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0 VALOR ‘0 espera dos profission: is sto os bons por exemy (erdrias da imprensa cotidiana ou sei detestem 0 acerto de contas, se ¢ lor que mais parecem caprichos, e gos lém disso, os criticos justificassem suas preferén is razdes € silo ido argumentada, (goes literdrias, tanto as dos espe sos amadores, tém, ou poderiam ter, um fundamento obje= ivo? Ou mesmo sensato? Ou elas nunca sio ser do tipo “Eu gosto, nentos de tiva nos condena fatalmente a um ce solipsismo trigico? A hist6ria literdria, como disciplina univers bertar-se da critica, acusada de impressionista ou dogs substituindo-a por uma ciéncia posit lade que os criticos do século XIX — de Sainte-Beuve, colocava Mme Gasparin e Topffer muito acima de Sten Brunetiére, que vomitava Baudelaire e Zola — enganaram-se tanto a respeito de seus contemporineos, que um pouco de reserva seria bem-vinda, Donde a proscrigao, durante muito tempo respeitada, de teses sobre autores vivos, como se conformar-se ao cinone herdado da tradigo para evitar a subjetividade ¢ o julgamento de valor. O julgamento tornou-se até mesmo eliminado, em todo caso de a deliberada, da disciplina académica, em oposiga0 a ica ou A critica dle autor, segundo as trey familias que Albert Th seus adversirios, depende de cada obra € tinica, cada indi sua personalidade incompardvel. Mas a oposiclo entre objetividade (cientifica) e fixada unicamente nos fatos, repousa ainda em julgamentos de valor, quando nada devido A decisio prévia, 0 mais das vezes ticita, sobre o que constitui a literatura (0 cinone, os grandes abordagens mais te6ricas ou descritivas (formal imanente), queiram ou nao, também no escapam da aval que muitas vezes 6, ai, fundamental. Toda teori dizer, envolve uma preferéncia, ainda que seja pelos textos que seus conceitos descrevem melhor, textos pelos quais ela foi provavelmente instigada (como ilustra a ligagao entre os formalistas russos e as vanguardas posticas, ou entre a esté- tica da recepgio e a tradiclo moderna). Assim, uma teoria erige suas preferéncias, ou seus preconceitos, em universais, (por exemplo, 0 estranhamento ou a negatividade). Entre os, New Critics, dos quais muitos eram também poetas, a valori- zagio da analogia ¢ da iconicidade favorecia a poesia em detrimento da prosa. Em Barthes, a distingio entre texto legive! € texto escriptivel, abertamente valorativa, privilegia os textos dificeis ou obscuros. No estruturalismo, em geral, 0 desvio formal ¢ a consciéncia literiria sio valorizados em oposi¢io 2 convengao e ao realismo (ovelha negra da teoria, cujo resul- tado irOnico foi falarem dele abundantemente). Todo estudo literario depende de um sistema de preferéncias, consciente ‘ou nao. A possibilidade e a necessidade de objetividade e de cientificidade vao ser, a0 longo do século XX, questionadas, como o fez a hermenéutica, até a exaustio. © tema “valor’, ao lado da questio da subjetividade do Igamento, comporta ainda a questio do canone, ou dos clds- sicos, como se diz. de preferéncia em francés, e da formacao desse cinone, de sua autoridade — sobretudo escolar —, de sua contestacio, de sua revisio. Em grego, o cénone era uma regra, um modelo, uma norma representada por uma obr ser imitada. Na Igreja, 0 cinone foi a lista, mais ou menos 226 r —— Jong, dos livros reconhecidos como Inspirados © dignos dle utoridade, © ednone NA SUA MAIORIA, OS POEMAS SAO RUINS, MAS SAO POEMAS. (ver Capitulo D. De fato, 0 fi escrevia: Devemos distinguir muito claramente arte?" da questio “O que & a boa definir “o que € uma obra de arte” em boa arte’, [..] estamos definitivamente perdidos. P jamente, a maior parte das obras de arte € ruim.' A grande maioria dos poemas & mediocre, quase todos os jomances so bons para serem esquecidos, mas nem por iss deixam de ser poemas, deixam de ser romances. Uma m pretagao da Nona Sinfonia, observava também Goodman, ¢ rte tanto quanto uma boa interpretagio dessa mesma obra.* ‘A avaliago racional de um poema pressupde uma nor isto é, uma definigao da natureza e da funcao da literatura — acentuando-se, por exemplo, seu contetido ou, entao, sua forma —, que a obra considerada realiza de maneira mais ou 27 insiste para que a obra tenha um contetido hi sem daivida, a de querela sobre a hierarq) XIX. Qual & superior? Lembremo-nos da i entre a escal ina, que Coloca a int lade — logo a poesia — no mais alto patamar, ¢ a classificagao herdada de Schopenhauer, que coloca a miisica (a linguagem dos anjos, segundo Proust) acima de tudo: esse dilema ¢ também, prova- velmente, um avatar da alternativa entre o gosto clissico € 0 ‘gosto romantico, entre o inteligivel ¢ o sensivel como valor estético supremo. Lembremo-nos, além disso, da tradigao Kantiana, retomada, desde as Luzes, pela maior parte dos estetas, fazendo da arte uma “finalidade sem fim" e decre- tando, em consequéncia, a superioridade estética d “pura” sobre a arte “de idéias", sobre a arte aplicada, sobre arte priitica. Mas que valor tém esas normas mesmas? 10 elas dogmaticas, como simples petigio de princfpi ou propriamente estéticas? T. S, Eliot também distinguia literatura de valor: para ele, a literatiedade de um texto (0 fato de pertencer a literatura) devia ser estabelecida com base em critérios exclusivamente estéticos (desinteressados ou puros de finalidade, na tradicio kantiana), mas a grandeza de um texto reconhecido como pertencendo a literatura) dependia de critérios no estéticos: A grandeza da “literatura"— escreve tura" (1935) — nao pode ser determinada exclusivamente por padrOes literirios; embora devamos lembrar-nos que o fato de tratar-se ou no de literatura $6 pode ser determinado por padroes literitios.® Em suma, indagaremos primeiro de um texto se ele pura e simplesmente literatura (um romance, um poema, uma peca 228 dle teatro ete, — pens foguida, se constitu "h insisténcia no conteddo literario, estético, como a not berado © pari 0 verso livre, 0 termo norma, ou seja, a idéia cle regularidade, perde toda sua pertinéncia. Quando o desvio se torn, por siht , uma obra pode perder seu valor, em seguicht pode reencontri-lo, se 0 desvio for novamente pei como tal, Foi justamente para evitar esse tipo de (ria que Eliot separou 0 dominio da literatur grandeza da literatura Outros critérios de valor foram ainda evocados, 0 complexidade ou a multivaléncia. A obra de valor é que se continua a admirar, porque ela contém uma dade de niveis capazes de satisfazer uma variedade de Um poema de valor é uma pega de organizagao mais comp: ou, ainda, uma pega caracterizada por sua dificuldade ¢ obscuridade, segundo uma exigéncia que se tornou primor- dial desde Mallarmé e riqueza, a complexidade, podem ser exigidas também do ponto de vista semantico, € nao apenas formal. A tensio entre sentido € forma tomna-se entio o critério dos critérios, No final do século XIX, 0 escritor inglés Matthew Arnold apontou como objetivo da critica estabelecer uma moral soci 229 npor Critica Hoje” (1864), como conhecer e ensinar 0 que de melhor se con! no mundo" (a disinterested endeavour to learn and propagate the best that is known and thought in the world) P ctitico vitoriano, o ensino da literatura devia servi tivar, policiar, humanizar as novas classes médias que surgiram fa sociedade industrial. Muito distante do desinteresse no sentido Kantiano, a fungao social da literatura era prop. essoas interessucas em leitura que dessem uma fit espiritual aos seus lazeres, e despertar nelas um sentimento hacional, no momento em que a religiio ndo bastava mais. Na Franga, durante a III RepGblica, o papel da literatura foi concebido de maneira muito semethant lariedade, patriotismo € moralidade civica. © valor «la Ihteratura, resumido no cinone, dependeria entio da instructo que os escritores se permitissem promover. Essa servidio foi denunci segunda metade do século XX, e mesmo desde 98 anos trinta, na Inglaterra, por F. R. Leavis € seus colegas de Cambridge, que redesenharam o cdnone da literatura inglesa € Promoveram escritores que abordavam a hist6ria € a socie- dade de modo menos convencional, mas no menos moral, aqueles que Leavis chamava de The Great Tradition A Grancle Tradicio] (ane Austen, George Eliot, Henry James, Joseph Conrad e D. H, Lawrence). Para Leavis, ou ainda para Raymond © valor da literatura esti ligado a vida, @ forga, 2 ide da experiéncia de que ela seria testemunho, 4 Faculdade da literatura de tornar © homem melhor. Mas a reivin- dicagao, a partir dos anos sessenta, da autonomia social da literatura, ou mesmo do seu poder subversivo, coincidia com @ marginalizagio do estudo literdrio, como se seu va mundo contemporiineo lor no ‘esse se tornado mais incetto. Como de habito, apresentarei primeiro os pontos de vista antitéticos, 0 da tradi¢io, que cré no valor objetividade, na sua legitimidade), eo teraria que, por razoes ir dele, Ha, mais uma vez, to qualificam essa oposigao: utoridadle”, “origin: » “reabilitacio”. Logicamente, or - —— —— — ‘por certo, a tinie posigho coerente — as obras nilo tem valor em, nua feu 1s individuos, as €pocas, as nag nediato a imensa dificuldade que ele mesmo, Wa explicando a discordincia dos julgamentos ‘08 por sua maior OU menor justeza: em resumo, se todos 4ssemos corretamente, todos nds acharfamos belo mento, conseqiientemente nao é um julgamento logico, ih cestético — raziio pela qual entendemos que seu principio deter inante ndo pode ser sendo subjetivo."* Em out segundo Kant, 0 julgamento "Este objeto é belo” ni sendo um sentimento de prazer (“Este objeto me Pode receber nenhuma demonstragao ou discussio ap em provas objetivas. Para Kant, julgamento estético € p mente subjetivo, como o julgamento do deleite, q um prazer dos sentidos (“Este objeto me da prazer’ temente do julgamento do conhecimento ou do jul pritico (moral), fundamentados, estes, em propriedades ol tivas ou em principios de interesse. Subjetivo como 0 mento do deleite, o julgamento estético se distingue, tanto, deste tltimo por ser desinteressado, razo pela qual entende que 0 julgamento estético esti interessado exclus vamente na forma (endo na existtota) do objet, *O gos & lade de julgar um objeto ou um modo de representagio 231 facio."” O Belo 6, pois, secundario do-se 0 efeito com a cau sentimento de prazer desintet nome que se da a mas a da apreciagho estética, como jf afitmava a Popular € como dizia um provérbio inglés: Beauty ts in the eve of the bebolder (“A beleza esti no olho do espectador”) No entanto, tendo estabelecido s do julgamento estético, Kant se esfor di 2 : lor: 0 relati- ; reservar o julgamento estético do telativimo — reconhecido como plenamente bjeres o através do que ele chamava de sua “pretensio leg universalidade, isto é, & unanimidade. Quando eu elaboro um julgamento estético, contrariamente a um julgamento do. deleite, pretendo que todos participem dele. Todo julgamento estético exige um consentimento geral: No que conceene a0 agridvel, cada um decide se seu juga mento, fundamentado num sentimento pessoal ¢ araves lo awl se diz que um objeto agrada, se lina a sua pessoa. Conseqdentemente, admite que 20 das Canarias € agradave 4 brandovthe que deve respeito do agradive iners)sideutoalguem qc aga ua colsescereaie ees cm justia ese gosto dzender ene obja Lele bake ne iim.) Quando algun is de a cls que els Ce ma 0g sinplesmente fala ent da belezs com seo fesse via propacdade das colus® Essa pretensio universal do julgamento (“como se") esté abstea- tamente funclamentada, segundo Kant, em seu cariter desinz tetessado: visto que mio € pervertido por nenhum interesse Pessoal, o julgamento estético & necessariamente pattilhado Por todos (que sito desinteressados como eu). Esse motive é sem dtivida, muito idealizado, como se nada além do ¢ (a propriedade, por exemplo: um quadro que posse teresse € mais 232 ee \ético € confirmada, sensus communis estético, a partir postula uma comunidade de sensibi- aque the agrada to universal e de gosto entre os homens? io claramente precério, porque Kant mostrou que 0 julgamento subjetivo do gosto pretende ser io € universal, mas nao, em absoluto, que essa pre- relecer a subjetividade do julgamento estético, tenta esca- consequéncia inelutavel da relatividade desse julga- esforca-se desesperadamente por preservar um sensus nis dos valores, uma hierarquia estética legitima, Mas, segundo Genette, trata-se de um voto piedoso. Logo, um objeto nao € belo em si. © valor subjetivo € atribuido ao objeto como se fosse uma propriedade sua: Beauty is pleasure objectified (“A beleza é um prazet objetivado")." Como se falou das outras ilusdes analisadas anteriormente € denunciadas pela teoria (as ilusdes intencional, referencial ifetiva, estilistica, genética), pode-se, pois, falar de uma ilusao estética: a objetivacao do valor subjetivo. Genette opde a essa lusio um relativismo radical, confirmando, de modo absoluto, 6 subjetivismo kantiano: “A pretensa avaliagao estética”, afi ele, “ndo € para mim sendo uma apreciagao objetivads Segundo Genette, um rel tal decorre necessariamente do reconhecimento do cariter subjetivo das avaliagoes esté- ticas. Portanto, nao é possivel definir racionalmente um valor. Um sensus communis, um consenso, um c&none, pode nascer, As vezes, de maneira empirica e erritica, mas nao constitui nem um universal, nem um a priori A atitude de Genette é coerente: depois de ter refutado, ‘em nome da postica clo texto, todas as outras ilusdes literdrias, 233 em proveito mo kantiano, Como a intengao, a rep: © valor nao tem, segundo seu ponto de vista, ne néncia te6rica € no constitui, em absoluto, um tavel nos estudos literirios, A é, pois, do canone, de outro, 08 tedricos que Ihe contestam toda validade. Entre os dois, um certo ntimero de posigdes medianas, logo fragei menos defensiveis, esforcam-se por manter uma cer midade do valor. Depois das Luzes, uma vez abaladas a tradigio e a autoridade, tomou-se dif com uma norma u € um motivo para cair num completo relativismo? Examinarei duas tentativas de salvar os clissicos, duuas maneiras de preservar um meio- termo: em Sainte no € romantismo e, um outro momento crucial, em Gadamer, cuja tese sobre 6 valor, assim como a tese sobre a intengao, procura agradar a deus ¢ a0 diabo, ou seja a teoria e ao senso comum. O QUE E UM CLAssIco? Num artigo de 1850, “Qu’Est-ce qu'un Classique?” [0 que E um Classico’, Sainte-Beuve propunha uma definigo rica e complexa de clissico. Considerava as objegdes vindas do subje- tivismo e do relativismo, e as rejeitava num longo pariigrafo ‘Qo habil quanto a manobra que Ihe era necessirio executar: Um verdadeito clissico [J € um autor que enriqueceu o esp ‘ite humano, que realmente aumentou seu tesouro, que the fez lar um passo a descobriy alguma verdade moral ‘no equivoca ou apreendew alguma paixio etema nesse coru¢ao em que todo jd paeciacoahecido exploradon gus mene, fenou seu pensament, sua obseracio ou ua inven sa importa de que forma, mas que € uma form 14 € sensata, saudavel e bela em si; que falou a todos num estilo proprio, mas que € também 0 de todos, num estilo nove ovo ¢ antigo, facilmente contemporaineo de 234 irene a a tl © eliissico transeende todos ox paradoxos e todas as tensdes: Classicismo, nao € intil lembrar, sto centes em francés, © termo s6 apareceu no século mente a romantismo, para designar a doutrina sicos, partidirios da tradigao clissica e inimigos Quanto ao adjetivo classico, ele existia do, de modelo, 0 que tinha autoridade. No final do século designou também 0 que era ensinado em sala de aula, te 0 século XVII, o que pertencia A Antigiiidade tina, e somente ao longo do século XIX, emprestado alemao como antonimo de roméntico, designou os grandes escritores franceses do século de Luis XIV. Primeiramente, a definigao ideal de Sainte-Beuve — “um verdadeiro clissico”, em oposicio ao clissico falso ou inautén- ico — € muito diferente da “definigao corrente”, que ele come- im clissico, segundo a di no sentido proprio, um epiteto de classe que identi idadaos que possuiiam uma certa renda € pagavam em oposigio aos profetarti, que nao pagavam, antes de Aulu- Gelle, em Nuits Attiques INoites Aticasl, ter aplicado metafori- camente essa distingao a literatura, falando de um “escritor Classico [.., naio um proletirio” (classicus adsiduusque aliqu seriptor, non proletartus, XIX, VIII,15). Para 0 romanos, os clis- sicos eram os gregos; posteriormente, para homens da Idade Média e do Renascimento, eram ao mesmo tempo os gregos € 08 romanos, ou seja, todos os Antigos. O autor antigo, consa- grado como uma autoridade, pertence a “dupla antigdidade”."* Na jungio, encontra-se Virgilio, o clissico por exceléncia, mais tarde identificado a0 Império, por Eliot, em “What Is a Classic? [0 que E um Clisico?] (1944), artigo que faz referencia a Sainte- Beuve: nao ha clissico, segundo Eliot, sem um império. 235 ss de classico © de tradigao insepariveis: “A idéia de cldssico implica em si algum tem sequiéncia e consisténcia, que forma conjunto e autor isolado (pelo menos desde Homero, o primeiro poet de inicio 0 maior, que obscureceu toda a literatura ulterior), se classico e tradi¢do sto duas palavras para a mesma entao a questio i mal formulada. Um clissico é um membro de uma classe, 0 elo dle uma tradigio. Poderiamos ser tentados a denunciar nesse argumento uma apologia sub-repticia da literatura francesa que nio tem classicos como Dante, Cervantes, Shakespeare € Goethe, esses génios proeminentes, esses cumes isolados, cuja reputagio & a de resumir o espirito das outras literaturas européias, enquanto os chissicos franceses — assim diz-0 cliché —formam um todo, compoem uma paisagem unificada, Mesmo que essa justificativa da excegao france seja a intencao de Sainte-Beuve, este, antecipando o “classico-centrismo” da literatura francesa, que Barthes devia deplorar mais tarde,’ encontra no “século de Lufs XIV", apesar da querela sobre os antigos € os modernos, 0 modelo incontestavel dos clissicos compreendidos como uma tradigao: “A melhor definigio € 0 exemplo: desde que a Franga teve seu século de Luis XIV € pOde consideri-lo um pouco a distancia, ela soube 0 que € ser cléssico melhor do que por todos os raciocinios.”” Assim, uma norma é legitimada, O classico, ou melhor, 05 clissicos — ica, segundo a definigo beuveriana — incluem por principio o movimento, a saber, 10s € modernos, com tal ironia que sio € nao os dos antigos, que vao, no fim das contas, substituir os antigos, tornando-se eles mesmos os clissicos franceses. Compreendemos, entio, a quem Sainte-Beuve se opde, pois sua definicao de clissico € polémica e contraditéria: numa palavra, ela € romantica, ou antiacadémica. Ele desafia aber- tamente 0 Diciondrio da Academia Francesa dle 1835, em que 08 clissicos so identificados como modelos de comp. 236 # de estilo nox quills "se deve conformar®' Ue elasico fot elaborada, evidentemente, pelos respeltive ‘e-em fungho e propde ext Sainte-Bew todos num estilo pr ‘© mundo, num estilo novo sem neo igo, facilmente contemporineo de t Beuve se entusiasma ao fim dessa longa fray tho, pelo qual um escritor, em quem seus ‘um revoluciondrio, se revela, depois, ter sido lor da tradigao e ter restaurado “o equilibrio em prov 1 ordem e do belo". O tempo da recepsio é, pois, 1 essa definigaio romantica, ou moderna, do nado por exceléncia, segundo Sainte-Beuve, cease respeito, Sainte-Beuve cita longamente Goe cionava a grandeza dle um escritor com 0 s Ihoso renovado a cada vez que se redescobre o mes tum classico € um escritor sempre novo pal Sainte-Beuve é consciente da originalidade de sua concep de clissico, em contraste com as "condigoes de reg dle sabedoria, de moderagio e de razio"” habitualmente re ridas pelos académicos e pelos neockissicos. Fle recusa “sul inar a imaginagao € a propria sensibilidade & ‘citando novamente Goethe, reverte o sentido da po ina dos Nebelung € casi £01 rete c vigorones, As obras de hoje st rominteas m0 ps porque ato facs, enermigas © docnes. sade clttea nao porgue sho velhas, mas pore ‘Slo enérgicas, frescas © sa 27 ico, mas 0 preco de um sucesso prematuro € g alto, € raramente esses clissicos sobrevivem a seu renome: “Nao é bom parecer um clissico depress de inicio a seus contemporaneos; tem-se, entio, grande chance de nao permanecer assim para a posteridade. (..] Quantos desses clissicos precoces no se mantém e sio classicos s6 por um tempo!” Sainte-Beuve nao diz que o futuro classico deve ser avangado em relagio a seu tempo — esse dogma vanguardista e futurista mio se firmari senio no fim do século XIX, € tornar-se- um cliché do século XX —, mas sugere, ‘como Stendhal e Baudelaire, que uma condigio do génio € no ser reconhecido imediatamente: “Tratando-se de cl ‘08 mais imprevistos sio ainda os melhores € os maiores."® Moliére serve novamente de exemplo, como o poeta m: perado do século de Luis XIV, mas destinado a tornar-se génio do ponto de vista do século XIX. Bourdieu nao defende uma tese diferente hoje, quando descreve a economia paradoxal do valor estético como resultante da autonomizacao do campo literdrio desde 0 século XIX: *O artista no pode triunfar no terreno simbdlico", lembra ele, “sen’io perdendo no campo econdmico (pelo menos a curto prazo), € vice-versa (pelo menos a longo prazo)"." Em outras palavras, na ocasiio da primeira recepgio, os “bons” escritores niio tém, m outros leitores a no ser os outros “bons” escritore: q concortentes, € & necessirio cada vez mais tempo para que as obras, antes esotéricas, encontrem um ptblico que thes imponha as normas de sua prépria avaliagio. Assim, Sainte-Beuve considera os escritores do século de Luis XIV, especialmente Moligre, modelos de classicos, mas no enquanto cdnones a serem imitados, e si plares inesperados com os quais nunca deixamos de nos maravilhar. Apesar do paradigma fornecido pelo século de Luis XIV, sua visio do clissico nao € nacional, mas universal, inspirada em Goethe e na Weltliteratur: Homero, como sempre e por toda parte, seria 0 primeiro, 0 ‘mais semelhante a um deus; mas atris dele, como 0 cortejo dos 238 ei sil ‘rs rls ago dl Oriente, estariam estes trés po ot , mas nilo se pode acusar Sainte- ;smo cego. Essa definigio liberal do clés versal € nto nacional, € que foi retomada por Matthew sande admirador de Sainte-Beuve: “o que se conheceu DA TRADIGAO NACIONAL EM LITERATURA le sua aula inau- outro contexto, entretanto, quando de su: "1 Escola Normal Superior, em 1858, Sainte-Beuve daria definigdo de cléssico mais normativa ¢ menos liberal. O projeto foi anunciado de modo categ6rico: Nui Ha uma tradigao. Cujo sentido € preciso compreender jo sentido € preciso manter, 10 de revelar esse plano, Sainte-Beuve recorreu mmuitas vezes, 8 primeira pessoa do plural, 0 que o ligava Seu pablico numa comunicade nacional e numa cumplicidade iteratura”, “nossas principais obras liter “nosso século mais brilhante’” dizia ele, designando, € Claro, 0 século de Luis XIV, Diante dos alunos da Escola Normal, ao eta mais conveniente mencionar os poetas indianos € persas, mas apenas “nossa” tradicao: “Devemos aceita, com” preender, nunca renegar a heranca desses mesttes © dess “28 Q *nGs" & onipresente nessas poucas paginas f, apesar cle uma concessio de siltima hora — “Nao nego Faculdade poética, até certo ponto vniversal da humarl dade" —,® € claro que 0 universo no € mais 0 horizonte do professor. Paralelamente, a primazia da imaginacdo sobre a pizao é revertida e, desta vez, “a razao deve sempre presidi t preside definitivamente, mesmo entre esses favoritos ¢ esses eleitos da imaginagio".” Antes mesm estética: "nossa pais ilustres. 239 soam diferente e lhe permitem um recuo, O P: descrito como uma paisagem pitoresca © como minores também tém seu lugar, cada um seu Kamel ‘inte-Beuve desconfia doravante dessa imagem rococo: (Goethe] amplia 0 Parnaso, escalona-o [.J; torna-o semelhante, rte demais, talvez, ao Mont-Serrat, na Catalunha (esse ‘is dentado que arredondado).”*' Com essas tres palavras — ‘semelhante demais, talvez” —, dentre as quais dois advérbios acentuam o excesso e a dtvida, Sainte-Beuve aguca suas restrigdes ao universalismo de Goethe: monte Goethe, sem seu gosto pela Grécia, que cortige e fixa sua indi sua curiosidade universal, poderia ilo, onde ia cle — sande nao ira ele, 0 mais aberto dos homens, o mas avangado do lado co Oriente?™ Sainte-Beuve absolve Goethe porque, apesar de tudo, 0 ele- mento clissico dominava ainda seu espirito, mas, perante os jovens normalistas, o Oriente tomna-se um lugar de perdicao: iges em busca das variedades do Belo nao teriam fim. Mas ele volta, mas ele se assenta, mas ele sabe 0 ponto de vista de onde o universo contemplado aparece em sua mais bela forma.” E esse ponto fixo, esse cume mais alto que todos os outros encontra-se, evidentemente, na Gré Soumion cantado por Byron: Place me on Suntum’s marbled steep (Deixai-me nas encostas de mirmore do Soumion.) Introduzindo a famosa “Prece sobre a Acrépole” em seu Souvenirs d'Enfance et de Jeunesse \Recordacdes da Infancia € a Juventude] (1883), Renan descreverd ainda 0 “milagre grego” como “uma coisa que s6 existiu uma vez, que nunca fora vista antes, que nao sera vista mais, mas cujo efeito durard eterna- mente, quero dizer, um tipo de beleza eterna, sem nenhuma mancha local ou nacional’.* Comparado a esse ideal, 0 exotismo nao € mais oportuno. 240 a célebre eltagiio de Goether "Consl: 10 sadio ¢ 0 romintico doente,..", Sainte-Beuve ‘igo de ao se entedia. Algumas vezes anquila.” Abele: ledo € mais ela ignora o spleen. A temporal 's a de 1850, defasada em relacdo ao seu proprio 10; mas Sainte-Beuve a descreve agora em termos dle faci» respeitiveis e mediocres, termos de que, outront, se ico [.u] inelui, entre © niimero suas caract , amar a patria, 0 seu tempo ‘mais desejivel nem mais belo." O critico mio ‘a0 ao futuro para resgatar os grandes & nhecidos de seus contemporineos, € 0 laptado a seu tempo, contente consigo € co 10 compromete mais sua posteridade. A referénel vez, é exclusivamente ao pasado, € a devocio rominti cle dirigida é 0 sintoma de uma doenga: “O nostalgia, como Hamlet; ele procura aquilo que para além das nuvens [...J. No século XIX, ele alo Média; no XVIII, ele ja € revolucionario como Row melancolia de Rousseau sugere que uma aspiragio revoluc dria remete a uma utopia das origens. E 0 paralelo entr saiide classica e a agonia romantica desemboca n nossa bela patria”, “nossa cidade principal, ¢ ‘magnifica, que nos representa tio bem"® — louvor com ‘ao que Baudelaire fazia a Paris, por exemplo, em “Le Cygne! no decorrer dos mesmos anos —, num sonho de “eq tentre 0s talentos e 0 meio, entre os espiitos € 0 regime Sox 'A visio do valor do clissico é, assim, muito diferente daquela primeira conversa: mostra-se quase antagonica © muito mais proxima do cliché escolar sobre o classicismo clo Grande Século, do nacionalismo lingiistico ¢ cultural promo- vido pela III Repiblica, esse “cléssico-centrismo” mesquinko a1 pelo uso que se faz dele, No pris era o do escritor, para quem os classicos, }, 0 ponto na sua diversidade, estimulo; mas, na Escola Normal, é o professor quem critério de valor nao € mais o mesmo: nao é mais a admiragio fecunda do escritor-aspirante por seus predecessore: aplicacao da literatura a vida, sua utilidade na formacao dos homens e dos cidadaos. SALVAR O CLASSICO A reflexao de Sainte-Beuve sobre o clissico, isto é, sobre 0 valor literirio, € exemplar pela tensio, ou mesmo pela contra- digao de que € testemunho, entre os dois sentidos que a palavra adquiriu pouco a pouco a partir do fim do século XVIII: os clissicos sio obras universais e intemporais que constituem um bem comum da humanidade, mas sao também, ha Franga do século de Lufs XIV, um patrim6nio nacion: Assim, Matthew Arnold, universalista @ maneira de Sainte Beuve, tem a reputaclo (ma, em nossos dias) de haver fundado © estudo escolar ¢ universitério da literatura inglesa sob uma Perspectiva moral e nacional. Tal como 0 entendemos desde © século XIX, 0 classicismo apresenta, 20 mesmo tempo, e com (© mesmo peso, um aspecto bistOrico e um aspecto normativo, € uma associagao entre razio e autoridade. Sainte-Beuve reproduz uma argumentacio freqiiente desde as Luzes, com a qual se tenta, apesar do relativismo do gosto, doravante reconhecido, legitimar a norma através da historia, 2 autori- dade através da razao. Dai esses dois textos divergentes em funcao do publico ao qual se dirigem: numa palestra, Sainte- Beuve se faz o apologista de uma literatura mundial, ‘na qual @ imaginagao tem seu lugar, mas, numa aula, ele defende a ratura nacional em nome da razlo. O desafio para amadores ponderados como Sainte-Beuve ¢ Arnold, ou mais tarde T. S. Eliot, consiste em encontrar uma forma de justficar a tradigio literdria depois de Hume ¢ Kant, depois das Luzes e do roman- tismo. Sainte-Beuve, como alguém que recusa denunciar 0 mae ia comprometido o val ico”. Muito a0 conti norma supra-hist6i ilo normativo tenh is como Gadamer opera esse resti como 0 historicismo pode relegitim: © pensamento histérico queria fazer crer q) valor que identifica algo como “clissico” sei anulado pela reflexio hist6rica, cepedes teleoldgicas do curso da no € assim. © julgamento de valor prese: “clissico” ganha, a0 cont magao nova, sua verdad mantém frente & eritica hist6rica, porque sua forcs, ccamente subjuga, a forga de sua autoridade, qui conserva, ultrapassa toda reflexdo hist6rica e 3 Assim, apesar do historicismo e depois dele, Gada © conceito de cléssico para qualificar precisamente a arte « resiste a0 historicismo, a arte que o pr6prio historicismo nhece como uma arte que Ihe opde resistencia, o que ate que seu valor é irredutivel & hist6ria. Reexaminado, 0 chissico nao € apenas um conceito descritivo, que depende dla ciéncia historiografica, mas uma realidade ao mesmo tempo hist6rica e supra-hist6rica: © que € clissico & subtraido as flutuagdes do tempo e As variagdes de seu gosto; o que € clissico € acessivel de uma mancira Quando qualificamos uma obra como “classi is pela consciéncia de sua permanéncia, de 23 palavra cldssico tem duas acepgoes, temporal, mas elas nio sio forgosamente incomp: contririo, pelo menos segundo Gadamer, o fato de o cl tet se tornado 0 nome de uma fase hist6rica determi ila salva a tradigio ckissica da aparéncia arbitréria e inj ter até entio, € torna-a, por a: uma grandeza tinica do passado, que a normativo extraiu-se um contetido que designa um ideal de estilo € um periodo que cumpre esse ideal. co” ao conjunto da Antigdidade antigo uso da palavra dogmatica ou neoclissica: 0 cinone clissico, tal como a Anti- gilidade tardia o havia instituido, jt era hist6rico, isto €, retros- partir de um momento de decadéncia. Assim foi para o humanismo, que redescobria (© cinone clissico do Renascimento simultaneamente como ist6ria € como ideal. Na realidade, o conceito de cléssico lo sempre hist6rico, mesmo quando parecia normativo: conseqientemente, a norma teria sido sempre justificada, mesmo quando se apresentava como um dogma autoritario € no como avaliagao fundamentada. A argumentagio sutil de Gadamer acabou por fazer coincidir © sentido milenar de cléssico, como norma impo: conceito historicista de classico, como estilo determinado. No primeiro sentido, o clissico parecia, sem divida, supra- hist6rico a priori, mas ele resulta, na verdade, de uma avaliagio retrospectiva do passado hist6rico: o clissico € reconhecido apés uma decadéncia ulterior. Os autores definidos como sicos constituem, todos, a norma de um género, nao a riamente, mas porque 0 ideal que exempli é olhar retrospective do critico 7 teria designado sempre uma fase, 0 apogeu de um estilo, entre um antes € um depois; 0 clissico teria sido sempre justificado, produzido por uma apreciagio racional. ratio, Portanto, © classico 24 10 do adculo XIX, dado que o que havia ko, oricinm pelo histo pricamente £ cis nao se reduz a uma simples declaragio sobre {que desipareceu ou um simples testemunho ser interpretada; é, a0 contririo, o que em 4) 0 dissesse unicament \guma coisa, como roxima muito dh m dessa formulagio se Jo beuviana; entretanto, Gadamer nao q intemporalidade € uma modalidade do ser mesmo tempo hist6rico e intemporal, historicamer poral, 0 clssico torna-se, pois, 0 modelo admissiv relagao entre presente ¢ passado. Nao se pode imaginar procedimento mais ha fazer o cléssico coincidir consigo mesmo, como cone simultaneamente hist6rico € supra-hist6rico, logo tavelmente legitimo. Jauss, contudo, que deve mui néutica moderada de Gadamer — ela esti no pri sua estética da recep¢o, como tikima tentativa para subtra a interpretagio da desconstrugio — resiste a essa pres gitacao final, gragas & qual se salva 0 préprio clissico. J nao pede tanto, ou eno, teme que esse furor em resga 6 classico denuncie © objetivo verdadeiro da hermenéutica ‘gadameriana e comprometa a estética da recepeio, que no se empenha em aparecer como uma siltima rendencio do cinone, mesmo que esse seja seu resultado mais claro. De qualquer 2s eer Jin reataunaclo, ¢ ato abanclonade Esse esquema nao seria ele mesmo inspirado, segund circularidade que observamos muitas vezes, nas ob Gadamer pretende valorizar, ou salvar da desvalorizag seja, as obras clissicas, no sentido habitual do te oposicdo as obras moderas? Para Jauss, essa visto teleolégica da obra-prima clés trabalho do tempo, € © conceito de classico, herdado de Hegel, é limitado demais para dar conta da obra digna desse nome, em todo caso, da grande obra moderna. Alids, esse conceito depende demais, para isso, da estética da mimesis, sendo que o valor da ratura € da arte em geral nao est ligado exclusivamente a sua fungio representativa, provém também de sua dimensao experimental, ou “expe- riencial” (medindo-se a experiéncia que ela proporciona), carac- teristica da literatura moderna. © conceito de classico em Gadamer, como em Hegel, hipostasia a tradigto, a0 passo que essa no se manifestava ainda como “clissica” no momento de seu aparecimento. “Mesmo as grandes obras literdrias do passadlo no sio recebidas e compreendidas pelo fato de possuirem um poder de mediagao que Entretanto, se Jauss se separa de Hegel ¢ de Gadamer quanto a definicao de clissico, e parece, portanto, colocar © classico em perigo, 0 critério de valor alternativo que ele propde também resgata o cinone. A propria negatividade, reivindicada pela obra-prima moderna, pode, retrospectiva- mente, ser lida nas obras que se tommaram classicas como 0 motivo auténtico de seu valor. Toda obra classica contém, na verdade, uma fissura, 0 mais das vezes imperceptivel aos seus contemporaneos, mas que nao deixa de estar na origem de sua sobrevivencia, Nao se nasce classico, torna-se clissico, (© que tem, portanto, como conseqiiéncia, que no se perma- nece forcosamente como tal degradacao cuja possibilidade Gadamer procurava conjurar. \es seria inerente", 246 ULTIMA DEFESA DO OBJETIVISMO te a favor do cdnone. Genette faz 0 mente, Em termos nao somente de conhecimento ‘mas também de estética, os filésofos analit 1m perigo n inte do subje= \o. Invalidando 08 critérios objetivos, os valores estivels ‘onal, a teoria literdtia afastou-se julgamentos que se fazem a seu respeito, € se dedica a explicar a linguagem cotidiana ¢ o sensé Monroe Beardsley, que havia outrora denun ‘cional — que foi, por assim dizer, a certidao ‘ento da teoria, pelo menos em solo americano —, det 10 manter como ilusio paralela 0 julgamento do va ico. Ele tentou, pois, refazer, se nao um objetivismo, pel renos que ele chamou de instrumentalismo estético. Por lum outro caminho, recai-se aqui na definigio da obr: nstrumento ou como programa, como partitura, defi que se apegavam as teorias moderaclas da recepeio, preservarem a dialética entre texto e leitor, entre coerc: iberdade: se o sentido nao esti integralmente na obra, tomava dificil sustentar 0 contririo, essa interpretacio, ou essa solugao de compromisso (a obra é instrumento, progr partitura), permite afirmar que o sentido tampoueo ¢ inteira- mente da responsabilidade do leitor. Assim como é preciso ‘admitir que 0s julgamentos estéticos sto subjetivos, nao sera Jegitimo sustentar que a obra, como instrumento ou progra nao seria indiferente a esse fato? Afinal, sem obra nao haver julgamento. 247 ambas € prope uma terceira via, Afasta, da ‘40 mesmo tempo as razdes genéticas (a origem € a inter obra) € as afetivas (0 efeito sobre o espectador ow k voltando-se para as raz6es fundamentadas nas propr le, em caso de desacordo, de arbi- trar julgamentos contradit6rios (de avaliar as avaliagdes). Entre os dois extremos, Beardsley encontra um meio-termo que experiéncia estética que ele tem a capacidade de propor- cionar, segundo o ponto de vista de trés critérios principais: a unidade, a complexidade € a intensidade dessa experiencia Ea tese de Beardsley — um valor estético intrinseco, isto é, um meio racional dle convencer um outro intérprete de que ele esti errado. Em caso de desacordo, poderei explicar por que gosto 0 nio gosto, por que prefiro ou nao prefiro, e mostrar que hi razes melhores para gostar ou nao gostar, para preferir ou no preferir. A referéncia 4 unidade, 4 complexidade e & intensi- dade como medidas da experiencia estética me permite explicar por que as raz6es pelas quais escolhi x € mio y sio melhores do que as razdes pelas quais poderia escolher y € nio x. Assim, haveria, na obra, uma capacidade disposicional de proporcionar uma experiéncia; € a unidade, a complexic: © a intensidade dess valor da obra.” Para a recepgio, Como Is quando queria salvar o estilo, como Jauss para ia, Beardsley recorre a esse remédio ambiguo a fim de ul passar a alternativa entre objetivismo e subjetivismo. Entre texto € leitor, a obra-partitura € © meio-termo. Mas em que consiste essa capacidade virtual da obra? E como poderia nio ser ela uma propriedade objetiva da obra? Aliés, como concebé- de outra maneira? a histé- 248 ‘uma frigil muratha em torno do clnone, observa que, culos: os de valor sustentados pi egiou as organizagbes ‘guindo um outro caminho, atacou a complex! texemplo, nas obras monocrOmicas ou seriais. Os ‘le, de complexidade ¢ de intensidade, que 1a orgiinica” clogiada por Coleridge € reton ma pelos escritores da American Renaiss ‘i NIX (Matthiessen, 1941), sao claramente conformes 2 extétlen (lo New Criticism, seivindicada por Beardsley. U mais conhecidas produzidas por essa escola, brooks, intitula-se The Well Wrought Urn (a Urn (1947) e compara o poema a um vaso bem trab: velmente confeccionado, estavel, cujos paradoxos © (ades sio resolvidos na unidade intensa: um vaso grego proporciona uma experiéncia mensuravel pela unilade, Tomplexidade e pela intensidade, e no um ready-made Duchamp. 0 fildsofo Nelson Goodman, jé citado por su te litagao do estilo, recafa, também ele, nos mesmos tradicionais de gosto, quando, procurando uma maneira escapar a0 subjetivismo, sustentava que os “tes sintomas di ‘estética podem set a densidade sintitica, a densidade semintic ea plenitude sintitica’.” Ora, do modernismo 7 nismo, os critérios de Tomas de Aquino ¢ de Coleri Beardsley e de Goodman, nao cessaram de ser satit Face 2 alternativa entre objetivismo (hoje insustentivel ¢ relati- vismo (para muitos, entretanto, intolerivel), € surpreendente {ue sejam sempre os partrios do gosto clissico que procurem 29 ela VALOR E POSTERIDADE As duas teses extremas — 0 objetivismo ¢ 0 subje — silo mais ficeis de defender, mesmo que nem outra correspondam ao sensus communis, que demanda um; ide dos valores pelo menos tel i e fragile muito facil de refutar. E, se Genette pode anunciar, com trang ide, um relativismo estético tio intransigente, & porque ele nao se pergunta nunca que relagaio ha entre a apreciagio individual © a avaliagao coletiva ou social da arte, nem por que a anarquia nao resulta efetivamente do subjetivismo. Se a teoria € tio sedutora, € porque, muitas vezes, ela 6 também verdadeira, mas é sempre apenas em parte verdadeira; e nem Por isso seus adversirios nio esto errados. Entretanto, conci- ir as duas verdades nao &, nunca, confortivel. Por falta de argumentos teéricos, os observadores ponde- rados, que se voltam para o subjetivismo do julgamento do gosto, mas resistem ao relativismo do valor que teoricamente decorre dele, valem-se dos fatos, no caso, do julgamento da Posteridade, como testemunhos a favor, se nao da objetivi- dade do valor, pelo menos de sua legitimidade empirica. Com © tempo, dizem, boa literatura expulsa a ma. Est vetus atque Probus centum qui perficit annos, “aquilo que atravessou tenas de anos é velho ¢ sério”, escrevia Horacio em carta a Augusto (Cartas, Il, 1, v.39), na qual ele defendia, entretanto, 08 modemos contra a hegemonia dos antigos e ja ironizava a Poesia que supunha tomar-se melhor com o passar do tempo, como 0 vinho (Cartas, Il, 1, v.34). Genette, que também nao acredita nesse argumento tradicional, latiza-o nestes termos: |, caracteriza-o e ridicu- Passados os entusiasmos superficiais da moda e a Preensdes momentineas, devidas as rupturas de hil realmente belas |...) acabam sempre por impor-se, de modo {que aquelas que vitoriosamente passaram pela “prova do tempo" tiram dessa prova um selo incontestivel e definitive de qualidade.” alll ee ‘obra que vencey/a prova do tempo @ diana de durnr,¢ aeu iteriria), pois tal conceito satisfaz t mo. Do ponto issico, 0 tempo liberta a literatura dos iminando os efeitos da moda. Do p leno, a0 contritio, 0 tempo promove os ve 165, reconhece Pouco a pouco auténticos ¢ ‘6 drduas que inicialmente nio encontram pi desenvolverei essa dialética bem conhecida desd 0 no século XIX: a douirina do “romantismo dos cli — 05 clissicos foram romAnticos no seu tempo, os romanticos serdo classicos amanha —, esbocada por Stendhal em Racine shakespeare (1823) ¢ retomada num sentido 1 vanguardas, a ponto de se considerar que é um mal sin, para uma obra encontrar sucesso imediato, agradar primeiro ptiblico.™ Proust afirma que uma obra cria ela sua posteridade, mas constata também que uma ob1 outra. Na tradigio do novo, o argumento da post infelizmente, duas faces. Segundo Theodor Adorno, uma obra torna-se classi quando seus efeitos primérios se amainam ou sto ultra primeiro piblico se engana sempre: ele apreci razdes. E apenas a passagem clo tempo rev as quais se elaboravam obscuramente na escolha do primeiro piblico, mesmo que esse nao compreendesse a razio dos efeitos. Adorno, diferentemente de Gadamer, nio tem por 251 objetivo cho classi modernidade p a rizagao: a inovacdo precedent posteriormente, 8 luz da in tempo desembaraca a obra do seu quadro contempos dos efeitos primdrios que impediam que ela fosse como & em si mesma. A Recherche, recebida prim biografia de seu autor, do seu esnobismo, da su: sua homossexualidade, segundo uma ilusto Cintencior ica) que impedia a lucidez. quanto a seu valor, encont (ores livres de preconceitos, ou melhor, leitores ct preconceitos sio outros, € menos estranhos a Recherche, porque a assimilagao da obra de Proust, seu sucesso cres- cente, tornou-0s favordveis a essa obra ou mesmo dependem dela para ler todo o resto da literatura. Depois de Renoir, diz, ainda Proust, todas as mulheres tormaram-se Renoi Proust, o amor de Mme de Sévigné por sua filha ‘como um amor de Swann. Assim, a valorizagao de uma obra, uma vez comegada, tem todas as chances de acelerar-se, pois cela faz dessa obra um critério de valorizacao da literatura: seu sucesso confirma, pois, seu sucesso. £ 0 afastamento no tempo que é, em geral, considerado ‘como uma condicio favorivel a0 reconhecimento dos verda- deiros valores. Mas um outro tipo de afastamento propicio & selecio dos valores pode ser fornecido pela distancia geo- grifica ou pela exterioridade naciona vvezes lida com mais, fronteira: uma obra é muitas igacidade, ou menos viseiras, fora das longe de seu lugar de surgimento, como foi 0 caso de Proust na Alemanha, na Gri-Bretanha ou nos Estados Unidos, onde o leram muito mais cedo € muito melhor. Os termos de comparagio nao so os mesmos, no tHo restritos, slo mais tolerantes, € os preconceitos sito diferentes, sem duvida menos pesados. © argumento da post lade ou da exterioridade & mais tranquilizador: 0 tempo ou a distancia fazem a triagem; tenhamos confianga neles. Mas nada garante que a valori de uma obra seja defini seja um efeito da moda. Certamente a Phedre de Racine relegou por virios séculos a de Pradon. A diferenca parece estivel. Mas seria definitiva? Nada impede pensar, mesmo que a proba- bilidade pareca cada vez mais fraca — desde que se instaurou 2s2 po Phedre de Peadon destronari unm uma posteridade =, que rival, A volta de a ascinante, confortivel € entediant ‘e sempre, as obras-primas banalizadas ccepeao. Ou, ento, as Gnicas auténticas obras-pr textos que jamais causarlo tédio, como as pecas de re, segundo Sainte-Beuve. da arte, um ramo desenvolveu-se considera hor 0 t6rio das obras: a hist ida por Francis Haskell, seu mais eminente sentante, € a seguinte: “Dizem-nos que o tempo € 0 arbitro ‘upremo. Eis uma afirmacao impossivel de confirmar-se ov dlcamentir [.... Também nao se pode ter como certo que um ita arrancado do esquecimento nao volte a ele.” A hist6ria dio gosto estuda a circulagao das obras, a formagio das gran- les colegdes, a constituigio dos museus, o mercado da arte. nvestigacdes semelhantes seriam bem-vindas na literatura, os enigmas subsistirio. Um verdadeiro clis obra que nunca se tornaria tediosa para nenhuma g Nao haveria outro argumento em favor do cfinone a no s autoridade dos especialistas? POR UM RELATIVISMO MODERADO sistiram ‘ontra o dogmatismo neoclassico, os modernos it sn aintiviome do valor litertio: as obras entram e saem do Chnone ao sabor das variagbes do gosto, cujo movimento no € regido por nada de racional. Seria possivel citar indmeros exemplos de obras redescobertas depois de cinqtlenta anos, ‘como 1 poesia barroca, o romance do século XVIII, Maurice Sceve, o marqués de Sade. A instabilidade do gosto é uma evidencia desconcertante para todos aqueles que gostariam de repousar em padroes de exceléncia imutiveis. © cinone literitio € funclo de uma decisio comunitiria sobre aquilo que conta em literatura, bic et nunc, € essa decisio € uma self fulfilling prophecy, como se diz.em inglés: um enunciado 253 a de verdade, ou um clo nao pode senio confirmar a sua legit isio 6, em a, seu o eritério, O cAnone tem 0 tempo a seu favor, lentas, antiautoritarias como se conheceram tam A rejeicao de valores ja consagrados. £ impossivel ir deste depoimento: eu gosto porque me disseram cuja enunciagio aumenta decisao cuja ap! menos q Mas a alternativa a que nos leva 0 conflito entre a teori © senso comum nao é, novamente, rigida demais? Ou hi um cAnone legitimo, com uma lista imutvel ¢ uma ordem ri ou, entao, tudo € arbitrario. O cinone nao é fixo, mas também 1nd € aleat6rio €, sobretudo, nto se move constantemente. E uma classificagao relativamente estivel, €, se 08 clissicos mudam, é 3 margem, através de um jogo, analisivel, entre 0 centro € a periferia. Ha entradas e saidas, mas elas nao sio Wo numerosas assim, nem completamente imprevisiveis. £ verdade que o fim do século XX é uma época liberal, em que tudo pode ser reavaliado (inclusive o design, ou a auséncia de design, dos anos cinqtenta), mas a bolsa de valores ririos no joga ioid. Marx formulava o enigma nestes termos: “A dificuldade nao € compreender que a arte grega € a epo- péia estio ligadas a certas formas do desenvolvimento social. A dificuldade € a seguinte: elas ainda nos proporcionam um 020 estético €, sob certos aspectos nos servem de norma, sio para nés um modelo inacessivel."* O surpreendente & que as obras-primas perduram, continuam a ser pertinentes para nds, fora de seu contexto de origem. E a teoria, mesmo i denunci lusio do valor, nao alterou o cinone. Muito a0 contritio, ela 0 consolidou, propondo reler os mesmos textos, mas por outras raz6es, raz6es novas, consideradas melhores. Nao é possivel, sem dtivida, explicar uma racionalidade das hierarquias estéticas, mas isso no impede o estudo racio- nal do movimento dos valores, como fazem a hist6ria do gosto ou a estética da recepcao. E a impossibilidade em que nos encontramos de justificar racionalmente nossas prefe- réncias, assim como de analisar © que nos permite reconhecer instantaneamente um rosto ou um estilo — Individuum est ineffabile—, nao exclui a constatagao empitica de consensos, sejam eles resultado da cultura, da moda ou de outra coisa. 254 = rio é uma conse sco amo do julyamento, inevitivel do relativism anes bee ui teressante: Como OS Como se estabelecem & encarregadas de zelar pela lite~ sensos, como a lingua, como o esti into de preferéncias individuals, ve gornarem normas por intermédio de instituigoes: wagao, o mercado. Mas “as obras de arte’, adamer, “mao sao cavalos de cortida: sua é 2°. 0 valor juade principal nao é apoatar um vencedor’ O At io nao pode set fundamentado teoricamente: ¢ w 1, nao da literatura, forma de um conju es de 255

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