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Representac6es de etnicidade: Perspectivas interamericanas, de literatura e cultura EURIDICE FIGUEIREDO [7° ce Figuctedo (0 2010 Euriice Few ssa de 1990, Acorde Orogrfio da Lingua Peres soras do segue a Be i 6 7008. sadovado 10 Prodagé editorial Taadora Tiavassos Waleska de Aguirre Diagramagito “Ta Villaga Revi Sanda Pasar Produgdogrifica Isabella Carvalho {CUP-RRASIL, CATALOGAGKO-NA-FONTE, SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, Ry —_SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Figs Fiusiedo, Brice Represenages de emnicidade:perspectiva interame Eure iguiredo, - Rio de Janeiro: 7 chi bibliografin 108 978-85-7577-680.3 cra comparada. 2 rrr ~ isi eet 10.2464, ura. 3. Etnicismo, 4, América — ilo, 809.897 cou: 82.091, 2010 Vircvos de Caso ai R Goethe, 54 Botafogo : Tr ei RY ce 22981999 ) 2540.0076 itom@ les com by I 7s com by EPRESENTAGOES DO IND{GENA NA LITERATURA BRASILEIRA C.) $6 duas coisas a gente a gente nunca tem que se € no esquecer que todas DANIEL MUNDURUKU precisa entender para ser feliz: Preocupar com coisas pequenas; as coisas so pequenas. O canibal e o bom selvagem através do Ppensamento francés Antonio Candido lembra, no prélogo do livro Didlagos entre 0 Bra- sile a Franca (2005), a importancia da cultura fran cesa para sua geracao, observando que os jovens de hoje, penetrados pela influéncia norte-ameri- cana, nao conseguem talvez avaliar 0 que isto significou. Segundo ele, desde o inicio do século xrx a Franga exerceu no Brasil o papel formador que as culturas classicas da Grécia ¢ de Roma exerceram na Europa, Na ver- dade, a imbricagéo da formacio do Brasil com a constituicéo do pensa- mento francés remonta muito mais longe jé que, no século xv1, a vinda de Nicolas de Villegaignon para o Rio de Janeiro, a fim de realizar o projeto da Franga Antéttica, ocasionou o primeiro contato intimo entre os franceses € 0s indios Tupinamba. Afonso Arinos de Melo Franco [1937] demonstra que 0 indio brasi- leito teve uma grande importancia para a criagdo do mito do bom selvagem no imagindrio francés, desde a carta de Américo Vespucci, Mundus Novus, que teve um grande puiblico leitor na Europa, passando pela presenga fisica de indios,'* daqui levados por franceses e portugueses, e por uma série de livros, dentre os quais podem-se destacar Les singularités de la France Antare- tique (1558), de André Thevet, ¢ Histoire d'un voyage fait en la terre du Bré- sil (1578), de Jean de Léry.!” Como mostra Frank Lestringant, as primeiras "epresentagées dos indigenas na Europa foram as dos Tupinambé, criadas a ___ Partir dos relatos dos viajantes que fizeram crdnicas. Além de André Thevet ¢ “be 4 7 7 Jack Fete bréilienne, | pelo menos um grande evento na Franga com a participacio de indios brasiletos: a | ‘ealizada em Rouen, mn 1550, diante do rei Henri II ¢ da rainha Catherine de Médicis (Belluzzo, 1999). {Amos estveram no Rio de Janezo no empreendimenco da Franca An ica (1555). Villegnignon. pttlow-se numa itha da bafa da Guanabara (que leva seu nome ¢ hoje j« est ligada a0 continente). 1565, anos apés a destruicio da vila fortificada dos franceses, os portugieses fundaram a cidade 0 continente, 105 ae ico Vespucci’? ¢ Hans Staden. Fo; 4 ary, ele destac? * tr Minuidade da idade de oun By de Le Tu os indigen® nem fé, € vive segundo a naturezg? Ma gm nem leh s Staden, capturado pelos Tupinambg, coal : 4, p-65)- Han: raa Europa ¢ publicando seu livry ss e orm or principal fornecedor de imagens do, a re a colesao de 14 volumes publicados de be de Brys oe tevant, a0 longo do tempo os tracos ty 0 William Stur' tenderam aos outros aborigenes da Ag ‘upinambizasa0” (citado por Lesting de vis Do ponto ¢! pais foi Théodore vi pd, Segundo William 5° 2 ears dos Tupinambs S© © hama de rica, proceso oa P a sudo o livro de Jean de Léry que teria inspirado Mong n ‘oi sol do escreveu 0 célebre capitulo sobre os canibais nos Ensaios (1580). \y quando ¢ sta de Montaigne, 08 canibais nao eram mais batbaros dy tavam e torturavam por causa das guerras de rej. que ele perspectiva relativi , que mat : fio. em do conhecimento livresco, 0 filésofo tinha, em seu aastelo, un empregado doméstico que vivera dez, ou doze anos entre os ‘Tupinambé ¢ que the falara das novas terras e seus habitantes (Lestringant, 2006, p. 12), Ora, foi Montaigne quem moldou o pensamento francés com sua reflexio sobre o relativismo das culturas. O descobrimento da América constituiu um desafio para seu pensamento, revelando-lhe uma outra humanidade diz- metralmente diferente: Ela vive nua, sem manifestar um sentido de pudor que nos parece tio natural. Ex ignora até os fundamentos de nossa sociedade civil e néo é mais infeliz por caus disto. propriedade privada, o princfpio de hierarquia, a divisio do trabalho, atval- dade pela poss das mulheres Ihe so desconhecidos. A coragem, a nobreza eo dsi- teres if ide ‘ = ae manifestam com tanta evidéncia estes homens surgidos no horizonte dos os mas impsdam de comer uns aos outros. Ha que convir que este quad tos de pensamento (Lestringant, 2005, p. 19). Nos Ensaio i s, Montaigne d Rot escreve um: em 1562, por ocasizo dec ig ‘© uma cena que se passa em Rouen E sem duvida rclevanee oa do tei Charles rx, entéo com 12 anos de idad® : : a gueras de rligiay cmb que @ cidade havia sido destruida dusa® 4 © coroar 5 forcas fis 20 cia MENto $6 g gers entre ingles, franceses e americanos e neste sentido eles foram bem “ atados por seus aliados. Depois da guerra de 1812, quando os conflitos com 1trsados Unidos terminaram, a politica em relagio aos indios comegou @ © dar porque eles perderam importincia (Francis, 2000, p. 200). A litera mira 0s livros de histéria refletem aos poucos esta transformacio € pelos ns do século xix a demonizagao dos indios ¢ preponderante. Um exemplo poderia ser © romance Wacousta or the Profécy [1867], de John Richardson. Quanto a0 Quebec, uma mudanga se opera depois da Conquista Britdnica cm 1760: 2 se até entao os franceses eram bastante préximos dos indigenas, 4pés 1760 eles procuraram se diferenciar dos indios para preservar o estatuto de branco na nova sociedade que se formava, na qual eles se tornaram mino- titurios. E preciso dizer que o termo Canadien designava entio os franceses do Canadé tanto quanto os Métis assimilados, “raga” que era 0 fruto das rela- oes mais ou menos durdveis que eles entretiveram durante suas incursGes nas terras dos indios para 0 comércio de peles e de madeira. As diferengas que se podem perceber no século x1x entre 0 Brasil ¢ 0 Canadé se situam tanto no nivel dos textos literdérios quanto nos discursos identitérios articulados a eles. No caso brasileiro, foi a intercesséo dos dis- cursos cientificos da época — sobretudo de Spix e de Von Martius — que pro- curaram explicar a mestigagem visivel que existia no pais e 0 paratexto de José de Alencar que guiou a leitura de sua obra, que seria interpretada como romance da formacio étnica da nacao, Numa sociedade escravista, em que a maioria da populacao era negra ou mulata, os romanticos afrancesados ele- geram o indio como ancestral nobre como os cavaleitos da Idade Média, como observa Sérgio Buarque de Holanda: E curioso notar como algumas caracteristicas ordinariamente atribuidas aos nossos indigenas e que os fazem menos compativeis com a condigio servil — sua “ociosi- dade", sua aversao a todo esforso disciplinado, sua “imprevidéncia’, sua “intempe- ranga’, seu gosto acentuado por atividades antes predat6rias do que produtivas ~ ajustam-se de forma bem precisa aos tradicionais padres de vida das classes nobres. E deve ser por isso que, a0 procurarem traduzit para termos nacionais a temtica da dade Média, prépria do romantismo europeu, esctitores como Gongalves Dias € Alencar, iriam reservar ao indio virtudes convencionais de antigos fidalgos ¢ cavalei- 05, a0 passo que o negro devia contentar-se, no melhor dos casos, com a posigio de vitima submissa ou rebelde (Holanda, 1973, p. 25-26). hee a ‘anos apés a derrota dos franceses, a Franga, a G ' (1763), que ratificava a cessio do Canad G -Bretanha ea Espana assinaram o Tratado de Bretanha. iu Tracema nao oferece uma visdo idilica da ita jp O romance ma salva o homem branco (Martim) Pata enn wtty, verdade cre amor; exilada na tribo rival de Seu povg, 1 SB i ida, abandonada por seu amante, cla é sing ao pai e morte. A representacio dos indiog ’ a ly, Moacit Inorte. 7 entrega 0 aiados de Martim (Pkiguaras) 0 bons, mas ge en seja, 08 gua, ou . Sin Jo selvagens. Irapua, o chefe tabajara que quer defende: 8% ‘Tabajaras) sao selvagens. ‘rap' de ; Sas te, Coe ro contra invasio dos Portupueses e de sev aliados Pig ras de seu ee “irado”, ele tem “o ribido olhar” (Alencar, 1979, 5 ie é descrito com aoe < yet), O guerreiro Irapua, apaixonado por Iracema € enciumado do bra ue a fim de operar uma espécie de conve; quer beber-lhe o sang} 7 a . formar-se pela aquisicao das qualidades de sedugdo de Martim, uma forma de antropofagia amorosa. “O coragao aqui no peito de Trapug ficou tigre. Pulou de raiva. Veio farejando a presa. O estrangeiro est4 No bos s que, ¢ Iracema o acompanhava. Quero beber-lhe o sangue todo; quando» sangue do guerreiro branco correr nas veias do chefe tabajara, talver ame a filha de Araquém” (Alencar, 1979, p. 21). Pocahontas (em torno de 1595-1617), na verdadeira historia ames. ana foi mais feliz que Tracema, personagem ficcional da histéris brasileira: ela casou-se com John Rolfe, visitou a Inglaterra, onde foi recebida pelo rei, teve um filho (Thomas Rolfe) e morreu chegando nos Estados Unidos. 10 de Pocahontas, seu casamento e o nascimento surados nos séculos seguintes, inclusive na ver It Disney de 1995 Porque a mesticagem ¢ algo cial: na a sucumbir, vitima d a0 massacre dos se 80; Trata-se i : 4 tre nuaram a encenar os indios mas j4 num on ° NsHo litica de José de Alencar, A antropoti . ismo Contestacio do Status quo, do conservadoris™? 620 20 esp 20 era moderna e estava, consequentemen'® a Pitito dos modernistas, Oswald critica a aproptia¢ : 1a sransformagao que foram feitas da figura do indio pelos romanticos, sobte- wef por Alencat. Ele demonstra ao mesmo tempo um eapito antipor Meués, antiparnasiano, pois os brasileiros, dominados pelos dogmas line quisticos portugueses, praticavam uma lingua que nao correspondia mais & Sr idade. Tiata-se de um aspecto que aparece fortemente tanto na obra de Havald quanto na de Mario, Em Macunaima, a parédia da lingua erudita des parnasianos € especialmente saborosa no capitulo nx, “Carta pras Ica- bas’, na qual ele parodia escritores como Coelho Neto. Como a critica jd salientou, Macunaima seria 0 anti-Peri ¢ 0 “Mani- festo antropéfago” seria a afirmacio do mau selvagem, do canibal. Aliés, no fim do texto, de maneira provocadora, Andrade coloca como data do Mani- festo: ano 374 da degluticio do bispo Sardinha. Assim, os dois autores ten- taram desconstruir a imagem mitica cheia de bons sentimentos a fim de dar mial uma imagem invertida: Macunaima é preguigoso, libidinoso, aproveitador, vingativo. Ao fazer isto, os modernistas assumem aquele lado negativo que os europeus haviam dado de nés. Inspirados no primitivismo das vanguardas francesas, nossos modernistas véo buscar na histéria aquilo que havia sido denegado pela tradi¢ao bem pensante. Assim como Aimé Césaire reivindicou o termo négre, de conotacao negativa, para criar a negritude, assim como se recuperou o gaucho da tradigao argentina, assim também os modernistas afir- maram aquilo que tinha sido desvalorizado, que causava constrangimento. Em poucas linhas Oswald de Andrade estabelece uma linha hist6rica que vai do projeto da Franga Antértica até 0 bérbaro tecnizado de Keyser- ling, passando pela Revolugao Francesa, pelo romantismo, pelo marxismo que desembocou na Revolugéo Bolchevista, pelo surrealismo. Assim, ao afirmar que “Sem nés a Europa no teria sequer a sua pobre declaragao dos direitos do homem”, Oswald inverte as velhas hierarquias de colonizador- muda a ordem de valores. Queremos a Revolugao Caratba. Maior que @ Revolugio Francesa. A uunificagso de todas as revoltas eficazes na diregao do homem. Sem nds Europa néo ceria sequet 8 sua pobre declaragio dos direitos do homem. Aidade de ouro anunciada pela América. A idade ¢ Filiacéo. O contato com o Brasil Carafba. Ori fe alu "! taigne, © homem natural. Rousseau. Da Revolugéo Prancest mani Revolugdo Bolchevista, Revolugio Surrealista ¢ ao batbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos (Andrade, 1978, p. 14. Grifos do auton) colonizado e, com um piparote, ‘dade de ouro. E todas as gis. sc} Villegaignon print terre. Mov Romantismo, 2 ne 43 uma recep¢ao fraca durante y, ue comegaram a se tornar CaNSnico, 0s Lees a ancropofagia oswaldiana um snl : ae da interpretagao do Brasil. Seguinds “4 s largo € metafdrico mre que come ¢ absorve o que lhe é sttangeirg a Jégica, o Brasil seria um 3 eruir sua propria cultura. De acordo com Silyi : transforma-o a fim de con: -se no Manifesto uma visdo nao-hierérquicg a Santiago (2009), aa no aforismo de Oswald: “Contra as historia ‘ saber universal, que esta ¢ ae Finisterra. O mundo nao datado, Nig im no oe at Napoleio, Sem Césat” (Andrade, 1978, p. 16). rubricado, tiveram. Estes dois textos de 1928 te peer décadas; foi s6 108 ¢ 1 ee artir de entao a criti Pi mai Antonio Callado e Darcy Ribeiro: uma visdo antropoldgica Se, ao longo do século xix, a postulagao eraa de civilizar OS Indios, — de inclui-los na maquina e na marcha modernizadora, os discursos a par I) tir dos anos 1930/40 mudaram, na medida em que se dava conta que no If 6 os indigenas nao haviam desaparecido, como também nao haviam ado. tado 0 modo de vida ocidental, mas que eles resistiam e buscavam cada ver | i mais preservar seus costumes, Nos paises com forte densidade de populacio i indigena (México, Guatemala, Peru, Bolivia), houve um movimento indi- i| genista que se propunha a tratar dos indios vivos, do presente, denunciando i] as Injusticas sociais, 0 racismo, mas a0 mesmo tempo descrevendo suas cul- | furas reais, ndo mais aquelas do Passado, P, i n a ‘ara dar alguns exemplos do Peru, Recem-se clear Los ries profundas [1956], Todas las sangres [1964], de José Alte AtBuedas (1911-1969) e £1 mandy @ ancho e ajeno [1941], de Ciro egria (1909-1967). , No Brasil, na © que rem a ae howe na mesma época um movimento indigenist de Darcy Ribeiry (1922 {opi ra rdf Sobretudo através do pre ; Antonio Callado (1917-199 autor de Matra (1976). Nove anos antes i Bit0U esta visdo antropolé, 2 P*¥ia Publicado uarup (1967), que inate , tropol. c tp ( > q! 3 Fi hoje, indios que tentam sobre Tas, "SAS, que os despreza e os afasta put sO pros A ho de 40 na repig, Re Padre Nando, tinha o son ; 7 Maneira das antigas miss6es j™ > 8entina e f ‘ Joni | 4 Paraguai na época col cuja destrui¢ao foi tematizada por Basilio da Gama no Uraguay. Mas ao che- Mo Parque Indigena do Xingu,” ele jé tinha abandonado o sacerdécio. Quarup se passa No perfodo que vai do governo de Gettilio Vargas, pas- cando pelo seu suicidio em 1954, pela eleigio de Janio Quadros a presidén- a repiblica e sua rentincia em 1961, pelo golpe dos militares e a ins- cryragéo da ditadura em 1964, ou seja, vai de uma ditadura a outra. Varias jarigas se imbricam: a resisténcia politica ¢ a repressio, a festa Quarup, a vida dos indios, a expedicao que busca o centro geogréfico do pais, os amo- vreavida sexual de Nando e outros personagens. O romance constr6i uma bre o pais que termina em derrisao: 0 centro do Brasil - que deve- “ater um valor simbélico de coragio ~ é um imenso formigueiro. As sativas que devastam as plantag6es jé haviam sido tematizadas em Triste fim de Poli- carpo Quaresma (1915], de Lima Barreto (1881-1922) ¢ em Macunaima, cujo reftdo &: “Muita sativa e pouca satide, os males do Brasil sao.” © aspecto que predomina na representagio do indio neste romance € 0 da vitimizacao: ele é vitima de doengas, de agressoes de grileiros, da ma poli tica federal, de incompreensao. Fontoura, personagem provavelmente inspi- vido nos irmos Villas Boas, £0 Gnico homem branco™ que entende a culrura fo na érea que vitia a se tornar oficialmente o Parque Nacio- ligiosas nem outro tipo de traba- cia alegoria so dos indios que est nal do Xingu. Ele nao aceita nem missGes re como transformé-los em pescadores ou lavradores. Iho que os aculturasse, cio literdria brasileira para desestabilizé-la, Callado Situando-se na trad cia um casal misto derrisério: Sonia Dimitrovna, a branca descendente de imigrances russos, a mulher mais desejada pelos homens ~ inclusive por um ministro — decide fugir com 0 indio Anta. O casal nunca é reencontrado, mas hé noticias disparatadas sobre a mulher branca que teria passado por varias tribos. ‘Antonio Callado teve contato com os indios ma imtensidade que Darcy Ribeiro. Enquanto antropélogo que viveu entre os indios e que estudou seus mitos, Darcy Ribeiro explora de maneira poética 9s mitos cosmogénicos ¢ os cédigos sociais ¢ religiosos do povo Mairum. Em muitas passagens de Mafra pode-se ler um contradiscurso 4 imagem tra- ditional de que os indios vivem nus, que séo selvagens, sem nenhuma lei. Sanniesh aaa «© Parque Indi ’, « no norte do Mato Grosso; tem 5.500 . Indigena do Xingu, de 27,000 km*, encontrarse 0 indigenas de 14 eens Fundado em 1961 po presidente Janio Quadros, £0 resultado do trabalho be ‘Itmaos Villas Boas. Uso o terme branco para designaro brasileiro em ger mesma se cle 10 Ebranco. is nao com a mesma 15 — constata-se que homens e mulheres i licas: os homens devem amarrat 0 membro com 0 Ba 6 Uluri. Ninguém tira estes acess6rios em pubblico; o hy oni to de tirar 0 Uluri para fazer amor com a mulher, oiled vr assim seu consentimento. Os c6digos sociaissio mig ados de maneira a proibir o incesto, Apesar dy de da vida dos Mairuns, tudo € hierarquiza ds lez, ‘Apesar de sua aparente nud ,oupas” simbé mulheres usam nao tem o direi ela retird-lo, dan esttitos, os clas s: simplicidade e da de acordo com os as do organiz naturalidac mitos cosmogonicos, ‘Como observa Antonio Candido, a intriga se tece pes Contraposicig dos destinos cruzados de dois personagens, Ava/Isafas, indigena que rece. beu uma educaggo no mundo dos Brancos, € de Alma, uma jovem braneg em conflito, que decide ir viver entre os indios. Ao cabo de dois anos, Alma fica grivida de gémeos e morre de parto, o que esvazia 0 projeto de unig entre a mulher branca e 0 indio que pudesse levar & mesticagem. Se no romance de Callado a branca Sonia desaparece — como se fosse imposs(- vel imaginar a vida comum de Sonia e de Anta -, em Mafra a jovem Alma morre. Enquanto vive com os indios ela reflete sobre varios aspectos da cul- tura indigena: em relacao & nudez, ela se dé conta que nao pode usar o Uluri porque € peluda demais, seria indecente. Vestida entre os indios, € ela que se sente nua sob suas roupas justamente porque nao usa o Uluri simbélico. Neste sentido, é interessante como Darcy Ribeiro recoloca a questo em um contradiscurso que faz frente aos discursos construidos desde o descobri- mento da América hé 500 anos. Alma nao pertence naturalmente a nenhum cla, mas como ela vai viver junto da familia de Ava/Isafas, cla se liga simbolicamente ao cla do Jaguas, © que a impediria de fazer amor com os homens deste cla, interdi¢ao que ela nao respeita. Isto nao lhe é criticado que nao hé realmente incesto figura do Outro, pelos indios porque compreendem ie j& que ela € uma estrangeira, uma branca, um’ istinta da comunidade. Embora deslocada, fora de luga i , participa na vide nais da mulher branca casta em oposten on ett0 das imagens edie dade excessiva: ela tem telacSes cone nee her indigena com sexusl” ela deseja, romnandose uae ns com dos os homens que a desejam ¢ 1 ima mirixord, categoria de mulher que alegta 4 ¥id2 dos hor MENS € que no pros “ : yon a eee : -, Paruculat , citime das esposas devido a este estat 116 ; flitos exi jai: ae is encontro de culturas. Ava/Isaias, tendo dei tenciais que nascem do ‘ixado sua tribo cri ianga, volta para volta pai ela adulto, depois de ter tido uma forr 1¢a0 religiosa catélica. © momento de seu retorno coinc ide com a morte do chefe (tuxaua), 0 que significa que cabe-lhe agora assumir a direcao de sua tribo, Entretanto, ele se i par de comnar-se chefe, do mesmo modo que se sentiu rere de fs eos yotos do sacerdécio. Neste romance de Darcy Ribeiro assist a fio de um homem dilacerado entre duas culturas, um fence a prize que esté bloqueado, que nao consegue agir. Provido de uma “ambiuidade essencial” (Ribeiro, 2003, p. 341), 0 texto remete ao drama de Hamlet, “ser ou nao ser”, que foi parodiado por Oswald de Andrade no “Manifesto Antrop6fago”: “Tupi or not Tupi”. Nao sou o soldado que regressa vitorioso ou derrotado. Nao sou o exilado que retorna com saudades da raiz. Sou 0 outro em busca de um. Sou o que resulto set, ainda, nesta luta por refazer os caminhos que me desfizeram (Ribeiro, 2003, p. 107). Eu sou dois. Dois estio em mim. Eu nao sou cu, dentro de mim est ele. Ele sou eu. Eu sou ele, sou nés, ¢ assim havemos de viver (Ribeiro, 2003, p. 109) De certa maneira ele se parece com os personagens canadenses e/ou quebequenses que, tendo recebido uma educacio ocidental, sio levados a voltar para seu povo.® Em todos estes romances o personagem mestico, educado entre os brancos, € rejeitado ¢ decide voltar para os seus. Hé4, no entanto, diferencas significativas. Avé/Tsafas s6 ¢ mestico do ponto de vista cultural. Em seguida, ele nao € rej itado pela sociedade branca, é ele quem decide ir viver junto ao seu povo, como se suas origens chamassem a reto- mar seu papel inicial. Finalmente, ses s0 muito positives, ativos, AvalTsafas mente bloqueado apesar de sua inteligencia. ae Além disto, pode-se observar que a percep¢ao sock hs ate mestigo do romance é diametralmente distinta da dos romances canad ‘ ss O mestico (Métis) no Canad é considerado um indio, 0 que exp ene. de cle ter de deixar o mundo branco para reunit-se 208 oak peer luco de Matra, filho de uma india e um branco que oes é visto como séo dos Mairuns com a sociedade brasileira, sente-se fe eerrarea tum branco, ou seja, sua auorrepresentacao ComesPon se os personagens dos romances canaden- Isafas & decepcionante, parece doentia- > Ver capttlo “A figura do mestigo na lierarura do Canal 117 Je, Ele desempenha um papel ambiguo no Toman jal faz dele. cle nao participa de seu mundo, pet detestam porqu' nerario utilizar os indios como fora we proc a o. Os brancos tendem a considers, Apesar de sua falta de escrtipulos, ha piog a emplo). Na sua rudeza, Juca nao “ envergonha de (0 senador, por exer mie indigena mas se considera ranco, sem config origens, nao ji ¢ no sou bugre, meu pai era branco a mae peng identicitos. “Depo jente do homem” (Ribeiro, 2003, p. 143), saco onde aie . tras da aparente inépcia do personagem Aval Isaias (meg tigo ee i forca destruidora do personagem mestico Juca (mes isa simista de ‘| Ftgsico mas mentalmente branco), a visio pessimista de Darcy Rib a rabalho missiondrio e ao encontro dos dois mundos, Sta, ser um deles ie balho para seu P' + vreressante- um homem interessant le em relagio a0 t (...) €0 mameluco cumprindo sua sina de castigador do gentio materno (..). Hétan. cos culos tem sid asim. Primeir, foi na linha do mat, depois mais © mais py dentro. Agora & aqui no Iparané, Avancard amanha por onde houver mata vgn rela indios e brancos que se guerreiam e se misturam. As poucas crias que vingam sn celerados matadores como esse Juca (Ribeiro, 2003, p. 157). O romance também encena os chichés que remontam a época colonia, com tons burlescos, como a referéncia parddica ao canibalismo. Numa con- versa por ridio, alguém se refere ao caso de uma jovem indigena, levada 2 Brasfla para trabalhar como empregada doméstica, que é devolvida &tibo com o pretexto de que ela cra canibal quando na verdade ela foi surpreendida beijando os pés do bebé de quem cuidava, “Aqui Faria Micé, explico: nada houve canibalismo. $6 que esposa deputado vendo india beijando peainho = hoa we redo reversio antigos Costumes gentios falada ant Caco =e Cambio" (Ribeito, 2003, p. 7 a genista de José Maria ae doe cee mais se aproxima dao a Antonio Candido ce seh » ue cra também antropélogo ¢ romanci 4 itera ne Binalidade de Mafra situando-o na tals ™ contraposicao & visio lirica € glamuria rica e sarcéstica de Mario de Andrade: Te a oriy leira, ¢ isio sax i fy indios® mi herSica de José de Alencar que fila dos nis Civilizado que os quer embelezar. Nao hi ome Fe it We Mitio de Andrade desenrola a5 0 tem narrativa, cada uma conform sp. 383), mo © hume 828 Vores que ine Ribeiro, 2003, me Macunaima, 5 dj Angulo (Candide in j hs — Em comum com Macunaima, pode- : se verificar 0 F questao da sexualidade. Porém, tratamento muito da ao contrdrio de Mari ra ied fo « : io de Mario de Andrad de eliminar 0 ca| {tulo sobre as normali: i ° ee Pp) normalistas, considerado “libertino” spas por seus amigos Pa época, Darcy Ribeiro escreveu em um mo imgue a sociedade aceitava mais facilmente 0 tom um pouco apol mento cn a seruaidade ransbordant, assim como seu registro delnguagem vulgar, com & utilizagao de palavras consideradas obscenas. ao Antonio Torres € Murilo Carvalho: neoindianismo ¢ revisionismo histérico }{nos anos 2000 péde-se perceber, em romances que demandaram pes- quis histdrca, um movimento de revisionismo, Sem aidealizcaolitica dos fominticos, estes autores tentam refletir sobre o significado do embate ocor- fido no passado e sobre o desaparecimento de numerosos povos indigenas. Ino se dé tanto em Meu querido canibal, de Antonio Torres, quanto em O rato do Jaguar, de Murilo Carvalho. Em 2000, quando o Brasil festejava os 500 anos da descoberta, Antonio Torres retornava ao século xvi em Meu querido canibal para contar a hist6- tia do ponto de vista de Cunhambebe, 0 chefe tupinambé que, aliado dos rganizando a chamada Confe- franceses, revoltou-se contre os portugueses, 0! ncia aos colonizadores deracio dos Tamoios, “a maior organizacao de resist 2000, p. 50). Mistura de romance, reportagem jor- nalistica e crénica histérica, mais uma ve7 a literatura brasileira faz a apolo- giv ea defesa do canibal, como o titulo indica. Jé na primeira pagina 0 nar- radorse refere 2 terra, o Rio de Janeiro, como 0 parafso, 0 quc aPC para um neoindianismo que ele € 0 primeiro a apontar ¢ reconhecer. O narra- dor, que se confunde um pouco com 0 autor declara-se um “extemporanco neorromantico exposto as flechadas da histéria oficial” (Torres, 2000; p. 9)- Ele evoca o festim canibal, o encontro de Cunhambebe com Hans Staden, conforme é narrado pelo alemao que ficou prisioneiro dos ‘Tupinambé. Ape- ar da pesquisa histdrica, o narrador é bastante live pal dar su "acbes, 4s vezes de maneira bastante galhofeira- oe Cunhambebe aliou-se a vatios chefes indigenas P"? levara cabo a Co federacao dos Tamoi d 12 anos. ‘Arariboia € 0 chefe que ajudou moios, que dural’ ie oficials com destaque para 95 portugueses, tornando-se um herdi da histéria oficial, CO} que o pais teve” (Torres, 119 eri, local onde ele recebeu terras em pagamenty : tua em Niterdi, loc: ‘Adotando-se 2 ética dos rebeldes, com nt sora é um traidor. Joao Ramalho, 0 porrugye " varrador de TOres, ar Mi caigue Tibirict é também inimigo da" odo Ramalho teve numerosa descendéncia com Bar. atizada recebeu o nome de Izabel ~ ¢ com ou indias. Os jesuftas portugueses José de ae arneerinet Nébrg ma ndias. dos acontecimentos histéricos, com jdbia e lade iplomatig ticipam Jar batalhas, enquanto os portugueses se organizayan, para ganar vce evi do jesuita, os indios arriaram as armas. Conyen, ccnmse da hecessidae da paz” (Torres, 2000, p. 75). O Fomance most também que os indios cumpriam as promessas, 20 contrario dos brancos que eram mentirosos, nao respeitavam a paz que haviam proposto. A segunda parte do romance, “No principio Deus se chamava Monan’, comega com um mito cosmogénico dos Tupinambé, que aparece no livro sua esta 5 trabalho fiel aos colonizad se casou com Bartira, deracio dos Tamoios. J tira — que depois de b: i i de André Thevet. A partir daf, o narrador explora, além do imaginétio rel gioso dos indios, os livros de André Thevet ¢ Jean de Léry, apontando os principais elementos que chocaram os colonizadores europeus: o caniba- lismo, a nudez, a falta de religido, a falta de rei. Na terceira parte, no pre sente da enunciacao, o escritor, as voltas com seu cotidiano na cidade do Rio de Janeiro, no limiar do século x1, decide refazer as trilhas de Cunhambebe em Angra dos Reis, em busca de vestigios eventualmente deixados por ele. oma ie gue estd entranhada na geografia da cidade inclusive alpung ee Voca muitos outros personagens histéricos, que aqui vieram no século XVIII, com destaque in, que seria 0 pri iy nobre sequestrador (2003), Protago1 O narrador de Tk a Europa, como “coupens lembra que os curopeus levaram indiozinhos pa 0 tema de O rastro do fang (eet ica” (Torres, 2000, p. 14). Ese conste ma flha de ros mere oO d€ Murilo Carvalho.2® Embora 1 . . em na cay a « nu ae : Mew guerido canibal, ao mesmo ter . 4 palavra “romance”, o livro & cot ‘8M jornalistica © um romance PO uma pesquisa histérica, uma teP2" geo ne Pols, como Anténio Torres, ele erat ° : i i it 1503-150" a see ahi ier de Gonneville ao Brasil: 1503 no, jadulo,cassae conn do indiozinho levee pas francés Paulie “torna-se seu herdei nome: iro, de quem ust 0 etl hstico recolhido com mua liberdade, Além dist, ele piseria de amor para Pereira, seu narrador-personagem, qu oe we — alter €8% jaquea histéria é contada hoje e nao no fim ay ‘e tox: come ao natadot. Ele encelaga a histria de Pere, um i re foi Jevado para a Franga por Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), ¢ ue Br pou un ances em corpo de indi (como tantos outs), co ne his we de Fimiano, indio borocudo lead pelo mesmo Saint Hilaire, a do narrador Pereira e outros personagens de menor importancia. O viajantee naturalista francés, que esteve no Brasil de 1816 a 1822, escreveu intimeros livros sobre o pats, inclusive sobre os indios com os quais teve contato. O narrador ¢ Pierre tém dois contatos decisivos em Paris: com alguns indios que sao enviados a prisio e acabam executados, 0 que muito os revolta, com Goncalves Dias, 0 poeta mestigo (sua mae tinha sangue indio) que tanto cantou a nobreza dos indios. Uma pequena biografia do autor de juca Pirama & apresentada, terminando com sua volta ao Brasil, quando mor- reu (1864) no nauftégio do navio em que viajava, o Ville Boulagne. O espe- tte revela a Pierre sua identidade so os indios que viu em Paris, pois Esta descoberta o leva a vir para o Bra- em Minas Gerais e dos Guaranis no do Paraguai. Para escrever a histéria nto tho q até entio ele nao sabia sua origem. sil, Aqui ele luta ao lado dos Aimoré Rio Grande do Sul, durante a Guerra de Pierre e preencher as lacunas de acontecimentos que ele nao viveu ju do amigo, a estratégia narrativa do narrador ¢ 2 de usar as cartas escritas por ele2” Numa dessas cartas, ele descreve 0 primeiro encontro com indios, momento em que o sonho vira pesadelo, porque ele se vé diante de indios humilhados por séculos de opressao, indios que nao correspondem 3 ima- gem que ele tinha tido a partir da leitura de Gongalves Dias: “Eram homens pequenos e frageis, a contraimagem dos guerreiros altivos descritos nos poe- mas que havfamos lido e em que, eu principalmente, de certa forma, acre ditara” (Carvalho, 2008, p. 111). Ao constatar qué O° {ndios so especttos que vagam pelos sertées de Minas Gerais, ao perceber que a sua raga tt decaparecenddo “consumida por uma civilizagto incapet de conviver com qualquer diferenga” (Carvalho, 2008; P- 113), a reagao de Pierre & de a gonha, decepgao. Contrapondo-se 3 ideia, ar iedade brasileira igada na soci os hando nas da época, de que os indios s6 sobreviveriam S° aculeurados, erabal io tem muitos ele- ia vertdica mas ”O icor tam ainformagio de que o io € inspira em i ments para jugar se as cartas so verdadeiras ou falls 121 rar um i pierte comegaa elabo Projeto uty, como empr” + ar — de criar um. med * ealizat — estado indio. Ao se ag ambém no processo de busca de me Py le era culturalmente francés, Q inom lene se € quando pinta 0 corpo de jeg reiro botocudo. Po, 1 um povo Jé, com lingua diferente da dos Tupig i de Tapuia. Era furadas ¢ no Id batidos pelos por para o interior do pais. Como vimos, 08 Tap maus, canibais, selvagens. No século xIx, no momento em que travaram suas . ido dos rios Doce e Jequitinhonha. Com ‘iltimas batalhas, eles viviam na regi : to do ouro e dos diamantes, houve uma expansao de campone. © que provocou embates entre a policiae i » Por m guerteiros € usavam um batogue q bio inferior, donde a denominacgy k cugueses € pelos Tupis, 0 que o5 na uuia foram considerados os fngigs isto eram chamados madeira nas orelhas Botocudo. Foram com 0 esgotament ses pata a regio onde cles viviam, 0s indios. Quando Pierre se engajou na luta dos Aimoré, eles jd estavam pré- ximos da extingdo, vitimas que foram de um longo ¢ lento exterminio. O tiltimo chefe Aimoré foi, segundo o livro, Manha-Oé. Estudara com os capuchinos e servira como soldado, 0 que faz. dele no um “primitio” mas alguém que entrou na civilizagao ocidental e optou por sair dela e luar contra ela. E um herdi trdgico, sua luta nao era mais de sobrevivéncia, “ert uma guerra suicida e cruel, terra ¢ homens arrasados” (Carvalho, 2008, p. 209) porque a op¢ao que era oferecida aos {ndios era a de aldeamento, 0 que significava 0 fim de seu modo de viver némade. Entre a adaptacio 20s pr ceitos ocidentais e a morte, eles escolheram a morte. oiconecomanmuis em Minas Gens Pierre Perera vio pate 0 do Paraguai,enquanto Piette vei ne eg. Figaro, faz reportagens sobre oe guatanis, que comecava 4 Mee encontro dos Guarani. A deseruist - aris eer ar no vale do arroio Guaiaco, n0 me cra estruturalmente diferente do exterminio © Povo botocudo nas : : Recebido pelo aa do Jequitinhonha” (Carvalho, 2008, p: 305) nado, ou ainda, um Adon “AL como um karai, ou seja um guerteit a no Jaguar ou Jaguarer mia ue tem o poder da palavra, hie eransfor™? azul beberia as ‘gu figura mitica que libertaria os Guaranis. “O Jage SS que fariam a n; Ht € Seu urro seria a coragem 45 cia ‘uma pedra verde, 1 rvalho, 2008, p. 308). Nezu lhe © a liza! Ma que move as aventuras carnaval 8S prateadas pela fy AGH renascer” (Ci Muiraquiti — a mes) 122 le Macunaima — que aqui aparece no re; {pela Terva Sem Males que “esté, fundai “Tho, 2008: P: 339). ‘Como Walter Benjamin, o narrador manif - i como um longo processo de destruicao de a fun visio da Historia Bistro sério. A busca dos Guaranis ime! ntalmente, dentro de nds” (Car- ssi se constoem as nasSes: sobre os escombros de outtasnages devi éric bli . lerridas; assit psa Armd one plas se multiple sabe oe ae J rantos Indios. Os botocudos foram apenas mais um povo esmagado oe jado para que a nagao brasileira Surgisse, e sua destruicgo i wérla (Carvalho, 2008, p. 157). Pequeno incidente na engrenagem da his- Do mesmo modo que no livro de Anténio Torres, 0 narrador de O ras- do Jaguar faa uma defesa da humanidade dos indios, opondo-s visio estereotipada dos europeus de que eles eram primitivos e selvagens, sem lei, sem rei e sem fé. Tinham uma cosmogonia prdpria, mitos, anes lies igs, divindades. Os Guaranis, por exemplo, eram muito religiosos, sua cul- turyera intimamente ligada 4s suas crencas. Perder isto significava para eles perder sua identidade de povo. Os indios nao tinham escrita, como tan- tos outros povos da América, da Africa e da Oceania, mas sua linguagem cma suficientemente sofisticada para exprimir todas suas necessidades, como mostrou Lévi-Strauss em O pensamento selvagem ¢ outros textos. ‘Além dos indios que ainda buscavam viver némades, preservando seu modo de vida tradicional, havia os indios aculturados ¢ os mamelucos ou Ribeiro, nao se consideravam indios, mestigos. Estes, como salientou Darcy er de ascendéncia indigena. Murilo tinham até certa vergonha em admitir s Carvalho contrapée a visdo realista do povo a visio romantica que os perso nagens tinham descoberto em Paris com Gongalves Dias: Para o povo, ser indio ainda significava brutalidade, a humilhagio, a permanente fuga do exterminio ; ser livre sem ter direitos, escravidio nao declarada. Por isso, tanca que a realidade no disfargava na repulsa as suas proprias origens, desejo branqueador ie pele morena, nos eabelos escuros ¢ liso, nos olhos obliques Os poemas romanticos, 4 ue como os de Goncalves Dias, retraravam uma situagao ‘dealizada, do tempo em qt 5 inéri rras Muito Mas as nagGes indias eram soberanas cm seus terriri0s ¢ 8 lutase gue ma sa a gente do povo no compactiavs rituais do que necessidade de sobrevivéncia 5 esse romantismo (Carvalho, 2008, p- 126). ersio revisionista da Historia: 0 herdi ficial Arariboia € quem sem a versio da Guerra do deg! dois autores revelam uma le Torres é Cunhambebe quando na histéria o} Pre ocupou este lugar. JA Carvalho mostra uma Out" 123 fe z mitologia guaran; do a posisa0 ocupala pe ; ele ma aaa Ong desvelando ?F de Solano Lopes; € a também a thy. a A da ideolog) s uiltimas batalhas antes de seu exterminig "ai 40 4 em su j jmoré, : rocidades, mas | dade dos Aimore, cometer atl © nattadoy ta ; t ondend-los como maus, como sthage® \, Iho ¢ Milton Hatoum: uma visao realista? Bernardo Carvalho —— i nte do revisionismo até certo ponto idealista dog fig Diferentement +o Torres € Murilo Carvalho) ¢ diferentemente tam do ee cee, de visio antropoldgica (Antonio Callado ¢ Dat tan) al ne o narrador se coloca na pele de um ate Cstuda tenta entender os indios, na literatura contemporanea ha também os autop, que falam do {ndio no presente numa visada realista, sem litismo, sem utp. pia, sem identificagao. Bernardo Carvalho, em Nove noites (2002), e Milton Hatoum, em Dois irméos (2006 a), Cinzas do Norte (2006b) e, sobretudo, Orfios do Eldorado (2008), tematizam o indio do seculo xx, tentando mos- trar a realidade tal como eles a veem, encenando a marginalizacao dos indios na sociedade brasileira, com um olhar até certo ponto de fora. No caso de Bernardo Carvalho, verifica-se um estranhamento maximo de um jovem paulistano de classe alta em contato forgado com indios em sua aldeia: na infancia, levado pelo pai; adulto, movido pelo desejo de entender o context da experiéncia do antropélogo americano Buell Quain, personagem de seu livro. Quanto a Milton Hatoum, sua Percepcao é mais préxima, demons tando compaixao e ui ma certa generosidade na maneira de tratar ficci- nalmente a questéo, D : m : indios em suas aldeag on Oeset*#t que Hatoum coloca em cena nios n icias mas aqueles cidade de Manaus ¢ sobrens americano Buell Quain ao suicidio, es H aranhig, 1939, apés ter passado cinco me oa Pop eo do yay Tocantins. Ha um paralelism™ “io Pelo pai, a "arrador (e autor), que frequentou aE Pir de 1967, quando tinha seis anos dei a C agost + Na divisa do Sesto d a antre do Xingu, levado ©05 Canela, ettence Petencem 20 grupo dos Timbira asse para Quai, que sata do Mcio-Oeste para a cvilzago, Mijoa uma especie de paratso,&diferengae& posibilidade fe, io os mites que Ihe haviam sido impostos por nascimemae ne Sido exstico como parte do inferno (Carvalho, 2002, p. 64), 0 exéstico foi logo asso- escapar 20 seu préprio O narrador consegue muitas informagées sobre Buell Quain, o que Ihe mite construit um universo ficcional bastante palpével. Nao vou entrar manilise dos meandros psicanaliticos da construcao do personagem, nem paestrutura narrativa do romance, nem no emaranhado do suspense em que onarrador funciona como um detetive de romance policial a fim de desven- durum mistério. Deixando de lado, portanto, todos estes aspectos, vou-me concentrar nos contatos — sempre dificeis — do narrador com os indios. Na orelha do livro aparece uma foto do autor muito pequeno (aos 6 anos) 20 lado de um {ndio imenso, tirada provavelmente em 1967 na sua primeira viagem com o pai pela regio do Brasil Central. A primeira impres- sio, quando desce do avido no Parque do Xingu e comega a ser tocado pelos curumins, que querem tirar-lhe a roupa, é de pavor. “Os indiozinhos me carregaram. Era como se estivesse no meio de uma correnteza. Nao adian- tava resistir. Pelo que pude entender, queriam me ver nu, me deixar igual a eles” (Carvalho, 2002, p. 68). Ele assiste a um encontro de tribos inimigas, promovida pelos irmaos Villas-Boas, ¢ acha a cena grotesca porque os indios selvagens — que metiam medo — cram muito menores do que os moradores do Parque. “Os raquiticos vinham armados pela floresta, safam do mato, e os grandalhoes fugiam ou se agarravam uns aos outros e se escondiam atrés dos brancos” (Carvalho, 2002, p. 69). Para evitar problemas, o menino ¢ 0 Pai dormem no aviio; de noite, ele faz xixi nas calgas, apavorado de medo dos indios traigoeiros e de uma onga que estaria rondando. O pai dé tudo 0 que tem, saindo de cuecas € relégio enquanto o narrador-menino nao quer dar nada apesar de ter recebido de presente “os indefectiveis tacapes, arcos, Aechas e cocares em homenagem ao meu bisav6” (2002, p. 69). Em 1973, %véperas do desastre do aviao da Varig perto de Orly (Franga), 0 avidio do Pai do autor teve uma pane, um evento bastante traumético para o garoro er'80 com 11 anos, De todas as desventuras vividas na regio com seu pal Feouthe a imagem de que o Xingu era o inferno. Isto seria confirmado em Io na visita aos Krahd, quando A001 pelo antropélogo que vai acompanh *ttor adulto fazia sua pesquisa sobre Buell Quain. 125 Veja o Xingu. Por que os indios estio ld? Porque foram sendo cmputrados, ency, lado, fram fugindo ase estabeecerem no lugar mals indspito e inaessyes terrivel paraa sua sobrevivéncia, e a0 mesmo tempo a sua tinica e Gltima Condicég Xingu foi o que Ihes restou (2002, p. 73) 0.9 Como 0 narrador no havia conseguido quase nenhuma informacs, sobre a estada de cinco meses do antropélogo norte-americano enn ~ Kaho, ele vai visité-los, passando trés dias horriveis entre ele. Tudo gy. gosta: “o cheiro pestlencial do peixe seco pendurado num barbante ng me, da sala” (2002, p. 90), a comida, calor, o habito dos indios de impor seg descjos, como o de pintar 0 corpo dos visitantes, de cortar-Ihes o cabelo pedir tudo o que veem (dinheiro, alimento e objetos). O narrador conta que mesmo depois de voltar pata S. Paulo, ele continuou recebendo teleforiem a cobrar pedindo-lhe coisas. Ao contritio da visio ecolégica dos indios esis integra¢io com a natureza, ele conta que “chutar cachorros € um dos cos. tumes mais notaveis da vida cotidiana na aldeia” (Carvalho, 2002, p, 91) E talvez 0 que mais o angustia ¢ a impossibilidade de compreender o que os indios queriam ou tinham intengao de fazer com ele. Sentia-se intimi- dado, irtitado, amedrontado (2002, p. 95). Ele era 0 branco, o estrangciro, © Outro para aquelas pessoas que nao o entendiam. A maioria dos indios no falava comigo. Ou me ignoravam ou me observavam 3 distancia. Podiam estar desconfiados ou simplesmente nio ter nenhum interesse na ‘minha presenga. Quando se aproximavam, era ou para pedir alguma coisa ou porque estavam bébados. Sé as criangas riam de mim, e as mulheres (Carvalho, 2002, p. 97). Afirma que nio tinha objetives antropolégicos, que nao conseguia enten- det os lacos de parentesco dos indios ¢ que, alids, nem Buell Quain conseguiu entendé-los (Carvalho, 2002, p. 98). O que predomina durante toda sua estada €0 desconforto, a inadaptacio do jovem urbano a uma vida tio radicalmente diferente; se até mesmo o antropélogo americano nao estava preparado, 0 esct- tor de S. Paulo esté ainda menos, sobretudo devido ao mede do que 0s indios Pudessem estar planejando fazer com ele ¢ & impossbilidade de comer quit Aer coisa, Apesar de todos os aspectos negativos de sua estada, hi alguns PO! cos momentos de destumbramento, © principal deles éo ritual do velho Kho ‘ae canta a noite toda no patio da aldeia acompanhado pelas mulheres. O velho cantava sozinho no centro d depois da outra, de todas as casa, velho cantor e se punham enfilei, " ; her i aldeiaimvel e adormecida (..). Uma mu com intervalos de minutos, vinham em direz0 radas diante dele, para acompanhé-lo, acraidas 126 es. Ele as chamava, um: ima, até cangées. Ele } uma.a uma, até que no centro da aldeia um coral de mulh: e- i estava formado sob a sua lideranga e a lua cheia (2002, p. 100), indios na soci ‘a, 0 narrador considera que eles “so os érfio: ‘nciulizagio” (2002, p. 108), que esto numa situacao desigual, dese uli brada, porque eles necessitam da ajuda dos brancos, “hé neles uma cattncia inrepardvel , eles ndo querem ser esquecidos” (2002, p. 109). No entanto, vevlacéo paternalista que se estabelece ¢ irvitante, incdmoda e o persona- gem-narrador-autor nao lida bem com ela. “Nao sou antropdlogo e no tenho uma boa alma. Fiquei cheio” (2002, p. 109). Bernardo Carvalho, que ébisneto do marechal Rondon por parte de mie, cita uma carta de Quain a Margaret Mead na qual o antropélogo norte-americano critica 0 traba- jho de Rondon, fundador e primeiro diretor do SPI (Servigo de Protecao ao {ndio),” acusando o SPI de ser paternalista. Bernardo Carvalho nao tem a alma de Rondon. O balanco de seu contato com os Krahé é negativo por- que, apesar de ter prometido que nao os abandonaria, nao sente 0 menor desejo de manter o vinculo com eles: “Fiz um papel pifio. E eles riram da minha covardia, Jurei que nao me esqueceria deles. E os abandonei, como todos os brancos” (2002, p. 109). Milton Hatoum arma o emaranhado de suas narrativas com muito personagens é um elemento-surpresa, que ce depois de a narrativa jé ter de mulheres indigenas, que Ituragio ou jé rigor e a origem indigena de seus estava i, escondido, camuflado, ¢ que sé apare' avancado bastante. Trata-se, €m toda sua obra, sio levadas para Manaus, ¢ que ja esta em processo de acul foram totalmente integradas na sociedade, Em Dois srmavs ¢ Orfitos do saram pelo orfanato, uma Eldorado & 0 caso de mulheres indigenas que pas’ elo 0 u mancira de proteg¢-las da prostituigéo: Dominges, no PHN © Flr Dinaura, no segundo. Em Cinzas do Norte também hd uma mulher indi gena, Ozdlia, que tem dua filhas, provavelmence do hontem branco que as touxe para a cidade. Embora se tornem também Srfas elas nfo sio levadas Para o orfanato e conseguem se virar sozinhas. O que € uma ee i Que estas mulheres tem = liviemente ou de maneira Forgada= aman: i i Josas. 60s, em relages familiares confusas e, muitas Vere incestu 967 foi extinto ecm seu lugar foi criada 3 Ostfai criado em 1910 no governo de Nilo Peganha; em | Fungi “nai (Fundacio Nacional do {ndio). 127 me ‘eta Mundo, de Cinzas do Norte, era uma india, bas ‘Aavé do protagonist (p. 154 de um Jivro de 311 p.); a mie, Ales revelado no meio do eee rico da cidade, e sua origem foi “esquecid casou-se com Jano, me Ran — tio de Lavo, 0 narrador, eum dos ain autor usa as cartas aig nawrativa para contar a ee pasa tes de Alicia 7 como as ie ia e Algisa, viera talvez do Alto Solimées, Lg flashback. Oxelia mae mportava como uma india: andava s6 de saia, de Pei falava portugués ¢ se comp dioca como os indios. O provavel pai das dugs tos nus, fazia farinha de Le m estrangeira, Dalemer, visitava-as durante oS a nd Ele nao chegou a reconhecer e dar 0 nome is oe te mulheres indigenas da obra a: Ouélia era uma inadaptada na cidade e, por isto, profundamente infeliz. Sentada na rua, ela tomava caiguma, calada, contemplando o horizonte com uma nostalgia de morte. As vezes, sob a quentura do comego da tarde, viamos 0 rosto aco- breado mirar 0 mormago, o corpo encostado ao tronco do jambeiro florido, as mios caidas sobre a terra, $6 de vé-la assim me dava uma tristeza medonha (Hatoum, 2006b, p. 158). Em Dois irmaos, Domingas € a mae de Nael, 0 narrador. Empregada doméstica na casa da familia libanesa, ela tinha um relacionamento amo- ros0 com um dos gémeos, Yaqub, mas foi estuprada pelo outro, Omar, 0 que deixa na indecisio quem é 0 pai de Nael. A origem de Domingas 6 é mencionada no final do romance. dima Yen a0 anotece,comesou a cantarolar uma das cangGes que ecu ft ce haa, te so Jurubasi, antes de morarno orfanaeo de Manaus, Eu pensva i hava avadoa boca, mas ndo:soltow a lingua e canon refrdes de uma melodia m ; jondtona, Quando cri ianga, eu ado: ‘imacalanto que ondulava nas minhas noites (Fat, i Hatoum, 2006a, p. 179). : . : eee Protagonista Arminto, em Ofos do Eldot, 9 Pah US cid dele © evenness Flori, ama Dinaura, que o enfeitica, Ag = Ste tornou-se também sua amante ¢ : te de Armin oe t8088 So incestuosas jé que Florta é mit do livro ~ podia ser sua meio oma" ~ € 0 mistério esclarecido n0 fi? drasta, ou seja, ela era filha 08 em nheengatu, os brevs rmecia ao som dessa vor jy para Arminto, ainda crianga, ee , cn td ge Bg iow por um a ouviam na Aldeia, “Ié no fim da cidade” (Hatoum, 2008, » 12) ‘Ne goanto, mmuitas paginas depois, Florita tevela ao rapaz jé crescido que a tra- gucio dela era fantasiosa, ela mentira para nao impressioné-lo. “Eu ia com tar para uma crianga que a mulher queria morter? Dizia que o marido ¢ os fihos tinham morrido de febres, e que ela ia morter no fundo do tio por- quedo queria mais sofrer na cidade. As meninas do Carmo, as indiazinhas, entenderam € sairam correndo” (2008, p. 90). Orfitos do Eldorado € uma novela fortemente inspirada em mitos ama- zonicos, como o da Cidade Encantada, que existiria no fundo dos rios e lagos, e que se aproxima do mito europeu do Eldorado. E neste livro que a presenca indigena é mais explicitada, embora o conflito principal gire em tomo de um homem branco, orjundo de familia rica, mas que acaba per- dendo toda a fortuna. Em Dois irmdos e em Cinzas do Norte hd também algumas referéncias as lendas, aos cantos ou aos artefatos feitos pelos indios. Por exemplo, Domingas faz miniaturas de animais, canta os cantos de sua infincia, na Vila Amaz6nia 0 personagem Mundo descobre um indio velho que pinta a casca fina da madeira. Além destes elementos darem conta da existéncia de um trabalho mais artistico dos indios, Hatoum suscita tam- bém uma discussao ética sobre 0 uso que artistas brancos fazem de artefatos indigenas a fim de criar obra de arte. Arana, um artista inescrupuloso, reco- lhe ossadas em um cemitério dos indios e prepara uma exposicao intitulada “Ador de todas as tribos”, para ser mostrada na Bienal de Artes ¢ em galerias do Rio ¢ de S40 Paulo. O narrador comenta: “Pensei nas ossadas, no saque dos restos mortais daqueles seres andnimos” (2006b, p. 109). Pode-se concluir que na obra de Milton Hatoum o indigena nao € 0 pro- "gonista mas que ele esté ali, faz parte da sociedade amazénica, ainda que marginalizado, pobre, explorado ¢ desprezado pelos maiorais da regido. Esté ainda mais presente a mulher indigena, a maior vitima dos predadores mas- calinos que se aventuram pelas matas em busca de riquezas ¢ de mulheres. Textualidades indigenas idteguil (1894-1930), 0 tedrico em nome dos 6 .O ensafsta peruano José Carlos Ma Nee indigenismo, escreveu que a literatura indigenista falava 129 ee dia, eles mesmos escreveriam sua propria “ite indios, mas ques Cy ificar que ela era assim concebida €M termog entre aspas para ane modelos ocidentais. Com efeito, 8S S06; racuraeSerC@ SEEN ma liveratura oral que inclui os mitos ante indfgenas sempre HVT ta parte de suas tradigbes foi reunidy ye lends Dele care putio tipos de mediadores. Um pas come 4 mi siondrios, etno Be sxvr autores mestigos que deixaram uma obra funda, a reve desde 0 Seu cepoes indigenas, como Inca Garcilaso de aval tal de explicagio de Ayala. No Brasil, entretanto, no s6 nao houve m eGuaman Pome - aa a estudar 0 mundo indigena no séeulg productos ans 1970/80, como parce inregrante dos movimenioee awe ar ino (negros, indios, mulheres es comes | aparecer produgoes escritas assim como Himes COC MOS, Brava, feitas pelos indios tanto na América do Norte quanto na América do Sul, Fenne novas textualidades — que vao da simples transcrigdo de tradigées oni « figerdrios” no sentido ocidental ~ se situam numa politica de af. lo Norte coloca-se a questio dy Tatuyy fe até livros nt magio das culturas indigenas. Na América de vviteridade das vozes, ou Seja, 0S indigenas devem falar em seu nome (ein. gquém mais). Com efeito, a polémica suscitada pela questo “Can the sub tern speal2”, titulo de um artigo de Gayatti Spivak publicado em 1985, nis ceu de um mal-entendido, pois alguns interpretaram sua provocagio como se 0s subalternos nao tivessem o diteito de falar. De fato, ela queria dizer que quando os subalternos falam, eles néo so ouvidos porque so marginalize dos, os discursos hegemdnicos sempre so preponderantes. Em todas as partes da América gravacées de cantos ¢ filmes documen- trios tém crescido de forma significativa; as publicagées de livros também aumentaram apesar de a visibilidade ¢ a repercussio desta produgio ainda serem muito limitadas. Além das antologias de textos orais, em geral org nizadas por mediadores, surgem autores indigenas que, tendo feito estudes formais, publicam livros que se encontram ao mesmo tempo dentro da t= digio ocidental e indigena. | dae cre nda ora como ound via (1970). Segundo Rojas Mn cas oc ett ea i dos mares e dos bosques doe fa seusimperativs éa dete, uma religifo. A base de seu diewaa so Tico afirmando que #0 0s so € 0 pensamento amdutico. OS | 130 li a an 08 depositarios do saber na sociedade inca e deviam transmiti-lo d 7 . ; -lo de gera- goe™ geragao- oo ac ento amdutico € a pedra angular do Ser indio. E #oncepst césmica do homem e do universo, Mas para mudar 0 monde mento améutico deve destruir © pensamento socratico. Para Sé mem éum animal racional, enquanto o ee (eS : . epsamentO césmico (1991, p. 314). Assim, indo no é individualista nem defende a propriedade Privada, sua conce unitdria, Sua identidade est4 na unidade com a terrae c t jo écom give co : - s om o sol. O antisuyo € todo o continente. Ele ataca violentamente o mestico, ti 0 € fe fe a! o mar- gisno ¢0 ctistianismo, prefere usar a palavra’indio e recusa o termo indigena (1991 P- 315- 316). No Canadd autores como Thomas King™ e Tomson Highway se servem datradicao indigena, mas a ultrapassam para criar uma literatura que atinge um piblico mais largo. No Brasil alguns escritores indigenas, cujos livros se diti i igem sobretudo acriancas e adolescentes, j4 tém um certo reconhecimento. O escritor com Pensamento amautico é um o homem é parte da natureza, obra mais extensa e reconhecida é, talvez, Daniel Munduruku, cujo pri- meiro livro, Histérias de indios, de 1996, vendeu mais de 60.000 exemplares eesti na 16# edicdo. Presidente do NEARIN (Nucleo de Escritores ¢ Artistas Indigenas), publicou mais de 30 livros. Em Mew avé Apolinario, que rece- beu um prémio da Unesco, ele conta como os ensinamentos de seu avd aju- daram-no a valorizar sua identidade. Kak4 Werd Jecupé escreveu Todas as se2es que dissemos adeus, 1994, A terra dos mil povos: histéria indigena do Bra- silcontada por um indio, 1998, As fubulosas fébulas de Iauareté, 2007. Eliana Potiguara escreveu Metade cara, metade mdscara (2005), Akajutibird, terra do indio Potiguara (1994) e A terra é 4 mie do indio (1989). Ailton Krenake sscreveu um livro O batt do russo, sobre sua busca por documentos sobre seu Povo nos arquivos russos. Todos estes escritores desempenham um papel importante como educadores, militantes € ecologistas, 0 que cortesponde Tito bem a filosofia indigena, que procura ter uma relagio harmoniosa ‘om a natureza, Em todos os discursos dos indios, do Norte ao Sul do con- ae hda referéncia a Mae-Terra ea critica 4s priticas predacérias da civ "acao ocidental. he seus livros foram indicados para Thomas Ki jis de omas King nasceu na California mas vive 10 ack; dois dle seus inning Water (1993)> Teenie General Governor. A Coyote Columbus Story (1992) ¢ Green Gre eRe Sine (1980) Dab Highway teve formagio musical, escreve ¢ dirige Pesss de teatro, ‘U0 romance Kiss of the Fier Queen (1998)- 131 bora o autor nao seja indfgena (mas, como ele diz, Embora 0a 130 Eduardo Vi polos io é°), considero como textualidade indigena Mey esting 4 ey, quem mio €)s 7 sod), de Alberto Mussa, que reescreve/restaura um mito upinan a Oe (2009). 4 dré'Thevet ¢ de outros textos dos séculos a te e Speiim Léry, Anchieta e outros). Além do ae (Cig. ee ae faz. uma introdugao e um estudo das fontes een ta rads ws eit so pends (2008), de Daniel Mundane romance em que 0 personagem Carlos, um bem-sucedido empresétig Un sofre um acidente de avido na floresta amaz6nica, é socorrido Por um indi, Ele descobre uma outra cultura ¢, no final, volta ao mundo dos brane transformado pelo saber ancestral dos indios. O livro transmite uma igy polarizada, em que as pessoas do mundo civilizado tm objetivos cxmie mente materialistas enquanto 0 mundo indigena esta integrado com a fore as da narureza. a 0 » itandy veiros de Castro, “no Brasil todo mundy 4 in i, a, io, O romance se fila longa tradicio do romance de provacio, poisopam- nagem deve passar por uma série de provas; s6 depois de cumprirastarefsgie lhe séo propostas é que ele sai vencedor. Como mostra Bakhtin, o romancede prova¢ao mais antigo tinha um herdi “acabado e inalterdvel” (Bakhtin, 2003, p-207), mas em seu processo de transformagao ele chega ao romance bao, €m que se associa uma ideia de formagio. O romance barroco tem algums caracteristicas, segundo Bakhtin: 1. O enredo se constitui de “desvios em fiz do fluxo normal da vida das personagens, em acontecimentos excepcionis¢ situagbes que no existem na biografia t{pica, normal, comum do hom! (Bakhtin, 2003, p. 210). 2.0 tempo da aventura nao corresponde a0 tei

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