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Pe. Alexandre L.

Alessio, CR
Gerência Geral: Rafael Cobianchi
Capa: Diego Rodrigues
Preparação e revisão: Rochelle Lassarot
Diagramação: Caiene Cassoli

Editora Canção Nova


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ISBN: 978-6586-69-836-7

© EDITORA CANÇÃO NOVA, Cachoeira Paulista, SP, Brasil, 2020


Sumário

Introdução.................................................................... 17
Capítulo 1........................................................................ 21
A história do Rosário
Capítulo 2........................................................................ 45
O Rosário é cristológico, cristocêntrico e bíblico!
Capítulo 3........................................................................ 65
O Rosário livra do demônio
Capítulo 4........................................................................ 79
O Rosário liberta do pecado e dos vícios
Capítulo 5........................................................................ 93
O Rosário alcança graças de conversão e santificação
Capítulo 6........................................................................ 109
O Rosário traz paz e saúde
Capítulo 7........................................................................ 125
O Rosário é socorro na hora da morte
Capítulo 8........................................................................ 137
O Rosário na vida de cada cristão
Capítulo 9........................................................................ 149
Como rezar o Rosário
Capítulo 10...................................................................... 175
As promessas e bênçãos do Rosário
Canção.............................................................................. 179
O poder do Rosário
Conclusão........................................................................ 183
Um novo tempo: pelo poder do Rosário!
Bibliografia............................................................... 189
“Depois da Missa, a devoção do terço faz cair sobre as
almas mais graças que qualquer outra; e, pelas Ave-
-Marias, opera-se muitos mais milagres que qualquer
outra oração.”

(São Vicente de Paulo)


“O valor desta devoção é tão grande que a Igreja confere
indulgência plenária a quem ‘rezar o terço numa igreja
ou em família’.”

(Enchiridion Indulgentiarum)
“Queira Deus — é este um ardente desejo nosso — que
esta prática de piedade retome em toda parte o seu an-
tigo lugar de honra! Nas cidades e aldeias, nas famílias e
nos locais de trabalho, entre as elites e os humildes, seja
o Rosário amado e venerado como insigne distintivo da
profissão cristã e o auxílio mais eficaz para nos propiciar
a divina clemência.”

(Leão XIII. Jucunda Semper. 8 set. 1894)


“A Igreja, sobretudo por meio do Rosário, sempre encon-
trou em Maria, a Mãe da graça e a Mãe da misericór-
dia, precisamente conforme tem o costume de saudá-la.
Por isso, os romanos Pontífices jamais deixaram passar
ocasião alguma, até o presente, de exaltar com os maio-
res louvores o Rosário mariano, e de enriquecê-lo com
indulgências apostólicas.”

(Bento XV. Encíclica Fausto Appetente. 29 jun. 1921)


“Quem difunde o Rosário se salva”

(Beato Bartolo Longo)


“Mulher, és tão grande e tanto vales, que quem
deseja uma graça e a Vós não se dirige é como se
quisesse voar sem asas.”

(Divina Comédia, XXXIII, 13–15)


“Ainda que vos encontrásseis à beira do abismo ou já tivésseis
um pé no Inferno; ainda que tivésseis vendido vossa alma
ao Diabo, ainda que fôsseis um herege endurecido e obsti-
nado como um demônio, cedo ou tarde vos converteríeis
e salvaríeis, desde que (vos repito, e notai as palavras e os
termos de meu conselho) rezeis devotamente todos os dias o
santo Rosário até a morte, para conhecer a verdade e obter
a contrição e o perdão de vossos pecados.”

(São Luís Maria de Montfort)


Introdução

Meu irmão, minha irmã!


Salve Maria!

É das Editora Canção Nova, mais este livro, desta vez dedica-
com grande alegria que coloco em suas mãos, por meio

do ao Rosário de Nossa Senhora. O Rosário é um sacramen-


tal. Todo sacramental é instituído pela Igreja (CIC, 2006, n.
1.667) e é um sinal sagrado e visível com vista à santificação dos
fiéis. Diferentemente dos sacramentos, que conferem a graça,
os sacramentais não a conferem, mas preparam para recebê-la
(CIC, 2006, n. 1670). Dentre os inúmeros sacramentais que
existem na Igreja, o Rosário está entre os três instituídos pela
própria Virgem Maria — ao lado do escapulário do Carmo e
da Medalha Milagrosa.
A Igreja ensina que os efeitos e a utilidade dos sacramentais
são inúmeros, dentre os quais podemos citar: a remissão do
pecado venial, a remissão da pena temporal devida aos pecados
já perdoados, a expulsão dos demônios, a cura das enfermida-
des e o afastamento dos castigos decretados. Por aí podemos
notar, ao ser instituído pela própria Virgem Maria, o particular
poder com o qual é revestido o Rosário. Nossa Senhora ama o
que Deus ama e quer o que Deus quer, além do que, por ser a
Imaculada Conceição, tem pena dos pobres pecadores e deseja
e opera ardentemente pela sua conversão e salvação. Este é o
propósito mais alto do Rosário: conversão e salvação. Todas
as outras graças alcançadas têm esta finalidade: conversão e
salvação.
Este singelo texto nasce dos constantes pedidos que che-
gam a nós de publicar as pregações que dirigimos do púlpito
17
O poder do Rosário

de nossa amada paróquia e de uma coleção de pregações sobre


o poder do Rosário, mas ele acontece principalmente graças à
presença sensível de Nossa Senhora no meu ministério sacer-
dotal como Mãe, Rainha, Mestra e Pastora, torrente de efusivas
graças.
Houve, todavia, alguns acontecimentos mais recentes que
pude lê-los por meio da fé e da devoção à Nossa Senhora como
sinais de que era necessário empreender este trabalho. O pri-
meiro deles é o fato de o esboço já existir por meio de uma série
de pregações e coincidir com a moção para o Cerco de Jericó
do mês, que foi justamente o Rosário — outubro é o mês do
Rosário, e todo Cerco de Jericó é realizado com Missas e oração
ininterrupta do Rosário. Assim que defini tudo, comecei a re-
paginar os esquemas das pregações e organizá-los em capítulos
para pôr mãos à obra.
Ainda por aqueles dias, organizando o início do trabalho,
saí para pregar numa paróquia vizinha; por sinal lá está um
sacerdote muito devoto de Nossa Senhora, pelo qual tenho
grande estima — Paróquia Cristo Redentor, cujo pároco é o Pe.
Anderson Ricardo. Logo ao sair da pregação para junto dos fiéis,
uma mãe se aproximou de mim com um brilho no semblante,
erguendo o terno numa das mãos como um troféu de vitória, e
me disse a história de salvação de seus dois filhos, terminando
com essas palavras: “Tudo graças ao Rosário! O Rosário me deu
meus dois filhos de volta!” Aquele testemunho entrou como
fogo no meu coração! E saí dali ainda mais decidido a empregar
todo o meu esforço para divulgar o Rosário.
Depois disso aconteceram também alguns sinais de que
essa era a vontade de Nossa Senhora, ainda que “às avessas”,
pois se tratavam de maiores lutas e tribulações de onde menos
se esperava ou de onde nem mesmo deveriam vir, que tenta-
vam tirar o meu tempo, minha concentração e minha paz, um
verdadeiro desgaste. Inclusive o computador começou a travar

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Pe Alexandre L. Alessio, CR

repetidamente nos momentos que me dedicava a escrever sobre


o Rosário. Diversas foram as vezes que tive de deixar tudo para
me recolher na capela e rezar pelo menos o terço aguardando
que tudo voltasse ao normal.
A feliz providência foi quando nos demos conta da data
da abertura do Cerco de Jericó, que seria no dia 7 de outubro,
Dia de Nossa Senhora do Rosário. Confesso que temos uma
agenda muito bem preparada e organizada, mas algumas coisas
acabam nos escapando aos sentidos, e só as percebemos quando
acontecem. Um sinal de que Deus e Nossa Senhora conduzem
as coisas como querem. Assim sendo, temos a graça de entregar
ao leitor esta pequena obra de evangelização, de homenagem
à Nossa Senhora e de propagação do Rosário como fonte de
incontáveis bênçãos.
O texto se organiza em dez capítulos. No primeiro con-
ta-se uma breve história do Rosário: como surgiu e quais suas
raízes. Em seguida, mostramos que em nada o Rosário se opõe
à adoração a Nosso Senhor Jesus Cristo, antes se afervora ainda
mais. Sucessivamente, falamos das demais graças proporcio-
nadas pelo poder do Rosário: a libertação dos demônios, dos
pecados e dos vícios; as graças de conversão e santificação; as
graças sensíveis de saúde e paz; o socorro para a hora da morte;
e os efeitos do Rosário para a vida de oração pessoal, familiar
e comunitária. E, por fim, as orientações de como meditar e
rezar o Rosário. Concluímos o livro apresentando as promessas
e bênçãos do Rosário e com um poema em honra ao Rosário,
que acabou se transformando em canção do Rosário, a fim de
exaltar tão nobre e poderosa devoção.
Querido leitor, querida leitora, obrigado por sua gene-
rosidade e interesse no Rosário da Virgem Maria. Este livro
pretende ser apenas uma pequenina contribuição para fazê-lo
conhecer, rezar e amar cada vez mais o Rosário e, com ele, todos
os mistérios de Deus e o próprio Deus, Nosso Senhor, e sempre

19
O poder do Rosário

por meio de Nossa Senhora. Se você já reza o Rosário todos os


dias, continue, pois as graças sempre aumentam! Se você reza
o Rosário uma vez ou outra, esforce-se por rezá-lo com mais
frequência; você vai amá-lo à medida que rezá-lo mais. Acredite!
Se você não reza, por qualquer que seja a razão, não importa, se
tiver a coragem de começar e continuar, ainda que no começo
se atrapalhe e tenha dificuldades e resistências, se insistir em
continuar, em breve perceberá a mudança que o Rosário fará
no seu interior e na sua vida.
Não posso deixar de destacar que cada capítulo traz teste-
munhos históricos de milagres e graças alcançadas pelo poder
do Rosário! Os próximos milagres e graças podem ser sobre
você, como aquela mãe sobre quem eu falei!

Eis o poder do Rosário!


Deus abençoe você!
Pe Alexandre L. Alessio, CR

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CAPÍTULO 1
A história do Rosário

O — porque já foi chamado de Saltério da Virgem — é fruto


Rosário de Nossa Senhora, como o conhecemos atualmente

de um longo processo histórico desde a piedade dos fiéis e as


intervenções dos santos e do Magistério da Igreja. No processo
de configuração da forma atual do Rosário de Nossa Senhora
está presente, todo o tempo, o profundo amor e devoção dos
fiéis pela Virgem Maria e, evidentemente, o seu maternal pa-
trocínio. No Rosário entrelaçam-se fios que sobem da Terra e
fios que descem do Céu. De um lado, os fiéis que recorrem e
propagam a devoção, e de outro, a Santíssima Virgem, que vem
em auxílio deles e cumula essa prática com cada vez mais ricas
graças para esta vida e, sobretudo, para a vida eterna.
Vejamos o que diz a esse respeito São João Paulo II (2002,
n. 1):

O Rosário da Virgem Maria (Rosarium Virginis Mariae), que


ao sopro do Espírito de Deus se foi formando gradualmente
no segundo Milênio, é oração amada por numerosos Santos e
estimulada pelo Magistério. Na sua simplicidade e profundi-
dade, permanece, mesmo no terceiro Milênio recém-iniciado,
uma oração de grande significado e destinada a produzir fru-
tos de santidade. Ela enquadra-se perfeitamente no caminho
espiritual de um cristianismo que, passados dois mil anos,
nada perdeu do seu frescor original, e sente-se impulsionado
pelo Espírito de Deus a ‘fazer-se ao largo’ (duc in altum!) para
reafirmar, melhor ‘gritar’ Cristo ao mundo como Senhor e
Salvador, como ‘caminho, verdade e vida’ (Jo 14,6), como
o fim da História humana, o ponto para onde tendem os
desejos da História e da civilização.

23
O poder do Rosário

Dentre as inúmeras devoções à Nossa Senhora, o Rosário


é, de longe, a mais excelente, e constatamos essa sua excelência
olhando para sua história. Os santos amaram esta devoção,
como nos lembrou São João Paulo II, e a própria Virgem San-
tíssima deu sinais de sua predileção pelo Rosário. Por isso é
importante olhar para a história dessa devoção tão cara para
o Céu e para a Terra e que, apesar de ter sua formação mais
evidente no segundo milênio da era cristã, suas raízes, todavia,
são muito mais antigas.
O Rosário tem uma profunda e robusta raiz histórico-
-teológica: extrai sua seiva da Sagrada Escritura, cujo coração é
Nosso Senhor Jesus Cristo, como veremos no próximo capítulo.
Alicerçado na Sagrada Escritura, o Rosário traz suas origens
de dois modos: por meio da pedagogia da oração, que vem do
Antigo Testamento, de modo particular do livro dos Salmos,
também chamado “Saltério” e, sucessivamente, por intermédio
da composição das suas orações principais, que são a oração do
Senhor, que é o Pai-Nosso, e a Ave-Maria — ambas presentes no
Novo Testamento: o Pai-Nosso, completamente, e a Ave-Maria,
literalmente em sua primeira parte.

A herança de uma pedagogia orante

Saltério significa “coleção dos Salmos”, que compendia a


tradição orante do Antigo Testamento e, posteriormente, a da
Igreja. A pedagogia orante do Saltério, dentre outras caracterís-
ticas que possui, alicerça-se na fé de Israel centrada na Shemmá
(Dt 6,5–9; 11,18–21; Nm 15,37–41), cuja repetição levaria à
memorização, e esta, por sua vez, ao afeto tanto pela oração em
si quanto por Deus, a quem ela conduz. Os Salmos refletem
a tradição orante do povo de Deus e são de índole pessoal e
comunitária; são repetidos constantemente nas casas, nas si-
nagogas e no Templo. Transformam-se em oração meditativa

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Pe Alexandre L. Alessio, CR

das obras de Deus com valor perene e universal, como ensina o


Catecismo da Igreja Católica (2006, n. 2588): “Um salmo pode
refletir um acontecimento do passado, mas é de uma sobriedade
tão grande que pode ser rezado, na verdade, pelos homens de
qualquer condição e em qualquer tempo.” Tanto mais o será a
contemplação dos mistérios da vida de Nosso Senhor e, depois
da Santa Missa, de modo especial no Rosário.
Os Salmos foram logo assumidos pela tradição orante da
Igreja e, de modo particular, em sua Liturgia. Os padres da
Igreja dão testemunho abundante da recitação dos Salmos em
seus comentários à Escritura e quando falam sobre a Liturgia e
a oração. São unânimes ao recomendar a fonte de oração que
são os Salmos. Finalmente, com o surgimento da vida mona-
cal, a prática oracional dos Salmos se consolida ainda mais e
para sempre na tradição orante da Igreja. Por meio da prática
constante, os Salmos serão conhecidos e recitados quase de
cor e usados, como já foi dito, além da oração comunitária, na
oração pessoal. Voltaremos ao papel dos monges mais adiante;
o que nos importa ficar claro até aqui é que a contemplação
das obras de Deus por intermédio da história que se reflete na
vida de oração do povo de Israel. Essa oração possui fórmulas
que são repetidas e memorizadas, o que constitui uma herança
de oração, a qual a Igreja recebe e faz sua.
Para além do livro dos Salmos há inúmeras outras orações
presentes nas Escrituras Sagradas, e o Rosário é composto subs-
tancialmente das orações da Ave-Maria e do Pai-Nosso, que são
orações também presentes na Escritura. Foi com o passar do
tempo que se convencionou a contemplação dos mistérios, até
chegar a forma que conhecemos, assim como foram acrescen-
tados o “Glória ao Pai” e “Ó meu Jesus”, além das jaculatórias
que a piedade popular vai enxertando segundo as condições do
tempo e lugar onde se propaga o Rosário de Nossa Senhora.
Ora, o Pai-Nosso ou oração dominical, isto é, do Senhor,

25
O poder do Rosário

foi ensinado pelo próprio Jesus Cristo (Mt 6, 9–131). Trata-se,


portanto, da oração perfeita, e não pelo fato de dispensar as ou-
tras, mas porque é modelo para toda oração. O Divino Mestre
não só fala sobre a necessidade da oração e dela dá testemunho,
mas mostra também qual deve ser o conteúdo da oração do
cristão. Aliás, o Catecismo da Igreja (2006, n. 2761) ensina,
alicerçado nos Santos Padres, que “o Pai-Nosso é o resumo de
todo o Evangelho”.
São Tomás de Aquino explicita a perfeição e referência
substancial do Pai-Nosso para toda oração:
A oração dominical é a mais perfeita das orações […] Nela,
não só pedimos tudo quanto podemos desejar corretamente,
mas ainda segundo a ordem em que convém desejá-lo. De
modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas ordena
também todos os nossos afetos” (TOMÁS DE AQUINO,
2002, II-II, q. 83, a. 9).

A Ave-Maria é a oração maiormente recitada, pois trata-se


do Rosário da Virgem Maria, em que Ela é saudada e é a Ela
que se dirige. Trata-se de uma oração igualmente enraizada
na Sagrada Escritura e, evidentemente, na Sagrada Tradição.
Devemos recordar que para nós, católicos, a Tradição compõe,
ao lado da Escritura, o único depósito da Palavra de Deus, que
se transmite de dois modos: oralmente, isto é, pela Tradição e,
escrituristicamente, pela Bíblia2.
A primeira parte da Ave-Maria é literalmente bíblica e,
portanto, divinamente inspirada. A expressão “Ave Maria, cheia
de graça, o Senhor é convosco” foi composta pelo Céu, pois
foi o arcanjo São Gabriel quem dirigiu tais palavras, em Nome
de Deus, à Santíssima Virgem (Lc 1,28). As palavras “Bendita

1
Cf. Lc 11,2–4.
2
Cf. CONCÍLIO VATICANO II, n. 9.

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Pe Alexandre L. Alessio, CR

sois Vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do Vosso ventre”


não fazem menos, pois embora Santa Isabel as tenha dito à sua
prima Nossa Senhora (Lc 1,42), a anciã e mãe do precursor de
Nosso Senhor estava cheia do Espírito Santo (Lc 1,41), assim
sendo, sua boca foi apenas instrumento de comunicação, pois a
inspiração também foi divina. O Nome de Jesus, inserido pela
Igreja como conclusão da primeira parte, dispensa maiores co-
mentários, pois o Filho da Virgem, isto é, o fruto de seu ventre,
é Jesus (Mt 1,21), nome também imposto pelo Céu e que, por
isso e pela obra da Redenção, maior não há (Fl 2,9–10).
A segunda parte da Ave-Maria, embora tenha sido com-
posta pela Tradição da Igreja, sendo por isso posterior à Bíblia,
não significa que não expresse verdades de fé que lá estão con-
tidas, assim como em toda a Tradição: “Santa Maria, Mãe de
Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte.”
Antes de tudo, deve ficar claro o ensinamento da Igreja a res-
peito da Santíssima Virgem e sua relação de piedade filial para
com Ela: “O que a fé católica crê a respeito de Maria funda-se
no que crê a respeito de Cristo, mas o que a mesma fé ensina
sobre Maria esclarece, por sua vez, a sua fé em Cristo.” (CIC,
2006, n. 487).
Sabe-se que a oração mais antiga feita pela Igreja à Nossa
Senhora é a Sub tuum praesidium tuum — À vossa proteção
recorremos —, que chama a Virgem Maria de Mãe de Deus.
Trata-se de um papiro antigo encontrado no Egito no ano de
1927, cujo fragmento remonta ao terceiro século. Essa verdade
de fé já era clara para os primeiros cristãos, antes mesmo de ser
declarada solenemente, pois é no ano de 431 que o Concílio
de Éfeso a proclama para todo orbe católico Theotókos, isto é,
Mãe de Deus. Esse foi o Concílio que destruiu a heresia ariana
que negava a divindade de Nosso Senhor. Atrever-se a negar
que Maria Santíssima seja Mãe de Deus significaria negar que a
Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, isto é, o Filho de Deus,

27
O poder do Rosário

assumiu verdadeiramente a condição humana para salvá-la.


Voltando à Ave-Maria, tem-se notícias de que sua primeira
parte fosse rezada já no século 6, enquanto no século 10 é que
se introduziu o Nome de Jesus ao fim da primeira parte, pro-
mulgado pelo Papa Urbano IV (1261–1264). A segunda parte,
da qual falamos, surgiu unida ao Rosário no século 13, sendo
introduzida para toda a Igreja pelo Papa São Pio V em 1558.
“Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa mor-
te.” Que todos somos pecadores é indiscutível, e que precisamos
ainda mais da ação de Deus a nosso favor não carece de expli-
cações. O fato de pedir à Virgem Santíssima que interceda por
nós repousa nas verdades católicas da intercessão dos santos,
que se alicerça na comunhão dos santos (IX artigo do Credo),
mas destaca-se ainda mais no Dogma da Assunção de Maria aos
Céus e no lugar que Ela ocupa na ordem da graça: abaixo de
Deus, ninguém maior do que Ela; poderia haver alguém, ainda
que dentre o maior e mais abrasado dos serafins, de dignidade
superior à da Mãe de Deus? Certamente, não. Portanto, Ela
pode, junto de Deus, pelo lugar que ocupa por vontade de Deus
mesmo, muito mais do que todos os anjos e santos juntos na
presença de Deus, por isso suplicamos a Ela durante esta vida
e, de modo particular, na hora da morte, isto é, da passagem
para a eternidade, quando se dá o julgamento particular diante
de Deus.
Entendida a formulação bíblica ou inspirada, portanto
divina das orações, que compõe substancialmente o Rosário
— o Pai-Nosso e a Ave-Maria —, podemos continuar acompa-
nhando o longo processo mediante o qual germinou e brotou
no jardim da Igreja a frondosa árvore do Rosário.

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Pe Alexandre L. Alessio, CR

Uma herança dos simples: os monges mais


humildes

Há na Igreja uma nuvem de testemunhas em matéria de


oração, segundo nos ensina o Catecismo da Igreja Católica
(2006, n. 2683ss). O Rosário, todavia, encontra seu arcabouço
nos mosteiros, na vida de oração contínua a que eram chamados
os monges. O movimento monacal surge quando cessam as
perseguições dos primeiros séculos. A entrega da vida sempre
foi um desejo presente naqueles que faziam a experiência do
encontro pessoal com Jesus Ressuscitado. A fé cristã inevita-
velmente impulsiona essa entrega da própria vida, seja qual for
a modalidade dessa entrega. Ora, nos tempos de perseguições
cruéis e ferozes, a entrega era feita por meio do martírio, isto
é, do derramamento de sangue por causa da fé. Cessada essa
possibilidade com o fim das perseguições sanguinárias, mas
perene o desejo de entregar a vida a Deus, iniciou-se um mo-
vimento de afastamento dos grandes centros urbanos para uma
vida mais recolhida em lugares mais afastados, como o deserto.
De início, esse recolhimento no deserto era solitário, e
daí vem o significado da palavra monge, do latim monachus,
que quer dizer um só, único, sozinho. Numa vida totalmente
retirada, os monges dedicavam-se à oração e à penitência.
Tão logo a experiência dessa dedicação total a Deus assume
uma característica também comunitária, na qual homens
com o mesmo ideal se associam para vivê-lo juntos. É quando
nascem os mosteiros ou monastérios, que significam “o lugar
onde vivem os monges”. São Bento organiza, sob uma regra
comum, esse tipo de vida, e a partir dele os mosteiros se es-
palham por todo o mundo conhecido e forjam a cristandade.
A vida de um monge organizava-se a partir do moto ora
et labora, ou seja, reza e trabalha. O programa dentro de um

29
O poder do Rosário

mosteiro era organizado em oito horas dedicadas à oração,


oito ao trabalho, e as oito horas restantes ao descanso. A
oração dos monges desdobrava-se — e até hoje é assim —
entre o ofício divino, composto da celebração eucarística, e
o canto dos Salmos, realizado em comunidade, e também no
recolhimento pessoal, de modo que essa oração permeava
também o trabalho e lhe vinha ao encontro no seu sentido
penitencial.
Ora os mosteiros acolhiam desde homens letrados que
desejavam abandonar uma carreira promissora do lado de
fora das paredes do mosteiro para dedicar-se exclusivamente
ao opus Dei, isto é, à obra de Deus, como também abrigava
em seu seio homens mais simples e até mesmo iletrados, o
que não os desmerecia de modo algum, pois estes também
desejavam consagrar-se à vida monacal. Os monges letrados
podiam recitar os Salmos tranquilamente, enquanto aos ile-
trados, que deviam manter igualmente a vida de oração, era
recomendado que recitassem orações de cor, por exemplo,
o Pai-Nosso.
Essa oração contínua condensava-se em breves fórmu-
las, como era comum já no Antigo Testamento, porém ago-
ra referente à oração do Senhor. Assim encontramos numa
prescrição antiga o dito: “Quem não pode recitar os Salmos
recite alguns Pai-Nossos”; formava-se assim o “saltério” dos
leigos ou dos monges iletrados. Uma vez que o saltério bíblico
era composto de 150 salmos, e aquela oração “dos simples”
era contínua, recorreu-se a um modo de contar a recitação
dos Pai-Nossos, inicialmente por intermédio de pedrinhas,
de modo que, ao fim do dia, aquele “saltério” estivesse devi-
damente recitado.
Assim vemos que, originalmente, a prática da recitação
de cor e contínua de orações com fórmulas fixas, como é o
caso do Pai-Nosso, é chamada analogicamente de “saltério”,

30
Pe Alexandre L. Alessio, CR

em razão da associação ao ofício divino recitado pelos mon-


ges por meio dos Salmos, cujo conjunto dos 150 é chamado
saltério. Os Salmos compendiam louvores, ações de graças,
súplicas e intercessões. O Pai-Nosso não foge à regra, pois,
como vimos, reúne de modo perfeito tudo que deve aspirar
à oração cristã. O nome Rosário, que quer dizer “coroa de
rosas”, aparece mais tarde e é adotado no século 14, inspirado
em cânticos e homenagens em devoção à Santíssima Virgem,
sobretudo durante o mês de maio, primavera no hemisfério
norte e mês dedicado à Mãe de Deus. Para chegarmos à com-
posição do Rosário da Virgem Maria como conhecemos em
nossos dias, devemos, ainda, adentrar um pouco na vida e
no apostolado de alguns santos.

A propaganda de São Domingos de Gusmão


e do Beato Alano de la Rupe

O hábito da oração contínua usando breves fórmulas era


já enraizado no ambiente monástico desde os séculos 4 e 5,
de modo que o seu incremento e a sua contagem, sobretudo
de Pai-Nossos, já eram comuns no fim do século 10. A essa
altura, as pedrinhas foram unidas com pequenas cordas a fim
de facilitar a contagem das orações recitadas. Nesse ínterim ia
se desenvolvendo o mesmo hábito em relação à Ave-Maria.
De modo que, por volta do século 12, já se havia introdu-
zido entre os fiéis a prática de contar as recitações também
das Ave-Marias por meio de séries de 150, analogamente ao
Saltério, o que fez com que essa prática fosse denominada
de “Saltério da Virgem Maria” — eis o primeiro nome com
que foi chamado o Rosário de Nossa Senhora. Em 1408 o
monge Henrique Egher sugere nesse “Saltério da Virgem”
o acréscimo de um Pai-Nosso ao início de cada dezena de

31
O poder do Rosário

Ave-Marias. Antes disso, porém, há um grande difusor do


Saltério da Virgem Maria: São Domingos de Gusmão.
São Domingos (1170–1221) foi o fundador da Ordem
dos Dominicanos ou Ordem dos Pregadores. Viveu num
tempo em que a Igreja era assaltada por uma heresia muito
perigosa para a fé cristã: os cátaros ou albigenses. São Do-
mingos prontamente decide ir à França, onde a heresia estava
instalada, a fim de combatê-la pela pregação. Conta-se de
sua vida que, num determinado momento, não conseguin-
do o bom êxito que desejava contra a heresia, entrou num
lugar mais retirado entre as árvores de um bosque a fim de
rezar para Nossa Senhora e pedir que mostrasse um modo de
vencer aquela batalha. É quando Nossa Senhora lhe aparece
acompanhada de três anjos e lhe entrega o Rosário.
No diálogo que São Domingos teve com a Santíssima
Virgem conta-se o seguinte: Ela lhe pergunta: “Querido Do-
mingos, você sabe qual é a arma que a Santíssima Trindade
quer usar para mudar o mundo?” Ao que ele prontamente
respondeu: “A Senhora bem o sabe.” E prontamente a Santís-
sima Virgem disse: “Desejo que conheças que nesse tipo de
combate a arma eficaz sempre foi o Saltério angélico, que é
a pedra fundamental do Novo Testamento. Assim sendo, se
desejas converter as almas da heresia e ganhá-las para Deus,
difunda o meu Saltério.”
Nossa Senhora mostra o Rosário a São Domingos, que
prontamente começa a difundi-lo e a pregar a sua devoção e
a obter inúmeras vitórias sobre a heresia. O Rosário, além do
carisma da pregação, é uma das heranças espirituais que São
Domingos deixou a seus filhos, os dominicanos.
Com o passar do tempo, o fervor da devoção, tal e qual
desejado pela Santíssima Virgem por meio de São Domingos,
enfraqueceu-se. É o Beato Alano de la Rupe, filho espiritual

32
Pe Alexandre L. Alessio, CR

de São Domingos, quem a revive. Nesse ínterim que, por


volta de 1400, surge um livro chamado O Pequeno Rosário de
Santa Maria, escrito por Adolph von Essen, que aconselhava
a meditar os mistérios da vida de Nosso Senhor enquanto se
rezava as orações vocais. É um período em que muitos outros
escritos aconselharam, cada qual ao seu modo, a meditação
da vida de Cristo enquanto se recitam as orações do Pai-Nos-
so e da Ave-Maria. A fixação dos mistérios em gozosos, do-
lorosos e gloriosos se dá a partir do Beato Alano ao compor,
por meio dessa divisão, os temas para a meditação durante a
recitação das orações — mas não é só essa a sua contribuição
para com o Rosário de Nossa Senhora.
O Beato Alano de la Rupe (1428–1475) é filho espiritual
de São Domingos, e o seu fervor para com o Rosário atribui-
-se ao patrimônio espiritual de sua ordem, mas também de
uma experiência muito singular com a Santíssima Virgem.
Do ano 1457 em diante, como ele mesmo narra, se dá início
um período de fortes tentações e combate espiritual em sua
vida. Ele, que até então era devotíssimo da Virgem Maria e
recitava assiduamente o seu Saltério, devia passar por esse
ferrenho combate com o Inimigo. O sofrimento se estende
por sete anos, quando ele, movido pelo desespero, decide
pôr fim à sua vida. Nesse momento lhe aparece a Santíssima
Virgem, que, com um golpe decisivo, lhe segura o braço e
logo em seguida lhe dá um tapa no rosto e diz: “O que fazes,
miserável? Se tivesses pedido meu socorro, como fizeste ou-
tras vezes, não terias te metido em tão grande perigo.” Depois
deixou-o a sós.
As provações não terminaram. Até que ele cai enfermo.
No leito de dor, se põe a invocar a Santíssima Virgem. E é
numa noite, quando gemia pela provação, que Nossa Senhora
o visita pela segunda vez. Depois da saudação afetuosa, como

33
O poder do Rosário

é próprio de uma mãe ao seu filho, a Santíssima Virgem colo-


ca ao pescoço do Beato Alano um cordão trançado dos seus
próprios cabelos que trazia penduradas consigo 150 pedras
preciosas. Assim se encerra o tempo da prova e começa um
tempo de bonança.
É na terceira aparição ao Beato que a Santíssima Virgem
comunica as 15 promessas relacionadas ao Rosário e pede
a ele que pregue tudo que tinha ouvido Dela. Essas apari-
ções se dão entre os anos 1464 e 1465. E até a sua morte o
dominicano não faz outra coisa senão pregar a devoção ao
Rosário. Para isso institui as confrarias do Rosário, que logo
se difundem por toda parte como lugar de instrução, prática
e difusão do Rosário da Santíssima Virgem.

A Batalha do Lepanto: 7 de outubro de 1571

Muitas são as graças e milagres obtidos por meio do santo


Rosário na História da Igreja. Isso é atestado por inúmeros fatos
que vão desde os mais simples fiéis até os mais altos postos da
sagrada hierarquia, ao ponto que, finalmente, no século 16,
outro conturbado período interna e externamente para a Igre-
ja, uma portentosa graça é alcançada por intermédio do santo
Rosário. Esse fato se dá com um outro filho de São Domingos,
porém elevado ao Trono de São Pedro, o Papa São Pio V. Esse
é o Pontífice que deixa a Festa do Rosário como herança para
a Igreja, e não sem uma intervenção do Céu.
O século 16 foi duríssimo para a Igreja. A Europa vivia
batalhas entre reinos, e havia os que faziam alianças com os tur-
cos, que há séculos a rodeavam e intencionavam sua conquista.
Nesse mesmo século estourou a revolução protestante, que não
obstante as contestações doutrinais que levantava, não deixou de
ter a influência do patrocínio dos mesmos turcos com os quais

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Pe Alexandre L. Alessio, CR

faziam alianças os mesmos príncipes que patrocinaram Lutero.


Foi em meio a toda essa turbulência que a cristandade teve de
se unir para lutar e deter a invasão maometana, que desejava,
ao conquistá-la, destruir sua cabeça, o Romano Pontífice, para
sempre. O sultão inclusive ameaçava entrar de cavalo na Basílica
São Pedro e transformá-la numa estrebaria.
A ameaça se fazia cada vez mais iminente. Como em tem-
pos de grandes provações e dificuldades Deus manda grandes
santos, a Igreja felizmente era governada por São Pio V, o qual,
em pessoa, trabalhou durante anos a fim de unir e organizar a
cristandade para defender-se de um grande e antigo inimigo.
Assim que a Santa Liga é formada, como fica conhecida, sob a
liderança de João D’Austria, na época com 24 anos, parte com
81 mil soldados e 200 galés para a batalha, sendo que o lado
muçulmano estava em maior vantagem, com 286 galés. De sua
parte, o venerável capitão João D’Austria ordena que todos os
soldados se confessem, proíbe a presença de mulheres e anuncia
a punição para os casos de blasfêmia.
O Papa, por sua vez, pedia aos demais cristãos que, entre
outras práticas de piedade, como as procissões rogatórias e as
penitências, rezassem principalmente o Rosário enquanto seus
soldados batalhavam em defesa da fé. A batalha se deu na Baía
de Lepanto. Em Roma, conversando com seu tesoureiro en-
quanto os católicos defendiam a cristandade e a Europa, disse
o Papa: “Já não é mais hora de tratar dos assuntos temporais,
mas de agradecer a Deus pela vitória.”
Cerca de duas semanas depois chegava a notícia da derrota
dos turcos e a vitória dos cristãos. Em pouco mais de quatro
horas de batalha, e não sem a luta e a entrega da vida de muitos
homens, a cristandade tinha vencido. Há narrativas posterio-
res da parte muçulmana que enquanto combatiam contra os
cristãos viam uma Senhora de aspecto encantador e majestoso,

35
O poder do Rosário

mas firmemente ameaçador olhando na direção deles. Era 7 de


outubro de 1571.
Em Veneza é possível ver uma obra patrocinada pelo
seu senado com a cena da batalha e na qual é possível ler a
seguinte frase: “Non virtus, non arma, non duces, sed Maria
Rosari victores nos fecit”, que quer dizer: “Nem tropas nem
armas nem generais, mas a Virgem Maria do Rosário é que
nos deu a vitória.” Assim, em 1572, no dia 7 de outubro, São
Pio V institui a Festa de Nossa Senhora do Rosário e manda
incluir na Ladainha lauretana o título Auxílium Cristianorum,
isto é, Auxílio dos Cristãos.
Mas ainda antes, quando se preparava para a peleja con-
tra os turcos, em 17 de setembro de 1569, por intermédio da
Bula Consueverunt, Pio V já havia definido assim a devoção:
“O Rosário ou Saltério da Bem-Aventurada Virgem Maria”
é uma “forma de oração” pela qual Maria “é venerada com a
saudação angélica repetida 150 vezes, segundo o número dos
Salmos de Davi, intercalando cada dez Ave-Marias com a
oração do Senhor, com meditações que ilustram toda a vida
do mesmo Senhor Jesus Cristo”. Desde a vitória do Lepanto,
o Rosário é ainda mais conhecido como “poderosa arma”
para os católicos vencerem todos os seus inimigos.

São Luís de Montfort (1673–1716)

No rastro das almas devotas abrasadas de Nossa Senhora


desponta São Luís Maria de Montfort, na passagem do século
17 para o século 18. Seu apostolado foi todo dedicado e frutuo-
so com base na propagação da devoção à Santíssima Virgem e,
como consequência óbvia, ao Rosário. Citando o Beato Alano,
São Luís deixa escrito:

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Pe Alexandre L. Alessio, CR

A Santíssima Virgem revelou ao Beato Alano de la Rupe que,


depois do Santo Sacrifício da Missa, que é o primeiro e mais
vivo memorial da Paixão de Jesus Cristo, não havia devoção
mais excelente e meritória que o Rosário, que é como que
um segundo memorial e representação da vida e da Paixão
de Jesus Cristo.

Abrasado de amor de devoção pela Santíssima Virgem,


da pena de São Luís saem palavras de fogo a respeito da de-
voção à Mãe de Deus e ao seu Rosário. No Tratado da ver-
dadeira devoção à Virgem Maria, ele explica a necessidade
de tal devoção por parte dos cristãos e denuncia os erros e
ataques referentes à devoção mariana. No interior da mesma
obra profetiza que ela haveria de ficar desaparecida por causa
dos inimigos e somente depois seria conhecida. De fato, foi o
que aconteceu: a obra foi encontrada num caixote em meio a
outros escritos, mais de 100 anos após sua morte (LUÍS DE
MONTFORT, n. 114).
Tendo fundamentado “com pena de doutor” a devoção
à Virgem, São Luís escreveu também O segredo do Rosário,
obra na qual afirma:
O Rosário é um tesouro de valor incalculável e inspirado por
Deus. […] Não se trata somente de uma sucessão de Pai-Nos-
sos e Ave-Marias, mas, ao contrário, é um sumário divino dos
mistérios da vida, paixão, morte e glórias de Jesus e Maria.

Foi incansável missionário e, tendo sido atacado pela sua


doutrina mariana, recorreu ao Papa Clemente XI para saber se
estava errando em seus ensinamentos; a resposta do Pontífice
foi nomeá-lo missionário apostólico, o que o autorizava a pregar
em toda a França, mas isso não atenuou os grandes sofrimentos
e sacrifícios pelos quais teve de passar, o que revelava a agitação
do demônio ao prever os inúmeros benefícios do ministério de
tão abrasado devoto da Virgem. Realizou centenas de missões

37
O poder do Rosário

por paróquias e dioceses da França, onde promovia a pregação


da recitação do Rosário e a prática sacramental. Seu lema era:
“A Jesus por Maria”. Fundou as Congregações das Filhas da Sa-
bedoria e a Companhia de Maria (Missionários Montfortinos),
cuja missão era perpetuar a sua herança.
São Luís compôs, no ano de 1700, a meditação dos misté-
rios do Rosário, que foi acolhida, aprovada e tornada obrigatória
pelo Papa Bento XIII, por meio da Constituição Pretiosus, de
1727. Assim o Rosário era definido para toda a Igreja como
oração com dupla modalidade: vocal, pela recitação das orações
prescritas, e mental, pela contemplação dos mistérios da vida
de Nosso Senhor e de Maria Santíssima. A doutrina mariana
de São Luís exerce forte influxo sobre o posterior Magistério
dos Papas.

Os papas e o Rosário

O Papa Clemente XI, no ano de 1716, estende para toda


a Igreja a Festa de Nossa Senhora do Rosário, deixada por São
Pio V aos dominicanos, no mesmo ano que falece São Luís
Maria de Montfort, abrasado devoto de Maria Santíssima e
divulgador do Rosário.
Em 3 de dezembro de 1856, o Papa Pio IX reconheceu por
meio da Encíclica Egregiis o imenso valor do Rosário, afirmando
que a sua recitação diária é uma arma poderosa para destruir
os monstruosos erros e impiedades que por todas as partes se
levantam, dos quais o Pontífice foi exímio combatedor. Na
ocasião disse:
Assim como São Domingos se valeu do Rosário como de
uma espada para destruir a nefanda heresia dos albigenses,
assim também hoje os fiéis exercitados no uso desta arma —
que é a reza cotidiana do Rosário — facilmente conseguirão
destruir os monstruosos erros e impiedades que por todas
as partes se levantam.

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Pe Alexandre L. Alessio, CR

O Papa Leão XIII declarou o Rosário “instrumento eficaz


contra os males da sociedade” com a Encíclica Supremi Apos-
tolatus Officio, de 1º de setembro de 1883, e determinou que
outubro fosse inteiramente dedicado ao Rosário acompanha-
do da Ladainha lauretana — própria do Santuário de Loreto.
Esse Papa é conhecido como o Papa do Rosário. Durante seu
pontificado promulgou dez encíclicas sobre o Rosário e a de-
voção à Santíssima Virgem. Foi o Papa que beatificou São Luís
em 1888. Em 8 de setembro de 1894, na Encíclica Jucunda
Semper, disse:
Queira Deus — que é um ardente desejo nosso — que esta
prática de piedade retome em toda parte o seu antigo lugar de
honra! Nas cidades e nas aldeias, nas famílias e nos locais de
trabalho, entre as elites e os humildes, seja o Rosário amado
e venerado como insigne distintivo da profissão cristã e o
auxílio mais eficaz para nos propiciar a divina clemência.

O Papa Bento XV disse, na Encíclica Fausto Appetente, em


29 de junho de 1921:
A Igreja, sobretudo por meio do Rosário, sempre encontrou
em Maria, a Mãe da graça e a Mãe da misericórdia, preci-
samente conforme tem o costume de saudá-la. Por isso, os
Romanos Pontífices jamais deixaram passar ocasião alguma,
até o presente, de exaltar com os maiores louvores o Rosário
mariano, e de enriquecê-lo com indulgências apostólicas.

Com a Encíclica Ingravescentibus Males, de 29 de setem-


bro de 1937, o Papa Pio XI acrescentava aos elogios de seus
predecessores ao Rosário as seguintes palavras:
É uma arma poderosíssima para pôr em fuga os demônios.
[…] Ademais, o Rosário de Maria é de grande valor não só
para derrotar os que odeiam a Deus e os inimigos da religião,
como também estimula, alimenta e atrai para as nossas almas
as virtudes evangélicas.

39
O poder do Rosário

O Papa Pio XII não fez exceção aos seus predecessores. Na


Encíclica Ingruentium Malorum, de 15 de setembro de 1951,
disse:
Será vão o esforço de remediar a situação decadente da socie-
dade civil, se a família, princípio e base de toda a sociedade
humana, não se ajustar diligentemente à lei do Evangelho.
E nós afirmamos que, para desempenho cabal deste árduo
dever, é sobretudo conveniente o costume do Rosário na fa-
mília. […] De novo, pois, e categoricamente, não hesitamos
em afirmar de público que depositamos grande esperança
no Rosário de Nossa Senhora como remédio dos males do
nosso tempo.

São João XXIII também promoveu o Rosário, em sua Car-


ta Apostólica Il Religioso Convegno, de 29 de setembro de 1969,
que indica o Rosário como oração para alcançar a paz e propõe
como adendo um texto para a contemplação de cada mistério.
O Beato Paulo VI, na Exortação Apostólica de 2 de feve-
reiro de 1974, Marialis Cultus, cita o Rosário afirmando sua
harmonia com o ensinamento do Concílio Vaticano II e fala
sobre o “caráter evangélico” desta devoção e sua “orientação
cristológica”. Mas já antes, no início do seu pontificado, na
Encíclica Mense Maio, de 29 de abril de 1965, havia dito:
Não deixeis de inculcar com toda a diligência e insistência o
Rosário mariano, forma de oração tão grata à Virgem Mãe
de Deus e tão frequentemente recomendada pelos Romanos
Pontífices, pela qual se proporciona aos fiéis o mais excelen-
te meio de cumprir de modo suave e eficaz o preceito do
Divino Mestre: ‘Pedi e recebereis, buscai e achareis, batei e
abrir-se-vos-á.’(Mt 7,7).

São João Paulo II, que leu e releu muitas vezes a obra de
São Luís, teve seu lema pontifical, Totus tuus, isto é, Todo teu,
Maria, de lá extraído. E no ano de 2002, no dia 16 de outubro,

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Pe Alexandre L. Alessio, CR

mês do Rosário, entregou à Igreja a Carta Apostólica Rosarium


Virginis Mariae — o Rosário da Virgem Maria. Na carta (n.
21), além de enaltecer o Rosário e falar de sua devoção pessoal,
o Santo Pontífice lhe acrescenta os mistérios da luz, que tratam
de contemplar a vida pública de Nosso Senhor desde o batismo
no Rio Jordão até a Instituição da Eucaristia no Cenáculo.
O Papa Bento XVI, por ocasião da visita pastoral ao Pon-
tifício Santuário de Pompeia, diz:
O Rosário é oração contemplativa acessível a todos: grandes
e pequenos, leigos e clérigos, doutos e pouco instruídos. Ele
é um vínculo espiritual com Maria, para permanecermos
unidos a Jesus, para nos confrontarmos com Ele, para as-
similarmos os seus sentimentos e para nos comportarmos
como Ele se comportava. O Rosário é uma ‘arma’ espiritual
na luta contra o mal, contra toda a violência, para a paz nos
corações, nas famílias, na sociedade e no mundo. (BENTO
XVI, 2008).

O Papa Francisco, com sua costumeira simplicidade e pre-


sença nas mídias sociais, por meio de uma videomensagem a um
prelado da Santa Igreja, o bispo de Gozo, em Malta, incentiva
a oração do Rosário como “potente oração” que é ao mesmo
tempo “simples e acessível a todos” (ACI DIGITAL, 2017).

Nossa Senhora e o Rosário

Além das aparições a São Domingos, no século 13, e ao


Beato Alano, no século 15, nas quais a Virgem Maria recomen-
dava o Rosário e a sua propagação, em meados do século 19
e início do século 20 se dão duas outras grandes aparições nas
quais é recomendado o Rosário: Lourdes, na França, e Fátima,
em Portugal.
Em Lourdes, no dia 11 de fevereiro de 1858, a Santíssima
Virgem aparece pela primeira vez a Bernadete Soubirous na

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O poder do Rosário

Gruta de Massabielle, onde hoje se ergue a imponente Basílica à


Virgem ali dedicada e diante da qual se forma todo o complexo
do Santuário de Lourdes. A primeira visão que Bernadete tem é
descrita assim: “Uma bela e jovem senhora, vestida de branco,
com uma faixa azul em torno à cintura, segurava um Rosário
e tinha duas rosas douradas aos pés. A Virgem faz o sinal da
Cruz, a quem Bernadete se põe a imitar.” Ao passar as contas
do seu Rosário, ia Bernadete recitando as orações.
Em Fátima, no ano de 1917, do dia 13 de maio até o dia
13 de outubro, Nossa Senhora aparece aos três pastorinhos,
Lúcia, Jacinta e Francisco, pedindo principalmente oração e
penitência pela conversão dos pecadores e pelo fim da guerra. Já
na primeira aparição diz à Lúcia, que lhe pergunta se iria para o
Céu: “Também irá, mas tem que rezar antes muitos Rosários.”
E mais, diz às três crianças: “Rezem o Rosário todos os dias para
alcançar a paz no mundo e o fim da guerra.”
Na terceira aparição, a 13 de julho, faz um acréscimo ao
Rosário: “Quando rezarem o Rosário, digam depois de cada misté-
rio: ‘Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do Inferno, levai
as almas todas para o Céu, especialmente as que mais precisarem.’”
Na quarta aparição, a Santíssima Virgem diz: “Rezem, rezem
muito e façam sacrifícios pelos pecadores, porque muitas almas
vão para o Inferno porque não têm quem se sacrifique e reze por
elas.” Os pastorinhos, apesar de crianças, levaram muito a sério a
mensagem da Virgem e nunca mais deixaram de rezar o Rosário
e oferecer penitências.
Tanto numa aparição quanto na outra, Nossa Senhora
confirma a prática de devoção do Rosário. Em Lourdes se vê o
Rosário que lhe aparece como adorno, mas que também por Ela
é passado entre os dedos com quem contasse a recitação. Em
Fátima, além de insistir que se reze o Rosário, faz um acréscimo
à sua recitação, com a súplica: “Ó meu Jesus.” Em ambas, deixa
claro o poder do Rosário pela conversão dos pecadores.

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Pe Alexandre L. Alessio, CR

Assim sendo, ao chegar ao fim deste primeiro capítulo,


sobre a formação do Rosário, constatamos nessa belíssima his-
tória, que tem raízes profundas e é tão antiga quanto a Igreja,
o entrelaçar-se entre o Céu e a Terra. O Rosário nasceu do
coração dos simples, mas é poderoso e querido por Deus e pela
Santíssima Virgem. Por intermédio do Rosário, santos foram
forjados, batalhas foram vencidas, e grandiosos milagres foram
alcançados. Podemos dizer que, junto ao destino de inúmeras
vidas, o Rosário mudou também os rumos da História e da
Igreja em determinados momentos, e seu poder está na devo-
ção à Santíssima Virgem e na centralidade que esta impõe
ao império de Nosso Senhor Jesus Cristo.

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