" ou livrescas, mas teses direta- que surgirão problec_'
mente ligadas a interesses políticos e sociais. Se tal é o caso, então um ser fantástico, '>= :··_
o título deste parágrafo é provocador e equívoco, pois faz pensar nião geral. Temos a c_.:..
que uma tese "políticà' não é "científicà'. Ora, fala-se frequen- podemos falar dos c c~-
temente nas universidades em ciência, cientificismo, pesquisa mitologia clássica, ce :·
científica, valor científico de um trabalho, e semelhantes termos camente reconhech·e~ :
podem ensejar equívocos involuntários, seja por mistificação ou com textos (verbais : _
por suspeitas ilícitas de mumificação da cultura. Tratar-se-á, então, C:::
ESCOLK', DO TE~ L\

: : ::'re um pro- 2.6.1. Que é a cientificidade?


:~~ ~ual, à guisa
Para alguns, a ciência se identifica com as ciências naturais ou
::_: ~ese não é o com a pesquisa em bases quantitativas: uma pesquisa não é
::_::à generali- científica se não for conduzida mediante fórmulas e diagramas.
~: tese de seis Sob esse ponto de vista, portanto, não seria científica uma pes-
~ • : : :n urgência quisa a respeito da moral em Aristóteles; mas também não o
~ -~=--~er. É uma seria um estudo sobre consciência de classe e levantes campo-
::_: :-.:~aneira pelo neses por ocasião da reforma protestante. Evidentemente, não
é esse o sentido que se dá ao termo "científico" nas universida-
: :~~"' impossibi- des. Tentemos, pois, definir a que título um trabalho merece
. ~:~:_prendê-las, chamar-se científico em sentido lato .
~::~~:_ especifica- O modelo poderá muito bem ser o das ciências naturais
;::::·as, bastando tal como foram apresentadas desde o começo do século. Um
::-.:~. quem pre- estudo é científico quando responde aos seguintes requisitos:
_; Obra Nar- 1) O estudo debruça-se sobre um objeto reconhecível e
• :~~: ~ões básicas definido de tal maneira que seja reconhecível igualmente pelos
-~=::· Scott (além, outros. O termo "objeto" não tem necessariamente um signi-
• _~:·e o mesmo ficado físico. A raiz quadrada também é um objeto, embora
:: =~ 'CLlta em lín- ninguém jamais a tenha visto. A classe social é um objeto de
~~ .:.:' famosos de estudo, ainda que algumas pessoas possam objetar que só se
-~ :'.'SUnto COlllO conhecem indivíduos ou médias estatísticas e não classes pro-
~ ~ ~:,<liana. Isso, priamente ditas. Mas, nesse sentido, nem a classe de todos
::::_idos, sendo os números inteiros superiores a 3725, de que um matemá-
: _ ~- .:.c· a ver quais tico pode muito bem se ocupar, teria realidade física. Defi-
nir o objeto significa então definir as condições sob as quais
podemos falar, com base em certas regras que estabelecemos
ou que outros estabeleceram antes de nós. Se fixarmos regras
com base nas quais um número inteiro superior a 3725 possa
ser reconhecido onde quer que se encontre, teremos estabe-
_: : :::_~nião de que lecido as regras de reconhecimento de nosso objeto. É claro
~~ ~ "'' ~eses direta- que surgirão problemas se, por exemplo, tivermos de falar de
~ -~ : : caso, então um ser fantástico, como o centauro, cuja inexistência é opi-
:· :is faz pensar nião geral. Temos aqui três alternativas. Em primeiro lugar,
:::.:.-se frequen- podemos falar dos centauros tal como estão representados na
- ::,::10, pesquisa mitologia clássica, de modo que nosso objeto se torna publi-
- :~-~'mtes termos camente reconhecível e identificável, porquanto trabalhamos
~ ~ :~:stificação ou com textos (verbais ou visuais) em que se fala de centauros.
Tratar-se-á, então, de dizer quais as características que deve
28 COMO SE FAZ UMA TESE

ter um ente de que fala a mitologia clássica para ser reconhe- científico, mas uc_:_
cido como centauro. métodos conhecié,: ' :
Em segundo lugar, podemos ainda decidir levar a cabo uma algumas modestas:::
pesquisa hipotética sobre as características que, num mundo Apenas uma c: :c
possível (não o real), uma criatura viva deveria revestir para compilação só terr_ :::_
poder ser um centauro. Temos então de definir as condições de parecido naque::
de subsistência desse mundo possível, sem jamais esquecer que sobre sistemas de :::-
todo o nosso estudo se desenvolve no âmbito daquela hipótese. outra igual é pura -; ::
Caso nos mantenhamos rigorosamente fiéis à premissa origi- 3) O estudo de: : .
nal, estaremos à altura de falar num "objeto" com possibilidades sente nova descobc::-- _
de tornar-se objeto de pesquisa científica. elementares é útL. -_-:
Em terceiro lugar, podemos concluir que já possuímos uma carta inédita.=.-::
provas suficientes para demonstrar que os centauros existem Um trabalho é cie:·_:
de fato. Nesse caso, para constituirmos um objeto viável de acrescentar algo c.: :
discurso, deveremos coletar provas (esqueletos, fragmentos futuros trabalhos s: -:
ósseos, fósseis, fotografias infravermelhas dos bosques da Gré- conta, ao menos e:-::-_ -c
cia ou o mais que seja), para que também os outros concordem tífica se mede pele, ~- _
que, absurda ou correta, nossa hipótese apresenta algo sobre o ção estabelece. Hc. : -
qual se possa refletir. se não as tiverem ~ :·_-_
Naturalmente, esse exemplo é paradoxal, e não creio que vá há outras que os e,: __ :
alguém fazer teses sobre centauros, em especial no que respeita não o fizerem, o n:.: :-. :
à terceira alternativa; o que pretendi foi mostrar como se pode ram-se cartas que-~--­
sempre constituir um objeto de pesquisa reconhecível publica- problemas sexuais . ~ _
mente sob certas condições. E, se pode ser feito com centauros, personagem Moll-- _:: _
por que não com noções como comportamento moral, desejos, do conhecimentc ::-:
valores ou a ideia de progresso histórico? à esposa uma se:> __
2) O estudo deve dizer do objeto algo que ainda não foi dito Molly. Trata-se, F: :
ou rever sob uma óptica diferente o que já se disse. Um traba- Por outro lado, c :-
lho matematicamente exato visando demonstrar com métodos em que a perso.c.c.~:
tradicionais o teorema de Pitágoras não seria científico, uma o recurso àquele' :__
vez que nada acrescentaria ao que já sabemos. Tratar-se-ia, no contribuição dis-;: ·
máximo, de um bom trabalho de divulgação, como um manual Stephen Hera, a r:·::·_--
que ensinasse a construir uma casinha de cachorro usando Artista Quando ,-c- ,
madeira, pregos, serrote e martelo. Como já dissemos em 1.1., tal tê-lo em conte. :- __
mesmo uma tese de compilação pode ser cientificamente útil escritor irlandês. ::::.
na medida em que o compilador reuniu e relacionou de modo Analogamer:.::
orgânico as opiniões já expressas por outros sobre o mesmo daqueles documç:-:-
tema. Da mesma maneira, um manual de instruções sobre sito de rigorosíss::~
como fazer uma casinha de cachorro não constitui trabalho lavanderia''. São ~c:: -
A ESCOLHA DO TEMA 29

__ ê_ ser reconhe- científico, mas uma obra que confronte e discuta todos os
métodos conhecidos para construir o dito objeto já apresenta
_:--~~-a cabo uma algumas modestas pretensões à cientificidade.
: _: :1um mundo Apenas uma coisa cumpre ter presente: um trabalho de
- :·evestir para compilação só tem utilidade científica se ainda não existir nada
· · .~- ?.s condições de parecido naquele campo. Havendo já obras comparativas
__ , esquecer que sobre sistemas de construção de casinhas de cachorro, fazer
.: __ =~ela hipótese. outra igual é pura perda de tempo, quando não plágio .
c-~ e:nissa origi- 3) O estudo deve ser útil aos demais. Um artigo que apre-
·_·_ ~- .)Ssibilidades sente nova descoberta sobre o comportamento das partículas
elementares é útil. Um artigo que narre como foi descoberta
possuímos uma carta inédita de Leopardi e a transcreva na íntegra é útil.
c ·_: :. ~ros existem Um trabalho é científico se (observados os requisitos 1 e 2)
:-e to viável de acrescentar algo ao que a comunidade já sabia, e se todos os
- ' iragmentos futuros trabalhos sobre o mesmo tema tiverem que levá-lo em
: '::ues da Gré- conta, ao menos em teoria. Naturalmente, a importância cien-
-. : ' concordem tífica se mede pelo grau de indispensabilidade que a contribui-
c -::.algo sobre o ção estabelece. Há contribuições após as quais os estudiosos,
se não as tiverem em conta, nada poderão dizer de positivo. E
- · :. -:rei o que vá há outras que os estudiosos fariam bem em considerar, mas, se
___ . : .J_Ue respeita não o fizerem, o mundo não se acabará. Recentemente, publica-
_ : :m.o se pode ram-se cartas que James Joyce escreveu à esposa sobre picantes
_· : ::wl publica- problemas sexuais. Por certo, quem estudar amanhã a gênese da
: : ::: centauros, personagem Molly Bloom no Ulisses, de Joyce, poderá valer-se
~-- .:nl, desejos, do conhecimento de que, em sua vida privada, Joyce atribuía
à esposa uma sensualidade vivaz e desenvolvida como a de
c : não foi dito Molly. Trata -se, portanto, de uma útil contribuição científica.
-~""'·Um traba- Por outro lado, existem admiráveis interpretações do Ulisses
-_ :x.o métodos em que a personagem Molly foi focalizada com exatidão sem
_ ::e:1tífico, uma o recurso àqueles dados. Trata-se, por conseguinte, de uma
-::-_ :.tar-se-ia, no contribuição dispensável. Ao contrário, quando se publicou
__ -_: J um manual Stephen Hera, a primeira versão do romance de Joyce Retrato do
::-.,orro usando Artista Quando Jovem, todos concordaram que era fundamen-
:_"e:nos em 1.1., tal tê-lo em conta para a compreensão do desenvolvimento do
- ::::=.:amente útil escritor irlandês. Era uma contribuição científica indispensável.
::::·,ou de modo Analogamente, qualquer um poderia trazer à luz um
' : :>re o mesmo daqueles documentos, frequentemente ironizados, a propó-
_- '=~--ctções sobre sito de rigorosíssimos filólogos alemães, chamados "notas de
- :>~:tui trabalho lavanderia''. São textos de valor ínfimo, notas que o autor haYia
30 COMO SE FAZ UMA TESE

tornado das despesas a serem feitas naquele dia. Às vezes, dados (mas, então, deverei~~--:
desse gênero também são úteis, pois podem conferir um tom a considerar certas :.::: •_
de humanidade ao artista, que todos supunham isolado do ção, participação err~ _•
mundo, ou revelar que naquele momento ele vivia na mais se considero tarnbé::-::~ : •
extrema pobreza. Outras vezes, porém, nada acrescentam ao do grupo após a sue. :__:
que já se sabia, constituem insignificantes curiosidades biográ- se eles expressaram ~:_=­
ficas e carecem de qualquer valor científico, mesmo havendo as tinham em mente.~-­
pessoas que ganham fama de pesquisadores incansáveis tra- vista do grupo. Só c.s•::.=-_-
zen do à luz semelhantes ninharias. Não é que se deva desenco- de encetar novas i:-_--:: •-
rajar aqueles que se divertem fazendo tais pesquisas, mas não minhas observações :: •-
é possível falar aqui em progresso do conhecimento humano, podia considerar co::.-_:
sendo bem mais útil (se não do ponto de vista científico, pelo fazia parte dele segê.c:_:
menos do pedagógico) escrever um bom livrinho de divulgação ciclo corno tal pelos ,~ :.. ~~
que conte a vida e fale das obras daquele autor. tos disponíveis. Tere: ê.•
4) O estudo deve fornecer elementos para a verificação e a e procedimentos de : : ~--
contestação das hipóteses apresentadas e, portanto, para urna con- Escolhi de prc,_=- :
tinuidade pública. Esse é um requisito fundamental. Posso ten- demonstrar que os :·:: ~
tar demonstrar que existem centauros no Peloponeso, mas para car-se a qualquer ti';: ::
tanto devo: (a) fornecer provas (pelo menos um osso da cauda, Tudo o que disse: . -_
corno se disse); (b) contar corno procedi para achar o fragmento; tese "científicà' e te'::
(c) informar corno se deve fazer para achar outros; (d) dizer, se tica observando to,~.~-·
possível, que tipo de osso (ou outro fragmento qualquer) rnan- Pode haver tarnbér:~ :....-
daria ao espaço minha hipótese, se fosse encontrado. informação alterna~:-·:..
Desse modo, não só forneci as provas para minha hipótese, comunidade operàc·::..
mas procedi de maneira a permitir que outros continuem a documentar, de me,~_
pesquisar, para contestá-la ou confirmá-la. riência e permitir a ê.:~
O mesmo sucede com qualquer outro terna. Suponha- mos resultados, que:· : _
mos que eu faça urna tese para demonstrar que, num movi- casuais e, de fato, r_;'.:
mento extraparlarnentar de 1969, havia dois componentes, um outros fatores que r~~.
leninista e outro trotskista, embora se supusesse que ele fosse O bom de um :c r: ::
homogêneo. Devo apresentar documentos (panfletos, atas de os outros perderen-c ~::-_
assernbleias, artigos etc.) para demonstrar que tenho razão; urna hipótese cient:~-: ~
terei de dizer corno procedi para encontrar aquele material refutada significa ter :-:
e onde o encontrei, de modo que outros possam continuar a proposta anterior. S:: :·: _
pesquisar naquela direção; e devo mostrar ainda que critério a começar novos ex;·:::_
adotei para atribuir o dito material probatório aos membros rários (mesmo sen,:_: __
daquele grupo. Por exemplo, se o grupo desfez-se em 1970, qualquer coisa de c~
preciso dizer o que considero expressão do grupo: apenas o Nesse sentido. -·:-
material teórico produzido por seus membros até aquela data científica e tese po~:~:::
A ESCOLHA DO TEMA 31

.~. ~ .:.~a. As vezes, dados (mas, então, deverei mostrar quais os critérios que me levaram
.:.~:-:.-:.conferir um tom a considerar certas pessoas como membros do grupo: inseri-
: .: . ~ ·.::.::1ham isolado do ção, participação em assembleias, suposições da polícia?), ou
~ :·. ~ ~ ele vivia na mais se considero também os textos produzidos pelos ex-membros
~-.:..:.a acrescentam ao do grupo após a sua dissolução, partindo do princípio de que,
:: : .:.~iosidades biográ- se eles expressaram depois aquelas ideias, isso significa que já
_:-:: =. mesmo havendo as tinham em mente, talvez camufladas, durante o período ati-
. _: ~:s incansáveis tra- vista do grupo. Só assim fornecerei aos outros a possibilidade
~ .: . .:.e se deva desenco- de encetar novas investigações e mostrar, por exemplo, que
:_: ::-esquisas, mas não minhas observações estavam erradas porque, digamos, não se
. ~-~.:cimento humano, podia considerar como membro do grupo um indivíduo que
.: . : ··:sta científico, pelo fazia parte dele segundo a polícia, mas que nunca fora reconhe-
·- ~:::1ho de divulgação cido como tal pelos outros membros, a julgar pelos documen-
. ~ .:.·.:.:or. tos disponíveis. Terei assim apresentado uma hipótese, provas
_.- .:··., a verificação e a e procedimentos de confirmação e contestação.
. ::-::.::-.to, para uma con- Escolhi de propósito temas bizarros justamente para
_:·. .:..:.::1ental. Posso ten- demonstrar que os requisitos de cientificidade podem apli-
: "' :_,Jponeso, mas para car-se a qualquer tipo de pesquisa.
: :·. : ' ·.:.m osso da cauda, Tudo o que disse nos reporta à artificiosa oposição entre
: :.:·:. achar o fragmento; tese "científica" e tese "políticà'. Pode-se fazer uma tese polí-
·.:..::- =·~tros; (d) dizer, se tica observando todas as regras de cientificidade necessárias.
·.::::::o qualquer) man- Pode haver também uma tese que narre uma experiência de
. :::.::. .::.otrado. informação alternativa mediante sistemas audiovisuais numa
:. : -;.:.::-a minha hipótese, comunidade operária: ela será científica na medida em que
_~ : ·.:.~ros continuem a documentar, de modo público e controlável, a minha expe-
riência e permitir a alguém refazê-la quer para obter os mes-
. _:::- .: .' tema. Suponha- mos resultados, quer para descobrir que os meus haviam sido
-.:::·::.::-que, num movi- casuais e, de fato, não se deviam à minha intervenção, mas a
.:.: .s componentes, um outros fatores que não considerei.
-~·.:.sesse que ele fosse O bom de um procedimento científico é que ele nunca faz
·.:: ' _?anfletos, atas de os outros perderem tempo: até mesmo trabalhar na esteira de
~=· .:.:· que tenho razão; uma hipótese científica para depois descobrir que ela deve ser
: ~- :::- .:.~ aquele material refutada significa ter feito algo positivo sob o impulso de uma
· : ~ .::.'ssam continuar a proposta anterior. Se minha tese serviu para estimular alguém
:: .:.:· ainda que critério a começar novos experimentos de contrainformação entre ope-
: :.:.:,:,rio aos membros rários (mesmo sendo ingênuas as minhas presunções), obtive
.:.esfez-se em 1970, qualquer coisa de útil.
.:.J grupo: apenas o Nesse sentido, vê-se que não existe oposição entre tese
:··_::·os até aquela data científica e tese política. Por um lado, pode-se dizer que todo
32 COMO SE FAZ UMA TESE

trabalho científico, na medida em que contribui para o desen- ingênua. Já dissemos qec :. c
volvimento do conhecimento geral, tem sempre um valor por uma tese serve semp-~::
político positivo (tem valor negativo toda ação que tenda a ou política, tanto faz), e:-:_:,
bloquear o processo de conhecimento); mas, por outro, cum- pela preparação que isso ~:,
pre dizer que toda empresa política com possibilidade de êxito cidade de organização C( :·..
deve possuir uma base de seriedade científica. Paradoxalmente, pocc
E, como se viu, é possível fazer uma tese "científica" mesmo interesses políticos não c' ~·.
sem utilizar logaritmos e provetas. rência dos pronomes de.. ·
setecentista. Ou sobre a~~ •
Galileu. Ou sobre geomc~~·­
2.6.2. Temas histórico-teóricos ou experiências "quentes"? mórdios do direito ecles:>
hesicastas*. Ou sobre c .. :o::. :
A essa altura, porém, nosso problema inicial se mostra refor- artigo do código de dire~~: c :
mulado: será mais útil fazer uma tese de erudição ou uma tese Pode-se cultivar int~:~ •
ligada a experiências práticas, a empenhos sociais diretos? Em plo) mesmo fazendo un-:_2. :
outras palavras, é mais útil fazer uma tese que fale de autores tos operários do século F :.•
célebres ou de textos antigos, ou uma tese que imponha uma contemporâneas de coL~::..:.:
intervenção direta na atualidade, seja sob o aspecto teórico (por xas da sociedade estuda:-.::. •
exemplo, o conceito de exploração na ideologia neocapitalista) produtivas das xilograL:.' : .
ou de ordem prática (por exemplo, estudo das condições da E, caso queira ser pc ~c·
submoradia nos arredores de Roma)? até hoje só tenha se dec::
A pergunta é, por si mesma, ociosa. Cada um faz aquilo precisamente uma desse:' ~:.
que lhe agrada, e se um estudante passou quatro anos debru- experiências diretas, pc' :
çado sobre filologia românica, ninguém pode pretender que derradeira ocasião pare: ~ :·c
passe a se ocupar de barracos, tal como seria absurdo pretender ricos e técnicos, e para :..:: :
um ato de "humildade acadêmica" da parte de quem passou (além de refletir a partL· =. ~ .
quatro anos com Danilo Dolci, pedindo-lhe uma tese sobre os supostos teóricos ou his~ •.
Reis de França. Trata-se, naturalme::~:
Mas suponhamos que a pergunta seja feita por um estu- respeitar uma opinião é.::c
dante em crise, a indagar-se para que lhe servem os estudos vista de quem, merguL,.:.:.
universitários e, em especial, a experiência da tese. Suponha- acabar sua tese com e~='. •·
mos que esse estudante tenha interesses políticos e sociais pre- de atuação política ao rê :..
cisos e receie trair sua vocação dedicando-se a temas "livrescos': Isso é possível, e os:::-'_
Ora, estando já mergulhado numa experiência polí- pre dizer algumas coisa'. :
tico-social que lhe permita entrever a possibilidade de fazer da respeitabilidade de c~·.:
um discurso conclusivo, seria bom que ele se colocasse o pro- O termo é mais usuab~~~.·.,
blema de como abordar cientificamente sua experiência. monte Atos, na Grécia :
por meio de retiro e a;:c>
Porém, se tal experiência não foi feita, então me parece técnicas de relaxameE;: : .: ,
que a pergunta exprime apenas uma inquietude nobre, mas extensão, o adepto ele;'::
), ESCOLHA DO TE;viA 33

_-=.:.:para o desen- ingênua. Já dissemos que a experiência de pesquisa imposta


' =~pre um valor por uma tese serve sempre para nossa vida futura (profissional
_ ~:;:.o que tenda a ou política, tanto faz), e não tanto pelo tema escolhido quanto
:'o r outro, cum- pela preparação que isso impõe, pela escola de rigor, pela capa-
••:::-:.:.idade de êxito cidade de organização do material que ela requer.
Paradoxalmente, poderemos dizer que um estudante com
:::::J.tífica'' mesmo interesses políticos não os trairá se fizer uma tese sobre a recor-
rência dos pronomes demonstrativos num escritor de botânica
setecentista. Ou sobre a teoria do impetus na ciência antes de
Galileu. Ou sobre geometrias não euclidianas. Ou sobre os pri-
-~:tentes"? mórdios do direito eclesiástico. Ou sobre a seita mística dos
hesicastas*. Ou sobre medicina árabe medieval. Ou sobre o
~- '""mostra refor- artigo do código de direito penal concernente à hasta pública.
- :_;o ou uma tese Pode-se cultivar interesses políticos (sindicais, por exem-
_- :C:s diretos? Em plo) mesmo fazendo uma boa tese histórica sobre os movimen-
: _:: =·a.le de autores tos operários do século passado. Pode-se entender as exigências
:_ ::__:: :mponha uma contemporâneas de contrainformação sobre as classes mais bai-
-.::~:~o teórico (por xas da sociedade estudando o estilo, a difusão, as modalidades
; 2. ::-.eocapitalista) produtivas das xilografias populares no período renascentista.
::..2.~ condições da E, caso queira ser polêmico, aconselharei ao estudante que
até hoje só tenha se dedicado a atividades políticas e sociais
: ~ .:.2. :__rm faz aquilo precisamente uma dessas teses, e não o relato de suas próprias
: __ 2.~:-,J anos debru- experiências diretas, pois é claro que o trabalho de tese será a
: ::__:: ;>retender que derradeira ocasião para obter conhecimentos históricos, teó-
- ~; _-__r do pretender ricos e técnicos, e para aprender sistemas de documentação
·: _::_::quem passou (além de refletir a partir de uma base mais ampla sobre os pres-
: .. :·:~::tese sobre os supostos teóricos ou históricos do próprio trabalho político).
Trata-se, naturalmente, de uma opinião pessoal. E é por
::::~::por um estu- respeitar uma opinião diferente que me coloco no ponto de
--::-·-:mos estudos vista de quem, mergulhado numa atividade política, quiser
_::_2_ ~::se. Suponha- acabar sua tese com esforço próprio e experiências próprias
~_:: o. e sociais pre- de atuação política ao redigir a obra .
. : ::::1as "livrescos': Isso é possível, e os resultados podem ser ótimos, mas cum-
c :~- ::riência polí- pre dizer algumas coisas, com clareza e severidade, em defesa
. : - -~:..Jade de fazer da respeitabilidade de uma empresa desse tipo .
. -: : ·.ocasse o pro-
O termo é mais usualmente aplicado a um grupo de monges bizantinos do
. ::-::::- -:riência. monte Atos, na Grécia (c. XIV). Eles visavam alcançar a elevação espiritual
~=~~ão me parece por meio de retiro e ascetismo, além de orações e do uso de determinadas
técnicas de relaxamento que propiciariam contemplar uma luz incriada: po·-
.-:- __ i e nobre, mas
extensão, o adepto dessa corrente (N. da E.).
'•'IIIJl·······················

34 COMO SE fAZ UMA TESE

Sucede às vezes que o estudante atulha uma centena de método precise.'~~


páginas com o registro de folhetos, atas de discussões, listas de uma boa tese F •
atividades, estatísticas porventura tomadas de empréstimo a histórica); (b) -; • .
trabalhos precedentes, e apresenta o resultado como "tese polí- ·'à americana'' -:2~ :
tica': E também, por vezes, acontece de a banca examinadora, produzindo ya<:~'
por preguiça, demagogia ou incompetência, considerar bom são dos fenômc::~
o trabalho. Mas, ao contrário, trata-se de uma palhaçada, não politizados asse:. c
só pelos critérios universitários como pelos políticos também. 5ociologia que. :~.
Há um modo sério e um modo irresponsável de fazer política. de servir pura 2 ' ..
Um político que se decide por um plano de desenvolvimento cobertura ideo~=:
sem possuir informações suficientes sobre a situação social é quisa leva às 1·2::~.
pouco mais que um truão, quando não um celerado. E pode-se :11ando a tese r: c:.:·:·_
prestar um péssimo serviço à causa política elaborando uma :11eramente teéc• _
tese política destituída dos requisitos científicos. Como evit2:~ ~.
Já dissemos em 2.6.1. que requisitos são esses e como são estudos "sérios" '• =
essenciais até para uma intervenção política séria. Certa vez, vi trabalho de pes.::_. _·
um estudante que prestava exames sobre problemas de comu- a atividade de c~-- ::
nicação de massa asseverar que fizera uma "pesquisa" sobre de alguns méL·.::..
público de TV junto aos trabalhadores de uma dada zona. Na mindo fazer eL ~
realidade interrogara, de gravador em punho, meia dúzia de comumente sã c ~:
gatos-pingados durante duas viagens de trem. Era natural que yariam confon:·. ~
o que transpirava dessa transcrição de opiniões não fosse uma dante-e não se : ·
pesquisa. E não apenas porque não apresentava os requisitos a um exemplo.:::_,
de verificabilidade de uma pesquisa que se preze, mas também :1ào parecem e:,;.:'=~
porque os resultados que daí se tiravam eram coisas que pode- dente atualidac:: :
riam muito bem ser imaginadas sem necessidade de pesquisa ~ógicas e prátic:.;
alguma. Como exemplo, nada mais fácil que prever, numa mesa jefiniriam coe::
de botequim, que entre doze pessoas a maioria prefere assis- estações de rád:~
tir a uma partida de futebol em transmissão direta. Portanto,
apresentar uma pseudopesquisa de trinta páginas para che-
gar a esse brilhante resultado é uma palhaçada. É, além do 2.6.3. Como tr(i
mais, um autoengano para o estudante, que acredita ter obtido em temo L.::
dados "objetivos" quando apenas comprovou, de maneira apro-
ximada, suas próprias opiniões. Sabemos que, L '
Ora, o risco de superficialidade existe especialmente para ::as dessas esta c~ ~
as teses de caráter político, e por duas razões: (a) porque numa :ros com cem :-:.-:.:
tese histórica ou filológica existem métodos tradicionais de Jue são de nate;~
pesquisa a que o autor não pode se subtrair, enquanto para os .-cgais, mas que :.
trabalhos sobre fenômenos sociais em evolução muitas vezes o ::e1tre o momen~:
A ESCOLI-L" DO TE:VIA 35

_- _:-.2. uma centena de método precisa ser inventado (razão pela qual frequentemente
:. : :=.:scussões, listas de uma boa tese política é mais difícil que uma tranquila tese
_:.:.o de empréstimo a histórica); (b) porque muita metodologia da pesquisa social
_ ~:::=.o como "tese polí- "à americanà' fetichizou os métodos estatístico-quantitativos,
_ : :.nca examinadora, produzindo vastas pesquisas que não se prestam à compreen-
-c __ :~_'_, considerar bom são dos fenômenos reais e, em consequência, muitos jovens
:. :- __ :':a palhaçada, não politizados assumem uma atitude de desconfiança perante essa
- _' :;olíticos também. sociologia que, no máximo, é uma "sociometrià', acusando-a
- •:--:-~de fazer política. de servir pura e simplesmente o sistema de que constituem a
:=.:- desenvolvimento cobertura ideológica. No entanto, a reação a esse tipo de pes-
~ _: 2. situação social é quisa leva às vezes a não se fazer pesquisa alguma, transfor-
_ :derado. E pode-se mando a tese numa sequência de panfletos, apelos ou assertivas
~::c:. elaborando uma meramente teóricas.
_:-:·_~:::lCOS. Como evitar esse risco? De muitas maneiras: analisando
' ~ =' esses e como são estudos "sérios" sobre temas semelhantes, não se metendo num
__ :_: ~ 'éria. Certa vez, vi trabalho de pesquisa social sem pelo menos ter acompanhado
_-c ~-:·=,~lemas de comu- a atividade de um grupo com alguma experiência, munindo-se
_-_:. "pesquisà' sobre de alguns métodos de coleta e análise de dados, não presu-
> .. :-:1a dada zona. Na mindo fazer em poucas semanas trabalhos de pesquisa que
: __ :·_io, meia dúzia de comumente são longos e difíceis ... Mas, como os problemas
c :_-:::J.. Era natural que variam conforme os campos, o tema e a preparação do estu-
: _:~~·5es não fosse uma dante- e não se pode dar conselhos genéricos-, limitar-me-ei
_: •~=~~aYa os requisitos a um exemplo. Escolherei um tema "novíssimo", para o qual
: •: :-:·eze, mas também não parecem existir precedentes de pesquisa, um tema de can-
-_ : _:.:-::: coisas que pode- dente atualidade e incontestáveis conotações políticas, ideo-
-::: •o:dade de pesquisa lógicas e práticas - e que muitos professores tradicionalistas
: __ : :':::ever, numa mesa definiriam como "meramente jornalístico": o fenômeno das
_ -_-:_~o ria prefere assis- estações de rádio independentes.
• •~ :' direta. Portanto,
~:. ;áginas para che-
_-_:.cada. É, além do 2.6.3. Como transformar um assunto de atualidade
: _-: :.credita ter obtido em tema científico?
: -_-__ de maneira apro-
Sabemos que, nas grandes cidades, surgiram dezenas e deze-
·-: '"-'Fecialmente para nas dessas estações; que existem duas, três, quatro até nos cen-
_::: ~ ~':'.a) porque numa tros com cem mil habitantes; que elas surgem em toda parte.
: ~ - .~ J s tradicionais de Que são de natureza política ou comercial. Que têm problemas
:__~- enquanto para os
legais, mas que a legislação é ambígua e ainda em evolução, e,
::.~cão muitas vezes o entre o momento em que escrevo (ou faço a tese) e o momento
36 COMO SE FAZ UMA TESE

em que este livro for publicado (ou a tese for discutida), a situa- de explicar os c~_
ção já terá sido mudada. fenômenos do c:.:-
Devo, pois, antes de tudo, delimitar com precisão o âmbito precisam ser raz : ~
geográfico e cronológico do meu estudo. Poderá ser apenas As nidos de modo ::~:
Estações de Rádio Livres de 1975 a 1976, desde que completo. rádios livres ar~=-­
Se eu decidir examinar apenas as emissoras de Milão, ótimo - extrema -esqueré. ;_
mas que sejam todas! De outra forma, meu estudo será incom- mente, o termo · :· ~
pleto, pois terei talvez descurado as estações mais significativas e não posso lué~: :·
quanto a programas, índices de audiência, formação cultural também falo de~~:
de seus animadores, alvos (periferia, bairros, centro). tal caso, especit.: :_:·
Se decidir trabalhar sobre uma amostra nacional de trinta as rádios que n~:
estações, isso seria perfeitamente válido: mas terei de estabele- justificada) ou e~:_
cer os critérios de escolha da amostra, e, se a realidade nacional termo menos g-:::-_ ~
for três emissoras comerciais para cada cinco políticas (ou uma Nesse pon:,: :-
de extrema direita para cada cinco de esquerda), não deverei livre sob o aspe:::
escolher uma amostra de trinta estações das quais 29 são polí- algumas delas :: ;.
ticas e de esquerda (ou vice-versa), porque desse modo a ima- çrn outras mik :.:-_-
gem que dou do fenômeno refletirá meus desejos ou temores, uma tipologia c~~:­
e não a situação real. possuem carac~=­
Poderei ainda decidir (como no caso da tese sobre a exis- modelo abstra-:: .:
tência de centauros num mundo possível) entre renunciar ao jvre" cobre UIL. '
estudo sobre as emissoras tais quais são e propor, ao contrário, rentes. (É faci~==---:-
um projeto de emissora livre ideal. Mas, nesse caso, o projeto dessa análise r.: :.
deve ser orgânico e realista, por um lado (não posso pressupor se eu quiser me::-_
a existência de equipamentos inexistentes ou inacessíveis a um .:ondições ide<:.:~ ~
grupo modesto e privado), e, por outro, não posso elaborar um Para cons::-·.:._
projeto ideal sem levar em conta as tendências do fenômeno ::-lo, proceder 2. ::_
real, pelo que, nesse caso ainda, um estudo preliminar sobre .:.s característi: ~'
as rádios existentes é indispensável. -::\.amino, tend,: :·
Em seguida, cabe-me tornar públicos os parâmetros de :: na horizont<:.~ ~
definição de "rádio livre", ou seja, tornar publicamente identi- :·:st1ca. O ex;: r::_:-
ficável o objeto do estudo. ~ é de dimens ~ ::
Entendo por rádio livre apenas uma rádio de esquerda? ::- c.râmetros: r~-=;-
Ou uma rádio montada por um pequeno grupo em situação ::~úsica- fala, -;;:·-:
semilegal no país? Ou uma rádio não dependente do mono- ~::a, aplicados .:.
pólio, ainda que porventura se trate de uma rede articulada \.:ma tabe~.:.
com propósitos meramente comerciais? Ou devo ter presente :- :onduzida-::-: :·
o parâmetro territorial e só considerar rádio livre uma rádio : ~·:· ideológic.:. :-
de San Marino ou de Monte Carlo? Como quer que seja, terei - :::·sa e aceit2.-:-
- ~:CSE
A ESCOLHA DO TEMA 37

--- c ~ese for discutida), a situa- de explicar os meus critérios e explicar por que excluo certos
fenômenos do campo de pesquisa. Obviamente, tais critérios
~--~:~?.r com precisão o âmbito precisam ser razoáveis e os termos que uso terão de ser defi-
~:~·.:do. Poderá ser apenas As nidos de modo inequívoco: posso decidir que, para mim, são
- ~;-6, desde que completo. rádios livres apenas aquelas que exprimem uma posição de
~:~~:ssoras de Milão, ótimo- extrema-esquerda; mas então devo levar em conta que, comu-
--~-'--meu estudo será incom- mente, o termo "rádio livre" se refere também a outras rádios,
-: ::'~ações mais significativas e não posso ludibriar meus leitores, fazendo-lhes crer ou que
__ _:'_:hcia, formação cultural também falo delas ou que elas não existem. Cumpre-me, em
--~ ·Jairros, centro).
tal caso, especificar que contesto a designação "rádio livre" para
__ .:::-:.ostra nacional de trinta as rádios que não quero examinar (mas a exclusão precisa ser
~_:io: mas terei de estabele- justificada) ou escolher para as emissoras de que me ocupo um
~- :_ e, se a realidade nacional termo menos genérico.
:.::'.:.cinco políticas (ou uma Nesse ponto preciso descrever a estrutura de uma rádio
: : ic: esquerda), não deverei livre sob o aspecto organizacional, econômico, jurídico. Se em
:.:.::,es das quais 29 são polí- algumas delas trabalham profissionais em tempo integral e
~ :rque desse modo a ima- em outras militantes em sistema de rodízio, terei de construir
- .:. ::-:.cus desejos ou temores, uma tipologia organizativa. Deverei indagar se todos esses tipos
possuem características comuns que sirvam para definir um
: 1so da tese sobre a exis- modelo abstrato de rádio independente ou se o termo "rádio
~: -''ll·el) entre renunciar ao livre" cobre uma série multiforme de experiências muito dife-
' '~J e propor, ao contrário, rentes. (É facilmente compreensível como o rigor científico
: ~1s, nesse caso, o projeto dessa análise pode ser útil também para efeitos práticos, pois,
__ .:.io (não posso pressupor se eu quiser montar uma rádio livre, deverei saber quais são as
_'::::~~es ou inacessíveis a um condições ideais para seu funcionamento.)
_~=- :-. não posso elaborar um Para construir uma tipologia fidedigna, poderei, por exem-
_' ::::'ldências do fenômeno plo, proceder à elaboração de uma tabela que considere todas
--:-_·_ ;:studo preliminar sobre as características possíveis em função das várias rádios que
examino, tendo na vertical as características de uma dada rádio
: _.:- ~:cos os parâmetros de e na horizontal a frequência estatística de uma dada caracte-
-_::-_:.-:-publicamente identi- rística. O exemplo seguinte destina-se meramente a orientar,
e é de dimensões modestíssimas, no que respeita aos quatro
.:. ' .::c1a rádio de esquerda? parâmetros: presença de operadores profissionais, proporção
--: ~- .:e:no grupo em situação música-fala, presença de publicidade e caracterização ideoló-
- '_: dependente do mono- gica, aplicados a sete emissoras imaginárias.
:--: i c: uma rede articulada Uma tabela assim revelaria, por exemplo, que a Rádio Pop
::.:.:s; Ou devo ter presente é conduzida por um grupo não profissional, com caracteriza-
.:. -:: ~=- rádio livre uma rádio ção ideológica explícita, que transmite mais música que con-
~ ::-:.10 quer que seja, terei versa e aceita publicidade. Ao mesmo tempo, dir-me-ia que a
38 COMO SE FAZ UMA TESE

presença de publicidade e a preponderância da música sobre a modo que todos respc~::.


fala não estão necessariamente em conflito com a caracteriza- tantes, registrando-se ': :.
ção ideológica, dado que encontramos pelo menos duas rádios àquela pergunta. 1\ãc, :__
nessas condições, enquanto só uma única com caracterização seco e conciso,à base é~ -_
ideológica e preponderância da fala sobre a música. Por outro uma declaração progE:·· _
lado, não há nenhuma sem caracterização ideológica que não ções poderá constitu:l· ·:..:-•·
tenha publicidade e em que prevaleça a fala. E assim por diante. a noção de "dado ob;:~ ·
Essa tabela é puramente hipotética e considera poucos parâme- diz: "Não temos obie~~- ·
tros e poucas emissoras: portanto, não permite tirar conclusões por ninguém", não sig=~-=-.
estatísticas seguras. Trata -se apenas de uma sugestão. um dado objetivo o fa~-~ ~c
mente com esse aspe~~:
Rádio Rádio Rádio Rádio Rádio Rádio Rádio
lhante afirmativa por :·:·_:
Beta Gama Delta Aurora Centro Pop Canal1oo dos programas trans:-:.~-~ .
Operadores que chegamos à tere e:~:.
profissionais +
Boletins de esCLt~-~ :=
Preponderância
de música + + + + + + assinalar a diferença ::-. ~:
Presença de
Conhecer a atividade.:.-:
publicidade + + + + + acompanhado durar:~-: :.
Caracterizada de hora em hora, el2.": : _
ideologicamente + + + + que mostre o que é t:- .:.:·_
de modo explícito
programas, a quantié:.::.:
Mas como se obtêm esses dados? As fontes são três: dados debates, se existem -: :
oficiais, declarações dos interessados e boletins de escuta. pode colocar na tese ~ _
Dados oficiais. São sempre os mais seguros, mas, no caso semana, mas é poss:··:_
de rádios independentes, bastante raros. Em geral, existe um tivos (comentários s : =
registro junto ao órgão de segurança pública. Deve haver tam- notícia) dos quais ec.:~
bém, num tabelião qualquer, uma ata constitutiva da sociedade, lógico da emissora c~
ou algo assim, mas é pouco provável que possa ser consul- Existem modele, s :
tada. Quando houver uma regulamentação mais precisa, outros visão elaborados de:.:.
dados estarão disponíveis, mas no momento isso é tudo. Lem- por meio dos quais c s
bremos, todavia, que dos dados oficiais fazem parte o nome, notícias, a recorrên~::.
a faixa de transmissão e as horas de atividade. Uma tese que Uma vez realizado c''-
fornecesse pelo menos esses três elementos para todas as rádios mos proceder às co:-:·_
constituiria já uma contribuição útil. nada canção ou not1-:::
Declarações dos interessados. Aqui, são interrogados os ou mais rádios difeTe:·_
responsáveis pelas emissoras. Tudo o que disserem constitui Poderíamos air_ ..:..
dados objetivos, desde que fique claro tratar-se daquilo que ras monopolistas cc:··
disseram, e desde que os critérios de obtenção das entrevistas ;;:ão música-fala, pro':-·:
sejam homogêneos. Será o caso de elaborar um questionário de programas-publicié.c:
A ESCOLHA DO TEMA 39

'::~:-~::a da música sobre a modo que todos respondam a todos os temas julgados impor-
· ~~~~~~~J com a caracteriza- tantes, registrando-se sempre a recusa de responder a esta ou
• ~~~:,menos duas rádios àquela pergunta. Não quer dizer que o questionário deva ser
_:~_~:::.com caracterização seco e conciso,à base do sim e não. Se todos os diretores fizerem
· ~ ~"~ 2 música. Por outro uma declaração programática, o registro de todas essas declara-
=-: :. : ideológica que não ções poderá constituir um documento útil. Que fique bem clara
-~:.~::.E assim por diante. a noção de "dado objetivo" num caso desse tipo. Se o diretor
:-'~.=.;era poucos parâme- diz: "Não temos objetivos políticos e não somos financiados
~ ~~"::~ite tirar conclusões por ninguém'', não significa que esteja dizendo a verdade; mas é
:. c .:.::~a sugestão. um dado objetivo o fato de aquela pessoa apresentar-se publica-
mente com esse aspecto. No máximo poder-se-á refutar seme-
· :.;w Rádio Rádio lhante afirmativa por meio de uma análise crítica do conteúdo
.:•.:ro Pop Canal10o dos programas transmitidos pela emissora em questão. Com o
que chegamos à terceira fonte informativa.
Boletins de escuta. É o aspecto da tese em que se pode
+ + assinalar a diferença entre trabalho sério e trabalho diletante.
Conhecer a atividade de uma rádio independente significa tê-la
+ +
acompanhado durante alguns dias - uma semana, digamos -,
de hora em hora, elaborando uma espécie de "rádio-correio"
+
que mostre o que é transmitido e quando, qual a duração dos
programas, a quantidade de música e fala, quem participa dos
-~' :·: :1tes são três: dados debates, se existem e quais os assuntos tratados etc. Não se
c : :: ;:jns de escuta. pode colocar na tese tudo quanto foi transmitido durante a
· '~ ~uros, mas, no caso semana, mas é possível recorrer àqueles elementos significa-
' :=:::n geral, existe um tivos (comentários sobre músicas, debates, modo de dar uma
- -:~~a. Deve haver tam- notícia) dos quais emerja um perfil artístico, linguístico e ideo-
. :> ~: -:'Jtiva da sociedade, lógico da emissora em apreço .
:" :.:.;;: possa ser consul- Existem modelos de boletins de escuta para rádio e tele-
- : ~ : :nais precisa, outros visão elaborados durante alguns anos pela ARCI de Bolonha,
"-~~=--:o isso é tudo. Lem- por meio dos quais os ouvintes cronometravam a duração das
' :aem parte o nome, notícias, a recorrência de certos termos, e assim por diante.
-:_- :Jade. Uma tese que Uma vez realizado esse estudo com várias emissoras, podere-
•:- :: • :;nra todas as rádios mos proceder às comparações: por exemplo, como determi-
nada canção ou notícia de atualidade foi apresentada por duas
3 ão interrogados os ou mais rádios diferentes.
:_.:..: disserem constitui Poderíamos ainda comparar os programas das emisso-
::"atar-se daquilo que ras monopolistas com os das rádios independentes: propor-
: :~::ção das entrevistas ção música-fala, proporção notícia-entretenimento, proporção
: ~" ::.: um questionário de programas-publicidade, proporção música erudita-música
40 COMO SE FAZ UMA TESE

popular, música nacional-música estrangeira, música popular


tradicional-música popular de vanguarda etc. Como se vê, a
partir de uma audiência sistemática, munidos de um grava-
dor e de um lápis, pode-se tirar inúmeras conclusões que nem
sempre se manifestariam nas entrevistas com os responsáveis.
Por vezes, o simples confronto entre diversos anunciantes
(proporções entre restaurantes, cinemas, editoras etc.) pode
nos dizer algo sobre as fontes de financiamento (de outra forma
ocultas) de uma determinada rádio.
A única exigência é que não introduzamos impressões
ou induções do tipo "se ao meio-dia transmitiu música pop
e publicidade da Pan-American, então é uma emissora filoa-
mericanà', pois convém saber também o que foi transmitido a
uma, às duas ou às três, na segunda, na terça e na quarta-feira.
Sendo muitas as emissoras, só temos dois caminhos: ou
ouvir todas ao mesmo tempo, formando um grupo de escuta
com tantos registradores quantas forem as rádios (solução
mais séria, porquanto permite comparar as várias rádios numa
mesma semana), ou ouvir uma por semana. Neste último caso,
porém, é necessário trabalhar sozinho e ouvir uma rádio após
outra sem tornar heterogêneo o período de escuta, que de
maneira alguma pode cobrir o espaço de seis meses ou um ano,
dado que nesse campo as mutações são rápidas e frequentes,
e não teria sentido comparar os programas da Rádio Beta em ----- - -

janeiro com os da Rádio Aurora em agosto porque, entremen-


tes, ninguém sabe o que aconteceu à Rádio Beta.
Admitindo-se que todo esse trabalho tenha sido bem feito,
que restará por fazer? Muitas coisas. Vejamos algumas delas:

• Estabelecer índices de audiência; não há dados oficiais e


não se pode confiar apenas nas declarações dos responsá-
veis; a única alternativa é uma sondagem pelo método do
telefonema ao acaso ("Que rádio você está escutando neste
momento?"). É o método seguido pela RAI, mas requer
uma organização especial, um tanto dispendiosa. É melhor
renunciar a essa pesquisa do que anotar impressões pes-
soais como "a maioria ouve a Rádio Delta" só porque meia
dúzia de amigos afirma ouvi-la. O problema dos índices de
audiência informa como se pode trabalhar cientificamente
A ESCOLR-\ DO TE:\!A 41

· ·: :.::-.§:õ:ira, música popular mesmo sobre um fenômeno tão contemporâneo e atual,


-.~-:.:·éa etc. Como se vê, a e como isso é difícil: é melhor uma tese sobre história
::. ::·. .:.nidos de um grava- romana, bem mais fácil;
:.:::.:.s conclusões que nem • Registrar a polêmica na imprensa e os eventuais juízos
<:.'com os responsáveis. sobre cada emissora;
:: :· ::·: cii..-ersos anunciantes • Recolher e comentar organicamente as leis pertinentes a
- :<·. .:.s. editoras etc.) pode essa questão, de modo a explicar como as várias emissoras
·.:: .:.::'.:ento (de outra forma as ludibriam ou as obedecem e que problemas daí advêm;
• Documentar as posições relativas dos diversos partidos;
_· :_: duzamos impressões • Tentar estabelecer tabelas comparativas dos custos publi-
.:. :. :·.::nsmitiu música pop citários. É possível que os responsáveis pelas rádios escon-
· · ~ : : uma emissora filo a- dam esse detalhe, ou mintam, mas, se a Rádio Delta faz
· : ... : :;ue foi transmitido a publicidade do restaurante Ai Pini, poderia ser fácil obter
:~:. :~rça e na quarta-feira. o dado desejado junto ao proprietário do Ai Pini;
-: :·:~: s dois caminhos: ou • Fixar um evento-amostra (eleições são um assunto exem-
-::: 3.: um grupo de escuta plar) e registrar a maneira como foi tratado por duas, três
:: :·:::--; as rádios (solução ou mais rádios;
- ::· ::· .:.s \·árias rádios numa • Analisar o estilo linguístico das diversas emissoras (imi-
::~·-:.::-.a. :\feste último caso, tação dos locutores de grandes rádios, imitação dos disc
:: :·u..-ir uma rádio após jockeys americanos, uso de terminologias de grupos polí-
. ::. : é o de escuta, que de ticos, adesão a falares regionais etc.);
. : :::::eis meses ou um ano, • Analisar a maneira como certas transmissões das grandes
: ~: :-apidas e frequentes, rádios foram influenciadas (quanto à escolha dos progra-
: ~. :.:-:-.as da Rádio Beta em mas e dos usos linguísticos) pelas transmissões das rádios
-~: '•o porque, entremen-
livres;
:. ~ :éio Beta. • Recolher organicamente opiniões sobre rádios livres por
: :. ..:~ :, tenha sido bem feito, parte de juristas, líderes políticos etc. Três opiniões ape-
: :.::nos algumas delas: nas fazem um artigo de jornal, cem opiniões fazem uma
pesquisa;
:~.:.o há dados oficiais e • Coleta de toda a bibliografia existente sobre o assunto,
.:. ::~.:.:·ações dos responsá- desde livros e artigos sobre experiências análogas em
.: :~::.::.gem pelo método do outros países até os artigos dos mais remotos jornais de
· · ::~está escutando neste interior ou de pequenas revistas, de modo a obter a docu-
.:. : :.>ela RAI, mas requer mentação mais completa possível;
-.. :: éispendiosa. É melhor
-:: .:.::'.otar impressões pes- Convém deixar claro que você não deve fazer todas essas
: :::-)eltà' só porque meia coisas. Apenas uma, desde que benfeita e completa, já constitui
~ ~-:·oblema dos índices de um tema para uma tese. Também não pense que essas são as
::· ::."::oalhar cientificamente únicas coisas a fazer. Delineei somente alguns exemplos para
42 Cüê>lü SE FAZ UMA TESE

mostrar como até sobre um tema tão pouco "erudito" e pobre recusam a orientar tese< ' . -
em literatura crítica se pode executar um trabalho científico, atual situação da univers::'. :. :
útil aos outros, inserível numa pesquisa mais ampla e indispen- perar o rigor de muitos e :_:~: __
sável a quem queira aprofundar o tema, sem impressionismo, Há, no entanto, case' -:
observações casuais ou extrapolações arriscadas. fazendo uma pesquisa ce ; -
Para concluir: tese científica ou tese política? Dilema falso. sários inúmeros dados, e :_-: _
É tão científico fazer uma tese sobre a doutrina das ideias em membros de sua equipe :'.: -
Platão como sobre a política da Lotta Continua na Itália entre anos, ele orienta as tese' :-
1974 e 1976. Se você é uma pessoa que pretende trabalhar a economista interessado ::-_:_ ·
sério, pense bem antes de escolher, pois a segunda tese é, sem período, determinará te':.
dúvida, mais difícil que a primeira e requer maior maturi- res, com o fito de estabe~::::
dade científica. Se não por outro motivo, porque não terá uma Ora, tal critério é não a?::-_:
biblioteca em que se apoiar, mas uma biblioteca para organizar. mente útil: o trabalho d: ~:::
Como se vê, é possível conduzir de modo científico uma ampla, feita no interesse :: _: ·
tese que outros definiriam, quanto ao tema, como puramente porque o candidato poc:::. -
"jornalísticà'. E é possível conduzir de modo puramente jorna- um professor muito bec-_:-_:
lístico uma tese que, a julgar pelo título, teria todos os atributos como material de funde : :. ,
para parecer científica. ;JOr outros estudantes s~: ~ _:
um bom trabalho, o cal~ c:_:'_:.-
menos parcial de seus re,-~__ :_
2.7. COMO EVITAR SER EXPLORADO PELO coletiva. Há aqui, entre;:::~-:
ORIENTADOR
1. O professor está e::-:-:_::_
Por vezes o estudante escolhe um tema de seu próprio inte- ~enta o candidato que, pc'~ ':' _
resse. Outras vezes, ao contrário, aceita a sugestão do professor :o.aquela direção. O estude:::-_:-:-
a quem pede a orientação sobre a tese. :'.e água que se limita are::-__- c.

Ao sugerirem temas, os professores podem seguir dois crité- :~utros irão interpretar. C:~:-:~:
rios diferentes: indicar um assunto que conheçam bem e no qual :, professor, ao elaborar c: ::c:
não terão dificuldades em acompanhar o aluno, ou recomendar :'artes do material recolh:_:'_:
um tema que conhecem pouco e querem conhecer mais. _=-,xque não se lhe pode 2.::·:: _
Fique claro que, contrariamente à primeira impressão, 2. O professor é de'::·.:
esse segundo critério é o mais honesto e generoso. O professor : :lhar, aprova -os e utiliz.:. _:
raciocina que, acompanhando uma tese dessas, terá seus pró- :='mo se fosse seu. Às wz2: ::
prios horizontes alargados, pois se quiser avaliar bem o candi- :_~ boa fé: o mestre a co::~-::.­
dato e ajudá-lo em seu trabalho terá de debruçar-se sobre algo .:rias ideias e, algum tç~-- ~-
novo. Em geral, quando o professor opta por essa segunda via, : :~ntribuição da do estuc.:.-_:,
é porque confia no candidato. E normalmente lhe diz explici- _da discussão coletiva, =--~ _:
tamente que o tema é novo para ele também e que está inte- :' :de ias que perfilhávan~: ' :_,
ressado em conhecê-lo melhor. Existem professores que se :. ::'ois por estímulo alhe::
A ESCOLHA DO TEMA

c~·.:dito" e pobre recusam a orientar teses sobre assuntos surrados, mesmo na


__: :..~ho científico, atual situação da universidade de massa, que contribui para tem-
~:-~;~a e indispen- perar o rigor de muitos e incliná-los a uma maior compreensão.
. __:·~pressionismo, Há, no entanto, casos específicos em que o professor está
fazendo uma pesquisa de grande fôlego, para a qual são neces-
·.: .:.~ Dilema falso. sários inúmeros dados, e decide valer-se dos candidatos como
_ .-. :. ias ideias em membros de sua equipe de trabalho. Ou seja, durante alguns
. .:. ~1a Itália entre anos, ele orienta as teses numa direção específica. Se for um
·c ·_c~ trabalhar a economista interessado na situação da indústria em um dado
: .:·.ca tese é, sem período, determinará teses concernentes a setores particula-
c. :~-:.aior maturi- res, com o fito de estabelecer um quadro completo do assunto.
. : .: -: :;.à o terá uma Ora, tal critério é não apenas legítimo, mas também cientifica-
, ::. ; :.:·a organizar. mente útil: o trabalho de tese contribui para uma pesquisa mais
:. ::~ntífico uma ampla, feita no interesse coletivo. E isso é útil até didaticamente
: : :~-- J puramente porque o candidato poderá valer-se de conselhos da parte de
_: .::.-:.:nente jorna- um professor muito bem-informado sobre o assunto, e utilizar
:'.: s os atributos como material de fundo e de comparação as teses elaboradas
por outros estudantes sobre temas afins. Assim, caso execute
um bom trabalho, o candidato pode esperar uma publicação ao
menos parcial de seus resultados, talvez no âmbito de uma obra
coletiva. Há aqui, entretanto, alguns inconvenientes possíveis:

L O professor está entusiasmado com seu próprio tema e vio-


c.: ;róprio inte- lenta o candidato que, por seu lado, não tem o mínimo interesse
~ ~ :· do professor naquela direção. O estudante torna-se, nesse caso, um carregador
de água que se limita a recolher penosamente material que depois
: ::;-~ir dois crité- outros irão interpretar. Como sua tese será modesta, sucederá que
.: _:·.·_:em e no qual o professor, ao elaborar a tese definitiva, talvez só use algumas
: .:. recomendar partes do material recolhido, não citando sequer o estudante, até
:· : :õ::· mars. porque não se lhe pode atribuir nenhuma ideia precisa.
:·.-. -:~::-2. impressão, 2. O professor é desonesto, põe os estudantes para tra-

:. : ':>. O professor balhar, aprova-os e utiliza desabusadamente o trabalho deles


:' ~e r á seus pró- como se fosse seu. Às vezes se trata de uma desonestidade quase
:. :..~·bem o candi- de boa fé: o mestre acompanhou a tese com paixão, sugeriu
.. : :.>se sobre algo várias ideias e, algum tempo depois, não mais distingue sua
· c":.. segunda via, contribuição da do estudante, tal como, depois de uma acalo-
·:c ~::e diz explici- rada discussão coletiva, não conseguimos mais recordar quais
: que está inte- as ideias que perfilhávamos de início e quais as que assumimos
. : :::ssores que se depois por estímulo alheio .
"14 COMO SE FAZ UMA TESE
3. A Pesquisa
Como evitar tais inconvenientes? O estudante, ao abordar
um determinado professor, já terá ouvido falar dele, já terá
entrado em contato com diplomados anteriores e possuirá,
destarte, uma ideia acerca de sua lisura. Terá lido seus livros
e descoberto se o autor costuma mencionar ou não seus cola-
boradores. No mais, entram fatores imponderáveis de estima
e confiança.
Mesmo porque não convém cair na atitude neurótica
de sinal contrário e julgarmo-nos plagiados sempre que
alguém falar de temas semelhantes aos da nossa tese. Quem
fez uma tese, digamos, sobre as relações entre darwinismo e
lamarckismo, teve oportunidade de ver, percorrendo a litera-
tura crítica, quantos outros já falaram sobre o mesmo assunto
e quantas ideias são comuns a todos os estudiosos. Desse
modo, não se julgue um gênio espoliado se algum tempo
depois o professor, o assistente ou um colega se ocuparem
do mesmo tema.
Por roubo de trabalho científico entende-se, sim, a utiliza-
ção de dados experimentais que só podiam ter sido recolhidos
3.1. A ACESSIBILID_c,_~ :=:
fazendo essa dada experiência; a apropriação da transcrição de
manuscritos raros que nunca tivessem sido transcritos antes
J.l.l. Quais são as joJL:
de você; a utilização de dados estatísticos que ninguém havia
coletado antes de você, sem menção da fonte (pois, uma vez
-Jma tese estuda um _· _·
tornada pública, todos têm direito de citar a tese); a utiliza-
7umentos. Muitas yez::-'
ção de traduções, que você fez, de textos que não tinham sido
:os, outros livros. É o :::.: :
traduzidos ou o foram de maneira diferente.
Pensamento Econômic·: ·,
Seja como for, síndromes paranoicas à parte, o estudante
:uído por livros de ~-\c~:.
deve verificar se, ao aceitar um tema de tese, está se inserindo
~ão outros livros sobre_-_:.._
ou não num trabalho coletivo, e pensar se vale a pena fazê-lo.
:aso, os escritos de Ad2.:·:. :
::- os livros sobre A dare_ ~ :·_-
JU a literatura crítica. ~ :. :
.~o Pensamento Eco nó' · ·
'eriam os livros ou os e c:_
::-que as fontes de um 2..:.::.
:os (certas discussões c : _
cos fenômenos cone1·e:'
:.:essíveis sob forma c~ e::·.-
Em certos casos. ::c
:-:1eno real: é o que a c::=~-:

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