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SER-TÃO BAIANO
Cláudia Pereira Vasconcelos
Este trabalho visa discutir como o propagado texto identitário da baianidade se construiu
de modo a suprimir a visibilidade de uma presença rural/sertaneja em um estado culturalmente
muito plural e do qual 70% do território é classificado como semiárido. Apresenta resultados de
uma pesquisa sobre o assunto realizada em 2007 e, de forma breve, se propõe a pensar na atua-
lização do tema a partir da questão: estariam hoje a baianidade e a sertanidade no mesmo lugar?
Para compreender tais reflexões, dialoga com autores e experiências que atravessam a temática.
suas políticas estaduais de cultura e turismo,2 desenvolvimento; por isso mesmo, não in-
constituindo-se, por sua vez, numa poderosa tegraria ao seu discurso identitário questões
estratégia para alavancar a economia local que pudessem associá-la à região da qual
a partir da representação da singularidade faz parte geograficamente: o Nordeste, um
como motivação para o consumo do entre- território concebido historicamente como
tenimento. Neste período, que vai aproxima- sinônimo de sertão, que por diversas razões
damente dos anos 1970 até o ano de 2006, a também foi construído no imaginário nacio-
permanência no poder de um mesmo grupo nal como representação de pobreza, analfa-
político, liderado por Antônio Carlos Maga- betismo, seca e violência, entre outros signos
lhães, foi determinante para a legitimação da associados ao passado e ao atraso (ALBU-
baianidade, bem como o azeitamento realiza- QUERQUE JÚNIOR, 2003).
do pela mídia local, especialmente pela Rede Para melhor compreender essa constru-
Bahia, de propriedade da família Magalhães, ção histórica do conceito de sertão e as formas
retransmissora da Rede Globo na Bahia. Essa de utilização dos seus múltiplos sentidos na
lógica política e midiática conseguiu construir construção da brasilidade, o estudo adentrou
um texto unificador em torno da ideia de Bah- um contexto mais amplo, entre o final do sécu-
ia, por meio de uma eficaz estratégia da positi- lo XIX e o início do século XX, quando o projeto
vidade pela qual se recorta e evidencia aquilo de constituição da identidade nacional apre-
que interessa e se esconde ou esquece o que sentou-se como uma das principais discussões
não convém (MOURA, 2005). entre os pensadores brasileiros. Em suma, po-
Diversos estudiosos da baianidade, demos afirmar que o sertão foi ocupando lugar
entre eles Antonio Risério (1993), apontam nos discursos sobre a nacionalidade de forma
que o olhar centrado na cultura de Salvador, ambivalente e, por vezes, contraditória, sendo
“Cidade da Bahia”, deve-se ao fato de que as visto tanto como o cerne da brasilidade mais
elites tradicionais locais, após o lento pro- pura quanto como uma mancha que dificulta
cesso de declínio econômico e político que o projeto de modernização e desenvolvimen-
se inicia no final do século XVIII, sentem a to urbano gestado e implementado a partir do
necessidade de ostentar o seu passado glo- século XX. É interessante notar que, mesmo
rioso, buscando a antiga referência da capital divergentes, essas linhas de pensamento se
colonial do Brasil. Desse modo, no período fundamentaram em teorias científicas da
em que o texto da baianidade começa a ser época, de cunho evolucionista, racista e na-
elaborado – início do século XX –, a Bahia turalista. Das diversas narrativas em disputa,
ainda se encontra em crise econômica e po- dois blocos regionais destacam-se ao travar
lítica, perdendo o compasso do desenvolvi- uma batalha discursiva na afirmação de uma
mento que se verificava no centro-sul do país. brasilidade mais legítima.
Como o objetivo central desse proje- De um lado estavam os representantes
to será o de gerar recursos financeiros, a das elites do Norte/Nordeste, região que, mer-
Bahia não se deixará mostrar como mais gulhados numa longa crise política e econô-
um estado pobre que perdeu o passo do mica, buscavam reafirmar sua legitimidade
SERTÕES, IDENTIDADES E REPRESENTAÇÕES Cláudia Pereira Vasconcelos 47
Referências
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2005.
LIMA, Hanayana Fontes. Políticas culturais na Bahia: gestões de Paulo Souto (2003-
-2007) e Jaques Wagner (2007-2009). Dissertação de mestrado. Programa de
pós-graduação em cultura e sociedade da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Salvador, 2015.
MOURA, Milton. Identidades. In: RUBIM, Antonio Albino C. (Org.). Cultura e atualidade.
Salvador: Edufba, 2005.
RISÉRIO, Antônio. Caymmi: uma utopia de lugar. São Paulo: Perspectiva. 1993.
Notas
4 Refiro-me aos governos Jaques Wagner, de 2007 a 2014, e ao governo Rui Costa,
de 2015 até os dias atuais.