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RELATÓRIO FINANCEIRO EM

ECONOMIAS HIPERINFLACIONÁRIAS
(IAS 29)
Prof. Dr. Guilhermo O. Braunbeck

Objetivos de aprendizagem

1. Identificar o objetivo e o escopo da IAS 29


2. Compreender conceitos de aplicação da norma
3. Entender como se dá a atualização do Balanço Patrimonial
e da Demonstração do Resultado
SUMÁRIO

1. Começando pelo começo: o problema da mensuração do


sucesso empresarial

2. Escopo da norma: economias hiperinflacionárias

3. Alguns conceitos importantes para a aplicação da IAS 29

4. Atualizando o Balanço Patrimonial

5. Atualizando a Demonstração do Resultado

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1. COMEÇANDO PELO COMEÇO: O PROBLEMA DA MENSURAÇÃO
DO SUCESSO EMPRESARIAL

Por outro lado, o gerente do seu banco ofereceu a você a opção de


investir nas ações da Companhia BOM NEGÓCIO que tem uma ótima
expectativa de valorização nos próximos 12 meses. Quem sabe, se
conseguir conter a tentação de comprar esse carro pequeno sem ar
condicionado agora e souber esperar, aplicando os recursos na BOM
NEGÓCIO, depois de um tempo consiga comprar um carro melhor,
com ar condicionado? Certamente seu conforto seria ainda maior,
AULA VIRTUAL 1
considerando que durante o verão as temperaturas são bem elevadas.

Imaginemos por um instante que você recebeu inesperadamente uma


herança de R$40.000 (quarenta mil reais). Como você não contava Ponderando suas opções, imaginemos que você terminou por se

com esse dinheiro, antes de sair gastando esse recurso por aí sem seduzir pelas perspectivas da BOM NEGÓCIO (e de ter um carro
planejamento, decidiu refletir sobre suas opções. novo com ar condicionado) e aplicou toda sua herança (40 mil reais)
em ações dessa empresa.

Por um lado, como você ainda não possui um veículo, identificou que
poderia comprar um veículo zero quilômetro de pequeno porte (sem Passado um ano, você vende as ações da BOM NEGÓCIO que
ar condicionado) com esse dinheiro, o que além de algum conforto comprou há 12 meses e recebe por essa venda R$44 mil. Sente-se
adicional (o ônibus que você toma pela manhã está geralmente lotado inicialmente feliz. Afinal, basta olhar para o valor obtido na venda das
e tampouco tem ar condicionado), permitiria que você gastasse menos ações para observar que R$ 44 mil é maior do que os R$ 40 mil que
tempo com seus deslocamentos diários ao trabalho e teria mais horas você investiu originalmente. Assumamos para simplificar que não
de lazer e convívio com seus familiares e amigos.

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existiram taxas, emolumentos, impostos ou quaisquer outros custos Ao descobrir que ainda não dá para ficar feliz e cantar vitória, por
nessa transação. Sendo assim, seu raciocínio sugere que se você entender que R$ 40 mil ou R$ 44 mil são simplesmente expressões
aplicou R$ 40 mil e depois de um ano, resgatou R$ 44 mil, teve um nominais de valor, mas que o valor real do dinheiro é o que ele é
rendimento (ou lucro) de R$ 4 mil, correto? capaz de comprar, você pega seu telefone e liga para a mesma
concessionária que consultou no ano anterior para saber a quantas
andam os preços dos carros.

AULA VIRTUAL 2

AULA VIRTUAL 3
Ou seja, só dá para saber se, depois de um ano, você teve sucesso
como fruto da sua decisão de investir sua herança nas ações da BOM
NEGÓCIO (e continuar andando de ônibus) se, depois de um ano, Em síntese, a mudança no preço dos bens em serviços provoca a
com os R$ 44 mil que obteve na venda das ações, você conseguir mudança no poder aquisitivo da moeda. Como vimos, podo ocorrer
comprar um carro melhor do que aquele que você compraria há um um fenômeno muito interessante de que, apesar de algebricamente
ano com R$ 40 mil. R$ 44 mil ser maior do que R$ 40 mil (ninguém está negando isso),
economicamente, R$ 44 mil pode ser igual ou mesmo menor do que
R$ 40 mil. Em outras palavras, a comparação de valores nominais de
dinheiro, na presença de inflação, perde o sentido econômico, pois

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o que nos interessa não é se o volume de dinheiro que tenho em
relação ao que tinha antes aumentou. O importante é saber se minha
capacidade aquisitiva aumentou. Quando há variação positiva na
capacidade aquisitiva, temos geração de valor, riqueza, lucro.

Nesse contexto, fica evidente que a contabilidade tem que lidar com
esse problema se quiser realmente ser útil no sentido de mensurar o
resultado de um período. Se ignorarmos na contabilidade, o efeito da AULA VIRTUAL 4

mudança de preços, no caso que acabamos de ver, registraríamos


um lucro de R$ 4 mil, posto que aplicamos R$ 40 mil em um ativo,
as ações da BOM NEGÓCIO e depois de um ano, vendemos essas
ações (aumentando o caixa) por R$ 44 mil. Temos R$ 4 mil a mais no
caixa em comparação à herança que inicialmente recebemos, isso é
inegável. Mas como vimos, para festejar (ou lamentar) nossa decisão
de investimento, ou seja, para saber se tivemos lucro ou prejuízo de
verdade, não dá para fazer essa contabilidade simplista dos valores
nominais. Vamos ter que lidar com o problema da inflação.

Antes de prosseguir, é importante uma palavrinha sobre inflação:

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2. ESCOPO DA NORMA: ECONOMIAS HIPERINFLACIONÁRIAS

Em abril de 2001, o Conselho de Normas Internacionais de


Contabilidade (IASB) adotou a IAS 29 – Relatório Financeiro em
Economias Hiperinflacionárias, que foi originalmente emitida pelo
Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade, o antigo IASC,
em julho de 1989.

A IAS 29 deve ser aplicada às demonstrações financeiras, inclusive as AULA VIRTUAL 5

demonstrações financeiras consolidadas, de qualquer entidade cuja


moeda funcional seja a moeda de uma economia hiperinflacionária.

Para entender o que isso quer dizer, precisamos entender duas coisas: Agora que já sabemos o que é moeda funcional, vejamos o que o
o que é moeda funcional e o que é uma economia hiperinflacionária IASB entende que é uma economia hiperinflacionária.
na visão do IASB.

Segundo a IAS 29, em uma economia hiperinflacionária, o relatório dos


Comecemos pela moeda funcional: resultados operacionais e da posição financeira em moeda local sem
atualização monetária não é útil. O dinheiro perde poder aquisitivo de
tal forma que a comparação dos valores provenientes das transações
e outros eventos que ocorreram em épocas diferentes, mesmo dentro
do mesmo período contábil, é enganosa.

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Mas o fato simplesmente de existir inflação numa economia não (a) a população em geral prefere manter sua riqueza em
significa que essa economia seja hiperinflacionária. Não se trata ativos não monetários (como, por exemplo, estoque de
tampouco de se ter somente uma inflação “alta”, o que pode ser produtos, veículos, terrenos, imóveis, etc.) ou em uma moeda
inclusive algo subjetivo. Hiperinflação é um conceito mais amplo. estrangeira relativamente estável (o dólar estadunidense, por
Poderíamos dizer que uma hiperinflação ocorre, via de regra, exemplo). Os valores em moeda local que sejam recebidos
quando há o aumento de preços de forma abrangente (ou seja, são imediatamente investidos para evitar a “corrosão” do
de todos ou a maior parte dos preços da economia), em montante poder aquisitivo pela inflação;
significativo e de forma recorrente. Geralmente, uma moeda em (b) a população em geral considera os valores monetários não
ambiente hiperinflacionário não é um ativo desejado pelos agentes em termos da moeda local, mas em termos de uma moeda
econômicos. O dinheiro “parado” perde valor muito rápido e, por isso, estrangeira relativamente estável. Os preços podem ser
ninguém quer ficar com esse dinheiro que se desvaloriza rapidamente inclusive cotados nessa moeda (em dólares, por exemplo);
e significativamente. Portanto, em cenários hiperinflacionários, quem
(c) as compras e as vendas a crédito ocorrem a preços que
tem a moeda sujeita a essa variação de poder aquisitivo, tenta o
compensam a perda esperada do poder aquisitivo durante o
mais rápido possível se desfazer dela, consumindo (gastando) ou
período do crédito, ainda que esse período seja curto;
investindo em outros ativos que permitam ao agente se proteger
da erosão de valor provocada pela variação de poder aquisitivo da (d) as taxas de juros, salários e preços são atrelados a um

moeda. índice de preços; e

(e) a taxa de inflação acumulada no triênio se aproxima ou


excede 100%.
A determinação se sua moeda é uma moeda hiperinflacionária é uma
questão de julgamento. O IASB alerta que a IAS 29 não estabelece
uma taxa absoluta em que se considere o surgimento da hiperinflação. Observe que apesar do IASB dizer que não existe uma taxa que seja
Nesse contexto, a norma oferece alguns indicadores que sugerem a determinante para a conclusão acerca do caráter hiperinflacionário de
presença de um cenário de hiperinflação: uma economia, incluiu no item (e) acima uma consideração quantitativa

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marcante. Isso terminou fazendo com que, na prática, muitos usem
essa referência como a principal (quando não a única) para se
determinar se uma economia é hiperinflacionária. Não obstante a
facilidade prática de se analisar a taxa de inflação acumulada em três
anos, é importante lembrar que esse raciocínio é simplista, pois pode
ocorrer que um país seja hiperinflacionário mesmo sem ter atingido
o famoso patamar de 100% de inflação nos últimos três anos. Fica o
alerta!

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3. ALGUNS CONCEITOS IMPORTANTES PARA A APLICAÇÃO DA
IAS 29

Definições importantes, que apesar de não estarem na IAS 29, podem Para que serve a comparabilidade dos relatórios
ser encontradas em outras normas/pronunciamentos: financeiros?

Definição normativa As decisões dos usuários envolvem escolher entre


alternativas, como, por exemplo, vender ou manter um
investimento, ou investir em uma ou outra entidade que
Itens monetários são unidades monetárias disponíveis e ativos
reporta. Consequentemente, informações sobre uma entidade
e passivos a serem recebidos ou pagos em valores fixos ou
que reporta são mais úteis se puderem ser comparadas
determináveis de unidades monetárias. (Parágrafo 8 da IAS 21)
a informações similares sobre outras entidades e a
informações similares sobre a mesma entidade referentes
a outro período ou a outra data.

Comparabilidade é a característica qualitativa que permite aos


usuários identificar e compreender similaridades e diferenças
entre itens. Diferentemente das outras características
qualitativas, a comparabilidade não se refere a um único item.
Uma comparação exige no mínimo dois itens. (Parágrafos
AULA VIRTUAL 6
CQ20 e CQ21 da Estrutura Conceitual para Relatório
Financeiro, grifos adicionados)

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AULA VIRTUAL 7

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4. ATUALIZANDO O BALANÇO PATRIMONIAL

Como já vimos, em função das distorções produzidas pela perda de


poder aquisitivo da moeda, o IASB emitiu a norma IAS 29 aplicável
É preferível que todas as entidades que reportam na moeda da
às empresas que tenham como moeda funcional uma moeda de uma
mesma economia usem o mesmo índice (parágrafo 37 da IAS 29).
economia hiperinflacionária. Nesse contexto, a IAS 29 determina que
Os índices de preços ao consumidor são geralmente o indicador
os valores do balanço patrimonial que não estiverem expressos em
mais confiável de mudanças nos níveis gerais de preços, porque
termos da unidade de medida corrente no final do período de relatório
refletem o final da cadeia de suprimentos e, consequentemente,
devem ser atualizados monetariamente pela aplicação do índice geral
expressam o impacto dos preços no mercado. As características
de preços.
mais importantes de um índice de preços confiável para fins de
reconhecimento dos efeitos hiperinflacionários de uma moeda

Sobre índices gerais de preços são:

Os efeitos das mudanças no poder de compra são geralmente • refletir uma ampla gama de preços, i.e., o índice inclui a

mensurados usando-se um índice de preços, na medida em que maioria dos bens e serviços produzidos em uma economia

refletem mudanças no poder de compra de forma geral. Esse e reflete as flutuações de seus preços;

índice de preços a ser utilizado para se reconhecer os efeitos • ter atualização regular, preferencialmente mensal; e
inflacionários sobre os relatórios financeiros deve ser confiável
• ter consistência, uniformidade e continuidade.
e refletir as mudanças de preços de uma grande variedade de
bens e serviços que são relevantes para a economia pela qual a
inflação está sendo medida. Os itens monetários não são atualizados, pois já são expressos em
termos da unidade monetária corrente no final do período de relatório.
Como já vimos, itens monetários são valores detidos e itens a serem

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recebidos ou pagos em dinheiro, como, por exemplo, o caixa, os no balanço por seu valor corrente, esses itens não são atualizados
valores a receber de clientes e os empréstimos a pagar. monetariamente. Todos os outros ativos e passivos não monetários
são atualizados monetariamente.

No caso dos ativos e passivos contratualmente sujeitos a mudanças


nos preços (ou seja, estão sujeitos à correção monetária definida Salvo nos casos acima referidos, a maioria dos itens não monetários
em contrato), tais como títulos e empréstimos vinculados a índices, é reconhecida pelo custo ou pelo custo menos depreciação; portanto,
deverão ser ajustados de acordo com o contrato para determinar seu é expressa em valores correntes em sua data de aquisição. O custo
valor no final do período de relatório, como já ocorreria de qualquer corrigido, ou custo menos depreciação, de cada item é determinado
maneira pois se trata de itens monetários cuja atualização monetária é pela aplicação, ao seu custo histórico e depreciação acumulada, da
determinada contratualmente. Portanto, esses itens são reconhecidos mudança em um índice geral de preços, desde a data de aquisição
por esse valor ajustado no balanço patrimonial. até o final do período de relatório.

Todos os outros ativos e passivos são não monetários, como é o caso Por exemplo, imobilizado, estoques de matérias-primas e mercadorias,
dos estoques, do imobilizado e do patrimônio líquido. Como regra ágio, patentes, marcas registradas e ativos similares são atualizados
geral, temos que os elementos não monetários do balanço devem ser monetariamente, a partir das datas de sua aquisição. Os estoques de
corrigidos monetariamente. produtos acabados e parcialmente acabados são atualizados desde
as datas em que os custos de compra e de sua fabricação foram
incorridos.
Alguns itens não monetários são reconhecidos aos valores correntes
(por exemplo, o valor justo no caso das propriedades para investimento
quando a empresa opta por essa mensuração) no final do período Vejamos um exemplo. A empresa Park Easy foi constituída em 31/12/
de relatório, como, por exemplo, ao valor líquido realizável e o valor X0 através do aporte de capital em dinheiro dos seus sócios no valor
justo. Nesses casos, em que o item não monetário é mensurado de R$1.000.000. Nessa mesma data, a Park Easy adquiriu o terreno

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onde oferecerá estacionamento de longa duração nas redondezas do Imobilizado
Aeroporto Internacional de São Paulo, pelo valor de R$800.000.

Fórmula básica da correção monetária


Assumindo que não houve, durante o exercício de X1, qualquer Saldo Corrigido = Custo histórico × (1 + Taxa de inflação
transação pois a Park Easy ainda não obteve as licenças para operar acumulada da data da aquisição até a data do balanço)
o estacionamento, teremos o seguinte balanço patrimonial em 31/12/
X1 em valores nominais em Reais, ou seja, sem qualquer correção
monetária. Considerando que o terreno foi adquirido por R$800.000 em 31/12/X0
e que estamos preparando o balanço em 31/12/X1, temos que corrigir
o terreno em 40%, como abaixo demonstrado:
ATIVO PATRIMÔNIO LÍQUIDO
Caixa 200.000 Capital 1.000.000
Imobilizado 800.000
TOTAL DO ATIVO 1.000.000 TOTAL PL 1.000.000 Terreno corrigido = 800.000 × (1 + 40%) = 1.120.000

Supondo que a Park Easy tem como moeda funcional o Real e que, Em termos de lançamentos contábeis, será necessário reconhecer

por hipótese, o Brasil seja um país hiperinflacionário, será necessário uma partida dobrada para aumentar o imobilizado em R$320.000 em

reconhecer a correção monetária do ativo imobilizado e do patrimônio contrapartida de uma receita no resultado do exercício. Veremos a

líquido (o capital, neste caso). Sabendo-se que a inflação de X1 foi de demonstração do resultado em mais detalhes no próximo tópico.

40%, a correção desses elementos é como segue:

Da mesma forma que o terreno, o capital (no PL), também deverá


ser corrigido desde sua formação até a data do balanço que se está
preparando, pela inflação acumulada, ou seja, 40%.

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Portanto, a correção do capital pode ser demonstrada como segue: Observe que o caixa não se altera comparativamente à demonstração
sem correção preparada apenas para fins didáticos. E não poderia
ser diferente. Caixa é um item monetário que já está expresso na
Capital corrigido = 1.000.000 × (1 + 40%) = 1.400.000
moeda de poder aquisitivo da data do balanço. Já o imobilizado, que
foi adquirido em 31/12/X0, como um ativo não monetário, precisa
O aumento do valor do capital em R$400.000 também deverá ser ser expresso na moeda de poder aquisitivo de 31/12/X1, data em
reconhecido como uma despesa na demonstração de resultado. que se está apresentando o balanço patrimonial e por isso deve ser
Como dissemos, esses aspectos da demonstração de resultados corrigido. Sua característica de elemento não monetário registrado ao
serão vistos em mais detalhes no próximo tópico. Neste momento, custo histórico faz com que sua expressão monetária tenha que ser
basta compreender que as contrapartidas da correção do imobilizado retificada para que possa expressar com fidedignidade o investimento
e do capital afetarão o resultado que, por sua vez, afetam o patrimônio feito nesse recurso na moeda mais atual, ou seja, do balanço mais
líquido na medida em que o resultado do exercício é incorporado ao atual preparado e apresentado pela Park Easy.
PL da empresa.

Dessa forma, o balanço corrigido de acordo com a IAS 29 em 31/12/


X1 seria como segue:

ATIVO PATRIMÔNIO LÍQUIDO


Caixa 200.000 Capital 1.400.000
Imobilizado 1.120.000 Resultado do (80.000)
exercício
TOTAL DO ATIVO 1.320.000 TOTAL PL 1.320.000

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5. ATUALIZANDO A DEMONSTRAÇÃO DO RESULTADO

Vejamos, primeiramente, como funcionam as contrapartidas no Portanto, uma forma prática de produzir a demonstração de resultado
resultado referentes à correção monetária do imobilizado e do capital é efetuando o lançamento de todas as correções numa linha específica
que vimos há pouco. da demonstração de resultado, que denominaremos de ganhos e
perdas inflacionários.

Como já visto, o Imobilizado, para ser expresso em moeda de 31/12/


X1 precisou ter seu valor histórico original de R$800.000 corrigido Portanto, no caso da Easy Park, que não teve operações em X1,
para R$1.120.000 por ser um item não monetário que está “protegido” ou seja, não teve receitas e despesas operacionais), deverão ser
da inflação e, portanto, ao ser corrigido, permite-se que se expresse reconhecidos na única rubrica de resultado, os ganhos e perdas
seu valor em moeda de poder aquisitivo constante. inflacionários decorrentes da correção do terreno e do capital, que
pelo método das partidas dobradas nos levam aos seguintes efeitos
demonstrados abaixo:
Para levar o valor original de R$800.000 para o valor corrigido, em
31/12/X1, no total de R$1.120.000, é necessário aumentar o valor do
ativo em R$320.000. Conta Efeito no Balanço Efeito no Resultado
Imobilizado (terreno) Aumento de R$ Ganho de R$ 320.000
320.000
Conforme comenta a norma, da correção dos itens não monetários Capital (PL) Aumento de R$ Perda de R$ 400.000
400.000
se deriva o que a norma denomina de ganho ou perda da posição
Ganhos/Perdas inflacionários totais Perda de R$80.000
monetária. Ou seja, ao corrigirmos os itens não monetários estamos,
por equivalência contábil, apurando os ganhos e perdas da outra face
do balanço, os itens monetários.

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Outra forma de demonstrar esses efeitos de ganhos e perdas pelo Já havíamos tido contato com essa perda líquida de R$ 80.000 quando
método de partidas dobradas é usando razonetes em formato T, como “fechamos” o balanço depois das correções e observamos que o PL
abaixo: “recebeu” do resultado um valor negativo de 80 mil que reestabelece
a equivalência contábil de Ativos sendo iguais aos Passivos mais o
TERRENO
Patrimônio Líquido. Agora entendemos de onde ela surge. Nesse
Valor original do Terreno 800.000
contexto, a demonstração do resultado do exercício de X1, em
Correção Monetária (1) 320.000 moeda de poder aquisitivo constante teria apenas essa perda, sendo
demonstrada como segue:
Saldo em 31/12/X1 1.120.000

Demonstração do Resultado de 12 meses findos em 31/12/X1


CAPITAL
(Valores expressos em moeda de poder aquisitivo de 31/12/X1)
1.000.000 Capital original

400.000 Correção Monetária (2)


Perdas inflacionárias líquidas (80.000)

1.400.000 Saldo em 31/12/X1 Prejuízo do Exercício (80.000)

É importante observar que a atualização monetária das demonstrações


GANHOS/PERDAS
financeiras de acordo com a IAS 29 pode dar origem a diferenças entre
320.000 Correção Monetária (1) o valor contábil de ativos e passivos individuais no balanço contábil

Correção Monetária (2) 400.000 e suas bases fiscais. Caso isso ocorra, essas diferenças devem ser
contabilizadas de acordo com a IAS 12 – Impostos sobre a Renda.
Perda líquida em X1 80.000 Para fins dos exemplos aqui expostos, assumiu-se que a base fiscal

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dos itens não monetários (imobilizado e capital) também foi corrigida Demonstração do Resultado
utilizando-se o mesmo índice de preços, não existindo diferenças Receita de Vendas 40.000
temporárias. Despesa de Mão de Obra (30.000)
Lucro Líquido 10.000

Evidentemente, este exemplo da Easy Park tal como apresentado


Já vimos que o Imobilizado deve ser corrigido e também o Capital
até aqui carece de realismo prático, pois não há operações no ano.
e repetiremos esse procedimento neste novo cenário em que houve
Agreguemos então uma operação de venda de serviços e um custo
transações durante X1.
a ela associada. Os serviços foram vendidos no dia 30 de novembro
de X1, à vista, pelo valor de R$40.000. Também nessa data, incorreu-
se em despesas de mão de obra, pagas à vista, no montante de R$ Como comentado, tanto as receitas, como as despesas ocorreram em
30.000. 30/11/X1. Dessa forma, na Demonstração do Resultado acima, esses
valores estão expressos em moeda de 30/11. Como já discutimos,
o objetivo da aplicação da IAS 29 em demonstrações financeiras de
Sem o reconhecimento de quaisquer efeitos inflacionários, a inserção empresas em economias hiperinflacionárias é expressar todos os
das duas transações acima descritas faria com nosso balanço e valores das demonstrações em moeda comparável, ou seja, todas
demonstração de resultado em 31/12/X1 em termos nominais fossem com o poder aquisitivo na mesma data.
como segue:

Faz-se necessário, portanto, corrigir a receita de vendas e a


ATIVO PATRIMÔNIO LÍQUIDO despesa de mão de obra de sorte a expressá-las na moeda de poder
Caixa 210.000 Capital 1.000.000
aquisitivo da data das demonstrações financeiras, ou seja, 31/12/X1.
Imobilizado 800.000 Resultado do 10.000
Exercício Só dessa forma teremos o balanço e a demonstração do resultado
TOTAL DO ATIVO 1.010.000 TOTAL PL 1.010.000 harmonicamente expressas na mesma moeda (i.e., no mesmo poder
aquisitivo).

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Diferentemente do que ocorreu com o terreno e o capital que estão
presentes no balanço desde o primeiro dia de X1 até 31/12/X1, tanto
receita, quanto despesa ocorreram em 30/11/X1, ou seja, devem ser TERRENO

corrigidas por apenas um mês, o mês de dezembro de X1, até a data Valor original do Terreno 800.000
de encerramento das demonstrações financeiras.
Correção Monetária (1) 320.000

Suponhamos que a inflação de dezembro de X1 exclusivamente Saldo em 31/12/X1 1.120.000

tenha sido de 10%. Aplicando-se a mesma fórmula de Saldo Corrigido


apresentada anteriormente teremos que:
CAPITAL

1.000.000 Capital original


Receita de Vendas Corrigida = 40.000 × (1 + 10%) = 44.000 (aumento
400.000 Correção Monetária (2)
de 4.000 na linha de receita)

1.400.000 Saldo em 31/12/X1

Despesa de Mão de Obra Corrigida = 30.000 × (1 + 10%) = 33.000


(aumento de 3.000 na linha de despesa)
RECEITA

40.000 Receita original


Novamente, pelo método das partidas dobradas, esses incrementos
4.000 Correção Monetária (3)
na receita e na despesa tem que ter sua contrapartida expressa na
linha da Demonstração de Resultado que reflete os ganhos e perdas Receita corrigida
44.000
inflacionários. Vejamos como ficam todas a contas corrigidas e seus
efeitos de ganhos e perdas no resultado.

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ATIVO PATRIMÔNIO LÍQUIDO
Caixa 210.000 Capital 1.400.000
Imobilizado 1.120.000 Resultado do (70.000)
Exercício
30.000 TOTAL DO ATIVO 1.330.000 TOTAL PL 1.330.000
3.000

Demonstração do Resultado
33.000 Receita de Vendas 44.000
Despesa de Mão de Obra (33.000)
Perda inflacionária líquida (81.000)
Prejuízo Líquido (70.000)

4.000 320.000

400.000 3.000 Algumas coisas precisam ser observadas. Inicialmente, perceba que
a Easy Park, na versão expandida do exemplo (ou seja, com receita
Perda líquida em X1 81.000 de venda e despesa de mão de obra) teve um lucro nominal de R$
10.000, mas um prejuízo real de R$ 70.000. Por quê?

Como já foi dito, o caixa é de natureza monetária e, portanto, o saldo


de R$210.000 em 31/12/X1 já está expresso em moeda dessa mesma Apesar da mecânica da correção monetária atualizar os itens não
data. Portanto, agora considerando todos os efeitos, as demonstrações monetários, a perspectiva econômica dos efeitos da inflação é mais
financeiras em moeda de poder aquisitivo de 31/12/X1 seriam como fácil de entender se olharmos para os itens monetários, neste caso, o
segue: caixa.

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Observe que a Easy Park começou o ano de X1 com um caixa de Portanto, pela ótica dos itens monetários, que são os que estão
R$200.000, dinheiro esse que ficou “parado” o ano todo. Ora, se os expostos à variação de valor pela inflação, é possível entender os
preços da economia variaram 40% de janeiro a dezembro, significa ganhos e perdas. No nosso caso, o caixa inicial gerou uma perda de
dizer que para comprar as mesmas coisas que os 200 mil de X0 R$ 80.000, que foi agravada pela entrada de mais caixa no último
compravam, eu deveria ter 40% de dinheiro a mais, ou seja, o caixa mês do ano, o que somou mais R$ 1.000 a essa perda do caixa
deveria ser de R$280.000. Mas os R$ 200.000 continuam lá no fim de inicial, perfazendo um total de R$ 81.000 de perdas, que já havíamos
X1, paradinhos. Tivemos, então, uma perda de R$80.000 decorrente calculado pelo método da correção dos itens não monetários nos
do caixa inicial que “dormiu” o ano todo parado, exposto à corrosão de razonetes anteriormente demonstrados. Portanto, apesar de termos
seu poder aquisitivo pela inflação de 40%. vendido a valores de 31/12/X1 o montante de R$44.000 e termos
incorrido em despesas a valores de 31/12/X1 de R$33.000 (o que nos
daria um lucro de R$ 11.000), a gestão do caixa da empresa impôs uma
Além disso, para agravar o problema, tivemos em 30/11 uma entrada
perda de R$ 81.000, ao deixar esse dinheiro parado, sem rendimento
líquida de caixa de R$ 10.000, decorrente de uma entrada por venda
algum. Essa perda, contraposta ao lucro das vendas menos os custos,
à vista de R$ 40.000 e uma saída por pagamento de salários de R$
redundaram num prejuízo líquido de R$ 70.000.
30.000. Esse valor a mais de caixa que entrou em 30/11 também ficou
parado de 30/11 até 31/12. Nesse período, a inflação foi de 10%. Para
Teste seu conhecimento
manter o poder aquisitivo dos R$ 10.000 de 31/11 aos preços de 31/12,
Quiz 1: Clique aqui para realizar a atividade
deveríamos ter 10% a mais, ou seja, R$ 11.000. Mas o dinheiro não
proposta no ambiente de aprendizagem.
se multiplicou, continuamos com os mesmos R$ 10.000 em 31/12/X1
que tínhamos em 30/11. Houve, portanto, uma perda adicional de R$ CLIQUE AQUI PARA ACESSAR
1.000.

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