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CRIME PRETERDOLOSO

O crime preterdoloso é uma espécie de crime agravado pelo resultado, no


qual o agente pratica uma conduta anterior dolosa, e desta decorre um
resultado posterior culposo. Há dolo no fato antecedente e culpa no
consequente. [ 1 ]
Exemplo: Lesão Corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, CP).
A Doutrina, em sua maioria, é silente, mas é possível extrair do próprio
conceito os seguintes elementos[ 2 ]:
 a) Conduta dolosa direcionada a determinado resultado (dolo no
antecedente).

 b) Provocação de um resultado culposo mais grave que o desejado


(culpa no consequente).

 c) Nexo causal.

Diferença entre dolo eventual e culpa consciente


Dolo eventual e culpa consciente se diferenciam pelo fato de que no primeiro o
agente aceitou o risco, enquanto no segundo acreditou sinceramente na sua
não ocorrência. E, como tal diferenciação é praticamente impossível no campo
prático, mister descobrir outra forma de diferenciar os institutos.

Introdução

O dolo eventual e a culpa consciente são dois institutos do Direito Penal


parecidos, com mui dificuldade de distinção, e com efeitos práticos diferentes.
Ambos ocorrem quando o agente, ao realizar uma conduta, prevê o risco de
ocorrer ofensa a um bem jurídico penalmente tutelado e continuando agindo,
ocorrendo a dita ofensa. Só se diferencia o dolo eventual da culpa consciente
por no primeiro o agente aceitou o risco, enquanto no segundo acreditou
sinceramente na sua não ocorrência. E, como tal diferenciação é praticamente
impossível se descobrir no campo prático, por não se conseguir adentrar na
mente do autor dos fatos, mister é descobrir outra forma de diferenciar o dolo
eventual da culpa consciente.

E o presente estudo tem como escopo exatamente diferenciar o dolo eventual


da culpa consciente no campo prático, sem que se precise adentrar na mente
do autor dos fatos. Para tanto, será trabalhado, primordialmente, o dolo e suas
modalidades, na esfera legal e doutrinária, com seus conceitos e aplicações,
dando-se maior ênfase ao dolo eventual, cerne deste trabalho.

Após, trabalhar-se-á a culpa, com suas modalidades, da mesma forma que


será trabalhado o dolo, especificando o ponto principal do tema, que é a
diferenciação da culpa consciente da inconsciente.

Ao final, após trabalhar minuciosamente os conceitos e aplicações do dolo e da


culpa, chegar-se-á ao cerne do trabalho, especificando-se a diferenciação do
dolo eventual da culpa consciente, demonstrando-se, no campo práticos, como
os tribunais e a doutrina diferenciam os dois institutos na atualidade.

1. Do Dolo

Dolo é “a vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo


penal incriminador” (GRECO, 2006, p. 193). O Código Penal, por sua vez, traz
a definição de crime doloso como sendo: “Art. 18 – Diz o crime: I – doloso,
quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. (BRASIL,
1940). O art. 33 do Código Penal Militar trata o crime doloso com a mesma
descrição dada pelo art. 18 do Código Penal.

Portanto, dolo é, para o Direito Penal, a vontade do agente em querer cometer


um ato vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, objetivando a ofensa a um
bem jurídico penalmente tutelado ou, na ausência do querer, o assumir o risco
de produzir a referida ofensa.

Nucci (2010, p. 204) apresenta três características do dolo, todas necessárias


para sua ocorrência: a) abrangência, pois o dolo deve envolver todos os
elementos objetivos do tipo; b) atualidade, pois o dolo deve estar presente no
momento da realização da ação, não podendo ser apenas anterior ou ulterior;
c) possibilidade de influenciar o resultado, pois é indispensável que a vontade
do agente consiga produzir o fato típico.

Para haver o dolo em um crime, é necessário, primeiramente, que ele esteja


presente em todas as elementares do tipo penal e não apenas no verbo do
tipo. Dá-se a título de exemplo o crime de furto (art. 155 do Código Penal), que
possui como elementares: 1 – subtrair; 2 – para si ou para outrem; 3 – coisa
alheia móvel. Para existir o dolo do agente em praticar o crime de furto, é
necessário que ele subtraia, coisa alheia, coisa móvel, para si ou para outrem,
não podendo o agente ter dolo apenas, por exemplo, em subtrair coisa alheia
móvel e não ter a destinação de para si ou para outrem; ou subtrair coisa
móvel, para si ou para outrem, e não ser alheia a coisa. Para Damásio de
Jesus (1991, p. 49), o dolo deve abranger os dados descritivos da figura típica.
Assim, para que se possa dizer que o agente agiu dolosamente, é necessário
que seu elemento subjetivo tenha se estendido às elementares e às
circunstâncias do delito.

Igualmente necessária é a presença do dolo no momento da realização da


ação, não podendo ser apenas anterior ou ulterior, senão se trataria de dolo
antecedente ou subsequente, respectivamente, o que é vedado no nosso
ordenamento jurídico.

Por fim, é necessária a possibilidade de o ato ilícito influenciar no resultado, por


força do Princípio da Potencialidade Lesiva[1], pois, caso o agente, mesmo
com a intenção de lesionar bem jurídico penalmente tutelado alheio, executa o
ato de forma inteiramente incapaz de lograr êxito na ofensa ao bem jurídico,
trata-se de crime impossível (art. 17 do Código Penal).

Não basta, entretanto, apenas a abrangência, atualidade e possibilidade de


lesionar bem jurídico para se concretizar o dolo em um tipo penal. É necessária
também a existência dos elementos cognitivo e volitivo (BITTENCOURT, 2006,
p. 334-335).

O elemento cognitivo é a consciência do agente em praticar o injusto penal. É


necessário que o agente entenda o ilícito penal que está cometendo, e este
entendimento deve abranger de forma correta e completa todas as elementares
do tipo ou, caso isso não ocorra, envolver-se-á em uma excludente de pena
(art. 28, § 1º; art. 20, caput e § 1º ou art. 21, in fine, todos do Código Penal). A
consciência do agente deve ser atual, existente no momento da realização da
ação, e abrange

a realização dos elementos descritivos e normativos, do nexo causal e do


evento (delitos materiais), da lesão ao bem jurídico, dos elementos da autoria e
da participação, dos elementos objetivos das circunstâncias agravantes e
atenuantes que supõem uma maior ou menor gravidade do injusto (tipo
qualificado ou privilegiado) e dos elementos acidentais do tipo objetivo (PRADO
e BITTENCOURT, 1995, apud BITTENCOURT, 2004, p. 258-259).

Também é indispensável o conhecimento, pelo autor dos fatos, dos


chamados caracteres negativos, tais como “sem consentimento de quem de
direito” (art. 164), “sem licença da autoridade competente” (art. 166), “da
inexistência de nascimento” (art. 241, todos do Código Penal), entre outros
(BITTENCOURT, 2004, p. 259).

Já o elemento volitivo é a vontade do agente em praticar o injusto penal,


abrangendo-se a ação ou omissão, o resultado e o nexo causal. É
imprescindível que o agente tenha a vontade de praticar a ação ou omissão
que dá causa ao tipo penal, com o intuito de se chegar ao resultado pretendido
(ofensa ao bem jurídico), pois, do contrário, poderá se encaixar em causas de
isenções de pena ou dirimentes de culpabilidade, como a inexigibilidade da
conduta diversa, obediência hierárquica ou coação irresistível (art. 22 do
Código Penal). Portanto, para se concretizar o dolo no tipo penal, é necessário
o conhecer e o querer do ilícito.

O dolo se subdivide em:

a) Dolo direto: quando o agente quis e conheceu o resultado.

b) Dolo indireto ou eventual: quando o agente não quis o resultado, mas


conheceu do risco.

c) Dolo alternativo: quando o agente quis, indiferentemente, de um resultado ou


outro. Nucci (2010, p. 208) nos dá o exemplo do ladrão que encontra uma
carteira, envolta em um pano, na praia. Não se sabe se foi deixada ali por um
banhista que foi à água ou se alguém a esqueceu ali e foi para casa. Leva-a.
Somente analisando o caso concreto irá determinar se o crime cometido pelo
ladrão foi furto (art. 155) ou apropriação indébita de coisa achada (art. 169,
Parágrafo Único, II, ambos do Código Penal).

d) Dolo cumulativo: significa que o agente deseja alcançar dois resultados, de


forma sequencial.

e) Dolo antecedente: significa que o agente quis o injusto penal antes de sua
ocorrência, que se deu de forma lícita ou culposa. Não possui validade no
Direito Penal atual, tendo em vista a necessidade de o dolo ser atual, conforme
dito anteriormente. Assim, se A deseja a morte de B, mas o mata em um
acidente de trânsito, sem ter a intenção da morte, mas agindo com
imprudência, por exemplo, não responderá a título de dolo e sim de culpa, pois
o seu dolo foi anterior à sua conduta, e não atual.

f) Dolo subsequente: significa que o agente quis o resultado danoso após a sua
ocorrência, que se deu de forma lícita ou culposa. Igualmente não possui
validade no Direito Penal atual, tendo em vista a necessidade de o dolo ser
atual. No caso anterior, se A, ao perceber a morte de B, que de se dera
mediante culpa, felicita-se, tendo em vista ser desafeto daquele, não
responderá a título de dolo e sim de culpa, tendo em vista que a sua intenção
em praticar o injusto penal foi ulterior à sua conduta, e não no momento do dito
injusto.

g) Dolo genérico e dolo específico: o dolo genérico significa que o agente


apenas quis praticar o fato típico, enquanto que no dolo específico, além do
intuito de praticar o fato típico, possui outro fim específico. O crime de
homicídio (art. 121, caput, CP) é dolo genérico, pois o intuito do agente é a
morte da vítima, enquanto que no crime de extorsão mediante sequestro (art.
159, caput, do Código Penal) é dolo específico, pois, além do intuito do
sequestro da vítima, possui o intuito de receber vantagem indevida
(“Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer
vantagem como condição ou preço do resgate”) (BRASIL, 1940, grifo nosso).
Para a teoria finalista, não há diferenciação entre dolo genérico ou dolo
específico.

Os dolos mais importantes a serem estudados no campo do Direito Penal são o


direto e o eventual – tanto que o art. 18, I do Código Penal trata em seu texto
de somente ambos. São aqueles que são utilizados diariamente para se
delimitar a responsabilidade penal das pessoas. O dolo direto por ser aquele
que incorre praticamente todos os violadores da legislação penal – os que
cometem crime de roubo, furto, estupro, e outros, por exemplo; o dolo eventual
por fazer pouca distinção com a culpa – em crimes como lesão corporal,
homicídio, entre outros -, podendo ser aplicado em detrimento desta. Portanto,
serão apenas estes os delimitados neste trabalho, dando-se maior à ênfase ao
dolo eventual.

1.1 Dolo direto

O inciso I do art. 18 do Código Penal denomina o crime doloso, na modalidade


dolo direto, como sendo: “Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o
resultado [...]”. (BRASIL, 1940). O Código Penal Militar, em seu artigo 33, traz
denominação semelhante. Nucci (2010, p. 205), todavia, traz uma definição
mais especificada de dolo direto: “é a vontade do agente dirigida
especificamente à produção do resultado típico, abrangendo os meios
utilizados para tanto”.

Dado o exemplo do crime de homicídio, é dolo direto quando A, fitando B, seu


alvo, saca uma arma e desfere diversos tiros contra si, ceifando-lhe a vida. A
tinha a intenção de retirar a vida de B (“quis o resultado”) e utilizou os meios
bastantes para a produção do resultado do tipo penal elencado no art. 121 do
Código Penal (ao desferir diversos tiros contra a vítima). É, sem sombra de
dúvida, a modalidade de ocorrência de crime mais comum, sendo, inclusive, a
única forma de ocorrência em diversos crimes, tais como furto, roubo, estupro,
e outros.

Para a confecção do tipo penal na modalidade dolo direto é necessário que


possua os elementos cognitivo (a consciência da ocorrência do crime) e
o volitivo (a vontade da ocorrência do crime). Ausentes algum dos dois
elementos, não há que se falar de crime ocorrido na modalidade dolo direto.

O dolo direto possui três aspectos:

a) representação do resultado, dos meios necessários e das consequências


secundárias; b) o querer o resultado, bem como os meios escolhidos para a
sua consecução; c) o anuir na realização das consequências previstas como
certas, necessárias ou possíveis, decorrentes do uso dos meios escolhidos
para atingir o fim proposto ou da forma de utilização desses meios.
(BITTENCOURT, 2004, p. 260).

É imprescindível, portanto, o conhecimento dos meios necessários para a


consumação do injusto penal, o conhecimento do resultado de sua ação ou
omissão, e o conhecimento das consequências do resultado; é igualmente
necessário o querer o resultado (quis o resultado, descrito no art. 18, I do
Código Penal) e o querer os meios utilizados para se chegar ao resultado. Por
fim, é obrigatório o anuir na realização das consequências dos meios utilizados
para se chegar ao resultado, pois responderá pelos resultados dos meios
empregados. Por exemplo, caso A aponte uma arma na direção de B para
subtrair, para si, seus pertences e, diante da grave ameaça, B, cardíaco, tem
uma síncope cardíaca e vem a óbito, A responderá pelo resultado morte (art.
157, § 3º, in fine, Código Penal) e não apenas pelo roubo.

O dolo direto é subdividido em dolo direto de primeiro grau e dolo direto de


segundo grau. No dolo direto de primeiro grau, “o agente busca diretamente a
realização do tipo legal, a prática do delito. O resultado delitivo era seu fim
principal”. (PRADO, 2010, p. 339). Por exemplo, A, querendo subtrair para si
R$ 1000,00 de B, aponta uma arma em sua direção e, utilizando-se da grave
ameaça, subtrai o montante para si. Tendo todas as elementares do tipo penal
do crime de roubo no caso em tela, e tendo A o ânimo de cometer o dito tipo
penal, utilizando-se do meio necessário para tanto (utilizando-se da grave
ameaça através de uma arma), A responderá pelo delito do art. 157 do Código
Penal.

Já o dolo direto de segundo grau “é a intenção do agente, voltada a


determinado resultado, efetivamente desejado, embora, na utilização dos
meios para alcançá-lo, termine por incluir efeitos colaterais, praticamente
certos”. (NUCCI, 2010, p. 205). Dá-se o exemplo de A, que quer matar seu
desafeto B. Para tanto, implanta uma bomba em seu carro. Em determinado
momento, o carro se encontra abastecendo no Posto X, onde estão diversas
pessoas. A, sabendo que lá o seu resultado é mais garantido, detona a bomba,
matando B, todos que se encontravam no posto e ainda mata ou fere aqueles
que se encontravam nas adjacências no momento da explosão. A responderá
pelo crime de homicídio contra B na modalidade dolo direto, todavia,
responderá igualmente na modalidade dolo direto contra a morte e ferimento de
todos os envolvidos no caso, pois A, por mais que desejara a morte apenas de
B, conhecia os efeitos colaterais (mortes e ferimentos dos adjacentes) quando
se utilizou do meio explosão para ferir o bem jurídico penalmente tutelado vida
de B. Não responderá por dolo eventual, por mais que “não quis o resultado,
mas assumiu o risco”, e sim na modalidade direta, por ser tal dolo direto de
segundo grau – em relação às demais vítimas; em relação a B, responderá por
dolo direto de primeiro grau.

O dolo direto de segundo grau difere-se do dolo eventual por neste o agente
não querer resultado danoso algum, apenas conhece e assume o risco de
produzi-lo, enquanto que, naquele, por mais que o agente não quisesse o
resultado danoso em relação aos demais, o quis em relação ao seu alvo, e
conhecia o risco, praticamente certo, de lesionar bens jurídicos penalmente
tutelados de terceiros.

A distinção entre dolo direto de primeiro grau e dolo direto de segundo grau se
faz necessária por ocasião da fixação da pena-base na forma prevista no art.
59 do Código Penal.

1.2 Dolo Eventual

O art. 18, I do Código Penal denomina crime doloso, na modalidade eventual,


como sendo: “Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente [...] assumiu o risco
de produzi-lo”. (BRASIL, 1940). Nucci (2010, p. 205), por sua vez, conceitua o
dolo eventual como sendo “a vontade do agente dirigida a um resultado
determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um
segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro”. Damásio
de Jesus (1991, p. 50) dá uma definição parecida de dolo eventual, ao retratá-
lo como sendo “quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, i.e.,
admite e aceita o risco de produzi-lo”.

Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o
resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o
evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe
que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento.
Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que se produza.
(DAMÁSIO DE JESUS, 1991, p. 50).

Já Bittencourt (2004, p. 261) conceitua dolo eventual, ao relatar que o mesmo


acontece “quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas a
aceita como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do
resultado (art. 18, I, in fine, do CP)”.

Dolo eventual, portanto, ocorre quando o agente age ou deixa de agir, conhece
do risco de produzir um resultado danoso a um bem jurídico penalmente
tutelado através de sua conduta e se conforma caso este venha a acontecer. O
dolo eventual não se consubstancia apenas em o agente, conhecendo do risco,
não se abstém de agir, pois isso pode configurar culpa consciente. Não basta,
pois, apenas o agir quando não deveria – pois isso caracteriza a imprudência –,
é imprescindível o conformismo sobre a possibilidade da ocorrência do
resultado danoso.

Capez (2011, p. 227) nos dá o exemplo do motorista, que conduz em


velocidade incompatível com o local e realizando manobras arriscadas. Mesmo
este prevendo que poderá vir a perder o controle direcional do veículo e
atropelar ou até mesmo matar alguém, não se importa com a ocorrência de
eventuais resultados indesejáveis, pois correr o risco é melhor do que
interromper o prazer em dirigir em alta velocidade. Para este, o resultado
danoso não é querido, mas o risco é aceito. É a famosa frase proferida por
Frank (1931, apud HOLANDA, 2004): “Seja como for, dê no que der, em
qualquer caso não deixo de agir”.

Quando o agente, estando em dúvida a respeito de um dos elementos do tipo


penal, arrisca-se em concretizá-lo, também age com dolo eventual. Por
exemplo, o agente se encontra com dúvida acerca da idade do indivíduo – se o
mesmo possui idade igual ou superior, ou não, a catorze anos – e, ainda assim,
o induz a satisfazer a lascívia de outrem, ou mantém conjunção carnal com o
mesmo, cometerá, em caráter de dolo eventual, crime de corrupção de menor
(art. 218 do Código Penal) ou estupro de vulnerável (art. 217-A do Código
Penal), respectivamente. (CAPEZ, 2011, p. 227). Não se recai, no caso, a
excludente por ocasião de erro sobre elementos do tipo, esculpida no art.
20, caput do Código Penal, por ter o agente assumido o risco acerca da
elementar do tipo penal, não respondendo, portanto, a título de culpa – ou, na
ausência da previsão legal da mesma, a atipicidade da conduta –, como prevê
o artigo retromencionado, e sim a título de dolo.

Todavia, em determinados casos, a descrição da conduta impõe ao agente um


especial conhecimento da circunstância. Dá-se o exemplo do crime de
receptação (art. 180 do Código Penal), em que é elementar do tipo saber ser a
coisa produto de crime. O tipo penal é claro em dizer “sabe” – só recaindo,
portanto, o dolo direto; caso quisesse abarcar o dolo na modalidade eventual,
teria trazido a expressão “deve saber” como elementar, ou outra que indique
assumir o risco, como ocorre no § 1º do próprio art. 180 e os caput dos art. 130
e 245, todos do Código Penal. O conhecimento especial da circunstância
também se verifica nos tipos penais da denunciação caluniosa (art. 339) e da
comunicação falsa de crime ou contravenção (art. 340), além das condutas
esculpidas no § 1º do art. 138, todos do Código Penal, entre outros.

No dolo eventual, ao contrário das demais modalidades de dolo, não existe o


elemento volitivo (a vontade), pois se o elemento volitivo é a “ vontade do
agente de praticar o fato típico almejando o resultado, e, existindo entre ambos,
o nexo causal” (TAVARES, 2010), e não havendo vontade do agente em
praticar o fato típico, e sim mero aceite por parte do mesmo, não há que se
falar em existência de elemento volitivo no dolo eventual. Entretanto, é certo
dizer que o elemento cognitivo se faz presente, pois o agente sabe da
possibilidade da ocorrência do evento danoso quando age ou deixa de agir,
pois, se não soubesse, não haveria sequer a previsibilidade do agente da
ocorrência do fato delituoso, pressuposto essencial da culpa consciente e do
dolo eventual, e, sem a mesma, seria meramente culpa inconsciente.

O dolo eventual não deve, todavia, ser confundido com a mera esperança ou o
desejo simples que determinado resultado ocorra, como no exemplo trazido por
Bittencourt (2004, p. 263), do sujeito que manda seu adversário a um bosque,
durante uma tempestade, na esperança de que seja atingido por um raio. É
diferente, porém, do agente que não conhece com clareza as elementares do
tipo penal e, com dúvida sobre a existência da mesma, age ou deixa de agir,
aceitando a possibilidade da existência da dita elementar. Nesse caso,
configurar-se-á o dolo eventual.

O nosso Código Penal equiparou os efeitos do dolo eventual e do dolo direto,


nos termos da Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, escrito por
Ministro Francisco Campos, in verbis: “O dolo eventual é, assim, plenamente
equiparado ao dolo direto. É inegável que arriscar-se conscientemente a
produzir um evento vale tanto quanto querê-lo: ainda que sem interesse nele, o
agente o ratifica ex ante, presta anuência ao seu advento”. (BITTENCOURT,
2004, p. 263). O mesmo peso dado ao dolo eventual é dado ao dolo direto pelo
nosso Código Penal, tendo em vista que arriscar-se sabendo da possibilidade
de ocorrência do resultado lesivo e aceitar a ocorrência do mesmo, tem, às
vistas do legislador de 1940, pelos dizeres supra, a mesma validade daquele
que agiu com a intenção pura e clara de ofender o bem jurídico penalmente
tutelado alheio.

2. Da Culpa

O Código Penal, no inciso II de seu art. 18, conceitua crime culposo como
sendo “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência
ou imperícia”. (BRASIL, 1940). Os conceitos doutrinários, todavia, são mais
específicos em detalhar a culpa do que o conceito trazido pelo Código Penal.

Para Nucci (2010, p. 210), culpa é “o comportamento voluntário desatencioso,


voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado
ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado”. Já para
Bittencourt (2004, p. 270), culpa é a “inobservância do dever objetivo de
cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido,
objetivamente previsível”. O Código Penal Militar, em seu art. 33, II, também
traz o conceito de crime culposo, igualmente mais específico que o conceito
trazido pelo Código Penal.

Art. 33: Diz-se o crime: II - culposo, quando o agente, deixando de empregar a


cautela, atenção, ou diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em
face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-
o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo. (BRASIL,
1969).

Para se configurar crime culposo é necessário que o agente aja ou omita-se


em agir, violando-se o dever do cuidado, típico da vivência em sociedade,
mediante imprudência, imperícia ou negligência, sem possuir intenção do
resultado danoso, embora sua ocorrência seja previsível.

Imprudência é “a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter


comissivo. [...]. Conduta imprudente é aquela que se caracteriza pela
intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação”. (BITTENCOURT,
2004, p. 279). Age com imprudência, por exemplo, o motorista que dirige em
velocidade acima da permitida na pista, que dirige embriagado ou fazendo
manobras arriscadas.

Negligência é “um deixar de fazer aquilo que a diligência normal impunha”.


(GRECO, 2006, p. 216). Age com negligência, por exemplo, o motorista que
não troca os pneus já desgastados.

Imperícia é a “incapacidade ou falta de conhecimento necessário para o


exercício de determinado mister”. (NUCCI, 2010, p. 213). É o profissional que
não possui o conhecimento necessário para o exercício de sua profissão. Age
com imperícia, por exemplo, o médico que, na operação, erra a artéria a ser
cortada, trazendo a óbito o paciente.

Greco (2006, p. 208) elenca os requisitos necessários para se tipificar o tipo


penal culposo, in verbis:

a) Conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva; b) Inobservância de um


dever objetivo de cuidado; c) O resultado lesivo não querido, tampouco
assumido, pelo agente; d) Nexo de causalidade entre a conduta do agente e o
resultado lesivo; e) Previsibilidade; f) Tipicidade.

Todo crime depende de uma conduta humana voluntária, que pode ser
comissiva (agir) ou omissiva (deixar de agir). Todo crime culposo, como já dito
anteriormente, deve possuir a inobservância de um dever de cuidado, que
poderá acontecer por imprudência, negligência ou imperícia, e o resultado
lesivo não querido (pois, senão, tratar-se-ia de dolo, na modalidade direto) e
não assumido (pois, senão, tratar-se-ia de dolo, na modalidade eventual) pelo
agente, e um nexo de causalidade entre a conduta do agente que inobserva o
dever de cuidado e o resultado lesivo.

É necessária também, para se configurar o crime culposo, a previsibilidade do


resultado danoso através da conduta que inobserva o dever de cuidado. A
previsibilidade se consubstancia quando se consegue prever o resultado lesivo
com a conduta do agente. Ocorre a previsibilidade objetiva quando o homem
médio, aquele que não é ínfimo ou extraordinário, consegue prever o resultado
lesivo. Entretanto, na previsibilidade objetiva, o agente, contrariando o homem
médio, não foi capaz de prever o dito resultado.

A previsibilidade objetiva se determina quando um juízo levado a cabo,


colocando-se o observador (por exemplo, o juiz) na posição do autor no
momento do começo da ação, e levando em consideração as circunstâncias do
caso concreto cognoscíveis por uma pessoa inteligente, mais as conhecidas
pelo autor e a experiência humana da época sobre os cursos causais.
(BITTENCOURT, 2004, p. 276-277).

Deve-se distinguir da previsibilidade subjetiva, que é a previsão do agente,


devendo este “prever o resultado segundo suas aptidões pessoais, na medida
do seu entendimento individual”. (CONCEIÇÃO, 2010). Enquanto a
previsibilidade objetiva se consubstancia quando o homem médio consegue
prever o resultado danoso através da conduta do agente, menos este, a
previsibilidade subjetiva se consubstancia quando o próprio agente consegue
prever o resultado danoso. A previsibilidade subjetiva não afasta a culpa e a
transforma em dolo, na modalidade eventual, caso o agente, prevendo o
resultado, acredita sinceramente na sua não-ocorrência (a chamada culpa
consciente).

O último requisito da culpa é a tipicidade, que faz parte do Princípio da


Legalidade, estampado nos art. 1º do Código Penal e art. 5º, XXXIX da
Constituição Federal. É necessária prévia disposição legal para se responder
pelo crime na modalidade culposa. E é necessário não apenas a prévia
disposição legal do tipo penal a ser imputado ao agente, mas também que o
mesmo possa existir na modalidade culposa (como homicídio, lesão corporal,
incêndio e outros), ou, na sua ausência, só poderá responderá pelo crime
aquele que o cometeu na modalidade dolosa, por força do Parágrafo Único do
art. 18 do Código Penal, in verbis: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém
pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica
dolosamente.” (BRASIL, 1940). Portanto, por exemplo, aquele que, por
imprudência e não querendo o resultado lesivo, destruir, danificar ou deteriorar
coisa alheia, não responderá pelo crime de dano (art. 163 do Código Penal) na
modalidade culposa, sendo apenas um ilícito civil, nos fulcros do art. 168 do
Código Civil.

Nucci (2010, p. 212) traz algumas situações peculiares no campo da culpa, in


verbis:

- Não existência da culpa presumida: a culpa tem que ser demonstrada e


provada pela acusação.

- Não diferenciação, no campo do Direito Penal, para os graus de


culpa (levíssima, leve ou grave), devendo apenas diferenciar-se na
individualização da pena e, caso a culpa levíssima for insignificante, não
poderá ser considerada requisito para concretizar o tipo penal.

- Não incidência da compensação de culpa, como ocorre na esfera civil, pois


não há débito que se compense em esfera penal. Assim, caso A atropele B por
imprudência, não pode alegar que B agiu com negligência e esta foi relevante
para o seu atropelamento.

- A possibilidade da ocorrência da concorrência de culpas, quando todos os


envolvidos lesionam bens jurídicos alheios por culpa, e sem liame psicológico
entre todos.
Não há, na esfera da culpa, a modalidade tentativa, devendo apenas
responder, a título de culpa, pelos crimes consumados. Não há ocorrência da
tentativa pelo fato de o primeiro de seus elementos ser a vontade livre e
consciente de querer praticar a infração penal, enquanto que, na culpa, o
agente não quer produzir resultado ilícito. O iter criminis é um instituto jurídico
destinado aos crimes dolosos, não culposos. Não se cogita, prepara e executa
crime culposo, mas tão somente crimes dolosos. (BITTENCOURT, 2004, p.
225). A doutrina, contudo, aceita a possibilidade de tentativa nos crimes
culposos, quando ocorre a chamada culpa imprópria - o agente atua com dolo,
mas, devido a erro de cautela que, analisado com mais cuidado, poderia ter
sido evitado, responderá pelo crime na modalidade culposa.

A culpa se divide em três tipos: - culpa inconsciente, quando o agente não


previu o resultado, embora previsível; - culpa consciente, quando o agente
previu o resultado, mas acreditou sinceramente na sua ocorrência; - culpa
imprópria, quando o agente agiu com dolo, mas responderá pelas penas
cominadas ao crime culposo, conforme dito logo acima.

2.1 Da Culpa Inconsciente, da Culpa Consciente e da Culpa Imprópria

Segundo Damásio de Jesus (1991, p. 53), “na (culpa) inconsciente o resultado


não é previsto pelo agente, embora previsível. É a culpa comum, que se
manifesta na imprudência, negligência ou imperícia”. Conforme os
ensinamentos de Damásio de Jesus, na culpa inconsciente o resultado não é
previsto pelo agente, embora o requisito da culpa previsibilidade (objetiva)
exista - ou seja, o homem médio consegue prever o resultado -, e a sua
conduta é eivada de imprudência, negligência ou imperícia. Nucci (2010, p.
211), por sua vez, trata a culpa inconsciente como sendo “a culpa por
excelência, ou seja, a culpa sem previsão do resultado. O agente não tem
previsão (ato de prever) do resultado, mas mera previsibilidade (possibilidade
de prever)”. Prado (2010, p. 348) trata a culpa inconsciente como sendo “a
culpa comum, que se verifica quando o autor não prevê o resultado que lhe é
possível prever. A lesão ao dever objetivo de cuidado lhe é desconhecida,
embora conhecível”.

O agente, portanto, não foi capaz de prever o resultado – ou a lesão ao dever


de cuidado -, mas o homem médio conseguiria prever. É a chamada culpa
comum ou culpa sem previsão. E é imprescindível a previsibilidade do homem
médio, pois, na sua ausência, configura-se caso fortuito ou força maior, não
sendo, portanto, fato típico, por ausência de um dos requisitos da culpa e,
consequentemente, pela ausência da mesma.

Já a culpa consciente é a culpa que ocorre “quando o agente prevê que sua
conduta pode levar a um certo resultado lesivo, embora acredite, firmemente,
que tal evento não se realizará, confiando na sua atuação (vontade) para
impedir o resultado” (NUCCI, 2010, p. 211). Greco (2006, p. 218), por sua vez,
define a culpa consciente como sendo

aquela em que o agente, embora prevendo o resultado, não deixa de praticar a


conduta acreditando, sinceramente, que este resultado não venha a ocorrer. O
resultado, embora previsto, não é assumido ou aceito pelo agente, que confia
na sua não-ocorrência.

Configura-se culpa consciente, por exemplo, quando o agente ultrapassa um


veículo em uma estrada e, verificando que na direção contrária vem outro
veículo, acredita que, caso acelere, consiga ultrapassar o primeiro veículo sem
chocar-se contra o segundo, o que não ocorre, gerando o resultado lesivo
ofensa à integridade física ou morte. Por mais que o agente tenha previsto a
possibilidade de chocar-se contra o segundo veículo, acreditou sinceramente
que, caso acelerasse, conseguiria findar a ultrapassagem sem se chocar contra
o dito veículo. Bittencourt (2004, p. 281), por sua vez, acredita que, ao analisar
a culpa consciente, deve-se agir cautelosamente, pois a mera previsão do
resultado não significa culpa consciente, pois se necessita da consciência do
agente acerca do resultado. É a chamada culpa com previsão.

O Código Penal, por sua vez, não traz diferença alguma entre a culpa
consciente e inconsciente, devendo o juiz apenas trazer no momento da
dosimetria da pena prevista no art. 59 do Código Penal. O art. 18, II do Código
Penal, que trata da culpa, sequer traz distinção da culpa consciente ou da
inconsciente, como o inciso I do dito artigo traz distinção das modalidades do
dolo, tendo sido trazida apenas pelo inciso II do art. 33 do Código Penal Militar
e por construção doutrinária e jurisprudencial.

Bittencourt (2004, p. 280) questiona se a culpa consciente não seria, na maioria


das vezes, indício de menor insensibilidade ético-social, sendo que há maior
atenção por parte do agente na hora da execução das atividades perigosas,
enquanto que na culpa inconsciente o descuido é maior e, assim, mais
perigoso, haja vista a exposição ao risco ser mais frequente quando o agente
nem percebe a possibilidade de ocorrência do evento danoso. Para o autor, é
mais culpado aquele que sequer olhou o obstáculo, em detrimento daquele que
avistou o obstáculo, mas acreditou sinceramente que este se afastaria a tempo.
Essa análise, entretanto, deve ser feita pelo juiz na fase de dosimetria da pena.

Além da culpa consciente e da culpa inconsciente, o ordenamento jurídico


brasileiro traz outra modalidade de culpa, a culpa imprópria. Apesar de ser
considerado culpa, o crime foi cometido com a intenção de acontecer o
resultado. Todavia, tal intenção é viciada por um erro que, com mais cuidado,
poderia ter sido evitado. E tal erro deve ser evitável, pois, se inevitável fosse,
excluiria por completo a responsabilidade penal. É a chamada culpa imprópria,
por extensão ou assimilação.

A culpa imprópria ocorre quando o agente, no processo psicológico, analisa


mal uma situação ou os meios empregados, faltando na cautela na dita
avaliação, agindo assim de forma culposa. Porém, na execução do crime, age
dolosamente, com o objetivo do resultado lesivo, embora viciado pelo erro
evitável e culposo.

O § 1º do art. 20 do Código Penal especifica bem o que é a culpa imprópria: “§


1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação
legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é
punível como crime culposo” (BRASIL, 1940). Analisando o dito parágrafo,
consegue perceber que, caso o agente, por erro, supõe situação de fato que,
se existisse, tornaria a ação legítima, é isento de pena. Todavia, caso o erro
derivou de culpa – ou seja, faltou cautela por parte do agente -, responderá por
culpa, desde que haja previsão de culpa no tipo penal em questão, por força do
art. 18, Parágrafo Único, do Código Penal.

Além do § 1º do art. 20 do Código Penal, a culpa imprópria também aparece na


parte final do Parágrafo Único do art. 23 do mesmo diploma legal, quando diz
que o agente responderá pelos excessos dolosos ou culposos nas excludentes
de ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do
dever legal, exercício regular do direito ou aceitação da vítima, nos bens
jurídicos penalmente tutelados disponíveis).

3. Diferença entre Dolo Eventual e Culpa Consciente

O dolo eventual se consubstancia quando o agente age ou deixa de agir, prevê


que tal conduta pode acarretar uma lesão a um bem jurídico penalmente
tutelado e pouco se importa se a dita lesão ocorrer ou não. O art. 18, I do
Código Penal preceitua que comete crime na modalidade dolo eventual quando
o agente “assume o risco de produzi-lo (o resultado lesivo)”. (BRASIL, 1940),
entendendo-se por assumir o risco o agente que conhece do risco e lhe é
indiferente.

Para se concretizar o dolo eventual, em detrimento da culpa consciente, não


basta o agente conhecer o risco do resultado lesivo e nada fizer para que este
não ocorra, ou não agir para minorar o risco ou o resultado lesivo, pois isso não
é assumir o risco; é imprescindível que o agente, ao conhecer do risco, pouco
se importar com a ocorrência da lesão ao bem jurídico penalmente tutelado
alheio. É o caso do agente que dirige em alta velocidade perto de uma escola,
no horário de saída, e pouco se importa se acertará algum transeunte ou não.

Já a culpa consciente se consubstancia quando o agente age ou deixa de agir,


prevê que tal conduta pode acarretar uma lesão a um bem jurídico penalmente
tutelado, mas acredita sinceramente na sua não ocorrência. Como bem
preceitua Greco (2006, p. 218), “na culpa consciente, o agente, embora
prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não-ocorrência; o
resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente”. Percebe-se
que, para ocorrer a culpa consciente, é necessário que o agente faça uma
conduta (com todos os requisitos da culpa, como a imprudência, negligência ou
imperícia), preveja que tal conduta possa levar a um resultado lesivo
(previsibilidade subjetiva, lembrando-se que a conduta seja capaz de causar
ofensa a um bem jurídico penalmente tutelado de forma iminente, e não
remota) e acredita que não ocorrerá tal resultado, embora venha a ocorrer. É o
caso, por exemplo, do motorista em alta velocidade que, vendo um transeunte
atravessando na sua frente, correndo, acredita não necessitar frear o veículo,
pois o pedestre conseguirá atravessar o veículo a tempo, mas acaba não
dando tempo, acertando-o e ceifando-lhe a vida.
A diferença consubstancial entre o dolo eventual e a culpa consciente se dá em
o agente, ao prever o resultado lesivo, acreditar sinceramente na sua não-
ocorrência ou lhe for indiferente. É algo interno, do âmago do agente. E, como
não se dá para retirar do âmago do agente se este acreditou na não ocorrência
ou foi indiferente ao resultado lesivo, entendem os doutrinadores e a
jurisprudência pátria que deverá retirar tais requisitos dos fatos que cercam a
ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado alheio.

AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HOMICÍDIO. ACIDENTE


DE TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. CULPA CONSCIENTE. REVALORAÇÃO
DE PROVAS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Considerando
que o dolo eventual não é extraído da mente do acusado, mas das
circunstâncias do fato, na hipótese em que a denúncia limita-se a narrar o
elemento cognitivo do dolo, o seu aspecto de conhecimento pressuposto ao
querer (vontade), não há como concluir pela existência do dolo eventual. Para
tanto, há que evidenciar como e em que momento o sujeito assumiu o risco de
produzir o resultado, isto é, admitiu e aceitou o risco de produzi-lo. Deve-se
demonstrar a antevisão do resultado, isto é, a percepção de que é possível
causá-lo antes da realização do comportamento. 2. Agravo a que se nega
provimento. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no
Agravo de Instrumento, 1189970 DF 2009/01050713-6, Relator: Celso Limongi,
2010).

PENAL. PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.


ALÍNEA C DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. FALTA DE COTEJO
ANALÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL. HOMICÍDIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DOLO
EVENTUAL. CULPA CONSCIENTE. REVALORAÇÃO DE PROVAS.
POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DO DOLO
EVENTUAL. CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO QUE NÃO EVIDENCIAM A
ANTEVISÃO E A ASSUNÇÃO DO RESULTADO PELO RÉU.
DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA QUE SE IMPÕE. AGRAVO A QUE SE
NEGA PROVIMENTO. 4. Considerando que o dolo eventual não é extraído da
mente do acusado, mas das circunstâncias do fato, na hipótese em que a
denúncia limita-se a narrar o elemento cognitivo do dolo, o seu aspecto de
conhecimento pressuposto ao querer (vontade), não há como concluir pela
existência do dolo eventual. Para tanto, há que evidenciar como e em que
momento o sujeito assumiu o risco de produzir o resultado, isto é, admitiu e
aceitou o risco de produzi-lo. Deve-se demonstrar a antevisão do resultado, isto
é, a percepção de que é possível causá-lo antes da realização do
comportamento. 5. Agravo a que se nega provimento. (BRASIL, Superior
Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Recurso Especial, 1043279 PR
2008/0066044-4, Relatora: Jane Silva, 2008).

Conforme as jurisprudências acima lecionam, como é impossível retirar a


aceitação ou não da ocorrência do resultado lesivo extraindo da mente do autor
dos fatos, deve-se retirar as circunstâncias do fato que resultou na ofensa ao
bem jurídico penalmente tutelado alheio. Por exemplo, A, ao perceber
transeuntes à sua frente, acelera o veículo e passa próximo a todos, buzinando
em tom de deboche. Em dado momento, acaba por acertar alguém, ceifando-
lhe a vida ou ofendendo sua integridade física. É impossível saber se o autor
dos fatos foi indiferente ou não na possível ocorrência do resultado lesivo, pois
o simples fato de, ao prever o resultado lesivo, não agir para minorar o
resultado, ou para o mesmo não ocorrer, não se configura, de plano, dolo
eventual. Entretanto, analisando-se os fatos, pode-se extrair facilmente o dolo
eventual, tendo em vista a aceitação do risco se dar no fato de, assim que fitou
transeuntes à sua frente – visualizou a possibilidade da ocorrência do resultado
lesivo -, acelerou o veículo. Passou próximo aos mesmos, buzinou em tom de
deboche, o que demonstra sua total indiferença a possível resultado lesivo.

Em algumas situações, os fatos respondem, por si só, se o agente assumiu ou


não o risco de produzir o resultado lesivo – como no exemplo acima, que todos
os fatos apontam, categoricamente, para a aceitação do resultado lesivo por
parte do agente. Todavia, há casos em que não se consegue extrair facilmente
o dolo eventual ou culpa consciente dos fatos por si só. Além disso, há casos
que, mesmo os fatos demonstrando que o agente assumiu o risco de produzir o
resultado lesivo, é mister tentar verificar se, de fato, ele aceitaria ou não o risco
da produção do resultado lesivo, como se adentrasse em sua mente, para
verificar tal fato.

Greco (2006, p. 220) nos dá o exemplo do pai que comemora bodas de prata
com sua mulher e três filhos e, durante a festa, bebe incomensuravelmente,
ficando embriagado. Terminada a festa, volta para casa dirigindo o seu veículo,
junto de sua família. Com pressa, pois queria assistir a uma partida de futebol,
que seria transmitida na televisão, acelera o veículo. Entretanto, colide o seu
veículo em outro, ceifando a vida de sua família inteira. Por mais que os fatos
(dirigir embriagado, dirigir em alta velocidade por um motivo fútil) demonstrem
que o pai agiu com dolo eventual, nunca, em tempo algum, ele assumiria o
risco de matar toda sua família, pois um homem médio nunca aceitaria a
possibilidade de ele próprio ceifar a vida de seu cônjuge e filhos no dia de
comemoração de 25 anos de casado. Deve-se sempre enxergar com cautela o
dolo eventual única e exclusivamente através dos fatos, pois, muitas das
vezes, por mais que os fatos apontem o dolo eventual, ao adentrar no âmago
do agente, perceber-se-á clara e indubitavelmente que o agente não aceitou –
e jamais aceitaria - o resultado lesivo.

O dolo eventual e a culpa consciente são dois institutos do Direito Penal


praticamente idênticos, difíceis de enxergar no caso concreto – muita das
vezes, mesmo os retirando dos fatos –, e sempre passíveis de causar injustiça.
Rotineiramente, ocorrerão dúvidas se o agente aceitou o não a possibilidade da
ocorrência do resultado lesivo, mesmo retirando a resposta dos fatos que
circundam a ofensa. Nesses casos, ocorrendo dúvida, deve-se sempre pesar
sobre o réu a punição menos severa, para fazer jus ao princípio que ronda o
Direito Penal do in dubio pro reo, ao invés de o princípio do in dubio pro
societate, como muitos querem (GRECO, 2006, p. 221). A culpa consciente,
por ser menos gravosa ao réu, deve sempre ser a regra, enquanto que o dolo
eventual, por ser mais gravoso, deve sempre ser a exceção, para fazer jus ao
princípio dito acima, devendo o último instituto apenas ocorrer quando tiver
sido, nos autos, comprovado de forma indubitável, mesmo que através dos
fatos, não podendo ser aplicado se pairam dúvidas.

Considerações Finais

Ao final deste trabalho, é possível determinar, de forma precisa, a diferenciação


dos institutos do dolo eventual da culpa consciente.

Como já é cediço, o dolo eventual se consubstancia em o agente assumir o


risco já conhecido, ou seja, conhece a possibilidade de sua conduta causar um
resultado lesivo, continua a agir, pouco se importando se ocorrerá ou não o dito
resultado, que vem a ocorrer. Já a culpa consciente ocorrerá quando o agente
conhece do risco, continua a agir, mas acredita sinceramente na não
ocorrência do resultado lesivo. Os dois institutos são muito próximos entre si e
a diferença primordial entre ambos se dá pelo aceite, ou não, do resultado
danoso por parte do agente, o que necessitaria adentrar na mente do autor dos
fatos para descobrir se esse assumira o risco ou não. Por ser impossível,
mister se faz encontrar outra forma de descobrir se houve o aceite ou não.

Os tribunais consolidaram a tese de que, por ser impossível, no campo prático,


descobrir se o agente aceitou ou não o risco, deve-se retirar o assumir o risco
pelos fatos. Se os fatos deram ao aplicador da lei a certeza de que o agente,
naquela situação determinada, assumiu o risco da lesão, será imputado a este
o dolo eventual. Caso contrário, ser-lhe-á aplicada a culpa consciente.

Deve-se, todavia, salientar que o aplicador da lei, no caso concreto, deverá


analisar se o agente nunca assumiria o risco de cometer o resultado lesivo. Por
exemplo, dificilmente uma pessoa assumiria o risco de matar toda sua família
carbonizada ao deixar uma vela acesa, de noite, estando todos dormindo,
enquanto sai para trabalhar e tranca a residência para evitar furtos noturnos.
Por mais que os fatos caracterizassem o dolo eventual, dificilmente esta
pessoa estivesse pouco se importando com a morte de toda sua família ao
deixar uma vela acesa.

Ademais, igualmente importante salientar que nunca se poderá aplicar ao


agente o dolo eventual caso paire dúvidas acerca da aplicação correta dos dois
institutos, pois a culpa consciente é menos gravosa que o dolo eventual e, no
caso de dúvidas, a aplicação da lei sempre deve pesar em favor do réu.

Assim, diante do exposto, seguindo estes caminhos, torna-se menos dificultosa


ao aplicador da lei, no caso concreto, diferenciar o dolo eventual da culpa
consciente.

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[1] Reza o Princípio da Potencialidade Lesiva que, para configurar crime, o ato
praticado pelo agente tem que ser capaz de ofender bem jurídico penalmente
tutelado de outrem.

Erro de tipo e erro de proibição


O erro de tipo atua no âmbito do fato típico do crime, agindo sobre o dolo e a
culpa, enquanto que o erro de proibição atua na culpabilidade, excluindo ou
não a Potencial Consciência da Ilicitude.

Antes de tudo, é importante lembrar que para algum fato ser considerado
criminoso, é necessário o preenchimento do trinômio finalista da Teoria do
Crime, sendo eles: Fato Típico, Antijuridicidade ou Ilicitude, e Culpabilidade.
Sem esses pressupostos completos, não há que se falar em crime cometido.
Assim, é importante entender aonde os erros incidem, ou seja, em qual
requisito do crime que os erros estão sob o manto escusável ou não.

O erro de tipo, que pode ser classificado em essencial ou acidental, incide


sobre o fato típico, excluindo o dolo, em algumas circunstâncias. Por outro
lado, o erro de proibição, que pode ser direto ou indireto, não exclui o dolo, pois
incide na culpabilidade, terceiro requisito para a existência do crime. Ainda,
dentro da culpabilidade, age em torno da Potencial Consciência da Ilicitude,
que pode ou não excluir a reprovação da conduta (culpabilidade) por parte do
agente.

O erro de tipo essencial atua nos elementos constitutivos do tipo, ou seja, o Art.
121 do Código Penal afirma que homicídio é “Matar alguém”. Portanto, se
alguém mata uma pessoa durante uma caçada achando que era um animal,
pode-se dizer que substituiu “alguém” do tipo penal por “animal”, causando um
erro sob os elementos que constituem o crime (surge o “Matar animal”). O
agente agiu com dolo, pois queria matar, mas não “alguém” e sim um “animal”.
Dessa feita, deve ser analisado se o erro cometido pelo autor era evitável ou
inevitável, circunstâncias estas que irão definir a punição ou não do infrator.
Assim, o erro essencial pode ser classificado em
INEVITÁVEL/INVENCÍVEL/ESCUSÁVEL (cuidar essa última nomenclatura) ou
EVITÁVEL/VENCÍVEL/INESCUSÁVEL(da mesma forma atenção nesta
classificação). O primeiro significa que o erro não poderia ser evitado. De uma
ou de outra maneira, o crime seria cometido. Nessa situação, exclui-se o dolo E
culpa. Já por outro lado, na segunda hipótese, o erro aconteceu, mas poderia
ser evitado pelo agente. Aqui, exclui o dolo, MAS incide a forma culposa, se
prevista em lei.

Ainda, o erro de tipo pode ser definido como acidental, que difere do essencial,
pois neste caso NÃO exclui o dolo, uma vez que o agente atua com vontade e
consciência. Exemplo típico é o agente que furta uma televisão de 32
polegadas, quando visava subtrair outra de 42 polegadas. É evidente que ele
atuou dolosamente, mas incorreu em erro sobre o objeto (error in
objeto). Nesta esteira, o erro acidental pode ser classificado em erro sobre o
objeto, erro sobre a pessoa, aberratio ictus, aberratio criminis ou delicti, e
aberratio causae (denominados crimes aberrantes). Far-se-á uma análise
sucinta sobre estes crimes.

Erro sobre o objeto já foi citado, quando o agente acha que está furtando um
objeto e na verdade está levando outro. O erro sobre a pessoa acontece
quando o agente, ao ver uma pessoa parada na esquina, supõe ser seu
desafeto e dispara contra ele, ceifando lhe a vida. Nessa situação, o agente
incorreu em erro sobre a pessoa, pois supôs que aquela pessoa era quem
imaginava (vítima visada ou virtual). Responderá como tivesse atingido seu
alvo real, e não quem efetivamente matou. Nessa hipótese, trata-se do
exemplo clássico dos gêmeos, que confundem a percepção do atirador.

Já no aberratio ictus, o erro ocorre em relação aos meios de execução, ou seja,


a pessoa sabe exatamente que ali na esquina está parada o seu desafeto, mas
por “defeito de pontaria”, erra o alvo visado pelo agente e atinge terceira
pessoa. Aqui, as consequências são as mesmas do erro sobre a pessoa, isto é,
responde como crime consumado contra a vítima virtual (desejada) e não a que
faleceu.

Ainda na constância dos erros, aberratio criminis significa erro na execução,


igualmente, mas em relação a bens jurídicos distintos. Em outras palavras: “A”
quer matar “B” e dispara contra ela. Os disparos atingem tão somente um
veículo atrás de “B”. Nessa situação, o agente responde pelo crime subsidiário
se for expresso na forma culposa, além da tentativa de homicídio. Perceba que
a diferença aqui se baseia em bens jurídicos tutelados distintos: homicídio (a
vida) e dano (patrimônio). No caso relatado, como dano não admite a forma
culposa, não será púnico pela prática deste crime.

Por fim, aberratio causae, dividido em sentido estrito (1 ato) e dolo geral (2
atos), há erro sobre o nexo causal utilizado pelo autor para atingir determinada
finalidade. Assim, exemplificando, se “A” joga “B” da ponte, objetivando uma
morte por afogamento, mas este morre por colisão em um pilar da ponte,
falecendo por traumatismo craniano (exemplo em sentido estrito). A causa da
morte não foi afogamento, mas o choque que a vítima teve com a parte física
da ponte. Aqui, conforme doutrina majoritária, o agente responde por crime
único doloso consumado. É o nítido caso de resultado não cogitado pelo
agente por erro sobre o nexo de causalidade.

Em suma: o erro de tipo divide-se em ERRO DE TIPO ESSENCIAL e ERRO


DE TIPO ACIDENTAL. O primeiro pode ou não excluir o dolo e a culpa,
depende se o fato era evitável ou não. O segundo não exclui o dolo, e divide-se
em erro sobre o objeto, erro sobre a pessoa, erros na execução (aberratio ictus
e aberratio criminis) e erro sobre o nexo causal (aberratio causae e dolo geral).

Por outro lado, o erro de proibição em nada possui semelhança com o erro de
tipo, pois a proibição atinge a culpabilidade (em especial a Potencial
Consciência da Ilicitude), ou seja, o caráter ilícito da conduta. Em verdade,
como ensina com maestria Cristiano Rodrigues, o erro de proibição não se
confunde com desconhecimento da lei, pois esta significa não ter conhecimento
dos artigos, leis, entre outros, enquanto aquela significa uma noção comum
sobre o permitido e o proibido. Exemplo: todos sabem que fraudar impostos é
contra a lei, mas nem todos sabem qual lei trata do assunto.

Destarte, o erro de proibição divide-se, igualmente, em dois aspectos:


inevitável e evitável. O primeiro exclui a culpabilidade do agente, isentando-o
de pena, enquanto no segundo o agente responde dolosamente e tem o
condão de atenuar a pena, em virtude da possibilidade do agente conhecer a
proibição. Em outras palavras, no erro de proibição, o agente sabe
perfeitamente o que faz e qual a sua conduta, mas acredita estar agindo
licitamente. O erro de proibição pode se dividir em direto ou indireto (de
permissão), sendo que na primeira o agente atua com desconhecimento da
situação proibitiva. Exemplo: corta um pedaço de árvore para fazer chá e é
penalizado por crime ambiental. No segundo caso, a situação fática direciona o
agente a acreditar que agirá legalmente. Aqui, a regra é proibição, porém o
agente crê que atua nas hipóteses permissivas. Exemplo: da janela do
apartamento visualiza um ladrão furtando o som de seu veículo. Acreditando
agir em legítima defesa, desfere um tiro pelas costas do criminoso. Na primeira
situação, o desconhecimento é direto, enquanto na segunda a situação levou o
agente a crer na sua conduta lícita.

EM RESUMO: O erro de tipo atua no âmbito do fato típico do crime, agindo


sobre o dolo e a culpa, enquanto que o erro de proibição atua na culpabilidade,
excluindo ou não a Potencial Consciência da Ilicitude.

Existem diversos outros aspectos relacionados ao tema, precipuamente


comparações a outras espécies de situações normativas elencadas pela
doutrina. Porém, acredito que os aspectos relevantes que, costumeiramente,
costumam aparecer em certames foram abordados acima.

Erro de tipo, erro de proibição, descriminantes putativas e


suas diferenças
I – COLOCAÇÃO DO PROBLEMA: A QUESTÃO DA LEGITIMA DEFESA
PUTATIVA E DO ESTADO DE NECESSIDADE PUTATIVO

A potencialidade agressiva de certos aparelhos, engenhos, cães


ferozes, encontra melhor solução, para muitos como Francisco de Assis
Toledo[1], dentro dos limites da legítima defesa. É a legítima defesa
preordenada ou predisposta. É o que se chama de ofendículas.

Nelson Hungria[2] considera que as ofendículas devem ser admitidas


mesmo com o risco de que, ao invés do ladrão, venha a ser vítima da
armadilha uma pessoa inocente, caso em que, a seu ver, configuraria legítima
defesa putativa.

A legítima defesa é posta ao lado do estado de necessidade, do estrito


cumprimento do dever legal e do exercício regular de direito, como causa de
exclusão da ilicitude. Estamos diante de causas de justificação que, quando
incidem, o fato embora aparentemente típico, não será um crime, mas sim um
lícito penal.

No estado de necessidade (artigos 23,I e 24 do CP) (no qual há a


prática de fato para salvar de perigo atual - que o agente ativo não provocou
por sua vontade, nem pôde de outro modo evitar - direito próprio ou alheio, cujo
sacrifício, pelas circunstâncias, não era razoável exigir-se) são exigidos para a
configuração da excludente:

a) perigo atual, presente a ameaça concreta a bem jurídico;

b) proteção do direito próprio ou alheio;

c) situação de perigo atual não causada de forma voluntária pelo


agente;

d) inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.

O estado de necessidade defensivo vem a ocorrer quando o ato


necessário se dirige contra a coisa de que promana o perigo para o bem
jurídico defendido. O estado de necessidade defensivo ocorre quando o ato
necessário se dirige contra coisa diversa daquela que promana o perigo para o
bem jurídico defendido.

Fala-se com relação ao estado de necessidade na aplicação de duas


teorias: a unitária e a diferenciadora. Penso que podemos adotar a segunda
teoria.

Heleno Cláudio Fragoso[3], defendendo a aplicação da teoria


diferenciadora[4], por influência da doutrina alemã, disse o que segue:
¨A legislação vigente, adotando fórmula unitária para o estado de
necessidade e aludindo apenas ao sacrifício de um bem que, nas
circunstâncias, não era razoável exigir-se, compreende impropriamente
também o caso de bens de igual valor(é o caso do naufrago que, para ter a
única tábua de salvamento, sacrifica o outro). Em tais casos, subsiste a ilicitude
e o que realmente ocorre é o estado de necessidade como excludente da
culpa(inexigibilidade de outra conduta), que a seu tempo examinaremos.¨
Termina Heleno Cláudio Fragoso por dizer:

¨O estado de necessidade exclui a ilicitude quando, em situação de conflito


ou colisão, ocorre o sacrifício do bem de menor valor. A inexigibilidade de outra
conduta, no entanto, desculpa a ação quando se trata de sacrifício de bens de
igual ou de maior valor, que ocorre em circunstâncias nas quais ao agente não
era razoavelmente exigível o comportamento diverso. O estado de necessidade
previsto no art. 20 do Código Penal vigente, portanto, pode excluir a
antijuridicidade ou a culpabilidade, conforme o caso.¨
Se, pela teoria unitária, o estado de necessidade é sempre causa de
exclusão da ilicitude, a teoria diferenciada, com a colisão entre bens jurídicos
de igual ou maior valor, exclui a culpabilidade, enquanto que o sacrifício de
bem de menor valor exclui a ilicitude.[5]

Para Júlio Fabbrini Mirabete[6], o Código brasileiro adotou a teoria


unitária e não a teoria diferenciadora[7]. Assim, há estado de necessidade não
só no sacrifício de um bem menor para salvar um de maior valor, mas também
no sacrifício de um bem de valor idêntico ao preservado, como no caso do
homicídio praticado por um náufrago para se apoderar da tábua de salvação.
Não ocorrerá a justificativa se for de maior importância o bem lesado pelo
agente. Assim não se poderia matar para garantir um bem patrimonial.

Sendo assim o estado de necessidade pode ser invocado quando da


prática de qualquer crime, mesmo os delitos culposos, não se admitindo a sua
aplicação nos casos de crimes permanentes ou habituais.

Mas há situação de estado de necessidade putativo, se o agente supõe


por erro que está em perigo. É o caso conhecido do agente que, supondo, por
erro plenamente justificado pelas circunstâncias, estar no meio de um incêndio,
não responde por lesões corporais ou morte que vier a causar para se salvar.
Repito que estamos no campo das chamadas descriminantes putativas.

Exige-se para a legítima defesa:

a) repulsa a agressão atual ou iminente e injusta;

b) defesa de direito próprio ou alheio;

c) emprego moderado de meios necessários;


d) orientação de ânimo do agente no sentido de praticar atos
defensivos.

São necessários os meios reputados eficazes e suficientes para repelir


a agressão. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que o modo de repelir a
agressão também pode influir decisivamente na caracterização do elemento
em exame(RTJ 85/475-7). Nessa linha de pensar, o emprego de arma de
fogo não para matar, mas para ferir ou para amedrontar(tiro fora do alvo)
poderia ser considerado, em certas circunstâncias, o meio disponível, menos
lesivo, eficaz e, portanto, necessário. Tal solução merece sérios debates numa
sociedade que precisa combater o uso de armas.

Há a análise da questão da proporcionalidade, na legítima defesa

Nelson Hungria[8] nos dá uma conclusão, a nosso ver radical, data


vênia, quando embora entendendo que, no caso do roubo de frutas, se bastar
a ameaça de arma, estaria excluída a legitimidade de disparas no ladrão.
Destaca que, por mínimo que seja o mal ameaçado ou por mais modesto que
seja o direito defendido, não há desconhecer a legítima defesa, se a maior
gravidade da reação derivou da indisponibilidade de outro meio menos
prejudicial, e posto que não tenha havido imoderação no seu emprego. Assim,
para ele, à luz da doutrina alemã, abatendo o chamado sentimentalismo latino,
qualquer bem jurídico pode ser defendido mesmo com a morte do agressor, se
não há outro remédio para salvá-lo. Ora, data vênia, é brutal tal ponto de vista,
pois a proporcionalidade da defesa deve ser condicionada não apenas a
gravidade da agressão, mas ainda a relevância do bem ou interesse que se
defende.

Ora, data venia, não há direitos absolutos, pois não há falar em legítima
defesa abusiva.

Pode-se falar em excesso doloso ou culposo na legítima defesa, assim


como também há no estado de necessidade.

Aqui vem a ideia de excesso culposo,resultante de uma imprudente


falta de compreensão, falta de contensão por parte do agente, quando isso era
possível nas circunstâncias para evitar um resultado mais grave do que o
necessário a defesa do bem agredido, que viria de um estado emotivo causado
pela repulsa ao ato agressivo.[9]

Esse estado emotivo pode-nos trazer uma imaginação em nosso


subconsciente de situações que não condizem com a realidade fática.

É conhecido o surrado exemplo quando no auge de uma discussão


áspera entre duas pessoas, uma delas leve a mão ao bolso, e a outra, supondo
que ela ia sacar uma arma, ou coisa que o valha, atira primeiro, mas depois se
descobre que a vítima estava desarmada. É a chamada legítima defesa
putativa, que está inserida entre as descriminantes putativas, previstas no
artigo 20, § 1º, do Código Penal.
Ainda é devido trazer outro exemplo quando certa pessoa, tarde da
noite, caminha por uma rua mal iluminada, em situação que já seria bastante a
preocupar, diante de assassinatos recentes que ali surgiram, ao desenvolver
sua caminhada, encontra uma pessoa que caminhava em sua direção, e que
tinha feições de um criminoso que se dava como perigoso assassino. O
agente, em estado de tensão, saca a sua arma e dispara um tiro fatal contra o
suposto agressor. Ao seu aproximar se choca ao verificar que a pessoa
atingida, na verdade, era um conhecido, que procurava a sua ajuda.

Na doutrina, para a chamada teoria limitada da culpabilidade, nota-se


que as descriminantes putativas são divididas entre as que ocorrem em relação
a pressuposto fático de uma excludente de ilicitude(para uns, erro do tipo
permisivo) e quando relacionadas ao limite ou a existência de uma causa de
justificação(erro de proibição indireto). Com o devido respeito penso que o erro
na descriminante putativa é o erro de proibição.

Para aquela teoria limitada da culpabilidade, no erro sobre os


pressupostos fáticos de uma causa de justificação, ocorre um erro do tipo
permissivo. No erro sobre a existência ou sobre os limites de uma causa de
justificação, configura-se o erro de proibição, com a exclusão da culpabilidade.

Entre as descriminantes putativas, além da legitima defesa putativa,


existe ainda o estado de necessidade putativo, o exercício regular de direito
putativo e o estrito cumprimento do dever legal putativo.

O quadro de legítima defesa putativa assim foi conceituada por Nelson


Hungria:

¨Dá-se a legitima defesa putativa quando alguém erroneamente se julga


em face de uma agressão actual e injusta, e, portanto, legalmente autorizado à
reação que empreende.¨[10]
O agente se imagina na presença de uma causa, que se realmente
existisse, justificaria sua conduta, ou seja, uma causa de justificação.

Aquele que reage a uma suposta agressão, que se mostrou real


apenas em sua imaginação, e que se existisse tornaria a sua ação legítima,
age em legítima defesa putativa.

Repete-se o exemplo do agente que supõe que se encontra em meio a


um incêndio, dada a quantidade de fumaça e os gritos dos circunstantes,
ferindo alguém para safar-se do local e se apura que não havia incêndio(estado
de necessidade putativo).

De outro modo, é conhecido o exemplo do policial, que munido de um


mandado de prisão, recolhe à prisão A, supondo que este é B, irmão gênio
daquele e objeto da ordem judicial ( estrito cumprimento do dever legal
putativo).
Certo que há, no direito penal, o conceito de crime putativo ou crime
imaginário, que se distancia da tentativa inidônea (crime impossível).

Adota-se o entendimento de que a lei penal adotou a chamada teoria


objetiva na distinção entre inidoneidade absoluta e inidoneidade relativa de
meios e de objeto. A tentativa absolutamente inidônea fica impune.

Por sua vez, o crime imaginário é um fato que o agente julga punível,
mas que, na realidade, não é definido como crime pela lei. O crime existe
apenas em sua imaginação e essa errônea opinião não bastaria para torná-lo
punível. Para Aníbal Bruno,[11] haveria atipicidade, ausência de tipicidade.

Para Aníbal Bruno [12], ainda há erro no crime putativo. O agente erra
em supor criminoso o ato que pratica, na realidade não definido na lei como
crime. Mas, não seria erro do agente que excluiria o tratamento penal, pois não
haveria crime, porque não haveria nenhum tipo legal a que o ato praticado
correspondesse. O fato na sua expressão objetiva e na sua elaboração
psíquica seria totalmente estranho ao direito punitivo. Isso porque a norma
proibitiva só existiria no subjetivo do agente.

Há, sem dúvida, um enorme abismo entre legítima defesa putativa e


legítima defesa real. A primeira existe no conhecimento equivocado do agente
em relação aos pressupostos objetivos da legítima defesa enquanto a segunda
se configura com a existência concreta desses pressupostos.

A modesta pretensão desse estudo é expor o conflito de ideias


envolvendo a natureza jurídica das descriminantes putativas.

Aliás, dispõe o artigo 20,§ 1º, do Código Penal: ¨É isento de pena


quem, por erro, plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de
fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando
o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.¨

O agente supõe que está agindo licitamente ao imaginar que se


encontram presentes os requisitos de uma das causas justificativas presentes
na lei.

Estaríamos diante de um erro do tipo permissivo? Será caso de erro de


proibição ou ainda um tipo intermediário?

Para isso, penso correto fazer uma divagação com relação a teoria da
culpabilidade, desde a teoria normativa até a teoria finalista, para se verificar a
dicotomia erro do tipo e erro de proibição.
II – CULPABILIDADE

Dentro de uma concepção psicológica da culpabilidade, o dolo era


representação e vontade, para que os que entendiam a culpabilidade como
simples nexo psíquico. Assim a culpabilidade era ligação psicológica entre o
agente e o seu fato e estaria no psiquismo do agente.

Posteriormente, com as ideias trazidas por Frank, em 1907, lançaram-


se as bases da denominada ¨teoria normativa da culpabilidade¨, introduzindo-
se no conceito de culpa a reprovabilidade do ato praticado.

Para ser culpável não bastava que o fato fosse doloso, ou culposo, mas
era preciso que, além disso, seja censurável ao autor. Sendo assim o dolo e a
culpa deixaram de ser espécies de culpabilidade e passaram a ser elementos
dela. A culpabilidade era um juízo de reprovação ao autor do ato composto dos
seguintes elementos: imputabilidade, dolo ou culpa stricto sensu(negligência,
imprudência, imperícia); exigibilidade, nas circunstâncias de um
comportamento conforme ao direito. O dolo era visto como voluntariedade,
previsão e consciência atual do ilícito, que presentes possibilitam o juízo de
censura de culpabilidade.

No entanto, Hans Welzel, professor da Universidade de Göttingen, e


mais tarde da Universidade de Bonn, entendeu que o dolo faz parte da ação
humana e não do juízo de culpabilidade. O dolo e a culpa stricto sensu foram
extraídos da culpa e inseridos no conceito de ação, incluídos no tipo legal do
crime. Há, pois, tipos dolosos e tipos culposos.

Do dolo foi retirada a consciência da ilicitude, fazendo-se alteração no


entendimento quanto a consciência potencial da ilicitude, ficando o dolo do
tipo e a culpabilidade assim reduzidos:

dolo do tipo:

- intencionalidade, que é igual a finalidade da ação(elemento volitivo);

-previsão do resultado(elemento intelectual).

culpabilidade

- imputabilidade;

-consciência potencial da ilicitude;

-possibilidade e exigibilidade, nas circunstâncias, de um agir de outro


modo;

- juízo de censura do autor por não ter exercido, quando podia, esse
poder-agir de outro modo.
Assim a culpabilidade é entendida como um juízo valorativo, um juízo
de censura que se faz ao autor de um fato criminoso. Esse juízo terá por
objetivo o agente do crime e sua ação criminosa enquanto que o dolo está no
objeto da valoração, sendo um elemento necessário do tipo doloso.

Em síntese, na matéria, disse Miguel Reale Jr.[13] que a culpabilidade é


um juízo de reprovação relativo à formação dessa vontade enquanto que a
antijuridicidade é o caráter de comportamento dotado de sentido axiológico
negativo, de forma que este deflui da vontade axiológicamente negativa.

Ainda é Miguel Reale Jr.[14] quem nos ensina que dentro do quadro da
culpabilidade, a não exigibilidade é um juízo de valor sobre a formação do
querer do agente e encerra, primeiramente, a valoração da situação na qual é
necessária a presença de necessários requisitos objetivos e, posteriormente, a
avaliação da opção realizada em função que, naquela situação, assume
relevância, perante um juízo de direito como deve ser.

III – O ERRO DO TIPO E O ERRO DE PROIBIÇÃO

O erro é a falsa percepção da realidade, que pode recair tanto sobre


elementos constitutivos do tipo como da ilicitude do comportamento.

Ilicitude de um fato é a correlação de contrariedade que se estabelece


entre esse fato e a lei, norma escrita elaborada pelo Parlamento, órgão
legislativo no Brasil.

O certo é que, a teor do artigo 21 do Código Penal, é inescusável o


desconhecimento do injusto. Assim são erros inescusáveis:

a) Erros de eficácia, que são os que versam sobre a não aceitação da


legitimidade de um determinado preceito legal, na suposição de que contraria
outro preceito;

b) Erros de vigência: quando o autor ignora a existência de um preceito


legal, ou ainda não teve tempo de conhecer uma lei;

c) Erros de subsunção: quando o erro faz com que o agente se


equivoque sobre o enquadramento legal da conduta;

d) Erros de punibilidade: quando o agente sabe ou podia saber que faz


algo proibido, mas imagina que não há punição para essa conduta.

A falta de consciência de ilicitude não pode ser confundida com


ignorância da lei.

A partir disso é mister fazer a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.


Abordou-se que o erro pode recair sobre um elemento constitutivo de
um fato típico como ainda sobre a ilicitude de um comportamento.

Quando o erro incide sobre um elemento constitutivo do tipo legal ele é


um erro do tipo. Se ele incide sobre a ilicitude da ação há o que se chama de
erro de proibição.

Afasta-se a dicotomia do erro sobre o fático e o jurídico, mudando-se o


foco para a solução do problema.

É mister citar a lição de Francisco de Assis Toledo [15] coloca-se a


distinção entre tipo e antijuridicidade(ou ilicitude). O erro ou recai sobre
elementos ou circunstâncias integrantes do tipo legal do crime(fático ou jurídico
normativos, ora recai sobre a ilicitude da ação. Assim, no primeiro caso, tem-se
erro sobre elementos ou circunstâncias do tipo, o erro do tipo. Na segunda
hipótese, tem-se erro sobre a ilicitude do fato real, o erro de proibição.

É correto fazer a distinção entre tipo e ilicitude com a correspondente


distinção entre erro do tipo(artigo 20 do CP) e erro de proibição.

São exemplos de erro do tipo:

a) no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a autoria


de um fato definido como crime porque acredita, de forma sincera, que tenha
sido o mesmo praticado. O agente desconhece a elementar típica falsamente,
uma condição do tipo. Assim se o agente não sabia que a imputação era falsa,
não agiu com dolo de caluniar, excluindo-se a tipicidade;

b) no delito de corrupção ativa(artigo 333 do CP), ser o agente passivo


¨funcionário público¨ constitui elemento essencial do tipo, constando o conceito
de funcionário público da lei(artigo 327). Quem oferece propina, para a prática
de ato de ofício, a um empregado de entidade autárquica, ou paraestatal,
supondo que essa espécie de empregado não se reveste da qualidade de
funcionário público, incorre em erro do tipo;

c) No crime de furto(artigo 155 do CP) dois elementos do tipo são a


coisa e a circunstância de ser alheia. Quem se apodera de um cheque ao
portador, seja por supor que não se trata de coisa ou ainda por entender que
lhe pertence, incorre em erro do tipo;

d) No crime de desacato, se o agente desconhece que a pessoa contra


a qual está agindo com desrespeito é funcionária pública, imaginando tratar-se
de pessoa comum, não pratica o desacato, por não haver dolo de desacatar,
podendo incidir no crime de injúria verbal;

e) Em crime previsto na lei de drogas, se o agente tem cocaína em


casa, supondo-se tratar de outra substância inócua, pratica erro do tipo;
f) Em crime de homicídio, se um caçador dispara uma arma sobre um
objeto escuro, imaginando-se tratar-se de um animal, e atinge uma pessoa,
incide em erro do tipo;

O dolo, sabe-se, compreende a vontade e a consciência em realizar o


tipo penal e se o agente errou sobre algum dos elementos do tipo, desaparece
o dolo, há causa de exclusão da tipicidade.

O erro do tipo essencial exclui o dolo, mas permite a punição pelo


crime culposo, se previsto em lei, não se falando em culpabilidade.

O erro do tipo essencial é o que recai sobre algum elemento do tipo,


sem o qual o crime deixa de existir. Quem se apodera de coisa alheia móvel,
pensando ser um objeto que lhe pertence, erra sobre um elemento do tipo, sem
o qual o crime deixa de existir. Não comete furto algum. O erro é escusável.

Diferente é aquele que supondo matar A, mata B, por engano. É erro


acidental, sendo irrelevante ser a vítima A ou B, bastando matar um ser
humano, sendo que o crime não deixa de existir.

Fala-se num erro do tipo permissivo, que ocorre quando o objeto do


erro for um pressuposto de uma causa de justificação. Para os adeptos da
teoria limitada da culpa essa é a hipótese a tratar no que concerne às
descriminantes putativas, do que se lê do artigo 20, parágrafo único, do Código
Penal.

Por sua vez, o erro de proibição, na redação que foi dada ao artigo 21,
caput, e parágrafo único, do Código Penal, pela Lei 7.209/84, Parte Geral,
assim está previsto: ¨O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a
ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena: se evitável, poderá diminuí-la de
um sexto a um terço. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite
sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas
circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.¨

Correto o entendimento de que no erro de proibição há três elementos


fundamentais: a lei, o fato e a ilicitude. A lei como proibição, o ente abstrato; o
fato como ação, entidade material; a ilicitude como relação de contrariedade
entre o fato e a norma.

O erro de proibição exclui a culpabilidade.

O projeto do Código Penal, voltando-se para um pluralismo que


inexistia, por certo, à época do Código Penal de 1940, erigido no Estado Novo,
e a reforma de sua Parte Geral, de 1984, ao final da ditadura militar, no caso de
crimes de índios, defende que se trata de erro de proibição, quando o índio
pratica o fato agindo de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu
povo(artigo 36). Seria um erro de proibição culturalmente condicionado, que
exclui a culpabilidade. Assim disseram Zaffaroni e Pierangeli: [16]
¨Muito embora existe delito que o silvícola pode entender perfeitamente,
existem outros cuja ilicitude ele não pode entender, e, em tal caso, não existe
outra solução que não a de respeitar a sua cultura no seu meio, e não interferir
mediante pretensões de tipo etnocentrista, que escondem, ou exibem, a
pretendida superioridade da nossa civilização industrial, para destruir todas aas
relações culturais a ela alheias.¨
Correto o entendimento dos que entendem que ou seria reconhecida
uma exculpação por fato de consciência ou ainda por reconhecimento da figura
do autor por convicção.

É sabido que o autor comum é aquele que está normalmente em


contradição consigo mesmo e reconhece, desta forma, a norma que viola. Por
sua vez, o autor por convicção e o autor de consciência não estão em
contradição consigo próprios, uma vez que agem segundo as suas
convicções, a sua consciência, consoante a sua visão de mundo, e assim
rejeitam a ordem jurídica, por entenderem ser contrária aos seus
entendimentos, às suas crenças e aos seus princípios éticos e morais. Sendo
assim o autor por convicção tem consciência do caráter proibitivo do ato, mas
em nome de uma certa convicção política, religiosa ou social, nega a natureza
criminosa do comportamento que leva a cabo, substituindo à sua a valoração
legal, como ensina Eduardo Correia.[17]

Seja como for, a mensagem do projeto parece ser de que os índios


devem ter a sua forma de organização social, política e jurídica respeitadas,
mas coloca a oposição entre o índio e o homem branco, o que se distancia
do direito penal liberal, em sua tradição, que se afirma cega a determinadas
características contingenciais.

Ademais, fica nítido no Projeto, quando se estuda esses crimes


praticados pelos índios, sob o enfoque de um erro de proibição, a questão,
para muitos perigosa, do chamada culpabilidade da personalidade ou de
pessoa. Para Figueiredo Dias[18], considerado o pai do código penal português,
culpa da pessoa é a violação pelo homem do dever de conformar o seu existir
por forma a que, na sua atuação de vida, não viole ou ponha em perigo bens
juridicamente protegidos.

Assim a falta de consciência da ilicitude do fato irá excluir a


culpabilidade. Porém, quem agir sem a consciência da ilicitude, quando podia e
devia ter essa consciência, age com culpa.

Há o erro de proibição direto que ocorre quando o agente desconhece


a norma proibitiva ou a conhece mal ou ainda por desconhecer a sua
verdadeira incidência.

Ainda temos como erro de proibição escusável, o erro de


mandamento(erro mandamental), quando o agente se encontra em posição de
¨garantidor¨, diante de situação de perigo de cujas circunstâncias fáticas tem
perfeito conhecimento, omite a ação que lhe é determinada pela norma
preceptiva, envolvendo um dever jurídico de impedir um resultado, supondo
que não tem o dever jurídico de agir para impedir o resultado, por erro
inevitável. O tutor, supondo já ser um pesado ônus ter aceitado os encargos da
tutela, pensa não estar obrigado a arriscar a sua própria vida para salvar o
irrequieto pupilo que está se afogando, num exemplo trazido por Francisco de
Assis Toledo.[19]

No erro de proibição indireto o agente erra sobre a existência ou sobre


os limites de uma causa de justificação. Ele sabe que pratica um fato em
principio proibido, mas supõe, por erro inevitável, que, nas circunstâncias, milita
a seu favor uma norma permissiva prevalente.

Veja-se a diferença: no erro de proibição indireto, o engano incide


sobre o entendimento da norma excludente da ilicitude, seja quanto à
existência dela, seja quanto aos seus limites jurídicos. É o exemplo da
chamada legítima defesa da honra, no que concerne ao erro de proibição sobre
os limites objetivos e subjetivos de uma causa de justificação. Há caso do
exemplo da ultrapassada e censurável ideia da defesa da honra, quando o
agente mata o cônjuge ao surpreendê-lo em flagrante adultério

Há ainda exemplo de erro de proibição quanto a existência ou sobre


os limites de causa de justificação quando há a prática de um furto, supondo
estar o agente da subtração em estado de necessidade, uma vez que está
desempregado e com dificuldades financeiras. Ora, estado de precisão não é
estado de necessidade.

São hipóteses de erro sobre a ilicitude do fato.

A eles poderemos somar como casos de erros de proibição:

a) matar uma pessoa gravemente enferma, a seu pedido, para livrá-la


de um mal incurável, supondo o agente que a eutanásia é permitida;[20]

b) vender o relógio que recebeu para conserto depois de escoar-se o


prazo em que o proprietário deveria apanhá-lo,supondo o sujeito que a lei
permite a venda para pagamento dos serviços dos reparos;

c) vender mercadoria do empregador para se pagar de salários


atrasados;

d) a exibição de um filme pornográfico quando o agente supõe lícita


sua conduta por ter sido liberado pela censura.

O Projeto do Código Penal manteve o erro do tipo como estava na Lei


7.209/84.

O Projeto, outrossim, extirpa a redação que era dada ao artigo 21 que


ainda proclama a vigência do vetusto brocardo error iuris nocet, dificultando o
reconhecimento prático da figura do erro de proibição.
Todavia, na redação que é dada ao artigo 35, § 1º, do Projeto, onde se
observa que no erro de proibição evitável, o agente responderá pelo crime,
sem dúvida, uma expressão coloquial que se distancia da definição científica
que se deve dar ao texto da lei penal. Correto afirmar que no erro de proibição
evitável, a pena será reduzida de forma obrigatória, diferentemente do que se
lê na redação atual do artigo 21, ¨poderá¨.

Aliás, essa evitabilidade do erro de proibição deverá levar em conta de acordo


com as qualidades e defeitos do sujeito, sem levar em conta um padrão médio
que se dê de comportamento.

IV – DESCRIMINANTES PUTATIVAS

Como bem advertiu Júlio Fabbrini Mirabete[21], diante dos termos do


que reza a parte geral do Código Penal, com a redação dada pela Lei 7.209/84,
há controvérsia séria sobre a sua natureza jurídica. Para a teoria limitada da
culpabilidade, as descriminantes putativas constituem-se em erro do tipo
permissivo, excluindo o dolo, isto é, ocorrendo quando o objeto do erro for
pressuposto de uma causa de justificação, que excluem a antijuridicidade,
excluem o crime. Para essa teoria, não age dolosamente quem supõe,
justificadamente, pelas circunstâncias de fato, que esta praticando um ato
típico, em legítima defesa, em estado de necessidade, etc. Para a teoria
extremada da culpabilidade(normativa pura), trata-se de um erro de proibição,
razão pela qual se exclui a culpabilidade.

Essa a melhor concepção, que tem apoio de Júlio Fabbrini Mirabete.[22]

Apesar disso considero a teoria limitada como dominante no direito


brasileiro, como se lê da redação da Exposição de Motivos, item 17.

Nessa linha de pensar trago o entendimento de Francisco de Assis


Toledo[23]:

¨Embora a sede das descriminantes putativas seja o § 1º do art.


20 inicialmente citado (¨......que, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias impõe situação de fato que, se existisse tornaria a ação
legítima¨) pensamos que tal preceito não é exaustivo, não esgota as hipóteses
das descriminantes imaginárias. Percebe-se, com efeito, claramente, que esse
preceito, completado pela parte final do parágrafo(¨não há isenção de pena
quando o erro deriva de culpa o fato é punível como crime culposo¨), aplica-se
apenas ao erro do tipo permissivo¨excludente do dolo, não ao erro excludente
da censura da culpabilidade, tanto que se permite a punição a título de culpa
stricto sensu (esta é, aliás, a posição da teoria limitada da culpabilidade, que
adotamos).¨
No entanto, o próprio Francisco de Assis Toledo [24] observa que as
descriminantes putativas (erro que recai sobre uma causa de justificação) não
se limitam às hipóteses de exclusão do dolo, mas apresentam-se, por vezes,
com pretensão à exclusão da censura da culpabilidade. O erro sobre uma
causa de justificação pode recair sobre os pressupostos fáticos, mas sobre os
limites, ou a própria existência, de uma causa de justificação(supor estar
autorizado).

Correta a posição de Alcides Munhoz Neto [25] para quem o erro nas
descriminantes putativas é sempre erro de proibição. Disse ele:

¨A ausência do dolo por não representação da tipicidade não pode ser


afirmada nos casos de invencível erro sobre circunstâncias de fato, que
tornaria a ação legítima, isto é, nas hipóteses das descriminantes putativas
fáticas. Quem, v.g, lesa corporalmente outrem, porque se imagina por ele
injustamente agredido, tem representação da tipicidade de seu proceder; sabe
que está a praticar a ação correspondente à definição típica de lesão corporal,
ou seja, que ofende a integridade corporal e saúde de outrem; supõe, porém,
que sua conduta é lícita, porque a tem como amparada por uma causa legal de
exclusão da antijuricidade(legítima defesa). Desta forma, a eficácia do erro de
fato só pode ser atribuída à ignorância da antijuridicidade.¨
Guilherme de Souza Nucci [26] defende a teoria extremada da
culpabilidade.

Assim para a teoria extremada da culpabilidade todo e qualquer erro


que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição.

O agente, em decorrência da situação de fato, supõe que sua conduta


é lícita, mas age com dolo, que é a mera vontade de concretizar os elementos
do tipo, não se fazendo indagação a respeito da antijuridicidade da conduta. O
sujeito age com dolo, mas sua conduta não é considerada como reprovável por
não ter consciência da ilicitude de sua conduta.

Se o erro do tipo exclui sempre o dolo, quer seja inevitável ou evitável;


se o erro do tipo é evitável, mas não se evitou, há que se investigar a
possibilidade de um crime culposo. Por sua vez, o erro de proibição exclui a
culpabilidade somente quando inevitável.

Luiz Flávio Gomes[27] justifica o tratamento do erro do tipo permissivo,


nas chamadas descriminantes putativas,em separado, do artigo 20, § 1ª,
afirmando ser ele um erro sui generis, situado entre o erro do tipo e o erro de
proibição indireto. Assim o erro não afeta o conhecimento do tipo, mas leva o
autor supor que a norma proibitiva é afastada excepcionalmente diante de uma
norma permissiva.

Muito ainda há que se discutir sobre as descriminantes putativas, que


surgem, no dia a dia, da vida, tal a riqueza dos exemplos que o cotidiano nos
dá.

O Projeto do novo Código Penal inova ao proclamar que o erro do tipo


permissivo, que não mais poderá ostentar esse nome, segundo a redação
proposta, não exclui a punição pelo delito doloso, e submete-se às regras do
erro de proibição, excluindo-se, se inevitável, a culpabilidade. Filia-se o Projeto
a chamada teoria extremada da culpabilidade.

A discussão não para por aqui.

O Projeto considerou caprichosa[28] a distinção entre o erro que recai


sobre a existência jurídica ou sobre a extensão de uma causa de justificação e
o erro que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação.
Considerou-se a solução atual do Código Penal, nos termos em que está a Lei
7.209/84, um verdadeiro artificialismo, pois o autor embora se tenha
comportado dolosamente, responderá por crime culposo. Como será por
exemplo se o autor erra no disparo? Por certo, não há falar em tentativa em
crime culposo.

Mesmo diante da nova opção legal há, sem dúvida, um abismo no


tratamento que é dado àquele que se crê autorizado pela ordem jurídica a
disparar mortalmente contra o ladrão em fuga que furtara um boné e aquele
que dispara por pensar que o ladrão que o assalta retirou uma arma no bolso,
quando na verdade se tratava de uma lanterna. No primeiro caso, há nítido
excesso de causa justificadora, que elidiria o crime, não representando um
direito, mas um benefício, que a lei, em condições de interpretação restrita, lhe
dá.

Os que entendem ao contrário defendem os termos da redação dada


pela reforma de 1984, que alterou o regime jurídico da teoria do erro, ao
considerar que o erro do tipo permissivo exclui a punição por crime doloso.

NOTAS
[1]
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, 4ª
edição, São Paulo, ed. Saraiva, pág. 206.
[2]
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 3ª edição, Rio de
Janeiro, Forense, 1955, volume I, t..2, pág. 290 a 291.
[3]
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte geral, São
Paulo, Bushatsky, 1976 a 1983, pág. 213.
[4]
Nelson Hungria, em seu Direito Penal, tomo I, pág. 379, entendeu
que a teoria diferenciadora não se aplicava ao direito brasileiro.
[5]
Para Francisco de Assis Toledo(obra citada,pág. 184), ao estudar o
balanceamento dos bens e interesses em conflito, entende que afasta-se
qualquer possibilidade de justificação de sacrifício do bem maior para salvação
do bem menor, transferindo-se, nesta última hipótese, a solução para o juízo de
culpabilidade.
[6]
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 7ª edição, São
Paulo, Atlas, volume I, pág. 171.
[7]
Essa teoria foi adotada no Código Penal Militar(artigos 39 a 43).
[8]
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 3ª edição, Rio de
Janeiro, Forense, 1955, volume I, t. 2, pág. 298 a 299.
[9]
Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador
Adriano Marrey, que foi comentada por Francisco de Assis Toledo, obra citada,
pág. 208 e 209, e ainda pó Paulo José da Costa Júnior, Código Penal e sua
interpretação jurisprudencial, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, pág. 45.
[10]
HOFFBAUER, Nelson Hungria. A legítima defesa putativa, Rio de
Janeiro Livraria Jacinto, 1936.
[11]
BRUNO, Aníbal. Direito Penal, 3ª edição, Rio de Janeiro,
Forense, 1967, tomo II, pág. 253.
[12]
BRUNO, Aníbal, Direito Penal, 3ª edição, Rio de janeiro, Forense,
1967, tomo II, pág. 126.
[13]
REALE Jr,Miguel. Teoria do delito, São Paulo, RT, 1988, pág. 86.
[14]
REALE Jr, Miguel. Teoria do delito, São Paulo, RT, 1988, pág. 153.
[15]
TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada, pág. 267.
[16]
ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual
de direito penal brasileiro, volume I, parte geral, 6ª edição, São Paulo, RT,
2006, pág. 554 e 555.
[17]
CORREIA, Eduardo. Direito criminal, volume II, Coimbra, Almedina,
1965, pág. 331.
[18]
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Liberdade – Culpa – Direito Penal,
pág. 118.
[19]
TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal. São Paulo,
Saraiva, 1977, pág. 65.
[20]
Necessário distinguir a eutanásia, da ortotanásia e da distanásia. A
ortotanásia, prevista na Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de
Medicina, é o processo pelo qual se opta por não submeter um paciente
terminal a procedimentos invasivos que adiam sua morte, mas ao mesmo
tempo, comprometem sua qualidade de vida. Por sua vez, a eutanásia
corresponde a prática de interromper a vida de um paciente com doença em
estágio irreversível(é crime). A distanásia se refere ao adiamento da morte do
indivíduo, geralmente pela utilização de fármacos e aparelhagens que, muitas
vezes, ocasionam um sofrimento desnecessário. Na ortotanásia o sujeito não
possui dolo de atingir o bem jurídico vida, havendo atipicidade de conduta. É a
eutanásia passiva.
[21]
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 7ª edição, parte
geral, volume I, pág. 197.
[22]
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Obra citada,pág. 197.
[23]
TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada, pág. 272 a 273.
[24]
TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada ,pág. 273 a 274.
[25]
MUNOZ NETO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria
penal,Rio de Janeiro, Forense, 1978, pág. 112.
[26]
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 4ª edição,
São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008.
[27]
GOMES, Luis Flávio. Erro do tipo e erro de proibição, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1992, pág. 114.
[28]
Relatório, pág. 220.

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