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HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

INTRODUÇÃO

Maurice Halbwachs propõe na década de 90 um novo olhar sobre campo de estudos


da memória. Percebida previamente através de um viés unívoco, que considerava
apenas sua esfera individual, a memoria, também passou a ser compreendida como
fenômeno social.
Essa ruptura epistemológica compreende que o ato de recordar antes exclusivamente
atrelado a experiências particulares, na verdade é influenciado por um contexto social.
O ambiente familiar, colegas de trabalho, as próprias produções culturais também
perpassam as lembranças.
Parte das recordações de um individuo é relativa à momentos em que a memória é
compartilhada, mesmo que exista momentos vivenciados apenas por esse mesmo
sujeito. O ser humano, como ser atuante e social, ancora sua memoria em suas
interações, criando pontos de referencias através de elementos e sujeitos que o
circundam. Desta forma, mesmo que uma lembrança individual não envolva
diretamente nenhuma outra pessoa, ela necessariamente se insere no mesmo espaço
que o das lembranças de várias outras pessoas, de uma mesma época, de um bairro,
de certa cultura.

CITAÇÕES

"Fazemos apelo aos testemunhos para fortalecer ou debilitar, mas também para
completar, o que sabemos de um evento do qual já estamos informados de alguma
forma, embora muitas circunstâncias nos pareçam obscuras. Ora, a primeira
testemunha, à qual podemos sempre apelar, é a nós próprios." (HALBWACHS, 1990,
p.25)

"Se o que vemos hoje tivesse que tomar lugar dentro do quadro de nossas lembranças
antigas, inversamente essas lembranças se adaptariam ao conjunto de nossas
percepções atuais. Tudo se passa como se confrontássemos vários depoimentos."
(HALBWACHS, 1990, p.25)

“Certamente, se nossa impressão pode apoiar-se não somente sobre nossa lembraça,
mas também sobre a dos outros, nossa confiança na exatidão de nossa evocação será
maior, como se uma mesma experiência fosse recomeçada, não somente pela mesma
pessoa, mas por várias.” (HALBWACHS, 1990, p.25)

"Mas nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos
outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos,
e com objetos que só nós vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós. Não é
necessário que outros homens estejam lá, que se distinguam materialmente de nós:
porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se
confundem." (HALBWACHS, 1990, p.26)
"Para que nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos tragam
seus depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha cessado de concordar com
suas memórias e que haja bastante pontos de contato entre uma e outras para que a
lembrança que nos recordam possa ser reconstruída sobre um fundamento comum."
(HALBWACHS, 1990, 34)

“Não é suficiente reconstituir peça por peça a imagem de um acontecimento do


passado para se obter uma lembrança. É necessário que esta reconstrução se opere a
partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito como
no dos outros, porque elas passam incessantemente desses para aqueles e
reciprocamente, o que só é possível se fizeram e continuam a fazer parte de uma
mesma sociedade. Somente assim podemos compreender que uma lembrança possa
ser ao mesmo tempo reconhecida e reconstruída.” (HALBWACHS, 1990, 34)

(...) se possa falar de memória coletiva quando evocamos um acontecimento que teve
lugar na vida de nosso grupo e que considerávamos; e que consideramos ainda agora,
no momento em que nos lembramos, do ponto de vista desse grupo. (HALBWACHS,
1990, 36)

“Apesar de tudo, nada prova que todas as noções e imagens tomadas dos meios
sociais de que fazemos parte, e que intervêem na memória, não cubram, como uma
tela de cinema, uma lembrança individual, mesmo no caso em que não a
percebemos.” (HALBWACHS, 1990, 37)

Haveria então, na base de toda a lembrança, o chamado um estado de consciência


puramente individual que – para distinguí-lo das percepções onde entram tantos
elementos do pensamento social – admitiremos que se chame intuição sensível
(HALBWACHS, 1990, 37)

"Quantas vezes exprimimos então, com uma convicção que parece toda pessoal,
reflexões tomadas de um jornal, de um livro, ou de uma conversa. Elas correspondem
tão bem à nossa maneira de ver que nos espantaríamos descobrindo qual é o autor, e
que não somos nós. "Já tínhamos pensado nisso": nós não percebemos que não somos
senão um eco. Toda a arte do orador consiste talvez em dar àqueles que o ouvem a
ilusão de que as convicções e os sentimentos que ele desperta neles não lhes foram
sugeridos de fora, que eles nasceram deles mesmo, que ele somente adivinhou o que
se elaborava no segredo de suas consciências e não lhes emprestou mais que sua voz."
(HALBWACHS, 1990, 47)

"Quantos homens têm bastante espírito crítico para discernir, naquilo que pensam, a
parte dos outros, e confessar a si mesmos que, no mais das vezes, nada acrescentam
de seu?" (HALBWACHS, 1990, 47)

"(...) na medida em que cedemos sem resistência a uma sugestão de fora, acreditamos
pensar e sentir livremente. É assim que a maioria das influências sociais que
obedecemos com mais freqüência nos passam despercebidas." (HALBWACHS, 1990,
47)
"Por mais estranho e paradoxal que isso possa parecer, as lembranças que nos são
mais difíceis de evocar são aquelas que não concernem a não ser a nós, que
constituem nosso bem mais exclusivo, como se elas não pudessem escapar aos outros
senão na condição de escapar também a nós próprios." (HALBWACHS, 1990, 49)

"Os atrativos desses atalhos pertencem aos dois caminhos e os conhecemos: mas é
preciso alguma atenção, e talvez algum acaso, para que tornemos a encontrá-los; e
podemos percorrer um grande número de vezes um e outro sem ter a idéia de
procurá-los, sobretudo quando não podemos contar, para nos sinalizar, com os
passantes que seguem algum desses caminhos, porque eles não se preocupam em ir a
onde conduziriam os outros." ." (HALBWACHS, 1990, 50)

"Diríamos voluntariamente que cada memória individual é um ponto de vista sobre a


memória coletiva, [...] este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e
[...] este lugar mesmo muda segundo as relações que mantenho com outros meios."
(HALBWACHS, 1990, 51)

"Dessas combinações, algumas são extremamente complexas. É por isso que não
depende de nós fazê-las reaparecer. É preciso confiar no acaso, aguardar que muitos
sistemas de ondas, nos meios sociais onde nos deslocamos materialmente ou em
pensamento, se cruzem de novo e façam vibrar da mesma maneira que outrora o
aparelho registador que é nossa consciência individual." (HALBWACHS, 1990, 51)

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