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O inimigo invisível

(Prof. Dirlêi A Bonfim)*

Na história da sociedade humana, pestes e pandemias aparecem e desaparecem, a exemplo da peste negra
(bubônica), estima-se que a peste negra tenha matado mais de 25 milhões de pessoas entre os anos de 1347
e 1352. Ou seja, a peste bubônica sozinha dizimou cerca de 1/3 da população na Europa em apenas cinco
anos. Já a gripe espanhola (1918), a gripe espanhola matou mais de 40 milhões de pessoas e cerca de 30 mil
no Brasil. Como agora a pandemia da Covid-19, o coronavírus, que se coloca diante de todos nós um cenário
de temor, pânico e incertezas, a humanidade vive nesse instante, um momento bastante difícil, difuso, tempos
sombrios de muita perplexidade. Evidente que junto a essa pandemia mundial, que abala a saúde pública
do planeta, ela vem nos trazer outros elementos que contribuem com a mortandade em larga escala e
assolam a sobrevivência da população mundial, como a (fome), a inanição, sem falar na subnutrição e
todos os seus desdobramentos. Segundo os dados da ONU - Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação, a FAO (2020). (...) “Esse indicador analisa a prevalência da insegurança alimentar
forte ou grave, baseada na escala de experiência de insegurança alimentar. Esse indicador vai além da fome,
e fornece uma estimativa do número de pessoas sem acesso estável a alimentos nutritivos e suficientes
durante todo o ano. Quando consideramos o número de pessoas com insegurança alimentar severa, ou
seja, as pessoas que passam fome e morrem de fome, junto com as pessoas com insegurança alimentar
moderada, a FAO estima que o número possa chegar a cerca de 2,8 bilhões de pessoas em todo mundo.
Pois bem, esses dados, deveria deixar a todos nós, enquanto seres humanos envergonhados, estupefatos
com a situação de miséria absoluta em que vive, mais de 1/3 da sociedade humana, essa também é uma
doença letal provocada pela profunda concentração de renda e a mais absoluta desigualdade social pelo que
passa a humanidade. Segundo o Professor Piketty (2019), (...) “A história da renda e da riqueza é sempre
profundamente política, caótica, desigual e imprevisível. O modo como ela se desenrolará depende de
como as diferentes sociedades encaram a desigualdade e que tipo de instituições e políticas públicas
essas sociedades decidem adotar para remodelá-la e transformá-la, de forma mais justa”. No nosso
caso brasileiro, além de tudo isso, os nossos grandes e inúmeros problemas éticos e morais, permeados por
uma casta de políticos, incompetentes, desonestos, insanos, provocam mais a nossa fragilidade social,
econômica, adensa ainda mais, as desigualdades sociais, corroboram com a vergonhosa concentração de
renda, a subserviência institucional, a crise de identidade, tudo isso aliado a nossa baixa autoestima, provoca
a nossa inapetência, o despreparo e a nossa inépcia em reconhecer a relevância do processo educacional,
como elemento fundamental e transformador na construção de um projeto de nação. Assim, vamos amargando
todas nossas mazelas num oceano de desesperança, que só agravam a cada dia. Em todos os lugares do
mundo, já está provado que o isolamento social, é fundamental para segurar a sociedade contra o contágio do
vírus e todos aqueles que contrariam esses princípios e quiseram incentivar as pessoas a irem para as ruas,
acabaram reconhecendo que estavam profundamente equivocados, vejam o caso do primeiro ministro
britânico, que inicialmente, motivou as pessoas a continuarem a exercer as suas funções normais, acreditando
de que não havia nada de grave, teve que tomar posições rápidas e imediatas e voltar atrás para não expor e
provocar o contágio em larga escala em Londres, inclusive o Boris Johnson, que acabou se contaminando com
o coronavírus. Não diferente dessa posição extrema do primeiro ministro inglês, aqui no Brasil, o presidente da
república, contrariando as recomendações da OMS e do próprio Ministério da Saúde, sai às ruas e interage
com a população, indo de encontro a todas as normas de segurança e orientação para o isolamento social,
mais do que isso, tem incentivado a sociedade a voltar a trabalhar, abri as lojas, enfim, retornar de forma
urgente às atividades comerciais e mercantis, num total desrespeito à vida das pessoas. Aliás representando
o papel que o sistema quer que ele faça, tratar a economia como a coisa mais importante de todas as coisas...
Colocar sempre o lucro acima de qualquer outro valor e tratar a vida humana, com frieza e banalidade.
Não como o bem maior. A partir do Professor Boaventura Sousa (2015), “Existe um equívoco frequente
entre governos e instituições financeiras nacionais e internacionais de que as crises econômicas
podem justificar todo e qualquer corte nos serviços essenciais e nos direitos econômicos e sociais.
Mas exatamente o oposto é verdadeiro. As medidas de austeridade devem ser tomadas apenas com a análise
cuidadosa de seu impacto, em particular porque elas afetam a vida dos indivíduos e grupos mais vulneráveis.
Elas devem ser consideradas apenas após uma avaliação abrangente do impacto sobre os direitos humanos.”
Infelizmente isso nunca acontece, essa análise não é considerada.
Assim, percebemos como a sociedade humana está sendo tratada pelo sistema econômico e ao mesmo tempo,
como esse modelo, poderá se transformar logo mais num processo ainda mais caótico, desembocando numa
convulsão social sem precedentes na história. Assim considera Zizek (2020), para o (...) “Trump cogita uma
forma de Renda Básica Universal: um cheque de US$ 1 mil na mão de cada cidadão adulto. Trilhões ser ão
gastos, violando todas as regras do mercado — mas como, onde e para quem? Será que esse socialismo
forçado será um socialismo para os ricos...? ” (Lembremos então, do resgate dos bancos feito em 2008
enquanto milhões de pessoas comuns perderam suas pequenas economias), foi injetado bilhões de
dólares nos bancos para não quebrar o sistema. Será que a epidemia vai ser reduzida a outro capítulo da
longa e triste história daquilo... o “capitalismo de desastre”, ou será que uma nova ordem mundial (mais
modesta, talvez, mas também mais equilibrada) poderá surgir dela...? Com o neoliberalismo, o aumento brutal
da desigualdade social deixou de ser um problema para passar a ser uma solução...? A ostentação dos ricos
e dos multimilionários transformou-se na prova do êxito de um modelo social que só deixa miséria para a
imensa maioria dos cidadãos, supostamente porque estes não esforçam o suficiente para ter sucesso na vida.
Isso só foi possível com a conversão do individualismo em um valor absoluto, no qual, há um paradoxo, que
pode ser experimentado como uma utopia da igualdade, a possibilidade de que todos prescindam igualmente
da solidariedade social, seja como seus agentes, seja como seus beneficiários. Para o indivíduo assim
concebido, a desigualdade unicamente é um problema quando ela é adversa a ele e, quando isso ocorre,
nunca é reconhecida como merecida. Muito estranho, alguns acreditarem que o sistema é muito generoso
comigo e devo tudo a ele e portanto, dentro do meu individualismo, não me preocupo com o ou tro e ainda
mais, vou taxá-lo de incompetente, pois, as “oportunidades são para todos...” o que não expressa a verdade
de forma nenhuma. Por aqui, quando alguns economistas partícipes desse modelo, chegam a recomendar
que o estado brasileiro, passe a tributar as grandes fortunas e prepare-se para investir pesadamente
em programas sociais, para a recuperação da economia, como forma de amenizar o ambiente de crise e
evitar que o pior aconteça e a sociedade desemboque numa convulsão social. Será porque o Imposto sobre
grandes fortunas está na Constituição desde 1988, mas nunca foi regulamentado...? Vejam como as
instituições no país, tem um compromisso com o grande capital e as grandes fortunas... para se manter tudo
como está há anos... Enquanto isso na outra ponta, a sociedade dos necessitados, dá sinais claros de
total indignação e não suportar mais tanto arrocho, descaso e fome. O Professor Boaventura Sousa (2015),
vai nos afirmar também que, (...) “Quanto mais as pessoas têm acesso a bens e serviços, mais a economia
do país avança”, disse. Assim, frisou que a desigualdade é um fenômeno não apenas social, mas
político, pois não prescinde de investimentos em políticas sociais. “A desigualdade esgarça o tecido
social e o tecido econômico, e impede a sociedade de avançar.” Existe um grande equívoco frequente
nos governos e nas instituições financeiras nacionais e internacionais de que as crises econômicas podem
justificar tudo e que todos os cortes nos serviços essenciais e nos direitos econômicos e sociais, podem ser
feitos em nome da austeridade e ajustes fiscais e que as camadas mais desprivilegiadas da sociedade podem
suportar todos os arrochos em nome das regras fiscais. Não há um conceito preciso de “convulsão social”. O
que mais parece indicar que ela abriga a existência de uma situação na qual os governos não governam e os
vários setores sociais se põem em movimento sem uma direção clara e definida, cada um lutando pelos seus
interesses particulares. Na medida, em que não há mais solução para os terríveis problemas sociais que
afligem a toda a população. Depois de deflagrada a convulsão, entra em cena a barbárie, o salve-se
quem puder... Em função da ausência de uma direção geral, alguns movimentos testam os limites da
legalidade, tudo impactado pela brutal crise econômica, de desemprego elevado, o subemprego, a beligerância
e o flagelo de populações inteiras, guiadas pela profunda desesperança, sem nenhuma perspectiva quanto ao
futuro, o que todos os caminhos vão levar ao encontro da violência social generalizada e uma crise sem
precedentes. O estado enquanto provedor, para gerir e viabilizar os recursos em prol de uma sociedade mais
justa e digna, demonstrando também toda a incapacidade dos políticos tradicionais e dos governos e seus
modelos carcomidos pela burocracia e a total incapacidade de responderem às demandas da sociedade, sem
apresentarem saídas e resoluções para as crises, éticas, políticas, econômicas e sociais. Um quadro de total
desmoralização das instituições e do que elas representam, convertendo tudo isso em atos de desobediência
civil e violência. É também um momento para se refletir sobre todos estes cenários da geopolítica mundial.
Ademais, a situação dos nossos vizinhos do Mercosul, especialmente do Chile, talvez, como um modelo do
neoliberalismo, latino-americano que tantos, gostavam de apresentar como um país exemplar, um modelo a
ser seguido na economia, modelo de qualidade de vida de distribuição de renda, enfim, que deu certo... E o
que aconteceu em (2019)...? Entrou numa crise profunda e tomado por uma convulsão social, que
assustou todo mundo, mais proximamente aos governos e a sociedade. Portanto, há de se refletir sobre a
existência de alguns inimigos não tão invisíveis que provocam tanta morte(fome) e letalidade, assim
como as pandemias, dos vírus inimigos invisíveis.

**contribuição do Professor DsC. Dirlêi A Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental,


Professor da SEC/BA**Sociologia**Cursos/FAINOR de ADM/CONTÁBEIS/ENGENHARIAS/FAINOR/2020.1**

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