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1. Introdução.
Tradicionalmente, atribui-se à coesão o papel de estrutura sintática de um texto.
A gramática tradicional concebe a coesão como um recurso sintático de formar a tessitura
de um texto, por meio do uso das conjunções, pronomes ou mesmo, no caso da coesão
referencial, o uso de substitutos para determinados referentes do texto, sendo um fator
essencial para a textura.
2. Definição de coesão.
Conforme Marcuschi, a coesão não é nem suficiente nem necessária para a
textualidade, embora seja um princípio constitutivo do texto1. Ou seja: um texto pode não
conter elementos linguísticos que possam explicitar o processo de coesão e ainda assim
ser um texto. É possível ver isso com clareza no texto de Ricardo Ramos, abaixo:
Circuito fechado.
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de
barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo,
pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos,
caneta, chaves, lenço. Relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos, jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires,
prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro,
papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, blocos de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída,
vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis,
telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa,
cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de
filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia. Água. Táxi, mesa, toalha,
cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de
dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno,
externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta,
telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço
de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos,
talheres, copos, guardanapos. Xícaras. Cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor,
poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água.
Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.
Fonte: Os melhores contos brasileiros de 1973. Porto Alegre: Editora globo, 1974 pp. 169-175
1
2012, p. 53
1
SIBB– Língua Portuguesa II Prof.: Pr Francisco Neto
O texto não apresenta uma continuidade superficial (não tem conjunções ou
pronomes fazendo as conexões entre as sentenças). Pelo conceito tradicional de coesão,
esse não seria considerado um texto. Porém, é possível entendê-lo! Mas como? Bem, isso
é possível porque o texto, por meio de suas escolhas léxicas, está montando cenários
familiares do dia-a-dia da maior parte das pessoas.
João vai à padaria. A padaria é feita de tijolos. Os tijolos são caríssimos. Também os mísseis são
caríssimos. Os mísseis são lançados no espaço. Segundo a Teoria da Relatividade, o espaço é curvo. A
geometria rimaniana dá conta desse fenômeno.
Fonte: MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008 p.107
Assim, finalizamos mostrando que, apesar de não ser nem necessária nem
suficiente, a coesão textual possui sua relevância na produção e recepção textual. Koch
afirma que “o conceito de coesão textual diz respeito a todos os processos de
sequencialização que asseguram (ou torna irrecuperável) uma ligação linguística
significativa entre os elementos que ocorrem na superfície do textual”.2
3. Mecanismos de coesão.
a. Coesão referencial.
Chama-se de coesão referencial o mecanismo textual onde um componente da
superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s) do universo textual. Quando isso
ocorre, o termo que é retomado é chamado de referente textual. O elemento que faz a
retomada é chamado de forma referencial.
2
KOCH Apud MARCUSCHI, 2008.
2
SIBB– Língua Portuguesa II Prof.: Pr Francisco Neto
Formas de coesão referencial
Referência pronominal
Endófora Exófora
recupera o Antecipa o
referente referente
b. Coesão sequencial.
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2018, p. 49
3
SIBB– Língua Portuguesa II Prof.: Pr Francisco Neto
Formas de coesão sequencial
Sequenciaçãoparafrástica Sequenciaçãofrástica
→ Progressãotemática
→ Repetiçãolexical
→ Encadeamentopor justaposição
→ Paralelismos
• Marcadores espaciais
→ Paráfrases
• Marcadores conversacionais
→ Recorrência de tempo
→ Encadeamentopor conexões
verbal
• Relações lógico-semânticas
• Relações argumentativas
4. Análise.
Observe o versículo 1 da carta de Judas:
“Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago, aos chamados, amados em
Deus Pai e guardados em Jesus Cristo, a misericórdia, a paz e o amor vos sejam
multiplicados.”
Esse versículo corresponde à introdução da carta, sendo gênero carta, esta parte
é essencial. Compreende a apresentação inicial entre os interlocutores e é um modelo
socialmente estabelecido.
Assim, o uso do mecanismo de coesão referencial feito por Judas mostra que a
sua função não é só retomar o referente, mas ressignificá-lo; construindo, dessa forma,
sentido e desenvolvendo o texto.
4
Koch 1999, 2002 Apud, 2018.
4
SIBB– Língua Portuguesa II Prof.: Pr Francisco Neto
Na segunda parte do versículo, temos três particípios que também estão
funcionando como referentes, estão fazendo remissão a um referencial: (1) chamados, (2)
amados e (3) guardados. Resta saber: quem é o referencial? Para entendermos a quem se
refere, é preciso entender algo sobre o gênero carta: toda carta é um texto escrito de
alguém para alguém, ou para alguns(as). Assim, Judas está escrevendo para um grupo de
pessoas (isso é notório pelo uso do plural), mas estas pessoas não foram inseridas no texto.
Assim, temos um exemplo de referenciação exofórica: os referentes apontam para um
referencial fora do texto, que, no caso, trata-se dos irmãos aos quais Judas intenta
escrever.
Por último, vemos o pronome “vos” fazendo uma remissão anafórica ao referente
que foi recategorizado anteriormente. O pronome aí faz com que o texto, especificamente
a saudação inicial, tenha continuidade. Ou melhor, o que o autor ainda pretende dizer aos
seus interlocutores tenha continuidade.
No v.4, o recorrente uso dos verbos no tempo passado tem a função de descrever
os indivíduos que serão combatidos por Judas no decorrer da carta. De certa forma, Judas
está narrando o que eles fizeram para se tornarem alvos de seus ataques.
a) Judas quer escrever sobre a batalha pela fé, que foi dada aos santos.
b) Pois há indivíduos que estão introduzidos no meio da igreja e são perniciosos a
esta fé.
a) “da mesma sorte” (v.8) – Os exemplos anteriores servem para comparar (os
indivíduos cometem as mesmas coisas pelas quais Israel, os anjos caídos e
Sodoma foram condenados). Dai, infere-se que estes também merecem a
mesma condenação.
b) “contudo” (v.9) – o autor constrói uma argumentação: enquanto estes
perversos difamam os seres superiores, nem mesmo Miguel (um ser superior
aos homens) ousou infamar o diabo.
c) “porém” (v.10) – o argumento continua: estes difamam aquilo que não
conhecem, enquanto Miguel, que conhece a esfera angelical, não o fez.
Por último, é importante perceber como o autor constrói os tópicos que são
desenvolvidos no texto. Vamos perceber, por meio das escolhas léxicas, como isso é feito:
Nesta seção, o autor desenvolve no tópico que a perversão do que Deus disse ou
fez conduz a juízo e condenação.
A partir de 11-16 o autor vai desenvolver o tópico sobre o juízo que tais homens
sofrerão. As escolhas léxicas apontam para tal: (1) três personagens que representam a
revolta contra Deus; (2) seis metáforas que apontam para características reprováveis,
sendo a última uma ilustração do destino final deles; (3) caracterização da impiedade dos
homens que são dignas de julgamento.
5. Exercício.
Leia II Tessalonicenses 1 e aliste:
a. Os referenciais que são introduzidos no texto por Paulo.
b. Os referentes que fazem a remissão (dividi-los em catafóricos, anafóricos
e, se houver, exofóricos).
c. O desenvolvimento do texto por meio de conectores
d. O desenvolvimento dos tópicos, através de escolhas léxicas.
1. Introdução.
Focalização é a concentração dos interlocutores, no momento da interação
verbal, em apenas uma parte de seu conhecimento de mundo e compartilhado.
2. Focalização.
Observemos o capítulo 1 do evangelho de Marcos e percebamos como o autor
dá pistas para que os leitores focalizem e construam significados a partir das escolhas de
Marcos vai mostrar que esse evangelho (essa novidade atrelada a Jesus) tem
como base a teologia de Isaías, especificamente do Servo sofredor (o que Marcos vai
desenvolver ao longo do livro), e isso tem começo com o ministério de João Batista.
Quando nós lemos a fala de João no v. 7, 6 é possível entender que “após mim”
e “aquele” são elementos que apontam para frente (dêiticos) e é possível entender que o
pronome indefinido “aquele” está referenciando “Jesus”, já que ainda estamos lidando
com João Batista aqui. Jesus ainda não foi introduzido, o foco de Marcos ainda é João,
ou “a voz que clama” (v.2).
a. João Batista:
I. É introduzido como “a voz que clama no deserto”. – seu papel
profético é profético.
II. (v.4) “no deserto” e “pregando”. Marcos mostra que João
desempenhou as funções do indivíduo das profecias do A.T.,
III. (v.6) essa descrição de João tem outro papel de reafirmar sua
função profética.
b. Jesus Cristo:
I. (v.7) é introduzido por João Batista como “aquele que é mais
poderoso que eu”.
II. Se João é a “voz” e o “mensageiro”, o “aquele” que vem após
João só pode ser o “Senhor”.
III. (v.9-11) o fato de Jesus ser interceptado pelo Espírito Santo e
receber o testemunho do céu “este é meu Filho amado”, o
identifica como o Filho de Deus e “aquele” ao qual João se
referiu.
3. Relevância.
A relevância possibilita a visualização de um esboço do texto, uma vez que diz
respeito a organização dos enunciados a partir de um tópico discursivo que os amarra.
Assim, é possível perceber o avanço e a mudança dos tópicos no texto.
4. Exercício.
a. Leia a epistola de Paulo a Filemon e responda, à luz da focalização:
i. Como entender o uso que Paulo faz dos termos “filho” e do
verbo “gerei” no v.10?
ii. Como entender “útil” e “inútil” ?
iii. Como entender o v.15 e 16?
b. Identifique o hipertópico da carta e os tópicos que subjazem dele.
1. Introdução.
Os segmentos textuais (partes do texto) podem ser organizados de diversas
maneiras no processo de produção textual. Os elementos que são dispostos na
organização dos textos são chamados de marcadores textuais.
Conforme Koch, os marcadores textuais podem ter diversas funções. Entre elas,
a de relacionar elementos de conteúdo, que se dá na situação espaço/tempo, estabelecer
relações lógico-semânticas, sinalizar relações discursivo-argumentativas e, por último,
exercer função metadiscursiva.
Podemos ver que Paulo utiliza vários articuladores temporais e espaciais para
indicar seu distanciamento temporal e espacial de Jerusalém e dos apóstolos no início da
sua conversão e chamado, na carta aos Gálatas.
Em 1.13 Paulo faz uma viagem no tempo mostrando sua atuação como judeu
fervoroso, ao lutar contra o cristianismo com todas as suas forças. Ele introduz sua ideia
com um particípio que tem função temporal (ποτέ) apontando para o passado. Paulo se
distancia do seu procedimento judaico, mas o usa aqui para mostrar que sua conversão
não (o uso do aoristo aponta para um distanciamento).
Outras expressões que servem de articuladores temporais usadas por Paulo são
“decorridos três anos”, “subi a Jerusalém”, “quinze dias”, “depois, fui para as regiões da
Síria e da Cilícia”.
3. Articuladores discursivo-argumentativos.
Diferente dos indicadores de relações lógico-semântica, os operadores
discursivos-argumentativos (apesar de se utilizarem do mesmo material linguístico que o
outro) têm uma função distinta: provocar persuasão.
Conforme Koch, “estes operadores articulam dois atos de fala, em que o segundo
toma o primeiro como tema, com o fim de justifica-lo ou melhor explica-lo; contrapor-
lhe ou adicionar-lhe argumentos; generalizar, especificar, concluir a partir dele;
comprovar-lhe a veracidade; convocar o interlocutor à concordância etc”5.
Em 1.10 Paulo usa uma conjunção disjuntiva (ἢ) que tem um efeito provocativo
de convocação a concordância. A ideia de Paulo não é trazer duas alternativas, mas
5
2018, p.129
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SIBB– Língua Portuguesa II Prof.: Pr Francisco Neto
provocar seus leitores (a pergunta retórica ajuda a formular) a concordarem que Paulo
está buscando agradar a Deus. A sentença final, que é conectada por um “se” (εἰ) que traz
uma condição hipotética improvável, o que direciona a leitura das perguntas retóricas:
uma vez que Paulo buscasse a aprovação dos homens, não seria um servo de Deus.
O “Pois” (γὰρ), que é traduzido por “porém”, tem a função de anunciar uma tese
de Paulo. Quando Paulo usa o presente do indicativo, mostra que essa tese lhe é devida.
Ele se identifica com ela.
5. Exercício.
Faça uma análise detalhada dos articuladores presentes no trecho de Efésios
2,11-22
1. Introdução.
Intertextualidade é um dos temas mais estudados pela linguística atualmente.
2. Intertextualidade explícita.
6
2018, p. 142
14
SIBB– Língua Portuguesa II Prof.: Pr Francisco Neto
Em Marcos 1.2 e 3 podemos ver a intertextualidade explícita (apesar das
discordâncias quanto a citação) ao recorrer a textos do Antigo Testamento para apoiar
neles ideias que serão construídas de forma narrativa.
Ao citar Malaquias 3.1, que por sua vez recorre a Êxodo 23.20, e Isaías 40.3,
Marcos está tecendo uma temática do novo êxodo (João convocando o povo ao deserto).
O novo êxodo, que inicia no deserto com a pregação de João, aponta para o ministério do
servo sofredor (Isaías 40-55).
Lucas também cita Isaías, porém, ele usa um pouco mais do texto de Isaías para
corroborar com sua perspectiva do novo êxodo: ele abrange “toda carne” (3.1-6): o novo
êxodo não é pelo poder de Roma ou do seu expansionismo político nem por parte dos
líderes religiosos em Jerusalém. O caminho do novo Êxodo é a partir do deserto, por meio
de João Batista.
3. Intertextualidade implícita.
1. Introdução.
3. Narrativas Bíblicas.
Como podemos ver, todas os gêneros têm uma função. As narrativas não são
diferentes neste quesito. Todo texto narrativo objetiva uma finalidade que está ligada a
sua função.
7
MARCUSCHI, p. 147
8
Apud. MARCUSCHI, p. 151
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SIBB– Língua Portuguesa II Prof.: Pr Francisco Neto
Os povos do Antigo Oriente Próximos não escreviam ensaios ou tratados. Isso é
típico de nossa cultura moderna, amplamente influenciada pelo racionalismo. Eles
usavam narrativas com diversos propósitos.
a) O que é narrativa.
Há três elementos fundamentais para se compreender narrativas:
I. O autor faz seleções para compor uma narrativa. Por exemplo: os
evangelhos são composições seletivas. Os autores não têm por propósito
falar de cada aspecto da vida de Jesus. Eles são seletivos.
II. As narrativas possuem perspectivas. Cada autor possui uma perspectiva
sobre determinado evento. Ele não vai enxergar o evento da mesma
forma que outra pessoa enxergaria. Assim, quando passa a narrar, sua
perspectiva funciona como um filtro pelo qual a história vai ganhando
sentido e forma.
III. Todo texto narrativo é estruturado ou arranjado pelo seu autor. Assim,
as cenas são encaixadas propositalmente para ganhar a forma pretendida
pelo autor para que proporcione os sentidos também pretendidos e
negociados com os interlocutores.