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Te LiberArs SURGE UM NOVO BAIRRO Com 0 processo de expansao territorial bastante latente na cidade de Sao Paulo no século passado, processo arquitetado pela elite paulistana, a regido central da cidade habitada por essa mesma elite se desloca dos casa- rées neoclassicos do bairro Campos Eliseos para a regido da Vila Buarque e Higiendpolis, reconfigurando, dessa forma, os territérios negros que eram conhecidos a época nessa regiao. Com esse deslocamento da elite paulistana, a populacao negra é forcada a migrar para outras regides, pois havia um projeto de urbanizacdo e desenvolvimento econémico para o centro da ci- dade com habitagées inspiradas nas arquiteturas europeias, no qual as fami- lias negras nao estavam inclusas e, dessa forma, com a migracao dessa populago, se configura um dos principais quilombos urbanos de Sao Paulo, o bairro da Barra Funda. A intervengao politico-cultural das centenas de negras e negros que vieram habitar a regiao norte da cidade foi fundamental para que houvesse, com o passar dos anos, uma organizagao social que lutasse contra a falta de estrutura das familias negras que viviam nas zonas periféricas. Essa organi- zacao resultou em entidades como a Frente Negra Brasileira. Apés 0 proces- so de transi¢ao do poder nacional para o entao Presidente Getulio Vargas, houve uma importante e pertinente mobilizagao acerca da importancia de se lutar por direitos civis, questdes de género, sociais e étnico-raciais, e, uma das mais importantes organizagdes do movimento negro desse perfodo foi Frente Negra Brasileira, criada em Sao Paulo no ano de 1931 e que chegou a aglutinar milhares de negras e negros em todo o pais. Segundo Petrénio Domingues, a Frente Negra Brasileira chegou a agluti- nar mais de 60 delegagées (“filiais”) em torno de um programa que anatemati- zava o “preconceito de cor”. Mantinha escolas, times de futebol, grupo teatral; oferecia assisténcia juridica, servigo médico e odontolégico, cursos de formacgao politica, de artes e oficios, além de publicar 0 jornal A Voz da Raga. Em 1936, a ENB transformou-se em partido politico. (DOMINGUES, 2004) 33 tarmos para 4 compreensao desse periodo no enta on a a politicas das diferentes camadas sociais no 4mby $s m diversas frentes de luta, pois e68a organizargy da pela conjuntura internacional de ascensio dg por defender posigbes politicas e ideols £ importante tange as movimentag da sociedade organizada © politco-social fol influencia nazifascismo € notabilizou-se jacionalistas. aa toda a mobilizagao politica getulista em torno do movimento jn. je 1930, houve uma interveng4o do governo de Getilig urais do movimento negro organizado, pois os grupos, quer fossem culturais, socials ou politicos, tinham um poder organi zacional impecavel e um potencial arregimentador invejavel, pois além de estarem representados em diversas regides do pais, tinham capacidade ¢ autossuficiéncia a tal ponto que formavam os seus jovens com um contetido politico diferente de outros jovens de culturas diferentes. Nao obstante isso, a Frente Negra Brasileira foi responsdavel pela aquisi- 40 de boa parte dos lotes que tinham acabado de ser disponibilizados para venda no novo bairro, que se formava na Casa Verde como subdistrito, par- ques e vilas, pois 0 fato de a Casa Verde ser um bairro com dimensées territo- riais bastante privilegiadas criou essa subdivisio com pequenas vilas € parques para que houvesse uma forma de organizar o bairro como um todo. Dentre esses subdistritos, destaca-se 0 Parque Peruche por sua for- macdo geografica, que mostra claramente a divisdo dos terrenos que foram loteados e comprados pela dire¢do da Frente Negra Brasileira. Outro aspecto importante que coloca o Parque Peruche em destaque é a quantidade de familias negras por metro quadrado em todo o bairro, pois a segregasao senate! do inicio do século XX foi um dos principais estopins para qué Se nite arregimentar e incluir socialmente essa massa que arts es da regiao central da cidade, que passava por um pro- t Mies elite paulistana. jes visceral irmos que, historicamente, essa regiao foi uma o dau de café no século XVIII, com uma forte wre “ealbomid doe que rabathovun na feces one lags terrtorais que Essa presenga foi fundamental a Sr ego ng Feet ae wns peracaenl Sentido, é importa s sempenhado pela ae Nia compreender 0 papel politico-socil a Brasileira, que, além de protagonizare® tegralista da década di Vargas as atividades sociocult luta por direitos sociais e 0 combate ao racismo no Brasil, em especial em So Paulo, foi a organizagao que se responsabilizou por cuidar das outras questdes relacionadas a populagdo negra; dentre elas, a participagéo em clubes negros, como 0 Aristocrata Clube; times de futebol, como 0 Monte Azul do Parque Peruche, e cordées carnavalescos, como 0 grupo Camisa Verde, como forma de reorganizar a “comunidade” negra, que estava disper- sa nas regides periféricas da cidade, sem qualquer estrutura que lhe desse alguma condigao de viver dignamente na sociedade paulistana. Essas organi- zacées esportivas e culturais pensadas e mobilizadas pelos dirigentes da Fren- te Negra Brasileira tinham um cardter fundamentalmente ligado a uma politica de inclusio social, preservagao de tradigdes negras, resisténcia étnico- cultural e de organizagao étnico-social. Ao longo dos anos que sucederam essas agdes, houve um significativo avango social nas vidas das familias negras que foram habitar os subdistritos os quais formam 0 bairro da Casa Verde. Na imagem abaixo, notamos que o Parque Peruche é loteado de forma precisa, valorizando o terreno de um dos tltimos sitios que ainda existia como reminiscéncia da Fazenda Casa Verde, de Horacio Vergueiro Rudge. LSS oT LA cel Mapa do bairro da Casa Verde. (Foto: Jornal da Zona Norte) ‘No ano de 1987, o empresario José Martiniano Sobrinho, empresario no setor imobilidrio do bairroe diretor do Jornal da Zona Norte, residente no bairro desde 1950, reuniu um grupo de amigos, do bairroe dezenas de diretores de varias entidades do bairro,e estabeleceu,apos um longo estudo, a data de fundagao do bairro da Casa Verde, que foi oficializada através de let ‘municipal pelo vereador Walter Abrahdo. A data a da venda do primeiro lote de terreno na Rua ‘Saguairu, esquina com a Rua Joao Rudge: dia 21 de maio de 1913. 35 Um dos ilustres moradores do bai folo mestre Dion{sio Barbosa qui Negros na capital p 023, Budovia 24 ina ravalesco organi e,em 1914, fundou o primeiro grupo carnavale: a Rua Santa 0 da Casa Verde, no Parque Peruche, na Rua aulista, o Grupo Barra Funda, 36 MANIFESTAGOES CULTURAIS NA CASA VERDE A tradigao das culturas populares na regido da Casa Verde vem, ao longo dos anos, se desenvolvendo de maneira considerdvel gragas as varias vertentes das manifestagdes de matriz africana que ainda hoje podemos encontrar no dia a dia de quem vive na regio, como Tambu (batuque de umbigada), festa da Irmandade de Sao Benedito, blocos afros, terreiros de umbanda e de candomblé, escolas de samba, artistas plasticos e artesdos. A zona norte tem raizes Samba, candomblé, gente africana... (Trecho da misica “Nata do Samba’, da Velha Guarda da Camisa Verde e Branco. ‘Compositores: Airton Sta. Maria e Mario Luiz) Tambu ou Batuque de Umbigada 0 Tambu, conhecido como Batuque de Umbigada, é uma danga de ori- gem africana (etnia bantu) que se desenvolveu no Brasil desde o perfodo da escraviddo. Segundo Dona Inés, o Tambu foi levado para a Casa Verde por antigos moradores do bairro, que iam as festas do treze de maio em Piraci- aie desde a década de 1920, e nas festas de Sdo Benedito na cidade d Tieté no mesmo periodo em que o batuque se afirmava no interior d eA Paulo. “Nés famos a festa do batuque com nossos pais e tios desde m - s quenos. A gente nao podia participar da danga porque ndo permitiam ¥, an i- cipagdo das criangas; mas, sé de estar Id ji it 5; Jd era mu P Inés, com um olhar saudoso! cen ere ome 37 -Tambu, ou Batuque de Umbigada - Arquivo do autor 0 Batuque de Umbigada foi praticado em algumas cidades do Estado de Sao Paulo, mas hoje essa manifestacao é preservada apenas nas regides de Piracicaba, Tieté e Capivari. Essa danca tem mais de quatrocentos anos e, ao observa-la fazemos uma maravilhosa viagem no tempo. Percebemos a resisténcia cultural e so- cial que toda uma populacao condenada pela escravidao teve para constitu: ir-se enquanto pessoas e lutar por seus direitos e pela propria vida. Da mesma linhagem cultural do Batuque de Umbigada, temos o Tam- bor de Crioula (no Maranhao), Jongo (do Rio de Janeiro e Sao Paulo), Bellé (na Martinica) e o Tambor de Yuca (em Cuba). 0 Batuque é um ritmo tirado de tambores esculpidos em troncos de Arvore e marcados por duas hastes de madeira que dao o ritmo forte e mar cante do Tambu, Sua danca de origem africana faz com que se perpetue™ 0s ensinamentos dos ancestrais africanos, que entendiam o toque dos umbigos elcid . aa ng ser 0 umbigo o elo entre a gestagao e 0 oe vic that ae He procriacdo. A manifestagao tem am cal i seaieaaeecin at ja de ventre que os dangadores dao entre Acredita-se apy ng Tae eee seja de origem bantu, como uma e mal oe le de época que nao se pode oe = os padres, mas os fa; la foi severamente proibida na época color - endelros fingiam que nao viam, tinham grande 38 se em aumentar o nimero de escravos. f uma danga muito popular em al gumas cidades do interior de S80 Paulo, nas festas do Divino Espfrito Santo ou nas festas juninas, O batuque ¢ dangado em terreiro ou praga piblica. Os batuqueiros apresentam-se em qualquer época do ano, mas mais intensa- mente no dia 13 de maio e nas festas juninas. Uma fileira de homens fica a0 lado dos tocadores, As mulheres ficam a uns 15 metros de distancia. Entao, come¢a a danga, comegam as umbigadas. Cada homem, dangando, da trés umbigadas numa mulher Foto de acervo pessoal. Mestre Herculano, resistencia viva do Batuque de Umbigada, Os miisicos tocam. Um batuqueiro “modista” faz a poesia, os vers Ha o solo e, em seguida, o coro é feito por todos que estao batucando. Os participantes, de numero ilimitado, geralmente trajam-se com rou- pas especiais em razio da importancia atribuida a danga. As “batuqueiras” usam saias compridas, turbantes, saias ou chapéus e enfeitam-se com brin- cos, pulseiras e colares, rememorando 0 traje da época da escravidao, o que confere aos movimentos maior beleza. Fazem parte da marcacao ritmica (bastante complexa), quatro ins- trumentos musicais: guaid, (gueid, chiquito ou chocalho); tambu; quinjengue (quijenho, mulemba ou mulamba) e matraca ou mitraca. A melodia entoada recebe 0 nome de moda ou toada e costuma ser improvisada, o que ndo impede a repetic4o de modas tradicionais. 39 A improvisagao pode ser individual ou coletiva e se faz ao som do guaid. Embora considerada pelos patuqueiros uma danga de respeito, religi ites das cidades de Piracicaba, Tieté e Capivari, on sina realidade, quando tratam da danga ainda umbigada afirmando que € uma danga ‘sa até, nota-se que as € Atica ainda € ou danga de Ao dos escravos nas senzalas, € que foi por de essa pr deturpam o batuque profana e um ritual de procriag io que chegou até nds. essa re Foto: Mestre Bomba, Kap apula e Mestre Herculano (Batuque do Mestre Herculano - Tiet#/SP) No bairro d: a Casa Vi Mthel note a a umbigada ainda é preservada por Don a ada visita dos familiares que vivem na cidade ¢ one jente organizam um batuque para celebrat 8 ne las tradi¢6es herdadas de nossos ancestré ais.

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