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Militantes do PT propõem frente de esquerda

para enfrentar o fascismo bolsonarista

Entre os signatários, estão Breno Altman, José Genoíno, Rui Falcão e Valter Pomar

4 de junho de 2020, 05:18 h Atualizado em 4 de junho de 2020, 08:00


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(Foto: Reprodução/BdF)
 
O texto a seguir é uma declaração pública de militantes de
esquerda, comprometidos com a luta em defesa da vida, dos
direitos sociais, das liberdades democráticas, da soberania
nacional e do socialismo. É, também, um chamamento à ação
contra o fascismo e o ultraliberalismo do governo Bolsonaro-
Mourão, cujo afastamento é urgente para livrar o Brasil das
crises – sanitária, econômica, social, política, ambiental,
cultural – que sacrificam nosso povo.

1. O Brasil vive uma crise sem precedentes na história. Esta


crise – sanitária, social, econômica, política, ambiental, cultural
– está entrelaçada a uma crise mundial. O País está, portanto,
envolto em uma crise sistêmica mundial do capitalismo, frente à
qual o Partido dos Trabalhadores, como partido socialista e de
esquerda, deve apresentar uma alternativa também sistêmica.
2. A situação mundial de crise e instabilidade precede a
pandemia, mas foi aprofundada por ela. Trata-se de uma crise
do capitalismo, advinda de contradições estruturais, agravadas
pelas sequelas da crise de 2008, pela queda no comércio e do
PIB mundial, que deve despencar até cerca de 5% na Europa,
arrastando milhões ao desemprego e condenando mais de 60
milhões à miséria e à fome.

3. Diante da crise, para tentar manter e ampliar seus lucros, os


capitalistas atacam violentamente os direitos e conquistas das
classes trabalhadoras. Com a mesma intensidade, os países
imperialistas promovem toda sorte de agressões contra os
povos de todo o mundo, sobretudo na América Latina: golpes,
sabotagens, bloqueios criminosos, desestabilizações políticas e
ameaças de intervenções militares, externas e internas, contra
governos não alinhados.

4. Nesse contexto, há um acirramento da competição


econômica, política e militar entre potências, com destaque
para a disputa geopolítica entre Estados Unidos e República
Popular da China. Eclodem conflitos militares, que vêm
reacendendo a corrida armamentista, e sucedem-se
provocações localizadas típicas da “guerra fria”, que podem
escalar devido aos interesses dos Estados Unidos.

5. Ondas migratórias despertam manifestações represadas de


xenofobia, racismo e fundamentalismo religioso em diversas
partes do mundo, levando governos de diferentes países a
culparem migrantes pelo desemprego crescente, sobretudo
entre os jovens.
6. Não menos grave, associada a estes fenômenos, é a
catastrófica crise sócio-ambiental, cujas proporções crescem
geometricamente em função da dinâmica destrutiva do capital e
da maioria das grandes potências. A crise envolve desde o
aquecimento global, o esgotamento de matrizes energéticas
não-renováveis, as perdas de biodiversidade, até guerras por
água, terras e minérios. Alastra-se impunemente – e o Brasil é
um triste exemplo – o uso indiscriminado de transgênicos,
defensivos químicos e venenos, além dos efeitos cumulativos
da industrialização e urbanização desordenadas, que
favorecem o surgimento e propagação de pragas, bem como
de doenças virais respiratórias, a exemplo da Covid-19.

7. Vista de conjunto, embora distinta, é uma crise tão


devastadora quanto aquela que assolou mundo entre 1914 e
1945. Se, naquela época, o “dia seguinte” foi um mundo com
mais bem-estar, com ampla descolonização e relativa
democratização, isso só ocorreu porque ao final de muita luta
prevaleceram os setores socialistas e democráticos. Já o
desfecho imediato das crises de 1929, de 1970 e de 2008 foi
outro. Daí ser um equívoco imaginar, guiados por uma visão
idílica, que no pós-pandemia “nada será como antes”, ou que
na esteira da crise atual surgirá necessariamente um mundo
melhor.

8. Até porque a presente crise mundial teve e segue tendo


impactos profundos sobre a classe trabalhadora mundial que,
com raras exceções, acumula perdas há décadas. Estas
decorrem de mudanças no capitalismo mundial tais como a
mundialização da produção; a concentração do capital; a
precarização e terceirização; o desemprego em massa. As
perdas sofridas pela classe trabalhadora afetaram
negativamente as condições de vida e trabalho de centenas de
milhões de pessoas, sendo acompanhadas de uma ofensiva
ideológica reacionária e da restrição das liberdades
democráticas, com destaque para a desorganização e
enfraquecimento relativo do sindicalismo.

9. O ataque é cerrado, mas há resistência das classes


trabalhadoras que não renunciam a seus direitos, sua
dignidade e suas vidas; e dos povos que defendem suas
riquezas, sua independência e soberania, contra um processo
que destrói suas perspectivas de desenvolvimento, suas
políticas públicas de industrialização e capacitação científico-
tecnológica, condenando-os a um lugar totalmente subordinado
na divisão internacional do trabalho.

10. Por isso, para construir um novo futuro para a humanidade


é fundamental reviver a esperança e conquistar vitórias nas
lutas travadas neste momento. Sem o otimismo da vontade, da
ação e da luta de classes, o “novo normal” pode acirrar as
piores características do “normal de ontem”. Ou seja, com mais
desigualdade, mais exploração, mais Estado de exceção, mais
neoliberalismo, mais guerras.

11. É fato que vivemos num mundo de problemas globais, para


os quais o capitalismo não tem solução, sendo na mais das
vezes a causa. Mas, para derrotar o capitalismo, será forçoso
um duro confronto entre classes e entre Estados, em escala
nacional, regional e mundial. Mesmo moribundo, o capitalismo
não morrerá de morte natural, incruenta, indolor. Inclusive por
isso, frente à crise sistêmica do capitalismo é que o Partido dos
Trabalhadores, desde o seu nascimento, defende uma
alternativa ao sistema capitalista: o socialismo.

12. A construção de uma saída democrática, popular e


socialista para os problemas do Brasil está vinculada ao curso
que siga a crise mundial do capitalismo. E se liga à constituição
de uma nova ordem mundial, profundamente distinta da que
existe atualmente. Para tanto, será determinante a ação das
classes trabalhadoras e do povo brasileiro, da esquerda política
e social. Por isso, para liquidar e enterrar o “capitalismo
moribundo”, é essencial uma orientação política adequada,
organização firme, democracia interna, disciplina, unidade de
ação e fôlego para lutar até vencer.

13. O Partido dos Trabalhadores deu um passo importante ao


assumir a defesa do “Fora Bolsonaro”. Afinal, o presidente da
República é uma ameaça permanente contra a vida da
democracia e contra vida do povo brasileiro. Por isso mesmo o
PT, em conjunto com outros partidos e algumas centenas de
entidades e movimentos, protocolou um pedido de
impeachment na Câmara dos Deputados, para que, ao final do
processo previsto no artigo 86 da Constituição Federal, Jair
Bolsonaro possa ser afastado e condenado à perda do
mandato. Com o mesmo objetivo, o PT e outros partidos
ajuizaram queixas-crime junto ao Supremo Tribunal Federal, a
fim de destituír Bolsonaro do cargo.  E reafirmamos a
impugnação processada, ainda em 2018, contra a eleição
manipulada e ilegítima da chapa Bolsonaro-Mourão.
14. Vale lembrar que os crimes, comuns e de responsabilidade,
cometidos pelo presidente, são do conhecimento, têm o
respaldo e a cumplicidade do vice-presidente da República,
bem como de todos os integrantes de seu governo. Portanto,
para eliminar as causas da crise que se abate sobre a Nação e
o povo brasileiros, é fundamental afastar Bolsonaro e Mourão,
seu governo e suas políticas, convocando o povo para eleger,
através do voto universal, direto e secreto, quem ocupará a
Presidência da República, em eleições nas quais o
companheiro Lula, com suas condenações injustas anuladas e
seus direitos políticos restituídos, possa, querendo, participar.

15. É em torno dessa luta política central, mas também em


torno das lutas em defesa da vida,  dos direitos sociais, das
liberdades democráticas e da soberania nacional, dos
trabalhadores do campo e da cidade, das mulheres, negros e
negras, da juventude e dos povos indígenas, que se constituirá
a Frente – de esquerda, democrática e popular – capaz de
retomar o fio das mudanças estruturais indispensáveis para
salvar o presente e o futuro do Brasil.

16. Não se trata de uma tarefa fácil. Entre outros motivos,


porque corremos contra o tempo. Insensível e debochado
diante das milhares de mortes provocadas pela sua política
genocida, Bolsonaro promove o caos econômico e social, a
destruição das liberdades, o afrontamento aos poderes
Legislativo e Judiciário e a militarização do país.

17. O presidente, o vice e grande parte dos ministros são


militares, inclusive os que têm seus gabinetes e despacham
cotidianamente no Palácio do Planalto, assim como um
ministério-chave em tempos de pandemia: o da Saúde. Nos
demais escalões do governo, há cerca de 2 mil militares. Ao
mesmo tempo, é notório o vínculo entre o clã Bolsonaro, as
milícias tradicionais e as milícias digitais. O para-militarismo
vem sendo estimulado publicamente. A faceta bélica do
governo se orienta contra os povos indígenas, os trabalhadores
do campo, os negros, as mulheres, contra as pessoas LGBT,
os sem terra e os sem teto, contra os movimentos sociais e
contra a esquerda em geral. Frente a um governo com este
comportamento violento, autoritário, ditatorial, de tendência
neofascista não há contemporização possível: cabe apenas o
enfrentamento firme e resoluto.

18. Se não forem detidos, Bolsonaro, Mourão, seu governo e


suas políticas prosseguirão na ofensiva contra a democracia,  a
sociedade, a cultura, a economia nacional – sobretudo as
pequenas empresas e os trabalhadores – e ameaçando a
sobrevivência da população. Este mesmo povo, que chora as
mortes de milhares de parentes e amigos, ceifados pelo
coronavirus, enquanto assiste  avultarem os milhões já
desempregados e o retorno da legião de famintos e
desassistidos.

19. Antes da pandemia, o Brasil já sofria os efeitos da ofensiva


golpista, com destaque para a Emenda Constitucional 95 (que
congelou os gastos do Orçamento); a reforma trabalhista; a
reforma da Previdência Social e desmonte do INSS; a extinção
do Ministério do Trabalho e da Cultura;  o sucateamento do
Sistema Único de Saúde (SUS). A sucessão de ataques
desfechada pelo próprio governo atingiu a Funai, o Ibama, as
universidades públicas e instituições públicas de pesquisa
(INPE, Fiocruz e outras).

20. Mas não ocorreu só este desmonte, houve ampliação do


desemprego, redução do salário e da renda das classes
trabalhadoras, desmantelamento das redes legais de proteção
social — e uma brutal investida do capital predatório (latifúndio,
madeireiras, mineradoras) contra as lideranças sociais,
sobretudo assassinatos em série de indígenas e camponeses
das regiões remotas e de fronteira agrícola. Os povos
originários, indígenas e quilombolas têm sido intensamente
atingidos pelos efeitos da crise ambiental e também pela
ofensiva do capital neofascista ultraliberal. No campo, o avanço
do modelo de latifúndio mecanizado exportador do agronegócio
segue sufocando sistematicamente a produção da agricultura
familiar. Nas cidades, os problemas urbanos e sociais se
avolumam, sem solução.

21. A implementação do plano golpista e ultraliberal não


produziu a retomada da atividade econômica como fora
prometido. Ao contrário, assistimos a uma deterioração
crescente de todos os indicadores, exceto os lucros do setor
financeiro e bancário, bem como daqueles setores que se
beneficiam da pauta primário-exportadora e da desvalorização
do real.

22. Os desdobramentos da pandemia agravaram tudo o que já


vinha sucedendo antes no país: desemprego (com taxas
crescentes para a juventude, negros e negras, mulheres); piora
nas condições de trabalho (exposição a agentes biológicos
sem medidas de proteção, jornadas exaustivas, principalmente
para as mulheres, que acumulam de forma desigual as tarefas
domésticas e do cuidado); corte de salários; deterioração da
situação social (afetando, de maneira particular, indígenas e
quilombolas); miséria; redução das políticas públicas e sociais;
depressão da atividade econômica; ampliação da violência
doméstica contra mulheres e crianças, e até mesmo (como em
São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo) escalada dos
assassinatos cometidos pela Polícia Militar, tendo como alvo
principal jovens e negros da periferia. Se não bastasse, a
dramática situação de saúde pública, acirrou a crise social, que
vitima principalmente os setores populares, a população negra
e as mulheres; e atinge com maior violência proporcional
algumas regiões como é o caso do Norte do País.

23. Por incrível que pareça, há método nesta aparente loucura.


Como deixou claro o ministro Paulo Guedes – secundado,
entre outros e não por acaso, pelo ministro do Meio Ambiente –
a ideia é aproveitar a pandemia (que concentra a atenção de
quem defende a vida em primeiro lugar) para manter e, de
preferência, acelerar as privatizações, a desregulamentação
generalizada, a desnacionalização, a subtração de direitos, a
concentração de renda, redução dos investimentos públicos e
sociais, a ofensiva contra o meio-ambiente, a regressão da
economia nacional à condição da produção primário-
exportadora. Ao passo que, em outros países, a própria classe
dominante planeja a saída da crise, mesmo que
temporariamente, mediante uma ampliação do papel do
Estado, no Brasil o governo Bolsonaro pretende que a
“retomada” se dê entregando o país na bacia das almas e
oferecendo, para uma população exposta ao desemprego em
massa e à pobreza extrema, salários de fome e regimes de
trabalho semiescravos.

24. É importante frisar: diante da crise mundial e geopolítica, a


opção de Bolsonaro/Guedes é subordinação completa do
Brasil, relegando o País a mero fornecedor de matéria-prima na
divisão internacional do trabalho e de peão geopolítico dos
Estados Unidos. Nesse contexto, o Estado brasileiro deve se
comportar, essencialmente, como um poder repressivo; ao
passo que as classes trabalhadoras são encaradas, em grande
medida, como obsoletas e descartáveis. Por isso, são
condenadas ao desemprego estrutural, à informalidade, ao
encarceramento em massa ou até mesmo à morte, motivo pelo
qual a mortandade causada pela pandemia é funcional ao
projeto do governo Bolsonaro.

25. Esse é o projeto ultraliberal que está na base da articulação


golpista que tirou o PT do governo em 2016, condenou e
prendeu Lula em 2018 e apoiou a eleição de Bolsonaro. Eis por
que, a despeito do incômodo em relação a seu estilo, o
governo Bolsonaro segue tendo apoio do grande
empresariado, especialmente do setor financeiro e do
agronegócio – desde que continue fiel à pauta e os interesses
destes grupos. Também pela mesma razão, setores do
oligopólio da mídia que criticam o presidente calam-se diante
dos descalabros da sua política econômica. Além disso, o
governo conta com respaldo nas Forças Armadas, polícias
militares, milícias e, por último, mas não menos importante,
goza do apoio em setores e em cúpulas de igrejas
conservadoras, de grande influência popular.

26. Entretanto, apesar de unificada em torno do programa


neoliberal, a classe dominante e a coalizão golpista exibem
diversas fissuras políticas. A extrema-direita é favorável a
concentrar poderes no “poder executivo” federal, inclusive para
poder tratar com mais facilidade a questão social como caso de
polícia. Outros setores do golpismo buscam preservar seus
espaços de poder, nos Executivos municipais e estaduais, no
Legislativo, no Judiciário, e também nos meios de
comunicação.

27. O conflito no interior do golpismo pode ter três desenlaces:


um acordo, a vitória do clã de Bolsonaro ou sua derrota. O
cenário mais provável segue sendo o acordo por cima,
baseado na unidade em torno do programa neoliberal e na
tutela militar.  Por isso, aliás, a derrota do clã, se efetivada por
setores da direita — mediante golpe explícito, a tutela militar, o
afastamento temporário para julgamento por crime, ou um
impeachment com a substituição pelo vice — não deve causar
mudança na política ultraliberal. Inclusive, a depender de como
ocorra, a derrota do clã pode ser acompanhada de medidas
ainda mais restritivas às liberdades democráticas. Por outro
lado, tanto o cenário de acordo quanto o de vitória do clã
supõem um aprofundamento da tutela militar, com elementos
cada vez mais autoritários. Nos três cenários, pesam imensas
ameaças contra a esquerda e o Partido dos Trabalhadores.
28. A chamada Operação Lava Jato – na qual teve papel
central o ex-ministro e ex-juiz Sérgio Morto — é a principal,
mas não a única expressão do esforço de destruir ou pelo
menos debilitar de maneira profunda o Partido dos
Trabalhadores. Tal esforço abrange as mais variadas
operações da classe dominante, no plano judiciário, legislativo,
executivo, midiático, paramilitar e internacional. Apesar de o
alvo principal ser o PT, o objetivo é destruir as condições de
atuação independente do conjunto da esquerda e das classes
trabalhadoras.

29. Por todos estes motivos, torna-se decisivo que o PT


contribua – com firmeza, habilidade e sem arrogância – para
coesionar o campo democrático e popular em uma frente de
esquerda, que apresente uma saída de conjunto para a
situação, uma alternativa política que crie as melhores
condições não apenas para a aplicação de um plano de
emergência em defesa da vida, do emprego e da renda, mas
também um programa de reformas estruturais e de defesa do
meio-ambiente. Um programa de natureza democrática,
antiimperialista, antimonopolista, antilatifundiária, antipatriarcal
e antirracista, que aponte  ao País um novo rumo político,
econômico e social; um programa de desenvolvimento e
democratização cujo paradigma não seria o retorno à Nova
República, mas uma nova ordem constitucional. Um programa
que tenha como um de seus eixos a integração regional latino-
americana e caribenha, convertendo nossa região em um dos
polos, inclusive industrial e tecnológico, de uma nova ordem
mundial.
30. A construção de uma frente popular de esquerda, a julgar
pela experiência histórica, é um processo que será tecido por
muitas mãos e passará por muitas etapas. Até porque vivemos,
hoje, um momento de defensiva estratégica, onde têm
destaque bandeiras defensivas, de resistência das classes
trabalhadoras e de outros setores do povo brasileiro, por
exemplo: defesa da vida e da saúde pública; defesa da
democracia, dos direitos civis; do ensino público e da
universidade democrática; contra a reforma da Previdência;
pela anulação da condenação injusta do presidente Lula e pela
restituição de seus direitos políticos. Um momento em que a
luta política contra o ultraliberalismo e contra o neofascismo
ainda se trava, em grande medida, nas instituições e nas
eleições. E um momento em que a classe trabalhadora vai
reaprendendo como se organizar e lutar, nas difíceis condições
da pandemia, que acentuaram problemas anteriores, inclusive
as divisões no meio da própria esquerda.

31. No contexto da pandemia, ganha lugar central a defesa da


vida. Para o ultraliberalismo, grandes parcelas do povo
brasileiro simplesmente não importam. Daí porque defender a
vida é, em si, uma bandeira fundamental da luta política. É
preciso radicalizar na defesa do lockdown imediato; da fila
única para leitos dos hospitais públicos e privados; da
estatização de serviços privados de saúde; do financiamento
do SUS; e da continuidade da política de transferência de
renda. Mais que nunca, urge sermos radicais também nas
propostas para a retomada da economia em novas bases, o
que exigirá golpear pesadamente o capital financeiro, rentista,
especulador.

32. É nas trincheiras dessas batalhas que vai se gerando, por


baixo e por cima, a unidade popular. Caso consigamos
impulsionar um ciclo permanente e ampliado de mobilizações,
que coloque em movimento milhões de brasileiros e brasileiras,
poderemos passar da resistência à ofensiva, ampliando as
divisões do bloco conservador e abrindo caminho para
alternativas mais avançadas.

33. A base política de uma frente popular deve ser a unidade


de toda a esquerda brasileira, em aliança com setores
democráticos da sociedade e, também, com setores de
partidos da centro-esquerda como PSB e PDT. É fundamental,
nesse sentido, criar uma dinâmica de convergência com os
movimentos sociais, lideranças culturais, intelectuais e
religiosas da resistência.

34. O papel do Partido dos Trabalhadores é indispensável


nesse processo de criação de uma frente popular, de
esquerda, ampla porque radical. O protagonismo do PT é
determinado pela sua inserção social, pelo fato de contar com
a maior bancada no Congresso e por ter conquistado governos
estaduais com grande apoio popular que devem estar
integrados ao mesmo projeto nacional. Porém, o fundamental é
a linha política e a capacidade do PT em demonstrar para a
maioria do povo, que sua vida só vai melhorar se derrotarmos o
neofascismo e o ultraliberalismo. O que só se efetivará através
de uma ampla frente popular de esquerda.
35. Ao longo dessa caminhada, não podemos, em nenhum
momento, sucumbir aos apelos de nos tornarmos força auxiliar
de eventuais soluções funcionais aos defensores da agenda
ultraliberal, que estejam em busca de um ambiente político
menos arriscado para implementar seu programa. É ilusão
associar-se a qualquer frente que não deixe claro seus
compromissos com as condições de vida da maioria do povo
brasileiro, com a reconstrução de nossa soberania nacional,
com a defesa de liberdades democráticas reais, com a derrota
da extrema-direita e do fascismo. Como já dissemos, a
experiência histórica e internacional tem demonstrado que a
única maneira de deter a ascensão do fascismo é pela
esquerda. Na conjuntura que vivemos, para ser amplo, é
preciso ser radical.

36. Acordos, movimentos e ações pontuais podem ser


realizados com frações burguesas que colidam com o
bolsonarismo e defendam, mesmo que parcialmente, as
liberdades democráticas.  Sem, contudo, alimentar a ilusão de
formar uma coalizão orgânica, permanente e estável que
incorra em concessões programáticas de qualquer tipo.

37. Tampouco podemos atuar como se estivéssemos em uma


situação normal, fazendo cálculos e centralizando nossa
intervenção exclusivamente com vistas às eleições de 2020 e
2022. Nossa perspectiva tática está concentrada na campanha
“Nem Bolsonaro nem Mourão! Diretas Já!”. Devemos repelir
como ilegitima e antidemocrática qualquer saída que não passe
pelo voto popular. E, como já foi dito, eleições realmente livres
são eleições de que Lula possa participar.
38. É essencial frisar que a democracia que defendemos só
pode ser uma democracia sem tutela, de nenhum tipo, sobre os
setores populares e a classe trabalhadora. Isto é, uma
democracia sem vetos ao PT, nem a Lula, pois isto significaria
aceitar o veto à auto-organização partidária e social de ampla
parcela dos setores populares do País. Frentes amplas que
não proponham o afastamento de Bolsonaro, que não
defendam o impeachment, que não defendam a soberania
popular como a premissa básica da democracia, que não
defendam novas eleições, que compactuem com ou silenciem
sobre a tutela militar — frentes com tais características não nos
interessam. Ao contrário, elas nos enfraquecem, porque, além
de confundirem nossas bases populares, nos imporiam o limite
de atuar segundo regras pré-definidas pelos setores
dominantes do País.

39. A retomada dos vínculos e do apoio dos setores populares


e da maioria das classes trabalhadoras — em particular dos
setores submetidos à terceirização, à uberização e à
informalidade, das maiorias exploradas, abandonadas e
oprimidas — passa necessariamente por esse caminho da
polarização programática. Sem o que persistirão o desânimo, a
desorientação e a fragmentação em amplos setores.

40. Mas é fundamental reconhecer que não basta uma


orientação política geral. É preciso um trabalho de organização
e mobilização que passe pela compreensão, pela solidariedade
e pela luta por melhorar imediatamente as condições concretas
de vida das classes trabalhadoras. Nesse terreno das
condições concretas, cumprem um papel essencial as
dimensões de raça e gênero. Elas têm um peso estruturante,
na medida em que condicionam a experiência social dos
trabalhadores e trabalhadoras. O caráter genocida do governo
Bolsonaro, do neofascismo e do ultraliberalismo recai com mais
força sobre a população negra e as mulheres. Não por acaso, o
assassinato de Marielle Franco tornou-se um símbolo.
Igualmente importante é atentar para as dimensões regional e
geracional, que também não por acaso têm operado como
variáveis destacadas da luta de classes no país pelo menos
desde 2010.

41. Se tivermos êxito nas tarefas a que nos propomos, se


forjarmos uma frente popular com estes atributos, abriremos
caminho não apenas para retornar  ao governo federal, mas
também para travar a disputa pelo poder, no bojo da luta pela
aplicação efetiva das reformas estruturais acima mencionadas,
que inevitavelmente suscitarão resistências. O rechaço às
transformações imporá um enfrentamento que combine ação
institucional com luta social, e amplas mobilizações das classes
trabalhadoras, bem como de outras camadas sociais.

42. Com a linha correta, ainda que não haja sucesso imediato,
as batalhas travadas possibilitarão a retomada futura. No
entanto, sem uma orientação política adequada, se
renunciarmos a ser uma força independente e portadora de
uma alternativa de conjunto, o PT e toda a esquerda podem se
converter em linha auxiliar de setores da classe dominante e do
golpismo. Nessa hipótese, a derrota, além de arrastar o PT,
comprometerá a rica experiência de auto-organização dos
setores populares que ele representa e afetará negativamente
os demais setores da esquerda política e social brasileira.

43. Neste sentido, o que está em jogo é o destino do Brasil,


mas também o significado estratégico do Partido dos
Trabalhadores. Desde 1989 até 2016, o PT polarizou a luta
política no Brasil. Desde 2005, e particularmente a partir de
2016, a classe dominante se esforça para destruir o PT ou,
pelo menos, impedir que protagonize a disputa de rumos na
sociedade brasileira.

44. Há divergências, dentro do PT e dentro da esquerda


brasileira, acerca das políticas adotadas neste período
passado, mas nossa preocupação aqui não é com o balanço
do passado, mas sim com a formulação de uma política para o
presente e para o futuro, em que não caibam a conciliação de
classes, a crença ingênua na conduta “republicana” e
democrática das elites, a exclusividade ou principalidade das
vias institucionais e eleitorais. Mais que nunca, é papel do PT
imprimir prioridade à luta social; à organização de base; à
formação de quadros; à comunicação social independente; à
autossustentação financeira militante; a construção de uma
cultura de massas democrática, popular e socialista.

45. Para isso, precisamos de uma linha política que combine


uma estratégia e uma tática adequadas para o período
histórico atual e que não alimentem ilusões na conciliação com
frações das classes dominantes. Podemos e devemos fazer
alianças pontuais, toda vez que isso for útil na defesa das
liberdades, dos direitos e da soberania. Contudo, é sempre
necessário ter em conta que a burguesia brasileira tem unidade
em seu programa e em seus objetivos estratégicos, que
incluem interditar ou mesmo destruir a esquerda. Nenhuma
fração das classes dominantes tem disposição em compor uma
frente conosco: no máximo, querem nos usar como uma linha
auxiliar em suas disputas internas. Diante disso, seria um grave
equívoco abdicarmos de nossa identidade política para nos
associarmos com forças cujo horizonte máximo é a defesa do
oligopólio da mídia e  de instituições que, à exceção de uma
minoria de seus integrantes, foram artífices e executoras do
golpe de 2016, que culminou com a deposição da presidenta
Dilma, com a condenação e prisão de Lula, abrindo caminho
para a vitória do bolsonarismo.

46. A independência política deve se materializar também no


terreno organizativo: é preciso impedir a anulação das
instâncias dirigentes do PT, convertidas algumas vezes em
cartórios homologadores de decisões tomadas em outros
espaços; que convertem o PT num “partido de retaguarda”; e
que nos desvinculam progressivamente dos setores mais
jovens, mais oprimidos e explorados das classes trabalhadoras.
A esse respeito, nossa tarefa central, política e
organizativamente, segue sendo recuperar maioria nas classes
trabalhadoras, no conjunto da população explorada,
abandonada e oprimida.

47. Inclusive por isso, o PT deve lutar com todas as suas


energias para defender a vida, o emprego e a renda da
população. Isso inclui propor soluções concretas e imediatas à
crise sanitária, na linha das medidas defendidas pelo Partido,
por nossas bancadas parlamentares e implementadas por
nossos governos estaduais e municipais. Abarca, também,
impedir demissões, redução de salários, cortes nas políticas
públicas e, ademais, garantir renda e moradia emergencial para
os que estão em situação vulnerável, inclusive a população em
situação de rua.  Isso requer, ainda, a solidariedade de classe,
através de redes de ajuda mútua e acolhimento que fortaleçam
a coesão comunitária para resistência e sobrevivência em
momentos de crises e dificuldades. Não uma concepção
paternalista da ação caridosa, mas solidariedade de classe,
politizada, que saiba demonstrar, para o povo, que as soluções
verdadeiras dependem de uma alternativa política. Supõe
incorporar em nossa política todos os elementos constitutivos
da classe trabalhadora, tais como as questões regionais, de
gênero, geracionais e étnicas. Por fim, exige associar a defesa
da democracia, da vida, do emprego e da renda da população
com a luta pelo fora Bolsonaro, Mourão, seu governo e suas
políticas.

48. No Brasil, a única maneira de deter e superar a catástrofe


em curso é através do protagonismo da esquerda brasileira, de
seus partidos, organizações e movimentos, onde se destacam,
entre muitos, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem
Medo, a Central Única dos Trabalhadores, o Movimento Sem
Terra e a União Nacional dos Estudantes. Este protagonismo
depende, em boa medida, do que faça ou deixe de fazer o
Partido dos Trabalhadores. Se o PT não estiver à altura dessa
missão histórica, viveremos uma dupla catástrofe: a catástrofe
nacional e a catástrofe do próprio PT.
49. É neste quadro que, ao invés de uma atitude de defesa
passiva ou baluartista, afirmamos a necessidade de o PT
formular uma nova estratégia, adotar de maneira consequente
uma tática de confronto total com a agenda ultraliberal e o
governo Bolsonaro. É assim convictos que trabalhamos e
batalhamos em todos os terrenos, inclusive nas eleições de
2020, que a direita quer adiar, e nas eleições presidenciais,
que defendemos antecipar. Com muita nitidez, somos
favoráveis a um programa simultaneamente emergencial e
estrutural, um programa de reconstrução nacional em novas
bases, que imponha derrotas ao agronegócio, aos monopólios
privados, ao capital financeiro e ao imperialismo.

50. É nessa perspectiva, inclusive, que o PT decidiu, no 6º.


Congresso, empunhar como uma de nossas bandeiras “a luta
pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte
livre, democrática e soberana, destinada a reorganizar
estruturalmente o Estado brasileiro e aprovar reformas que
remodelem suas bases socio-econômicas e institucionais
dilaceradas pelo governo usurpador. A democratização das
instituições brasileiras é preâmbulo indispensável  para as
demais reformas estruturais”.

51. Orientados por tais diretrizes, seguimos lutando para


ampliar a influência do PT nas classes trabalhadoras, para o
que se faz necessário revolucionar nossa cultura de atuação e
organização partidária, muito trabalho de base e confronto
aberto com os diferentes projetos de mundo de outras classes
sociais. Urge, para tanto, empenho prioritário na organização
partidária, na formação ideológica e política da militância, a fim
de que possa, vinculada às lutas das classes trabalhadoras,
impulsionar sua ação consciente e independente. Coerente
com este pensamento, é vital modificar completamente os
métodos de direção do PT, para priorizar uma ligação profunda
à vida, às lutas e à organização das grandes camadas
populares da sociedade brasileira. E atuar, também, para a
integração do Brasil na América Latina e Caribe, bandeira que
vem sendo levantada pelo Foro de São Paulo desde 1990.

52. Os signatários desta DECLARAÇÃO seguimos lutando para


manter o PT como polo da disputa nacional e, assim, cooperar
para que a solução da crise favoreça a imensa maioria do povo
brasileiro, matando e enterrando o capitalismo e todas as
formas de opressão e exploração.

53. Como bem disse o companheiro Lula, no histórico discurso


do 1º.  de Maio de 2020, “o capitalismo está com os dias
contados”, e está “nas mãos dos trabalhadores” a tarefa de
construir um novo mundo, em que “ninguém explore o trabalho
de ninguém, um mundo em que se respeitem as diferenças
entre um e outro, um mundo em que todos, absolutamente
todos, disponham de ferramentas para se emancipar de
qualquer tipo de dominação ou de controle“.

54. Concluímos a elaboração deste texto no mesmo momento


(02/06/2020) em que as ruas dos Estados Unidos seguem
tomadas por manifestações que, para além do repúdio ao
racismo e à violência policial, são protestos contra a injustiça, a
opressão e a exploração que caracterizam o capitalismo. Aqui
no Brasil, ao mesmo tempo em que Bolsonaro desfila a cavalo
e manifestantes reproduzem rituais da Ku Klux Klan, as ruas
voltam a ser ocupadas por manifestações populares em defesa
da democracia. O futuro dependerá de batalhas que serão
travadas nos próximos dias, semanas e meses. Só a luta
deterá a catástrofe.

Viva o socialismo, viva a classe trabalhadora, viva o PT!!!

Breno Altman, suplente do DN do PT

Celso Marcondes, jornalista

Damarci Olivi, jornalista

Daniela Mattos, advogada

Jandyra Uehara, direção executiva da CUT

José Genoíno, ex-presidente nacional do PT

Júlio Quadros, diretório nacional do PT

Maria Carlotto, professora da UFABC

Múcio Magalhães, GTE nacional

Natalia Sena, executiva nacional do PT

Patrick Araújo, diretório nacional do PT

Rui Falcão, executiva nacional do PT

Valter Pomar, diretório nacional do PT

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