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INVASÃO ESPACIAL
Autor
CLARK DARLTON
Tradução de
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
EDIÇÕES DE OURO
A energia humana e a tecnologia superior dos arcônidas
uniram-se num super-poder conhecido como a Terceira
Potência.
E não foi sem razão que lhe deram esse nome. Pois essa
Terceira Potência, chefiada por Perry Rhodan, já conseguiu
evitar as piores catástrofes para a Terra.
Mas agora os velhos inimigos dos arcônidas, os
Deformadores Individuais, penetram no sistema solar. A
Terceira Potência vê-se diante duma ameaça contra a qual nem
mesmo os cientistas do planeta Árcon conhecem qualquer
defesa...
- - - - - - - - - - Personagens principais: - - - - - - - - - -
Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potência.
Reginald Bell — Engenheiro eletrônico da Stardust e melhor amigo de
Perry.
Crest e Thora — Únicos sobreviventes da expedição dos arcônidas.
Tako Kakuta — Membro do exército dos mutantes. Possui o dom da
teleportação.
Homer G. Adams — “Ministro das Finanças” da Terceira Potência. Seu
campo de trabalho é o mundo, e as somas por ele
manipuladas atingem a casa dos bilhões.
Ernst Ellert — Um homem cujo espírito sabe deslocar-se no tempo.
Perry diz que é um teletemporador.
Allan D. Mercant — Chefe do Conselho Internacional de Defesa e
simpatizante de Rhodan.
I
***
***
***
***
***
Os pântanos fumegantes de Vênus foram-se desvanecendo; o planeta
transformou-se na foice prateada cujo brilho excedia o do Sol. Evidentemente tratava-
se de uma ilusão ótica, pois na realidade o Sol emitia uma luminosidade mais intensa.
Mas a espessa camada de nuvens refletia a luz solar com tamanha intensidade que se
tornava quase impossível contemplar Vênus com o olho desguarnecido.
O vulto esguio mantinha-se imóvel diante das telas. Seus olhos sonhadores
contemplavam o planeta que ia recuando, e que acabara de ser incluído nos seus
planos. Perry Rhodan compreendera que a Terra se tornara pequena para ele, e que
precisava dum mundo exclusivamente seu para construir seu império.
Eric Manoli, que já de si era um homem calado, estava sentado numa poltrona
perto de Perry. Sua figura mirrada quase desaparecia atrás do encosto. Também
dedicava toda a atenção ao planeta que ia mergulhando no infinito, e que tanto se
parecia com aquilo que a Terra devia ter sido há cem milhões de anos.
O terceiro homem que se encontrava na sala de comando da nave Good Hope
parecia menos impressionado. Todo encolhido, Reginald Bell, engenheiro de bordo da
nave Stardust, jazia no leito dobrável. Seus olhos cor de gelo deslizavam rápidos sobre
as linhas do livro que estava lendo. Notava-se perfeitamente que seus cabelos se
arrepiavam, como se estivesse lendo uma história de fantasmas. Às vezes um sorriso
irônico passava pelo rosto largo. Não parecia interessar-se pelo planeta que ia
recuando na tela.
Foi ele que rompeu o silêncio compenetrado que reinava naquele recinto.
Sacudiu a cabeça, fechou o livro e deitou sobre a volumosa barriga. A capa do livro
ficou à vista. Nela se via a paisagem selvática de um pantanal. Num dos pântanos via-
se uma nave esguia, que afundara até a metade. Um homem parado numa das
comportas de ar defendia sua vida com um fuzil de radiações contra alguns monstros
horrendos que pareciam dinossauros.
— Este sujeito devia ser preso — declarou com um profundo suspiro. — A meu
ver isso é uma fantasia doentia.
Perry Rhodan não tirou os olhos da tela. Sem virar a cabeça, perguntou:
— Quem devia ser preso?
— O sujeito que cometeu o crime de escrever este romance.
— Que romance?
Reginald Bell voltou a suspirar.
— Este aqui: “Base em Vênus”. É um romance utópico. Imagine que foi escrito
há dez anos. Naquela época ninguém teria pensado em fazer uma viagem a Vênus. E
esse camarada vai escrevendo sem mais aquela, faz alguém construir uma nave e
instala-se confortavelmente em Vênus, depois de ter atolado com sua nave. Trava lutas
heróicas contra o calor e os dinossauros, até que seu amigo aparece com outra nave e o
liberta. É inacreditável!
Perry Rhodan girou a poltrona e fitou o rosto de Bell. Sempre se admirava com o
aspecto ingênuo do mesmo. Todavia, não havia ninguém que tivesse um QI tão
elevado como ele e Bell. Deviam isso ao treinamento hipnótico dos arcônidas, através
do qual lhes foi ministrado em poucos dias um volume de saber superior ao de toda a
humanidade. As conquistas de uma cultura e de uma civilização milenar estavam
armazenadas nos cérebros daqueles homens. A aparência de Bell não revelava nada
disso. Muitas vezes Perry sentia-se tentado a subestimá-lo, quando olhava aquele rosto
inocente. Mas sabia perfeitamente o que havia atrás de seus olhos cor de gelo.
— Não vejo nada de inacreditável nisso. O escritor não tem razão? Em Vênus
não existem pântanos e dinossauros? E por acaso não faz calor?
Reginald Bell parecia decidido a exprimir suas emoções através de suspiros.
— Pois é justamente isso! O que aquele sujeito escreve é verdade. Até dá para
desconfiar que já esteve aqui antes de nós. — Ergueu o corpo e apoiou-se no cotovelo
direito. — Isso é uma baixeza!
Um sorriso condescendente esboçou-se no rosto de Perry.
— Você está com inveja; o problema é este. Você não se conforma em saber que
há dez anos o autor desse livro já tenha experimentado em sua fantasia a vivência de
coisas que só hoje realizamos. Andou à frente do tempo, e isso deixa você furioso.
— Mas esse fuzil de radiações é uma verdadeira tolice. Há dez anos não se
conheciam sequer os fundamentos teóricos de uma arma desse tipo, isso sem falar nos
raios laser e maser.
— De qualquer maneira, ontem essa arma nos serviu para espantar aquele bicho
teimoso que pensou que a Good Hope fosse uma maça e pretendia devorá-la.
Bell parecia desolado.
— Santo Deus! Não fomos nós que inventamos essa arma de radiações!
— Que importa? Dispomos dela, embora a tenhamos recebido dos arcônidas. Se
não a tivéssemos não estaríamos aqui, pois nesse caso a Good Hope não existiria mais.
Bell desistiu.
— Está bem, não vamos brigar por isso. Aquele escrevinhador foi um gênio,
andou à frente do seu tempo, criou obras imortais e esteve mais adiantado que nós. Ao
menos poderia ter cometido um engano, pintando Vênus como um planeta coberto de
pó. Mas não! Sua descrição é exata nos menores detalhes. Onde já se viu? Isso me
deixa nervoso! Não teremos nada para contar aos homens.
— Se isso o aborrece tanto, por que lê essa história?
Bell não soube o que responder. Nem teria tido tempo. Subitamente o ar treme-
luziu por uma fração de segundo entre ele e Perry, e um homem surgiu no lugar em
que antes não havia nada. Mais uma vez o mutante japonês Tako Kakuta resolvera
materializar-se sem se fazer anunciar, isso porque era tão preguiçoso que não queria
percorrer como um homem normal os poucos metros que separavam a sala de
comando do posto de radiotelefonia.
Mas não seria correto chamar o local de trabalho de Tako um simples posto de
radiotelefonia. A Good Hope era uma nave auxiliar do gigantesco cruzador espacial
dos arcônidas, que fora destruído na Lua pela união das superpotências da Terra.
Thora, comandante do cruzador e única mulher arcônida da expedição, conseguira
salvar a nave auxiliar e fugira para a Terra onde encontrara proteção junto a Rhodan.
Essa nave auxiliar era muito grande, se aplicássemos os padrões terrenos. Seu
diâmetro era de sessenta metros, tinha forma esférica e desenvolvia velocidade
superior à da luz. Os neutralizadores gravitacionais eliminavam os efeitos da inércia,
motivo por que a nave podia ser acelerada à vontade. O armamento excedia tudo que o
espírito humano poderia imaginar. No entanto, o raio de ação, segundo asseverara
Crest, atingia apenas quinhentos anos-luz, ficando abaixo do mínimo vital dos
arcônidas. Com essa nave não poderiam atingir seu planeta natal, ou qualquer base do
império arconídico.
O “posto de radiofonia” da nave era uma gigantesca central de comunicações.
Tako só compreendia o funcionamento de pequena parte dela. Contentou-se em lidar
com o pequeno aparelho de rádio, que captava e transmitia ondas das faixas normais.
Com ele, conseguia manter contato com a Terra. Levaria meses para aprender o
significado dos outros aparelhos e instrumentos.
A comunicação com a base de Gobi estivera interrompida por algum tempo. Mas
agora os sinais emitidos pelo Dr. Haggard tornaram-se tão fortes que não poderiam
deixar de ser ouvidos.
Foi por isso que o japonês se teleportou para a sala de comando.
Como sempre, Bell levou um tremendo susto. Não havia nenhum motivo para
isso, mas não era qualquer um que conseguia ficar impassível ao ver um homem surgir
do nada.
— Com mil diabos! Será que nunca poderemos evitar que esse gafanhoto apareça
constantemente sem ser anunciado?
Tako deu um sorriso amável.
— Da próxima vez anunciarei minha chegada por carta. Combinado?
Perry interrompeu a discussão.
— Estabeleceu contato com o Gobi?
— Foi por isso que vim — confirmou o japonês. O sorriso desaparecera; parecia
muito sério. — Há horas Haggard está tentando entrar em contato conosco. Temos
más notícias, Rhodan. A invasão dos DI já começou. Mercant relatou vários casos em
que os DI se apossaram dos corpos de personagens importantes. Mas, segundo informa
Haggard, essa descoberta não serve de nada. Os DI retiraram-se e procuram outra
vítima.
Reginald Bell afastou o livro ao qual há poucos segundos dedicara tanta atenção.
Assumiu uma posição ereta. Em seus olhos surgiu um brilho metálico.
— A invasão? Pois destruímos a nave dos atacantes.
— Nesse caso deviam ter duas naves. — Perry dirigiu-se a Manoli. — Deixemos
Venus de lado, Eric. Faça a Terra surgir nas telas. Aceleração máxima.
A imagem das telas modificou-se. Uma estrela verde-azulada surgiu e ao seu
lado um minúsculo ponto luminoso, a Lua. Enquanto olhavam, os dois objetos iam
aumentando quase imperceptivelmente.
Perry voltou a dirigir-se a Tako.
— Mais alguma coisa?
— Crest pede que retornemos imediatamente ao Gobi. Quer recorrer ao exército
dos mutantes; não vê outra possibilidade de enfrentar a invasão. Deseja falar com
você.
— Vamos — confirmou Perry e foi saindo.
Tako lançou um olhar ligeiro para Bell. Um sorriso esboçou-se em seu rosto e
logo desapareceu. Quando Perry entrou na sala de radiofonia, o japonês já estava
esperando junto aos aparelhos.
— Aqui fala Rhodan.
— Aqui é Haggard. Um instante. Crest quer falar com você.
Perry esperou.
— É Crest. Ouça, Rhodan. A situação é muito séria. Mercant está desesperado.
Pediu socorro. Achei preferível não fazer nada sem você. Dentro de quanto tempo
poderá estar aqui?
— Dentro de duas ou três horas. Espero que a nave agüente.
— Quanto a isso não se preocupe, Rhodan. Se avistar a nave dos DI, destrua-a.
Peça a Tako que se teleporte para o interior dela com uma carga de explosivo.
— Desta vez serão mais cautelosos. Crest. Estão prevenidos. Tomara que não
tenham trazido reforços.
— É impossível. Os princípios dos DI não lhes permitem estabelecer
entendimentos com outras raças. Acham que os poderes de que são dotados lhes
permitem liquidar qualquer inimigo. Quase chego a achar impossível que possamos
conquistar uma vitória total sobre eles.
— Crest, mais uma vez você nos subestima. Aliás, encontrei um local adequado
em Vênus. É lá que instalaremos nossa base; vamos intensificar o treinamento dos
mutantes.
— Isso tem tempo. Em primeiro lugar temos de repelir a invasão. Os homens
nem desconfiam do que os espera. Receio que os DI disponham de uma base fixa na
Terra, e que estejam operando a partir dela. Seria muito complicado se tivessem de
usar uma base móvel montada numa nave.
— Não há nenhum indício quanto a isso?
— Nenhum. Fale com Mercant; talvez ele lhe possa dar alguma informação.
Afinal, manteve contato com homens que foram possuídos pelos DI e voltaram a ser
liberados.
Perry ficou estupefato.
— Sempre pensei que um homem que fosse possuído pelos DI tivesse de morrer.
Houve alguma modificação?
— Estávamos enganados. As pessoas atingidas não dão mostras de qualquer
conseqüência prejudicial.
— Excelente! É um ponto favorável. Mais uma coisa, Crest. Acho que não
preciso encarecer a necessidade de jamais sacrificarmos nossa situação proeminente
face às potências mundiais. A união dos países da Terra foi devida à nossa existência.
Se um dia deixar de existir a “ameaça” representada pela Terceira Potência, o mundo
voltará a mergulhar no caos dos conflitos que mal acabam de ser superados. Por isso
acho que a vitória imediata sobre o invasor constitui uma necessidade vital. Se não a
conseguirmos, nosso prestígio terá chegado ao fim.
Quase se chegava a ver o sorriso de Crest, quando respondeu:
— Não será só nosso prestígio que terá chegado ao fim, mas toda a humanidade.
E nós também O cérebro positrônico diz que nos encontramos numa situação crítica.
— E o que diz sobre as nossas chances?
— São de cinqüenta por cento. Já é alguma coisa.
Perry refletiu por um instante. Depois disse:
— O raio de ação da Good Hope é de quinhentos anos-luz. Será que não
poderíamos atacar os DI em seu próprio terreno?
Crest suspirou.
— Rhodan, você está revelando um grau de atividade assustador. Mais tarde
talvez poderíamos cogitar dessa alternativa, mas acredito que nas condições atuais ela
não teria a menor chance. Os DI evitam o confronto aberto, porque não têm
necessidade de recorrer a ele, mas costumam manter suas instalações de defesa em
boas condições. Você não conseguirá nada enquanto dispuser apenas da Good Hope.
— Bem, veremos. — Perry ainda não havia desistido da idéia. — Por enquanto
procure entrar em contato com Mercant. Quero encontrar-me com ele, ou com um
representante seu, assim que tornar à nossa base. Mais alguma coisa?
— No momento não. Thora se comporta como uma pessoa sensata.
Perry deu de ombros.
— Ainda bem. Até logo mais.
Voltou à sala de comando depois de ter ordenado a Tako que mantivesse o
receptor ligado. Parecia pensativo. Parou por um instante na porta da sala. Thora! Era
uma mulher extraordinária, embora estivesse impregnada dos preconceitos doentios de
uma raça superior. No entender dela, os homens não passavam de uns semi-selvagens.
Só consentira em colaborar com Rhodan por ter sido forçada a isso. Sabia
perfeitamente que encalhara num sistema solar estranho, e que sem o auxílio dos
homens nunca conseguiria voltar à sua terra. Sua própria raça, que era altamente
civilizada, mas decadente, não mexeria um dedo para procurá-la, muito menos para
salvá-la. Era bem possível que a perda do cruzador de pesquisa científica nem fosse
notada.
Thora era de uma beleza envolvente. Perry quase chegava a acreditar que poderia
amá-la, se não a odiasse tanto. Mas seria verdade que ele a odiava, ou procurava
apenas convencer-se a si mesmo de que era assim? Ainda bem que Crest se encontrava
a seu lado, e tantas vezes lhe explicava a motivação psicológica das atitudes
incompreensíveis de Thora.
Perry Rhodan deu de ombros e entrou na sala de comando.
Na tela já se viam os continentes do planeta Terra. Dali a pouco aterrizariam.
***
***
Num quarto de hotel de Pequim, Ernst Ellert e Tako Kakuta realizaram seu
conselho de guerra.
— Você é capaz, sim — disse Ellert em tom insistente. — Lembre-se de que
destruiu a nave oval dos DI. Teleportou-se com a bomba para junto do inimigo. Se
conseguiu transportar uma bomba, também deve estar em condições de carregar um
homem. Sabe perfeitamente que pode teleportar a matéria com que entra em contato.
— É possível que você tenha razão — disse o japonês com um sorriso de
cortesia.
— Tenho de experimentar. Para falar com franqueza, ainda não pensei nessa
possibilidade.
— Pois vamos experimentar. De qualquer maneira o exército de mutantes só se
consolidará através da experiência.
— Que tal se me levasse com você numa viagem para o futuro? — perguntou o
japonês em tom sério. — Assim cada um de nós estaria retribuindo a gentileza do
outro.
O rosto de Ellert alargou-se num sorriso.
— Então é nisso que consiste a coordenação de nossas forças? — ironizou. — Se
Crest soubesse disso...
Subitamente o rosto de Tako assumiu uma expressão séria. Parecia lembrar-se da
missão que lhes fora confiada.
— Encontramos Li — declarou. — O que faremos com ele? Como poderemos
saber se anda fazendo alguma tolice? Não podemos prevenir os homens da Federação
Asiática, pois não sabemos quem entre eles já pertence aos DI.
Nesse instante seus aparelhos de comunicação emitiram um zumbido.
Comprimiram o botão de recepção. A voz de Ras Tshubai, outro teleportador
pertencente, ao grupo, fez-se ouvir:
— Ouçam, temos trabalho. Li acaba de ir ao aeroporto onde adquiriu passagem
para o Stratoliner com destino a Batang. Parte amanhã, às seis e trinta e cinco.
— Tão cedo! — gemeu Ellert, que gostava de dormir até tarde. — O que será que
esse sujeito resolveu fazer justamente em Batang?
— Não faço a menor idéia. Não falou sobre a finalidade da viagem ao
funcionário que lhe vendeu a passagem.
— Nem poderia ser de outra forma. Acho que você virá até aqui. Até amanhã de
manhã Li não nos escapará. A que hora chegará a Batang?
— O tempo de vôo é de duas horas. Quer dizer que deverá chegar pelas oito e
meia.
— Nós o receberemos em Batang — disse Ellert. — Não se preocupe mais com
Li, mas dê um pulo...
Dentro de um segundo o africano corpulento se materializou naquele quarto de
hotel. Quando viu que Tako e Ellert estremeceram, deu um largo sorriso. Ninguém,
nem mesmo um teleportador, jamais se acostumaria a ver um homem surgir do nada.
— Você faz alguma idéia do que nosso amigo pretende fazer justamente no
Tibet? — perguntou o japonês. — Se não me engano, Batang fica ali pelo Tibet.
— Você não se engana — confirmou Ras. — São mais de dois mil quilômetros.
Isso representa um belo salto. Como poderemos executá-lo?
— Pegamos Ellert pelos braços, e lá vamos nós. Acho que conseguiremos.
Ras revirou os olhos.
— Pegá-lo pelos braços? Não vá me dizer que poderemos levá-lo conosco.
— Por que não? — disse o japonês. — Afinal, ele é mais leve que uma bomba de
tamanho médio...
***
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***
***
Ernst Ellert não teve a menor dificuldade em seguir o caminho da pequena Betty
Toufry através do fluxo do tempo. Numa faixa de cinco anos, situada no futuro,
descobriu as melhores possibilidades de pesquisar sua personalidade. Houve uma
estranha coincidência entre os mundos paralelos que se abriam diante dele.
Quando pairou invisível sobre a menina e procurou penetrar seus pensamentos,
teve uma surpresa chocante.
Betty Toufry era telepata.
Voltou ligeiramente a cabeça, como se estivesse escutando. Logo um sorriso de
autoconfiança passou pelo seu rosto. Estava sentada na varanda da casa em que vivia
com o pai há cinco anos atrás, quando acontecera aquele fato inexplicável.
— Quem é você? — perguntou sem emitir qualquer som. Ellert compreendia
perfeitamente. Decidiu abandonar todo e qualquer disfarce. Não adiantaria fingir
diante dela, pois logo percebeu que as capacidades telepáticas da menina eram mais
fortes que as suas.
— Meu nome é Ernst Ellert. Sou um dos colaboradores de Perry Rhodan.
— E daí? — disse a menina em tom de espanto. — Vem a mando dele?
Essa reação deixou Ellert estupefato.
— O que quer dizer com isso?
A menina parecia refletir. Subitamente um sorriso iluminou seu rosto.
— Ah, sim, Ernst. Quase me esqueço. Há cinco anos você me falou sobre sua
excursão ao meu futuro. Foi graças ao encontro que ora estamos tendo que há cinco
anos Perry Rhodan me admitiu no seu serviço. Desde então trabalho no exército dos
mutantes. Nosso encontro de hoje só está ocorrendo para que nossa reunião se torne
possível. Compreendeu?
— Só em parte — respondeu Ellert perplexo. — Quer dizer que você trabalha
para Rhodan?
— Preste atenção, Ernst. Sou uma mutante nata. Minhas especialidades
principais são a telecinese e a telepatia. Aos seis anos meu quociente intelectual já
atingia o dobro do de um adulto normal. Em todas as partes do mundo estão nascendo
mutantes. O novo homem está surgindo imperceptivelmente. Um dia ele tomará o
lugar do homo sapiens.
— Isso é uma perspectiva terrível.
— Por quê? Só porque uma época está chegando ao fim? Não vejo nada de mau
em tudo isso. O herdeiro do império galático não será o homo sapiens, mas o homo
superior.
Ellert sentia-se cada vez mais confuso. Aquela menina, cujo quociente intelectual
era muito superior ao seu, falava sobre coisas que na base só eram mencionadas em
cochichos. No entanto, quase se esquecia de que se encontrava num futuro situado dali
a cinco anos. E tudo indicava que se movia na dimensão da realidade.
— Você poderia responder a uma pergunta, Betty?
— Com todo prazer.
— Por que matou seu pai daquela vez?
Seus pensamentos hesitaram um pouco, mas logo surgiram com toda nitidez:
— No fundo tudo não passou de um ato instantâneo. Desde que sei pensar, li os
pensamentos dele. Minha mãe morreu durante o parto, por isso dediquei-lhe todo o
amor. Quando chegou em casa naquele dia, meus pensamentos correram ao seu
encontro, mas esbarraram numa capa, que só pude penetrar com um esforço enorme.
Quando consegui, deparei-me com o invasor. Foi uma experiência tão apavorante, que
fiquei imóvel. Meu pai, aliás, o ser que naquele dia chegou em casa, já não era meu
pai. Tomou-me no braço e me cumprimentou. Depois sentou. Captei seus
pensamentos, e esses pensamentos ocupavam-se com a destruição do mundo.
Pretendia fazer detonar no dia seguinte os depósitos subterrâneos de armas nucleares, a
fim de destruir nosso continente. Naquela época ninguém teria acreditado numa
criança. Meu ato foi quase automático. A arma que sempre trazia consigo veio ter às
minhas mãos, impelida pela energia telecinética de que sou dotada. Depois... bem,
depois aconteceu.
Ellert não respondeu logo. Seu pesar encontrou expressão em pensamentos de
compaixão, que fluíam suavemente em torno da menina. Esta ergueu a cabeça e lançou
os olhos para o céu azul, onde devia encontrar-se o espírito invisível de Ellert.
— Ernst, agora volte para junto de Rhodan e conte-lhe o que acaba de saber.
Posso dizer-lhe uma coisa: a invasão dos Deformadores Individuais fracassará. A
Terra os vencerá. Quanto a você...
Seus pensamentos extinguiram-se.
— Quanto a mim? O que haverá comigo, Betty?
— Não posso contar. Esqueça-se disso.
— Por que não pode contar?
— Não devo. Não me martirize. Você representa o ponto de transição da história
da humanidade. Seu destino está ligado estreitamente ao império galáctico do futuro.
Se desconfiasse do que vai acontecer, poderia tentar escapar ao seu destino. E isso não
deve acontecer. Siga o caminho que foi traçado para você, para que Perry Rhodan
possa atingir seu objetivo. Nós dois nunca mais nos veremos, Ernst...
— E dentro de cinco anos, agora? O que será? onde estarei?
— Dentro de cinco anos? Meu caro Ernst, daqui a cinco anos você verá a aurora
de uma nova era da história da humanidade. E você a verá de um posto cuja posição
ultrapassa tudo que nossa imaginação pode conceber. Agora deixe-me só, por favor.
Ellert sentiu que Betty Toufry se afastava dele. Não conseguiu penetrar mais no
seu ser. Permaneceu indeciso por alguns segundos. Depois abandonou-a, retornando
ao presente.
Sabia perfeitamente o que devia fazer...
IV
— Então você tem certeza de que a base terrena dos invasores se encontra em
algum ponto localizado no Tibet?
Perry confirmou com um aceno de cabeça. Crest estava sentado perto dele.
Segurava os últimos relatórios da General Cosmic Company, segundo os quais Homer
G. Adams fazia erguer novas fábricas em todas as partes do mundo. A construção de
uma frota espacial terrena havia sido iniciada. Ao menos nesse ponto as barreiras
nacionais haviam sido demolidas.
— Tenho certeza, Bell. Os DI querem fazer com que Li se dirija a essa base.
Infelizmente não sabemos o que deverá fazer lá. Os DI só modificaram seus planos
quando sentiram o contato mental de Ellert, que agiu com certa falta de cautela. De
qualquer maneira não desistiram da pessoa de Li. Ele viajou para o porto espacial de
Nevada, onde se encontrou com o professor Lehmann. Estou convencido de que os
dois receberam ordens de desferir um golpe grave contra a pesquisa espacial.
— Não sei como poderíamos impedir isso — interveio Crest. Parecia continuar a
duvidar de que alguém pudesse estar em condições de resistir aos Deformadores
Individuais. Sua raça decadente tornara-se tão indolente que não poderia lançar-se num
combate contra os DI. — Esses seres subjugaram grandes impérios cósmicos, sem que
ninguém conseguisse impedi-los.
— Pois nós os impediremos — retrucou Rhodan em tom áspero e enérgico. — E
dispomos de meios para isso. Aquelas desastrosas bombas atômicas também tiveram
seu lado bom. As radiações emitidas por elas produziram uma aceleração enorme da
evolução natural. O homem já realizou algumas das transformações que normalmente
só alcançaria dentro de algumas dezenas de milênios. Os membros do exército dos
mutantes são os precursores do homem normal que surgirá dentro de uns dez mil anos.
E isso aconteceu na hora exata. Se não pudéssemos contar com os mutantes,
estaríamos à mercê dos DI.
Crest encarou Rhodan. Nos olhos avermelhados que se viam por baixo da testa
alta, ardia um fogo igual ao que Perry já vira em outra oportunidade, quando falara
com o arcônida sobre o futuro da Terra e do império galático. Lia-se nele uma
expressão de admiração, alegria e confiança, misturada com uma certa preocupação.
Por trás dele lia-se o saber imenso de uma raça antiguíssima, que assistira à formação e
à morte de vários sistemas solares.
— Nas últimas semanas fiquei pensando muito sobre se o universo é governado
pelo acaso ou pelo destino — disse em tom tranqüilo. — Quase chego a dar a primazia
ao destino. Como não deve ser imenso e inconcebível o ser que move os fios...
Bell mudou o assunto, falando naquilo que mais o comovia:
— O que está acontecendo em Nevada?
Perry Rhodan esboçou um sorriso de superioridade.
— Estamos colocando uma armadilha e esperamos que os DI caiam nela. Se isso
acontecer, e tudo indica que será assim, saberemos dentro em breve se estaremos em
condições de repelir a invasão, ou se a batalha está perdida. Tudo depende da exatidão
da teoria de Ernst Ellert.
— Acha que nossos teleportadores podem perseguir os DI desmaterializados,
desde que eles abandonem sua vítima num estado de pânico?
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça em direção a Crest.
— É isso mesmo. Só assim poderemos localizar a base deles. O resto não será
difícil. Talvez consigamos capturar mesmo alguns DI autênticos, isto é, seres dessa
espécie na sua forma primitiva. Neste ponto Ellert teve uma idéia formidável. Tudo
depende do resultado da experiência que será realizada em Nevada.
— Seria muita gentileza da sua parte — resmungou Bell — se nos contasse o que
deve acontecer em Nevada.
— Isso pode ser resumido em poucas palavras, meu caro. Crest, convém que
também você preste muita atenção. O que acontecerá é o seguinte...
***
***
No instante em que Ernest Ellert tocou a chave fatídica, uma coisa estranha
aconteceu. O mais estranho foi que percebeu tudo, pois não perdeu a consciência por
um segundo sequer.
Uma dor terrível atravessou seu corpo, mas logo passou. A sala mergulhou num
vazio sem fim. Reflexos coloridos rodeavam-no, aproximando-se e afastando-se. Sons
indefinidos, abstratos e pouco melódicos, chegaram-lhe aos ouvidos — ou aquilo que
os substituía. As impressões sucediam-se numa seqüência rítmica, como se ele tivesse
penetrado nas pulsações do universo.
Acima e abaixo dele só existia o vazio. Não encontrou nada em que pudesse
apoiar-se. Teve a impressão de que a grande distância passava um sol cercado por
planetas turbilhonantes. Vias lácteas giravam lentamente em torno do seu próprio eixo
e desapareciam no espaço.
Numa velocidade inconcebível Ernst Ellert atravessava o fluxo do tempo.
Perdera todo o controle sobre o mesmo. Numa queda desabalada precipitou-se no
infinito, que nada tinha a ver com a matéria. O presente ficou atrás dele tal qual a
Terra fica atrás de um raio de radar que corre para o espaço. Apenas a uma velocidade
muito maior.
Não havia nada que pudesse deter a queda para o futuro.
Subitamente sentiu chão firme sob os pés. A materialização foi tão abrupta e
inesperada que caiu ao solo e perdeu a consciência. Nunca saberia dizer por quanto
tempo ficou estendido. Mas ao acordar sentiu seu corpo. Teria voltado ao presente, ou
será que transportara o corpo para o futuro? Logo abandonou a indagação.
Milhões de anos deviam ter decorrido, pois assistira à formação e à destruição de
segmentos completos do universo. Nunca poderia viver tanto.
Mas possuía um corpo.
Sentiu a pelica sedosa e assustou-se. Quando resolveu abrir os olhos, encontrou a
confirmação das suposições mais ousadas. Seu espírito, atirado para o futuro mais
longínquo, encontrara um novo abrigo. Mas não fora acolhido num corpo humano.
O monstro possuía quatro pernas e um grau reduzido de inteligência, que cabia
facilmente naquele crânio, ao lado do intelecto de Ellert. Um pêlo macio cobria o
corpo.
“Sou um urso”, pensou Ellert, todo confuso. Mas logo reconheceu seu engano.
Subitamente uma voz fez-se ouvir dentro dele.
— Sou Gorx — disse a voz em tom apático. — Quem é você?
Ellert levou um tremendo susto, mas seu pensamento logo respondeu:
— Sou Ellert. Você não se admira de me ver aqui?
— Por quê? Não é a primeira vez que recebemos a visita de gente vinda do
universo.
— Onde estou?
— Nosso mundo é chamado de Gorx — foi a resposta.
— E como é o nome do sol de vocês?
— Gorx.
Ellert não compreendia.
— Aqui tudo se chama de Gorx?
— Tudo se chama de Gorx, porque tudo é Gorx.
Esta explicação levou Ellert à beira da loucura. Como poderia saber para onde
tinha sido tangido pelo destino? Ou seria esta a Terra que existiria dentro de milhões
de anos? Devia apurar ao menos isso. Mas desistiu antes de tentar. Sabia que o choque
produzido pela morte orgânica não o tinha atirado apenas através da dimensão do
tempo, mas também através do espaço.
Concentrou-se e abandonou o corpo de Gorx.
Viu abaixo de si um ser desajeitado que rastejava sobre o chão granítico. Na
parede vertical da rocha havia entrada negras que davam para cavernas.
Ali não obteria resposta às suas indagações. Ali não!
Voltou a concentrar-se. O mundo desapareceu aos seus pés, cedendo lugar ao
infinito. Voltou a precipitar-se pela torrente do tempo, desta vez para trás. Quando
parou, flutuava no nada.
Como poderia orientar-se?
Não havia nenhum ponto de referência. Não passava de uma minúscula gota no
oceano, e deveria encontrar um ponto bem definido em qualquer parte do litoral de um
dos seis continentes, e isso num instante determinado, medido em termos de segundos.
O que importava não era tanto a questão de onde se encontrava, mas a pergunta
angustiante de quando se encontrava.
E não havia nenhuma resposta a esta pergunta.
Talvez um dia a eternidade lhe daria essa resposta.
E foi assim que Ernest Ellert, o prisioneiro da eternidade, começou sua busca de
milhões de anos, à procura do presente.
VI
***
Quando Bell chegou no seu planador a Gobi City, nome que dava à base, suas
feições eram sombrias e fechadas. Nas últimas vinte e quatro horas extinguira a vida
de vinte e um seres. Procurava tranqüilizar sua consciência, lembrando que não se
tratava de vidas humanas. Mas eram vidas. Teria o direito de destruí-los?
Tivera tempo de discutir o assunto com Tako, mas não chegaram a qualquer
conclusão definida. Sem dúvida haviam agido em legítima defesa. Se não tivessem
destruído rapidamente os DI que retornavam ao seu corpo, eles teriam alarmado a nave
oval que realizava evoluções bem acima da Terra. Ou então se teriam apossado dele e
de Tako.
Rhodan não tinha razão. Não convinha usar a menor contemplação, e a mesma se
tornaria muito perigosa. Ao atacarem a Terra os invasores assumiram um risco. Uma
vez que foram derrotados, deviam suportar as conseqüências. Nem por isso teriam que
desistir da luta.
A nave oval causava preocupações a Bell. Perry Rhodan tinha sua opinião a
respeito:
— Com o projetor mental consegui reduzir os prisioneiros a um estado de sono
hipnótico. Manoli e Haggard examinaram-nos. Pelo que soube, os dois médicos
descobriram diferenças extraordinárias em relação ao corpo humano. Os DI não
conhecem o uso da língua no sentido humano.
São telepatas. Uma parte considerável de seu cérebro consiste num complicado
emissor e receptor orgânico. Receamos que estejam em condições de manter contato a
distância de muitos anos-luz.
— Conseguiu falar com eles? Em sentido figurado, quero dizer.
— Consegui manter contato com esses seres através de Marshall.
— Qual foi o resultado? — perguntou Bell em tom de expectativa.
— Não conseguimos muita coisa — respondeu Perry. — Eles são estúpidos. Só o
projetor mental fez com que relatassem algo, mas não poderíamos descobrir mais do
que eles sabem. Pretendiam destruir a Terra. É isso mesmo: tinham a intenção de
destruir nosso planeta. Não têm qualquer interesse político ou econômico por nós, e
muito menos foram guiados por um motivo desse tipo. Apenas não toleram quem quer
que seja ao seu lado. É uma concepção muito simples e drástica, não é? Não
precisamos carregar nenhum escrúpulo moral se resolvermos golpear com a mesma
violência. Serão eles ou nós, a questão é esta.
— Mais alguma coisa?
— Fiz com que se colocassem em contato com o comandante de sua nave,
evidentemente sob vigilância contínua, para que o informassem sobre a invasão
malograda. Marshall inseriu-se na conversa telepática e entendeu todos os detalhes. O
comandante ordenou-lhes que se libertassem imediatamente. Quando lhe disseram que
isso era impossível em virtude da influência hipnótica a que estavam submetidos,
ordenou-lhes que se suicidassem. Naturalmente impedi isso através de uma contra-
ordem imediata. Dessa forma ainda consegui descobrir que a nave deles pousou em
algum ponto na Lua e pretende permanecer por lá. Os DI aguardam reforços. Acho que
seria inútil procurá-los na Lua. Se tiverem o cuidado de não se expor, nunca os
encontraremos. Mas jamais devemos reduzir nossa vigilância. De qualquer maneira,
acredito que por enquanto eles nos deixarão em paz.
— Será a calma antes da tempestade — ponderou Bell. Evidentemente não
estava satisfeito com o resultado da batalha. No seu entender a vitória não fora
completa. — Um belo dia ajustarão contas conosco.
— Até lá teremos aperfeiçoado nossas armas defensivas e apurado nossos
métodos de luta. Não se preocupe, Bell. Ellert apontou-nos o caminho certo de lidar
com eles. Antes de mais nada devemos observar esta regra: quem encontrar um DI na
sua forma natural deverá matá-lo imediatamente.
Bell inclinou a cabeça.
— Quem vai matar os dois prisioneiros?
Perry Rhodan deu um sorriso indiferente.
— Usei o projetor mental para evitar a execução da última ordem do
comandante. Assim que terminou o interrogatório, libertei os dois.
— E então?
— Executaram prontamente a ordem de seu comandante. Sabe que num ponto
têm uma semelhança extraordinária com as vespas? Possuem um ferrão muito
venenoso...
***
***
***
Só quatro meses mais tarde, Perry Rhodan teve certeza de que por enquanto os
DI não se arriscariam a novo ataque. Quase chegara a esquecê-los, pois o mundo vivia
sob o signo da General Cosmic Company. Em todos os lugares do mundo surgiam
enormes fábricas que iniciavam a produção segundo as instruções dos engenheiros e
técnicos em planejamento.
Homer, sentado em seu escritório de Nova Iorque, parecia uma enorme aranha
envolvida na sua teia. As paredes estavam cobertas de mapas nos quais haviam sido
fincadas bandeirinhas com inscrições ininteligíveis. Homer quase só vivia junto ao
aparelho de rádio e ao televisor. Vez ou outra até chegava a ir para a cama com eles.
O poderio do complexo por ele levantado crescia a cada dia. Não parecia estar
muito distante o dia em que um certo Benjamim Wilder anunciaria que o mundo lhe
pertencia, porque ele o havia financiado. É que Benjamim Wilder estava atrás da GCC,
e ninguém suspeitava de que Benjamim Wilder apenas era o nome suposto de Perry
Rhodan.
Crest não chegou a entender muito bem essa evolução vertiginosa. Subestimara o
dinamismo da natureza humana, embora a julgasse capaz de alguma coisa. Quando
pouco antes do pôr do sol deixaram os bangalôs residenciais para respirar um pouco de
ar puro, andou à frente de Rhodan quase sem dizer palavra. Bell juntou-se a eles.
Também não disse muita coisa.
Num gesto quase inconsciente dirigiram seus passos para a pirâmide de três
facetas que se erguia no deserto, abrigando um corpo humano que aguardava o
momento de ser chamado novamente à vida.
De longe viram um vulto esbelto diante da construção alta e esguia.
Bell estreitou os olhos.
— Macacos que me mordam! — anunciou em tom ligeiramente dramático. —
Alguém quer depositar flores no túmulo de nosso amigo.
Ao reconhecer o vulto, Crest fez que sim. Perry Rhodan não conseguiu reprimir
uma exclamação de surpresa.
— É Thora! — disse. — O que está fazendo por aqui?
— Pergunte a ela — sugeriu Crest.
Sentia-se feliz pela distração. As conferências ininterruptas representavam uma
carga pesada para seus nervos.
Thora olhou para eles. Seus olhos encontraram os de Rhodan. Pela primeira vez
este não descobriu nenhum traço de ironia e desprezo nos mesmos. Neles havia uma
pergunta titubeante, que talvez ela se tivesse formulado poucos instantes antes. Sentiu
o embate de uma série de sensações estranhas, mas nenhuma delas era de natureza
negativista.
Foi ela que rompeu o silêncio assim que os três chegaram ao lugar em que se
encontrava.
— É estranho que nos encontremos aqui fora, mas talvez não seja nenhum acaso.
Perry Rhodan, com você não acontece o mesmo que se dá comigo? Às vezes tenho a
impressão de que Ellert ainda se encontra entre nós, invisível.
Perry respondeu com um aceno de cabeça. Não sabia explicar como também ela
tivesse sentido a mesma coisa. Certa vez Bell manifestara a opinião de que o espírito
de Ellert não estivesse em condições de retornar ao corpo que lhe pertencia, e por isso
vagasse sem destino pela dimensão do presente. Rhodan e Crest, porém, estavam de
acordo em que, se Ellert ainda existisse em estado consciente, não devia encontrar-se
no presente. Quando procurou fugir à morte orgânica, o choque elétrico o atirara a uma
outra dimensão, da qual não havia nenhum caminho de volta. Não havia como
conjeturar sobre se essa dimensão se localizava no passado, no presente ou no futuro,
mas se estivesse situado no presente. Ellert poderia ter estabelecido contato com eles.
Os dons dos mutantes ofereciam possibilidades amplas para isso.
— Só em sentimento ele se encontra entre nós, Thora — disse Perry com a voz
tranqüila. — Um dia o alcançaremos, se é que o fluxo do tempo não o arrastou para
muito longe. Aliás, por que está interessada no destino de Ellert? Afinal, era apenas
um ser humano.
Thora procurou ocultar o embaraço.
— Rhodan, o reconhecimento de um erro constitui o privilégio das raças
inteligentes. E os arcônidas são inteligentes. Dessa forma meu comportamento se
ajusta ao meu nível mental, se reconheço que subestimei os habitantes deste planeta.
Mas nem por isso os reconheço como seres com direitos iguais aos nossos.
— Ninguém vai exigir isso de você. Ao menos por enquanto — disse Perry em
tom sério. — A revisão de sua atitude hostil já representa um grande progresso. O fato
é que lutamos e vencemos em comum. Isso constitui um elemento de ligação.
Crest deu alguns passos e parou perto de Thora.
— Agradeço-lhe pelo que você acaba de dizer, Thora. Com essas palavras você
construiu uma ponte dourada que um dia, num futuro distante, representará o único
caminho que conduz à conservação do império galático dos arcônidas. É bem possível
que ainda chegue o dia em que Rhodan também tenha que passar por ela.
— Se a ponte é de ouro, quero estar por aí nesse dia — observou Bell sem o
menor dramatismo. — O problema é se conseguirei viver até lá.
— Não vejo por que não podemos prosseguir nas pesquisas com a Good Hope —
disse Crest em tom sério. — É verdade que já não dispomos do grande cruzador. Mas
mesmo que a Good Hope não nos permita retornar à pátria, talvez possamos encontrar
o planeta da vida eterna. Se tivermos sorte.
Seguiu-se um silêncio constrangedor, que foi rompido por Rhodan.
— Temos tarefas mais urgentes, ao menos por enquanto — disse, sacudindo a
cabeça. — Os mutantes têm de ser treinados. Para isso pretendo construir uma base em
Vênus. Nossa próxima tarefa é esta. Nos próximos dias viajarei para Vênus a fim de
preparar o acampamento pioneiro. Nossas primeiras observações levam à conclusão de
que por lá não encontraremos qualquer forma de vida inteligente. Quando tudo estiver
em ordem na Terra teremos tempo de partir em busca da vida eterna. Mas, para falar
com franqueza, não acredito que tenhamos êxito nisso.
— O planeta existe! — afirmou Thora. O fogo de um entusiasmo que quase
chegava a ser fanático ardia em seus olhos. — Os participantes de expedições que
retornaram de lá relatam isso. Mas o segredo é guardado a sete chaves. Se
encontrarmos o mundo da imortalidade, teremos de enfrentar uma luta feroz.
— Só acredito quando tiver a prova diante de mim.
— Mas seria muito bom se pudéssemos livrar-nos do medo do túmulo —
interveio Bell. — De qualquer maneira não comunicaria nada à companhia em que fiz
meu seguro de vida, se me tornasse imortal.
Ninguém riu. Bell virou-se, um tanto ofendido. Em atitude pensativa contemplou
a pirâmide, envolta pelos raios dourados do Sol que entrava no ocaso.
Perry aproximou-se de Crest e Thora. Estendeu a mão à mulher.
— Será que daqui em diante podemos ser amigos? — perguntou com a voz um
tanto insegura.
Por um segundo a arrogância costumeira brilhou nos olhos frios daquela mulher,
mas finalmente apertou a mão que lhe era oferecida.
— Perry Rhodan, eu o admiro, por mais que o tema. Mas você há de
compreender que um sentimento desse tipo não pode gerar uma verdadeira amizade.
Sei que precisamos de você; temos de completar-nos mutuamente. Será que uma
situação destas pode servir de base a uma verdadeira amizade? Além de tudo, Crest me
constrange. Pelo que vê, só aperto sua mão porque sou obrigada a fazê-lo. Está
satisfeito?
Perry fez que sim.
— Por enquanto estou. Ainda chegará outra oportunidade em que você terá que
apertar minha mão, e então os motivos serão diferentes. Até lá tenho de ficar satisfeito
com aquilo que você me oferece. E fico. Permite que lhe agradeça?
Por um instante os olhares das duas criaturas fundiram-se, e suas mãos
congregaram-se numa unidade. Talvez fosse um momento solene, se nesse instante
preciso Bell, com um profundo suspiro, não tivesse murmurado uma palavra:
— Amém...
Aquela palavra retirou toda a solenidade ao pacto que acabara de ser concluído.
Talvez apenas porque havia sido pronunciada por Bell.
O sol mergulhou sob a linha do horizonte. Subitamente a luminosidade do
túmulo apagou-se. Parecia que uma chama invisível fora apagada no metal de que era
feita a pirâmide.
No céu a primeira estrela começou a espalhar sua luminosidade.
Sem que tivesse consciência disso, Perry Rhodan enxergou naquele signo um
prognóstico otimista para o futuro distante.
***