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Licenciatura em Contabilidade e Auditoria

Ética Deontológica da Profissão do Docente


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Introdução

A profissão docente vive tempos difíceis. O Ministério da Educação procura


reconfigurá-la na perspectiva do mercado educativo e da diminuição dos custos da
função pública; os casos de indisciplina e de violência na escola, envolvendo alunos,
pais e professores fazem do campo de acção destes um desafio permanente, colocando o
self e o profissionalismo num terreno incerto; a comunicação social dá visibilidade a
esta crise da Escola e todos os comentadores se arrogam olhares peritos.

Na escola, onde reside a profissão docente, a matéria-prima previsível, até ao fim da


escolaridade obrigatória que se visa a curto prazo implementar, compreende a tranche
populacional da sociedade portuguesa, entre os três e os dezoito anos, e ainda, em
acumulação, todos os muitos que não a cumprem no tempo previsto e permanecem no
sistema até à capacitação/credenciação para prosseguir estudos superiores ou a vida
activa no mercado de trabalho. É a escola de massas massificada, com estabelecimentos
de ensino de 2º e 3º ciclo e secundário de nº de alunos na classe do milhar, socializando
e aprendendo de toque em toque, de sala em sala e de professor em professor muitas
horas por dia. Um “imenso parque de estacionamento, onde se encontram jovens com as
mais heterogéneas origens sociais, étnicas ou culturais e os mais díspares projectos de
vida e aspirações sociais” (Teodoro, 2006, p.17). Parecendo bandos de pardais... ou de
gaviões à solta, conforme tragam em si sementes de alegria e curiosidade ou de
frustração e violência.

Para lidar com tal diversidade e a emergência de contínuas mudanças e


imprevisibilidades, o perfil docente tem que deter características específicas integrando
a enunciação de uma deontologia própria e os profissionais têm que poder contar com o
enquadramento sistemático e reflexivo da organização em que se integram, para que
seja possível levar a bom termo os objectivos de ensino-aprendizagem com a
incorporação de valores intemporais ou dos que a sociedade apologiza num determinado
contexto histórico.
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Ética Deontológica da Profissão do Docente

Dimensões éticas da Escola

Etimologicamente, deontologia seria o tratado do dever ou o conjunto de princípios


adaptados com uma finalidade (neste caso, regular ou orientar determinado grupo de
indivíduos no âmbito de uma actividade laboral, para o exercício de uma profissão).

A par desta ideia de tratado, a Ética viria a ser entendida como a ciência do
comportamento moral dos homens em sociedade, mas também como o conjunto de
princípios a orientar o relacionamento humano no seio de uma determinada comunidade
social. A partir daqui, fácil se torna conceber uma ética deontologicamente firmada e
voltada para a orientação de uma actividade profissional, mormente a docência.

Segundo NÓVOA (1999), a relação entre os professores e o saber, que a pedagogia


introduz, atravessa toda a sua história profissional:

Assinale-se, a título de exemplo, que a hierarquia interna à profissão docente tem como
critério um saber geral, e não um saber específico, isto é, um saber pedagógico. Por
outro lado, é importante sublinhar que este corpo de saberes e de técnicas foi quase
sempre produzido no exterior do “mundo dos professores”, por teóricos e vários
especialistas. A natureza do saber pedagógico e a relação dos professores ao saber
constituem um capítulo central da história da profissão docente (Nóvoa, 1999, p. 16).

Na perspectiva de SANTOS (2007, p.13), as normas de ensinar de cada professor, como


ente autónomo, pedagogicamente falando, deverão caucionar o eticamente correcto em
contexto de sala de aula, garantindo que todos os alunos, não só interiorizem os
conteúdos leccionados, como se possam formar integralmente como indivíduos
pertencentes a uma sociedade. Então, “a educação moral e ética dos alunos e a
autonomia pedagógica do professor surgem como as duas linhas mestras de todo o
processo de ensino – aprendizagem. O professor age, enquanto ensina, de acordo com
princípios éticos. Ensina os conteúdos da sua disciplina, transmite saberes, organiza a
prática lectiva, critica ou elogia comportamentos, realizando, ainda que a nível
inconsciente, escolhas éticas.
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Segundo BAPTISTA (2002), Então, a deontologia, enquanto dimensão ética, marca


presença constante a diferentes níveis do contexto escolar:

 Como qualidade do perfil docente em exercício, presente no sujeito que o


professor é e nas tecnologias performativas que municiam a profissão segundo
uma ética própria;
 Como código de valores a transmitir integrando um currículo transversal de
formação moral pessoal e social dos alunos;
 Como qualidade do perfil do aluno, enquanto tal, e enquanto Ser Humano em
formação/desenvolvimento.

Deontologia da profissão docente

Há onze anos, BAPTISTA (2002) apresentava o seguinte diagnóstico, que se revela


igualmente válido no presente:

Os professores encontram-se numa encruzilhada: os tempos são para refazer


identidades. A adesão a novos valores pode facilitar a redução das margens de
ambiguidade que afectam hoje a profissão docente. E contribuir para que os professores
voltem a sentir-se bem na sua pele.

Segundo (SILVA, 1997, p.171), Dez anos depois, a partir de outro estudo, no âmbito de
um Projecto Internacional1 que visava compreender os impactos da globalização nos
sistemas de ensino, do nível macro à sala de aula, analisámos o discurso de três grupos
de professores de diferentes regiões do país, respondendo à questão de saber quais os
valores presentes na Escola e nas práticas educativas, e podemos concluir que os
professores mantinham no seu discurso a admissão deste individualismo na profissão.

Os valores que são transmitidos dentro da sala de aula são aqueles que o professor
entende que são os primordiais. Eles variam de professor para professor, cada professor
tem uma forma de estar, uma forma de ser, a sua metodologia. Os valores que eu
considero fundamentais, derivam exclusivamente da minha postura, da minha maneira
de ser.
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Atribuindo-se a função principal de educar os seus alunos – o que é mais do que ensinar
, os professores afirmam a sua profissão como ética, por excelência.

Ética, porque educar e formar é criar hábitos, é levar a que se adquiram usos e
costumes. É fazer com que alguém pertença, por identificação, a uma comunidade, a
uma cultura. É agir sobre a maneira de ser e o carácter. É transformar a natureza
humana, aquilo que somos quando nascemos, para que se comporte conforme aos usos e
costumes. A Ética também, porque esses hábitos, usos e costumes são afectados de
valores: isto é, educar e formar é criar bons hábitos. De acordo com a moral em uso.
(SILVA, 1997, p.172)

Segundo (SILVA, 1997, p.172), Afinal, neste estudo os professores atribuem à docência
a tarefa de produzir nos alunos uma transformação para melhor. Trata-se pois de uma
profissão que deve ser moralmente regulada – quer pelo que lhe é proposto que faça,
quer pelo modo como lhe é exigido que o faça – apesar de os professores entrevistados
não afirmarem de forma clara o desejo de virem a ter um código deontológico, não
terem sobre ele, à altura, um sentimento de necessidade e até duvidarem da sua utilidade
e vantagem e prevalecendo acima de tudo a norma ditada pela consciência. Em síntese:
“os professores entrevistados têm da docência uma concepção mais ética que
profissional (aqui em sentido técnico), mais expressivo-relacional que cultural e
técnica”
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Conclusão

A inexistência ao longo dos tempos de uma codificação formal de regras deontológicas,


elaborada pelos professores, explica-se pelo facto de lhes terem sido impostas do
exterior, primeiro pela Igreja e depois pelo Estado. E, no entanto, é incontestável que os
professores integraram este discurso, transformando-o num objecto próprio.
A associação à Escola de um papel emancipatório através da Educação e do
Conhecimento que ela transmite, era em si mesma, de acordo com Freire (2002), um
valor reconhecido, um direito universal na medida em que se olhava para ela como o
meio de atingir o desenvolvimento e formação pessoal, a habilitação, a competência, o
acesso ao trabalho e à mobilidade social, a uma vida sustentada mais digna e autónoma,
a um desempenho social mais informado e a maior capacidade de escolha.
Nos nossos dias, esse pragmatismo da Escola está sendo posto em causa pelos próprios
jovens e ganhando a descrença dos pais em que ela seja o elevador social por
excelência, que colocará seus filhos numa vida melhor que a sua. Daí muito da sua
desvalorização.

A análise do conteúdo dos discursos dos professores, evidencia a consciência de um


conjunto de valores e normas de conduta, alicerçadas na meta cognição do senso
comum de quem abraça a profissão, da tutela, das suas associações e da sociedade em
que se insere, que se articulam como deveres profissionais. No tratamento da questão
colocada percebemos também que a ausência/alteração de valores na escola, em
particular no que respeita aos alunos, era transversal a todo o discurso dos professores e
já transmitia grande inquietação. Tornou-se evidente a consciência de que o Sistema
Escolar assume a transmissão de conhecimentos às gerações em idade escolar (Ensino).

Por maioria de razão, os professores precisam de reforçar os processos de (re)


construção identitária e a sustentabilidade da prática docente na enunciação de normas
deontológicas que contribuam para a união dos professores em torno de um ethos
profissional, o que será tanto mais profícuo, quanto mais partilhada for por todos
aqueles a que se dirige, pois uma classe unida, que se auto regula profissionalmente de
forma autónoma, transmite uma imagem de competência, de controlo e permite o
desenvolvimento de uma identidade própria.
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Bibliografia

Baptista, I. (2002). Ética e Identidade Profissional Docente. In A Página da Educação,


N.º 105, Ano 10, Agosto/Setembro 2001.

Caetano, A. P. & Silva, M. L. (2009), Ética profissional e Formação de Professores. In


Sísifo – Revista de Ciências da Educação, Nº 8, Jan/Abr 09, pp. 49-60.

Cunha, P. (1995). Para uma deontologia da profissão docente: paradigmas e problemas.


In: Brotéria, 140-1, pp. 39-53.

Santos, J. M. (2007). Ética e Deontologia – Representações de Professores. Sintra:


Associação de Professores de Sintra.

Silva, M. L. (1994). A profissão docente: ética e deontologia profissional: contributo


para o estudo da deontologia dos professores do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico. Tese
de Mestrado. Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação.

Silva, L. (1997). A Docência é uma ocupação ética. In M. Teresa Estrela (org). Viver e
construir a profissão docente, Porto: Porto Editora, pp. 161-190.

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