Você está na página 1de 3

São Maximiliano Maria Kolbe: “Sou um sacerdote

católico”

Julho de 1941. Campo de concentração de Auschwitz, na Polônia ocupada. Após mais um


dia de trabalho extenuante e tratamento desumano, os prisioneiros são recolhidos aos
dormitórios, mas um deles não aparece na contagem. Espalham-se os rumores da fuga, e os
oficiais alemães anunciam uma punição exemplar: se o fugitivo não aparecer até as 17h do
dia seguinte, dez cativos serão condenados a morrer no bunker da fome – a pior tortura
aplicada no campo, que consistia em amontoar os presos numa salinha escura e fechada, e lá
deixá-los até que morressem todos de fome e sede, após dez ou quinze dias. Até os guardas
mais embrutecidos se abalavam com os intermináveis urros e grunhidos agonizantes que
ouviam de dentro do bunker.

Clareia o dia, e todo o bloco 14 (a que pertencia o fugitivo) é convocado a manter-se em


formação no pátio principal, à espera de sua volta. Sob o sol escaldante, e sem água nem
comida, alguns começam a desmaiar no curso das horas, e são retirados ao canto. Chegado o
prazo marcado, o terrível Karl Fritzsch, comandante do campo, anuncia que aplicará o
castigo, e põe-se a caminhar lentamente por entre as fileiras, escolhendo: “Este!... Mais
este!... Este!...”, enquanto seu assistente anota os números (pois em Auschwitz os presos não
têm nome). Terminada a escolha, um dos condenados prorrompe em soluços: “Minha esposa,
meus filhinhos! Nunca mais poderei ver minha esposa e meus filhinhos!...”.

Os dez miseráveis começam a despir-se dos calçados, enquanto os demais prisioneiros


respiram aliviados. Subitamente, porém, Fritzsch dá um salto para trás. Percebe um
prisioneiro magro, esquelético, caminhando e olhando com firmeza em sua direção. Saca o
revólver e grita: “Alto! O que me quer esse porco polonês?”. O prisioneiro para a certa
distância, e fala baixinho, que só os mais próximos podem-no escutar: “Eu gostaria de morrer
no lugar de um destes condenados...”. O prisioneiro era um padre franciscano, de nome
Maximiliano Maria Kolbe, que assim dava cumprimento a uma antiga visão.

Quando menino, Kolbe recebera uma aparição da Virgem, que lhe mostrava duas coroas –
uma branca, simbolizando a pureza, e outra vermelha, simbolizando o martírio –, e lhe
mandava escolher. “As duas!”, respondeu o menino – e esta escolha confirmou-se ao longo
de toda sua vida, até aqueles fatídicos momentos em Auschwitz.

A espiritualidade de Kolbe fora desde cedo marcada por uma profunda devoção a Nossa
Senhora, sob a invocação Imaculada. Enquanto fazia seus estudos em Roma, o então
seminarista deparou-se, horrorizado, com uma marcha maçônica em plena praça de S. Pedro,
em que os manifestantes, comemorando o bicentenário de sua seita, empunhavam cartazes
com os dizeres: “Satanás deve reinar no Vaticano. O Papa será seu escravo”. A luta contra
estas invocações satânicas deveria partir daquela que esmaga a cabeça da serpente (Gen
3,15), e que para os inimigos da fé é temível como um exército em ordem de batalha (Ct
6,10): por isso o jovem Maximiliano fundou a Milícia da Imaculada, destinada a ganhar o
mundo inteiro a Jesus, por meio de Maria.

1
Seu ardor missionário o levou a intensos trabalhos de evangelização pelos meios de
comunicação: funda um convento franciscano e uma revista mensal chamada O Cavaleiro da
Imaculada, em que expõe de maneira clara e didática os ensinamentos e as respostas da Igreja
às grandes questões de seu tempo, e cuja tiragem chega a atingir as centenas de milhares.
Passa também alguns anos no Japão, onde fundou um novo convento franciscano, e lançou a
versão japonesa do Cavaleiro.

Kolbe já havia voltado à sua Polônia quando esta foi invadida pelos nazistas, no começo da
segunda guerra. As tensões com o regime foram sempre crescentes, em razão dos ataques que
lhe dirigia em suas publicações, até que em 1941 o convento que fundara foi fechado, e
Maximiliano, preso e enviado para Auschwitz.

Naquela tarde de julho, quando avançou em direção ao comandante do campo de


concentração, Kolbe deixou-o completamente estupefato. Nenhum prisioneiro jamais havia
sonhado em desafiá-lo: a mínima indisciplina era sumariamente punida com um tiro na
cabeça. E, no entanto, ao ouvir que o prisioneiro desejava morrer no lugar de um outro preso,
Fritzsch ficou apalermado: o ódio que o movia era incapaz de entender um amor assim
abnegado: “Mas por que você quer ir no lugar de um outro?” Kolbe, percebendo que naquele
momento o havia dominado, utilizou em seu favor as diretrizes nazistas de extermínio dos
doentes e inválidos: “Estou velho. Minha vida não serve mais para nada, não tem utilidade
nenhuma.” “No lugar de quem você quer ir?”, insistiu Fritzsch. “Daquele homem que tem
mulher e filhos...”. Ainda sem entender o que acontecia, o comandante perguntou intrigado:
“Mas... quem é você?” A resposta foi uma afirmação solene do sacerdócio católico, de sua
identidade vitimária como alter Christus: “Sou um sacerdote católico...”. Seja por seu ódio à
religião católica, seja pela confusão que o tomou no momento, seja por uma intervenção
divina, fato é que o impassível e temível Fritzsch foi então subjugado pelo prisioneiro nº
16.670 – hoje S. Maximiliano Kolbe. O pedido foi atendido, e aquele pai de família salvo por
Kolbe, de nome Franciszek Gajowniczek, sobreviveu à guerra e esteve presente nas
cerimônias de beatificação e de canonização do padre que oferecera a vida pela sua.

Kolbe foi então levado, junto com seus nove companheiros, ao bunker da fome, onde os
conduziu com incessantes orações e cânticos até a morte de cada um. Quando, quatorze dias
depois, os guardas impacientaram-se com a sobrevivência de alguns e decidiram executá-los,
Padre Kolbe era o único consciente, e tranquilamente estendeu o braço para receber a injeção
letal.

Dizia o venerável Fulton Sheen em seu livro O Sacerdote não se pertence que “Nenhuma
convicção profunda nasce no incrédulo, até ver as mãos feridas e o coração aflito do
sacerdote que é vítima com Cristo. O sacerdote mortificado, o sacerdote desapegado do
mundo – estes inspiram, edificam e cristificam as almas”.

Sirva-nos a vida de S. Maximiliano Kolbe a reavivar a fé na vida eterna, para cuja obtenção
todos os esforços valem a pena. Nosso santo provou, com seu martírio, que “Ninguém tem
maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15, 13). S. Maximiliano
Kolbe, rogai por nós!

Por Gil Pierre de Toledo Herck

2
Referências

 Homilia do Papa João Paulo II, no Solene Rito de Canonização de São Maximiliano
Maria Kolbe, 10 de outubro de 1982.
 Homilia do Papa Paulo VI, no Solene Rito de Beatificação do Padre Maximiliano
Maria Kolbe, 17 de outubro de 1971.
 O Santo que esteve no inferno – Vida de São Maximiliano Kolbe, Pe. Ivo
Montanhese, C.Ss.R., ed. Santuário, Aparecida, 2004.
 O sacerdote não se pertence, Fulton Sheen, ed. Molokai, São Paulo, 2018.

Você também pode gostar