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Administração Mercadológica

SERVIÇO PÓS-VENDA: A DIMENSÃO


ESQUECIDA 00 MARKETING

Claudia Buhamra Abreu


Mestre e Doutoranda pela EAESP/FGV e
professora da Universidade Federal do Ceará

RESUMO:Tradicionalmente, O marketing tem negligenciado os serviços pós-venda. Sua preocupação


sempre foi com as atividades que antecedem a venda de um produto, e com a venda propriamente dita.
Hoje, essa visão está mudando. Ganha destaque o marketing de relacionamento, centrado nos serviços
que podem ser oferecidos ao consumidor depois de efetuada a compra. Mas o conceito e a importância do
serviço pós-venda ainda não foram devidamente internalizados pela maioria das organizações brasileiras.
Ainda está longe o entendimento entre vendedores e compradores, depois de consumada a venda. Eos
relatórios anuais do Procon confirmam essa realidade.

ABSTRACT: Traditional/y, marketing has neglected the after-sales services. It has been worried about the
activities before the sales of the products, and with the sale itself. Nowadays, this point of view is changing.
More affention is given to the marketing of relationship - the aftermarketing - centered in the services that can
be offered to the consumer after sale. But the concept and the importance of the after-sales marketing wasn't
completely internalized by the ma;ority of brazilian companies yet. It is far the sense between salers and
buyers, after sale. And the Procon's annual report confirms this reality.

PALAVRAS-CHAVE:aftermarketing, serviço, treinamento, pós-venda.

KEYWORDS:aftermarketing, services, training, after-sale.

24 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 36, n. 3, p. 24-31 Jul./Ago./Set. 1996
SERViÇO PÓS-VENDA: A DIMENSÃO ESQUECIDA DO MARKETING

o RETRATO DOS SERViÇOS PÓS-VENDA NO Fiat, a Volkswagen a Coca-Cola e a Sharp-,


BRASIL Se por um lado esses dados demons-
tram que o consumidor brasileiro não está
Quem não tem uma história de decep- tão passivo na defesa de seus direitos, por
ção com serviços pós-venda para contar? outro revela que as empresas brasileiras,
Quem ainda não pronunciou a frase: "Na na sua maioria, não estão muito preocu-
hora de vender, prometem tudo; depois ... ". padas em atender às expectativas dos seus
Quantas pessoas já tiveram dificuldades consumidores. Para elas, o que ocorre de-
de realizar uma troca de mercadoria por- pois da compra não merece tanta atenção.
que era sábado - o único dia disponível O marketing de conquista e promoção
para compras? Ou ganhou um presente e continua dominando, enquanto atividades
não pôde trocar porque não tinha nota fis- de serviços são subempregadas, colocadas
cal- já que presente não se dá com nota? em níveis inferiores, vistas estritamente
Ou foi mal atendido na hora de pagar uma como centros de custos e tidas como se-
prestação do crediário - feito por causa cundárias na estratégia empresarial com-
de uma grande compra com um ótimo ven- petitiva. "A medida que amadurecemos em
dedor? Ou aborreceu-se com a assistência uma sociedade mais móvel, industrializada e
técnica daquele aparelho de TV - ainda tecnocrática, surge uma distinção entre a ven-
na garantia? da e as atividades pós-venda ... Relegamos a se-
O Procon, principal entidade de defesa gunda metade da venda a departamentos de
do consumidor ligada à Secretaria Esta- reclamações, de serviços e de garantias">.
dual de Justiça e Cidadania de São Paulo, Na verdade, os empresários parecem
recebeu 190 mil reclamações no ano de não perceber que os serviços constituem o
1992 - um salto de 70% em relação aos grande diferencial de um negócio. O con-
três últimos anos. Isso dá uma média de sumidor não tem uma clara distinção en-
15 mil atendimentos por mês. São brigas tre produto e empresa. Os serviços são lem-
contra fabricantes de produtos e serviços, brados e comentados, sejam eles bons ou
públicos e privados. E sempre depois da ruins, e as imagens positivas de confian-
compra'. ça, familiaridade e bons serviços ainda
Anualmente, o Procon é obrigado, por determinam a preferência do consumidor.
lei, a divulgar a temida relação das empre- Não deve causar surpresa que os pro-
sas com mais reclamações na entidade. Na fissionais liberais de áreas como direito,
primeira semana de abril de 1995, a medicina, arquitetura, consultoria, inves-
Coordenadoria de timentos e propaganda
Proteção e Defesa do sejam categorizados e
Consumidor de São recompensados pelo
Paulo, que atende a o
marketingde nível de relacionamen-
50% das reclamações oonquisla e lJI'OIIIO(ão to com os clientes. Es-
de todo o país, divul- ses relacionamentos,
gou o balanço do ano mnlinuadominando, como quaisquer outros
anterior: o número de enquanto atMdades de bens, podem valorizar-
queixas dobrou. A se ou depreciar-se. Sua
cada dia aparecem manutenção e realce
1.400 novos casos de não são uma questão
consumidores para se- de boas maneiras, rela-
rem resolvidos. Os inferiores, \listas ções públicas, tato, en- 1. PAULlNA, Iracy. Este é o de-
Estados da Bahia, do canto, elegância ou fensor número 1 dos consumi-
Rio de Janeiro e do esIriIamente 001lIO manipulação, depen- dores. Veja SP, l' set. 1993, p.
10-13.
Paraná fizeram o mes- centros de custos e tidas dendo de administra-
mo. Só em São Paulo ção e não apenas de 2. . Comprando Pro-
mmosewndárias na blemas. Veja, 5 abr. 1995, p. 92-
a listagem incluiu marketing. A adminis- 93.
2.016 empresas, algu- estratégia empresarial tração de relaciona-
3. VAVRA, Terry G. Marketing de
mas grandes e bem competitML mento transcende os relacionamento - aftermarketing,
conhecidas como a limites do marketing, São Paulo:Atlas, 1993.

© 1996, RAE - Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 25
exigindo programas de manutenção, in- de de reduzir a dissonância cognitiva - o
vestimento, melhoria e também substitui- reconhecimento mental que alguém com-
ção", prou algo que pode não ter sido a alterna-
Algumas empresas já têm programas tiva mais inteligente ou mais racional. A
formais destinados a realçar as relações necessidade do cliente em assegurar a cer-
com seus clientes, que podem se caracteri- teza pós-compra é algo tão forte que não
zar por seu caráter passivo ou ativo. Quan- pode ser negligenciado pelo vendedor.
do a empresa participa ativamente, ela se Existe valor real em falar a um cliente após
antecede ao cliente para saber o nível de a compra de um produto ou serviço para
satisfação com o produto ou serviço ad- assegurar-lhe que sua compra foi inteligen-
quirido. Nesse caso, a empresa costuma ter te e que seu dinheiro foi bem aplicado",
um padrão mais eficaz de serviço pós-ven- Um outro fator que requer das empre-
da. Já as que atuam de forma passiva, fi- sas fabricantes maior atenção na adminis-
cam esperando as cha- tração dos serviços
madas dos clientes. após a venda dos seus
Nessa situação, a em- produtos é a multipli-
presa corre o risco de o consumidor não cação dos canais de
distribuição e, princi-
cometer mais erros, e
o cliente, de ser mal
tem uma clara distinção palmente, dos inter-
atendido. entre produto e mediários. À medida
Albrechf apresenta empresa. Os serviços que cresce a distância
sete posturas que são entre o fornecedor e o
são lembrados e cliente final, o contro-
consideradas os peca-
dos dos serviços que comentados, sejam eles le das empresas pro-
as empresa cometem bons ou ruins, e as dutoras sobre as con-
quando são procura- dições de venda e da
imagens positivas de oferta do serviço pós-
das por um cliente
para esclarecimentos confiança, familiaridade venda diminui. Os fa-
ou reclamações: e bons serviços ainda bricantes mais atentos
movimentam-se em
determinam a
• apatia: atitude de direção a seus usuá-
pouco caso da parte preferência do rios finais, mas, na
da pessoa responsá- consumidor. maioria das vezes, essa
vel pelo contato com distância permite aos
o cliente; fabricantes menos
• dispensa: procurar market-oriented dimi-
livrar-se do cliente desprezando sua ne- nuírem seu sentimento de obrigação em re-
cessidade ou seu problema; lação aos clientes, bem como justificar psi-
• frieza: uma espécie de hostilidade gélida, cologicamente a maneira como eles são
rispidez, tratamento inamistoso, desa- (mal) tratados.
tenção ou impaciência com o cliente; Levite afirma que vender é manter um
• condescendência: tratar o cliente com relacionamento. E é preciso atenção espe-
uma atitude paternalista; cial ao que caracteriza singularmente um
• automatismo: o funcionário mecaniza- relacionamento: o tempo. A esse respeito,
do não demonstra calor ou individuali- a teoria econômica de oferta e procura" é
/I

dade; totalmente falsa. Ela presume que o traba-


4. LEVITT, Theodore. A imagina-
ção do marketing. São Paulo: • livro de regras: colocar as normas da lho do sistema econômico pouco depende
Atlas, 1985. organização acima da satisfação do do tempo e ignora as interações humanas
cliente, sem dar liberdade ao funcioná- - uma transação de vendas instantânea,
5. ALBRECHT, Karl. Revolução
nos serviços: como as empre- rio que presta o serviço para abrir exce- isolada, que se consuma na interseção de
sas podem revolucionar a ma- ções ou usar o bom senso. oferta e demanda. Isso nunca foi assim. E
neira de tratar os seus clientes.
São Paulo:Pioneira, 1992. o é cada vez menos à medida que se inten-
Muitas vezes, a busca de informação por sificam a complexidade crescente do pro-
6. VAVRA, Terry G. Op, cit.
parte do consumidor, após ter efetuado duto e as interdependências das institui-
7. LEVITT, Theodore. Op. cit. alguma compra, tem origem na necessida- ções do sistema industrial.

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Um cliente satisfei- paga. Por todas essas


to gera muitos outros. razões, a luta da em-
Da mesma forma, um Os serviços pós- presa deve ser não
cliente insatisfeito tira apenas para aumentar
da empresa clientes venda gerados por o número de clientes
potenciais e, em al- reclamações de mas para aumentar as
guns casos, já efetivos. clientes são vendas por clientes,
Portanto, deve-se au- pois o valor real de um
mentar os esforços de situações de cliente permanece du-
marketing para os recuperação do rante toda sua vida
clientes existentes. serviço e constituem com a empresa.
Eles demonstram alto O cuidado e a aten-
grau de lealdade
oportunidades de ção da empresa em
quando compram pela ouro para superar as manter seus clientes é
segunda vez, por ne- expectativas dos hoje denominado
nhuma outra razão aftermarketing (pós-
maior de familiarida- clientes. marketing) porque
de e prazer", aplica princípios de
marketing aos clientes
PÓS-MARKETING OU após eles terem com-
MARKETING PÓS-VENDA? prado bens ou serviços de uma empresa.
O pós-marketing tem como objetivos":
Quando a organização objetiva a con-
quista de novos clientes, os clientes atuais • manter clientes satisfeitos após a com-
freqüentemente são negligenciados; seu pra;
valor para a empresa é esquecido, pois sua • aumentar a probabilidade de os clientes
contribuição para o lucro é dada como cer- atuais comprarem novamente o produ-
ta. A organização presume que a satisfa- to ou a marca da mesma empresa em fu-
ção desse cliente continuará sempre e, turas ocasiões;
quando esses clientes deixam de ser fiéis, • aumentar a probabilidade de que os
a mudança de preferência é justificada ra- clientes atuais comprarão outros produ-
cionalmente pela empresa: "Não podemos tos da mesma empresa (um produto ou
agradar a todos'", linha de produtos complementares) em
No entanto, essa é uma visão míope da vez de procurarem concorrentes quan-
realidade. Vários estudos econômicos mos- do necessitarem de tais produtos;
tram que o valor de um cliente para uma • reconhecimento dos clientes como indi-
empresa cresce e seus custos caem duran- víduos;
te sua permanência com ela. À medida que • deixar os clientes conscientes de que es-
as compras de um cliente aumentam, os tão sendo cuidados.
custos operacionais da empresa declinam.
O limite de crédito inicial não precisa ser Para atingir esses objetivos, o pós-ma r-
renovado. Assim que a empresa ganha keting é manifestado em muitas diferentes
mais confiança no cliente passa a atendê- atividades de marketing, todas elas enfo-
lo melhor. No decorrer do tempo, à medi- cadas em clientes atuais":
8. Coopers & Lybrand Deloitte.
da que o cliente começa a confiar nos ser- The discerning consumer - myth
viços que recebe, fica mais disposto a com- • identificação da base de clientes; or reality. A study of consumer
prar com o cartão de crédito da empresa, • pesquisa para conhecimento de suas ne- behaviour and its strategic
implications for Retail Financiai
evitando o uso de outros cartões de crédi- cessidades e expectativas; Service. Texto de Solutíons for
to com características e políticas desconhe- • mensuração repetida da extensão da sa- Business da London Business
SchoolLondon, 1992,p. 1-20.
cidas'", tisfação dos clientes pelos produtos ou
Existem, ainda, outros benefícios menos serviços atuais; 9. VAVRA, Terry G. Qp. cit.
concretos para manter clientes. Por exem- • fornecimento de canais de comunicação 10. Idem.
plo, eles proporcionam propaganda gra- amplos;
tuita. A comunicação boca a boca, muitas • demonstração ativa de sentimentos de 11. Idem, ibidem.
vezes, é mais eficaz do que a propaganda reconhecimento a eles. 12. Idem, ibidem.

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Assim, considerando que essas são to- de clientes de situações de recuperação do
11

das atividades de marketing, toma-se ne- serviço" e afirmam que são oportunidades
cessário questionar o termo aftermarketing de ouro para superar as expectativas dos
(pós-marketing), na medida em que ele clientes. Thomas R. Elsman, administrador
isenta os profissionais de marketing da res- de planejamento estratégico da divisão de
ponsabilidade de cuidar das atividades serviço para o cliente da DuPont, explica
referentes ao pós-compra. Em vez do ter- isso muito bem: "Conforme forem surgindo
mo aftermarketing seria mais adequada a as emergências e as queixas, trate-as com
expressão marketing aftersale (markeiing empatia e determinação, pois um serviço notá-
pós-venda) englobando toda uma linha de vel nessa área será encarado como o quilôme-
serviços de acompanhamento da satisfa- tro extra e pode transformar uma coisa negati-
ção do cliente após a va em positiva". Mesmo
compra, por meio de assim, muitas empre-
um database marketing, sas estão mal-equipa-
tendo em vista a das para serem exce-
As empresas podem lentes na recuperação
recompra. O que vem
depois da venda tam- evitar problemas e do serviço.
bém é marketing, e tal- realçar sua posição A recuperação do
vez seja o momento serviço é um momen-
reconhecendo, logo to que exige da empre-
mais importante e de-
cisivo para a imagem de início, a sa muita dedicação,
da empresa no merca- necessidade de principalmente por-
do. que, em geral, os clien-
administrar seu tes têm mais expecta-
Seguindo essa li-
nha, Berry" sugeriu relacionamento com tivas e menos tolerân-
recentemente a modi- os clientes. cia durante esse mo-
ficação do composto mento do que durante
de marketing para o se- os serviços de rotina.
guinte: 11Sua próxima venda,
próxima idéia, próximo
• produto: qualidade, confiabilidade, ca- sucesso dependem muito dos seus relaciona-
racterísticas; mentos externos. Um bom relacionamento é um
• preço: preço cobrado, condições de pre- ativo importante. Podemos investir em rela-
ço e oferta de preço; cionamentos e nos servir deles. Fazemos tudo
• distribuição: acessibilidade aos bens ou isso, porém raramente o percebemos e quase
às instalações do fornecedor e acessibi- nunca administramos o relacionamento. E, no
lidade do cliente; entanto, o bem mais precioso de uma empresa
• promoção: propaganda pré-venda, pu- está em suas relações. Não se trata de quem
blicidade e promoções de vendas; você conhece, mas como você é conhecido dele.
• comunicações com o cliente: programas Esta é uma junção da natureza do seu relacio-
de comunicação pós-venda, (revistas namento com eles, e depende de como esse rela-
próprias, eventos etc.) código 0800 (dis- cionamento foi administrado':",
cagem direta gratuita) a serviço de aten-
dimento de reclamações e de cumpri- ORIENTANDO A EMPRESA PARA UM
mentos aos clientes; RELACIONAMENTO PÓS-VENDA
• satisfação do cliente: monitoramento das
expectativas do cliente e a satisfação de- O professor Theodore Levitt", analisan-
13. Berry. In: VAVRA, Op. cit. las com os produtos ou serviços dispo- do a administração do relacionamento en-
níveis e com o sistema de entrega; tre empresa e consumidor, faz uma analo-
14. BERRY, Leonard L. & PA-
RASURAMAN, A. Serviços de • serviço: serviço pré-venda, serviço pós- gia interessante. Para ele, a venda consu-
marketing - competindo através venda e atividades de conveniência do ma o namoro; depois, começa o casamen-
da qualidade. São Paulo: Mal- to. O quanto o casamento tem de bom de-
tese-Norma, 1992. consumidor.
pende do quão bem o relacionamento é
15. LEVITT,Theodore. Op. cit. Berry & Parassuraman 14 chamam os ser- administrado pelo vendedor. Isso determi-
16. Idem, ibidem. viços pós-venda gerados por reclamações na se haverá negócios continuados e se

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SERVIÇO PÓS-VENDA: A DIMENSÃO ESQUECIDA DO MARKETlNG

serão expandidos, ou haverá problemas e • insatisfação com o tratamento. Fre-


divórcio. Em outras palavras, aumentam- qüentemente, os clientes atuais não re-
se os custos ou os lucros. Em alguns casos cebem a atenção e cortesia que merecem.
o divórcio é impossível; por exemplo quan- Sua familiaridade leva-os a serem trata-
do uma grande obra de construção ou ins- dos de maneira imprópria (muitas vezes
talação está em andamento, restando um rude). Esse é um erro capital: todos os
casamento cheio de encargos e caro, que clientes devem ser tratados com igual
macula a reputação do vendedor. As em- respeito;
presas podem evitar problemas e realçar • novos funcionári-os ou novas políticas
sua posição reconhecendo, logo de início, da empresa. Mudanças na situação do
a necessidade de administrar seu relacio- cliente podem romper o relacionamento
namento com os clientes. Para o vendedor, deste com a empresa, sem que ela tenha
a venda é o fim de um processo; para o cometido nenhuma falha. A melhor de-
comprador, é o início. Essa visão exige do fesa é ficar alerta a tais possibilidades e
futuro comprador, nova orientação e nova tentar antecipar e neutralizar seus im-
estratégia. O marketing tradicional, por si pactos;
só, já não é suficiente. • aceitação de uma oferta concorrente.
Segundo Vavra", as razões mais comuns Nenhum cliente, não importa sua fideli-
que levam os clientes a abandonar uma dade, está garantido além do último pe-
empresa, são as seguintes: dido que assinou. O concorrente está
sempre alerta e, às vezes, leva-o embo-
• insatisfação com o produto, entrega, ra".
instalação, serviços ou preço. Mesmo
que um cliente aceite as desculpas pelo A estratégia de serviços pode ser consi-
atraso na entrega, embalagem inadequa- derada a essência de uma estratégia de di-
da, até por receber produtos de qualida- ferenciação de produtos. Mas para ser
de inferior, é improvável que, no mundo bem-sucedida é preciso que ela esteja in-
competitivo de hoje, em face das situa- cluída na cultura da organização. Por isso
ções acima, ele permaneça leal à empresa; é que a demanda de produtos de treina-
• dificuldade de lidar com reclamações. mento e informações sobre a gestão de ser-
Essa é uma situação em que um único viços está se expandindo rapidamente.
incidente pode levar um cliente a aban- "Programas de treinamento em serviço ao
donar a empresa. Se o cliente sente que cliente estão novamente na moda. As empresas
sua reclamação foi ignorada, mini- que promovem seminários oferecem seminá-
mizada ou mal solucionada, existem rios de administração de serviços, e muitas edi-
chances de que ele procure outro forne- toras de guias de treinamento estão desenter-
cedor. Quaisquer desentendimentos com rando seus produtos de serviços ao cliente e co-
os vendedores au- locando-os novamente
menta, substancial- no topo da lista. Mesmo
mente, a possibili- os programas de exten-
dade de se perder são nas universidades
um cliente; o
treinamento estão oferecendo cursos
• desaprovação de contí nuo é importante de excelência na presta-
mudanças. Os rela- ção de seruiços"?",
para proporcionar a
cionamentos com O treinamento con-
clientes são vulne- cultura e as tínuo é importante
ráveis a qualquer habilidades para proporcionar a
mudança de preço, necessárias para que cultura e as habilida-
políticas ou ven- des necessárias para
dedores. Alguns todos os esforços da que todos os esforços
clientes podem organila(ão'" da organização sejam
ficar tão irritados wstomer foaJsetI. customer focused. Os 17. VAVRA, Terry G. Qp. cit.
que param de funcionários devem
comprar imedia- aprender porque é 18. Idem, ibidem, p. 250.
tamente; importante mudar e 19. ALBRECHT, Kart. Qp. cit.

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reconhecer a excelência dos serviços. O relevância a qualidade de elementos tan-
treinamento precisa ocorrer em todos os gíveis dos serviços, tais como contato pes-
níveis e para todas as funções da empresa, soal com o vendedor ou a empresa, por
provendo um conhecimento detalhado das telefone ou na 10ja23•
necessidades dos clientes". Berry & Parasuraman" apresentam sete
Uma organização necessariamente se pontos essenciais na prática do marketing
internaliza, apesar de também depender interno, conforme a figura 1.
de fatores externos. "Dentro" é onde o tra-
balho se realiza, onde residem as penali- • Concorrer pelo talento. O contratação
dades e os incentivos, onde são feitos os do melhor pessoal possível para a reali-
planos e orçamentos, onde ocorrem a en- zação da tarefa. Muitas companhias têm
genharia e a fabricação, onde é medido o padrões mal definidos, lastimavelmente
desempenho, onde estão os amigos e as- baixos para o pessoal contratado. Por
sociados, onde as coisas são administra- que tantos executivos permitem que as
das e administráveis; "fora" é onde "você pessoas erradas portem a bandeira da
não pode mudar as coisas':", empresa diante dos clientes?
Levitf" alerta que para que essas coisas • Oferecer uma idéia. A atração, o desen-
funcionarem bem e se manterem, há ne- volvimento, a motivação e a retenção de
cessidade de treinamento constante de sen- empregados de qualidade exigem uma
sibilidade, porque nada se deteriora tão idéia muito clara pela qual valha a pena
facilmente quanto as práticas e rotinas lutar. Um hollerith poderá manter uma
comportamentais que são e precisam ser pessoa fisicamente no trabalho, mas so-
institucionalizadas. Essa formalização de zinho não a mantém emocionalmente.
rotinas geralmente se degenera em ativi- • Preparar as pessoas. O pessoal, em ge-
20. MASON, Barry J. & MAVER, dades despersonalizadas. Aparentemente, ral, é mal preparado para o serviço. Há
Moris L. Modem Retailing: é muito mais fácil agir do que investir tem- o treinamento, mas às vezes é pouco; ou
theory and practice, 6a ed.,
Homewood: IL, 1993. po, tomar atitudes precipitadas e depois chega tarde demais, ou não é do tipo ne-
tentar consertar o relacionamento, dizer cessário. Ou, então, o pessoal recebe um
21. LEVITT, Theodore. Op, cit.
"vamos analisar o caso, depois o chamaremos bom treinamento na parte técnica, mas
22. Idem, ibidem. de volta". A administração de relaciona- não adquire o conhecimento suficiente;
mento pode ser institucionalizada, mas, no ou seja, sabe como fazer, mas não sabe
23. Coopers & Lybrand Deloi1te.
Op. cit. processo, também tem que ser huma- por quê.
nizada. • Estimular o fator liberdade. Seres hu-
24. BERRV, Leonard L. &
PARASURAMAN, A. Op. cit. Para o consumidor, muitos dos aspec- manos não são robôs, mas muitos admi-
Maltese-Norma, 1992. tos de preço são irrelevantes, tendo maior nistradores os tratam como se fossem,
quando usam políticas e manuais de ins-
truções muito densos para limitar rigi-
damente a liberdade de ação dos empre-
Figura 1 - Pontos essenciais do marketing interno gados na prestação de serviço. Às vezes,
um manual de regras destrói a confian-
ça que os empregados têm na chefia, re-
prime seu desenvolvimento pessoal e a
criatividade e abre as portas para que os
mais qualificados saiam à procura de tra-
balho mais interessante.
• Avaliação e recompensa. Os objetivos do
marketing interno se frustrarão se o de-
sempenho dos empregados não forem
avaliados e recompensados. O pessoal
que trabalha precisa saber que será ava-
liado pela boa qualidade do que faz e que
vale a pena fazer bem.
• Conheça seu cliente. A satisfação dos
clientes exige que as pessoas que tomam
Fonte: BERRY, Leonard L & PARASURAMAN, A. Serviços de marketing - decisões compreendam primeiro o que
competindo através da qualidade. São Paulo: Maltese-Norma, 1992.
eles desejam e quais as suas necessida-

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SERVIÇO PÓS-VENDA: A DIMENSÃO ESQUECIDA DO MARKETING

des. Os empregados também são clien- mente examinado para fins de melhora de
tes que compram produtos-trabalho de desempenho e observação das relações do
seus empregadores. O planejamento de freguês. E o que é mais importante, os mes-
produtos-trabalho que atraiam, desen- mos métodos tecnológicos e de economia
volvam, motivem e retenham esses de mão-de-obra que agora florescem nas
clientes internos é algo que demanda sen- operações de produção começarão a ter
sibilidade em relação a suas aspirações, oportunidades no serviço ao cliente e nas
atitudes e preocupações. A prática da empresas que vendem serviços".
pesquisa de marketing é tão importante Quanto mais tecnologicamente sofisti-
no marketing interno quanto no marketing cado for o produto (automóvel e compu-
externo. tador, por exemplo) mais suas vendas de-
• Resumo e lista de verificação de ativi- pendem da qualidade dos serviços que o
dades. Uma empresa é tão boa quanto acompanham. O comprador de maquina-
seu pessoal, no caso do serviço, princi- ria automatizada, diferentementemente do
palmente. Um serviço é um desempe- comprador no mercado de miudezas, não
nho e normalmente toma-se difícil se- vai para casa com sua compra a todo ris-
parar o desempenho da pessoa. Se o de- co. Ele espera serviços de instalação, auxí-
sempenho não satisfaz as expectativas lio nas aplicações, peças, reparos e manu-
do cliente, o serviço também não o faz. tenção no pós-compra, desenvolvimentos
Investir na qualidade do pessoal é inves- posteriores e P&D da firma vendedora,
tir na qualidade do produto. como suporte às necessidades do compra-
dor de permanecer competitivo sob todos
Na verdade, nem sempre a empresa é os aspectos".
diretamente culpada pela perda de clien- Servir bem é mais do que atender bem.
tes. Às vezes, eles abandonam uma empre- Atender bem é receber bem o cliente, é
sa por razões incontroláveis como mudan- deixá-lo à vontade para fazer suas quei-
ça de endereço ou uma oferta do concor- xas e reclamações. Servir bem é dar solu-
rente que é impossível cobrir. Mas para ca- ções rápidas e ótimas aos problemas apre-
pitalizar sobre seu input construtivo, as em- sentados; é dispor de meios de fazer o
presas devem tratar clientes perdidos cliente sentir-se satisfeito, mesmo que, em
como oportunidades de aprendizagem. alguns casos, tenha que esperar um pouco
Eles oferecem informações valiosas que para ver seu problema resolvido; é ofere-
podem ser usadas para identificar e reme- cer serviços adequados às expectativas do
diar problemas, antes que eles afetem ou- cliente, pois são expectativas, e não coisas,
tros clientes", o que as pessoas compram. O objetivo é
cumprir as expectativas do cliente, para
CONSIDERAÇÕES FINAIS ganhar sua lealdade e, dessa forma, a
clientela continuada, preferivelmente com
O setor de serviços da economia com- um nível de satisfação que se refletirá em
preende as chamadas empresas de servi- lucro acima da média.
ços, tais como bancos, companhias de avia- As expectativas do cliente são os verda-
ção e firmas especializadas, incluindo toda deiros padrões para se avaliar a qualida-
a abundância de serviços ligados a produ- de do serviço. Compreender a natureza e
tos, fornecidos pelas indústrias, além dos os determinantes dessas expectativas é es- 25. VAVRA, Terry G. Op. cit.
serviços ligados a vendas, fornecidos pe- sencial para assegurar que a execução do
los varejistas. Portanto, o serviço ao clien- serviço tenha qualidade". 26. LEVITT, Theodore. Métodos
de linha de produção aplicados
te deve deixar de ser arbitrário e passar a É verdade que nem mesmo um bom ser- ao fornecimento de serviços. In:
ser conscientemente tratado como "fabri- viço ao cliente será capaz de suprir as fa- As idéias que revolucionaram a
Administração. Prêmio McKinsey
cação no campo". Quando isso ocorrer, ele lhas organizacionais de uma empresa ina- - Biblioteca de Administração de
será alvo da mesma atenção cuidadosa que dequada aos desafios da atualidade, nem Empresas, São Paulo: Abril,
1972, p. 57-66.
a fabricação de produtos recebe. Será cui- de tomar bom um produto ruim. Mas não
dadosamente planejado, controlado, resta dúvida que um bom produto pode 27. . Op. cit.
automatizado quando possível, verificado tornar-se mais competitivo se for acompa- 28. BERRY, Leonard L. & PA-
no que diz respeito à qualidade e regular- nhado de um bom serviço ao cliente. O RASURAMAN, A. Op, cit.

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