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AULA 2

INTEGRAÇÃO DE SISTEMAS DE
GERAÇÃO

Prof. Guilherme Steilein


CONVERSA INICIAL

Caro aluno, após a introdução ao Sistema Elétrico Brasileiro na primeira


aula do nosso curso de Integração de Sistemas de Geração, nesta segunda aula,
revisitaremos os conceitos de geração hidráulica junto dos conceitos de ciclo
hidrológico, bacia hidrográfica, regulação de vazão e produção de energia elétrica.
Também abordaremos os componentes principais das centrais hidrelétricas,
especificação de turbinas e tipos de centrais. Depois, estudaremos as
características das Centrais Termelétricas, seus principais tipos de combustíveis,
seus principais esquemas de geração e cogeração, com ênfase em gás natural e
biomassa.

CONTEXTUALIZANDO

Nos últimos anos, a redução da capacidade de regularização do SIN


ocorreu concomitantemente ao aumento das restrições de confiabilidade. A
incorporação das usinas da região amazônica, altamente sazonais e a fio d’água,
aumentarão o desafio de conciliar economicidade na geração e segurança de
suprimento. Ao final do período seco, os reservatórios devem estar mais vazios
para armazenar a grande disponibilidade dessas usinas no período chuvoso e,
por outro lado, mais cheios, devido à incerteza dessa disponibilidade. Além disso,
houve um aumento da participação de usinas térmicas na expansão da matriz de
geração de energia elétrica. Assim, uma parte cada vez maior da carga deve ser
atendida, pelo menos em termos estruturais, por recursos que não estão
armazenados nos reservatórios. Dessa maneira, embora haja uma percepção de
que a capacidade de armazenamento tenha sido reduzida, isso decorre, em parte,
em função da comparação do mercado total apenas com os recursos hidráulicos,
hoje apenas uma parcela dos recursos totais que devem atender a esse mercado.

TEMA 1 – HIDROLOGIA E CONTROLE DE VAZÃO

Um bom conhecimento de hidrologia é fundamental para que haja um maior


aproveitamento dos recursos hídricos. Isso acontece porque cada projeto de
aproveitamento hídrico supõe um conjunto de condições físicas, sociais e
ambientais específicas, as quais devem ser consideradas no projeto. É por essa
razão que, dificilmente, podem ser utilizados projetos padronizados como
soluções para problemas relativos a recursos hídricos.

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1.1 Bacias hidrográficas

Bacia hidrográfica de um curso d’água é a área da superfície do solo capaz


de coletar a água das precipitações e conduzi-la ao curso d’água. A sua
determinação é feita por meio de cartas topográficas com curvas de nível e
identificação dos espigões. Para determinação das bacias hidrográficas, deve-se
considerar sempre áreas a montante do local onde se analisa o aproveitamento.
A superfície obtida é também denominada área de drenagem. Em uma visão mais
simples, a bacia hidrográfica de um rio é formada por toda a área de terra que
conduz as precipitações ao mesmo rio e a seus afluentes.

1.2 Vazão em curso d’água

Uma característica de um curso d’água importante para o seu


aproveitamento adequado é a vazão, ou seja, o volume de água que passa em
uma seção reta na unidade de tempo. Essa variável, usualmente medida em m³/s,
em conjunto com a queda d'água disponível em uma seção do rio, determinará a
potência elétrica que pode ser obtida nesse ponto. Um processo usual para
obtenção de um registro contínuo das vazões em determinada seção de um rio é
o estabelecimento da relação entre os valores da vazão e o nível d'água no rio
naquele local. É possível medir a vazão em pequenos rios utilizando um vertedor
ou uma calha medidora aferida em laboratório. Em grandes cursos d´água, a
medição de vazões com dispositivos calibrados em laboratório é impraticável.
Nesses casos, é preciso fazer uso de métodos mais apropriados, alguns
baseados na medição direta da vazão e outros na medição da velocidade do
escoamento em diversos pontos da seção reta e sua integração na mesma seção.
Dentre esses métodos, podemos citar o dos flutuadores e o dos molinetes, ambos
baseados na medição da velocidade de escoamento, devido, principalmente, à
sua facilidade de uso (dos flutuadores, principalmente para pequenos
aproveitamentos) e ao seu grande uso (dos molinetes) (Reis, 2011).
Em certos casos, é necessário calcular o volume total do escoamento de
uma bacia em um período de tempo determinado. Entretanto, é mais frequente
que um projeto exija o cálculo do valor máximo instantâneo da vazão. Para isso,
utiliza-se o fluviograma, que representa o comportamento da vazão em uma seção
reta (local) do rio ao longo do tempo. O fluviograma pode ser apresentado para
diversos períodos de tempo: dia, mês, ano ou períodos arbitrários.

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1.3 Regularização de vazões: capacidade de um reservatório

Considerando o comportamento variável das vazões no rio caso nada


tenha sido feito, apenas uma vazão muito pequena poderia ser usada na maior
parte do tempo. Em muitos casos, então, é conveniente que se armazene água
de forma a permitir o uso mais constante de uma vazão média d’água superior
àquela garantida apenas pelo comportamento natural do rio. Isso é feito por meio
de barragens de acumulação e reservatórios, os quais permitem o
armazenamento da água para uso em modo e momento mais convenientes. As
vazões médias obtidas após a instalação da barragem no rio recebem o nome de
vazões regularizadas. O processo do armazenamento de água e obtenção das
vazões regularizadas recebe o nome de regularização do rio (Reis, 2011).
A energia associada à vazão a fio d´água recebe o nome de energia
primária. A energia firme é a que pode ser garantida durante quase todo o tempo.
Para os aproveitamentos a fio d’água, a energia firme coincide com a energia
primária. Como a função primordial dos reservatórios é proporcionar a cumulação,
sua característica mais importante é o volume do reservatório. A capacidade dos
reservatórios construídos em terrenos naturais é calculada, em geral, com base
na altura máxima de operação do reservatório a partir do levantamento
topográfico. Obtidos os dados relativos ao reservatório, podem-se traçar as curvas
Área vs Altitude e Capacidade vs Altitude. A curva Área vs Altitude, que permite a
obtenção da área inundada pelo reservatório em função do nível máximo da água,
tem grande importância, pois por meio dela é possível visualizar, de forma
preliminar, parte dos impactos ambientais e sociais provocados pela obra
executada (população deslocada, inundação de áreas). É denominada vazão
firme a vazão máxima que pode ser garantida durante um período crítico de
estiagem, ou, de um outro ponto de vista, aquela vazão que pode ser garantida
praticamente durante todo um período em que a operação desse aproveitamento
não se altera. O valor dessa vazão varia ao longo da vida útil do reservatório (Reis,
2011).

1.4 Vazão regularizada

O diagrama de Rippl (ou de massa) é um gráfico onde se marcam os


volumes acumulados ao longo do tempo em uma seção reta de rio. Dessa forma,
tal diagrama é uma integração no tempo do fluviograma ou da curva de duração.

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De posse de um diagrama de massas, pode-se fazer uma análise visando o
cálculo da vazão regularizada. Esse diagrama permite a verificação de algumas
características importantes (Reis, 2011).

Figura 1 – Diagrama de Rippl

A vazão regularizada máxima é a que seria possível obter continuadamente


do reservatório, durante todo o período analisado. A tangente ao diagrama de
Rippl, em qualquer ponto, é a vazão natural afluente a seção reta do rio em
análise. Assim, na figura 1, o reservatório está se enchendo nos períodos OA e
BC e esvaziando nos períodos AB e CD (Reis, 2011).

1.5 Regularização parcial

Se dispuséssemos de um volume do reservatório menor do que o volume


do reservatório determinado na regularização total não seria possível obter a
mesma vazão regularizada o tempo todo, mas, por outro lado, teríamos menores
custos de investimentos, como na barragem, por exemplo, e menores impactos
ambientais. Entretanto, é possível obter, com o volume menor, várias vazões
regularizadas cuja média é igual a vazão regularizada total. Considerando que há
a possibilidade de interligação de usinas via sistema elétrico, a ideia é sempre
determinar a melhor solução global. Temos, então, a “melhor" operação do

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sistema de energia elétrica, interligando hidrelétricas com reservatório,
hidrelétricas a fio d’água, termelétricas, centrais solares, eólicas etc. Assim,
operando em sistemas interligados, é possível, no conjunto, superar a eventual
desvantagem de não se ter apenas uma vazão regularizada ao mesmo tempo em
que se desfruta das vantagens (custos e impacto ambiental) da regularização
parcial. Um reservatório que opera com um conjunto de vazões parciais
regularizadas apresenta várias vantagens nos mais diversos aspectos: a menor
capacidade de armazenamento diminuirá sensivelmente o custo das obras civis.
Por permitir a utilização de diversas vazões regularizadas, o reservatório possui
maior flexibilidade para operar de forma interligada ao sistema (Reis, 2011).

TEMA 2 – CENTRAIS HIDRELÉTRICAS

Até a chegada das modernas turbinas hidráulicas usadas nas hidrelétricas,


ocorreu um longo processo de desenvolvimento tecnológico. O mais antigo projeto
de usina hidrelétrica data de 1878, em Cragside (Inglaterra), a partir de um
esquema do cientista e engenheiro inglês William George Armstrong (1810 –
1900). A primeira usina hidrelétrica do mundo foi construída junto às quedas
d´água das Cataratas do Niágara, na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá,
em 1879.
O termo hidroeletricidade se refere à geração de eletricidade por meio da
conversão da energia cinética da água em energia potencial mecânica, que
acionará um conjunto turbina-gerador e, assim, produzirá eletricidade.
Essa tecnologia precisa de um investimento inicial relativamente alto,
porém, tem um longo tempo de vida útil, entre 50 e 100 anos, aliado a baixos
custos de operação e manutenção. Além disso, estamos tratando de um recurso
local (água do rio), que não é dependente das variantes do mercado, como é o
caso dos combustíveis fosseis, o que gera uma segurança financeira.
A Aneel (Aneel, 2008) classifica as centrais da seguinte maneira:
 Central Geradora Hidrelétrica (CGH – com potencial de até 1 MW);
 Pequena Central Hidrelétrica (PCH – com potencial maior do que 1 MW e
menor igual a 30 MW);
 Usina Hidrelétrica (UHE – com potencial maior que 30 MW).
Dentre os componentes existentes nas centrais hidrelétricas, podemos citar
(Aneel, 2008):

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 As Estruturas Hidráulicas – que incluem a barragem, o vertedouro, o
reservatório e as comportas d´água;
 As Turbinas – equipamentos usados para converter a energia da queda
d´água em energia mecânica. Tipicamente, uma turbina é composta por
cinco partes: Caixa Espiral, Pré-Distribuidor, Distribuidor, Rotor e Eixo e
Tubo de Sucção.

2.1 Tipos de turbinas

Os principais tipos de turbinas usadas em hidrelétricas são de impulso (ou


ação) e de reação (ou propulsão). A eficiência típica é muito alta, acima de 95%.
(Pinto, 2014).
Nas Turbinas de impulso, o trabalho mecânico é obtido por meio da energia
cinética do fluxo de água pelo rotor da turbina. São usadas preferivelmente para
quedas altas e baixas taxas de escoamento, em que toda a pressão da água é
convertida em energia cinética. Um exemplo deste tipo de turbina é a Pelton.
A turbina Pelton é considerada uma das mais eficientes turbinas
hidráulicas, tanto com eixo horizontal quanto vertical, é encontrada em unidades
de até 200 MW de potência. É indicada para uso em altas quedas d´água, na faixa
de 250 a 2.500 m, por isso é mais utilizada em relevos acidentados e regiões
montanhosas. A velocidade do jato d´água na saída do bocal da Pelton pode
chegar, dependendo da queda d´água, a algo em torno de 150 a 180 m/s. O nome
Pelton deriva de seu inventor, Lester Allan Pelton (1829-1908), que desenvolveu
tal turbina na década de 1870. (Pinto, 2014).
Nessa turbina, ao longo de sua roda, injetores distribuídos regularmente
conduzem um jato d´água que alcança tangencialmente os corpos coletores.
Existe uma regulação da potência mecânica extraída, dada por meio da ação de
válvulas de agulha dos injetores. Assim, os bocais são acionados (de forma
independente) de acordo com a potência de geração desejada. A alta velocidade
com que a água atinge o rotor da turbina pode ocasionar o problema da erosão.
Nas Turbinas de Reação, o trabalho mecânico é obtido por meio da
transformação das energias cinéticas e de pressão do fluxo de água no rotor da
turbina. São usadas para baixas e médias quedas de água. As turbinas Francis e
as Kaplan são exemplos de turbinas de reação (Pinto, 2014).
Turbina Francis: caracterizada por ter o escoamento de água em seu
interior perpendicular ao eixo da máquina (que pode ser vertical ou horizontal). O

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fluxo de água na entrada da turbina é conduzido por um tubo em espiral, aliado a
um conjunto de palhetas estáticas, forçando o escoamento a ser normal (radial)
em relação ao rotor. As turbinas Francis são melhor empregadas em quedas
d´água na faixa de 40 a 400 m, podendo operar de 10 a 650 m. Sua potência de
saída também é ampla: geralmente, de 10 a 750 MW até 1 GW. As usinas de
Itaipu, Tucuruí, Furnas e boa parte das hidrelétricas da Chesf usam turbinas
Francis, assim como a maioria das PCHs. A usina de Três Gargantas na China
utiliza 34 turbinas Francis.

Figura 2 – Uma das seis novas turbinas Francis, da hidrelétrica Grand Coulee

Fonte: Acervo Técnico.

A Turbina Kaplan é semelhante à turbina Francis, exceto pelo rotor, que foi
reduzido a um núcleo com poucas pás (duas a seis) em formato de hélice, que
giram sobre si mesma mudando os ângulos de entrada e saída. Semelhante a
uma hélice marinha, as turbinas Kaplan são mais adequadas às quedas fracas,
de 20 a 50 metros, com faixa de potência geralmente entre 30 e 250 MW. São
vistas como uma evolução das turbinas Francis, permitindo uma produção
eficiente de energia para os casos de pequenas quedas, o que não era possível
com aquelas. Kaplan e hélice são geralmente turbinas de eixo vertical, as de eixo
horizontal são chamadas de bulbo. As turbinas Kaplan são mais indicadas para

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elevado escoamento e pequenas quedas d´água. Reguladas por um distribuidor
e pela variação do ângulo de entrada de ataque das pás do rotor, elas têm um
sistema de êmbolo e manivelas instaladas dentro do cubo do rotor, que controla
a inclinação angular das pás. Turbinas Kaplan de grande porte são
individualmente projetadas para funcionar na mais alta eficiência possível. No
Brasil, as hidrelétricas de Três Marias (MG) e Barra Bonita (SP) utilizam essas
turbinas.

TEMA 3 – CENTRAIS TERMELÉTRICAS

O processo fundamental de funcionamento das centrais termelétricas


baseia-se na conversão de energia térmica em energia mecânica, e esta em
energia elétrica. A conversão de energia térmica em mecânica se dá pelo uso de
um fluído que produzirá, em seu processo de expansão, trabalho em turbinas
térmicas. O acionamento mecânico de um gerador elétrico acoplado ao eixo da
turbina permite a conversão de energia mecânica em elétrica (Reis, 2011).
A produção da energia térmica pode se dar pela transformação da energia
química dos combustíveis por meio do processo de combustão, ou da energia
nuclear dos combustíveis radioativos, com a fissão nuclear. Centrais cuja geração
é baseada na combustão são conhecidas como termelétricas, já as baseadas na
fissão nuclear são chamas de centrais nucleares (Reis, 2011).
As centrais termoelétricas (convencionais) são classificadas de acordo com
o método de combustão utilizado.
 Combustão externa: O combustível não entra em contato com o fluído de
trabalho. Este é um processo usado principalmente nas centrais
termoelétricas a vapor, nas quais o combustível aquece o fluído de trabalho
(em geral a água) em uma caldeira até gerar o vapor que, ao se expandir
em uma turbina, produzirá trabalho mecânico.
 Combustão interna: A combustão se efetua sobre uma mistura de ar e
combustível. Dessa maneira, o fluído de trabalho será o conjunto de
produtos da combustão. A combustão interna é o processo usado
principalmente nas turbinas a gás e nas máquinas térmicas a pistão
(motores a diesel).
A Figura 3, a seguir, mostra um diagrama simplificado de uma central
termoelétrica com combustão externa (a vapor).

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Figura 3 – Diagrama simplificado de uma central termoelétrica com combustão
externa

Segundo o princípio de Rankine, o vapor se expande (a pressão passa de


alta à baixa) na turbina, gerando energia. Este vapor que sai da turbina vai ao
condensador, onde o calor é retirado e se obtém líquido. O líquido é bombeado
de volta à caldeira, fechando o ciclo (Reis, 2011).

Figura 4 – Diagrama simplificado de uma central termoelétrica com combustão


externa

Os principais combustíveis usualmente aplicados nas centrais a vapor são


o óleo, o carvão, a biomassa (madeira, bagaço de cana, lixo etc.) e derivados
pesados de petróleo. Os principais combustíveis usados nas máquinas térmicas
a gás são o gás natural e o óleo diesel. No caso da central nuclear, o calor para o
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aquecimento da água não é produzido por processo de combustão, mas sim pela
energia gerada pelo processo de fissão nuclear (reação nuclear controlada em
cadeia) (Reis, 2011).
Em muitas aplicações no sistema de cogeração, centrais térmicas são
utilizadas para produção conjunta de eletricidade e vapor para uso em processos
industriais. Na produção exclusiva de energia elétrica, podemos usar como
elemento no circuito um vapor ou um gás. Na utilização de vapor, temos as
centrais a vapor de condensação, com turbinas a vapor. Na utilização do gás,
temos as centrais a gás, com motores a pistão diesel ou turbina a gás.
Quando se pretende produzir energia elétrica e vapor para processo
industrial, o elemento utilizado no circuito é a água na forma líquida em parte do
circuito e na forma de vapor na outra. Este tipo de utilização (cogeração) faz
simultaneamente a geração de energia elétrica e térmica a partir de um único
combustível, tais como gás natural, carvão, biomassa ou derivados de petróleo.
Os principais tipos, esquemas e configurações das centrais térmicas são:
 centrais a diesel;
 centrais a vapor;
 centrais a gás.

TEMA 4 – CENTRAIS TERMELÉTRICAS E GÁS NATURAL

4.1 O papel da geração termelétrica e gás natural

No Brasil, a geração termelétrica a gás natural desempenha o papel de


complementação da geração hidrelétrica e das fontes eólica e solar, além de
oferecer flexibilidade operativa ao Sistema Interligado Nacional. Essas usinas
funcionam como um seguro nos períodos de escassez hidrológica, ou nos
períodos de indisponibilidade de geração a partir dos ventos e do sol, contribuindo
para a garantia do suprimento de energia e reduzindo o risco de déficit no sistema
(Aneel, 2008).
A inserção crescente na matriz elétrica brasileira de geração renovável
intermitente (eólica e solar) requer, a longo prazo, interconexões, gerenciamento
da demanda e a contratação de potência complementar de reserva, como
hidrelétricas reversíveis ou, a curto e médio prazos, turbinas a gás, que podem
ser acionadas de forma rápida em caso de falta de ventos ou de irradiação solar
adequada. Assim, a disponibilidade do gás natural pode vir a caracterizar-se como

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uma condicionante importante no planejamento da expansão da geração de
energia (Aneel, 2008).

4.2 Potencial de geração termelétrica a gás natural

Um potencial teórico de expansão da geração elétrica a gás natural pode


ser estimado a partir do volume de combustível disponível para uso termelétrico.
Pode ser estimado um volume de 60 milhões de m³/dia para geração termelétrica
até 2030, sem que haja esforços de aumento da oferta interna de gás natural e
mantida a demanda não termelétrica nos níveis de 2014. O parque térmico a gás
natural tem 15.271 MW de potência instalada em operação e em construção,
incluindo as usinas de cogeração, sendo 6.999 MW de usinas em ciclo combinado.
Admite-se 35% de rendimento para as turbinas a gás em ciclo simples e 55% para
o ciclo combinado, de modo que a eficiência média ponderada é de
aproximadamente 42%. Assim, na hipótese de despacho máximo, o parque
instalado consumiria, em média, 85 milhões de m³/dia de gás natural. Visto que a
expansão da geração termelétrica a gás natural deve ocorrer prioritariamente com
a utilização de usinas em ciclo combinado, a eficiência média do parque instalado
tende a se aproximar de 50%. Dessa forma, a partir de um volume de 60 milhões
de m³/dia, estima-se um potencial de 112 TWh por ano. Avaliando-se a
capacidade de geração térmica a gás com o fator de capacidade variando entre
30% e70%, conclui-se que o potencial teórico de geração a partir desta fonte
localiza-se numa faixa aproximada entre 43.000 MW e 18.000 MW
respectivamente. (Tolmasquim, 2016).
Descontando-se a capacidade instalada de termelétricas e usinas de
cogeração a gás natural de 15.271 MW, o potencial teórico de expansão pode ser
estimado na faixa aproximada de 3.000 a 27.000 MW.

4.1 Desafios para a expansão termelétrica a gás natural

Incertezas como a necessidade de expansão da infraestrutura de


transporte de gás vinculada à oferta do combustível, por sua vez, condicionada a
uma demanda que pode ou não ser firme no horizonte de longo prazo, podem
afetar a expansão da geração termelétrica a gás natural e levar à necessidade de
utilização de outros combustíveis, como o óleo diesel e o carvão mineral, este
exclusivamente na base, ou outras fontes de energia. A competitividade do gás
natural em relação a outros combustíveis fósseis pode ser aumentada se forem

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aplicados limites de emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global,
visto que sua contribuição equivale a até a metade de dióxido de carbono por
unidade de energia do carvão mineral. Contudo, os impactos das emissões e dos
custos operacionais associados devem ser analisados no sistema como um todo.
(Tolmasquim, 2016).

TEMA 5 – BIOMASSA

A biomassa é uma das fontes para produção de energia com maior


potencial de crescimento previsto para os próximos anos. Tanto no mercado
internacional quanto no interno, ela é considerada uma das principais alternativas
para a diversificação da matriz energética e a consequente redução da
dependência dos combustíveis fósseis. Dela é possível obter energia elétrica e
biocombustíveis, como o biodiesel e o etanol, cujo consumo é crescente, em
substituição a derivados de petróleo, como o óleo diesel e a gasolina. Mas se,
atualmente, a biomassa é uma alternativa energética de vanguarda,
historicamente tem sido pouco expressiva na matriz energética mundial. Ao
contrário do que ocorre com outras fontes, como carvão, energia hidráulica ou
petróleo, não tem sido contabilizada com precisão. As estimativas mais aceitas
indicam que representa cerca de 13% do consumo mundial de energia primária
(Aneel, 2008).
Um dos mais recentes e detalhados estudos publicados a este respeito no
mundo, o Survey of Energy Resources (2007), do World Energy Council (WEC),
registra que a biomassa respondeu pela produção total de 183,4 TWh (terawatts-
hora) em 2005, o que correspondeu a um pouco mais de 1% da energia elétrica
produzida no mundo naquele ano. A pequena utilização e a imprecisão na
quantificação são decorrências de uma série de fatores. Um deles é a dispersão
da matéria-prima – qualquer galho de árvore pode ser considerado biomassa,
definida como matéria orgânica de origem vegetal ou animal passível de ser
transformada em energia térmica ou elétrica. Outro é a pulverização do consumo,
visto que ela é muito utilizada em unidades de pequeno porte, isoladas e distantes
dos grandes centros. Finalmente, um terceiro é a associação deste energético ao
desflorestamento e à desertificação – um fato que ocorreu no passado, mas que
está bastante atenuado. Algumas regiões obtêm grande parte da energia térmica
e elétrica que consomem desta fonte, principalmente do subgrupo madeira – o
mais tradicional – e dos resíduos agrícolas. A característica comum dessas

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regiões é a economia altamente dependente da agricultura. O estudo do WEC
mostra que, em 2005, a Ásia foi o maior consumidor mundial ao extrair da
biomassa de madeira 8.393 PJ (petajoules1), dos quais 7.795 PJ foram
provenientes da lenha. A segunda posição foi da África, com 6.354 PJ, dos quais
5.633 PJ da lenha (Tolmasquim, 2016)

5.1 Geração de energia elétrica no Brasil

A utilização da biomassa como fonte de energia elétrica tem sido crescente


no Brasil, principalmente em sistemas de cogeração (pela qual é possível obter
energia térmica e elétrica) dos setores industrial e de serviços. Em 2007, ela foi
responsável pela oferta de 18 TWh (terawatts-hora), segundo o Balanço
Energético Nacional (BEN) de 2008. Este volume foi 21% superior ao de 2006 e,
ao corresponder a 3,7% da oferta total de energia elétrica, obteve a segunda
posição na matriz da eletricidade nacional. Na relação das fontes internas, a
biomassa só foi superada pela hidroeletricidade, com participação de 85,4%
(incluindo importação). (Tolmasquim, 2016)
De acordo com o Banco de Informações de Geração da Agência Nacional
de Energia Elétrica (Aneel), em novembro de 2008 existiam 302 termelétricas
movidas a biomassa no país, correspondentes a um total de 5,7 mil MW
(megawatts) instalados.
Do total de usinas relacionadas, 13 são abastecidas por licor negro (resíduo
da celulose) com potência total de 944 MW; 27 por madeira (232 MW); três por
biogás (45 MW); quatro por casca de arroz (21 MW) e 252 por bagaço de cana (4
mil MW). Uma das características desses empreendimentos é o pequeno porte
com potência instalada de até 60 MW, o que favorece a instalação nas
proximidades dos centros de consumo e suprimento (Aneel, 2008).
Dentre as fontes de biomassa, a cana-de-açúcar é um recurso com grande
potencial para geração de eletricidade existente no país, por meio da utilização do
bagaço e da palha. A participação é importante não só para a diversificação da
matriz elétrica, mas também porque a safra coincide com o período de estiagem
na região Sudeste/Centro-Oeste, onde está concentrada a maior potência
instalada em hidrelétricas do país. A eletricidade fornecida neste período auxilia,
portanto, a preservação dos níveis dos reservatórios das UHEs (Tolmasquim,
2016).

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Vários fatores contribuem para o cenário de expansão. Um deles é o
volume já produzido e o potencial de aumento da produção da cana-de-açúcar,
estimulada pelo consumo crescente de etanol. Em 2007, inclusive, foi a segunda
principal fonte primária de energia do país: os derivados da cana-de-açúcar
responderam pela produção de 37,8 milhões de toneladas equivalentes de
petróleo (tep), um aumento de 14,7% em relação a 2006, diante de uma produção
total de 33 milhões de tep. De acordo com estimativas da Unica (União da
Indústria de Cana-de-açúcar de São Paulo), em 2020 a eletricidade produzida
pelo setor pode representar 15% da matriz brasileira, com a produção de 14.400
MW médios (ou produção média de MWh ao longo de um ano), considerando-se
tanto o potencial energético da palha e do bagaço quanto a estimativa de
produção da cana, que deve dobrar em relação a 2008, e atingir 1 bilhão de
toneladas (Tolmasquim, 2016).
Segundo o Plano Nacional de Energia 2030 (Brasil, 2007), “o maior
potencial de produção de eletricidade encontra-se na região Sudeste,
particularmente no Estado de São Paulo, e é estimado em 609,4 milhões de giga
joules (GJ) por ano. Na sequência estão Paraná (65,4 milhões de GJ anuais) e
Minas Gerais (63,2 milhões de GJ anuais)”.
A evolução da regulamentação, da legislação e dos programas oficiais
também estimulam os empreendimentos. Em 2008, novas condições de acesso
ao Sistema Interligado Nacional (SIN) foram definidas pela Aneel, o que abre
espaço para, principalmente, a conexão das termelétricas localizadas em usinas
de açúcar e álcool mais distantes dos centros de consumo, como o Mato Grosso.
Além disso, um acordo fechado entre a Secretaria de Saneamento e
Energia de São Paulo, a transmissora Isa Cteep, a Unica e a Associação Paulista
de Cogeração de Energia, estabelece condições que facilitam o acesso à rede de
transmissão paulista e a obtenção do licenciamento ambiental estadual. A
iniciativa pode viabilizar a instalação de até 5 mil MW pelo setor sucro-alcooleiro.
Em novembro de 2008, dos 19 empreendimentos termelétricos em construção
relacionados no BIG da Aneel, cinco são movidos a biomassa e, destes, um a
bagaço de cana-de-açúcar. Mas, para as 163 unidades já outorgadas, com
construção ainda não iniciada, 55 serão movidas à biomassa, sendo quase
metade (30) à cana-de-açúcar. As demais serão abastecidas por madeira, carvão
vegetal, licor negro, casca de arroz e biogás.

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FINALIZANDO

A constante evolução das restrições na construção de novas usinas para


atendimento à crescente demanda do SIN impõe novos desafios à sua operação.
O atendimento de objetivos conflitantes, como geração ao menor custo e geração
com menor risco de não atendimento, ficará cada vez mais difícil. Por um lado, o
pleno aproveitamento da energia a ser gerada pelas usinas hidráulicas da região
amazônica dependerá de um deplecionamento mais intenso dos reservatórios ao
longo do período seco, ao passo que a segurança de atendimento após o período
chuvoso dependerá de reservatórios mais cheios. Além disso, novas usinas
termelétricas movidas a gás natural e a biomassa surgem a todo o instante.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Empresa de Pesquisa Energética. Plano Nacional de Energia 2030. Rio


de Janeiro: EPE, 2007. Disponível em:
<http://www.epe.gov.br/PNE/20080111_1.pdf>. Acesso em: 25 set. 2017.

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. Atlas da Energia Elétrica do


Brasil. Brasília, DF: Aneel, 2008. Disponível em:
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