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OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

Professor de Direito Comercial da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Advogado.


Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Santa Cruz.

DIREITO
COMERCIAL
Volume 3
Falência e Recuperação Empresarial
1ª edição
2008

Organização, Diagramação e Transcrições


Aquele Que Ingeriu Nescau com Água da Torneira

EDITORA
ESQUIZOFRENIA
HITS
DIREITO COMERCIAL III 29 de agosto
Aula n.º 01 de 2008

FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL:


INTRODUÇÃO - ASPECTOS PROCESSUAIS

SUMÁRIO: 1. Institutos fundamentais do Direito Processual. 1.1. Jurisdição.


1.2. Ação. 1.2.1. Condições da ação. 1.3. Processo. 1.3.1. Processo de
conhecimento. 1.3.1.1. Classificação das ações de conhecimento. 1.3.1.2.
A teoria do peso 15 de Pontes de Miranda. 1.3.2. Processo cautelar.
1.3.2.1. Tutela cautelar x tutela antecipatória.

Neste estudo, se enfocará a falência com mais afinco do que a recuperação


empresarial, dada a importância social da primeira, tendo em vista que há muito mais
falências do que processos de recuperação de empresas.

Ao se iniciar a análise da falência, depara-se, já, com certa dificuldade: ela, antes de
qualquer coisa, é uma espécie de processo de execução coletiva1. Sabendo-se que a falência
possui dimensões material e processual, é necessário saber, quanto ao último aspecto, qual
é a função que a falência exerce dentro do sistema processual brasileiro. Muitos dos institutos
e das regras da falência são explicados e legitimados em razão de sua finalidade; entender o
campo da natureza processual da falência, sob o ponto de vista da função que desempenha,
em muito auxilia à compreensão de toda a sua estrutura.

Para que se dê uma explicação adequada sobre esse sistema, é necessário visualizá-lo
– apenas com essa pretensão, sem buscar qualquer incursão muito profunda no Direito
Processual.

1. INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL

1.1. Jurisdição2

É o poder-dever do Estado de declarar (no processo de conhecimento) ou atuar (no


processo de execução) a “vontade concreta da lei” – conceito de Chiovenda; solucionar os
conflitos (“compor a lide”, na visão de Carnelutti).

1.2. Ação

É o direito subjetivo público que tem o jurisdicionado de provocar o exercício da


jurisdição pelo Estado – o que não significa “direito a uma sentença favorável”; no caso do
processo de conhecimento, que se julgue o processo com a devida análise do mérito. No
sistema processual brasileiro, o direito à ação não corresponde ao direito invocado pela parte

1
Mais adiante se verá que a falência tem duas naturezas: há a dimensão material – um sistema que regula o status
jurídico do falido, no que diz respeito às suas relações obrigacionais (ativas e passivas) no plano da
responsabilidade patrimonial –, e a dimensão processual, agora sob enfoque.
2
Que tal “drobar” e jogar fora o que o professor falou sobre jurisdição? É tudo tão ultrapassado que eu me sinto
no dever de transcrever o conceito modernoso de Fredie Didier Jr.: “é a função atribuída a terceiro imparcial de
realizar o Direito de modo imperativo e criativo, reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas
concretamente deduzidas, em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível”.

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– não fazendo mais sentido a teoria imanentista, presente no artigo 75 do Código Civil de
1916 (“a todo direito corresponde uma ação, que o assegura”). Essa teoria retratava uma
vinculação indevida entre o direito material e o direito à ação. Hoje vigora a teoria eclética –
a ação é um direito abstrato, mas condicionado.

1.2.1. Condições da ação

A ação independe da existência do direito material invocado; embora seja um direito


autônomo, está sujeita a determinadas condições: a) interesse de agir, b) possibilidade
jurídica do pedido e c) legitimidade ad causam.

a) Interesse de agir – pode ser traduzido como a necessidade do autor em obter o


provimento jurisdicional. Não há interesse de agir quando, por exemplo, uma pessoa
impetra mandado de segurança em face do reitor de uma universidade, para que se
realize a sua matrícula, se nenhum óbice foi imposto à prática daquele ato. Hoje se dá
uma ampliação a essa condição, englobando, também, a adequação da tutela
pretendida ao veículo processual intentado3.
b) Possibilidade jurídica do pedido – Ocorre quando a tutela invocada está prevista no
ordenamento jurídico.
c) Legitimidade ad causam – É uma condição muito fácil de visualizar, mas que é
confundida até mesmo “por quem entende”. É a coincidência entre os sujeitos da
relação processual (autor e réu) e os sujeitos da relação de direito material invocada
(credor e devedor ou pai e filho, por exemplo), que, necessariamente, deve haver. Na
Justiça do Trabalho, é comum o réu negar o vínculo de emprego alegado pelo autor
invocando a ilegitimidade passiva – “nunca fui empregador; como o reclamado deve
ser o empregador e este não sou eu, tá rolando ilegitimidade”. É uma visão
equivocada, porque, se “A” se diz empregado de “B”, isso basta para que “B” figure no
pólo passivo da demanda. Sujeitos da relação processual: “A” e “B”; sujeitos da relação
de trabalho invocada: “A” e “B”; dessa forma, há legitimidade das partes. Se há ou não
relação de emprego ou contrato de prestação de serviço, trata-se de questão de
mérito4.

1.3. Processo

É o instrumento necessário ao exercício da ação. É o meio pelo qual o jurisdicionado


exerce o seu direito de ação, e o Estado-juiz presta a função jurisdicional. O processo deve,
portanto, ter a estrutura que se amolde à ação respectiva. Por haver naturezas jurídicas
diferentes na ação (de conhecimento, de execução e cautelar) – porque diferentes são as
naturezas da jurisdição nela exercida (reconhecer, efetivar e assegurar situações jurídicas) – há
três espécies de processo, correspondentes às três espécies de ação: processo de
conhecimento, processo de execução e processo cautelar.

3
Hoje? Esse negócio era da época em que Gretchen ainda era gata.
4
Isso ocorre porque o CPC adota a teoria da asserção, baseada unicamente nas afirmações do autor. Achou besta?
Tem gente que concorda com você! Fredie Didier Jr. defende a abolição das condições da ação, pois, “ao menos
nos casos de legitimidade de agir ordinária e possibilidade jurídica do pedido, é impossível extremá-las do mérito
da causa [...] A falta de uma dessas condições, reconhecida liminarmente ou após instrução, deveria dar ensejo,
sempre, a uma decisão de mérito”. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. v. 1. teoria geral do
processo e processo de conhecimento. 9. ed. Salvador: Jus Podivm, 2008. p. 174.

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1.3.1. Processo de conhecimento

No processo de conhecimento, conforme a concepção de Chiovenda5, o juiz declara a


vontade concreta da lei. Esta conteria uma vontade abstrata e geral, correspondente à sua
própria natureza; por meio da jurisdição é que se obtém a aplicação da norma ao plano da
relação intersubjetiva. O juiz, dessa forma, declara, saindo da generalidade e da abstração do
enunciado da norma, e vindo à individualidade da situação deduzida, dando concretude à
norma6. Há quem diga que a finalidade do processo é a composição da lide (Carnelutti),
numa visão unitária do sistema processual7.

Pode-se dizer que a atividade exercida pelo juiz, no processo de conhecimento, é,


realmente, a de julgamento propriamente dito – no sentido material, de compor a lide,
manifestando a jurisdição sobre um conflito de direito material entre as partes. Nos processos
de execução e cautelar, pode-se dizer que há julgamento, pois há resolução do mérito da lide
– mas não no campo do direito material. Somente no processo de conhecimento há
declaração judicial sobre o conflito de interesses entre os sujeitos da relação processual.
Assim, só aqui se pode dizer que há julgamento em sentido estrito – pois o juiz “diz quem
tem razão” acerca do litígio de direito material.

1.3.1.1. Classificação das ações de conhecimento

As ações, no processo de conhecimento, se classificam em declaratórias, constitutivas


e condenatórias, para a doutrina clássica8, e, para a moderna, incluem-se, também as ações
executivas lato sensu e mandamentais.

a) Ações declaratórias – visam a declarar a existência de uma relação jurídica. Só se


declara o que já existe; em rigor, a ação declaratória e a respectiva tutela – a sentença
declaratória –, em nada alteram o mundo do direito, exceto pelo acertamento jurídico
manifestado pelo fenômeno da coisa julgada material.
b) Ações constitutivas – têm a finalidade de constituir uma nova situação jurídica,
criando, extinguindo, modificando ou transferindo um direito (ex.: ação de separação
judicial – extingue a sociedade conjugal; ação de rescisão de contrato – põe fim à
relação contratual). O verbo utilizado pelo juiz, na sentença constitutiva, é decretar,
enquanto que, na declaratória, é declarar.
c) Ações condenatórias – São as ações que impõem o cumprimento de uma obrigação,
criando o título judicial pelo qual se dará a execução daquela obrigação de dar, fazer
ou não fazer.

5
Chiovenda, de novo, NÃO, PELAMORDEDEUS!
6
Bom, acho que isso tem algum valor histórico... Embolorado, mas histórico.
7
Na concepção unitária, não há aplicação da norma abstrata à situação dada, mas sim da norma concreta; a
norma abstrata não atua, não possuindo eficácia até que se individualize por meio da sentença. É unitária porque
a sentença cria algo novo para o Direito, não sendo mera declaração (e, por isso, fora do ordenamento jurídico) da
norma abstrata – ainda que encontre nela os seus limites. É uma concepção arcaica, pois os limites da atuação
jurisdicional não estão na lei, mas na Constituição. A diferença está na atividade criativa do juiz, inexistente
quando se refere à legalidade formal da teoria caneluttiana, e que se manifesta somente quando o juiz é capaz de
criar a norma a partir dos princípios e regras (especialmente as cláusulas gerais) contidas em todo o sistema
jurídico, principalmente no texto constitucional. Confuso? Leia Marinoni!
8
Além de um tal de Alexandre Freitas Câmara.

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d) Ações executivas – a diferença entre estas e as anteriores não se dá apenas quanto ao


veículo processual, como geralmente se pensa. Uma ação executiva, que impõe uma
ordem ao réu para o cumprimento de uma obrigação, não pode ser considerada
condenatória por conta da forma de cumprimento do provimento jurisdicional. Na
ação de condenação, há uma fase anterior, de conhecimento, e a fase de execução;
nas ações executivas lato sensu, a execução se dá nos próprios autos daquela
sentença, já que é inerente à tutela jurisdicional invocada. Pela nova sistemática do
Código de Processo Civil, ressaltou-se a efetiva diferença entre as ações condenatórias
e as ações executivas lato sensu, em termos se sua natureza, não mais da forma de ser
executada (afinal, não há mais processo de execução para cumprimento de sentença
condenatória). A ação condenatória implica, quando executada, uma transferência da
propriedade do bem litigioso. Num exemplo de condenação ao cumprimento de
obrigação de dar R$ 5.000,00, a execução se dá retirando-se a quantia, pelas diversas
formas possíveis, do patrimônio do devedor (réu) e incorporando-se ao do credor
(autor). Pressupõe-se, dessa forma, que o bem reclamado pelo autor esteja no
patrimônio do réu, e que este tenha a obrigação de transferi-lo àquele – o que não
ocorre na ação executiva lato sensu (ex.: ação reivindicatória), pois, aqui, o direito ou o
bem já são de titularidade do autor. A sentença, e a sua respectiva execução, retiram
da posse ou da detenção do réu o bem que já pertencia ao autor e lhe devolve9.
e) Ações mandamentais – Pode-se dizer que, grosso modo, possuem o mesmo conteúdo
das ações executivas, mas, em havendo inércia do réu, não pode ocorrer, na sentença
mandamental, substituição judicial da declaração de vontade dele. A tutela
jurisdicional impõe uma coerção sobre o réu para que realize a prestação, porém,
caso o inadimplemento se protraia no tempo, o juiz não poderá fazer as vezes do
demandado. Por exemplo, se um estudante impetra mandado de segurança em face
do reitor da universidade, a fim de que este realize a matrícula, caso haja resistência
da autoridade coatora, não poderá o juiz matricular o autor, substituindo o réu10.

Com a reforma da execução, aumentou a crítica à concepção quinária das ações,


havendo, para alguns, apenas três naturezas de ação no processo de conhecimento – as
mandamentais e executivas seriam, meramente, espécies de ações condenatórias.
Defendendo a concepção trinária: Alfredo Buzaid, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel
Dinamarco e Alexandre Freitas Câmara. Defendendo a classificação quinária, Calmon de
Passos e Luiz Guilherme Marinoni.

1.3.1.2. A teoria do peso 15 de Pontes de Miranda

Para Pontes de Miranda, toda atividade jurisdicional de conhecimento tem um pouco


de cada uma daquelas naturezas explicitadas (declaratória, constitutiva, condenatória,
mandamental e executiva). Uma sentença declaratória tem como carga principal a função de
declarar. Com os pesos (variáveis de 1 a 5) dados pelo finado autor alagoano, a sentença

9
Bom, para Pontes de Miranda é isso aí, mas, para Marinoni, não se deve distinguir essas duas espécies de ações
por critérios de direito material. O que deve diferir uma de outra é a finalidade de se obter a tutela específica do
direito, que só ocorre na ação executiva – a ação condenatória se resume ao ressarcimento pelo equivalente em
pecúnia. CHEGA DE PONTES DE MIRANDA!
10
Além disso, as ações executivas se referem a obrigações de dar, ao passo que as ações mandamentais dizem
respeito a obrigações de fazer ou não fazer.

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declaratória, no que tange à declaração teria carga 5; ela cria, também, algo de novo no
mundo jurídico, pelo efeito da coisa julgada, tendo peso 4 na constituição; ela tem o efeito
anexo de condenação – no que se refere às custas processuais e aos honorários advocatícios –
, cujo peso é 3; há, na mesma sentença, mandamentos dados pelo juiz (intimar-se, publicar-
se, registrar-se) – logo, há peso 2 nesse aspecto11. Todas as demais sentenças sempre têm
peso 4 quanto ao efeito declaratório – porque toda e qualquer sentença sempre é uma
declaração; quando o juiz condena o réu, antes declara que o mesmo é devedor em face do
autor; quando profere decisão executiva em ação de despejo, antes declara que o réu é
inadimplente quanto às obrigações oriundas do contrato de locação.

Calmon de Passos, criticando essa teoria, batizou-a de “teoria do jegue” – pois é esse
animalzinho simpático que costuma carregar peso. Os efeitos anexos da sentença não lhe
outorgam natureza diversa – estar-se-ia confundindo o que é acessório com o que é
principal.

1.3.1.3. Limites objetivos da coisa julgada

As razões de decidir nunca fazem parte da coisa julgada; o que é abarcado por este
fenômeno é somente a parte dispositiva da sentença. Por exemplo, se “A” sofre uma batida
de carro por culpa de “B”, e este é condenado à reparação do dano material, somente a parte
dispositiva – “julgo procedente o pedido formulado por ‘A’ contra ‘B’, razão pela qual,
condeno o réu, aos pagamentos, em parcela única, ao autor, do valor de R$ 0,75, a título de
danos materiais” – faz coisa julgada. Caso “A” resolva mover nova ação em face de “B”, desta
vez fundada em reparação de lucros cessantes, não poderá o juiz afirmar, com base no outro
julgado, que “B” tem culpa – pois as razões de decidir (a culpa de “B”, no exemplo) não
transitam em julgado, salvo se houver ação declaratória incidental ou incidente processual.

1.3.2. Processo cautelar

A função exercida pelo juiz, no processo cautelar, é a de assegurar a efetividade de


outra tutela jurisdicional, de conhecimento ou de execução – entendida como a existência e a
integridade do bem invocado quando da análise da tutela de mérito nos processos de
conhecimento e de execução. O processo cautelar assegura a tutela, mas não entrega o bem
nem a autor nem a réu, pois visa apenas a proteger a coisa. Por exemplo, Marcinho move
ação contra Vivi Fernandez exigindo seu carro de volta; porém ela ameaça queimá-lo.
Marcinho pode intentar ação cautelar para proteger o bem litigioso, retirando-o do domínio
de Vivi, com a finalidade de assegurar que a tutela jurisdicional do processo de conhecimento
– a ação possessória – seja efetiva quando for prestada.

Num processo de execução, pode o réu dilapidar seu patrimônio (doando bens de
má-fé) para que o credor não se satisfaça – pois não haverá bens a serem penhorados. Cabe
ao autor, em ação cautelar, suscitar arresto (medida cautelar em que se antecipa a penhora, a
fim de se evitar as fraudes à execução e contra credores).

O bem tutelado não é o direito material invocado; é o processo principal. Portanto, em


sendo assim, aquele bem não pode ser entregue a qualquer das partes. O provimento
cautelar jamais é satisfativo.

11
Otávio Augustus esqueceu onde entra o aspecto executivo da sentença declaratória...

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1.3.2.1. Tutela cautelar x tutela antecipatória satisfativa

Ambas são espécies de tutelas de urgência, mas, na última, se antecipa a satisfação do


direito invocado pela parte; já a tutela cautelar busca preservar a futura eficácia da tutela
satisfativa, em vez de conferir-lhe eficácia imediata. No sistema anterior, quando não havia
tutela antecipatória, o provimento liminar só poderia ser concedido por meio de ação
cautelar. Por exemplo: a Rede Globo, em determinado momento histórico, tinha obtido a
exclusividade de exibição dos jogos do Campeonato Brasileiro. Num domingo, ao perceber
que a Rede Bandeirantes se preparava para instalar equipamentos, num estádio, para
transmitir os jogos – que, em tese, eram de transmissão exclusiva da concorrente –, decidiu
acionar o Judiciário.

O sistema processual da época recomendava o procedimento ordinário – longo


demais para obtenção da tutela adequada do direito almejado. A solução mais rápida era
mover uma ação cautelar – em que cabia provimento liminar –; o juiz poderia, tendo em vista
“as razões teleológicas do direito processual”12 dar uma finalidade satisfativa ao provimento
cautelar13.

O processo cautelar, segundo Ovídio Baptista da Silva, é a segurança da utilidade do


provimento jurisdicional. Visa, portanto, a assegurar para executar, enquanto que a tutela
antecipatória satisfativa executa para assegurar, em decorrência da previsão, no novo sistema
processual civil, de decisão em caráter liminar.

O processo de conhecimento tem três fases principais: postulatória, instrutória e


decisória. A antecipação da fase decisória, antes de as provas serem produzidas e o juiz
conhecer com profundidade da matéria, sempre esbarrou na ideologização do procedimento
ordinário. Não se concebia uma decisão judicial que não fosse baseada na “certeza jurídica”14.
Todavia, em todo processo há decisão liminar – ainda que negativa, quando da inércia do
autor, em que o juiz assegura ao réu sua situação jurídica até a decisão definitiva.

No sistema anterior, o ônus tempo do processo sempre pesava contra o autor – que
deveria esperar o fim do processo para obter o provimento jurisdicional que lhe satisfizesse.
No entanto, moderna e otavio-augusticamente, se entende que o tempo do processo deve
correr contra aquele que tem, no plano da plausibilidade e da verossimilhança, uma situação
mais fraca.

* *

12
Traduzindo: fazer um “direito-alternativo-bom-pra-megaempresário”.
13
Hoje é só lascar uma ação inibitória e tá tudo resolvido.
14
Dizem as más línguas que isso, na verdade, era a desconfiança das pessoas em relação aos juízes do ancient
regime.

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PROCESSO DE EXECUÇÃO

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Atividade jurisdicional na execução. 3. Espécies


de execução. 3.1. Execução singular. 3.2. Execução coletiva.

1. INTRODUÇÃO

Ao lado dos processos de conhecimento e cautelar, chegando mais perto do que


interessa ao estudo da falência e da recuperação empresarial, há o processo de execução. Este
é trabalhado no plano da jurisdição satisfativa, que pode ser tanto de conhecimento como de
execução.

No primeiro caso, a satisfação se consubstancia (numa concepção chiovendiana) na


declaração da vontade concreta da lei. O comando normativo sai da generalidade e da
abstração do texto normativo e passa à concretude da situação jurídica apresentada – por
meio da sentença, a “lei das partes”, ou do contrato (nesse caso, obviamente, sem passar pela
jurisdição). A concretização do direito se dá, sobretudo, no plano da sentença, instrumento
pelo qual o direito emerge com seu caráter vinculante – posto que a norma particular é de
observância obrigatória e coercitiva para as partes. A lei contempla normas de conteúdo
abstrato, não tendo incidência direta sobre o indivíduo; não é porque o direito tipifica o
homicídio como crime que se deixa de matar. Mas quando, numa execução civil, o juiz diz
“pague”, o sujeito é obrigado a cumprir a ordem independentemente de sua vontade.

No segundo caso, a satisfação se dá pela atuação da vontade concreta da lei15. Já houve


a declaração no plano concreto; o que importa, aqui, é que essa vontade atue, que esse
comando, fruto de um título executivo, seja, de fato, executado. O termo execução vincula-se à
noção de cumprimento; a execução de uma obrigação pode se dar voluntariamente ou de
maneira forçada – assim, execução nem sempre se liga à idéia de coerção judicial.

2. ATIVIDADE JURISDICIONAL NA EXECUÇÃO

Como visto, no processo de execução, não há espaço para julgamento em sentido


estrito. Em rigor, aqui não se julga nenhum conflito entre as partes do ponto de vista do
direito material – embora incidentes possam ocorrer no curso do processo –, decidem-se
apenas questões relativas à relação processual16.

O processo de execução foi alterado significativamente em sua natureza; todo o seu


sistema foi modificado (e não apenas em questões de mera processualística, como na
possibilidade de se haver embargos sem penhora ou antes dela, uma espécie de
institucionalização do procedimento anteriormente conhecido como exceção de pré-
executividade; hoje é possível resistir-se à execução sem necessidade de garantia do juízo,
como ocorria naquela exceção). As recentes reformas modificaram a natureza do processo de

15
Aceite essa vontade concreta da lei com reservas.
16
Também é por conta disso que é uma impropriedade se incluir numa petição inicial de uma ação de execução o
famoso jargão “protesta por todos os meios de prova em direito admitidos”, uma vez que não se prova coisa
alguma em processo de execução – já que não há matéria controvertida submetida à cognição judicial, em razão
de já existir um título constitutivo, judicial ou extrajudicial.

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execução porque, por exemplo, a execução judicial deixou de ser ação autônoma (passando a
ser fase processual), de forma semelhante ao que veio a ocorrer com os embargos à
execução de título extrajudicial.

3. ESPÉCIES DE EXECUÇÃO

Dentro do processo de execução, aquilo que mais interessa ao Direito Falimentar são
as espécies de execução: singular e coletiva.

3.1. Execução singular

O nome já denuncia muito de seu conteúdo: é a ação intentada por uma parte autora,
denominada exeqüente, em face uma parte requerida, denominada executada17. O processo é
movido unicamente pelo interesse do credor em receber a prestação, objeto da execução,
devida pelo executado18.

Saindo das questões da nova sistemática processual (que englobam adequação de


tutela jurisdicional e a tutela inibitória), nas execuções singulares, há duas classes distintas,
referentes ao conteúdo da obrigação devida:

a) execução por quantia certa: se instrumentaliza pelo requerimento do autor, seguido pela
garantia do juízo – o ato de constrição judicial, que submete o bem à jurisdição de execução
–, o qual visa a apurar o valor do bem, vendê-lo em hasta pública, e entregar o produto ao
credor, satisfazendo o seu crédito (caso não tenha havido adjudicação).

O ato que implica a constrição judicial, na execução singular, é a penhora. Entre esse ato
e a alienação judicial do bem, pode haver resistência (nos limites que a cognição do processo
judicial permite) do executado – através de uma ação autônoma de conhecimento (pelos
embargos à execução), ou por expediente dentro do próprio processo de execução. Se a
resistência do executado é aceita integralmente, o processo de execução é extinto; se aceita
parcialmente, o valor da execução é reduzido, no montante que o juiz aceitou o questionamento
do réu. Ultrapassado o questionamento do réu, se a ação não foi extinta, o bem é alienado, pelas
formas que a lei prevê, e o produto da alienação é entregue ao exeqüente.

b) execução para entrega de coisa e execução de obrigação de fazer e não-fazer: difere


da execução por quantia certa não só quanto ao objeto, mas também por haver uma fase
anterior, que visa a encontrar a própria coisa, ou a instar o obrigado a adimplir sua prestação
de fazer ou não-fazer. Se a coisa for entregue, o processo é extinto; caso contrário, expede-se
mandado de busca e apreensão da coisa; se for encontrada, e entregue ao exeqüente em sua
totalidade, extingue-se o processo de execução – mas se houve satisfação apenas parcial, o

17
No entanto, sabe-se que é possível haver pluralidade dos sujeitos que compõem os pólos da relação jurídica
processual, sem que isso altere a dualidade de partes (há sempre parte autora e parte ré). As partes são
trabalhadas como pólos de interesses – ainda que haja vários autores, todos eles têm o mesmo interesse
processual. Já entre devedores, pode sim haver conflito, especialmente em se tratando de solidariedade passiva.
Da mesma forma que no processo, num negócio jurídico bilateral há somente duas partes (ex.: 150 pessoas são
proprietárias, em regime condominial, de um biscoito cream-cracker; ao vendê-lo a duas pessoas famintas, o
negócio foi celebrado entre uma parte vendedora e uma parte compradora).
18
E se, na hipótese de Wilma, no processo de conhecimento, o autor não só perde, como também é condenado?
O réu se torna exeqüente? Para Otávio Augustus, só no que se refere aos honorários de sucumbência (pois
reconvenções, denunciações da lide e outras coisas que tumultuam o processo, são demandas autônomas). Sim,
professor, e no caso de pedido contraposto? É a mesma coisa? Alguém aí me responda, por favor.

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DIREITO COMERCIAL III 05 de setembro
Aula n.º 02 de 2008

processo continua. Caso não se encontre o bem, ocorre a conversão em execução por
quantia certa; como a execução é, ainda, patrimonial, o que resta é a apuração do valor do
bem que seria entregue, e posterior homologação judicial dos cálculos – que embasam a
mencionada conversão.

Tanto a execução de dar coisa diversa de pecúnia quanto na execução de obrigação


de fazer ou não-fazer, pode ocorrer a conversão em ação de execução por quantia certa19.
No segundo caso, promove-se a conversão, caso a prestação não possa ser adimplida por
terceiro (em caso de obrigação de fazer infungível). Segundo Otávio Augustus, em mais de
90% dos casos há conversão, que segue a lógica anterior: citação ao executado para pagar,
nomear bens à penhora ou apresentar resistência, realização da penhora, alienação judicial
do bem penhorado e entrega do produto ao exeqüente.

A execução singular só ocorre se houver um pressuposto: ter o executado bens


suficientes para a satisfação da obrigação. Diz-se bens, porque a execução, salvo raríssimas
exceções, tem cunho patrimonial – não há execução pessoal, ou seja, sobre a pessoa do
devedor20 (as hipóteses de prisão civil, no Brasil, se restringem ao devedor de alimentos e ao
depositário infiel, havendo controvérsia até mesmo na segunda hipótese). Quando o devedor
for insolvente, os créditos que alguém porventura tenha em face dele não poderão ser
satisfeitos via execução singular – pois se sabe que, em função da insolvência, não haverá
bens suficientes para se adimplirem todas as obrigações do sujeito. Como definir, então,
quem receberá e quem deixará de receber seus créditos?

É possível haver vários processos de execução singulares movidas, por partes


diferentes ou não, contra a mesma pessoa – desde que se preencha o pressuposto de que o
exeqüente tenha bens suficientes para adimplir todas as obrigações.

EXECUÇÕES SINGULARES

RIHANNA: celebridades
também devem

Nas execuções acima, foram penhorados bens individualizados de Rihanna. No


processo de 50 Cent, penhorou-se a casa de praia de Rihanna (sua casa de moradia é
impenhorável), no de Amy Lee, o piano, no de Akon, um terreno no Salobrinho, no da
vocalista do Epica, um pêndulo de hipnotismo, e no de Durval, a moto da cantora. Cada
processo seguirá o seu curso, sem que um tangencie o outro. O juízo venderá cada bem, em
cada processo, e entregará o valor correspondente ao da obrigação ao seu respectivo credor.

19
Já o inverso não rola. Entregar um boi no lugar de R$ 500.000,00 pode ser uma dação em pagamento, mas isso
não muda a natureza da execução instaurada.
20
Antigamente, segundo relatos otávio-augústicos, o devedor era chicoteado, sob gritos de “toma, descarado”.
Hoje, isso virou música da Timbalada.

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05 de setembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

Se Rihanna possuir apenas um bem – o terreno no Salobrinho –, mas cujo valor seja
superior ao das cinco obrigações somadas, todas as penhoras incidirão sobre ele. Há,
portanto, um conflito de interesses entre os credores, que formam um concurso impróprio. O
problema é resolvido pelo critério cronológico – vendido o bem21, entrega-se, na totalidade,
o valor da obrigação do primeiro credor que realizou a penhora, depois o segundo, e assim
sucessivamente. Se o valor bem penhorado puder satisfazer a todas as obrigações, não há
problema, mas, em caso negativo, estará caracterizada a insolvência do devedor – pois há
obrigações não satisfeitas por insuficiência de seu patrimônio.

3.2. Execução coletiva

Tudo o que foi explicitado anteriormente é a lógica da pluralidade das execuções


singulares, que tem por base a solvência do devedor. Se for ele declarado insolvente22, não
poderá ser utilizado o critério cronológico na satisfação dos interesses dos credores23. Se
assim fosse, fatalmente haveria credores sem receber qualquer parte de seu crédito –
embora, na insolvência, seja certo que isso ocorrerá, no todo ou em parte, mas dever-se-á
obedecer a outros pressupostos, relativos à natureza do crédito.

Nesse aspecto, o Direito Civil elenca os títulos legais de preferência, que se dividem em
privilégios e em garantias reais. Os credores destas possuem preferência (e seqüela) em razão
de seu direito real sobre determinado bem do devedor; os credores daqueles têm preferência
por conta da natureza do crédito (de natureza pessoal) – trabalhista, fiscal, entre outros.

A lógica do processo de execução coletiva é – ao contrário da execução singular: uma


vez que o patrimônio é insuficiente para pagar todos os credores (não sendo possível para
cada um mover processo autônomo a fim de receber seu crédito individualmente), é preciso
que se instaure um processo que vise a atender aos interesses de todos os credores,
utilizando-se de todo o patrimônio do insolvente (e não bem determinado, como ocorre com
a penhora) para arrecadação e constrição judicial. Faz-se necessário, então, saber quem são
todos os credores, cotejá-los em face do patrimônio do devedor, alienar todo o patrimônio
deste e entregar aos credores, obedecendo-se aos títulos legais e preferência, e na proporção
da quota de cada um.

Para o devedor insolvente não-empresário, a execução coletiva está prevista no Livro


II do Código de Processo Civil, atendendo pelo nome de “execução contra devedor
insolvente”. Caso seja empresário, a execução coletiva se chama falência.

* *

21
Mas, e se o bem for vendido como se fosse na promoção do Meira? Na primeira praça, os lances só podem ser
dados respeitando-se o limite mínimo do valor da avaliação. Na segunda, pode-se comprar por qualquer valor
que não seja considerado vil (<50%).
22
Tem que sair da boca do juiz: “olha, cara, tu tá insolvente...”.
23
Pois, aí, o processo “deixaria de ser processo, e passaria a ser corrida de cem metros rasos”. JAMAIS deva a Usain Bolt.

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DIREITO COMERCIAL III 06 e 12 de
Aulas n.ºs 03 e 04 setembro de 2008

PRINCÍPIOS DO DIREITO FALIMENTAR

SUMÁRIO: 1. Preservação da empresa. 1.1. Distinção empresa x


empresário. 2. Recuperação das empresas viáveis. 3. Retirada das
empresas não-viáveis. 4. Proteção dos trabalhadores. 5. Redução do custo
do crédito. 6. Celeridade e eficiência dos processos judiciais. 7. Segurança
jurídica. 8. Participação ativa dos credores. 9. Maximização do valor do
ativo do falido. 10. Desburocratização da recuperação da microempresa e
da empresa de pequeno porte. 11. Rigor na punição de crimes
relacionados à falência e à recuperação judicial.

Nesse momento do curso serão abordados os princípios que permeiam a falência e a


recuperação judicial de empresas. Esse estudo se revela importante porque explica como tais
processos estão estruturados – grande parte dos institutos da recuperação de empresas e da
falência é justificada a partir dessa dimensão principiológica.

1. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

Esse princípio é tanto o mais importante como o mais citado pela doutrina, e, ainda, o
mais discutido nos debates provenientes da reforma legislativa de 2005, quando se
promulgou a nova lei de falências e recuperação de empresas24. Quando se discutia se o
projeto a ser votado contemplaria ou não tal dispositivo, o cerne do confronto se baseava na
preservação da empresa – que já foi abordada anteriormente, em especial na teoria geral do
Direito Comercial.

Seu conceito revela um valor, previsto na lei de falências, e norteador importante para
o Direito Comercial como um todo – campo onde houve uma adaptação, inclusive sob o
ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, de várias de suas normas em função da
preservação da empresa. Na época do Código Comercial de 185025, poder-se-ia interpretar
que, numa sociedade celebrada por prazo indeterminado, um sócio, sozinho, poderia suscitar
a dissolução daquela, mesmo sendo minoritário. As legislações posteriores (incluindo o
Decreto n.º 3.708/1919, referente às sociedades limitadas) também contemplavam essa
possibilidade. A doutrina e a jurisprudência avançaram no entendimento de que a dissolução
requerida pelo sócio minoritário seria uma dissolução parcial – ele poderia se retirar da
sociedade, caso se tratasse de contrato por prazo indeterminado, cuja regra geral contempla
a denúncia ou resilição unilateral injustificada26. Assim, sem respaldo legal explícito, passou-se
a entender que a dissolução que pode o sócio minoritário requerer, nas sociedades sem
termo final, era a dissolução parcial – ou seja, a retirada do sócio dissidente. Evitava-se, assim,

24
Em 2005 também rolou: Dez anos do CD “Jagged Little Pill”, de Alanis Morissette; “Coração”, de Rapazolla, foi eleita
a música do Carnaval; foi lançado “Harry Potter and the Half-blood Prince” nas livrarias; este que vos fala passou no
vestibular de Direito e perdeu a matrícula; sub-celebridades do mundo pop foram fotografadas sem calcinha saindo
de limusines; “Tony Hawk’s American Wasteland” era o sétimo jogo da melhor série de games de skate da história;
“RBD” transformou as rádios em aterros sanitários e “Menina de Ouro” ganhou o Oscar de melhor filme...
25
Em 1850 eu não sei o que rolava.
26
Denúncia vazia ou resilição unilateral injustificada é uma forma potestativa de extinção do negócio jurídico. E DAÍ???

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06 e 12 de
setembro de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

a dissolução integral da sociedade, e, assim, a extinção da empresa; extinguindo-se o


empresário, punha-se termo, também, à empresa enquanto unidade produtiva.

Embora os diploma legais da época não contivessem esse princípio, doutrina e


jurisprudência passaram a interpretar o Direito Comercial a partir desse valor que passou a
impregná-lo. Hoje se diz que toda e qualquer interpretação no campo do Direito Comercial
deve levar em conta a preservação da empresa – em especial no direito falimentar e
concursal, aplicado aos empresários com crise de liquidez ou estado patrimonial deficitário.
Diante da recuperação empresarial, é fácil se perceber a manifestação direta do princípio:
recuperar a empresa é preservá-la. No entanto, busca-se, também, a preservação da empresa
na falência – numa alteração sistêmica e teleológica em relação à legislação anterior, de 1945,
quando falência era sinônimo de extinção da empresa; hoje, não mais.

1.1. Distinção empresa x empresário

Nesse contexto da preservação da empresa na falência, faz-se necessária a adequada


distinção entre empresa e empresário. Esses dois termos contêm noções diferentes; empresa
é um fenômeno muito mais amplo que empresário, que, no entanto, juridicamente, nada diz
– sendo necessária uma operação de tradução em cada caso. A empresa se manifesta para o
direito de várias maneiras, e a depender da manifestação, a regulação jurídica se dará de
formas diferentes.

Tais manifestações se ligam à idéia dos perfis, elaborados por Asquini em 1943 –
empresário, estabelecimento e atividade. Empresa, enquanto fenômeno econômico, então,
engloba todo esse universo – uma pessoa, denominada empresário, que, por meio de um
conjunto de bens, exerce determinada atividade (de intermediação de bens e serviços de
maneira organizada e com fito especulativo). Dessa forma, o termo empresa pode se traduzir
para o direito enquanto pessoa, sujeito de direito (pouco importando se se trata de um
empresário individual ou coletivo) – quando, na Justiça do Trabalho, se declara que alguém é
empregado de determinada empresa, ou que certa empresa foi reclamada, está-se referindo
ao ente que é parte de uma relação jurídica, ou seja, o empresário27. O estabelecimento é a
dimensão patrimonial da empresa, a sua manifestação para o direito enquanto coisa – “a
empresa foi penhorada”, “a empresa foi vendida”28. Já a atividade é o elemento dinâmico e
funcional da empresa29.

De que maneira então, a distinção empresa/empresário possibilita a preservação da


empresa? Traduzindo-se o termo empresa como atividade e como estabelecimento. Preserva-
se a empresa, com o intuito de se resguardarem os empregados, a unidade produtiva, o
interesse de consumidores e fornecedores, a arrecadação de tributos etc., mantendo-se

27
Nessa operação de tradução, quem entra em falência é o empresário. Não é incorreto, porém, dizer que “a
empresa faliu”, desde que se interprete, no contexto, que está se referindo a um dos perfis da empresa. A propósito,
tente conjugar o verbo falir no presente do indicativo. Não conseguiu? Pois é, trata-se de um verbo defectivo.
28
Quando há “penhora do faturamento da empresa”, traduz-se o termo ambíguo como empresário, uma vez que
somente uma pessoa pode ser proprietária do estabelecimento, que engloba o faturamento.
29
Um lembrete que o professor fez questão de fazer: não confundir os conceitos de empresário individual,
sociedade e sócio. Só quem entra em falência é o empresário (pessoa natural ou sociedade), não o sócio. E não
tente confundir o empresário individual como se ele tivesse dupla personalidade, pois isso é o que batizou essa
editora, e se convencionou chamar de .

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DIREITO COMERCIAL III 06 e 12 de
Aulas n.ºs 03 e 04 setembro de 2008

apenas os seus dois últimos perfis – uma vez que não há atividade sem estabelecimento e
vice-versa. Ainda que não subsista empresa sem empresário, pode-se substituí-lo. O que
interessa é impedir que se cesse a atividade, não se desagregando a unidade produtiva. A
falência implica a cessação da atividade de um empresário, que é suprido por outro.

No sistema anterior, iniciavam-se os atos de liquidação (venda do ativo,


transformando-o em meios líquidos de pagamento) somente depois de verificados e
classificados todos os créditos, o que poderia levar anos30 – e o decorrer do tempo levaria a
aptidão funcional do conjunto de bens, junto com o seu valor. Hoje, a liquidação acontece no
início do processo; decretada a falência, arrecadam-se os bens e realiza-se a alienação,
buscando-se manter o estabelecimento enquanto unidade produtiva, com sua colocação no
mercado, aviamento, marca (se houver) ainda em evidência, e sub-rogação de contratos,
quando for possível. Essa continuidade, na falência (que implica a extinção da empresa
enquanto pessoa), como visto anteriormente, descola-se da figura do empresário – a
preservação da empresa se dá com a substituição deste. É possível haver liquidação dos bens
da empresa por meio de alienação individual, mas, desse modo, há extinção da empresa,
acarretando sua descontinuidade enquanto fenômeno jurídico.

Dessarte, a preservação da empresa, na falência, se dá no plano da celeridade


processual, notadamente no que diz respeito ao início dos atos de liquidação, já que o
primeiro critério de alienação dos bens é a venda do conjunto de estabelecimentos, em bloco,
ou de estabelecimentos individualizados, enquanto unidades produtivas31. Não há condição de,
com o decurso de vários anos, o conjunto de bens do empresário falido ainda manter-se com
alguma aptidão funcional. Por várias razões, pode-se desagregar um estabelecimento:
desatualização tecnológica, perda do espaço no mercado e de identificação da marca, entre
outros fatores. Assim, a lei permite que, no mesmo momento em que se verificam e se
classificam os créditos – ou seja, com o processo de falência ainda em seu início –, podem-se
praticar os atos de alienação dos bens do falido para fazer o ingresso de recursos na massa.
Obviamente, o produto não será partilhado entre os credores (uma vez que estes ainda não
foram totalmente verificados e classificados), ficando, então, à disposição do juízo falimentar.
Assim que se tiver confeccionado o quadro geral de credores (uma lista de todos eles, com
seus respectivos créditos, bem como a natureza e a classe destes), inicia-se o pagamento e o
rateio estabelecido previamente32. Por fim, os credores podem estabelecer uma forma de
liquidação diferente da que está na lei33.

30
E concluir hoje, com um leilão de calças boca-de-sino, camisas “volta-ao-mundo” e sapatos “cavalo-de-aço” – o
professor usava isso. Pois é, a virada dos anos 70 pros 80 foi mesmo trash...
31
É redundante falar em “estabelecimento que mantém sua unidade produtiva”, pois, sem essa característica, não
há estabelecimento algum.
32
O credor pode, também, na condição de qualquer interessado, participar do leilão do estabelecimento,
arrematá-lo, pagar o seu respectivo valor, e ficar com a propriedade desse conjunto de bens; é possível, ainda,
utilizar o crédito como pagamento total ou parcial do lance. Se a liquidação ocorrer antes da classificação dos
credores, não há possibilidade de isso vir a ocorrer – o credor terá que comprar o estabelecimento com outros
recursos, sem haver compensação.
33
¡Questão de prova!: é possível que os credores de uma S/A falida de Salvador decidam que a liquidação será
procedida mediante doação de todo o acervo objetivo da massa falida ao Esporte Clube Bahia? Otávio Augustus
fez suspense e NÃO respondeu. Droga!

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06 e 12 de
setembro de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

2. RECUPERAÇÃO DAS EMPRESAS VIÁVEIS

Empresa viável é aquela que, não obstante opere um estado de iliquidez ou de


insolvência, apresenta condições de continuar sua atividade, superando sua crise financeira
ou patrimonial.

3. RETIRADA DAS EMPRESAS NÃO-VIÁVEIS

Contém em si uma diferença óbvia em relação ao princípio anterior, que propõe o


inverso. Sendo inviável uma empresa, a falência deverá ser decretada – um empresário
insolvente representa um aspecto patológico dentro da economia, complicando
fornecedores, consumidores e demais agentes do mercado.

4. PROTEÇÃO DOS TRABALHADORES

A proteção dos trabalhadores se dá por meio do privilégio que é concedido aos


créditos trabalhistas. Um dos pontos mais polêmicos da tramitação legislativa foi a matéria
ligada à classificação desses créditos; a nova lei de falências traz duas inovações em relação
ao sistema anterior, no que se refere ao privilégio dos créditos trabalhistas:

a) Estabeleceu-se um limite para que os créditos trabalhistas se tornassem privilegiados


– cem salários mínimos. O que exceder tal limite se torna crédito quirografário – ou
seja, crédito sem privilégio. Discutiu-se muito sobre essa limitação, se era justa ou
injusta. A questão se dá em como compreender a proteção ao trabalhador em face
dessa nova sistemática – cujo limite monetário não existia na legislação pretérita. A
justificativa tem duas vertentes: I) estatisticamente, verificou-se que a maioria das
reclamações trabalhistas estava dentro desse limite; II) a razão de ser do privilégio do
crédito trabalhista (além da valorização do princípio constitucional da valorização do
trabalho) é a sua natureza alimentar, cuja satisfação não estaria ameaçada por estar
dentro do limite de cem salários mínimos34; III) o percentual de créditos trabalhistas
que excede esse valor é de titularidade daqueles que deram causa à falência –
diretores empregados, ou que, simplesmente, tinham sua carteira assinada com data
retroativa, inúmeras horas extras e FGTS não recolhido35.
b) Há um dispositivo, referente à falência que estabelece o seguinte: os créditos
concedidos às empresas em recuperação judicial, se a empresa vir a falir, preferem até
mesmo os trabalhistas (ainda que dentro do limite de cem salários mínimos).
Aparentemente, “pareceu” tudo isso ser uma manobra em favor do capital
especulativo internacional, mas “foi necessário se escolher entre um sistema de faz-
de-conta à moda latino-americana, e outro que torne a recuperação judicial efetiva e
concreta”. É lógico, para um empresário que está em dificuldades, o que se faz mais
importante é o crédito que lhe é oferecido. Assim, para se motivar um banco a
financiar, ou um fornecedor a entregar mercadorias a crédito é necessário se
colocarem os seus créditos em posição privilegiada, de maneira que, nem mesmo os
créditos trabalhistas os superem. Protege-se, também, o trabalhador, pois, com o
crédito obtido, seus postos de trabalho se mantém36.

34
Isso é o que você diz.
35
Não colou, professor. O empresário faz a besteira e põe a culpa no empregado. Bastante ético, não?
36
Exatamente... Se sem ocorrer processo de recuperação judicial tem empresinha famosa demitindo aos milhares,
imagina se já tivesse andando na prancha...

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DIREITO COMERCIAL III 06 e 12 de
Aulas n.ºs 03 e 04 setembro de 2008

5. REDUÇÃO DO CUSTO DO CRÉDITO

Foi um discurso muito utilizado durante a tramitação legislativa, quando se discutia a


necessidade da nova lei de falências e se dizia que grande parte do custo do crédito, hoje, se
dá em função dos riscos do sistema financeiro. O risco do inadimplemento é um dos
principais fatores da composição do custo do crédito e da fixação da taxa de juros (que nasce
do custo da captação – quanto o banco paga para obter aquele recuso –, suas despesas
operacionais, além dos tributos, do spread – aquilo que o banco ganhará de remuneração – e
do risco). “A recuperação do crédito, no Brasil, é cara e pouco eficiente. É alta a perda dos
bancos em face desse custo do sistema financeiro37. Toda vez que se assegura a alguém a
possibilidade de não se pagar juros, outrem pagará por ele. A nova lei de falência aumentou
a segurança jurídica, diminuindo as discussões que ocorriam no sistema anterior, facilitando o
processo de recuperação dos créditos”.

6. CELERIDADE E EFICIÊNCIA DOS PROCESSOS JUDICIAIS

Há, na nova sistemática, uma simplificação procedimental, ainda que tênue, em


relação à legislação de 1945.

7. SEGURANÇA JURÍDICA

Tal princípio se consolidou com a clareza e precisão da redação dos dispositivos.

8. PARTICIPAÇÃO ATIVA DOS CREDORES

A participação dos credores é mais efetiva no processo de recuperação judicial do que


na falência. A sua decisão é significativa em relação a vários pontos, retornando a eles, assim,
o seu poder dispositivo. Durante o império da legislação pré-1945, a moratória (que se
tornou concordata na legislação posterior) ocorria por deliberação dos credores, e em seu
favor38. Em 1945, retirou-se do arbítrio dos credores a possibilidade de concessão de
concordata, como reflexo do “caso Mauá” (relatado em rodapé), passando a ser instaurada
apenas por decisão judicial (atentando-se apenas ao preenchimento das condições exigidas
por lei).

O sistema atual representa uma volta ao sistema anterior – a recuperação judicial só é


concedida com a anuência dos credores, conjugada com outros elementos. Para Otávio
Augustus, com a nova ratio, viabilizam-se as chances de êxito da recuperação judicial quando
ela está submetida aos credores, pois eles, mais do que o juiz, sabem se a empresa é viável ou
não (relacionando-se a dois princípios anteriores). No mais, recuperando-se a empresa, tem-
se a forma mais segura de retorno do crédito concedido.

Há quem entenda que esse sistema pode ser objeto de pressões: um credor pode
concordar com a recuperação mediante recebimento antecipado de seu crédito por “caixa

37
Quantos bilhões mesmo o Bradesco lucrou no ano passado?
38
Nesse momento o professor começou a falar de uma historinha de um tal de “Mauá” (será o Visconde?), que só
faliu porque os credores não tiveram oportunidade de se reunir e deliberar sobre a moratória (pois eram muito
pulverizados), que, graças à credibilidade daquele empresário, certamente seria concedida. Para Otávio Augustus,
“Mauá, o empresário do império” é um dos grandes livros da história do Brasil. Sou mais Harry Potter and the
Deathly Hallows.

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06 e 12 de
setembro de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

dois”. Dessa forma, doutrinadores entendem que, havendo recusa injustificada dos credores,
pode o juiz conceder a recuperação judicial contra a vontade daqueles. O problema que se
apresenta é a possibilidade de erro na avaliação do julgador, que, obviamente, não é expert.

Recuperação judicial x Concordata

Pode-se afirmar que a recuperação judicial atual é uma sucessora da concordata da


antiga lei de falências. Todavia, recuperação judicial é gênero, que, na legislação anterior,
contemplava a espécie concordata; esta poderia ser dilatória ou moratória (em que as
obrigações do empresário têm sua exigibilidade postergada), remissória (quando implicava
um abatimento dos créditos) ou mista (quando havia dilação e remissão de obrigações,
simultaneamente). A dilação e a remissão das obrigações, hoje, são apenas duas das formas
de se recuperar uma empresa em dificuldades.

9. MAXIMIZAÇÃO DO VALOR DO ATIVO DO FALIDO

Esse princípio visa a propiciar maior possibilidade de adimplemento das obrigações


do devedor. Não se preocupa, diretamente, com o falido, e sim, com os seus credores. A
aplicação da maximização do valor do ativo se dá de maneira muito semelhante à
preservação da empresa: por meio da celeridade39 na liquidação do ativo – antes da
verificação e classificação dos créditos –, e alienando os bens do devedor da forma que
garanta maior valor de mercado (ou seja, vendendo o estabelecimento enquanto tal – que
possui um sobrevalor em relação aos bens individualmente considerados, em função do
aviamento e da aptidão funcional).

10. DESBUROCRATIZAÇÃO DA RECUPERAÇÃO DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE


PEQUENO PORTE

O procedimento, tanto na recuperação judicial quanto na extrajudicial, é


extremamente simplificado quando aplicado às microempresas e empresas de pequeno
porte, sendo esse aspecto um dos mais elogiados do novo diploma legal.

11. RIGOR NA PUNIÇÃO DE CRIMES RELACIONADOS À FALÊNCIA E À RECUPERAÇÃO


JUDICIAL

Tal princípio se refere aos crimes falimentares. Ressalte-se que não é a “geografia” que
dá a natureza da norma. Os dispositivos que tipificam condutas ligadas à falência e à
recuperação judicial e cominam penas são normas de Direito Penal, não integrando a matéria
comercial.

* *

39
Não se vendendo, hoje, calça boca-de-sino, camisa “volta-ao-mundo”, e sapato “cavalo-de-aço”.

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DIREITO COMERCIAL III 13 de setembro
Aula n.º 05 de 2008

JUÍZO FALIMENTAR

SUMÁRIO: 1. Limites subjetivos. 2. Exclusão. 3. Competência do juízo


falimentar. 4. Unicidade e universalidade do juízo falimentar. 5. Intervenção
do Ministério Público.

A partir de agora, serão abordados institutos que são comuns tanto à falência quanto
à recuperação judicial; posteriormente, se enfocará o processo de falência propriamente dito,
e, depois, a recuperação judicial de empresas.

1. LIMITES SUBJETIVOS

A primeira questão que surge quando se estuda o sistema concursal é definir os seus
limites subjetivos, ou seja, quais são os sujeitos que são (ou podem ser) submetidos ao
sistema falimentar. Com os conhecimentos adquiridos na teoria geral do Direito Comercial,
conclui-se que, naturalmente, são os empresários, conforme o artigo 1º da Lei n.º 11.101:

Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e


a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos
simplesmente como devedor.

Não se pode qualificá-lo, necessariamente, como insolvente, pois tal característica está
ligada à falência, embora nem sempre à recuperação judicial. Contudo, é possível se afirmar que
se trata, sempre, de empresários em crise financeira (que pode decorrer ou não da insolvência40).

Aqui, operou-se a mesma mudança ocorrida no Direito Comercial como um todo:


antes da lei de falência e recuperação empresarial (que é posterior ao Código Civil de 2002),
o sistema falimentar era aplicado somente aos comerciantes. No entanto, o diploma civil já
havia passado, na delimitação de sua matéria, do ponto de vista subjetivo, do comerciante ao
empresário. Entre o CC/02, que adotou a teoria da empresa, e a nova lei falimentar, que data
de 2005, houve quase três anos de coexistência da lei velha com o novo Código Civil. Como a
mudança de paradigma introduzida pelo diploma civilista alterou toda a estrutura do Direito
Comercial, a lei antiga, nesse interstício, ao se referir ao comerciante, deveria ser interpretada
como se fosse dirigida ao empresário. O Código Civil, no artigo 2.037, nas suas disposições
finais e transitórias, estabelece:

Art. 2.037. Salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e


sociedades empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código,
referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a
atividades mercantis.

40
No processo de falência, um dos pressupostos é a insolvência, que é presumida (averiguar-se a insolvência real
poderia levar anos). Como toda presunção pode ou não corresponder à realidade, é possível se constatar que o
empresário, no decorrer do processo, não é insolvente. Arrecadaram-se e avaliaram-se os bens e, após a listagem
dos credores e de seus respectivos créditos, verificou-se que o valor do ativo era maior que o do passivo – e que a
inadimplência decorria de iliquidez (inexistência de dinheiro – ou outros meios líquidos de pagamento – em caixa,
não de patrimônio para solver as dívidas). No entanto, nenhum efeito jurídico se opera por conta desse novo quadro
– o processo de execução coletiva prosseguirá normalmente; todos os credores serão pagos e haverá muito
menos incidentes processuais do que se o devedor fosse insolvente. No plano fático, porém, há efeitos: o
empresário VAI ter que pagar todo mundo, porque tudo venceu antecipadamente.

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13 de setembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

A discussão, a partir desse dispositivo, foi logo superada, pois em 2005 veio a lume a
nova lei de falência, estruturada conforme a teoria da empresa.

2. EXCLUSÃO

Determinados empresários são excluídos do âmbito de aplicação da lei, elencados no


artigo 2º da Lei n.º 11.101:

Art. 2º Esta Lei não se aplica a:


I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira, pública ou privada, cooperativa de crédito,
consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de
plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de
capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

Sociedade de economia mista é aquela que tem mais da metade do capital com
direito a voto sob titularidade do Estado. Nesse ponto, há “uma das coisas mais interessantes
na história legislativa do direito brasileiro41”: durante várias décadas, se discutia a respeito da
justeza, da legitimidade e da racionalidade de se excluir a sociedade de economia mista do
sistema falencial; até o regime constitucional destas define a aplicação das normas de direito
privado (obedecendo-se a lógica de toda S/A – Petrobras, Banco do Brasil v.g.). A despeito
disso, dizia-se que, ao se tratar de falência da sociedade de economia mista, indiretamente –
apesar da separação das personalidades jurídicas entre ela e os demais entes do Poder
Público – estaria se falando em “falência do Estado”, que é o seu controlador. Era uma
discussão com forte carga ideológica e com argumentos bastante plausíveis, provenientes
tanto dos que defendiam a incidência do regime falimentar às sociedades de economia mista
quanto dos que rejeitavam tal idéia. Nas reformas legislativas referentes às S/As, suprimiu-se
o dispositivo da lei 6.404/76 (art. 242) o qual estabelecia que as sociedades de economia
mista não estariam sujeitas à falência. A revogação do artigo visou a incluir tais sociedades no
sistema falencial. “Inexplicavelmente”, três anos depois, a nova lei de falências voltou a excluir
a sociedade de economia mista de seu regime.

Outros empresários excluídos do sistema falencial são aqueles submetidos a normas


próprias de liquidação – por exemplo, instituições financeiras42, cuja recuperação empresarial
é denominada intervenção, e operadoras de planos de saúde, recuperadas por meio de
“administração assistida” (ou coisa parecida)43.

3. COMPETÊNCIA DO JUÍZO FALIMENTAR

O juízo competente para processar a recuperação judicial e decretar falência é o da


comarca em que o devedor tem o seu principal estabelecimento:

Art. 3º É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial,


deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do

41
Essa é a de número 3.815.
42
Entidades submetidas às regras do sistema financeiro, fiscalizadas pelo Banco Central e sujeitas a intervenção e
liquidação promovidas por este.
43
Não vou transcrever o trecho (especialmente “o elo de ligação que une”) a respeito das sociedades
cooperativas, pois estas já estavam excluídas do sistema falimentar por óbvias razões: não são empresárias. Para
mais detalhes, voltem ao Comercial II. Mas atentem-se para o risco de Otávio Augustus tentar incluir um não-
empresário num processo de falência, só para zoar.

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DIREITO COMERCIAL III 13 de setembro
Aula n.º 05 de 2008

principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede


fora do Brasil.

Esse adjetivo (“principal”) tem certa carga de subjetivação conceitual, mas leva a
algumas conclusões:

a) não corresponde, necessariamente à sede da sociedade ou ao domicílio do empresário


individual – saindo da regra processual de que a sede da sociedade é o seu domicílio e que,
portanto, seria este o juízo deste local que teria competência para julgamento do processo
falimentar.

b) não é o maior (ou o “mais sortido”) estabelecimento.

A escolha do “principal estabelecimento” se dá em face do caso concreto, buscando


os critérios de definição de competência traçados na lei, que, em sua teleologia, visa à
facilidade processual: deve-se escolher o juízo em que o processo tramitará mais facilmente –
principalmente em virtude da alta complexidade que envolve um processo de falência.

A facilidade ou dificuldade, num processo falimentar, decorre de duas vertentes: a)


sob o ponto de vista patrimonial, é importante saber onde estão os bens do devedor, para
que sejam arrecadados e administrados; b) sob outro enfoque, é preciso saber onde estão as
informações essenciais ao processo de falência (contabilidade e situação patrimonial e
econômica da empresa). Tais informações estão no estabelecimento em que a empresa as
conserva. Conjugando esses dois fatores – onde estão os bens e onde estão as informações44
(relativas à regularidade empresarial) –, se escolhe o principal estabelecimento que, grosso
modo, corresponde à noção de matriz e filial (quando se trata de empresário com sede no
Brasil). Os conceitos de matriz e filial, para o Direito Comercial, não existem – pois não há
hierarquia entre os estabelecimentos empresariais, pois todos têm a mesma natureza. Para
efeitos tributários, por uma questão de administração e controle45, é que se tem que diferi-
las, correspondendo a primeira, na maioria das vezes, ao estabelecimento principal. É,
geralmente, a matriz o local onde se encontra a contabilidade centralizada, e também o
maior estabelecimento46.

Pode ocorrer, por outro lado, uma dificuldade em se combinar o critério da


localização dos bens com o do lugar as informações contábeis do empresário, caso não haja
coincidência de estabelecimentos. Num caso concreto, pode um dos estabelecimentos conter
60% dos bens do empresário, mas concentrar apenas 10% das informações escriturárias e
contábeis. Logo, deve prevalecer o segundo critério, ligado à documentação empresarial. O
juiz, ao apreciar a demanda, se declarará competente ou não a partir da combinação de
critérios, ou da prevalência do último47.

44
“Onde está Wally?”
45
Aliás, cada estabelecimento, em caso de pluralidade, é tratado como se fosse de titulares diferentes, sendo
necessário, por vezes, tratá-los como matriz e filial. Mas tudo isso ocorre somente no campo do Direito Tributário.
46
Otávio Augustus: “Não saiam por aí dizendo que eu disse que principal estabelecimento é a matriz. Isso foi só
uma correlação com o Direito Tributário”. Tá bom. Ninguém vai ler isso mesmo...
47
Se dois juízes se declararem competentes, o primeiro que tomou conhecimento da causa vence a briga, pelo
critério da prevenção. Sabe que eu não vi isso em Processo Civil?

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13 de setembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

O juízo da recuperação judicial nem sempre será o mesmo da falência; se houver


liame entre a recuperação e a falência (esta sendo decretada em razão da rescisão da
primeira), o juízo será o mesmo. Caso contrário, não há prevenção.

4. UNICIDADE E UNIVERSALIDADE48 DO JUÍZO FALIMENTAR

O juízo da falência possui os caracteres de unicidade e universalidade. Ele é único49,


por uma questão lógica, não jurídica: numa execução coletiva, arrecada-se todo o patrimônio
para se pagarem todos os credores; não sobra nada – nem patrimônio, nem credor. É,
também, universal, pois o juízo da falência é competente para realizar o julgamento de todas
as ações contra a massa falida50.

5. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Sendo decretada a falência do devedor, o parquet51 será intimado, sendo esse um dos
requisitos da sentença judicial, conforme o artigo 99 da Lei n.º 11.101:

Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras


determinações:
[...]
XIII – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta
às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o
devedor tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência.

O Ministério Público, assim como o próprio devedor ou seus sócios e os credores, tem
poder, também, para impugnar a relação de credores apresentada pelo administrador judicial
(art. 8º da Lei n.º 11.101).

* *

48
E o juízo do CONAC é o da unimultiplicidade.
49
Único, também, é o pólo ativo da demanda: não há litisconsórcio de credores. A falência forma duas massas (e
duas universalidades): a massa objetiva ou massa falida (o conjunto de bens arrecadados, que difere de
patrimônio, já que este contém bens impenhoráveis) e a massa subjetiva (o conjunto de credores, que formam um
pólo único de interesses – embora, internamente, haja outros interesses conflitantes, pois não há como se
saldarem as obrigações de todos).
50
Isso será abordado mais profundamente quando forem enfocados os pressupostos da falência, em especial a
decretação desta.
51
Eu coloquei isso só de onda. Nem sei como se pronuncia.

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DIREITO COMERCIAL III 19 de setembro
Aula n.º 06 de 2008

ASSEMBLÉIA-GERAL DE CREDORES

SUMÁRIO: 1. Conceito. 2. Funcionamento facultativo. 3. Composição.


4. Competência. 5. Convocação e Procedimento. 6. Quorum de instalação e
de deliberação. 7. Credores sem direito a voto e sem cômputo no quorum.
8. Presidência. 9. Direito do voto. 9.1. Credores, habilitados por força de
decisão judicial, que obtenham liminar. 9.2. Credores de quantia ilíquida.

1. CONCEITO

Prosseguindo-se o estudo dos institutos comuns à falência e à recuperação judicial,


serão abordados, doravante, os órgãos pertencentes a ambas – a Assembléia-geral de
Credores, o Comitê de Credores e o administrador judicial52. Dentre eles, o primeiro é o mais
importante; a assembléia tem o escopo de manifestar a vontade dos credores enquanto
coletividade. Viu-se, anteriormente, que a falência forma duas massas, uma objetiva –
compreendendo o conjunto de bens arrecadados – e outra subjetiva – contemplando a
universalidade de credores enquanto pólo único de interesses.

Viu-se, também, que a unicidade da massa subjetiva não significa homogeneidade de


interesses entre os credores, que, obviamente, não ocorre quando um exclui outro do rateio,
ou reduz-lhe o crédito – garantindo para si que um maior rateio lhe caiba. Não deixam de
haver, assim, interesses conflitantes entre os credores, mas há a dimensão da unicidade de
interesses, existente enquanto todos eles compõem o mesmo pólo da relação processual.

Essa unicidade se manifesta, no processo de falência ou de recuperação judicial, por


meio da assembléia de credores. Sobre ela, como já explicitado, há um retorno ao modelo
pré-1945; houve, em relação ao poder de deliberação dos credores no processo de
recuperação judicial, um movimento pendular no direito concursal, ora dirigido à maior
liberdade de determinação dos credores no processo (no que se referia à concessão de
moratória), ora direcionado, após a lei de falências de 1945, ao controle exclusivamente
judicial das decisões concernentes à concordata – quando foi retirada dos credores a
possibilidade de se reunirem e deliberar sobre a possibilidade de se instaurá-la. Na falência, a
legislação pretérita era ainda mais restritiva: os credores opinavam apenas sobre a forma de
liquidação do ativo. Com a Lei n.º 11.101, a condução das decisões volta aos credores de
forma forte, pondo muito da sorte do processo de falência em suas mãos e, principalmente,
submetendo a eles a concessão da recuperação judicial do devedor.

Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação


judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos
termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de
credores na forma do art. 45 desta Lei.
§ 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que
não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma
assembléia, tenha havido, de forma cumulativa:

52
Conhecido como síndico no sistema anterior.

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19 de setembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor


de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;
II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45
desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a
aprovação de pelo menos 1 (uma) delas.
III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um
terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.

A preservação da empresa, veiculada pela recuperação judicial, é posta à vontade dos


credores. Se eles não quiserem, não se dará a recuperação, e a empresa não será preservada –
salvo na hipótese do parágrafo 1º do artigo 58, em que o juiz pode, contra a vontade da
assembléia, conceder a recuperação judicial – mas atento aos requisitos dos incisos, que, na
verdade, revelam anuência dos credores (metade dos créditos, aprovação em duas classes
etc.). Doutrinária e jurisprudencialmente tem-se questionado se, na falta de um desses
requisitos, poderia o juiz conceder a recuperação do devedor53.

2. FUNCIONAMENTO FACULTATIVO

A assembléia de credores tem existência facultativa: nem toda falência ensejará a sua
instauração. Há somente uma hipótese de obrigatoriedade54 de formação da assembléia: o
órgão é necessário para a aprovação do plano de recuperação judicial do devedor, por meio
de deliberação dos credores.

3. COMPOSIÇÃO55

Há três classes de credores na assembléia, que delibera com três votos. Considera-se
aprovada a proposta que obtiver voto favorável de duas das três classes. Internamente, cada
classe toma suas decisões conforme regras próprias. Eis as classes:

a) a dos credores trabalhistas ou titulares de crédito decorrente de acidente de trabalho;

b) a dos credores com garantia real;

c) a dos titulares de créditos com privilégio especial, privilégio geral, quirografários e


subordinados.

Na composição da assembléia, há uma questão interessante, de certa forma,


inexplicada; há outro órgão, o comitê de credores, que é constituído por três classes,
havendo diferença em sua composição – a segunda classe, no comitê, engloba os credores
com garantia real e os com privilégio especial. O porquê da discrepância em relação à
assembléia é desconhecido de Otávio Augustus.

Dessarte, as deliberações da assembléia (em três votos) não obedecem ao valor do


crédito, e sim à sua natureza. Dentro de cada classe, porém, esse critério é substituído por
aquele – quem tem mais dinheiro a receber, mais poder de decisão tem. A exceção é a da
classe dos credores trabalhistas, que votam per capita na assembléia (no comitê é diferente).

53
Só sei que tem discussão, mas pra que lado a vaca voou, eu não sei.
54
Mitigada, conforme a polêmica anterior.
55
Tem gente procurando o compositor do jingle de Marcos Flávio (é 23-2-2-2, é Marcos Flávio na para-a-da/Agora
se prepare para dar uma confirmada) para dar uma porrada.

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DIREITO COMERCIAL III 19 de setembro
Aula n.º 06 de 2008

4. COMPETÊNCIA

Quando se estudam as competências dos órgãos – assembléia de credores, comitê de


credores e administrador judicial –, deve-se proceder a análise sob três planos: competência
na falência, na recuperação judicial e competência concorrente (em ambas).

Competência na falência

Na falência, a assembléia tem competência para, além de outras hipóteses previstas em lei:

a) Criar o comitê de credores e eleger os seus membros;


b) Aprovar formas alternativas de liquidação;
c) Deliberar sobre qualquer matéria de interesse dos credores.

Competência na recuperação judicial

A assembléia de credores, na recuperação judicial (além de outras situações):

a) Aprova (ou rejeita) o plano de recuperação do devedor;


b) Cria o comitê de credores e elege seus membros;
c) Delibera sobre pedido de desistência da recuperação;
d) Elege o gestor judicial, quando a administração passar pela substituição dos
administradores do empresário, em se tratando de sociedade, ou afastamento do empresário
da empresa, em caso de empresário individual56.
e) Delibera sobre qualquer matéria de interesse dos credores.

5. CONVOCAÇÃO E PROCEDIMENTO

Somente o juiz convoca a assembléia (art. 36 da Lei n.º 11.101). Pode ele fazer isso de
ofício, a requerimento dos credores que representem mais de 25% dos créditos de cada
classe, ou do administrador judicial (a solicitação deste submetida a deliberação do julgador).

Art. 36. A assembléia-geral de credores será convocada pelo juiz por edital
publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades
da sede e filiais, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, o qual conterá:
I – local, data e hora da assembléia em 1ª (primeira) e 2ª (segunda) convocação,
não podendo esta ser realizada menos de 5 (cinco) dias depois da 1ª (primeira);
II – a ordem do dia;
III – local onde os credores poderão, se for o caso, obter cópia do plano de
recuperação judicial a ser submetido à deliberação da assembléia.

56
A diferença da sociedade para o empresário individual nesse aspecto é a seguinte: a substituição do administrador,
no primeiro caso, não representa afastamento do empresário, mas sim troca do órgão da pessoa jurídica
encarregado da gestão; no segundo caso, há sim afastamento do empresário (individual), e não somente do órgão
administrador – pois o intuito é recuperar a empresa enquanto atividade e estabelecimento. Caso contrário, teríamos
uma cirurgia cerebral mal-sucedida. Se a “Farmácia Cabral”, por exemplo, fosse de titularidade de um empresário
individual, ao ser recuperada, deixaria de ser administrada por Pedro Manoel da Silva e passaria a ser dirigida por um
gestor escolhido pelos credores nomeados pelo juiz. Se a mesma Farmácia fosse de propriedade da Distribuidora de
Alimentos Ltda., esta não seria afastada da titularidade e da administração; os administradores, enquanto órgão da
sociedade, é que seriam trocados. Não se refiram a sócios, pelamordedeus, já que, se eles fossem afastados, haveria
algo parecido com desapropriação (embora esse termo não me pareça correto, já que os sócios não são donos do
estabelecimento em regime de co-propriedade, como se frisou no semestre passado).

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19 de setembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

§ 1º Cópia do aviso de convocação da assembléia deverá ser afixada de


forma ostensiva na sede e filiais do devedor.
§ 2º Além dos casos expressamente previstos nesta Lei, credores que representem
no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos créditos de uma
determinada classe poderão requerer ao juiz a convocação de assembléia-geral.
§ 3º as despesas com a convocação e a realização da assembléia-geral correm
por conta do devedor ou da massa falida, salvo se convocada em virtude de
requerimento do Comitê de Credores ou na hipótese do § 2º deste artigo.

O procedimento para a convocação da assembléia é, basicamente, a publicação do


edital, mencionando a primeira e a segunda convocações, com quinze dias de antecedência.
São rigorosas as normas para tornar válida a convocação.

6. QUORUM DE INSTALAÇÃO E DE DELIBERAÇÃO

Há dois quoruns, um de instalação (para que se instale a assembléia, passando ela a


funcionar enquanto órgão), outro de deliberação (para a tomada das decisões especialmente
sobre aprovação/rejeição do plano de recuperação do devedor).

Quorum de instalação

Na primeira convocação, é necessária a aprovação de credores que detenham metade


dos créditos de cada classe (artigo 37, § 2º da Lei n.º 11.101)57. Na segunda convocação, com
qualquer quorum a assembléia se instala.

Quorum geral de deliberação

Na falta de exigência de quorum qualificado, as deliberações se dão com a aprovação


da maioria do valor total dos créditos, independentemente das classes.

Art. 42. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis


de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos
presentes à assembléia geral, exceto nas deliberações sobre o plano de
recuperação judicial nos termos da alínea a do inc. I do caput do art. 35 desta
Lei, a Composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização
do ativo nos termos do art. 145 desta Lei.

Quoruns especiais

Grandes deliberações da assembléia submetem-se a quorum qualificado. Na prática,


não há deliberação submetida ao quorum geral do artigo 42, pois a assembléia, em geral, só
delibera sobre atos que a lei estabelece quorum especial. Há dois grandes contextos em que
o órgão realmente existe e é importante: na recuperação judicial, para decidir sobre o plano;
na falência, para se definir a forma de realização do ativo. Dificilmente haverá assembléia
para deliberar sobre outro assunto58. Sobre aqueles previstos na lei sob quorum especial, a
aprovação das propostas se dá, em cada classe, com mais da metade do total dos créditos e
maioria simples dos credores.

57
Otávio Augustus discutiu se, no caso da classe dos credores trabalhistas, não seria metade dos credores em vez
dos créditos. Como a lei foi silente, parece que não há diferença entre as classes nesse aspecto. Ou será que se
aplica o § 2º do artigo 45 (“na classe prevista no inc. I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela
maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito”)? O professor acha que não.
58
Pauta de hoje: vamo’ pro Mar Aberto ou pro Bataclan?

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DIREITO COMERCIAL III 19 de setembro
Aula n.º 06 de 2008

Observa-se, pelo quorum, a dificuldade para a aprovação do plano de recuperação,


bem como a preocupação legislativa em submeter tal plano à vontade dos credores. É
necessária a aprovação de todas as classes e, em cada uma (salvo a dos credores trabalhistas,
que votam per capita) a maioria dos créditos e dos credores, simultaneamente. Se, v.g., na
segunda classe, a dos credores com garantia real, há cinqüenta deles, cujos créditos somados
totalizam R$ 5.000.000,00, serão necessários vinte e seis credores com R$ 2.500.000,01 em
créditos para haver aprovação de proposta59.

Na eleição do Comitê de Credores, também a votação se dá por classes. A assembléia


não delibera sobre o comitê – cada classe elege seu representante; o credor trabalhista não
vota na deliberação do representante dos credores com garantia real.

Para aprovação de forma alternativa de realização do ativo (diversa das opções previstas
na Lei n.º 11.101), na falência, é necessária a anuência dos credores que representem dois
terços do total de créditos, entre os presentes, independentemente de classe60.

7. CREDORES SEM DIREITO A VOTO E SEM CÔMPUTO NO QUORUM

São os “credores-perus” – não podem deliberar, e sua presença só atrapalha, pois não
é computada no quorum de instalação da assembléia e das deliberações por ela realizadas.
Estão elencados no artigo 43 da lei de falência:

Art. 43. Os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas,


controladoras, controladas ou as que tenham sócio ou acionista com
participação superior a 10% (dez por cento) do capital social do devedor ou
em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior
a 10% (dez por cento) do capital social, poderão participar da assembléia-
geral de credores, sem ter direito a voto e não serão considerados para fins
de verificação do quorum de instalação e de deliberação.
Parágrafo único. O disposto neste artigo também se aplica ao cônjuge ou
parente, consangüíneo ou afim, colateral até o 2º (segundo) grau, ascendente ou
descendente do devedor, de administrador, do sócio controlador, de membro
dos conselhos consultivo, fiscal ou semelhantes da sociedade devedora e à
sociedade em que quaisquer dessas pessoas exerçam essas funções.

Aqueles que têm vínculo societário com o devedor não têm direito a voto por razões
óbvias (não possuem interesse uno em relação aos demais credores). Na recuperação judicial,
também não vota aquele que não teve o seu crédito alterado pelo plano (artigo 39, § 1º); se
alguém não teve alterado o seu crédito quanto a redução do montante, postergação de sua
exigibilidade ou alteração de garantia, não possui interesse nas deliberações. Otávio Augustus
pondera esse argumento, afirmando que é do sucesso da recuperação que se darão as
chances de se receberem os créditos, alterados ou não. O fato de o crédito de alguém não ter
sido modificado pelo plano não lhe retira, totalmente, os efeitos da recuperação. Um plano

59
E se não tiver como conjugar a maioria dos créditos com a maioria das cabeças – ex.: um credor de R$
4.990.00,00, e quarenta e nove com os R$ 10.000,00 que restam – o que acontece? Se a situação não se encaixar
numa das hipóteses do parágrafo primeiro do artigo 58, os quarenta e nove não vão ver nada de bom na TV.
60
Investiguem a possibilidade de os credores decidirem doar todos os bens da massa ao Esporte Clube Bahia (o “Esquadrão
de Aço”) – ou seja, quais são os limites na deliberação dessa forma alternativa de liquidação. É questão de prova!

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19 de setembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

mal elaborado poderá elidir a possibilidade de o empresário solver suas dívidas. O legislador,
dessa forma, optou pela limitação visando a diminuir os conflitos da assembléia61.

8. PRESIDÊNCIA

A assembléia de credores é presidida pelo administrador judicial. Ele declara a


instalação, preside os trabalhos, toma os votos e proclama o resultado, entre outras tarefas.

9. DIREITO DO VOTO

Quem tem direito a voto, na assembléia, são os credores, mas quem são eles? A
depender do momento em que a assembléia esteja ocorrendo, há um tipo de lista de
credores. Quando o juiz decreta a falência requerida pelo próprio devedor (autofalência) terá
este que listar os seus credores; se foi requerida por terceiro, o julgador dará um prazo de
cinco dias, para que o devedor faça aquela lista (artigo 99, inciso III).

Nas duas hipóteses, trata-se da primeira relação de credores. Depois dela o


administrador judicial, com base na lista e nos documentos escriturários e contábeis do
devedor, elaborará uma segunda relação de credores. Há espaço, também, para uma terceira:
a confeccionada pelos próprios credores, após revisão – apresentando-se reclamação em
relação a seu crédito (afirmando que este não está incluso62, está num valor abaixo ou na
classe indevida) ou impugnação do crédito alheio, que implique diminuição ou mudança de
classe. Formar-se-á um procedimento de verificação e classificação de créditos, em que o juiz
decidirá a respeito das impugnações. A terceira lista, então decorrerá da segunda, afetada
pelos efeitos das sentenças das impugnações de crédito (que são processos individuais). Só
depois disso é que se estabelecerá o quadro geral de credores.

A depender do momento em que a falência se encontra, será utilizada uma das três – por
exemplo, se se tratar de uma assembléia convocada após a aprovação do quadro geral de
credores, a lista será a terceira; definir-se-á, assim, quem é credor, quem pode votar e por quanto
vota (se for da segunda ou terceira classes, em que o valor do crédito define o peso do voto).

Na recuperação judicial, ocorre o mesmo; a primeira lista, apresentada pelo devedor, pode
ser alvo de impugnações dos credores – que, após as deliberações do juiz, gerará a segunda lista63.

9.1. Credores, habilitados por força de decisão judicial, que obtenham liminar

O sujeito que diz ter a qualidade de credor, mas não está em qualquer das listas, pode
suscitar, junto ao Poder Judiciário, decisão liminar a qual garanta que, enquanto a decisão

61
Dizem por aí que uma assembléia de credores é um dos ambientes mais violentos do mundo. Mais ainda do
que um backstage de modelos sem ter onde vomitar.
62
Mas, na lista de Sabrina Sato, “tá tudo incluso!”.
63
As listas são publicadas em edital e na imprensa oficial. Os credores também podem formar comunidades no Orkut.
Aproveitando o ensejo, o devedor que confecciona uma lista fidedigna de seus credores não tem bonificação alguma
por isso. A lista diz muito mais respeito aos credores entre si do que ao devedor, por este vai perder tudo mesmo
(perder para dois credores ou para duzentos não vai fazer diferença). Já para os credores, a lista feita da maneira correta
garantirá a cada um a devida participação no rateio do produto da liquidação. Mas se Rihanna diz que seus credores são
seus amigos Timbaland e Timberlake só pra dar a eles alguns créditos fictícios, ela estará cometendo um crime
falimentar embaixo de seu guarda-chuva.

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DIREITO COMERCIAL III 19 de setembro
Aula n.º 06 de 2008

definitiva que declare seu crédito não seja prolatada, ele participe da assembléia. A Lei n.º
11.101 tem dispositivo que impede que o provimento de urgência se dê para fins de
suspensão da assembléia:

Art. 40. Não será deferido provimento liminar, de caráter cautelar ou


antecipatório dos efeitos da tutela, para a suspensão ou adiamento da
assembléia-geral de credores em razão de pendência de discussão acerca da
existência da quantificação ou da classificação de créditos.

Na situação em tela, há discussão se o sujeito é ou não credor, se o seu crédito é de


cinco mil ou cinco milhões de reais, ou, ainda, se se trata de privilégio especial ou de crédito
quirografário. Questionar-se-ia se estaria ferido o princípio constitucional da inafastabilidade
do controle jurisdicional por este dispositivo. A solução para o credor em situação parecida é
requerer a tutela de urgência para ele, mesmo sem se definir o seu crédito (ou o seu
quantum, ou ainda a sua natureza), participar da assembléia, não para que esta seja suspensa.
A tutela de urgência também pode visar a excluir um credor da assembléia-geral64.

9.2. Credores de quantia ilíquida

Credor de quantia ilíquida é aquele que não pode mover ação de execução, por não
ter título executivo65. Como a falência é um processo de execução, não pode alguém, sem
título, integrar o pólo de credores. Deve o credor entrar com ação de conhecimento, a fim de
tornar líquido o seu crédito, constituindo o seu título executivo, e, por meio dele, tornar-se
habilitado a participar do processo de falência.

Enquanto esse credor está demandando, numa ação de conhecimento, o processo de


execução coletiva está se desenrolando – credores sendo pagos e assembléia deliberando
loucamente. Deve o credor, nesse interstício, pedir reserva de crédito; se, na ação de
conhecimento, argúi-se que se é credor de R$ 50.000,00, o juiz poderá ordenar que se
reserve a quantia que um credor desse montante, ao participar do rateio, receberia (se 25%66,
R$12.500,00). Além de possibilitar o futuro recebimento da quantia, a decisão judicial que
defere a reserva de crédito também habilita o credor a participar das deliberações da
assembléia.

A situação é mais difícil em se tratando de valor a ser apurado em liquidação que não
tenha parâmetros pré-fixados (ex.: dano moral). A quantia a ser reservada dependerá do
prudente arbítrio do juiz, pois não há critério estabelecido.

* *

64
Numa situação meio Bomberman, quando você morre e fica do lado de fora jogando bombas pra eliminar o
adversário.
65
Mas esse troço de nulla executio sine titulo não é absoluto, não.
66
Na falência, nem todo mundo recebe integralmente.

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DIREITO COMERCIAL III 26 e 27 de
Aulas n.ºs 08 e 09 setembro de 2008

PRESSUPOSTOS DA FALÊNCIA

SUMÁRIO: 1. Devedor empresário. 2. Insolvência. 2.1. Insolvência real.


2.2. Insolvência presumida. 3. Critérios de presunção da insolvência.
3.1. Cessação de pagamento. 3.2. Impontualidade. 3.3. Confissão.
3.4. Fatos previstos em lei. 4. Declaração judicial. 4.1. Competência.
4.2. Indivisibilidade do juízo falimentar.

Adentrando-se na falência propriamente dita, serão abordados, doravante, seus


pressupostos – sem os quais, não há procedimento falimentar – a saber: devedor empresário,
insolvência e declaração judicial.

1. DEVEDOR EMPRESÁRIO

Em relação ao primeiro pressuposto, não há maiores dificuldades. Em rigor, pode-se


dizer que a ampliação do sujeito passivo da falência (do comerciante ao empresário)
antecede a legislação atual (Lei n.º 11.101/2005, que, aliás, fez menção expressa quanto a
isso), decorrendo, na verdade, da introdução do Código Civil de 2002, que adotou a teoria da
empresa. Houve um período de três anos em que conviveram o Decreto-lei n.º 7.661/1945,
que se referia a comerciantes, e o CC/02, que tratava de empresários. Não houve revogação
da antiga lei de falência pelo Código Civil, por se tratar aquela de lei especial, e este, de lei
geral. O artigo 2.037, no entanto, expressamente, estabeleceu que se deveria ler “empresário”
em todas as leis que se referissem a “comerciante”.

Nessa delimitação do sujeito passivo, é interessante se apreender como isso se deu


durante a tramitação do anteprojeto da Lei n.º 11.10167/2005. Quando este foi enviado do
Executivo para o Congresso, o texto tratava de “devedores pessoas físicas e jurídicas que
exerçam atividade econômica regida pelas leis comerciais”, num conceito, de certa forma,
novo, na delimitação da matéria comercial, mas que padece de imprecisões técnicas bastante
significativas. Na tramitação na Câmara, o projeto passou a se referir à sociedade empresária,
à sociedade simples e ao empresário, excluindo-se, de maneira expressa, as cooperativas, o
agricultor que explora atividade produtiva para fins de subsistência familiar, o artesão, o
profissional liberal e a sociedade civil do trabalho.

Dentre as novas impropriedades, destacam-se a exclusão do sistema falencial apenas


do agricultor de subsistência, incluindo todos os demais – o que alteraria profundamente a
lógica do sistema concursal, criando algo raro em outros países. Sob o prisma do direito
comparado, pouquíssimos Estados submetem os agricultores ao regime da falência; há
sistemas em que a falência não se restringe ao empresário, mas, mesmos nestes, o agricultor
é excluído de seu âmbito de incidência.

O artesão, o profissional liberal e a sociedade civil do trabalho não são empresários,


daí a sua lógica de exclusão. A imprecisão, desta vez, é a convivência conceitual, no mesmo
dispositivo, da sociedade simples e da “sociedade civil do trabalho”. A sociedade simples, na
nova sistemática do Direito Comercial, substitui, exatamente, a sociedade civil.

67
11.101 é um candidato falido nessas eleições.

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OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

Deixando de lado as exclusões, entre os sujeitos submetidos à falência, o projeto


mencionava a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário68. Durante a
tramitação no Senado, o projeto passou a ter a delimitação subjetiva atual, excluindo-se do
sistema falimentar a sociedade simples, a sociedade de economia mista, a empresa pública e os
empresários submetidos a normas próprias de intervenção e liquidação (v.g. planos de saúde,
instituições financeiras), mantendo-se apenas o empresário individual e a sociedade empresária.

Já se discutiu, anteriormente, a respeito das inexplicáveis mudanças de rumo da


legislação, ora trazendo de volta a sociedade de economia mista ao sistema falencial, ora, três
anos após, excluindo-a novamente. No parecer sobre a emenda ao projeto do que viria a ser
a Lei n.º 11.101/2005, que retornou com a exclusão, os relatores69 assim se manifestaram: “a
razão para a sua não submissão (da sociedade de economia mista) ao regime falimentar
envolve interesses estratégicos do Brasil em algumas dessas empresas, que ganham
competitividade em razão da diminuição dos riscos a ela relacionados”.

2. INSOLVÊNCIA

É o motivo da instauração de uma execução coletiva, e é esse pressuposto que dá


razão de ser à estrutura do regime falimentar – no momento em que não há patrimônio
suficiente para se solverem todas as dívidas do empresário, há que se sair da lógica das
execuções singulares. Numa execução coletiva, pela inexistência de bens suficientes para se
pagarem todos os credores, arrecada-se todo o patrimônio penhorável do devedor e, com o
produto da sua liquidação, saldam-se os débitos, garantindo-se prioridade no recebimento
de acordo com os critérios que a lei estabelece (natureza do credor ou da relação jurídica
constituída). A insolvência embasa não só o processo de falência, mas toda e qualquer
execução coletiva – a execução contra devedor insolvente, prevista no Código de Processo
Civil, tem o mesmo pressuposto.

2.1. Insolvência real

No processo de falência, a constatação da insolvência perpassa questões significativas.


Em se tratando de insolvência real, juridicamente e economicamente falando, o devedor se
apresenta em estado patrimonial deficitário – o valor do passivo é maior que o do ativo. No
entanto, para se caracterizar a insolvência para efeito de execução coletiva, não é possível se
utilizar o critério da insolvência real, pois a sua verificação possui alta carga de complexidade,
o que acaba por gerar uma inversão do processo.

Seria necessário se verificarem todos os débitos do empresário, para se aferir o seu


passivo (pois a escrituração pode discrepar da realidade, não contemplando créditos e
débitos que, porventura, existam); depois, se discutiria o valor do ativo. Para se iniciar o
processo de falência, teria que se fazer tal levantamento, muito complexo e demorado, que
poderia levar anos.

68
Notando, aqui, o deslize de se falar em sociedade empresária e empresário; bastaria se mencionar o último, pois
aquela é o empresário coletivo. Quanto o texto legal fala, simplesmente, de empresário, está se referindo ao
empresário individual.
69
Um deles é um tal de Fernando Bezerra, o outro tem um nome indecifrável.

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DIREITO COMERCIAL III 26 e 27 de
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2.2. Insolvência presumida

O Direito, em face da dificuldade de se constatar a insolvência real como pressuposto


ao requerimento de falência, estabeleceu critérios de presunção. Sendo presunção, pode ou
não corresponder à realidade. Já se discutiu que, embora seja a insolvência um pressuposto
da falência, ela será apurada presumidamente; pode-se constatar que o devedor não é
insolvente, após a confecção do quadro geral de credores, depois de verificados e
classificados os créditos, quando se apura o passivo total. O ativo já foi contabilizado quando
da arrecadação dos bens penhoráveis do empresário e de sua respectiva avaliação. Ao se
confrontar o quadro geral de credores com a avaliação total dos bens, é possível que se
perceba a solvência do devedor (ativo > passivo). Esse fato, porém, em nada influi na direção
e na continuidade do processo, como já se salientou anteriormente.

3. CRITÉRIOS DE PRESUNÇÃO DA INSOLVÊNCIA

3.1. Cessação de pagamento

É o critério utilizado na maioria dos países da Europa, além da Argentina. Possui forte
carga de subjetividade, pois não há parâmetros objetivos de aferição; fica a critério do juiz
verificar se, na situação dada, o devedor estaria impossibilitado de adimplir suas obrigações. Não
se deduz a cessação de pagamento pelo número de títulos não-pagos, ou pelo montante da
dívida pendente; o critério se estabelece dentro de um contexto em que o julgador perceba,
mediante balizas fixadas pela doutrina, que o devedor cessou seus pagamentos. Mesmo sendo o
critério utilizado em várias legislações, tem o inconveniente de se expressar de maneira casuística,
gerando certa insegurança jurídica – a margem para se discutir a existência ou não de situação de
insolvência é muito maior do que nos países que adotam o critério da impontualidade.

3.2. Impontualidade

É o critério adotado pela Lei n.º 11.101, no inciso I do art. 94:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:


I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse
o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência.

Tanto no critério da cessação de pagamento quanto no da impontualidade, a


insolvência pode corresponder à iliquidez. Insolvência é situação patrimonial deficitária
(passivo > ativo); iliquidez é falta de caixa, ou seja, de meios líquidos de se realizar o
adimplemento das obrigações. No linguajar contábil antigo, iliquidez é a situação fática em
que o “passivo exigível no curto prazo”70 é maior do que o “ativo realizável no curto prazo”.

Dessarte, a cessação de pagamentos ou a impontualidade podem revelar iliquidez, em


vez de insolvência. Isso, na legislação anterior, era muito mais grave, pois era possível se
requerer a falência de uma sociedade, de capital de R$ 50.000.000,00, solvente, mas com crise
de liquidez, por conta de um título de dez reais. Hoje, a dívida mínima, conforme o artigo

70
Otávio Augustus diz que esse conceito de passivo exigível no curso prazo não existe mais hoje. Antigamente, havia o
passivo não-exigível, que era o capital social (dívida da sociedade para com os sócios). Nos dias de hoje, o passivo não-
exigível integra o patrimônio líquido. Além disso, a expressão correta é “no curto prazo”, em vez de “a curto prazo”.

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supracitado, é de quarenta salários mínimos. Todavia, a correspondência que pode haver


entre a insolvência presumida e a iliquidez continua – verificada a impontualidade, abre-se
espaço para se iniciar a execução coletiva de um empresário solvente71.

Do inciso 1º do artigo 94 da lei de falência, extraem-se os seguintes elementos


caracterizadores da impontualidade, que a tornam qualificada:

a) inadimplemento – dívida não paga no vencimento; não precisa decorrer do exercício da


empresa – pode ser resultante de uma conta pendurada numa barraca de praia. O credor não
precisa ser empresário, mas se for, deverá ele provar sua regularidade junto ao Registro de
Comércio (escrituração empresarial, registro dos atos constitutivos etc.).

b) título executivo – necessário, pois é a falência um processo de execução. O credor deve,


dessa forma, ser portador de um título dessa natureza;

c) sem relevante razão de direito – as razões estão dispostas no artigo 96, que se referem,
basicamente, à inexistência de obrigação, pagamento e prescrição. Trata-se de mais uma
impropriedade técnica da lei de falência, pois, nesses casos, a obrigação não existe; a
relevante razão de direito viria quando, apesar da existência da obrigação, o devedor estaria
dispensado de adimpli-la, abrindo-se exceção à sua exigibilidade.

d) protesto do título – a legislação (Lei n.º 11.101/2005 e lei de protestos) menciona o protesto
especial para fim falimentar. Há, em regra, dois tipos de protestos: I) protestos cambiais (que
visam ao exercício de direito cambial em face dos obrigados de regresso, ou do sacado da
duplicata72); II) protestos especiais, para aqueles títulos que não precisam dessa formalidade
para serem exigidos, ou demais documentos representativos de dívida não submetidos a
protesto cambial73, mas apenas para fins falimentares – desde que se trate de título executivo.

e) valor do(s) título(s) protestados e não-pagos superior a quarenta salários-mínimos –


Tal limite não existia na legislação anterior, como visto anteriormente.

Um credor de um título não vencido e não protestado pode requerer a falência de


outrem? Sim, caso haja título protestado, vencido e superior a quarenta salários mínimos,
de propriedade de outrem. Os requisitos existem para caracterizar a impontualidade, de
maneira objetiva – não sendo necessário que a dívida de quem requeira a falência seja a
que tenha ensejado a impontualidade. Esse credor pode retirar uma certidão do Cartório de
Protestos, provando a impontualidade do devedor, e, junto ao seu título não vencido, mas
que represente crédito superior ao limite legal (que prova a condição de credor,
conferindo-lhe legitimidade ativa), suscitar a decretação de falência do empresário – afinal,
é de interesse não só daquele credor, mas de todos os demais, que sejam arrecadados os
bens do devedor e pagas as dívidas. O requerente deve se submeter, apenas, ao crivo da
legitimidade – pois, individualmente, lhe careceria o interesse de agir pela falta dos
requisitos do inciso I do art. 94.

71
Mas é o preço a se pagar pela facilidade, quando se compara com a aferição da insolvência real. Teoricamente,
seria possível afastarem-se os critérios de presunção da legislação falimentar, mas, faticamente, isso seria terrível
do ponto de vista da segurança jurídica e da celeridade processual.
72
Ô flashbackzinho ruim, viu!
73
Porém a legislação mudou, e hoje se admite protesto cambial para títulos não-cambiais. O professor que disse...

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DIREITO COMERCIAL III 26 e 27 de
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Conjugando essa premissa à lógica da falência – que implicará o vencimento


antecipado de todas as dívidas –, tem-se que todos os créditos passam a ser exigíveis, pois
serão extintas todas as relações de natureza creditícia durante o processo.

3.3. Confissão

É o critério estabelecido para se requerer a autofalência – a falência requerida e


confessada pelo próprio devedor. Atualmente, as hipóteses de autofalência são reduzidas,
mas pode o empresário recorrer a essa solução, se desejar resolver sua situação patrimonial
deficitária, visando a extinguir todas as obrigações, inclusive as não pagas em face de sua
incapacidade patrimonial.

Na legislação de 1945, havia uma sanção indireta ao empresário que, até trinta dias
após o fato que caracterizasse a impontualidade, não requeresse a autofalência: quem não
fizesse isso, não poderia requerer a concordata suspensiva – aquela requerida após a
decretação da falência, caso o ativo fosse superior a 50% do passivo (após a classificação dos
créditos). Essa sanção indireta deixou de existir junto com a concordata suspensiva; não há
uma “recuperação judicial suspensiva”, porque os princípios do direito concursal alteraram-se:
só se decreta a falência quando a recuperação for inviável – tanto que, para se obstar um
pedido de falência, pode-se requerer a recuperação judicial, se houver viabilidade. Mas se
houve falência, a empresa é inviável e, conforme a principiologia atual, devem-se retirar do
plano jurídico as empresas irrecuperáveis74.

3.4. Fatos previstos em lei

Ao lado da cessação de pagamento ou da impontualidade, os sistemas jurídico-


falimentares costumam enumerar fatos que, ao ocorrerem, levam a uma presunção de
insolvência ou de iliquidez – que os sistemas não distinguem – do devedor.

Art. 94. [...]


II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não
nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal.

Trata esse dispositivo da execução singular frustrada. Discute-se se o dispositivo está


no campo da impontualidade ou dos fatos previstos em lei; Otávio Augustus não concorda
com os que associam o inciso II à impontualidade (e ao inadimplemento), pois ela é anterior
à execução singular. O que caracteriza o inciso é a frustração da execução, pela falta da
garantia do juízo; por isso, está dentro da classe dos fatos previstos em lei.

O exeqüente deve solicitar certidão relativa ao fato, e, com base nela, requerer a
falência do devedor. Se decretada, a execução singular será suspensa, pois o crédito será
satisfeito via execução coletiva.

Art. 94. [...]


III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de
recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio
ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;

74
E mandar tudo pra um colégio de freiras.

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b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar
pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou
da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento
de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de
burlar a legislação ou a fiscalização para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem
ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes
para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de
seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de
recuperação judicial.

A lei menciona que, se tais atos estiverem no plano de recuperação judicial, não
ensejam o pedido de falência, numa ressalva simplesmente inútil no dispositivo. De maneira
geral, há situações que, por si sós, já caracterizam a insolvência, ou corroboram a sua
presunção; são atos que somente um empresário, espremido pela impossibilidade de
adimplir suas obrigações, pratica.

Em outros casos, como na alínea a, o devedor tenta, ainda que desesperadamente,


evitar que se decrete a falência. À medida que o empresário passa a alienar seus bens abaixo
de seu valor, aumenta-se o déficit patrimonial, que acarreta prejuízo aos credores.

Nas alíneas b, d e f, o devedor tenta esconder seu patrimônio a fim de escusar-se de


sua responsabilidade, ou fugir – literalmente – de seus credores.

Na alínea c, há correlação com a vedação ao trespasse ocorrido sem anuência dos


credores, ou transferência de titularidade do estabelecimento que deixe o empresário sem
outros bens para saldar seus débitos. Essas situações ensejam o requerimento de falência,
bem como a ineficácia do trespasse.

Na alínea e, o devedor dá tratamento especial a um credor em detrimento de outros.


Apresenta-se uma situação de anormalidade creditícia: o empresário presta garantia de
dívidas já existentes. Daí, infere-se que a garantia foi dada para que o credor não requeira a
falência do empresário. Uma vez caracterizada a insolvência, a falência não deve ser
decretada em função de determinado credor, mas de todo o conjunto de credores. Caso haja
demora na decretação, o prejuízo para todos será maior, inclusive para o devedor – pois, se o
déficit decorre da atividade empresarial, a sua continuidade só aumentará o prejuízo. Assim,
mesmo que o devedor se acerte com um de seus credores, como na alínea e, há espaço para
a decretação de falência.

A alínea g apresenta a rescisão da recuperação judicial, quando o devedor não


cumpre as obrigações e condições do plano aprovado pela assembléia-geral de credores.

4. DECLARAÇÃO JUDICIAL

O terceiro pressuposto para o requerimento de falência é a declaração judicial; não há


falência sem a respectiva sentença. Uma das “mais interessantes discussões do Direito

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DIREITO COMERCIAL III 26 e 27 de
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Empresarial”75, até hoje não resolvida, versa sobre o estado de fato ou de direito da falência –
ou seja, se o estado de falência antecede a decretação judicial ou nasce com ela (antes
haveria simplesmente insolvência). Essa discussão interfere na natureza jurídica da sentença que
declara procedente o pedido de falência, se declaratória – apenas declara a situação fática, que
corresponde à insolvência – ou constitutiva – constituindo o estado de falência, pois se trata de
situação de direito.

4.1. Juízo competente

O juízo competente para julgar o requerimento de falência é o da comarca onde se


localiza o principal estabelecimento do devedor76.

4.2. Indivisibilidade do juízo falimentar

O juízo falimentar é indivisível, e sua indivisibilidade manifesta dois caracteres:


unicidade e universalidade. É único, pois, a despeito das execuções singulares, que podem ser
múltiplas, só pode haver um processo de falência – novamente, por razões lógicas, não
jurídicas: pelo seu meio (arrecadação de todos os bens penhoráveis do devedor) e pelo seu
objeto (pagar todos os credores). Assim, nada sobra para outro processo. Requerida a
falência, o juízo se torna prevento para conhecer os pedidos posteriores de falência, e, se um
deles for acatado, todos os demais são extintos.

Por outro lado, o juízo falimentar é, também, universal, ou seja, é competente para
julgar todas as ações contra a massa – atraindo todas elas, salvo aquelas que demandem
quantia ilíquida (que visem a constituir crédito, bem como título executivo, por meio de ação
de conhecimento).

Observe-se que as ações em que a massa é autora não são atraídas pelo juízo da
falência, algo pouco discutido pela doutrina. Otávio Augustus entende que isso ocorre por
causa da teleologia da fixação de competência, que, em geral, leva em conta o réu, não o
autor. Assim, o deslocamento de competência que decorre da universalidade do juízo
falimentar não se aplica nessa situação.

Além disso, só há deslocamento naquelas ações cuja causa de pedir interfira


diretamente no patrimônio do falido – referentes a existência ou não de obrigação. Assim,
uma ação de investigação de paternidade movida em face do empresário individual não será
julgada pelo juízo falimentar. Outras exceções:

• Ações possessórias;
• Reclamações trabalhistas, no que se refere à constituição do título (pois a fixação de
competência é de natureza constitucional). Na execução, há o efeito atrativo.

Deve-se ter em mente que a competência fixada constitucionalmente para


julgamento das demandas trabalhistas se refere à declaração de existência de vínculo de
trabalho ou de crédito do trabalhador em face do empregador. Assim que o credor constitua
o seu título, o juízo da execução será o falimentar – pela mesma lógica da execução coletiva

75
A de número 3.816.
76
Vide aula 05.

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26 e 27 de
setembro de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

expressada anteriormente, que envolve seu meio e seu objeto. Se a falência decorre da
insolvência, e esta significa patrimônio insuficiente para adimplemento das obrigações, caso
houvesse execuções singulares noutros juízos, seria possível um credor trabalhista receber seu
crédito inteiro independentemente de rateio. Contudo, isso não ocorrerá: embora, em
princípio, todas as obrigações trabalhistas devam ser saldadas antes daquelas relativas aos
credores das outras classes, a situação deficitária do empresário pode ser tamanha que nem
mesmo os credores da primeira classe possam receber a totalidade de seus créditos77.

O juízo trabalhista julgará a reclamação; se deferi-la, requisitará o pagamento ao juízo


falimentar. Caso haja patrimônio suficiente para saldar as dívidas da primeira classe, pagar-se-
á o crédito em sua totalidade; caso contrário, haverá rateio entre os credores trabalhistas já
habilitados e aquele que demandou separadamente (pois sua ação era de conhecimento). Há
também a possibilidade, enquanto não se constitui o título, se proceder a reserva de bens –
assunto já tratado anteriormente.

* *

77
Há, também, obrigações que devem ser pagas antes daquelas de titularidade dos credores das três classes; isso
(pedido de restituição) é assunto para a próxima novela das seis: “negócio da China”!

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DIREITO COMERCIAL III 11 de outubro
Aula n.º 10 de 2008

PROCEDIMENTO PRÉ-FALENCIAL78

SUMÁRIO: 1. Natureza. 2. Requerimento. 3. Citação e defesa. 3.1. Depósito


elisivo. 3.2. Pedido de recuperação judicial. 4. Legitimados. 5. Conteúdo
da sentença. 5.1. Termo legal da falência. 5.2. Publicação. 5.3. Recursos.

1. NATUREZA

O procedimento pré-falencial é aquele que visa à decretação ou não da falência. Trata-


se do pedido, não da falência propriamente dita. Numa análise mais restrita, pode-se afirmar
que não se está, ainda, diante do processo de execução coletiva, pois este se instaura somente
com a sentença. De forma ampla, todavia, costuma-se incluir esse procedimento dentro da
falência – ainda que, por dois motivos, não a integre: a) por uma questão temporal e
instrumental: o procedimento pré-falencial antecede a decretação da falência; b) pela natureza
da atividade jurisdicional desenvolvida: no procedimento pré-falencial, é cognitiva, pois visa a
apurar a existência de determinado fato que demonstre a insolvência do empresário; na
falência, a atividade é executiva – afinal, trata-se de processo de execução coletiva.

2. REQUERIMENTO

O procedimento pré-falencial se instaura com o requerimento dos legitimados, cujo


conteúdo é o pedido de decretação da falência. O requerente exporá a existência dos dois
pressupostos: devedor empresário e insolvência – decorrente de impontualidade, de execução
frustrada ou de ocorrência de fatos previstos em lei. O requerimento será instruído de acordo
com o enquadramento da caracterização da insolvência; se for pela impontualidade, deverá
ser anexado o título vencido, não pago, protestado, de valor superior a quarenta salários
mínimos79; se for com base na execução frustrada, será necessária a certidão do respectivo
juízo; se for com base nos fatos previstos em lei, não há documento específico (utilizar-se-ão
todos os meios de prova em direito admitidos).

Além disso, deve-se frisar, mais uma vez, que o título não precisa ser do requerente –
pois ele pode se valer de um título de terceiro; o seu próprio título não precisa sequer estar
vencido. O requerente deve se submeter apenas ao crivo da legitimidade ad causam para que
a petição inicial seja deferida. Não se trata de ação de cobrança, porque, nesse caso, a
finalidade é somente a satisfação da pretensão (um direito líquido e certo não executado
voluntariamente pelo devedor) de determinado credor. O escopo da falência não é cobrar –
embora se dê o pagamento dos créditos durante o processo –, mas sim extinguir todas as
relações patrimoniais ativas e passivas do falido – ou seja, resolver aquele estado jurídica e
economicamente patológico de déficit patrimonial. Assim, não sendo a satisfação individual
do crédito a finalidade da falência, pois o que se busca é se instaurar o procedimento
concursal em face da insolvência, o credor de título não vencido possui legitimidade ativa,

78
Prova surpresa é uma &!$#@! Eu não vou sentir falta disso no semestre que vem.
79
A existência ou não de relevante razão de direito para a falta de pagamento é matéria para a defesa do réu, não
tendo relevância no que se refere ao requerimento. Na contestação é que o devedor deverá alegá-la.

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11 de outubro
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO
de 2008

pois, conforme visto anteriormente, a decretação da falência implica o vencimento antecipado


das dívidas do empresário80.

Historicamente, há uma crítica doutrinária, no âmbito do direito concursal, referente à


utilização do processo de falência como meio de cobrança. Na prática, ±90%81 dos
requerimentos apresentados servem como “instrumentos de pressão” para que o devedor
pague a dívida. Entre a execução singular e a falência, o credor opta pela última, mesmo
sabendo que o empresário não é insolvente – apesar da caracterização do requisito legal
(título não pago protestado). Na execução singular, o devedor é citado para pagar ou
nomear bens à penhora – para que sejam admitidos os embargos à execução. Não sendo
acolhidos os embargos, terá prosseguimento a expropriação daquele bem. Na falência, só
resta ao devedor pagar a dívida (ou alegar relevante razão de direito para não pagá-la), pois,
caso contrário, sua falência será decretada – não há possibilidade de se adimplir somente
aquele débito depois disso. A falência, por esse ponto de vista seria um “meio de cobrança”
mais eficiente que a execução singular. A literatura jurídica nacional reprova essa prática, pois
as finalidades do procedimento pré-falencial estariam sendo desvirtuadas.

Por conta disso, visando a repelir aquela conduta, a Lei n.º 11.101/2005 modificou
alguns elementos do sistema falimentar anterior, em duas vertentes:

a) na limitação do valor do título que enseja a insolvência presumida – estabelecido em


quarenta salários-mínimos;

b) na ampliação do prazo para defesa do devedor – de vinte e quatro horas82 (para apresentar
a defesa ou realizar o depósito elisivo) para dez dias.

A despeito das questões suscitadas, existem opiniões contrárias na doutrina, baseadas


num dos principais objetivos da nova lei, a redução do custo do crédito. Quando o processo
de falência é mais eficiente e rápido, diminui-se o risco da atividade econômica – e, com isso
(pelo menos em tese), reduzem-se, também, os juros. A opção legislativa atual e seus dois
fundamentos poderiam ter o único efeito prático de dificultar o exercício do direito de
crédito em face do devedor83.

3. CITAÇÃO E DEFESA

Apresentado o requerimento, o devedor é citado – para pagar (e extinguir o processo) –


ou para apresentar defesa. Esta terá como fundamento, em face da alegação de impontualidade:

a) a inexistência de protesto, do próprio título ou do valor mínimo exigido por lei ou

b) a existência de relevante razão de direito para que a dívida não tenha sido paga no
vencimento. A Lei n.º 11.101/2005 lista as hipóteses de relevante razão de direito,

80
Perguntinha interessante: por que a sociedade se extingue com a falência? Resposta “real”: “1º) Porque está
previsto na lei; 2º) A sociedade insolvente não tem meios para exercer sua atividade empresarial – se ela fosse
recuperável, não se decretaria a falência”.
81
Mais uma pérola estatística do Instituto Brasileiro de Geografia Esquizofrênica.
82
Só pra Jack Bauer mesmo...
83
Entre megaempresários inadimplentes e megaempresários agiotas, quer dizer, banqueiros, dá pra entender
quais fazem mais o tipo de Otávio Augustus.

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DIREITO COMERCIAL III 11 de outubro
Aula n.º 10 de 2008

relacionadas à inexistência do crédito ou da não-caracterização da insolvência, não


significando, em rigor, relevante razão alguma. Para que esta viesse a ocorrer, de fato, seria
necessário que a obrigação existisse, que o termo previsto para o adimplemento já tivesse
chegado, mas que a sua exigibilidade estivesse comprometida por algum fato. A grande
relevante razão de direito para não se pagar uma dívida se dá pela exceção do contrato não
cumprido84. No campo da teoria geral do processo, a defesa visa a negar o direito do autor; a
exceção, a demonstrar a existência de fato impeditivo ao exercício do direito do demandante.

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:


I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse
o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência.

Art. 96. A falência requerida com base no art. 94, inc. I do caput, desta Lei, não
será decretada se o requerido provar:
I – falsidade de título;
II – prescrição;
III – nulidade de obrigação ou de título;
IV – pagamento da dívida;
V – qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a
cobrança de título;
VI – vício em protesto ou erro em seu instrumento;
VII – apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação,
observados os requisitos do art. 51 desta Lei;
VIII – cessação das atividades empresariais por mais de 2 (dois) anos antes do
pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de
Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato
registrado.

3.1. Depósito elisivo

Art. 98. Citado, o devedor poderá apresentar contestação no prazo de 10


(dez) dias.
Parágrafo único. Nos pedidos baseados nos incs. I e II do caput do art. 94
desta Lei, o devedor poderá, no prazo da contestação, depositar o valor
correspondente ao total do crédito, acrescido de correção monetária, juros e
honorários advocatícios, hipótese em que a falência não será decretada e,
caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o
levantamento do valor pelo autor.

Nos casos em que a falência é requerida com base na impontualidade ou numa


execução frustrada, há possibilidade de o devedor realizar o depósito elisivo. Elisivo vem de
elidir – fazer desconstituir; impede-se, portanto, a decretação da falência. Geralmente, fazem-

84
Otávio Augustus fez um drama, sugerindo que era óbvio que alguém iria dizer isso. Eu mermo que não! No semestre
passado ele não tinha enjoado com aquele negócio de inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, nos
títulos de crédito em que há circulação? Exceção de contrato não cumprido em face de título cambiário é só pra
“desabafar” mesmo. Bom, mas, na verdade, o professor tinha em mente os outros títulos que ensejam a impontualidade –
não necessariamente títulos de crédito. Mas o “Imperador” ainda lançou uma possibilidade de se alegar a exceção mesmo
em caso de título de crédito: se, concomitantemente ao endosso, operou-se uma cessão de posição contratual – pois, nesse
caso, é como se o cessionário e o cedente fossem a mesma pessoa. Para mais detalhes, voltem ao volume 2 da coleção
mais esquizofrênica da literatura jurídica brasileira! Se você ainda não tem, e-meie já para... você sabe o e-mail.

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11 de outubro
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO
de 2008

se defesa e depósito ao mesmo tempo; se aquela for aceita, o requerimento será extinto e a
quantia depositada retornará ao devedor; se não for aceita, a falência não será decretada
pela existência do depósito (que é uma faculdade conferida ao devedor).

A lei permite o depósito elisivo tanto na hipótese de execução frustrada quanto na de


impontualidade – mas não abre essa possibilidade quando o requerimento tem por base os
fatos previstos em lei, porque, nesses casos, o elemento caracterizador da insolvência não é o
inadimplemento, mas a prática de atos que levam a uma presunção de situação patrimonial
deficitária por si sós.

3.2. Pedido de recuperação judicial

A Lei n.º 11.101/2005 trouxe, dentro das causas que impedem a decretação de
falência (por motivos desconhecidos por Otávio Augustus), a apresentação de pedido de
recuperação judicial (art. 96, inc. VII). Nessa hipótese, o pedido de falência será sobrestado, e
processado será o pedido de recuperação judicial; deferido o último se extingue o primeiro;
denegada a recuperação, a falência será decretada.

A incoerência se dá no seguinte aspecto: o depósito elisivo não impede a decretação


da falência baseada em fatos previstos em lei, porque, nesse caso não há inadimplemento.
Porém, em relação ao pedido de recuperação judicial, só há restrição para que haja o
sobrestamento do procedimento pré-falencial, quando o fundamento deste é a
impontualidade. Para o professor, a interpretação do dispositivo deveria ser extensiva, a fim
de, quando se apresenta o pedido de recuperação judicial, se contemplar o sobrestamento
do requerimento de falência, qualquer que seja o seu fundamento85.

4. LEGITIMADOS

Art. 97. Podem requerer a falência do devedor:


I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei;
II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou inventariante;
III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato da
sociedade;
IV – qualquer credor.

Dentre o rol do artigo 97, estão os dois grandes legitimados para requerer a falência: o
credor e o próprio devedor (em se tratando de autofalência, na qual não há todo esse processo
contencioso – mas não significa que todo pedido será deferido, ainda que ausentes seus
pressupostos, v.g. devedor empresário). As demais situações têm suas peculiaridades: está
legitimado o cônjuge supérstite ou qualquer herdeiro – tratando-se de espólio (e, obviamente,
de empresário individual) –, bem como o sócio do falido. Na última hipótese, não se trata de
autofalência, porque sócio e sociedade não são a mesma pessoa; só haveria autofalência de
sociedade se ela mesma, por meio de seu presentante, fizesse o requerimento.

Parte da doutrina (e algumas decisões judiciais) entende que, na hipótese do inciso III,
não basta a citação da sociedade; devem ser citados os demais sócios também, dado o

85
Para Otávio Augustus, ainda que o artigo 96 faça menção apenas ao inciso I do artigo 94, está claro que o
pedido de recuperação judicial suspende o procedimento pré-falencial baseado em execução frustrada. A
controvérsia se dá somente em relação ao inciso III do art. 94 – os tais fatos previstos em lei.

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conflito que ocorrerá entre eles. Por exemplo, pode ser o sócio requerente o administrador
da sociedade, mas não enquanto seu presentante; quem responderia pela sociedade,
esdruxulamente, seria ele mesmo. Deve-se ressaltar, todavia, que a citação dos sócios deve se
dar apenas em caso de sociedade contratual; nas sociedades institucionais (anônimas, por
exemplo), não há essa possibilidade, por razões óbvias86. Se um dos sócios morreu, deverá ser
citado o seu espólio. Não há vedação à possibilidade de requerimento de falência por parte
de sócio de S/A87.

5. CONTEÚDO DA SENTENÇA

Só há importância doutrinária no que se refere à sentença que declara ou decreta a


falência – pois a sentença que denega o pedido tem só um conteúdo: a denegação88; a parte
dispositiva julga improcedente o pedido ou extingue o processo sem resolução de mérito. Já
a sentença que julga procedente o pedido deverá conter todos os requisitos previstos no
artigo 99 da Lei n.º 11.101/2005, incisos I a XIII.

a) relatório (inciso I);


b) termo legal da falência (inciso II)
c) ordem, ao devedor, para apresentação da lista de credores (inciso III). Só é necessária
em caso de falência requerida por terceiro (pois este não tem conhecimento de quem
são todos os credores do empresário), pois, na autofalência, o devedor já apresentou
a sua lista; tal lista legitimará os credores elencados à prática de determinados atos
(ex.: deliberações na assembléia geral);
d) fixação de prazo para habilitação dos créditos (inciso IV);
e) ordem de suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido (inciso V);
f) proibição de atos de alienação e oneração dos bens do falido (inciso VI);
g) determinação de diligências necessárias para salvaguardar a massa, inclusive prisão
preventiva por crimes falimentares (inciso VIII). Trata-se de matéria nitidamente cautelar;
h) nomeação do administrador judicial (inciso IX);
i) decisão sobre a continuidade da atividade ou a lacração do estabelecimento (inciso
XI). Em regra, há lacração, pois foi o exercício da atividade que levou ao prejuízo
ocorrido; logo, por quanto mais tempo perdurar a atividade, maior será o déficit
acumulado. A continuidade só ocorrerá se for, evidentemente, vantajosa para a massa;
j) convocação, conforme a conveniência, da assembléia de credores (inciso XII).
k) intimação do Ministério Público e comunicação às Fazendas (inciso XIII);

5.1. Termo legal da falência

Essa é uma questão muito mais informativa – pois é simplesmente imposta pelo
direito positivo (por que 90 dias? Por que não 180?) – do que teleológica. O juiz, na sentença,
conforme o inciso II do artigo 99 da Lei 11.101/2005, fixa o termo legal da falência – um
período que pode retroagir até noventa dias contados do protesto que gerou o

86
Se as razões não são tão óbvias pra você, já pro volume 2, agora!
87
Há limitação no que se refere à participação do sócio em ações ou à quantia a ele devida – o professor quis
manter essa questão obscura. O prazo para interposição de embargos de declaração precluiu...
88
Pois é, quem diz uma coisa dessas tem celular Oi: “simples assim”.

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11 de outubro
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO
de 2008

inadimplemento, ou do requerimento de autofalência (dies a quo). A razão disso é que a


falência não ocorre repentinamente (ninguém dorme solvente e acorda insolvente89); antes
da decretação, o falido já estava realizando operações arriscadas para reverter seu quadro
deficitário ou praticando fraudes com o intuito de não perder todos os seus bens quando da
liquidação. Otávio Augustus entende que a expressão “sem poder retrotraí-lo por mais de
noventa dias” deveria ser retirada, pois, ainda que seja uma faculdade do juiz escolher
qualquer período dentro do fixado em lei, todos os julgadores sempre definem o termo legal
em noventa dias antes do protesto (ou do requerimento de autofalência)90.

Há, naquele dispositivo, uma presunção legal de que, com a fixação do termo, a
decretação da falência alcançaria o início da insolvência. Esse período dentro do termo tem
relevância no que concerne aos atos ineficazes e revogáveis (a serem estudados
posteriormente), que assim são considerados se praticados naquele interstício. Há ainda
outro, o período suspeito (de até dois anos antes da decretação da falência), específico para se
atestar a ineficácia de certos atos; o termo legal, no entanto, tem aplicação mais ampla.

5.2. Publicação

A sentença deverá ser publicada por edital; deve ter publicidade maior que as demais
decisões judiciais, dada a sua invasão na esfera jurídica de terceiros (ex.: prazo para
habilitação de créditos).

5.3. Recursos

O recurso a ser interposto91 para impugnar sentença que denega a falência é a


apelação, pois o processo se extinguiu. Para aquela que decreta a falência, o recurso cabível é
o agravo – pois a sentença não extinguiu o processo, mas o iniciou. Na visão de Otávio
Augustus, agravo não é recurso para impugnar somente decisões interlocutórias, mas

89
Exceto os bandoleiros especuladores que se deram mal nesta crise. O senhor professor estava falando de um
cliente que tá querendo uma recuperação judicial porque se quebrou com o câmbio. Ele disse que o mais correto
para o importador (era essa a atividade do cliente), quando fosse fazer grandes negócios em outra moeda, seria
fazer uma operação de hedge – ou seja, outro negócio no sentido inverso, para neutralizar sua posição no plano
da variação cambial. Quando alguém celebra um contrato em que é devedor em dólar (ex.: US$ 1.500,00 para
pagar em 20 de novembro), e não quer correr risco decorrente da flutuação do câmbio, deve fazer outro contrato,
em que é credor do mesmo valor, na mesma moeda, e com crédito exigível na mesma data do primeiro contrato.
A posição está “zerada”, porque a mesma variação que desfavorece o importador num contrato lhe beneficia em
outro. Só que o cara foi com muita sede ao pote: além de sempre se beneficiar com a queda do dólar, a anta fez
uma operação de swap (não é swing – é um contrato de risco que tem como objeto um índice; é um “derivativo”,
porque, ao se constituir um débito de US$ 1.000.000,00 para o dia 20 de novembro, a R$ 1,50, o credor não
receberá dólares, mas reais naquela proporção avençada), ou seja, constituiu um crédito com o dólar a 1,60;
qualquer variação para baixo lhe beneficiaria, mas ele não contava com a subida repentina que fez o valor da
moeda americana chegar a R$ 2,50 no auge da crise. Resumindo: num contrato de US$ 1.000.000,00, o cara deixou
de ganhar R$ 900.000,00 – gerando uma iliquidez momentânea, porque grande parte de seus custos é cotada em
dólar, e só o seu passivo acompanhou a variação. A maior dor do cliente – além da financeira – foi o erro em
avaliar a situação (o cara ainda fez vários outros contratos em que vendia os seus produtos com o dólar a R$ 1,60...).
90
Seria mais simples, então, colocar “o termo legal da falência se estabelecerá 90 dias antes do protesto”, já que
juiz nenhum põe menos que isso.
91
Querem saber por que o recurso é interposto, e não “proposto” ou “apresentado”? Porque ele se infiltra entre a
decisão atacada e seus efeitos. Não é só do ponto de vista teórico que a terminologia faz sentido; no campo
prático, traz conseqüências importantes – como a gente viu (TÔ CEGO! TÔ CEGO!) em Processo Civil II.

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DIREITO COMERCIAL III 11 de outubro
Aula n.º 10 de 2008

qualquer decisão que não ponha fim ao processo – seja ela interlocutória ou sentença. A
sentença põe fim ao procedimento pré-falencial, e instaura o processo de execução coletiva.

* *

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DIREITO COMERCIAL III 17 e 24 de
Aulas n.ºs 11 e 12 outubro de 2008

EFEITOS DA FALÊNCIA

SUMÁRIO: 1. Efeitos sobre a pessoa. 1.1. Perda da administração.


1.2. Inabilitação para o exercício do comércio. 1.3. Deveres do artigo 104.
1.4. Perda do sigilo da correspondência. 1.5. Continuação do negócio.
1.6. Efeitos sobre os sócios. 2. Efeitos sobre os bens. 2.1. Arrecadação.
2.2. Guarda. 2.3. Lacre do estabelecimento. 2.4. Auto de arrecadação.
2.5. Liquidação sumária. 2.6. Venda antecipada. 3. Efeitos sobre os credores.
3.1. Formação da massa subjetiva. 3.2. Suspensão das execuções singulares.
3.3. Credores que não se submetem a rateio. 3.4. Suspensão da fluência
de juros. 3.5. Vencimento antecipado das dívidas. 4. Efeitos sobre os contratos.
4.1. (Não-)resolução dos contratos bilaterais. 4.2. Contratos unilaterais.
4.3. Contratos em espécie.

A decretação da falência gera efeitos em diversos planos, internos e externos à relação


processual estabelecida. Costuma-se, doutrinariamente, classificar tais efeitos em relação à
pessoa do falido, aos seus bens e às relações jurídicas – essencialmente contratos – por ele
travadas (dentro do interstício do termo legal ou do período suspeito).

1. EFEITOS SOBRE A PESSOA

1.1. Perda da administração

O primeiro efeito sobre a pessoa do falido (que não deixa de dizer respeito, também,
aos seus bens92) é a perda que ele sofre em relação à administração de seus bens,
especialmente por conta da sua arrecadação. Esse ato de constrição judicial do patrimônio (e
submissão à relação processual da execução) transfere aquele poder ao administrador
judicial, e implica um desapossamento do falido em relação aos seus bens.

A perda da administração acarreta, com ela, a perda de legitimidade para a prática de


determinados atos. É importante se atentar para a confusão que a literatura jurídica costuma
fazer93, ao mencionar que o falido não se torna incapaz – o que é verdade (afinal, pode ele, se
pessoa natural, casar, votar, celebrar contratos etc.), porém sem explicitar de maneira correta
o fenômeno que decorre da limitação da disponibilidade dos bens. Afirma-se por aí94 que o
falido não tem capacidade para praticar atos em prejuízo da massa – atos de alienação ou
oneração de bens – o que é, flagrantemente, equivocado, uma vez que não existe meia
capacidade (o sujeito é capaz ou não é95); quando o Direito Civil trata da incapacidade
absoluta ou relativa, não está disciplinando a mera capacidade em sua extensão, mas à sua
forma de exercício – por meio de representação ou assistência. O incapaz pode praticar os
atos da vida civil, desde que representado ou assistido.

92
Aliás, não é possível separar de maneira absoluta que efeitos recaem somente sobre a pessoa ou sobre os bens,
ou, ainda, somente sobre os contratos do falido (pode-se, apenas, priorizar o enfoque). É que eles extravasam,
liberam e jogam tudo pro ar.
93
Ulhoa x Otávio Augustus: em quem você confia? Eu não acredito mais no primeiro depois dessa.
94
Quem poderia ser? Ulhoa – que, numa hora dessas, deve estar com as orelhas assando.
95
Fiat Stilo: ou você tem, ou você não tem.

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17 e 24 de
outubro de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

O que incide, de fato, com o falido, não é uma semi-capacidade, mas ausência de
legitimação em relação àquela matéria. O sujeito é capaz, mas, em relação a determinados atos,
não tem legitimidade para praticá-los. Esse aspecto não traz ligação com a validade do ato (esta
se liga à capacidade; o ato praticado por um incapaz é nulo ou anulável), mas sim com a eficácia.
Os atos praticados em detrimento da massa são válidos, porém ineficazes em relação a ela. A
ineficácia, na teoria geral do direito, pode ser absoluta ou relativa. Quando o ato não gera efeitos
em relação a qualquer sujeito, está-se diante de ineficácia absoluta (ex.: ato submetido a
condição suspensiva; enquanto não advém o evento futuro e incerto, o ato é existente e válido,
ainda que não produza efeitos de imediato96). Já quando a não produção de efeitos se dá entre
pessoas determinadas, o fenômeno que ocorre é o da ineficácia relativa. Dessa forma, os atos de
oneração e alienação de bens do falido dentro do termo legal da falência são existentes, válidos,
mas ineficazes em relação à massa. Trata-se, pois, de ineficácia relativa97.

É possível se visualizar essa situação claramente por meio do seguinte exemplo: se o


falido vende ou onera bens após a decretação da falência, o ato é eficaz em relação a
qualquer sujeito, exceto a massa falida – o ato, perante ela, será desconsiderado (ainda que
não seja considerado inexistente). Se o bem ainda não foi arrecadado, será constrito da
mesma forma como se não tivesse sido transferido a terceiro. Se o bem já foi arrecadado,
continuará assim – podendo ser alienado posteriormente, na liquidação. Mas se, por um
milagre do destino, não foi necessária a alienação daquele bem, vendido anteriormente a
terceiro, para o pagamento dos credores, o bem ficará com aquele adquirente, já que o
negócio foi válido. A ineficácia se operou perante a massa; como ela não precisou do bem
para solver suas dívidas, o bem será restituído ao seu verdadeiro proprietário.

1.2. Inabilitação para o exercício da empresa

Esse efeito incide tanto sobre o empresário individual quanto sobre a sociedade
empresária. Porém, a limitação pode cessar para o primeiro, quando o processo de falência
for extinto, e for requerida a sua reabilitação98. Com o encerramento do processo e a extinção
das obrigações, a pessoa natural, reabilitada99, poderá, novamente, exercer atividade
empresarial. Todavia, o mesmo não ocorre com as sociedades, porque a falência implica a
extinção da pessoa jurídica. É sempre um dos casos elencados, seja qual for modelo societário
(desde que se trate de sociedade empresária), como causas ensejadoras de dissolução.

Tem-se aventado, ainda que apenas em sede teórica, a possibilidade de uma


sociedade, após o fim do processo de falência, ser reabilitada pelos sócios e tornar a exercer a
atividade empresarial. É necessário, porém, fazerem-se distinções. O término do processo de
falência possui dois marcos: o encerramento do processo de falência (quando esta acaba, por
meio de sentença, enquanto processo de execução – após o fim da liquidação ou do
pagamento de todos os credores) e a extinção das obrigações (há hipóteses em que o
processo acaba, mas as obrigações perduram, havendo necessidade de outra sentença, que
96
Sobre esse negócio dos “planos” (garanto que foi daí que surgiu o fascínio do professor por essa palavra) de
existência, validade e eficácia dos atos jurídicos, é preciso dar o braço a torcer: quem bota pra lá nesse assunto é o
tal do Pontes de Miranda mesmo, no Tratado Embolorado de Direito Privado.
97
CUIDADO: se você ler Ulhoa, ele vai pôr na sua cabeça que aqueles atos são inválidos, mas não são. Fuja do mico!
98
“They tried to make me go to rehab, but I said no, no, no”. Amy Winehouse é realmente uma cantora falida.
99
Isso não é pra aquele cara do “Polegar”...

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DIREITO COMERCIAL III 17 e 24 de
Aulas n.ºs 11 e 12 outubro de 2008

declare a extinção das obrigações). Se a extinção das obrigações ocorrer antes do


encerramento do processo (numa inversão do que normalmente ocorre), por não haver mais
credores a serem pagos, há teoricamente a possibilidade de sobrestamento da dissolução da
sociedade – que é um processo, composto pela dissolução-ato (o fato que implica a extinção
da pessoa jurídica100), pela liquidação e pela partilha dos bens. A falência é, justamente, uma
liquidação específica – pois se realiza o ativo para solver-se o passivo. Extinguindo-se as
obrigações dentro da falência, pode-se dizer que todos os credores foram pagos ainda no
processo de dissolução da sociedade, e que isso motivaria a sua interrupção. Portanto, nessa
hipótese, sobresta-se o processo de liquidação especial que implicaria a extinção da
sociedade, podendo-se falar, então na continuidade da pessoa jurídica (que, aliás, é termo
mais adequado do que “reabilitação”, nesse caso específico)101.

A continuidade da empresa pela mesma pessoa jurídica é mencionada por alguns


autores, mesmo em caso de sentença de encerramento do processo de falência – sem que as
obrigações tenham sido extintas. Carece esse posicionamento, no entanto, de
fundamentação teórica, a respeito de sua possibilidade jurídica102 – Otávio Augustus tem
sérias dúvidas quanto a isso.

1.3. Deveres do artigo 104

O artigo 104 da Lei n.º 11.101 estabelece uma extensa lista de deveres do falido
(incisos I a XII). O primeiro diz respeito a deveres de informação (qualificação do falido e dos
sócios, relação dos bens que compõem o estabelecimento, causas determinantes da falência,
quando requerida pelos credores – na autofalência é uma condição de procedibilidade da
ação –, informações atinentes à escrituração empresarial – que será importante na
classificação e na habilitação dos créditos, entre outros).

O inciso III estabelece a imposição de não se ausentar da comarca em que se processa a


falência sem motivo justo, necessitando, ainda, de comunicação prévia ao juiz103. A razão da
limitação é a necessidade de informações a serem prestadas pela pessoa do falido. O inciso
VII104 estabelece o dever de realizar parecer a respeito das habilitações de crédito apresentadas.

O inciso XI define que, no prazo estabelecido pelo juiz, o devedor terá que apresentar
sua lista de credores. Relembrando o que já foi mencionado anteriormente, a falência terá
três listas; a importância delas está em saber, em determinado momento, quem receberá seus
créditos, bem como quem está legitimado para a prática de certos atos (ex.: deliberar na
assembléia de credores). A depender do momento em que está o processo, haverá uma lista
que informará quem são esses credores. A primeira é aquela apresentada pelo falido (junto

100
“O tiro certeiro que a fulmina de morte”. Dá pra fazer um dicionário de metáforas infames que já foram ditas
nessas aulas...
101
O que restaria de óbice a isso seriam questões meramente pragmáticas, relativas ao nome, à perda de
credibilidade e referência de crédito. Operacionalmente seria mais fácil se constituir nova sociedade, com nova
denominação ou firma social (mas, nesse caso, fica difícil pôr um nome diferente...).
102
Quem poderia ser? Fábio Ulhoa Coelho...
103
É quase um sursis falimentar. Bom, mas pode um falido papa-jaca ir, de vez em quando, a Ilhéus, pra “pegá
umas onda” de vez em quando.
104
O rol é extenso e o professor comentou apenas alguns itens. Espero que você esteja, neste momento, com a
sua lei de falência do lado. Não tá? Se ferrou, não vou transcrever...

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17 e 24 de
outubro de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

com o requerimento da autofalência ou, na falência requerida por credor, quando, na


sentença, o juiz requisitá-la). A segunda é confeccionada pelo administrador judicial, com
base na primeira e nos documentos que conseguiu levantar no processo; a partir dela, se
abrirá prazo para impugnação de credores que integram a lista, bem como para habilitação
daqueles que nela não constam. Ao fim do procedimento de verificação e habilitação dos
créditos, estará pronta a terceira lista, definitiva, baseada na segunda e nas impugnações e
habilitações posteriores a ela, que formará o quadro-geral de credores. A primeira de todas é
aquela contida no inciso XI.

Em não cumprindo com os deveres do artigo 104, o juiz intimará o falido a prestá-los.
Se, ainda assim, não o fizer, incorrerá em crime de desobediência, conforme estabelece o
parágrafo único do mesmo artigo.

1.4. Perda do sigilo da correspondência

A correspondência do falido poderá ser aberta pelo administrador judicial. Discute-se


a constitucionalidade desse dispositivo, pois o sigilo da correspondência, conforme o artigo
5º, inciso XII, da Constituição Federal estabelece a proibição de sua violação. A autorização da
violação de correspondência está no plano da lei ordinária, contrariando norma de hierarquia
superior. No entanto, sempre esteve nas leis de falência anteriores, e não houve decisão que
declarasse a inconstitucionalidade do texto legal em sede de controle concentrado. As
justificativas para a manutenção da violação pelo administrador são frágeis, não convencendo
dentro da técnica hermenêutica105.

Deixando a questão de lado, quando se trata de sociedade, não há problemas quanto


à incidência da norma – abrange todas as correspondências, pois todas elas dizem respeito à
atividade desenvolvida. Já no que toca ao empresário individual, há certa limitação quanto a
isso – as correspondências pessoais106, que nenhum efeito operaria sobre a falência, não
devem ser abertas pelo administrador; o mesmo não ocorrerá em relação àquelas de cunho
nitidamente patrimonial. Otávio Augustus entende que as correspondências, mesmo
endereçadas aos sócios, se, evidentemente, denotarem ligação com a sociedade e relevância
ao processo, deverão ser abertas, também107.

1.5. Continuação do negócio

Trata-se de relativização da proibição do exercício da atividade empresarial


(destacada no tópico 1.1 supra), mas apenas aparente: a continuação do negócio não se dá
pela pessoa do falido, mas pela massa falida, por meio de um gestor escolhido, sob
supervisão do administrador judicial e com a aprovação do juiz. É uma exceção, devendo ser
implementada somente se houver claro proveito para a massa108; como o déficit patrimonial

105
E desde quando comercialista sabe o que é Constituição? Tá todo mundo mais preocupado em torcer por
McCain, Hamilton e pro São Paulo do que pôr a mão na consciência.
106
Exemplo: cartinha rosa e perfumada daquela “totosa” chamada Nicole Scherzinger – a que tava rezando e
pulando quando Hamilton ganhou o campeonato. Sortudaço! A propósito, era ela a Mulher Mascarada daquela
aula de aval, de Comercial II.
107
Já violei uma, já violei duas, já violei três, hoje eu já violei, vou violar mais uma vez! E foi assim que o Cheiro de
Amor influenciou a doutrina do Direito Comercial brasileiro...
108
Pôxa, Massa, campeão até a penúltima curva...

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DIREITO COMERCIAL III 17 e 24 de
Aulas n.ºs 11 e 12 outubro de 2008

foi causado pelo exercício da empresa, em regra, a sua continuidade implica o crescimento
do rombo nas finanças do empresário. Em havendo prosseguimento da atividade, esta terá
como limite o início da liquidação – pois, quando os bens começarem a ser alienados, ficará
difícil a compatibilização da realização do ativo com a continuidade do negócio.

1.6. Efeitos sobre os sócios

Aqueles deveres que devem ser cumpridos, pessoalmente, pelo empresário individual,
devem ser impostos, por analogia, ao administrador da sociedade (ex.: não se ausentar da
comarca em que se processa a falência sem motivo justo109). O crime de desobediência,
previsto no artigo 104, parágrafo único, também é praticado pelo administrador (sócio ou
não). Só há responsabilidade penal da pessoa jurídica se o crime for praticado no exercício da
atividade inclusa no objeto social (salvo na questão ambiental, em que independe o ato
daquele requisito)110 – o que não é o caso aqui.

Outra vertente dos efeitos da falência sobre os sócios se dá na questão patrimonial: os


bens (penhoráveis) dos sócios serão atingidos pela arrecadação, caso haja responsabilidade
ilimitada; se for limitada, a arrecadação será restrita ao valor equivalente ao capital subscrito,
mas não integralizado111. Os sócios da limitada em que o capital foi integralizado por
completo não terão seus bens afetados pela falência da sociedade; o mesmo ocorre com os
sócios de uma S/A que já integralizaram o valor de suas ações.

2. EFEITOS SOBRE OS BENS

2.1. Arrecadação

Todos os bens do devedor são arrecadados, depois de decretada a falência. A


arrecadação é o ato de constrição judicial que implica a submissão dos bens à relação
processual, para que sejam alienados, e o produto daí decorrente seja convertido em meios
líquidos de pagamento aos credores.

Só serão arrecadados os bens penhoráveis112 – uma vez que a arrecadação guarda


relação com a penhora (esta é o ato de constrição judicial de bem, na execução singular;
aquela, o da execução coletiva). Também serão constritos todos os bens os quais estejam na
posse do falido ainda que não sejam de sua propriedade – posteriormente é feita a depuração
da massa (tarefa, do juiz, de mandar buscar aquilo que não foi arrecadado, e de restituir
aquilo que o foi indevidamente). Sofrerão o mesmo efeito os bens, reconhecidamente
pertencentes ao falido, que estejam em poder de terceiro. Bens penhorados em execuções
singulares são arrecadados – pelas mesmas razões lógicas, não jurídicas, já explicitadas
quando do estudo do juízo falimentar.

109
PEGA! PEGA! A Farmácia Cabral tá fugindo!!!
110
Bom, essa nova incursão de Otávio Augustus pelo Direito Penal (risos) pode ser tipificada como um crime de
perigo abstrato (huahuahua!). Eu não li o que Cezar Roberto Bitencourt ensina no primeiro capítulo do volume II
do Tratado de Direito Penal, mas, se tiver alguma coisa a ver com o que o professor disse, foi um chute no ângulo!
111
Lembra dessa? Mais um motivo para você adquirir já o volume 2!
112
A impenhorabilidade só se refere ao empresário individual – afinal, sociedade não tem bens de família, nem bens
para guarnecer sua residência. Aliás, nem residência tem. Tadinha... Onde é que a Farmácia Cabral vai dormir hoje?

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17 e 24 de
outubro de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

2.2. Guarda

Os bens arrecadados ficam sob a guarda do administrador judicial, que pode,


inclusive, realizar despesas, celebrando contratos, visando a estocá-los e protegê-los em local
mais adequado.

2.3. Lacre do estabelecimento

Trata-se de questão mais alegórica113 do que pragmática. Tal ato simboliza a cessação
das atividades do estabelecimento. O lacre funciona, também, para impedir que um bem seja
subtraído de lá114. Deve-se perceber o lacre incide sobre o estabelecimento (aqui entendido
como o conjunto de bens e relações jurídicas ativas e passivas, com certa aptidão funcional, e
pertencentes a um empresário), não sobre bens individualizados. Caso haja necessidade de se
impedir que um bem ou outro seja desviado pelo devedor, pode-se pedir ao juiz da falência,
o seqüestro (ou outras medidas cautelares específicas dirigidas à submissão do bem à
responsabilidade patrimonial) da coisa.

2.4. Avaliação

Os bens arrecadados são devidamente avaliados. Há, nesse ponto, uma mudança em
relação à legislação anterior: a avaliação, que era feita depois da fase de habilitação e da
classificação dos créditos, hoje é feita antes dela. Quando o administrador arrecada os bens,
ele os avalia, seja em bloco (enquanto estabelecimento, ou seja, uma universalidade de
fato115), seja separadamente (enquanto bens individuados). O administrador pode, para a
consecução da tarefa, contratar profissional especializado.

Tendo ele mesmo feito a avaliação, lavrará o auto de arrecadação, que conterá o
inventário e o laudo da avaliação. Se contratou terceiro, ou houve necessidade de maior
tempo para se proceder o cálculo, fará apenas o inventário (o rol dos bens) – e, em trinta dias
(prazo estabelecido tendo em vista a celeridade processual), entregará o laudo. Em regra, o
auto de avaliação já vem com os dois documentos. Caso o juiz acredite ser errônea a
avaliação, pode ele mesmo, de ofício, corrigi-la ou mandar que se faça uma nova. Os
credores também têm poder para impugnar o laudo.

2.5. Liquidação sumária

Liquidação sumária é a venda antecipada de todos os bens, antes mesmo da


confecção do quadro-geral de credores. Ocorre, por decisão judicial, em caso de diminuto
valor do patrimônio arrecadado.

113
Para o professor, da mesma forma que as inscrições, nas pirâmides egípcias, de “você será amaldiçoado” – ou
algo parecido. Diga aí se essa não é outra metáfora horrível?
114
Uma questão suscitada: a lacração do estabelecimento não conflita com o princípio da preservação da empresa?
Segundo Otávio Augustus, não, porque a preservação se dará por meio de outro empresário, que adquirirá aquele
estabelecimento. Não se preserva o empresário ou a sua atividade, mas a atividade – podendo haver substituição da
pessoa que irá realizá-la. Além disso, não se deve confundir o princípio mencionado com a continuidade das
atividades do falido (conforme a conveniência) até a liquidação, pois ele não se materializa dessa forma.
115
Mais sobre o tema em: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. v. 1. São Paulo:
Malheiros, 2004.

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2.6. Venda antecipada

Ao contrário da liquidação, que é um procedimento global, pode a alienação


antecipada incidir apenas sobre determinados bens que possam sofrer deterioração ou cuja
guarda seja dispendiosa para a massa. Também depende de decisão judicial para que ocorra.

3. EFEITOS SOBRE OS CREDORES

A literatura jurídica costuma fazer uma distinção entre efeitos sobre os contratos e
sobre os credores, ainda que todos se refiram a relações jurídicas estabelecidas com o falido;
no entanto, a intenção é a de, apenas, priorizar o enfoque – como já explicitado supra.

3.1. Formação da massa subjetiva

É o primeiro grande efeito, já trabalhado quando do estudo do juízo falimentar. Os


credores, no processo de falência, constituem pólo único de interesses – ainda que,
individualmente, haja conflito entre eles, em face do déficit patrimonial. Em não havendo
patrimônio suficiente para adimplemento de todas as obrigações, abre-se possibilidade de
um credor vir a impugnar o direito de outro, modificar sua classe ou reduzir o crédito
habilitado, importando um rateio maior para os credores remanescentes. Por outro lado,
todos eles, em relação a terceiros, no que diz respeito a defender e privilegiar a massa, seus
interesses são convergentes, e gravitam em função daquele pólo subjetivo116.

A massa subjetiva é um ente despersonalizado: tem capacidade processual, ainda que


não possua personalidade jurídica. Ela pode substituir o falido em determinadas ações que
digam respeito à defesa da massa objetiva – sendo, portanto, parte no processo –, embora
não exista enquanto pessoa.

3.2. Suspensão das execuções singulares

Também já se abordou esse tópico anteriormente; tal fenômeno ocorre em função do


velho jargão: “por razões lógicas, não jurídicas”. São regimes incompatíveis a instauração de
uma execução coletiva (a falência) e a manutenção das execuções singulares – trata-se de
situações mutuamente excludentes.

Há, no entanto, exceções: as execuções singulares com praças já designadas ou


realizadas117. Quanto às primeiras, a legislação atual inovou em relação ao regime anterior,
permitindo (não se sabe por qual critério objetivo a modificação legislativa se deu) que o juiz
as suspenda ou não. Se suspender, o processo de execução singular ficará paralisado118; se a

116
É como uma família barraqueira: só quem pode xingar os seus membros são eles próprios, mas cada um
defende o outro perante terceiros.
117
Otávio Augustus se recusa a considerar a possibilidade de sequer mencionar, nesse tópico, a execução singular
com praça já realizada. A alienação do bem penhorado em hasta pública (aliás, Nelson Rosenvald diz que não se
trata de alienação; eu fui dizer isso pro professor, e ele me respondeu: “vá ler Instituições de Direito Processual
Civil de Chiovenda”. Então, tá...) é o penúltimo ato “central” do processo (pois pode haver, incidentalmente,
embargos à arrematação). Depois dele, só há a transferência do produto da alienação ao exeqüente. Sendo assim,
o que é que tem pra suspender, pelamordedeus? Isso é tão esdrúxulo, que a não-suspensão de uma execução
singular nesse estágio, obviamente, deverá se operar; o legislador “ordinário” (no mau sentido) nem precisava se
dar ao trabalho de cogitar uma burrice dessas.
118
E só sairá dessa com meio copo de água na cara e uma sonoplastia ridícula quando voltar ao normal.

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17 e 24 de
outubro de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

decisão for diversa, a praça será realizada, e o produto da alienação será encaminhado ao
juízo falimentar, para servir como meio de pagamento aos credores – na forma em que eles
forem verificados e classificados no processo de falência.

Uma questão surge daí: por que a praça já designada na execução singular não será
realizada no processo de falência? Por razões de economia processual – não na acepção de
“economia dos atos processuais”, mas no seu sentido literal, de redução de custas; a realização de
praça é um dos atos processuais mais caros que há, em virtude da necessidade de publicação de
editais, que representam um gasto significativo. É por conta disso que está a faculdade atribuída
ao julgador de suspender ou não a execução singular: se os editais já foram publicados (e as
demais despesas com a realização da praça já foram efetuadas), a praça deve ser mantida; se, não
obstante o ato já tiver sido designado, suas despesas ainda não se processaram, a execução
singular deverá ser suspensa – e o bem será alienado no processo de falência.

3.3. Credores que não se submetem a rateio

É mais uma exceção à suspensão das execuções singulares. Os credores não


submetidos a rateio (e ao concurso de credores via processo de falência) não são atingidos,
nesse contexto, pelo processo de execução coletiva. Continuam eles, portanto, com suas
execuções singulares, ainda que haja entendimento jurisprudencial de que o produto da
alienação vá para o juízo falimentar, a fim de que de que se garanta a ordem de pagamento.

Por exemplo, os credores fiscais não se submetem ao concurso de credores da


falência, no sentido de se verificar no curso desse processo a existência do crédito e o seu
valor. Por isso, mantém-se a execução singular; na ação incidental de embargos à execução
fiscal é que se discute a existência ou não do crédito – ou seja, perante o mesmo juízo, não o
da falência. O produto da alienação irá para o juízo falimentar para que haja observância do
pagamento de outros credores que, por lei, precedem até mesmo estes inclusos neste tópico
(ex.: credores trabalhistas e credores com garantia real).

3.4. Suspensão da fluência de juros

Os juros verificados até a decretação da falência são computados, entrando no cálculo


do crédito. A partir da publicação da sentença que decreta a falência, há suspensão da
contagem dos juros. Podem, no entanto, incidir sobre o débito, caso a massa objetiva comporte
– ou seja, haja patrimônio suficiente para adimplemento de todas as obrigações, até a última
classe de credores subordinados119. Somente depois de pagos 100% dos débitos do falido é
que será possível se fazer o cômputo dos juros de todos, obedecendo-se a mesma ordem de
classificação dos créditos em que se deu o pagamento do valor principal da dívida. Assim,
podem alguns credores receber seus juros (integralmente ou parcialmente), outros não.

3.5. Vencimento antecipado das dívidas

A falência implica o vencimento antecipado das dívidas, como visto em tópicos anteriores.
Esse fenômeno ocorre em função da própria estrutura do processo de falência – e, novamente,
por questão de lógica: a execução coletiva extinguirá todas as relações patrimoniais ativas e
passivas do devedor, isto é, arrecadará todo o seu patrimônio para se adimplirem todas as suas
obrigações. A falência tem como pressuposto a insolvência – a situação patrimonial deficitária; a

119
Xiii... tá mais fácil rolar o show do Linkin Park no Salobrinho...

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Aulas n.ºs 11 e 12 outubro de 2008

arrecadação do patrimônio e o pagamento dos credores são operacionalizados, então, pelo


vencimento antecipado de todas as dívidas. Ao se trabalhar de outra forma, não se conseguirá
resolver a situação do devedor, nem se atingirão os objetivos do processo.

4. EFEITOS SOBRE OS CONTRATOS

Já se discutiu que os efeitos sobre os credores e sobre os contratos dizem respeito às


relações jurídicas estabelecidas com o devedor. Neste tópico, no entanto, se prioriza o
enfoque sobre a própria relação contratual; no anterior, sobre o titular do crédito.

4.1. (Não-)resolução dos contratos bilaterais

Repetindo regra do sistema anterior, a falência não implica a resolução dos contratos
bilaterais do falido, conforme o artigo 117 da Lei n.º 11.101/2005120:

Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser
cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o
aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e
preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê.

Pode o administrador judicial, portanto, devidamente autorizado pelo Comitê121 (o


que é uma novidade em relação à legislação de 1945, em que a decisão ficava submetida
somente ao arbítrio do síndico – ainda que sob a fiscalização do juiz), optar por executar o
contrato, cumprindo-o. Não se confere a ele a faculdade de resolver ou de rescindir o
contrato. Quando se fala em cumprimento do contrato, está-se no plano da execução do
mesmo; se ele será adimplido, pressupõe-se a existência daquela relação jurídica, não o seu
desfazimento.

A leitura correta do dispositivo é: pode o administrador judicial decidir por cumprir ou


não com as obrigações estabelecidas no contrato. Um contrato não cumprido confere, ao
contratante que não obteve a prestação a que tinha direito, duas opções: a tutela específica
da obrigação (com a execução forçada do contrato, obtendo o credor exatamente aquilo a
que tinha direito) ou tutela pelo equivalente em pecúnia (a conversão da obrigação de
fazer, não fazer ou dar coisa diversa de dinheiro em obrigação de dar quantia certa, acrescida
de perdas e danos, conforme o caso). A Lei 11.101/2005, portanto, retira uma das duas
possibilidades de exercício do direito pelo credor: de exigir a execução do contrato (ou, em
termos mais processualísticos, de suscitar a tutela específica), obrigando a massa a cumpri-lo;
no entanto, todos os outros direitos decorrentes do inadimplemento contratual não serão
tolhidos da parte (a liquidação da obrigação – conversão em dinheiro – e as perdas e danos
em face do não cumprimento do contrato)122.

A doutrina considera o artigo 117 como um dispositivo de efeito interno: não


responderá o administrador judicial perante a massa pelo não-cumprimento do contrato,
nem pela obrigação da massa de indenizar o contratante. Se não houvesse esse permissivo, a
responsabilidade do administrador se configuraria. Otávio Augustus não concorda muito com

120
Não é o artigo 117 do Código Tributário Nacional, para os desavisados... Isso é uma piada interna.
121
Como se trata de órgão facultativo, caso não haja Comitê, a decisão é somente do administrador judicial.
122
Otávio Augustus: “Leiam com cuidado os textos que dizem que o administrador judicial pode resolver o
contrato”. Que textos? Complete: Fá__o U_ho_ C_e_ho.

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17 e 24 de
outubro de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

isso, pois, para ele, a principal finalidade da norma daí extraída é aquela já trabalhada: é
retirar do contratante a possibilidade de se exigir a tutela específica de sua obrigação.

4.2. Contratos unilaterais

No sistema anterior, nada se trazia em relação aos contratos unilaterais. Dizia-se o


seguinte: nos contratos unilaterais, ou a massa é só credora (e exercerá o seu direito
decorrente do contrato), ou a massa é só devedora (e competiria ao respectivo contratante
habilitar o seu crédito, se já for representado por título executivo, ou obter a sentença
condenatória, por meio de ação de conhecimento).

Art. 118. O administrador judicial, mediante autorização do Comitê, poderá


dar cumprimento a contrato unilateral se esse fato reduzir ou evitar o aumento
do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de
seus ativos, realizando o pagamento da prestação pela qual está obrigada.

O artigo 118 da Lei n.º 11.101/2005 praticamente reproduziu, no sistema dos


contratos unilaterais, aquilo que se estabeleceu para os bilaterais: compete ao administrador
verificar a conveniência, para a massa, do adimplemento dos contratos. No campo prático, é
difícil se perceber como isso se operará123: sempre se colocou, no campo do direito
contratual, que a faculdade conferida ao administrador só poderia ser suscitada caso
nenhuma das partes, em contrato bilateral, tenha adimplido sua prestação124. Se um dos
contratantes cumpriu com sua obrigação, o contrato se tornaria “unilateral”, só caberia ao
credor da massa habilitar o seu crédito ou mover ação condenatória.

4.3. Contratos em espécie

O que foi tratado até agora se refere às regras gerais aplicáveis a contratos bilaterais e
unilaterais. Além dessas, a Lei n.º 11.101/2005 traz um extenso rol de tratamento de contratos
em espécie (ex.: efeitos sobre mandato, conta corrente, compra e venda da coisa entregue,
da coisa não entregue, contrato de câmbio, contrato de trabalho, contratos administrativos,
locação empresarial etc.). A legislação traz, dessarte, regras pontuais relativas a certos
contratos, cujos estudo, leitura, interpretação e aprofundamento são de responsabilidade
direta dos alunos125.

* *

123
Por quê? É fácil: mil sacas de cacau que a massa deve num contrato de mútuo, que é unilateral. O credor não
tem o direito de exigir a tutela específica (da mesma forma que o disposto no artigo 118, assim como no 117),
mas pode o administrador decidir pela entrega do bem em vez da conversão em pecúnia, caso haja um estoque
excessivo de cacau no estabelecimento.
124
Quem disse isso, professor? Vamo combinar então: eu leio Giuseppe Chiovenda e o senhor lê Gustavo Tepedino.
125
Ah, tá. Massa, né? Programaço pra um dia de domingo: vou estudar, autodidaticamente, o efeito da falência
sobre uma compra e venda cujo bem não foi entregue. Depois, vou limpar meus óculos fundo-de-garrafa e
espremer minhas espinhas, antes de jogar meu RPG.

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DIREITO COMERCIAL III 25 de outubro
Aula n.º 13 de 2008

PEDIDO DE RESTITUIÇÃO

SUMÁRIO: 1. Conceito. 2. Legitimados. 3. Bem vendido a crédito.


4. Contrato de adiantamento de câmbio. 5. Embargos de terceiro. 6. Direito
do terceiro prejudicado.

A partir de agora se dará o estudo da depuração e da integração da massa objetiva –


tarefa que implica retirar da massa aquilo que a ela não pertence, bem como trazer para a
mesma aquilo que, por algum motivo, ainda não foi arrecadado. Arrecadados devem estar,
exclusivamente: a) todos os bens da massa e b) somente os bens da massa.

1. CONCEITO

É a ação que cabe ao proprietário de bem que foi, indevidamente, arrecadado pelo
processo de falência. Já foi visto que não são arrecadados apenas os bens de propriedade do
falido, mas também aqueles que, simplesmente, estejam em sua posse – sendo o devedor
dono ou não. O juízo de valor sobre a existência ou não de direito de propriedade do
devedor sobre os bens será objeto de cognição judicial por meio de procedimento próprio,
que é o pedido de restituição.

Com a interposição do pedido de restituição, há suspensão do processo de falência no


que se refere ao objeto em discussão. A disponibilidade do bem ficará sobrestada até o
trânsito em julgado da sentença.

2. LEGITIMADOS

Têm legitimidade para propor a ação os proprietários dos bens arrecadados de


maneira indevida. O pedido deve ser dirigido ao juízo falimentar; o administrador judicial é
ouvido, e o juiz, com base no material probatório apresentado, decidirá se julga procedente
ou não o pedido de restituição. Não há prazo decadencial126 previsto na Lei n.º 11.101/2005;
deve-se, então, ingressar em juízo com a ação enquanto durar o processo de falência127.

Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que


se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá
pedir sua restituição.

Se o bem já tiver sido alienado durante o processo de falência, antes mesmo de o


pedido de restituição ser julgado, somente caberá ao proprietário a restituição do valor da
coisa em dinheiro. É importante notar que o pedido de restituição está em primeiro lugar na
ordem de pagamento dos credores – antes mesmo dos créditos em face da massa (não do
falido; são aqueles constituídos após a decretação da falência, para possibilitar a
administração da massa objetiva) e dos credores trabalhistas. Isso ocorre porque não se trata
de relação creditícia, e sim de direito de obter a restituição daquilo que lhe foi tolhido sem
que houvesse motivo para tal.

126
Ou prescricional... Alguém me ajude!
127
E após isso? Não cabe ação reivindicatória? Isso causa mais dúvidas do que uma temporada inteira de Lost.

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25 de outubro
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO
de 2008

A pretensão de quem está legitimado a mover essa ação não se funda em direito de
crédito (ou seja, em relação de direito obrigacional), mas em direito real. Na primeira
situação (relação creditícia), o objeto da prestação do devedor está em sua propriedade – e o
crédito operará a sua transferência do patrimônio do devedor para o do credor. Por exemplo:
se alguém deve R$ 10.000,00 e tem essa quantia embaixo do colchão, o valor pertence ao
devedor; a pretensão creditícia será a de transferir os dez mil reais do patrimônio do devedor
para o do credor. Da mesma forma, se alguém comprou, ainda que a crédito, cem sacas de
cacau, torna-se proprietário dos bens128. Esse mesmo raciocínio129 é utilizado para se
diferenciar uma ação para a entrega de coisa de uma ação reivindicatória. Nessa situação,
fundada em direito real de propriedade, o objeto da pretensão integra o patrimônio do
demandante – da mesma forma que no pedido de restituição. Não é correto, então, se falar
em credor, nesse último caso.

3. BEM VENDIDO A CRÉDITO

Deve-se entender com cuidado o fundamento apresentado no tópico anterior; há


algumas situações que embasam o pedido de restituição, sob a mesma ótica, sem que haja
pretensão de direito real pelo demandante. É o caso do parágrafo único do artigo 85:

Art. 85. [...]


Parágrafo único. Também pode ser pedida a restituição da coisa vendida a
crédito e entregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao
requerimento de sua falência, se ainda não alienada.

Como visto, após a celebração do contrato de compra e venda, e com a realização do


modo adequado de aquisição da propriedade – tradição, para bens móveis –, o bem se
transfere do patrimônio do vendedor para o do comprador. Na compra e venda a que alude
o dispositivo supracitado, a massa já é proprietária do bem. No entanto, se o contrato foi
adimplido pelo vendedor durante os quinze dias que antecederam o requerimento (não a
decretação) da falência, pode ele exigir a restituição, ainda que não tenha mais relação de
direito real a qual tenha por objeto aquele bem.

Assim, o credor do contrato de compra e venda em face da massa tem duas opções:
habilitar o seu crédito130 ou solicitar a restituição do bem. Não se está mais devolvendo ao
sujeito aquilo que lhe pertence, embora o regramento seja o mesmo que ocorre em face dos
bens indevidamente arrecadados131. O fundamento teleológico da norma é o seguinte: há
presunção de que o contrato, no interstício delineado pela lei, foi celebrado pelo falido em
função de ânsia por crédito (visando a impedir que se desse a insolvência) ou vontade de
lesar o outro contratante, pois a situação patrimonial deficitária já estava configurada. De um

128
São noções bem básicas que o professor está trazendo. Pode parecer babaquice, mas é só para reafirmar o
caráter real da pretensão daquele que pede a restituição do bem.
129
Ou melhor, argumento, segundo Antônio Balbino... Mas é uma metonímia... Então tá certo.
130
E, imediatamente, procurar um psiquiatra, porque tá, praticamente, rasgando dinheiro...
131
Veja se eu tô viajando: esse parágrafo único não seria uma condição resolutiva implícita, existente em todos os
contratos em que o comprador é um empresário? O vendedor teria o direito potestativo de, caso o comprador
entre em falência nos quinze dias seguintes à tradição, exigir que se retorne ao status quo ante. E aí?

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DIREITO COMERCIAL III 25 de outubro
Aula n.º 13 de 2008

jeito ou de outro, está-se diante de uma circunstância patológica, incomum – e que os


credores não tinham conhecimento132.

4. CONTRATO DE ADIANTAMENTO DE CÂMBIO

É outra figura – correntemente chamada de ADC – equiparada à primeira, cujo pedido


de restituição não se funda em direito real. Contrato de câmbio é aquele que tem por objeto
a troca de moeda; a modalidade de adiantamento está muito vinculada às operações de
exportação. O empresário celebra com o importador a compra e venda internacional;
receberá o preço devido, em regra, quando o bem estiver à disposição do comprador (dentro
ou fora do país, a depender de como se estabeleceu o contrato, e como este definiu como
seria a tradição). O importador paga por meio da carta de crédito dos bancos133 quando o
bem é entregue – o que poderá levar até 180 dias. O empresário-exportador vai, então,
munido do contrato de compra e venda mercantil internacional (o contrato de exportação),
diretamente ao banco, para celebrar o contrato de câmbio, referente à quantia devida pelo
importador – mas pede, ainda, que se adiante um percentual desse valor, a ser entregue de
imediato134.

O ADC funciona de maneira semelhante ao desconto de uma duplicata – há o


adiantamento por conta de um recebível (que é gênero, o qual engloba o ADC e o desconto).
No entanto, com o desconto, transfere-se a propriedade da duplicata à instituição financeira;
com o adiantamento de câmbio, não há transmissão de qualquer direito creditício: o que
ocorre é a celebração de uma promessa de contrato de câmbio, em que se antecipa a
tradição de determinada quantia.

O valor adiantado pertence ao empresário exportador (que, no contexto em que se


insere, é o falido); assim, o banco tem direito creditício em relação a essa quantia – não teria
ele, em rigor, direito à restituição, somente à habilitação de seu crédito (o equivalente em
real) no processo de falência. Contudo, a Lei 11.101/2005 estabelece que os valores
adiantados nos ADCs se submetem ao pedido de restituição:

Art. 86. Proceder-se-á a restituição em dinheiro:


I – [...]
II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional,
decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na
forma do art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1965, desde
que o prazo total da operação não exceda o previsto nas normas específicas
da autoridade competente.

132
“O que poderia gerar um suicídio ou um homicídio, a depender do perfil psicológico do vendedor”. Quem
ainda duvida que Otávio Augustus é esquizofrênico?
133
Ou aos bancos. Não entendi direito – houve ruído na comunicação, em qualquer acepção da palavra.
134
A propósito, nenhum exportador recebe em dólares – somente em reais. O contrato é celebrado em moeda
estrangeira, mas, quando o importador paga a quantia, esta é enviada à instituição financeira (e, depois, ao Banco
Central) e o exportador receberá o equivalente em moeda nacional (o exportador só pode receber em dólares no
exterior, mas, obviamente terá que declará-los, para não incorrer em evasão de divisas). Na importação, o contrato
também é celebrado em dólar, faz-se o câmbio inverso (compra de dólares); o importador entrega a quantia
equivalente em reais à instituição financeira, que remeterá os dólares para pagamento.

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25 de outubro
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO
de 2008

A razão para tratamento diferenciado desse tipo de contrato é135 a relevância do


financiamento à exportação; a norma visa a facilitar (ou, pelo menos, não dificultar) tal
atividade, que “representa tantos aspectos positivos para a economia nacional – inclusive na
geração de empregos”136. Não se trata de regra nova; há legislação, da década de 1960, que
já regulava a restituição, no processo de falência, do valor adiantado no contrato de câmbio.

5. EMBARGOS DE TERCEIRO

Há, aqui, “uma das coisas mais interessantes do direito brasileiro”137: nas situações
trabalhadas acima, há, previstos em lei, tanto o pedido de restituição como o embargos de
terceiro, para se atingir a mesma finalidade. Na lei anterior, havia discussão a respeito da
possibilidade de o credor (ou proprietário) poder, indistintamente, utilizar o pedido de
restituição ou os embargos de terceiro previstos no Código de Processo Civil, no artigo 1.046:

Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofre turbação ou esbulho
na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de
penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação,
arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou
restituídos por meio de embargos.

Dizia-se, na época que, se o sujeito lesado é o proprietário, só caberia o pedido de


restituição; se fosse o possuidor (que obteve a posse por meio de contrato), a medida
adequada seriam os embargos de terceiro. Há diferença de rito entre os dois: o pedido de
restituição é um procedimento especial da lei de falências, os embargos de terceiro,
procedimento especial de jurisdição contenciosa do CPC; os últimos admitem concessão de
provimento liminar (que, no campo prático, há relevância), o que não ocorre com o
primeiro.

Hoje, essa situação mudou, porque os embargos de terceiro, na redação da Lei


11.101/2005, só são cabíveis naquelas situações em que não há possibilidade de se promover
o pedido de restituição:

Art. 93. Nos casos em que não couber pedido de restituição, fica
resguardado o direito dos credores de propor embargos de terceiros,
observada a legislação processual civil.

Dissipou-se, então, a dúvida sobre o caráter coincidente ou não das duas medidas.
Apesar de elidida a superposição que poderia haver, esse tratamento processual, decorrente
da divisão entre pedido de restituição e embargos de terceiro, nunca teve lógica. Poder-se-ia
elaborar um regime jurídico único, legitimando proprietário, possuidor e credor. Toda a
literatura falimentar, entretanto, ignora esse aspecto. A legislação atual reproduziu a
bipartição, certamente, por apego à tradição, por não querer inovar – incorporou o regime
antigo, modificando-o apenas no que era necessário para se evitar aquela superposição que,
pelo menos em sede doutrinária, ainda existia.

135
Além da possibilidade de “submissão do legislador pátrio à lógica do grande capital internacional”, como quis
ironizar o nosso professor.
136
As partes mais constrangedoras estão entre aspas.
137
A de número 11.101.

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DIREITO COMERCIAL III 25 de outubro
Aula n.º 13 de 2008

6. DIREITO DO TERCEIRO PREJUDICADO

Se acolhidos os embargos (que, para Otávio Augustus, só são cabíveis para a defesa
da posse138), em caso de alienação do bem, pela massa, a terceiro (não aquele dos
embargos), o embargante será restituído na posse do bem. Como ficará a situação do
terceiro prejudicado, que adquiriu o bem da massa e perdeu a posse para o embargante? O
comprador terá que intentar ação de conhecimento, em face do alienante (a massa falida),
para se ressarcir dos prejuízos. O crédito será habilitado no processo de falência.

E se um bem arrecadado indevidamente foi vendido a terceiro em hasta pública? O


verdadeiro proprietário ainda pode mover ação reivindicatória ou embargos de terceiro, ou
terá que se contentar com a restituição em dinheiro do pedido de restituição? Otávio
Augustus defende a última opção, “por questões de engenharia processual” e de preservação
dos atos processuais139.

* *

138
Não tenho idéia de onde ele tirou isso. Vejam o § 1º do artigo 1.046: “os embargos podem ser de terceiro
senhor ou possuidor, ou apenas possuidor”. Senhor é proprietário...
139
Acho isso ridículo: se uma família viajou para a Disney, deixou o carro (um bem de família) em comodato por
quinze dias a um primo empresário – que faliu daí a pouco – e o bem foi arrecadado e vendido, não terá o
proprietário o direito de retomá-lo? Mesmo sendo impenhorável, Otávio Augustus? Essa justificativa sua de
preservação dos atos processuais, simplesmente, não cola. Código Civil, Código Civil, por favor, me dê um Código
Civil... achei. “Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que
a aquisição se tenha realizado em hasta pública”. É isso: a hasta pública não serve de escudo para venda a non
domino. A evicção pode rolar sim, professor, queira o senhor ou não. Se o título aquisitivo da propriedade (nesse
caso, a carta de arrematação) estiver viciado, babau. Quem “comprou” deve rezar para já ter corrido o prazo para
a usucapião. Ainda vem me dizer que “o direito optou por resguardar a coisa julgada do ato processual e a certeza
jurídica”. Pára de ler Chiovenda, professor!

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DIREITO COMERCIAL III 31 de outubro
Aula n.º 14 de 2008

ATOS INEFICAZES E REVOGÁVEIS DO DEVEDOR PERANTE A


MASSA FALIDA

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Atos ineficazes. 3. Atos revogáveis. 4. Ação


renovatória. 4.1. Prazos e Legitimados. 4.2. Competência. 5. Efeitos da
declaração. 6. Terceiro de boa-fé.

1. INTRODUÇÃO

Ainda no âmbito da depuração (retirada do poder da massa sobre aquilo que não lhe
pertence, por meio de pedido de restituição ou embargos de terceiro) e da integração (ato
de trazer para a massa aquilo que não foi arrecadado, mas que deveria ter sido) da massa
objetiva, tratar-se-á, agora, dos atos praticados pelo falido, antes da decretação da falência e
que importaram a alienação ou a oneração de bens, reduzindo aquilo que poderia ser
constrito no processo de falência. Ressalte-se que esses são atos praticados pelo falido antes
da sentença judicial. Após a decretação da falência, há, também, ineficácia daqueles atos, mas
por falta de legitimidade140, quando se incidem os efeitos da falência sobre a pessoa, que
impedem que o falido aliene ou onere os bens de seu patrimônio.

Como visto, tal efeito não opera a incapacidade do devedor (que invalidaria os atos
praticados), mas sim a perda de legitimação para a prática daqueles atos específicos (o que
acarreta ineficácia relativa, ou seja, somente perante a massa falida). Contudo, há atos
praticados antes da decretação da falência que podem ser considerados, da mesma forma,
ineficazes – o enquadramento jurídico, no plano da ineficácia ocorre com os mesmos
pressupostos daqueles atos viciados pela falta de legitimidade (praticados após a sentença
judicial). Somente os atos listados nos artigos 129 (atos ineficazes) e 130 (atos revogáveis)
se tornam ineficazes se anteriores à sentença que julgou procedente o pedido de falência.

Não obstante a diferença terminológica (atos ineficazes e revogáveis), todas as


situações trazidas por ambos os artigos tratam de ineficácia. A distinção tem por base
somente alguns aspectos específicos, ligados à presença ou não de elemento subjetivo no
sentido de fraudar ou simular negócios – existente somente no artigo 130. Esse sistema
também representa apego à tradição, pois o rol de atos tratados como ineficazes ou
revogáveis já estava presente na legislação anterior – sendo reproduzido da Lei n.º 11.101
quase que ipsis litteris, ainda que com algumas alterações.

A razão para que atos praticados anteriormente à decretação da falência sofram os


efeitos desta, como se a tivessem sucedido se dá em função de um pressuposto: em regra, a
falência não ocorre repentinamente. O estado patológico, sob o ponto de vista econômico,
vem à tona em um processo, não num só ato. Em função da situação patrimonial deficitária, o
devedor pode, já se preparando para a decretação da falência, subtrair bens de seu
patrimônio a fim de lesar seus credores, ou, tentando buscar meios de descaracterizar a
insolvência, tentar rolar suas obrigações – pondo em risco o seu patrimônio, ou agravando o

140
Vide aulas 11 e 12.

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31 de outubro
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO
de 2008

seu déficit. Seja visando a fraudar os credores ou a evitar a falência, por meio de prática de
atos que, normalmente, não seriam exercidos (em especial a alienação ou a oneração de
bens) os negócios praticados pelo devedor serão declarados ineficazes perante a massa
falida, a fim de que ela não sofra o prejuízo deles advindo.

2. ATOS INEFICAZES

Atos ineficazes são aqueles que, objetivamente, haja ou não o elemento subjetivo de
fraudar credores (consilium fraudis141, o acerto entre quem aliena e o suposto adquirente, no
sentido de causar prejuízo a outrem), estão arrolados nos incisos do artigo 129 da Lei n.º
11.101/2005. O rol daquele dispositivo, à semelhança dos fatos previstos em lei como pressupostos
à decretação da falência, refere-se a atos que não são comumente praticados, salvo em havendo
insolvência – há elementos comuns entre as hipóteses dos incisos daquele artigo, que são a
subtração de bens do patrimônio ou a tentativa de descaracterização da impontualidade142.

Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o


contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do
devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:
I – o pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do
termo legal, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que
pelo desconto do próprio título;
II – o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo
legal, por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato;
III – a constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do
termo legal, tratando-se de dívida contraída anteriormente; se os bens dados
em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa falida receberá a
parte que devia caber ao credor da hipoteca revogada;
IV – a prática de atos a título gratuito, desde 2 (dois) anos antes da
decretação da falência;
V – a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento
expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes,
não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo,
salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após
serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de
títulos e documentos;
VII – os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos,
por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após
a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.

141
Graças a Deus, encontrei isso num livro – tava difícil decifrar!
142
Se o estado patológico já existe, a sentença declara ou decreta a falência? A existência de déficit patrimonial
não é a questão aventada pela literatura para se considerar declaratória a sentença – quanto à antecedência da
insolvência em relação à falência, não há dúvidas. No entanto, a primeira é situação fática, a segunda, uma
situação jurídica. Enquanto o juiz não se pronunciar a respeito da falência do devedor, há um sujeito insolvente
sem o status de falido. Há autores os quais afirmam que, por outro lado, como há fatos previstos em lei para a
caracterização da falência, essa situação precederia a sua declaração – a sentença, então, seria declaratória. Outros,
de outro turno, preferem considerar que o que precede a falência são os seus pressupostos, notadamente a
condição de empresário e a impontualidade – só a sentença criaria a falência, sendo, portanto, constitutiva. Sob
enfoque diverso, pode-se dizer que, já que os efeitos da sentença retroagem à sua publicação, sua natureza seria
de declaração. Mas, em sentido diverso, afirma-se que não há conteúdo simplesmente declaratório, porque o
efeito retroativo advém de determinação expressa da lei, o que não ocorre com as demais sentenças declaratórias.

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DIREITO COMERCIAL III 31 de outubro
Aula n.º 14 de 2008

Parágrafo único. A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz,


alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente
no curso do processo.

Vários dos incisos, assim como o primeiro, mencionam o termo legal – constante na
sentença que decreta a falência, e que define até que momento os efeitos da decisão
retroagirão (segundo o inciso II do artigo 99, até noventa dias antes do pedido de falência ou
recuperação, ou do protesto do título). A hipótese do inciso I trata de pagamento de dívida
não vencida – algo muito incomum dentro da atividade empresarial. Tal situação acarreta
pagamento de credor sem a observância da regra estabelecida pelo sistema concursal do
processo de falência, plasmada na ordem de classificação dos créditos – ou seja, poderia
alguém ter adimplido o seu crédito por inteiro quando, na verdade, deveria se submeter a
rateio, ou não receber nada, caso figurasse nas últimas classes de credores, e não sobrassem
recursos suficientes para que estas fossem pagas.

O inciso II trata da dação em pagamento – adimplemento de prestação contratual de


maneira diversa da que foi pactuada. Se isso ocorrer, o ato de extinção da obrigação será ineficaz.

A situação anormal trazida pelo inciso III é a constituição de garantia real de dívida já
existente. Em regra, a dívida nasce concomitantemente com a outorga da garantia143, caso
contrário, configura-se uma encenação em que um credor quirografário se torna,
subitamente, credor com garantia real. O conteúdo da segunda parte do inciso é, segundo
Otávio Augustus, simplesmente óbvio (“dois e dois são quatro”)144.

O inciso IV não se inclui, exatamente, naquelas situações de fraude ou de conduta


temerária; há dois aspectos a serem observados: a) o interstício definido não é o termo legal,
mas o período suspeito de dois anos145; b) trata-se de ato gratuito, não havendo subtração de
patrimônio, nem “desespero” por parte do devedor, apenas uma situação iníqua em que os
credores deixarão de receber seu crédito por conta da liberalidade do falido146. Incluem-se,
aqui, as doações com encargo, pois este não transmuda a gratuidade do ato (embora possa
se configurar uma bilateralidade, para alguns autores civilistas – em tempo: nem todo
contrato bilateral é oneroso). Não são abrangidas pelo inciso as prestações de serviço
gratuitas, pois não há diminuição patrimonial, nem renúncia a direito.

A renúncia à herança ou a legado (inciso V) dentro do período suspeito de dois anos


também padecerá de ineficácia relativa. Deve-se tratar, contudo, de herança positiva (ativo >
passivo).

O inciso VI deve ser combinado coma as regras previstas no Código Civil relativas ao
trespasse, que exigem, para eficácia em relação a credores, a comunicação deles (por meio de

143
Você encontra o seu credor, seis meses depois de constituída a dívida, e fala: “Pô, cara, tu esqueceu da
hipoteca! Tá vacilando? Vamo lá no Cartório do Registro de Bens Imóveis pra resolver isso!”. Esse cara também
precisa de tratamento psiquiátrico, conforme diagnóstico do Imperador.
144
Não tenho a mínima idéia do porquê. Tô lendo Ulhoa mesmo...
145
Diferenças entre termo legal e período suspeito: um é definido pelo juiz, variável, podendo ser fixado em até
noventa dias antes do pedido de falência ou recuperação ou do protesto do título; o outro é estabelecido na lei,
em dois anos, não sofrendo variação.
146
Para o professor, o período suspeito, nesse inciso, deveria ser ainda maior.

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31 de outubro
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO
de 2008

publicação de edital, registro na Junta Comercial e outras formalidades). A ineficácia da


alienação do estabelecimento empresarial tem um tratamento específico no Direito
Falimentar, tendo como pressuposto a inexistência de bens remanescentes para se solverem
as obrigações do devedor.

A hipótese do inciso VII pode ser vislumbrada por meio de um exemplo: Uma
sociedade, sediada em Ilhéus, tem todos os seus bens imóveis situados no mesmo município
da sede. Caso deseje celebrar um contrato de compra e venda, poderá lavrar a escritura em
qualquer tabelionato do Brasil (ou, no exterior, nos consulados147). Suponha-se que a
escritura do contrato de compra e venda (ou de hipoteca, ou outro direito real de garantia de
bem imóvel – anticrese e alienação fiduciária) foi lavrada em Porto Alegre. Não se configurará
ineficácia por ilegitimidade, pois se trata de ato anterior à decretação da falência; também
não será a hipótese do inciso III (se se tratar de hipoteca, por exemplo), caso o direito real de
garantia tenha se constituído simultaneamente ao nascimento da obrigação principal. O
registro extemporâneo, se não houvesse disposição expressa, seria eficaz, funcionando como
blindagem para efeito de falência. Como a mera escritura não transfere a propriedade, o
empresário-vendedor celebraria o contrato simplesmente como forma de proteção: se entrar
em falência, pede para o seu “amigo” comprador registrar o título aquisitivo, para que o bem
não seja arrecadado148. A prenotação a que faz referência o inciso é o protocolo que prova a
apresentação do título aquisitivo perante o Cartório, que, por algum motivo, não fez o devido
registro – portanto, se o atraso na efetiva transferência de titularidade decorreu de mora do
tabelionato, não haverá ineficácia do ato.

Há, no parágrafo único do artigo 129, um tratamento novo em relação à legislação


anterior, que se estabeleceu de maneira correlata ao tratamento processual da fraude à
execução, que é diferente do da fraude contra credores – embora, em face de ambos os
casos, vise-se à declaração de ineficácia, pela falta de legitimidade para a prática de
determinados atos. Todavia, na última, a alienação do patrimônio do devedor que o leva à
situação de déficit patrimonial (e, portanto, à impossibilidade de adimplemento da obrigação
já constituída) ocorre antes da existência de ação por meio da qual a sua insolvência poderá
emergir. Já na primeira, a alienação de bens em detrimento da responsabilidade patrimonial
ocorre depois de proposta a ação que levou o devedor a ser declarado insolvente; embora
seja fraude à execução, não precisa ser proposta ação de execução – pode ser de
conhecimento, pois a execução se refere à obrigação.

A diferença entre fraude contra credores e fraude à execução, sob o ponto de vista
processual, é: na primeira, para ser declarada a ineficácia do ato, requer-se ação autônoma,
de rito ordinário, a fim de que se ateste a ineficácia do negócio perante o autor da demanda
– a ação pauliana. Na segunda, a declaração de ineficácia relativa pode ser dar de maneira
incidental no processo – momento em que o juiz se depara com a hipótese de uma alienação
de um bem superveniente à propositura daquela ação que ensejou a execução ou qualquer
outra cujo título esteja sendo executado. Haverá desconsideração do ato de alienação, e a
penhora será realizada, mesmo que o bem já esteja registrado em nome de outro sujeito.

147
Se o senhor diz que é assim...
148
“É tudo meu, já que tu não vai registrar. Mas se eu falir, corre pro Cartório pra o pessoal não levar a casa, viu?”.
Haja criatividade!

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DIREITO COMERCIAL III 31 de outubro
Aula n.º 14 de 2008

Portanto, em se tratando de qualquer dos atos previstos como ineficazes pelo artigo 129,
a declaração de ineficácia pode se dar incidentalmente no próprio processo de falência –num
tratamento processual semelhante ao da fraude à execução ou por meio de ação revocatória.

O artigo 131 contém dispositivo dispensável, dada a obviedade de seu conteúdo:

Art. 131. Nenhum dos atos referidos nos incs. I a III e VI do art. 129 desta Lei
que tenham sido previstos e realizados na forma definida no plano de
recuperação judicial será declarado ineficaz ou revogado.

O plano de recuperação judicial, caso estabeleça a prática de quaisquer atos previstos


nos incisos I a III e VI do artigo 129, impede que os negócios estabelecidos sejam revogados
ou declarados ineficazes. O problema do artigo é a desnecessidade: se a recuperação judicial
visa, justamente, a impedir a decretação da falência, por que razão os atos praticados
conforme o plano deveriam ser desconsiderados? Claro está que, nessa situação, previu-se
que aqueles mesmos atos não prejudicariam a massa falida.

3. ATOS REVOGÁVEIS

Estão previstos no artigo 130 da Lei n.º 11.101/2005:

Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar


credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro
que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.

O dispositivo refere-se a qualquer ato que traga diminuição patrimonial para o falido,
com o intuito de prejudicar direito dos credores. Independentemente de sua modalidade, o
ato será considerado ineficaz, desde que movido pelo consilium fraudis entre o devedor e o
terceiro. A causa do negócio jurídico não é a alienção, e sim a subtração do bem em
detrimento dos credores.

4. AÇÃO REVOCATÓRIA

O tratamento processual do ato revogável é o mesmo daquele da fraude contra


credores149. Enquanto, para esta, exige-se ação pauliana, para aquele, é necessário ação
revocatória. A ação a que alude o artigo 130 tem a finalidade de declarar a ineficácia do ato
em relação ao autor, tendo em vista a prática de ato fraudulento150. As semelhanças com a
ação pauliana se dão até mesmo no que tange ao procedimento, também ordinário.

4.1. Prazo e legitimados

Estão previstos no artigo 132, a saber151:

Art. 132. A ação revocatória, de que trata o art. 130 desta Lei, deverá ser
proposta pelo administrador judicial, por qualquer credor, ou pelo Ministério
Público no prazo de 3 (três) anos contado da decretação da falência.

149
Lembre-se: a fraude à execução está para o ato ineficaz do artigo 129 assim como a fraude contra credores
está para o ato revogável do art. 130.
150
“É uma clone da ação pauliana, só que com outro nome”. Que poder de síntese!
151
“Eu não decoro prazo!”. Apóio o Imperador!

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31 de outubro
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO
de 2008

4.2. Competência

Está definida no artigo 134:

Art. 134. A ação revocatória correrá perante o juízo da falência e obedecerá


ao procedimento ordinário previsto na lei n. 5869, de 11 de janeiro de 1973 –
Código de Processo Civil.

5. EFEITOS DA DECLARAÇÃO

Como já explicitado, a declaração de ineficácia ou a revogação operam efeitos em


relação a todos os credores, para os fins da falência – há ineficácia relativa em relação a eles.

6. TERCEIRO DE BOA-FÉ

Àquele que, de boa-fé, teve que restituir o bem ou o pagamento, haverá resolução
do contrato, conforme o artigo 136:

Art. 136. Reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação revocatória,


as partes retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá
direito à restituição dos bens ou valores entregues ao devedor.

Aquilo que foi entregue ao devedor, por conta de ato posteriormente declarado
ineficaz, terá que ser restituído ao contratante. Como a lei menciona “restituição”, os bens ou
valores devidos serão entregues em primeiro lugar, antes dos demais credores.

* *

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DIREITO COMERCIAL III 1º de novembro
Aula n.º 15 de 2008

CLASSIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS

SUMÁRIO: 1. Créditos trabalhistas do artigo 151. 2. Pedido de restituição.


3. Restituição do artigo 84. 4. Ordem do artigo 83. 4.1. Créditos trabalhistas.
4.2. Créditos com garantia real. 4.3. Créditos tributários. 4.4. Créditos
com privilégio especial e privilégio geral. 4.5. Créditos quirografários.
4.6. Multas. 4.7. Créditos subordinados.

Trata-se de parte importante (praticamente a alma) de um processo concursal – que


não engloba somente a falência (há, também a execução contra devedor insolvente, com
regras distintas). Na verdade, o que há não é mera classificação de créditos, e sim uma
ordenação do pagamento, visando a organizá-lo conforme as regras dos títulos legais de
preferência. A ordem na qual se dará o adimplemento das obrigações do falido (e da massa
falida) não está contida num só dispositivo – a Lei n.º 11.101 trata da classificação de maneira
esparsa, nos artigos 151, 86, 84 e 83152. Alguns deles já foram abordados, como o pedido de
restituição (fundado em arrecadação indevida, contrato de adiantamento de câmbio, compra e
venda a crédito realizada nos quinze dias anteriores à decretação da falência – e cujo objeto
já foi entregue – e contrato declarado ineficaz por meio de ação revocatória)153.

Os títulos legais de preferência se dividem, basicamente, em privilégios e direitos


reais de garantia. Estes são institutos de direito real (jus in re), aqueles, de direito
obrigacional (jus ad rem). Têm eles, portanto, fundamentos diferentes; a garantia real
representa a vinculação de um bem ao adimplemento de uma obrigação, sendo oponível
erga omnes – não só em relação ao atual proprietário que lhe deu o bem em garantia, mas
contra quem for o proprietário do bem no momento de sua execução. A hipoteca, a anticrese
e o penhor decorrem de um acordo de vontades, em que o devedor vincula um bem (móvel
ou imóvel, a depender do tipo de garantia) ao cumprimento de determinada prestação
contratual. Já os títulos legais de preferência não decorrem de contrato, mas de disposição
legal, em função da natureza da relação jurídica pela qual a obrigação foi gerada. Assim, por
razões axiológicas, o direito entende tutelar esses créditos prioritariamente em relação a
outros (ex.; créditos trabalhistas, por serem alimentares, intimamente ligados à dignidade da
pessoa humana154); não há vinculação de bens (oponível a terceiros) ao cumprimento de
obrigações, pois se está no campo do direito pessoal.

É interessante notar que a preferência decorrente dos privilégios e dos direitos reais
de garantia incide ainda que não se tenha instaurado um concurso de credores.
Anteriormente, todavia, a literatura jurídica entendia que só se podia falar em títulos legais de
preferência se instaurado o concurso – caso contrário, os conflitos seriam resolvidos pelo

152
É nessa ordem que se dará o pagamento, também.
153
Independentemente do estudo da falência, o Imperador recomenda o estudo dos títulos legais de preferência.
É bom ler os artigos 955 a 965 do Código Civil.
154
“Sabe qual é o princípio mais vazio do direito? O princípio da dignidade da pessoa humana. Não significa,
absolutamente, nada! É completamente vazio de conteúdo normativo – tudo cabe nele. Em qualquer situação,
com a maior plausibilidade, pode-se encaixar esse princípio”. Estou enojado. Agora é um Tepedino e um Canotilho
para leitura de férias, viu, professor?

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1º de novembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

critério da anterioridade. Por exemplo, se, numa execução singular promovida por um credor
particular, penhorou-se um bem, e, posteriormente, o Fisco, exeqüente noutro processo,
suscitou a penhora daquele mesmo bem, o primeiro credor receberia, prioritariamente, o
produto da alienação – o que sobrasse ficaria com o credor fiscal.

1. CRÉDITOS TRABALHISTAS DO ARTIGO 151

Em primeiro lugar na classificação dos créditos, estão aqueles definidos no artigo 151
da Lei n.º11.101/2005 (créditos trabalhistas especiais):

Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial, vencidos


nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5
(cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja
disponibilidade em caixa.

Note-se que os créditos trabalhistas que não se enquadrarem no limite a que alude o
artigo serão pagos conforme as regras do concurso de credores da falência (artigo 83).
Extraconcursais, somente são os do artigo 151155, que independem de habilitação.

2. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO

Os primeiros valores a serem pagos são aqueles decorrentes de pedido de restituição


– afinal, não se trata de credores, em rigor. Não há a figura do crédito, e sim da restituição,
porque, aqui, apenas se devolve aquilo que foi arrecadado no processo de falência e não
integra a massa objetiva (é a depuração da massa). Já se abordou esse tópico anteriormente,
referindo-se aos artigos 85 e 86 da Lei n.º 11.101/2005156. No entanto, só terá direito à
restituição o contratante de boa-fé, se o ato foi declarado ineficaz ou revogado conforme o
artigo 136 (que determina a volta ao status quo anterior)157.

3. RESTITUIÇÃO DO ARTIGO 84

Após os créditos trabalhistas do artigo 151 e as restituições do artigo 86, são adimplidas
as obrigações contraídas pela própria massa falida – posteriores à decretação da falência158;
pelo princípio da profissionalização do processo falencial, os credores delas devem ser pagos

155
Nota de Otávio Augustus com base no parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado: “A
precedência de créditos extraconcursais [no art. 86] decorre de seu parágrafo único. Representam a única exceção
à regra sobre os contratos de adiantamento de câmbio, que determina a restituição do crédito entregue ao
exportador, na busca do equacionamento de princípios fundamentais do direito concursal falimentar. ‘De um lado
a necessidade de se proteger os trabalhadores e garantir-lhes a subsistência; de outro, o imperativo de se reduzir
o custo do crédito. Ponderar esses efeitos contraditórios não é tarefa simples, mas parece-nos que, no atual
momento histórico, nada pode ser mais deletério aos trabalhadores do que a eliminação de vagas de trabalho em
decorrência do arrefecimento do impulso exportador’”. Isso me dá sono. De qualquer maneira, os créditos
trabalhistas são pagos depois das restituições do artigo 86, exceto aqueles do artigo 151 (pelo menos isso, né?).
156
E Otávio Augustus continua em sua nota, citando o mesmo parecer: “’São as hipóteses em que, por razões
lógicas, ou em virtude de relevante motivo de ordem social e econômica’, alguns credores de obrigações
contraídas antes da decretação da falência recebem antes daqueles listados no artigo 84”.
157
O professor diz que só há restituição em caso de atos ineficazes do artigo 129, não havendo o mesmo benefício
em caso de ato revogável do artigo 130, por haver o consilium fraudis no último caso. Mas a lei não exclui o artigo
130, pois menciona expressamente, no inciso III do artigo 86, a revogação. Pobremático esse assunto, hein?
158
Obrigações do falido = antes da decretação da falência; obrigações da massa falida = após a decretação. Sacaram?

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DIREITO COMERCIAL III 1º de novembro
Aula n.º 15 de 2008

antes dos do falido, uma vez que as obrigações da massa só surgem no sentido de se viabilizar
a sua administração (locação de imóveis para armazenamento dos bens, contratação de
profissional especializado para a avaliação do patrimônio) ou de defendê-la em juízo. Trata-se
de medidas que visam à eficiência e à celeridade processuais, em benefício dos credores.

Na legislação anterior, os credores da massa não tinham a posição privilegiada que


têm hoje. Pagavam-se os credores trabalhistas, o Fisco, os titulares de crédito com garantia
real, e, somente depois de tudo isso, as dívidas e encargos da massa159 – e todas aquelas
classes de credores consumiam praticamente todo o produto da alienação dos bens do
falido. Faltava racionalidade no sentido de tornar realizável o crédito de quem o concede
após a sentença que decreta a falência. A jurisprudência da época, no seu papel de tornar
exeqüível o ideal da norma160, não obstante a legislação pusesse as dívidas e encargos da
massa somente em quarto lugar, tornava prioritário o seu adimplemento.

O artigo 84 assim estabelece:

Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com


precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir,
os relativos a:
I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e
créditos derivados da legislação do trabalho relativos a serviços prestados
após a decretação da falência;
II – quantias fornecidas à massa pelos credores;
III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e
distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;
IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida
tenha sido vencida;
V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a
recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação
da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação
da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

Inclusos no inciso V, são extraconcursais os créditos concedidos pelos bancos ao


devedor durante o processo de recuperação judicial – precedem, até mesmo, os créditos
trabalhistas do inciso I do artigo 83, por um simples motivo: tornar possível a realização do
crédito, não apenas barateá-lo. O que mais um empresário em recuperação judicial precisa,
mais do que dinheiro, é de crédito, daí decorrendo a importância daqueles que são concedidos
nesse período. Sobrevindo a falência, devem eles ter prioridade no recebimento161 e 162. Em
havendo necessidade, a ordem dos incisos deverá ser observada quando do pagamento.

159
Síndico: - Cara, tu quer defender a massa?
Advogado: - Aí, tô dentro.
Síndico: - Só que tem uma parada...
Advogado: - Manda aí!
Síndico: - Talvez eu te pague.
Advogado: - É “Pegadinha do Mallandro”?
Síndico: - Hmmm... Não.
Advogado: (BANG! BANG! BANG!)
160
Meio copo de direito alternativo pra um megaempresário sedento, no capricho!
161
Mesmo 90% dos processos de recuperação judicial sendo infrutíferos, o professor ainda vem com essa. Para ele,
ou se acaba com a recuperação, ou se constroem meios de viabilizá-la (por exemplo, pagando os banqueiros bem

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1º de novembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

4. ORDEM DO ARTIGO 83

Depois de pagos os créditos trabalhistas do artigo 151 e as restituições dos artigos 86 e


84, é que se inicia, tecnicamente, em termos gerais, o adimplemento das obrigações do falido.
Antes dessa fase, foram solvidos os débitos, ainda que do falido, mas, pela sua natureza
trabalhista e pelo pequeno valor, tiveram tutela jurídica diferenciada (artigo 151), executou-se a
depuração da massa, retirando-se dela o que não lhe pertencia (artigo 86) e pagaram-se os
credores da própria massa falida, que são tratados como se restituição fossem (artigo 84)163.
Importante: só se passa de uma classe para outra depois de pagos 100% dos créditos dela. Se o
que restou não foi suficiente para pagar a classe seguinte, haverá rateio: verifica-se a proporção
entre a quantia que se tem e o montante total dos créditos daquela classe. Por exemplo, se o
resultado for 0,3, todos os credores da classe receberão os seus créditos naquela proporção (R$
100.000,00 x 0,3 = R$ 30.000,00, v.g.). A próxima classe nada receberá.

4.1. Créditos trabalhistas

O inciso I do artigo 83 da Lei n.º 11.101/2005 trata dos créditos trabalhistas de até 150
salários mínimos164 e os decorrentes de acidentes de trabalho165:

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:


I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e
cinquenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho.

depressa). Só que, nem com essa paparicação toda com os agiotas, as recuperações se tornaram mais eficazes.
Otávio Augustus entende que, se a recuperação não puder ser atingida, num sistema que fique no meio do
caminho, é melhor nem prevê-la em lei, para que não sirva de instrumento de defesa daqueles que querem se
eximir de suas responsabilidades (“a engenharia do calote”), em vez de preservar a empresa.
162
Por que as situações elencadas pelo artigo 84 são tratadas como “restituição”, quando se tratam de créditos?
Resposta: “Para ‘dourar a pílula’, pra facilitar o argumento da prioridade no pagamento – e de forma acertada”.
Tinha uma música da pílula na época das calças boca-de-sino, camisas volta-ao-mundo e sapatos cavalo-de-aço:
“pare de tomar a pílula, pare de tomar a pílula...”. É, Esquizofrenia Hits também é cultura brega!
163
Embora haja credores do falido inclusos nos artigos 84 e 86, por razões um tanto quanto lobistas.
164
Otávio Augustus tem um pitaco a dar sobre isso, citando, também o parecer da Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado: “O estabelecimento de limite para os créditos trabalhistas, ao lado da ‘superprioridade
das parcelas salariais vencidas nos três meses anteriores à falência ou ao pedido de recuperação judicial e a
votação por cabeça nas deliberações sobre o plano de recuperação’ são, no entender do relatório aprovado pela
CAE, no Senado, ‘inovações que representam vantagens diretas aos trabalhadores nos processos de falência e de
recuperação judicial’. A limitação da preferência teria por escopo evitar abuso ‘pelo qual os grandes
administradores, grandes responsáveis pela derrocada do empreendimento, pleiteiam, por meio de ações judiciais
milionárias – e, muitas vezes, frívolas, em que a massa falida sucumbe em razão da falta de interesse em uma
defesa eficiente –, o recebimento de altos valores com preferência sobre todos os outros credores, em prejuízo
aos ex-empregados que, efetivamente, deveriam ser protegidos, submetendo-os a rateio com os ex-ocupantes de
altos cargos’. Da modificação, longe de piorar a situação dos trabalhadores, garante a eles maior chance de
recebimento, pois reduz-se a possibilidade de perda de parte significativa do valor que deveriam receber,
destinada ao pagamento dos altos valores dos quais os ex-administradores afirmam ser credores trabalhistas. Na
tramitação legislativa, ‘as duas maiores centrais sindicais brasileiras pronunciaram seu apoio à limitação da
preferência do crédito trabalhista’”. O inteiro teor do parecer pode ser encontrado no site do tal de Ramez Tebet e
do outro cara, Fernando Bezerra. Um saquinho de vômito ao lado do PC é uma boa pedida! O professor ainda
afirma que, estatisticamente (sem provar isso), os créditos trabalhistas costumam estar dentro do limite legal (± R$
60.000,00); mais do que isso, não é crédito alimentar. Trabalhador só tem direito a sobreviver, não é? Se o dinheiro
que é emprestado pelos bancos é de “suma importância”, mais imprescindível ainda é a força de trabalho. CANSEI.
165
Percebam que os créditos decorrentes de acidentes de trabalho NÃO têm limite.

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DIREITO COMERCIAL III 1º de novembro
Aula n.º 15 de 2008

4.2. Créditos com garantia real

O credor com garantia real (inciso II) tem prioridade no pagamento no que se refere ao
produto da alienação do bem sobre o qual incide o gravame. Se alguém tem um crédito de R$
100.000,00 e o bem objeto da garantia foi alienado pelo mesmo valor, caso o produto não
tenha sido necessário para o pagamento das restituições e dos credores trabalhistas, a dívida
do credor com garantia real será paga por inteiro. Se o produto da alienação não for suficiente
para o adimplemento integral da obrigação166, o que sobrar se tornará crédito quirografário –
exceto se a relação jurídica pela qual a garantia real for outorgada não ensejar um privilégio
legal. Sendo assim, o que não for adimplido pelo produto da alienação do bem não se tornará
quirografário, mas crédito com privilégio especial ou geral, a depender da situação.

4.3. Créditos tributários

Há, aqui, uma ordem interna prevista para o pagamento dos créditos fiscais do inciso
III: a) tributos em que são credores a União, suas autarquias e credores parafiscais; b) tributos
de Estados, Distrito Federal, territórios e suas autarquias; c) tributos dos Municípios e das
autarquias municipais. É de duvidosa constitucionalidade essa ordenação, já que não há
hierarquia entre os entes federativos, conforme a Carta Magna.

4.4. Credores com privilégio especial e privilégio geral

Privilégio legal (seja geral ou especial) confere a prioridade no pagamento de um


crédito em relação aos credores quirografários. No privilégio especial (inciso IV), há um
vínculo, não de natureza real (não comportando, portanto, seqüela), de um bem a uma
obrigação. O produto da alienação desse bem deverá pagar, prioritariamente, aquele credor
que, em face de uma determinada relação jurídica, tem privilégio especial167. Observando-se
o que a Lei 11.101/2005 e a Lei n.º 10.406/2002168 definem como privilégio especial, direta ou
indiretamente, a obrigação existente guarda relação com um bem (ex.: credor de aluguéis tem
privilégio especial sobre os móveis do locatário que guarnecem a residência).

O privilégio geral se refere, simplesmente, a certos créditos os quais a legislação


estabeleceu tratamento diferenciado (vide artigo 965 do CC/02 e inciso V da Lei
n.º11.101/2005) em relação aos quirografários, havendo prioridade sobre estes. Não há
vinculação de bens determinados à obrigação.

4.5. Créditos quirografários

Quiro significa mão ou o que é feito manualmente (quiropraxia, quiromancia...).


Quirografário, então, é aquele credor que “grafou com a mão”. De maneira mais objetiva,

166
Lembre-se que o bem vale aquilo que dão por ele. Se o credor achar que o bem será alienado por uma bagatela,
pode ele, segundo o professor, adjudicá-lo, para que não fique chateado. Vendo que o bem vale R$ 150.000,00 e
está saindo por R$ 100.000,00, e que o produto daquele bem vai para ele mesmo, o credor arremata o bem pelos
cem mil, que irão para o próprio (alienação esquizofrênica!). O que ele perdeu numa ponta (cinqüenta mil a menos
com o produto da alienação), ele ganhou em outra (comprou um bem por uma pechincha).
167
O que faltar se torna crédito quirografário, na mesma lógica da garantia real – a diferença está na natureza do
vínculo: é direito obrigacional, não real. Se o bem for alienado a terceiro, a garantia real ainda incide, o privilégio
especial, não.
168
Vulgo Código Civil.

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1º de novembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

pode-se dizer que credores dessa classe são destituídos de títulos legais de preferência.
Recebem, portanto, depois de todos os outros169.

4.6. Multas

As multas estão no final da ordem de pagamentos do artigo 83 em razão do princípio


do Direito Penal da personalidade da pena. A punição imposta ao empresário não pode
prejudicar os credores; se fosse paga antes das dívidas do falido, ocorreria diminuição daquilo
que os titulares dos créditos receberiam.

4.7. Credores subordinados

A falência, como visto anteriormente, é uma forma de dissolução da sociedade, uma


maneira específica de liquidação do patrimônio. O que restar do produto da alienação dos
bens, “por obra e graça do Espírito Santo”, será partilhado entre os sócios (os tais credores
subordinados), na proporção de sua participação no capital social.

* *

169
Nelson Rosenvald diz que eles são como Rubens Barrichello, enquanto os trabalhistas são como Michael
Schumacher.

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DIREITO COMERCIAL III 14 de novembro
Aula n.º 16 de 2008

VERIFICAÇÃO E HABILITAÇÃO DOS CRÉDITOS

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Finalidade. 3. Procedimento. 4. Competência.


5. As listas de credores. 6. O quadro-geral de credores. 7. Credores retar-
datários. 8. Reserva. 9. Ação de exclusão ou retificação.

1. INTRODUÇÃO

Procedimentalmente falando, um dos mais importantes aspectos do processo de


falência, pelo menos em sua estrutura central ou linear, é a verificação dos créditos. Podem-
se considerar a espinha dorsal daquele processo de execução coletiva três de suas etapas: o
procedimento pré-falencial (em que se decide pela decretação ou não da falência), a
verificação dos créditos (momento em que se apuram quem são os credores que habilitarão
os seus créditos via processo de execução coletiva), e os procedimentos relativos à liquidação.
Trata-se do núcleo central da falência, o cerne – uma vez que pode haver variantes (um
pedido de restituição, uma ação revocatória, embargos de terceiro ou demais incidentes que
podem vir a ocorrer ou não).

O iter essencial do processo de falência é, basicamente, a verificação dos seus


pressupostos no procedimento pré-falencial, a fase de aceitação dos credores dentro do
processo de execução coletiva, e, depois, os atos de alienação dos bens do devedor com o
conseqüente pagamento dos credores com base na classificação dos créditos, já estudada
anteriormente. Daí se observa a importância da fase de verificação e habilitação dos créditos.

Os dispositivos relativos à verificação e habilitação dos créditos estão localizados na


parte geral, dedicada tanto à falência quanto à recuperação judicial – ou seja, trata-se de
institutos comuns a ambas. Por uma questão metodológica, resolveu-se abordar essa matéria
somente agora, a fim de que não se quebrasse a seqüência das fases processuais.

A atual lei de falências (Lei n.º 11.101/2005) trouxe um aspecto interessante em


relação ao regramento anterior: houve mudança na nomenclatura tradicionalmente adotada,
de verificação e classificação dos créditos para verificação e habilitação dos créditos.
Uma possível explicação está na sua inclusão entre os dispositivos comuns à falência e à
recuperação de empresas. Nesta, não ocorre o pagamento dos credores na ordem da
classificação já abordada – os credores que não se submetem aos efeitos da recuperação170
receberão seus créditos independentemente dela, por outras vias (execução voluntária ou
judicial – singular, nesse caso); os credores submetidos aos efeitos da recuperação judicial
terão seus créditos pagos conforme estabelecer o plano de recuperação (que pode até ter
por base a classificação da falência, mas não necessariamente).

Na falência, os credores somente são pagos em estrita observância à classificação


contida na Lei n.º 11.101/2005; na recuperação judicial, não há isso. No entanto, mesmo na
recuperação judicial, há classificação; há a verificação, a habilitação e a classificação (que nada
mais é do que o agrupamento dos créditos conforme a sua natureza, se quirografários, ou

170
Quem são eles? Quem eles pensam que são? Não me pergunte. “Só Deus sabe a nota que eu vou tiraaaar...”.

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14 de novembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

com garantia real, com privilégio especial etc.). Essa classificação, contudo, não importa
pagamento na mesma ordem da falência, e possui influência, também, nas deliberações da
Assembléia-geral de credores e na eleição do Comitê de credores (os quais, como visto
anteriormente, são divididos em classes)171.

2. FINALIDADE

É o reconhecimento do crédito para ser admitido no processo de falência ou de


recuperação judicial, a fim de que seja exercido o direito conforme o plano de recuperação
ou a classificação dos créditos da execução coletiva. Verificar é admitir; classificar é ordenar172.

3. PROCEDIMENTO

Embora o procedimento de verificação e habilitação dos créditos tenha se tornado


um pouco mais complexo, quando se compara com a processualística anterior (legislação de
1945), o novo sistema traz segurança processual maior, bem como redução ou melhor
tratamento dos litígios relativos à matéria. Boa parte dele já foi abordada quando do estudo
da assembléia de credores173; quando se quer saber quem são os credores, para se definir
quem tem direito a voto, a resposta estará na lista elaborada a depender da fase em que se
encontrar o processo.

4. COMPETÊNCIA

Diz-se que competência para o processo de verificação e habilitação dos créditos é do


administrador judicial. O que se poderia problematizar a respeito dessa afirmação é a
necessidade de homologação judicial por sentença do quadro-geral de credores, ainda que
corresponda integralmente à lista confeccionada pelo administrador (sem ter havido
impugnações, por exemplo). Assim, paira dúvida sobre aquela assertiva inicial – tratar-se-ia
de competência do administrador ou do juízo falimentar?174

Art. 7º A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial,


com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor
e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo
contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.

5. AS LISTAS DE CREDORES

São duas ou três, confeccionadas em momentos distintos do processo. A primeira é


feita pelo devedor, anexada ao pedido de autofalência (pois lhe é um de seus requisitos), ou
em cumprimento (em cinco dias) à ordem contida na sentença da falência requerida por
terceiro. A lista é publicada na sentença, no caso de autofalência, ou por edital, em se
tratando de falência requerida por terceiro.

171
“Poder-se-ia continuar com a velha expressão ‘verificação e classificação dos créditos’, mas a tentativa de
inovar fala mais alto”. Tanta coisa que poderia acontecer e não acontece, né? Por exemplo, ler as auto-avaliações...
172
Mas, professor, os verbos são verificar e habilitar, não classificar...
173
Quem comparece à assembléia? Os credores! Mas que credores? Os da lista! Mas que lista? A lista do momento! A
das mais tocadas tem Live Your Life, de T.I. e Rihanna, em primeiro, e Hot N’ Cold, de Katy Perry, em segundo.
174
A literatura jurídica prefere a primeira opção. Otávio Augustus: “Como não é possível que todo mundo esteja
errado e eu esteja certo, deve ser isso mesmo...”.

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DIREITO COMERCIAL III 14 de novembro
Aula n.º 16 de 2008

Publicada a primeira lista, os credores têm um prazo de quinze dias para apresentar
divergências quanto ao seu conteúdo ou habilitações, caso não conste o nome de algum
deles; no último caso, a reclamação perante a primeira lista é corporificada na habilitação, na
qual o credor manifesta a sua pretensão de ter o nome constante na relação de credores. Já
as divergências se referem ao valor do crédito (menor que o real175) ou à sua natureza (v.g.
quirografário em vez de trabalhista), que podem estar em desconformidade com a situação
fática. Se o nome do credor está corretamente listado quanto a valor do crédito e classe, não
há que se falar em habilitação ou divergência.

Art. 7º [...]
§ 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º, ou no parágrafo único do art.
99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar
ao administrador judicial suas habilitações ou divergências quanto aos
créditos relacionados.

Com base na primeira lista e nos documentos e informações já conseguidas durante o


processo, somadas ao material probatório obtido nas habilitações e divergências, o
administrador judicial fará a segunda lista – que, conterá, novamente, nome dos credores,
valor do crédito e a respectiva classe, atendendo ou não às habilitações e divergências que
porventura houver. Se o nome do credor estiver figurado corretamente nessa lista, nada terá
ele a fazer quanto a matéria em foco; se não estiver, terá ele o prazo de dez dias para
apresentar impugnação contra a relação de credores.

Art. 7º [...]
§ 2º O administrador judicial, com base nas informações e documentos
colhidos na forma do caput e do § 1º deste artigo, fará publicar edital
contendo a relação de credores no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias,
contado do fim do prazo do § 1º deste artigo, devendo indicar o local, o
horário e o prazo comum em que as pessoas indicadas no art. 8º desta Lei
terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração desta relação.

Art. 8º No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida


no art. 7º, § 2º desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios
ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a
relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou
manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de
crédito relacionado.

A impugnação do artigo 8º pode ter por objeto crédito tanto próprio (por constar valor
ou classe errada) como alheio, referindo-se à figuração de outro credor da lista, com o fito de
desconstituir seu crédito, reduzir o seu valor ou modificar sua classificação – por razões óbvias;
quando um credor exclui outro, aumentar-se-ão as chances de se receber o crédito em sua
totalidade. As impugnações são autuadas em separado, pois se trata de atividades cognitivas
distintas (salvo as que se refiram a um mesmo crédito, as quais são reunidas num auto só),
podendo haver instrução específica para cada uma delas. A melhor forma de se organizar essa
atividade procedimental, tendo em vista o material probatório, é a autuação em separado176.

175
Bom, quase sempre se reclama para ganhar além, só que é mais prudente falar a verdade, caso o seu crédito
apareça com um zero a mais, para se evitarem dores de cabeça futuras – em impugnações ou coisas parecidas.
176
Exceto se uma bagunça do tipo “esse documento é relativo à impugnação de fls. 25” parece legal para você.

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14 de novembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

Após a impugnação (e respectiva autuação), tem-se a contestação, que deve ser feita
no prazo de cinco dias pelo credor que teve o seu crédito impugnado.

Art. 11. Os credores cujos créditos forem impugnados serão intimados para
contestar a impugnação, no prazo de 5 (cinco) dias, juntando os documentos
que tiverem e indicando outras provas que reputem necessárias.

Na impugnação que se referir a crédito próprio, obviamente, não há contestação, mas


pareceres do devedor, do administrador judicial e do Comitê de Credores, se houver.
Apresentada a contestação, o juiz verificará a necessidade ou não de haver instrução. Se a
matéria versada for apenas de direito, não haverá necessidade de provas; se for de direito e
de fato, e as provas carreadas com a impugnação e a contestação forem suficientes para o
conhecimento, a solução é a mesma. Entretanto, se houver necessidade de prova pericial,
testemunhal ou qualquer outra, o juiz designará uma audiência, em que tais provas serão
produzidas. Depois disso, o magistrado proferirá sua decisão (sentença), que é atacável por
agravo177. Para cada auto, uma decisão – frise-se: para cada auto, não impugnação, uma vez
que pode haver várias delas num mesmo auto, caso sejam relativas ao mesmo crédito.

Como visto, se um credor quiser contestar o direito de outro, deverá fazê-lo por meio
de impugnação, após a publicação da segunda lista. Poderia ele fazer algo logo após a
publicação da primeira? Na verdade, sim, porém não há procedimento específico para isso –
como também não há vedação, já que, no momento de apresentação das divergências,
situações que envolvam outros credores poderão ser suscitadas, até como forma de auxiliar a
atividade do administrador judicial na confecção da segunda lista.

6. O QUADRO-GERAL DE CREDORES

Com base na segunda lista, se não houver qualquer impugnação, ou, caso haja, nos
termos das sentenças das impugnações, o administrador judicial comporá o quadro-geral de
credores, que é a relação definitiva da massa subjetiva (ainda que possa sofrer alguma alteração
posteriormente178). Verificaram-se quem são os credores e, mais precisamente, em relação ao
devedor, apurou-se o seu passivo. O ativo já foi calculado com a avaliação dos bens arrecadados.

Na legislação anterior, somente depois de calculado o passivo, ou seja, após a feitura


do quadro-geral de credores, é que se iniciavam os atos de alienação de bens como forma de

177
“Esqueçam a regra de que ‘da sentença cabe apelação, da decisão interlocutória cabe agravo’”. Para o
professor, deve-se entender: da decisão que põe termo ao processo, cabe apelação; da que não causa esse
resultado, cabe agravo. Meio anacrônico esse macete, porque as situações do artigo 269 do Código de Processo
Civil nem sempre extinguem o processo, porém cabe apelação. Mas Otávio Augustus fez questão de citar a
decisão judicial que decreta a falência como exemplo de sentença atacável por meio de agravo. A propósito, até
agora, já se prolataram várias sentenças: a de decretação (ou declaração) da falência, a de possível pedido de
restituição ou de embargos de terceiro e as das impugnações. Ainda haverá mais duas, a de encerramento do
processo de falência e a de extinção das obrigações. Para fechar mais esta seção de comentários inúteis, o
processo falencial, com o regramento atual, deveria durar muito menos do que na época da legislação de 1945
(que, no entanto, estabelecia prazo para o término – dois anos – sob pena de responsabilização do magistrado,
entre outras conseqüências; para o professor, tratava-se de “uma regra despida de conteúdo normativo”).
Inquirido se já havia presenciado o término de um processo iniciado após a Lei n.º 11.101/2005, Otávio Augustus
respondeu “não”, e houve uma pequena sessão de risos.
178
Para efeito de comparação, Otávio Augustus relembra que a sentença também é definitiva, ainda que possa ser
alterada por ação rescisória ou anulatória.

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DIREITO COMERCIAL III 14 de novembro
Aula n.º 16 de 2008

realização do ativo. Havia três fases bem delineadas no processo: a fase pré-falencial, a fase
de informação (a de levantamento do ativo e do passivo) e a fase de liquidação (a de
realização do ativo para solver o passivo). Hoje, a situação é diferente, pois é possível se dar
início aos atos de liquidação desde o início do processo. O quadro-geral é o mapa do
pagamento dos credores, uma vez que nele consta quem são, quais são os valores e a ordem
de recebimento, conforme a classificação do crédito.

7. CREDORES RETARDATÁRIOS

Credores retardatários são aqueles que não atendem ao prazo para se manifestar
sobre a segunda lista, não fazendo a impugnação, seja para – mais freqüentemente – habilitar
o seu crédito, seja para – mais raramente – alterá-lo, caso figure com valor ou classificação
errôneos. Podem eles tentar habilitar ou modificar ou seu crédito a qualquer momento, até o
encerramento do processo de falência. Porém, há sanções indiretas aos credores
retardatários, uma vez que o processo caminha independentemente deles.

8. RESERVA

Nos rateios que, porventura, aconteçam até o momento da habilitação intempestiva,


o credor não participará, não podendo ser compensado nos rateios seguintes179, salvo se tiver
havido pedido de reserva de bens, de maneira semelhante àquele credor de quantia ilíquida
que ainda está constituindo o seu título executivo por outras vias (ação de conhecimento).
Quando há reserva de crédito, o juízo falimentar separa a quantia demandada ou parte dela,
para, caso haja habilitação, seja pago o valor que couber ao credor no rateio (por exemplo, se
ele pertencia à classe dos credores com garantia real, e estes deverão receber 50% de seus
créditos, o credor que requereu a reserva receberá na mesma proporção, ainda que o valor
reservado tenha sido maior). Se ele não for admitido, o valor será rateado entre os credores já
habilitados.

Não se pode, no entanto, alegar que não haveria prejuízo ao credor caso ele não tenha
tido conhecimento da falência do devedor, e, por isso, tenha se tornado retardatário. Deve-se
ressaltar que credor não tem intimação pessoal; o instrumento para lhe dar ciência do processo é
o edital. Na lei anterior, o síndico, na medida do possível, deveria proceder à intimação pessoal
dos credores que fossem localizados no processo. Atualmente, essa providência é inútil, pois, caso
tome conhecimento de algum credor que não conste na lista, o administrador judicial o incluirá.
No processo de falência, não é possível se trabalhar com a preclusão da mesma forma que em
outras execuções, já que o devedor pode, por exemplo, falir em Campinas e ter credores no
Salobrinho. O vencimento antecipado das dívidas como efeito da falência também justifica a
mitigação da preclusão em relação aos credores retardatários, já que poderiam eles estar alheios
ao andamento do processo por acreditarem que seu crédito ainda era inexigível180.

179
Se a galera trabalhista já recebeu o que tinha para receber, e, semanas depois, um zé mané tenta habilitar o seu
crédito naquela classe, não receberá nada. Nada.
180
Só para relembrar: o prazo final para habilitação retardatária é a sentença de encerramento do processo de
falência, não a de extinção das obrigações. Extinguindo-se o processo sem que se tenham saldado todas as
dívidas, poderá o credor promover execução singular – mas não será possível ingressar em juízo com novo pedido
de falência por inadimplemento, execução frustrada ou fatos previstos em lei. Bom, mas penhorar o que, nessa
execução singular? Os míseros bens que o devedor tenha adquirido após o encerramento da falência.

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14 de novembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

Os credores retardatários, salvo os trabalhistas, tanto na assembléia da falência quanto


da recuperação judicial, não têm direito a voto, salvo se, na falência, o quadro-geral de
credores ainda não tiver sido homologado. Até a publicação do quadro-geral, a habilitação,
mesmo que retardatária, obedece ao procedimento descrito neste capítulo; após a sua
publicação, a habilitação segue rito ordinário.

9. AÇÃO DE EXCLUSÃO OU RETIFICAÇÃO

Até o encerramento do processo de falência, se verificada a ocorrência de erro, não


para incluir, mas para excluir ou modificar o crédito de um dos credores, pode-se propor
ação com essa finalidade181.

Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante


do Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou
da falência, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no
Código de Processo Civil, pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação
de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação,
fraude, erro essencial, ou, ainda, documentos ignorados na época do
julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores.

Os legitimados, ao perceberem que há alguém, indevidamente, na lista, têm a


faculdade de mover a ação de conhecimento, que tem natureza rescisória.

* *

181
É por isso que, caso a primeira lista contenha um valor creditício maior que o que lhe cabe, deve você alegar
isso nas divergências, para não ter que passar pelo constrangimento dessa ação de exclusão ou retificação. E só
para lembrar: qualquer modificação, para mais (na impugnação) ou para menos encontra limite no requerimento
do interessado. O juiz não pode fazer isso de ofício – o que seria julgamento ultra petita.

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DIREITO COMERCIAL III 21 de novembro
Aula n.º 17 de 2008

REALIZAÇÃO DO ATIVO

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Preservação da empresa. 3. Formas.


3.1. Alienação da empresa. 3.2. Alienação de bens. 4. Ausência de
sucessão das obrigações. 5. Modalidades. 5.1. Leilão. 5.2. Proposta
fechada. 5.3. Pregão. 6. Publicidade. 7. Impugnação. 8. Outras modalidades.
8.1. Sociedade de credores.

1. INTRODUÇÃO

Trata-se da última fase do processo de falência, anteriormente denominada fase de


liquidação. Realização do ativo é um termo182 mais preciso, já que liquidação engloba tanto o
procedimento de transformar o ativo em meios líquidos de pagamento, quanto o
adimplemento das obrigações do devedor. Liquidar é, portanto, realizar o ativo para solver o
passivo. Como, aqui, está se tratando, apenas, de alienação dos bens arrecadados, é de uma
precisão conceitual maior chamar essa fase de realização do ativo. O pagamento dos
credores se dá posteriormente, desde que o juízo falimentar disponha dos fundos necessários
para o adimplemento das obrigações.

É na realização do ativo que se vê como o novo sistema concursal passou a tratar a


preservação da empresa. Historicamente, se alinha esse princípio à prevenção da falência –
evitando-a, estar-se-ia preservando a atividade empresarial. No sistema anterior, a falência
implicava, quase que necessariamente, o desmembramento do complexo produtivo
denominado empresa por meio do qual o empresário exercia sua atividade.

2. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

Num paralelo com o direito societário, a manutenção da atividade produtiva se opera,


nesse sub-ramo do Direito Comercial, pela preservação do empresário. Em se tratando de
empresário coletivo, extinguir a empresa significa extinguir o empresário, o agente da
atividade. Diversas são as hipóteses de dissolução da sociedade, a depender do modelo
societário e do ato constitutivo: advento do termo, mútuo consenso entre os sócios (em
contratos sem termo final), falência e a resolução da sociedade em relação a um sócio. As
legislações pretéritas relativas à sociedade conferiam o direito a qualquer sócio, em
sociedade celebrada por prazo indeterminado, de suscitar a dissolução da pessoa jurídica.
Esse poder estava presente em decorrência do princípio o qual estabelecia que, em todo
contrato sem termo final está contida a cláusula da denúncia, o direito potestativo de
extinguir o contrato unilateralmente – caso contrário, o contrato seria perpétuo183. Se apenas
um dos cinco sócios de uma sociedade limitada fizesse a denúncia, os outros quatro não
poderiam impedir a dissolução – especialmente em se tratando de sociedade de pessoas. O
direito societário moderno avançou no sentido de não prever a dissolução da sociedade
automaticamente pela retirada de apenas um sócio – o que se opera é a resolução em face
do dissidente; a sociedade se liquida apenas perante esse sócio, perdurando para os demais.

182
Na verdade, é mais de um termo, segundo Antônio Balbino.
183
E isso não é legal.

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21 de novembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

No direito concursal, o instituto de preservação da empresa que estava previsto na


legislação de 1945 era a concordata. Era também o único; ocorrendo a falência, havia,
inevitavelmente, a extinção da empresa, por uma questão operacional: só se começavam os
atos de alienação do ativo do devedor após a publicação do quadro-geral de credores, ou
seja, depois de esgotada a fase de verificação e classificação dos créditos – o que poderia
levar anos. Nesse interstício, não haveria possibilidade de manutenção de uma unidade
produtiva, pois se estaria diante de mercadorias desvalorizadas, maquinário sucateado, marca
com valor bastante reduzido e perda de referencial no mercado. Jamais seria possível se
venderem unidades produtivas, tendo em vista o decurso de tempo184. É, justamente, nesse
ponto que a nova lei de falências busca inovar, visando a possibilitar a alienação, na falência,
de uma unidade ou unidades produtivas – promovendo a transferência do estabelecimento
enquanto tal (complexo de bens e relações jurídicas ativas e passivas apto a promover a
atividade de intermediação de bens e serviços, de maneira organizada e com fito
especulativo185).

A falência, dessa forma, busca preservar a empresa por meio da alienação dos bens do
falido enquanto estabelecimento ou conjunto de estabelecimentos. Há a alienação da
empresa, traduzida, aqui, como estabelecimento (e, de certa forma, atividade186). A
preservação se opera, então, em duas vertentes: a) no aspecto temporal (permitindo atos de
liquidação antes de se apurar o valor total do passivo do devedor – por meio de venda
antecipada e liquidação sumária); e b) na liquidação, facilitando-se (e essa facilitação não
decorre, simplesmente, do enunciado legal, quando se estabelece a ordem de prioridades na
forma da alienação187) a transferência do estabelecimento ou do conjunto de
estabelecimento por meio da ausência de sucessão, a ser abordada em tópico posterior.

O direito concursal continua a ter um instituto que visa a preservar a empresa


evitando a falência – a recuperação de empresas, muito mais eficaz que a concordata –, mas,
mesmo na falência, não há, inexoravelmente, a extinção da empresa (pelo menos esse é o
valor pregado pela legislação). Poder-se-ia dizer que a recuperação judicial preserva o
empresário, enquanto a falência tem em vista a preservação da empresa (objeto de direito).
Na recuperação, preserva-se a atividade e o estabelecimento enquanto tal sem alteração em
sua titularidade. Na falência, há, necessariamente, a substituição do empresário, em relação
ao complexo de bens, que é alienado durante o processo de execução coletiva.

3. FORMAS

3.1. Alienação da empresa

A Lei n.º 11.101/2005 prevê dois tipos de alienação de empresas: a venda de bloco de
estabelecimentos ou de estabelecimentos isolados. Em ambos os casos, há transferência de
conjunto de bens enquanto unidades produtivas. A opção por uma ou outra é uma questão
casuística. Havendo estabelecimentos, do mesmo empresário, porém destinados a atividades
diferentes (ex.: uma fábrica de chocolates e outra de embalagens, ou um estabelecimento de
184
O que se venderia? Calças boca-de-sino, sapatos cavalo-de-aço e camisas volta-ao-mundo. Mó estaile, aí!
185
“I don’t like this part”.
186
Embora não se aliene atividade, em termos mais precisos.
187
Porque, ainda que não houvesse tal previsão persistiria a possibilidade de o juiz assim decidir, no caso concreto.

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DIREITO COMERCIAL III 21 de novembro
Aula n.º 17 de 2008

comércio e outro de prestação de serviços), é possível se obter maior ágio na venda em


separado, pois poderá haver mais interessados em comprar apenas um dos dois. Forçando-se
uma disputa pela compra do bloco, poderia não haver interesse na compra, e, caso houvesse,
a aquisição dos dois se daria por valor menor que a soma das alienações dos
estabelecimentos individualizados.

Em função da estrutura local da empresa, também é possível se priorizar a venda em


separado (ex.: dois estabelecimentos, direcionados à mesma atividade, um na Paraíba188,
outro no Rio Grande do Sul), despertando maior interesse no mercado. Trata-se de questão
de arrumação da alienação na busca do maior número de interessados189.

A venda dos bens em blocos de estabelecimentos ou estabelecimentos em separado


propicia arrecadação maior com o seu produto, uma vez que estar-se-á alienando o negócio,
não apenas um conjunto de bens. O estabelecimento vale mais do que a somatória dos bens
individualmente considerados, em função do aviamento190, a aptidão de gerar lucros (ou, em
linguagem mais pragmática, fluxo de caixa, que não significa, necessariamente, lucro). Inclui-
se aqui, assim, o princípio da maximização do valor do ativo do devedor.

3.2. Alienação de bens

Em certos casos, pode o estabelecimento não ter qualquer valor agregado a mais,
dando margem à alienação de blocos de bens ou de bens individualizados.
Exemplificativamente, como informado em nota de rodapé, o bar ABC da Noite não vale
duzentos reais enquanto bens individualizados, mas gera fluxo de caixa exponencialmente
maior que aquela quantia. Porém, o que se observa é aviamento subjetivo – aquele que se
estabelece em função da pessoa do empresário, não da aptidão funcional dos bens em gerar
lucro. Nesse caso, poderia não haver interesse em prosseguir com uma atividade
personificada no titular do estabelecimento, que jamais produziria os mesmos resultados
econômicos obtidos pelo alienante.

4. AUSÊNCIA DE SUCESSÃO DAS OBRIGAÇÕES

O que realmente operacionaliza a possibilidade de alienação da empresa não é a


preferência do legislador, ao estabelecer uma hierarquia entre as formas de realização do
ativo, e sim a inexistência de sucessão, pelo adquirente, das obrigações (especialmente
trabalhistas e fiscais) do antigo titular. Esse foi um dos pontos mais discutidos na tramitação
do processo legislativo da Lei n.º 11.101/2005. Dizia-se que, se um empresário vem a falir, e
seus bens não são suficientes para pagar um terço do passivo, havendo alienação da
188
O professor não quis fazer menção a qualquer aluno em especial. Será?
189
A caracterização da alienação de estabelecimento é a mesma do trespasse (R$ 2,55): a transferência do
complexo de bens que leva consigo a aptidão funcional para o desenvolvimento da mesma atividade
desenvolvida pelo antigo titular. A aptidão funcional, portanto, não deve permanecer com o alienante, nem se
desfazer com a venda. A apuração disso pode envolver questões mais complexas, como a existência ou não de
cessão de contratos celebrados entre o alienante e terceiros, a permanência ou não de empregados do
empresário, entre outros fatores. Uma diferença grande entre trespasse e alienação de estabelecimento via
processo de falência é a existência, no primeiro caso, de sucessão das obrigações – vide tópico 4.
190
Otávio Augustus afirma que os bens individualizados de “Caboclo Alencar”, do ABC da Noite (“o metro quadrado
mais apertado da Bahia” – o bar é menor que o banheiro da empregada da sua casa) não valem duzentos reais, mas
o faturamento é muito maior que isso – em função do aviamento (muito mais subjetivo do que objetivo).

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21 de novembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

empresa a outro empresário, sem sucessão das obrigações, os credores ficariam a ver
navios, assistindo a alguém adquirir um estabelecimento, por uma bagatela, sem que
alguém se responsabilize pelas dívidas, ainda que a atividade continue. Para Otávio
Augustus a questão é outra: alguém adquiriria um estabelecimento de um falido sem
sucessão das obrigações191?

5. MODALIDADES

5.1. Leilão192

É a modalidade de aquisição por meio de lances sucessivos – uma forma de licitação –


em que ganha quem oferece o maior lance.

5.2. Proposta fechada

O interessado lança sua proposta por meio de envelope lacrado; é possível se obter
ágio maior do que no leilão, pois o participante não tem como saber qual é a proposta do
outro, arriscando-se mais nessa modalidade193.

5.3. Pregão

É uma mistura das duas modalidades. A primeira fase do pregão se dá por meio de
proposta fechada. Na segunda fase, todos aqueles que deram lance superior a 90% da
melhor proposta, participam do leilão subseqüente.

6. PUBLICIDADE

A Lei n.º 11.101/2005 prevê a publicidade dos atos de alienação, por meio de
publicação de editais, com trinta dias de antecedência, em se tratando de bens imóveis, e
quinze dias, caso se refira a bens móveis.

7. IMPUGNAÇÃO

Depois de realizada a alienação, o ato ainda está sujeito a impugnação, por qualquer
credor, pelo devedor ou pelo Ministério Público, no prazo de 48 horas, numa figura
semelhante à dos embargos à arrematação da execução singular do Código de Processo Civil.

8. OUTRAS MODALIDADES

O juiz ou dois terços dos credores (independentemente de classe) podem decidir por
qualquer outra forma de alienação. Em se decidindo nesse sentido, devem-se respeitar dois fatores:

191
Isso mesmo: tem que paparicar esses empresários (vulgos abutres), senão eles choram...
192
Quem lembra de Mulheres Perdidas? “Eu vou fazer um leilão, quem dá mais pelo meu coração, me ajude a
voltar a viveeeeer...”. Além de Leilão, a banda emplacou “Juiiiiiz, inocente sou, pelo amor de Deus, não fui eu quem
matou Ester” e “Amor de rapariga”.
193
Um exemplo de ágio com “A” maiúsculo ocorreu na venda do Banespa, por meio de proposta fechada. O
segundo colocado ofereceu pouco mais da metade do primeiro – que pagou bilhões de reais a mais. Caiu
diretoria do banco adquirente, caíram as ações, caiu o popozão da secretária que tirou xerox do que não devia...
Foi um terremoto. Mas houve uma maximização gigantesca do valor do estabelecimento – mesmo que o exemplo
não trate de falência, e sim de trespasse.

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DIREITO COMERCIAL III 21 de novembro
Aula n.º 17 de 2008

a) já que o ativo não será realizado por meio de disputa entre os interessados, os bens serão
considerados, para efeito de ingresso de recursos na massa falida, pelo valor de sua avaliação,
realizada pelo administrador judicial (auxiliado ou não por empresa especializada), quando
da arrecadação dos bens. Se os credores decidiram doar todos os bens ao “Esquadrão de
Aço” (vulgo Esporte Clube Bahia), considerar-se-á ingressado na massa o valor
correspondente ao dos laudos de avaliação de cada bem, que já se encontram nos autos.

b) os credores que discordarem da modalidade alternativa de liquidação (os chamados


credores dissidentes) receberão aquilo que teriam direito, caso o bem tivesse sido alienado
pelas formas ordinárias, considerado tal valor de entrada o da avaliação. Por exemplo, se o
conjunto dos bens foi avaliado por R$ 100.000,00, o credor com privilégio especial receberá,
ainda que todos os bens tenha sido doados ao clube de Salvador, o valor que lhe caberia na
partilha daquele montante. Se, ao chegar à sua classe, só seria possível pagar 20% dos
créditos, nessa proporção receberá o credor. A dissidência, obviamente, não garante
pagamento integral194.

Quem pagará os credores dissidentes serão aqueles que concordaram com a forma
alternativa de liquidação. No entanto, a depender das circunstâncias, isso pode não ocorrer,
como já exposto – se todos os dissidentes forem quirografários, e o valor da avaliação dos
bens não fosse suficiente sequer para chegar à classe dos credores com privilégio geral, nada
será pago àqueles.

8.1. Sociedade de credores

A importância da possibilidade de se viabilizar uma forma alternativa de liquidação se


dá nesse ponto: na constituição de sociedade de credores. Em se procedendo dessa forma,
os credores que optaram por essa forma de liquidação receberão quotas ou ações; a
distribuição do capital social se dará na proporção do crédito que cada um teria recebido195,
de acordo com o que o valor da avaliação cobriria.

O valor do capital social será o da avaliação dos bens. A participação dos novos sócios
será tomada com base no recebível de cada um. Se “A”, credor trabalhista, tem crédito de R$
5.000,00, e sua classe tivesse direito a receber a totalidade, numa alienação ordinária, “A”
participará da sociedade, se o valor dos bens avaliados for de R$ 100.000,00, com 5% do
capital social. Se “B”, credor com garantia real, de quantia de R$ 30.000,00, tivesse direito a
rateio de 2/3, participaria da sociedade com R$ 20.000,00, ou seja, com 20% do capital.
Havendo dissidência, o mesmo se aplicará em relação ao tópico anterior.

* *

194
O que ganham os “credoadores”? O título de “sócio benemérito do Esporte Clube Bahia”.
195
Desse modo, é possível que a sociedade esteja desinfetada de credores quirografários.

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DIREITO COMERCIAL III 29 de novembro
Aula n.º 18 de 2008

ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE FALÊNCIA


E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

SUMÁRIO: 1. Encerramento do processo de falência. 1.1. Prestação de


contas. 1.2. Relatório. 1.3. Sentença de encerramento. 1.4. Casos especiais
de encerramento. 1.4.1. Pobreza. 1.4.2. Falta de credores concorrentes.
1.4.3. Pagamento. 1.4.5. Renúncia. 2. Extinção das obrigações. 2.1. Pagamento.
2.2. Rateio de 50% dos créditos quirografários. 2.3. Prescrição. 2.4. Pro-
cessamento. 2.5. Efeitos.

1. ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE FALÊNCIA

Aqui, está se tratando do encerramento da falência enquanto relação processual, que,


inexoravelmente, tem que chegar a um fim. Essa fase de encerramento se dá quando não há
mais o que fazer: realizado o ativo e pagos os credores, não há mais outro objetivo para o
processo.

1.1. Prestação de contas

Depois do adimplemento das dívidas, o administrador judicial prestará contas, dando


baixa dos pagamentos realizados, da administração de bens que lhe foi incumbida, do fluxo
financeiro, bem como de outras matérias de interesse da massa falida.

1.2. Relatório

Aprovadas as contas, o administrador elaborará relatório contendo as informações aí


veiculadas, acrescidas de outros elementos. Se as contas não forem aprovadas, o juiz
destituirá o administrador e nomeará outro, específico para essa tarefa e determinará o valor
do alcance – aquilo que falta à prestação de contas, quantia que o administrador anterior terá
que restituir.

1.3. Sentença de encerramento

Apresentado o relatório pelo administrador, o juiz prolatará a sentença de extinção do


processo de falência. Essa sentença tem dois efeitos: a) a restituição dos documentos e livros
do falido, que foram retirados de seu poder na fase de arrecadação; b) a retomada da
prescrição das obrigações submetidas à falência. Como visto anteriormente, um dos efeitos
da sentença que decreta a falência é a suspensão da prescrição daquelas obrigações; a
sentença de encerramento opera o efeito inverso. Os créditos não submetidos à falência (ex.:
obrigação a título gratuito), não tem sua prescrição interrompida, não havendo nada a se
retomar nesse momento.

1.4. Casos especiais de encerramento

São situações em que o processo se encerra antes do momento ordinário, que é o


pagamento dos credores após a realização completa do ativo.

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29 de novembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

1.4.1. Pobreza

Trata-se da pobreza referida à massa falida, quando esta não comporta as próprias
despesas do processo de falência, ou o patrimônio excedente é mínimo.

1.4.2. Falta de credores concorrentes

Decretada a falência pelo juiz, o falido deve apresentar a sua lista de credores. Se esta
não contiver credor algum, e o administrador não encontrar elementos na documentação do
devedor para elaborar a segunda lista, e nenhum credor comparecer para apresentar
habilitações, a falência terá que ser extinta. O credor que requereu a falência, nesse caso,
também não compareceu à habilitação do seu crédito196.

1.4.3. Pagamento197

Quando há pagamento integral dos credores de todas as classes, extingue-se o


processo. Esse tópico relaciona-se com a desnecessidade de apuração da insolvência real
para a decretação da falência – pois o direito brasileiro trabalha com critérios de
presunção de insolvência. Em havendo pagamento total, o devedor, na verdade, era
solvente. Se essa constatação se dá logo após a apuração do passivo, por meio de
quadro-geral de credores, isso nada influirá no curso do processo. No entanto, ele se
extinguirá logo em seguida ao efetivo adimplemento das obrigações do devedor. A
falência se encerra, portanto, não pela comprovação da solvência (ativo>passivo) do
empresário, mas pela ausência de dívidas a pagar.

1.4.5. Renúncia

Nessa hipótese, os credores, tocados pelo Espírito Santo, em misericórdia, renunciam


ao direito creditício integralmente198.

2. EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Encerrar o processo de falência não quer dizer extinção das obrigações. A falência
pode ter sido findada sem que as obrigações tenham sido saldadas – e elas persistirão,
mesmo com o fim do processo de execução coletiva, somente se encerrando (por meio de
requerimento do falido) nas situações abaixo elencadas:

2.1. Pagamento

Depois da extinção do processo de falência (e de ter todo o seu patrimônio


penhorável consumido para fazer face às obrigações não-adimplidas), o devedor pode ter
auferido recursos para solver seus débitos. Isso pode ocorrer com o produto da venda de
bens impenhoráveis – não arrecadados pela falência –, ou com recursos fornecidos por
terceiro, por exemplo.

196
Ele tem que ter existido: se fosse autofalência, esta seria denegada pelo juiz, por não haver credores.
197
“Isso é ficção. A lei só colocou isso para não perder a viagem”.
198
Pergunta: “Depende de anuência do devedor?”. Reposta: “Boa pergunta! Inicialmente eu diria que não, mas
tem que ver aí...”.

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DIREITO COMERCIAL III 29 de novembro
Aula n.º 18 de 2008

2.2. Rateio de 50% dos créditos quirografários

Havendo pagamento de, pelo menos, 50% dos créditos quirografários, abre-se a
possibilidade de o devedor requerer ao juízo falimentar a declaração de extinção das
obrigações. Nesse caso, praticamente todos os credores já foram pagos – pois para se passar
de uma classe a outra, é preciso se pagarem todos os credores de uma mesma classe, na
ordem prevista na Lei n.º 11.101/2005. Depois dos quirografários, há apenas os credores
subordinados (sócios do falido). Em geral, os credores quirografários não representam grande
parcela do total dos créditos, quando comparados às demais classes. Até se chegar à falência,
o empresário já estava rolando suas dívidas, e, para conseguir isso, outorgava garantia real
(que, ao lado da classe dos credores trabalhistas e a dos credores fiscais, respondem pela
maior fatia dos créditos devidos pelo falido).

Esse proporção de 50% pode ser completada pelo falido da seguinte maneira: durante
o processo de falência, se pagaram 40%, e, após o seu encerramento, com outros recursos o
devedor auferiu montante suficiente para chegar àquele patamar fixado em lei. Dessarte, as
obrigações se extinguem pela totalidade.

2.3. Prescrição

A prescrição, obviamente, também provoca a extinção das obrigações do falido. É


interessante nominá-la como específica e geral. A prescrição específica é aquela prevista para
determinado tipo de obrigação (ex.: direito de crédito contido numa letra de câmbio em que
o falido é o aceitante, obrigado direto – três anos; contra os obrigados indiretos – um ano199).
No exemplo da letra de câmbio, somando-se o período anterior à decretação da falência, e o
lapso posterior ao encerramento do processo, transcorridos três anos (se o falido é aceitante)
ou um ano (se é endossante ou avalista, por exemplo), o devedor se desonera. Em se
tratando de obrigação decorrente de contrato de compra e venda não-adimplido, por
exemplo, também incidirá a prescrição delimitada fora do âmbito do direito concursal.

A prescrição geral se refere ao período de cinco anos após a sentença de


encerramento do processo de falência, se o devedor não tiver sido condenado por crime
falimentar, ou dez anos, se houver condenação. O período de tempo a contar, deverá ser o
que correr primeiro: a prescrição específica ou a geral. Na situação da letra de câmbio, a
prescrição específica é inferior à geral, prevalecendo sobre esta.

2.4. Processamento

A declaração de extinção das obrigações se dá por meio de requerimento do falido,


direcionado ao juízo falimentar. Tal requerimento é publicado, podendo ou não haver
oposição. Em havendo, esse procedimento será instruído por meio de provas já constantes
nos autos, bem como de outras a serem produzidas. O juiz poderá, então, denegar o pedido,
por faltar seu pressuposto (ex.: <50% de créditos quirografários saldados), ou deferi-lo,
declarando extintas as obrigações submetidas à falência.

A Lei Complementar 118/2005, que trata da inexistência de sucessão em caso de


alienação de estabelecimento na falência, estabelece que, para que o falido tenha deferido o

199
E ainda tem aquela história de que, se o credor não protesta o título em 48 horas após o vencimento, perde o
direito de regresso perante os coobrigados indiretos.

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29 de novembro
de 2008
OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

pedido de declaração de extinção das obrigações, deve ele anexar à petição uma certidão de
inexistência de débitos tributários. No campo prático, não há muita razão nessa exigência: só
se declaram extintas as obrigações pelo pagamento total, pelo pagamento de 50% dos
credores quirografários ou pela prescrição. Se houve qualquer dos casos, obviamente, não
existe mais débito perante o Fisco.

No entanto, poderia se dar a ocorrência de novos lançamentos, posteriores ao


pagamento dos credores fiscais, não obstante o devedor já ter encerrado as suas atividades
empresariais. Nessa situação, faz-se necessária a certidão negativa.

2.5. Efeitos

Os manuais relatam: “a sentença de declaração da extinção das obrigações opera o


efeito de extinguir as obrigações”200. Possui também o efeito de reabilitar o falido para o
exercício da atividade empresarial regular. Viu-se, na teoria geral do Direito Comercial, que é
impedido para o exercício da empresa o falido (assim como os agentes políticos, os
servidores públicos, os penalmente condenados). Evidentemente que, aqui, está se tratando
do falido/empresário individual, pois o falido/sociedade, se extingue com a falência – ainda
que doutos levantem a possibilidade de se reabilitar um empresário coletivo falido.

A reabilitação (penal) do falido penalmente condenado por crime falimentar também


está condicionada à sentença de declaração de extinção das obrigações.

* *

200
Tautologia pura!

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