A aplicação do teto constitucional aos casos de acumulação
remunerada de cargos públicos à luz dos temas 377 e 384 da
Repercussão Geral do STF
Henrique Pandim Barbosa Machado
Procurador do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM/GO). Mestre em
Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC Goiás. Especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil
pela Universidade Anhanguera (UNIDERP).
Resumo: O presente trabalho expõe a controvérsia existente
na aplicação do teto constitucional remuneratório aos casos
de acumulação remunerada de cargos públicos permitidos pela
própria Constituição Federal, em especial o recente entendimento
firmado pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão
geral.
Palavras-chave: Remuneração. Teto. Acumulação de cargos.
Sumário: 1 Introdução – 2 A Constituição Federal de 1988 e o
acúmulo remunerado de cargos públicos – 3 O teto remuneratório
do artigo 37, inciso XI, da CF/88, e a sua aplicação aos casos de
acúmulos remunerados de cargos públicos – 4 Conclusão
1 Introdução
A aplicação do teto constitucional remuneratório
é tema constantemente debatido na doutrina e
na jurisprudência sob vários aspectos. Um deles,
que recorrentemente é objeto de controvérsia,
diz respeito à aplicação do teto aos casos de
acumulação remunerada de cargos públicos.
A referida acumulação, que somente ocorre
em hipóteses excepcionais expressamente
previstas no texto da Carta Constitucional, tem
por consequência o recebimento, pelo servidor, de
duas remunerações distintas, estando aí o ponto
nevrálgico da discussão.
Afinal, se as remunerações decorrem de
vínculos distintos, é preciso investigar se a
aplicação do teto constitucional deve se dar sobre
cada cargo isoladamente, ou sobre o somatório dos
valores recebidos.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal
decidiu a matéria em sede de repercussão
geral, oportunidade na qual exerceu técnicas de
interpretação constitucional para solucionar a
problemática, como se verá adiante.
2 A Constituição Federal de 1988 e
o acúmulo remunerado de cargos
públicos
Como regra geral, o constituinte optou pela
proibição da acumulação remunerada de cargos
públicos, o que se vê no caput do artigo 37 da Carta
Constitucional, in verbis:
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XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos
públicos, exceto, quando houver compatibilidade de
horários, observado em qualquer caso o disposto
no inciso XI:
Todavia, o próprio dispositivo constitucional
supratranscrito traz, em suas três alíneas, exceções
à referida regra, transcreve-se:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou
científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profis-
sionais de saúde, com profissões regulamentadas;
Desse modo, nas situações acima delineadas,
será permitida a acumulação remunerada de
cargos públicos, desde, obviamente, que haja
compatibilidade de horários (já que será preciso
efetivamente exercer as funções de ambos os
cargos, fazendo jus, dessarte, às respectivas
remunerações). Além, deverá ser observado o
disposto no inciso XI, que trata do teto remuneratório
dos servidores públicos, tema que será explorado
posteriormente.
Como se viu, o artigo 37, inciso XVI, da CF/88,
trata da acumulação remunerada de cargos em
atividade, ou seja, permite o exercício concomitante
de dois cargos públicos e o recebimento
concomitante de duas remunerações.
Ocorre que outros dispositivos constitucionais
também permitem o acúmulo remunerado de cargos
públicos, ainda que não em atividade. O artigo 37,
§10, da Carta Constitucional, assim aduz:
§10. É vedada a percepção simultânea de proven-
tos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou
dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo,
emprego ou função pública, ressalvados os cargos
acumuláveis na forma desta Constituição, os car-
gos eletivos e os cargos em comissão declarados
em lei de livre nomeação e exoneração.
Explica-se. O dispositivo citado traz, como
regra geral, a proibição de acumular proventos
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 A aplicação do teto constitucional aos casos de acumulação remunerada de cargos públicos à luz dos temas 377 e 384 da Repercussão Geral do STF
de aposentadoria de um cargo público com a
remuneração de outro cargo, emprego ou função
pública. Logo, em geral, um indivíduo aposentado
em um cargo público (e que receba os respectivos
proventos) que preste novo concurso público
deverá, caso decida assumir o novo cargo, optar
pela respectiva remuneração ou pelos proventos do
antigo.
Mas, conforme se depreende da leitura do
texto constitucional, o próprio §10 do artigo 37 traz
determinadas exceções nas quais será possível o
acúmulo de proventos com remuneração, são elas:
1. quando se tratar de cargos acumuláveis
permitidos pela Constituição;
2. no caso de cargos eletivos;
3. no caso de cargos em comissão.
Assim, é constitucionalmente permitido, in
exemplis, que um indivíduo aposentado em um
cargo público seja nomeado para exercer um cargo
em comissão e, consequentemente, acumule os
proventos do cargo no qual está aposentado com
a remuneração do cargo comissionado para o qual
foi nomeado.
Logo, pelo exposto até o presente momento, é
possível extrair as seguintes conclusões:
I. regra geral, é vedado o acúmulo remune-
rado de cargos públicos (vedação de duas
remunerações concomitantes);
II. regra geral, é vedado o acúmulo de pro-
ventos decorrentes de aposentadoria em
um cargo público com a remuneração de
outro cargo, emprego ou função pública
(vedação de proventos e remuneração
concomitantes);
III. a título de exceção, a própria Constituição
Federal estabelece hipóteses nas quais
a acumulação remunerada de cargos pú-
blicos será constitucional, ou seja, será
permitida (as exceções se referem tanto
à acumulação de duas remunerações con-
comitantes, quanto à acumulação de dois
proventos; quanto à acumulação de pro-
ventos com remuneração);
Até aqui dúvidas maiores não há. Resta saber,
porém, como se dá o limite (“teto”) remuneratório,
previsto no artigo 37, inciso XI, da CF/88, nos casos
em que a acumulação é permitida. Basicamente, a
dúvida que surge e que precisa de uma resposta
constitucionalmente adequada é a seguinte: nos
casos em que a CF/88 permite o acúmulo de
remunerações; o acúmulo de proventos; e o acúmulo
de proventos com remuneração, será considerado
como teto remuneratório o somatório dos valores
dos cargos ou o teto remuneratório incidirá sobre
cada um dos cargos de modo isolado?
É o que se passa a discutir.
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3 O teto remuneratório do artigo 37, inciso
XI, da CF/88, e a sua aplicação aos
casos de acúmulos remunerados de
cargos públicos
De plano, necessário se faz transcrever o artigo
37, inciso XI, da Magna Carta, que traz os limites
constitucionais das remunerações dos servidores
públicos brasileiros, in verbis:
XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de
cargos, funções e empregos públicos da administra-
ção direta, autárquica e fundacional, dos membros
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores
de mandato eletivo e dos demais agentes políticos
e os proventos, pensões ou outra espécie remune-
ratória, percebidos cumulativamente ou não, inclu-
ídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra
natureza, não poderão exceder o subsídio mensal,
em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios,
o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito
Federal, o subsídio mensal do Governador no âm-
bito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados
Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo
e o subsidio dos Desembargadores do Tribunal de
Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco
centésimos por cento do subsídio mensal, em espé-
cie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no
âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos
membros do Ministério Público, aos Procuradores e
aos Defensores Públicos;
O dispositivo constitucional tem por objetivo
estabelecer parâmetros máximos, conhecidos como
tetos remuneratórios, para os ocupantes de cargos,
funções e empregos públicos, sendo que, como
limite máximo, a Constituição Federal adotou o
subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal.
Vale dizer: nenhuma remuneração ou
subsídio de cargo, função ou emprego público da
administração direta, autárquica e fundacional,
poderá ultrapassar o subsídio mensal do Ministro
do STF.
O imbróglio está, contudo, nas hipóteses de
acúmulo de cargos públicos, e se resume à questão
já colocada alhures: o teto se aplica ao somatório
dos valores recebidos ou, ao contrário, se aplica a
cada cargo de modo isolado?
Caso se adote a primeira linha de entendimento,
um servidor que, de modo legítimo e constitucional,
acumula cargos públicos em situação na qual o
somatório das remunerações ultrapassa o subsídio
mensal do Ministro do STF, teria o valor de uma de
suas remunerações reduzido, a fim de se adequar
ao teto remuneratório.
ARTIGOS 37
Henrique Pandim Barbosa Machado
Caso se adote a segunda corrente de
pensamento, será possível que um servidor público
receba uma remuneração maior do que aquela
prevista para o Ministro do STF (logicamente, não
uma remuneração maior por cada cargo, mas sim
uma remuneração maior considerando o somatório
de ambos os cargos acumulados).
É preciso, pois, perquirir o que diz a Carta
Constitucional sobre o tema e, em especial, qual é
o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre
a matéria.
Inicialmente, vale pontuar que o próprio inciso
XI do artigo 37 da CF/88, com redação dada pela
Emenda Constitucional nº 41/03, utiliza a expressão
“percebidos cumulativamente ou não”, sugerindo
que o teto remuneratório se aplica ao somatório
dos valores em caso de acumulação de cargos.
De igual modo, o já transcrito inciso XVI do
artigo 37 da CF/88, com redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19/98, ao tratar das hipóteses
de acumulação de cargos em atividade, remete
ao inciso XI do mesmo artigo 37, exatamente
o dispositivo constitucional que trata do teto
remuneratório. Vale repisar:
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos
públicos, exceto, quando houver compatibilidade de
horários, observado em qualquer caso o disposto
no inciso XI.
Também aqui o constituinte parece desejar
que seja considerado o somatório dos valores para
fins de teto remuneratório.
Por fim, o artigo 40, §11, da CF/88, com
redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98,
ao tratar do acúmulo de proventos e do acúmulo de
proventos com remuneração, assim aduz:
§11 – Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma
total dos proventos de inatividade, inclusive quando
decorrentes da acumulação de cargos ou empregos
públicos, bem como de outras atividades sujeitas
a contribuição para o regime geral de previdência
social, e ao montante resultante da adição de pro-
ventos de inatividade com remuneração de cargo
acumulável na forma desta Constituição, cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e exo-
neração, e de cargo eletivo.
Vê-se que o texto constitucional utiliza as
expressões “soma total” e “montante resultante da
adição”, deixando transparecer a vontade de que,
para fins de teto remuneratório, seja considerado o
somatório dos valores recebidos, e não cada cargo
de modo isolado.
Textualmente, portanto, as redações dos
dispositivos constitucionais analisados, conferidas
por meio de emendas constitucionais, levam a crer
38 ARTIGOS
que, para fins de teto remuneratório, nos casos de
acumulação de cargos públicos, será considerado
o somatório dos valores recebidos, ou seja: o
somatório de ambas as remunerações, em caso
de acúmulo de cargos em atividade; o somatório
de ambos os proventos, caso o servidor esteja
aposentado em ambos os cargos; o somatório dos
proventos com a remuneração, caso o servidor
esteja aposentado em um dos cargos e em atividade
no outro (naquelas hipóteses do artigo 37, §10, da
CF/88).
Nesse caso, imagine-se a seguinte situação.
Atualmente, o subsídio mensal do Ministro do STF é
de R$33.763,00. Um médico acumula dois cargos
público (nos termos permitidos pelo artigo 37, inciso
XVI, “c”, da CF/88), sendo que um dos cargos
públicos possui remuneração de R$20.000,00, e o
outro possui remuneração de R$23.763,00. Nesse
caso, cada cargo, isoladamente considerado,
obedece ao limite remuneratório previsto no
artigo 37, inciso XI, da CF/88. O somatório das
remunerações, todavia, resulta em R$43.763,00,
o que ultrapassa o subsídio mensal do Ministro do
STF. Assim, ao se adotar a posição já explicitada
anteriormente, deveria ser aplicado um “corte”
em alguma das remunerações do servidor, para
que o somatório se adapte ao subsídio mensal do
Ministro do STF.
A divergência doutrinária e, sobretudo,
jurisprudencial sobre a matéria, fez com que o
Supremo Tribunal Federal a analisasse em sede
de repercussão geral, com o objetivo de pacificar o
assunto a partir da intepretação constitucionalmente
adequada dos dispositivos constitucionais em
apreço. Foram julgados, para fins de fixação da tese,
dois Recursos Extraordinários: a) RE nº 602043; b)
RE nº 612975.
Ao julgar os Recursos Extraordinários, o
Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese
(Temas 377 e 384 de repercussão geral):
Nos casos autorizados, constitucionalmente, de
acumulação de cargos, empregos e funções, a in-
cidência do artigo 37, inciso XI, da Constituição
Federal, pressupõe consideração de cada um dos
vínculos formalizados, afastada a observância do
teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos
do agente público.1
Extrai-se, destarte, que o Supremo Tribunal
Federal adotou a tese de que, para fins de teto
remuneratório, deve-se considerar cada um dos
cargos isoladamente, e não o somatório dos
1
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia
Repercussao/abrirTemasComTesesFirmadas.asp>.
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ganhos, ao contrário do que aparenta dizer o texto
constitucional.
Isso porque, como deixa clara a leitura do
inteiro teor dos Acórdãos proferidos nos Recursos
Extraordinários, o STF declarou inconstitucionais
as concepções trazidas pelas já citadas Emendas
Constitucionais de que a referência para fins de teto
seria o somatório dos valores.
Apesar de divergirem quanto à técnica de
declaração de inconstitucionalidade (alguns se
posicionavam pela técnica de declaração de nulidade
parcial sem redução de texto; outros pela técnica
de interpretação conforme), todos os Ministros
presentes, à exceção do Ministro Edson Fachin (cujo
entendimento ficou vencido), entenderam que a
única interpretação constitucionalmente adequada
é a de que, para fins de teto remuneratório, devem
ser considerados os valores recebidos por cada
vínculo, e não o soma de dos valores.
Vale pontuar determinados trechos dos votos
dos Ministros que bem explicitam os motivos
determinantes da decisão (serão transcritos
trechos do julgamento do RE nº 612.975,2 mas que
demonstram o mesmo fundamento utilizado no RE
nº 602.043, já que foi fixada uma única tese de
repercussão geral).
O Ministro Luís Roberto Barroso, assim
argumentou (RE nº 612.975):
Qual é o debate que estamos travando? É saber
se as pessoas que acumulam cargos legitimamente
podem receber a integralidade da remuneração a
que fazem jus até o limite do teto, por cada uma
dessas atuações, ou se se devem somar os dois
cargos para produzir um único teto, sendo certo
que, em certas circunstâncias, da soma, resultará
que alguém ou receberá menos do que faz jus, ou
nada receberá, em muitos casos.
Portanto, a Constituição diz que não pode. Porém,
Presidente, diz isso por meio de emendas. E, ao
dizer que se aplica o teto aos dois cargos acumulá-
veis somadamente, eu acho que ela, ao menos po-
tencialmente, e,em muitos casos, concretamente,
produzirá um resultado que eu considero incompatí-
vel com a Constituição, qual seja, obrigar alguém a
trabalhar sem receber remuneração.
Mas acho que nós estamos aqui em uma dessas
exceções, porque eu acho que impedir que alguém
que acumule legitimamente duas funções, dois car-
gos, receba adequadamente por elas significa violar
um direito fundamental, que é o do trabalho remu-
nerado; seria impor, a alguém, um trabalho não re-
munerado, no caso em que só uma dessas funções
já fizesse com que se chegasse ao teto.
E é exatamente nessa linha que eu estou enca-
minhando a minha proposta para entender que,
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>.
2 balho, que decorre do artigo 6º da Carta Magna. E
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Presidente, devem ser interpretadas conforme a
Constituição, para não incidirem no caso de acu-
mulação legítima de cargos, as expressões “cumu-
lativamente ou não” constantes do artigo 37, XI,
da Constituição, e a locução “inclusive quando de-
correntes da acumulação de cargos ou empregos
públicos” constante do disposto no artigo 40, §11,
da Constituição, sendo que, como disse, o artigo
40, §11, foi inserido pela Constitucional nº 20.
Portanto, é a Emenda, em última análise, que nós
estamos declarando inconstitucional, e o artigo 37,
XI, que foi inserido pela Emenda Constitucional nº
41/2003.
Já a Ministra Rosa Weber assim explanou:
Parece-me, então, Senhora Presidente, que, a par-
tir de uma interpretação sistemática e teleológica
do Texto Constitucional, podemos, sim, firmar a
compreensão, que é a minha, pedindo todas as vê-
nias ao Ministro Fachin, de que, nas acumulações
de cargos expressamente autorizadas ou impostas
pela Constituição, a remuneração de cada um deles
há de ser considerada isoladamente para efeitos de
aplicação do teto.
É como voto.
O Ministro Luiz Fux, a seu turno:
E, como as palavras da Constituição devem ser
interpretadas à luz do princípio da unidade da
Constituição – todas as regras têm de ser interpre-
tadas no contexto –, no meu modo de ver, a ra-
tio essendi dessa Emenda foi evitar a criação de
novas formas de cumulação. Mas, evidentemente,
a Emenda constitucional não viria a infirmar aquilo
que já fora estabelecido anteriormente. E, por via
reflexa, ela estaria, como destacou agora o Ministro
Barroso, a violar uma cláusula pétrea, realmente,
porque permitir que haja uma acumulação e impor
que essa acumulação seja exercida graciosamen-
te afronta esse fundamento da República, que é a
valorização do trabalho. E essa desvalorização do
trabalho vai gerar um desânimo de assunção, pelas
melhores cabeças do país, de funções que podem
auxiliar o Poder Público e, com isso, gerar também
uma violação tanto ao princípio da isonomia, quan-
to ao princípio da eficiência. Ou seja, as melhores
cabeças não se dedicarão ao Poder Público; elas
preferirão servir à iniciativa privada, para esca-
par dessa contradictio criada aparentemente pela
Constituição Federal, com a EC nº 41, mas que uma
interpretação como essa que foi dada pelo Supremo
acaba atingindo o resultado justo.
O Ministro Ricardo Lewandowski bem pontuou
que:
Depois, também foi dito, sobretudo, pela Ministra
Rosa, que é nossa grande especialista na matéria,
há o princípio da necessária remuneração do tra-
ARTIGOS 39
Henrique Pandim Barbosa Machado
mais, nós temos claramente uma afronta ao princí-
pio da vedação do enriquecimento sem causa, no
caso, do Estado: a pessoa trabalha por um quarto
de século para o Estado, contribui para previdência
social, e depois, na hora de aposentar, não pode
se aposentar integralmente, está sujeito ao teto?
Evidentemente, isso não é possível do ponto de vis-
ta constitucional. Finalmente, entendo que vulnera,
pela via oblíqua, o princípio da dignidade da pes-
soa humana, porque, afinal de contas, não se pode
exigir de ninguém que trabalhe graciosamente ou
de acordo com uma remuneração ínfima ou irrisó-
ria. E, com essas palavras, Senhora Presidente, eu
vou acompanhar o Relator, que trás uma solução, a
meu ver, tecnicamente escorreita, e peço vênia ao
Ministro Fachin por divergir de Sua Excelência.
O Ministro Gilmar Mendes:
Assim, não parece ser outra a interpretação a ser
adotada para os casos dos servidores públicos em
geral que acumulam cargos públicos, desde que
nos casos excepcionais previstos na Constituição
Federal. A aplicação do teto constitucional sobre a
somatória dos vencimentos poderá implicar a pró-
pria anulação do direito à acumulação, como consi-
derado pelo Ministro Maurício Corrêa.
Então, parece-me que, de todo avisado, nós faça-
mos essa interpretação adequadora para harmo-
nizar os dispositivos, eventualmente em rota de
colisão, para que, adotando a técnica da concor-
dância prática, reconheçamos que é de permitir-se,
na linha do que sustentou o relator, a acumulação,
observados os limites autônomos referidos.
A Presidente da Suprema Corte, Ministra
Cármen Lúcia, consignou que:
Não seria razoável, que a Constituição reconheces-
se a possibilidade de acumulação, portanto, lícita e,
de outro lado, que permitisse que essa acumulação
somente se faria exigindo-se, do nomeado para o
cargo, que ele abrisse mão de direitos, que é o di-
reito à remuneração correspondente ao cargo, que,
no fundo, é isso que se daria. Isso seria um contra-
senso. E, na linha do que Vossa Excelência afirmou
e que, para usar apenas a fórmula de Rui Barbosa:
a Constituição não dá com a mão direita para tirar
com a esquerda. Não se pode garantir um direito
numa passagem da Constituição e, em outra, reti-
rar, menos ainda quando se trata de retirada do que
é um direito fundamental, que é o direito a ter uma
contraprestação pelo trabalho prestado.
O Ministro Marco Aurélio, Relator:
Em segundo lugar, por ensejar enriquecimento sem
causa do Poder Público. A incidência do limitador,
tendo em vista o somatório dos ganhos, sendo acu-
muláveis os cargos, viabiliza retribuição pecuniária
inferior ao que se tem como razoável, presentes as
40 ARTIGOS
atribuições específicas dos vínculos isoladamente
considerados e respectivas remunerações.
A interpretação constitucional não pode conduzir
à teratologia, de modo a impedir, por exemplo – o
mais gritante –, a acumulação de cargos por aque-
les, como os Ministros do Supremo, que já tenham
alcançado o patamar máximo de vencimentos.
Alfim, proponho tese para efeito de repercussão ge-
ral: Nos casos autorizados constitucionalmente de
acumulação de cargos, empregos e funções, a inci-
dência do artigo 37, inciso XI, da Carta da República
pressupõe a consideração de cada um dos vínculos
formalizados, afastada a observância do teto remu-
neratório quanto ao somatório dos ganhos do agen-
te público.
Vale repisar que todos os demais Ministros,
à exceção do Ministro Edson Fachin, seguiram o
mesmo entendimento.
Da análise dos trechos supratranscritos fica
evidente que o STF, interpretando a Constituição
Federal de 1988 e, em especial, as alterações
advindas das já citadas Emendas Constitucionais,
entendeu que não é constitucional o entendimento
de que, nos casos de acúmulo de cargos permitidos
pela Carta Cidadã deve ser considerado, para fins
de teto remuneratório, o somatório dos valores
recebidos.
Os argumentos utilizados foram vários, dentre
eles: a) garantia do princípio da isonomia; b) direito
de contraprestação (recebimento) pelo serviço
prestado; c) enriquecimento ilícito do Estado; d)
desqualificação dos quadros da Administração
Pública; e) esvaziamento do direito à acumulação;
dentre outros.
4 Conclusão
Pelo exposto, viu-se que a Constituição Federal
somente admite a acumulação remunerada de
cargos públicos em hipóteses excepcionais.
Restou exposto, ademais, que as alterações
promovidas no texto constitucional através de
sucessivas emendas constitucionais levaram ao
entendimento (ao menos aparente) de que, para
fins de teto remuneratório, deveria ser considerado
o somatório total dos valores recebidos.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a
matéria em sede de repercussão geral, interpretou
a Constituição Federal para, a partir da ponderação
de uma série de princípios e regras (remuneração
pelo trabalho prestado e isonomia, por exemplo),
entender que o teto deve ser aplicado a cada cargo
isoladamente, e não à soma dos valores.
De todo modo, a conclusão é simples: se a
Constituição permite acumular cargos públicos, o
indivíduo que assim o faz tem direito a receber as
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remunerações de ambos os cargos, sendo que o
teto remuneratório deverá ser considerado em cada
um dos cargos, e não no somatório.
The application of the constitutional ceiling to cases of
remunerated accumulation of public office in light of topics 377
and 384 of the General Repercussion of the Supreme Court
Abstract: The present work exposes the controversy existing
in the application of the constitutional remuneratory ceiling
to the cases of remunerated accumulation of public offices
allowed by the Federal Constitution itself, especially the recent
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understanding signed by the Federal Supreme Court in a general
repercussion.
Keywords: Remuneration. Ceiling. Accumulation of charges.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
MACHADO, Henrique Pandim Barbosa. A aplicação do teto
constitucional aos casos de acumulação remunerada de cargos
públicos à luz dos temas 377 e 384 da repercussão geral do
STF. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 203,
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