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A Evolução da Consciência Operária

O Manifesto Comunista
“O permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de todas as condições
sociais, a incerteza e o movimento eternos distinguem a época burguesa de todas as
outras... Tudo o que é sólido se desmancha no ar.”

K. Marx

O “Manifesto” compõe-se de três partes (Burgueses e Proletários; Proletários e


Comunistas; e Literatura Socialista e Comunista) e sua edição original tinha 23 páginas
impressas em alemão gótico, sem que os nomes dos autores constassem na capa. Como
observou Joseph Schumpeter, ele “é o prelúdio de todo o trabalho ulterior de Marx”. É
como se o pensador alemão fizesse antecipadamente um resumo de tudo aquilo que iria
escrever nos anos seguintes, que alcançou sua forma mais aprimorada em O Capital
(Das Kapital), publicado em 1867.

Assustador, eloqüente, indignado, mobilizador, impressionante, enfim, o Manifesto


tornou-se o mais famoso escrito político contemporâneo. “Um espectro ronda a Europa,
o espectro do Comunismo!”; a frase de abertura do texto foi uma das que mais impacto
causou. Marx desenvolve sua teoria de que toda história até então conhecida é resultado
da luta de classes (Klassenkampf): escravo contra senhor, servo contra barão, oprimidos
contra opressores. No presente, no mundo moderno, esse conflito se dá entre o
proletariado e os capitalistas, porque os trabalhadores não passam de “escravos
assalariados”. Enalteceu a revolução burguesa, que “desempenhou na história um papel
altamente revolucionário” ao destruir o mundo feudal, impondo a lógica “fria do
interesse e do lucro”, fazendo com que todas as relações humanas se tornassem
mercadoria. Previu que o avanço produtivo nos conduziria ao mercado mundial e que as
nações capitalistas mais adiantadas arrastariam todas as outras, mais atrasadas, para
dentro da civilização. A burguesia, originada nas estruturas urbanas medievais, foi a
grande impulsionadora do progresso técnico-científico e dominava o cenário econômico
e político da sua época. Decorrente dessa hegemonia, todas as relações jurídicas,
filosóficas e religiosas resultam disso. Mas, afirmou Marx, era uma classe condenada. O
capitalismo concentrava riquezas e propriedades de um lado e miséria e pauperismo do
outro, levando-o a uma inevitável crise social. A ampliação da massa de explorados e
seu crescente desespero seriam o combustível que incineraria a estrutura burguesa. Os
proletários organizados num partido revolucionário aboliriam a propriedade privada dos
meios de produção, afastariam a burguesia do poder e implantariam a sociedade
socialista sem classes. Essa era a verdadeira missão histórica que os aguardava. Se
naquele momento estavam reduzidos à pobreza e à fome, em breve transformariam o
mundo. Por serem explorados pelos capitalistas em todas as partes do mundo, “os
trabalhadores não têm pátria”, por isso, ao se revoltarem, não teriam nada a perder, “a
não ser seus grilhões”, já que nada mais possuíam.

Marx extraiu grande parte da sua concepção histórico-dialética do filósofo G. W. Hegel


(1770-1831), que, apesar de conservador, tinha uma visão histórico-evolutiva que
afirmava a marcha da humanidade rumo à liberdade. Dele também era o princípio de
que a história se movia por meio de contradições (tese, antítese e síntese) e de que a luta
– agon – era o motor da história. No entanto, se para Hegel o que impulsionava a
história era um “Espírito Absoluto”, uma “Idéia”; para Marx eram as forças produtivas
em conflito com as relações de produção, era a economia-política, a maneira como as
sociedades se organizavam para produzir e distribuir as coisas que determinavam sua
existência. A matéria condicionava o espírito e não ao contrário. Para Marx, durante um
largo tempo da História Antiga, o modo de produção escravista foi predominante. Na
Idade Média, o modo de produção feudal fez com que o conflito se concentrasse entre
os servos da gleba, os barões e os condes. No Contemporâneo, o choque se dava entre
os capitalistas e os proletários. Como as demais classes do passado desapareceram,
concluiu que o mesmo ocorreria no presente, com a emergência da sociedade
comunista.

Na parte programática do Manifesto, Marx listou algumas medidas possíveis de serem


aplicadas, pelo menos “nos países mais avançados”, tais como: expropriação da
propriedade fundiária, imposto progressivo (quanto maior for a renda, maior o
percentual descontado), abolição da herança, concentração dos recursos financeiros e
creditícios no Estado, multiplicação das “fábricas nacionais”, trabalho para todos,
eliminação das diferenças entre campo e cidade e educação gratuita e profissionalizante,
combinada com proibição do trabalho infantil.

Passados cento e cinqüenta anos, muitas delas tornaram-se parte da legislação social
convencional na maioria dos países, enquanto que outras foram superadas pelo tempo.
Sua intenção era fornecer alguns pontos que serviriam de plataforma política para os
partidos socialistas que começavam então a serem formados. Procurou dar-lhes algum
sentido prático enquanto não se faziam presentes as “condições objetivas”  para a
revolução. Finaliza a terceira parte com uma conclamação que se tornou célebre:
“Proletários de todo o mundo, uni-vos”!

A “Primavera dos Povos”


Até 1848, a Europa era governada por formas diversas de monarquia, desde a
Monarquia Constitucional Liberal da Inglaterra até a Autocracia Czarista. Os princípios
da Revolução Francesa de 1789, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, haviam sido
postos de lado por governos conservadores ou reacionários depois que ocorreu a derrota
de Napoleão Bonaparte em Waterloo, em 1815. A Era da Restauração, de 1815-1848,
foi dominada pela coligação legitimista da Santa Aliança, em que os reis se
comprometeram a uma espécie de socorro mútuo caso fossem ameaçados novamente
por uma revolução democrático-liberal. Ocorre que era impossível dar a volta nos
ponteiros da história e fazer o mundo voltar ao Antigo Regime, ao predomínio da
nobreza feudal e do absolutismo. Em 1848, essa contradição explodiu. Por tomar ímpeto
maior a partir de março, a Revolução chamou-se “Primavera dos Povos”

Começando na cidade de Paris em fevereiro de 1848, ela espalhou-se. Em pouco tempo,


as ruas de Viena, Berlim, Milão, Roma, Nápoles, Budapeste, Varsóvia e Madri entraram
em efervescência revolucionária. Surpreendidos, os políticos e governantes europeus
tiveram que recuar e fazer concessões, sendo que o Príncipe de Metternich, o principal
arquiteto da Santa Aliança, teve que fugir às pressas de Viena. Na Alemanha, convocou-
se uma Assembléia Nacional para reunir-se em Frankfurt, com o objetivo de unificar o
país e dar-lhe uma constituição. Outras nacionalidades, como os italianos, os tchecos, os
eslovenos, os húngaros, os poloneses e os súditos dos impérios do centro e do leste
europeus rebelaram-se em favor da sua independência. Naquele ano parecia que o
mundo inteiro vinha abaixo.

Fazendo uma síntese das suas ambições, podemos dizer que, no plano político
institucional, a Revolução de 1848 propunha-se a abolir com as monarquias
absolutistas, substituindo-as por monarquias constitucionais (como na Prússia e na
Áustria), ou simplesmente proclamar a república (como no caso da França e de várias
cidades e províncias da Itália).

No social, lutou para que adotassem melhorias nas condições de trabalho da classe
operária, como a redução da jornada de trabalho para 10 horas/dia para mulheres e
menores, acatada na Inglaterra. Esperava-se que doravante fossem derrubados os
obstáculos que dificultavam a formação de sindicatos e partidos operários, luta que foi
acompanhada pelo movimento a favor do sufrágio universal (adotado na França em
1848, mas rejeitado pelo Parlamento inglês no mesmo ano). No que tange a livre
expressão das idéias, garantiu-se a liberdade de imprensa e de livre associação. As
minorias étnicas afirmaram o seu desejo de livrarem-se do domínio estrangeiro e
formarem países independentes. Na Itália teve início o Risorgimento, que culminou
anos depois com a conquista da unidade nacional, em 1871. Com o desencadear da
contra-revolução, os reis anularam muitas dessas conquistas, mas grande parte delas
voltou a ser regulamentada e aceita nos anos que se seguiram, como exceção da
autonomia das nacionalidades e das etnias. Então qual foi o resultado da Revolução de
1848? Como escreveu Engels: “a conquista mais importante da revolução é a revolução
mesma”.

Marx e Engels em 1848

Berlim e a sublevação dos trabalhadores (1848)


Foto: Reprodução

Marx e Engels, quando souberam das manifestações de rua ocorridas em Berlim,


partiram da capital francesa para instalarem-se na Colônia. Um outro grupo de exilados
alemães que viviam em Paris, integrantes da Sociedade Democrática, liderados pelo
poeta Herweg, resolveram “exportar” a revolução para a Alemanha, formando uma
legião invasora. Para Marx isso era pura aventura, por isso condenou a expedição que
terminou facilmente desbaratada pelo exército alemão na fronteira.
Com escassos meios, Marx reabriu o seu jornal, denominando-o de Nova Gazeta
Renana (Neue Rheinische Zeitung), e, percebendo que a Liga dos Comunistas na
Renânia era inexpressiva, conclamou seus seguidores a aderir à Sociedade Democrática,
que era uma frente de socialistas, republicanos radicais e liberais. Ele e Engels viajaram
para várias partes da Alemanha em busca de recursos e também estimulando os grupos
revolucionários. Foi a única experiência que eles tiveram em vida com uma revolução.
No entanto, no segundo semestre de 1848, as coisas se inverteram. A revolução perdeu
sua energia, e a contra-revolução tomou força.

Em Paris, no mês de julho, uma intensa mobilização militar chefiada pelo Gen.
Cavaignac, utilizando-se de artilharia e tropas, varreu os agrupamentos populares,
rompendo a aliança entre a burguesia e o povo. Algum tempo depois, os russos
sufocavam os húngaros em Budapeste, e os croatas, a serviço dos austríacos, reprimiam
a população de Praga. Na Rússia, Nicolau I, “o czar de ferro”, ordenou a prisão do
Círculo Petrachevski, um grupo de intelectuais integrado pelo novelista F. Dostoievski,
condenando-os ao degredo na Sibéria. Em novembro, na cidade de Berlim, o rei da
Prússia Frederico Guilherme IV ordenara a contra-ofensiva, repudiando qualquer acordo
com a Assembléia Nacional, dizendo que “contra os democratas só adiantam os
soldados”. Marx começou a sofrer processos e julgamentos. Por duas vezes foi ao
tribunal responder a acusações de subversão. A Nova Gazeta Renana, que chegou a
vender 6 mil exemplares (número expressivo para a época), sofreu intervenção e uma
censura cada vez mais rigorosa. As autoridades prussianas, que governavam a
Alemanha renana, resolveram enfim, em maio de 1849, expulsar Marx da Colônia. Ele e
Engels interpretaram o sucesso da contra-revolução como resultado do medo da
burguesia européia dos excessos dos operários, fazendo com que se voltassem para o
partido da ordem, isto é, o dos monarcas. Mas também foi ajudada, no seu trabalho
repressor, por uma fatalidade comum às revoluções, como Engels registrou: “é destino
de todas as revoluções que esta união de diferentes classes, que em algum grau é sempre
condição necessária de qualquer revolução, não pode subsistir durante muito tempo.
Logo que se obtém a vitória contra o inimigo comum, os vencedores ficam divididos em
campos diferentes e viram suas armas uns contra os outros”.

Gradativamente os governos recuperaram sua autoridade, revertendo a situação. A


derrota das massas terminou por servir de estímulo para que milhares de pessoas
procurassem vir, nos anos seguintes, para as Américas, escapando das difíceis condições
de vida que lhes restaram depois do fracasso da revolução. Livrando-se das injunções e
das obrigações feudais, protestaram emigrando.

Em Pernambuco, no Brasil, os revolucionários praieiros, liberais-esquerdistas, depois de


terem se insurgido na capital da província contra os conservadores – os gabirus –, em 7
de novembro de 1848, refugiaram-se no interior, onde as forças imperiais os
perseguiram até que seus líderes Pedro Ivo e Antônio Borges da Fonseca fossem
desbaratados em 1849.

Declinando a chama revolucionária na Alemanha, Marx retomou a estrada do exílio,


tendo perdido na manutenção do jornal 7 mil táleres do seu próprio dinheiro. Voltou a
Paris, mas o novo governo, pouco simpático aos emigrados, forçou-o a ir para Londres.
Engels também para lá se dirigiu, e ambos trataram de reorganizar a Liga dos
Comunistas. Os anos que seguiram foram de calmaria política, o que fez com que Marx
finalmente se dedicasse em tempo integral a sua grande obra econômica, da qual só
publicou o primeiro volume de “O Capital” (Das Kapital).

Bibliografia
Claudin, Fernando. Marx, Engels y la revolución de 1848. Ed. Siglo XXI, Madri, 1975

Hammen, Oscar J. The Red’48 ers: K. Marx e F. Engels. Charles Scriber’s Sons, N.
York, 1969

Hobsbawn, Eric. Trabajadores: estudio de historia de la clase obrera. Editoria Crítica,


Barcelona, 1979.

Ivanov, N (org.). Federico Engels, vida y actividad. Ed. progresso, Moscou, 1987

Laski, Harold. O Manifesto Comunista de 1848. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1967.

Marx, Engels. Obras Escogidas. Ed. Progresso, Moscou, 1982, 3 vols.

Marx, Engels. Sobre la revolución de 1848-1849. Ed. Progresso, Moscou, 1981.

McLellan, David. Karl Marx, su vida y sus ideas. Ed. Crítica, Barcelona, 1977.

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