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CADERNOS DO

CINECLUBE
COMUM

1
POLÍTICAS DO
CINEMA MODERNO
nº 1 / 2016
CADERNOS DO
CINECLUBE
COMUM
CADERNOS DO
CINECLUBE
COMUM

1
POLÍTICAS DO
CINEMA MODERNO
Editorial

O sensível excede as palavras e a palavra excede


a experiência sensível. Se o dito e o visto se
excedem mutuamente, é que existe entre eles
uma relação de incomensurabilidade que funda o
livre jogo de suas misturas sem adequação.
Marie-José Mondzain

Belo Horizonte, fins de 2012. O Cineclube Comum surgia


de algumas inquietações: como experimentar o cinema
como um lugar de partilha, em que o ver juntos, o pensar
entre muitos e o viver na cidade pudessem coabitar um
espaço-tempo e proliferar sem destino certo? Como
conjugar a experiência singular das imagens-movimento
à aventura do pensamento comum e aos possíveis da
vida em comunidade?
Para continuar a inquietude e transformá-la em
práxis, nascia um gesto: numa noite qualquer de um dia
de semana, ver um filme, ouvir uma palavra crítica, e
conversar livremente na sala ou na rua. Inicialmente,
as sessões públicas seguidas de debate aconteciam no
quintal da Associação Imagem Comunitária, instituição
parceira no primeiro momento. Em meados de 2013, o
projeto passava a ocupar a Sala José Tavares de Barros
do SESC Palladium, onde realizaríamos quatro mostras
– Políticas do Cinema Moderno (2013), Políticas do Cinema
Contemporâneo (2014), Sabotadores da Indústria (2014) propõem a publicação das três primeiras coletâneas
e Sabotadores da Indústria II: A Missão (2015) –, com 29 de ensaios em torno dos filmes vistos, escritos pelos
sessões marcadas pela colaboração entre programadores, pesquisadores responsáveis por comentá-los à época e,
produtores, comentadores e espectadores. em alguns casos, por outros convidados. Irrigados pela
Num tempo em que a multiplicação das telas e a experiência das sessões, os textos foram produzidos em
superinflação das imagens atingiam em cheio a expe- diálogo com o recorte curatorial de cada mostra e fazem
riência individual e as oportunidades de ver cinema de proliferar o conhecimento comum, sempre a partir do
forma coletiva e gratuita escasseavam, apostar num olhar de cada ensaísta.
cineclube era devolver os filmes à vivência múltipla, ao O desejo é de que os cadernos possam constituir, ao
cotidiano e ao centro da cidade, ao ingresso possível mesmo tempo, uma memória da iniciativa, um repositório
de qualquer um. Era também acompanhar o cinema de de pensamento singular sobre as obras e uma inspiração
intervenções críticas que prolongavam a sessão e provo- para futuros projetos. A distribuição dos volumes é
cavam o debate entre os espectadores, no qual havia a inteiramente gratuita e os cadernos serão oferecidos
chance de que uma palavra singular pudesse surgir para a bibliotecas públicas, universidades, escolas e outros
instaurar o dissenso. Tratava-se de enfrentar, ao mesmo grupos e instituições. Esperamos que a experiência da
tempo, o enclausuramento da experiência do cinema nos leitura seja tão múltipla e inspiradora quanto foram os
dispositivos de visionamento privado e a sua captura pela encontros do cineclube ao longo dos últimos anos.
máquina capitalista ou pela burocracia estatal.
Com Marie-José Mondzain, buscávamos “propor Mariana Souto e Victor Guimarães
a frágil aparência do visível como lugar fundador das Programadores do Cineclube Comum
práticas responsáveis do sentido”. Com Hannah Arendt,
partilhávamos da crença de que “sempre que os homens
se juntam, move-se o mundo entre eles, e nesse interes-
paço ocorrem e fazem-se todos os assuntos humanos”.
Reconhecíamos a potência inscrita nas imagens de
instaurar uma centelha de crise e a necessidade de
acompanhar a experiência do cinema de um exercício
do pensamento livre e do debate comum.
Agora, em 2016, os Cadernos do Cineclube Comum,
com o patrocínio do Edital Filme em Minas (7ª Edição),
inspiram-se no lastro das sessões e das conversas e
13 APRESENTAÇÃO
Políticas do Cinema Moderno: tempestade e ebulição
Victor Guimarães
17 FILMES
31 ENSAIOS

33 As contradições necessárias
Não reconciliados ou onde reina a violência, só a violência
pode ajudar, de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet
João Dumans
45 Territórios em conflito, corpos
Salmo vermelho, de Miklós Jancsó
João Toledo
53 A réplica final
O enforcamento, de Nagisa Oshima
José Luiz Soares Júnior
61 Sem uma câmara, com os corpos
Ice, de Robert Kramer
Raquel Schefer
71 Destruir, dizem elas
As Margaridas, de Vera Chytilová
Carla Maia
81 Rito de deformação
O ato final, de Jerzy Skolimowski
Affonso Uchôa

89 SOBRE OS AUTORES
93 CRÉDITOS
Políticas do Cinema Moderno:
tempestade e ebulição
Victor Guimarães

Os filmes dos cineastas principiantes, de Iosseliani


a Bertolucci, de Bellocchio a Jancsó, de Oshima a
Glauber Rocha, de Gilles Groulx a Pierre Perrault, seus
filmes nos chegavam de todos os lados. Em todo lugar,
nasciam os cineastas. Os monopólios de Hollywood e
da Cinecittà, os estúdios de Boulogne ou de Babelsberg
eram contornados. Os impérios se fragmentavam.
O espantoso, nós nos dizíamos, era que isso acontecia
em todo lugar no mesmo momento ou quase, no 13
mesmo período histórico, 1965-1970, e que tudo isso
era contemporâneo das revoltas políticas que, do Japão
a Berkeley, da Sorbonne à Fiat, empurraram o mundo.
Jean-Louis Comolli e Jean Narboni

Entre a segunda metade dos anos 1960 e o início da


década seguinte, a história do cinema testemunhou uma
conjunção rara. No compasso da efervescência de trans-
formações sociais profundas e do ardor dos movimentos
de resistência daquele período – da Primavera de Praga
ao Flower Power, dos Panteras Negras aos grevistas de
Maio de 68 –, emergiam de todos os cantos do planeta
jovens cineastas independentes que aliavam, já em suas
obras iniciais, reflexão política densa e vigorosa experi-
mentação formal. Contrariando uma concepção restrita
da “arte engajada”, comprometida com a veiculação de daquela questão política nas obras, mas em reivindicar
mensagens através de uma narrativa transparente e eficaz, para cada filme uma maneira ímpar de intervir estética e
artistas como o estadunidense Robert Kramer, o casal politicamente sobre os espaços, os tempos, as sensibili-
francês Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, o polonês dades e as formas de partilha do mundo comum. Já o s em
Jerzy Skolimowski, a tcheca Věra Chytilová, o húngaro políticas aponta simultaneamente para a singularidade de
Miklós Jancsó e o japonês Nagisa Ōshima realizaram cada gesto e para a pluralidade do conjunto, internamente
obras ao mesmo tempo contestadoras e belas, críticas muito heterogêneo: os filmes selecionados vão do docu-
e experimentais. Diante de um mundo tormentoso e em mentário militante à comédia de humor negro, do drama
chamas, esses filmes faziam queimar cada imagem, faziam histórico ao delírio iconoclasta – sempre fazendo variar a
vibrar a torrente de cada som. convivência entre ousadia formal e engajamento político.
Ao longo do século XX, aqueles jovens se tornariam Os ensaios que aqui apresentamos se contaminam
artífices de trajetórias extensas e profícuas – que, em por esse duplo gesto: há, em todos, uma preocupação em
alguns casos, chegariam até a contemporaneidade –, oferecer ao leitor uma visada sobre as transformações
mas era importante retornar àquele momento preciso históricas nas quais os filmes estão imersos, mas esse
em que as apostas eram altas, os riscos enormes e o movimento é inseparável de uma atenção detida às inven-
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futuro um imenso desconhecido. A mostra Políticas do ções formais e políticas de cada obra (que se comunicam,
Cinema Moderno, realizada no SESC Palladium entre por sua vez, com a trajetória de cada cineasta). De forma
outubro e novembro de 2013 e documentada por este coerente com a curadoria e com os próprios realizadores,
primeiro volume dos Cadernos do Cineclube Comum, esse jogo entre o dentro e o fora não se dá por reflexo
buscou trazer novamente ao presente algumas dessas ou por determinações de qualquer ordem, mas busca
obras cruciais – embora ainda pouco conhecidas – desse experimentar de perto a potência de pensamento e de
momento tempestuoso e exuberante, uma época em que, in(ter)venção presente em cada filme.
como escreveram Narboni e Comolli, “a política não era
Assim, cada autora ou autor reconhecerá nos filmes
inimiga da beleza”.
gestos singulares de encenação e de montagem, maneiras
Duas letras são fundamentais nos vocábulos que de conjugar imagem e som que se traduzem em formas
compõem o título da mostra. Escolher um d em vez de políticas inventivas e radicais, que não se submetem nem
um n em do significa atribuir às imagens-movimento uma ao contexto, nem ao compromisso ideológico, nem mesmo
potência política própria, não subordinada à temática à constância autoral. Essas formas podem se materializar
presente nos filmes: o esforço curatorial não consistia no jogo das contradições de Não reconciliados ou Onde
em ir ao repertório e procurar pelo tratamento desta ou reina a violência, só a violência pode ajudar, na exuberância
coreográfica de Salmo vermelho, na teatralidade múltipla de
O enforcamento, na reflexividade crítica de Ice, na energia
destrutiva de As margaridas ou nas deformações rituais
de O ato final.
A essas formas múltiplas, respondem os textos que
se seguem, marcados pela singularidade de cada escrita:
a sobriedade elegante de João Dumans, a dicção apai-
xonada de João Toledo, a erudição inventiva de José Luiz
Soares Júnior, a precisão investigativa de Raquel Schefer, a
densidade poética de Carla Maia, o estilo direto e cortante
de Affonso Uchôa. Ainda que movidos por preocupações
comuns, os textos expressam o resultado do esforço crítico
individual e do exercício de liberdade do pensamento
presente em cada contribuição.
O processo de edição, realizado em parceria com
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o esmero, a astúcia e a calidez inestimáveis de Maria FILMES
Carolina Fenati, buscou instigar autores e autoras a
questionar suas escolhas e a aperfeiçoar suas invenções
analíticas – que eram, via de regra e já à partida, entu-
siasmantes – e, ao mesmo tempo, preservar a autonomia
intelectual e estilística de cada ensaísta, responsável
pela palavra final diante de cada texto. Chegada a hora
de oferecer este primeiro caderno aos nossos leitores
possíveis, só nos resta desejar que o ardor e a beleza
destes filmes e destes textos contaminem a experiência da
leitura, e que esta seja capaz de provocar outros debates,
outras crises, na expectativa do dissenso e não da (re)
conciliação. Onde reinam as imagens consumíveis e as
palavras gastas, só a incandescência das imagens e a
ebulição da palavra podem ajudar.
Não reconciliados ou onde reina a violência,
só a violência pode ajudar
Nicht versöhnt oder Es hilft nur Gewalt, wo Gewalt herrscht

Jean-Marie Straub e Danièle Huillet


Alemanha | 1965 | p&b | 55’

Na definição de Straub, “uma pura reflexão cinematográfica,


moral e política, sobre os últimos cinquenta anos da vida alemã”. 19
Baseado no romance Bilhar às nove e meia (1959), de Heinrich
Böll, o filme trata da história de uma família de classe média
entre 1910 e o Pós-guerra, passando pela ascensão do nazismo.
A construção de uma visada crítica sobre o passado acontece
junto a uma desconstrução do modelo narrativo hegemônico,
que resulta em uma estrutura elíptica fascinante e desafiado-
ra. Só um ato de violência cinematográfica pode responder à
violência da história.
Salmo vermelho
Még kér a nép

Miklós Jancsó
Hungria | 1972 | cor | 87’

20 Nos estertores do século XIX, trabalhadores de uma pequena 21


comuna húngara entram em greve. Frente às contradições da
história, o estilo inconfundível de Jancsó (baseado em longos
e expressivos planos-sequência) atinge seu mais alto grau de
apuro. As ideias de Engels inspiram uma luta que se materializa
nos corpos e se incandesce na música.
O enforcamento
Kōshikē

Nagisa Ōshima
Japão | 1968 | p&b | 117’

Inspirado em uma história que estampou as manchetes da épo-


ca, o filme narra a trajetória de um jovem de origem coreana
22 23
que, condenado à morte por estupro e assassinato, sobrevive
ao enforcamento. Essa estranha situação vai se tornando mais
e mais absurda, transformando-se em uma inventiva comédia
de humor negro. Explorando o insólito de uma situação em
que sonho e realidade se contaminam, surge um experimento
dramático poderoso, que constitui, ao mesmo tempo, uma sátira
política sobre a pena de morte e sobre o Japão dos anos 1960.
Ice

Robert Kramer
Estados Unidos | 1969 | p&b | 132’

Num futuro próximo, um grupo de jovens ativistas, militantes do


Comitê Nacional de Organizações Revolucionárias, prepara-se
24 25
para sair da clandestinidade e incorporar ações de guerrilha.
Enquanto isso, no México, a Frente de Libertação combate os
Estados Unidos da América. Trabalhando na fronteira entre o
documentário e a ficção, o filme é tanto uma incitação à luta
em uma Nova York em combustão política quanto uma reflexão
vigorosa sobre as táticas do cinema militante.
As margaridas
Sedmikrásky

Věra Chytilová
República Tcheca | 1966 | cor | 74’

Duas jovens, Maria I e Maria II, rebelam-se contra o conserva-


26 dorismo e a aristocracia através de uma série de transgressões, 27
performances e atos de desobediência. A encenação lúdica e
jocosa, as cores vibrantes e a montagem fragmentária e imagi-
nativa dão o tom de uma das obras mais peculiares da década.
O filme participa do movimento que ficou conhecido como
Nouvelle Vague Tcheca, mas seu caráter intensamente anárquico
e singular o posiciona em um lugar único na história do cinema.
O ato final
Deep End

Jerzy Skolimowski
Inglaterra | 1970 | cor | 90’

Um jovem de quinze anos de idade consegue emprego em uma


28 sauna, onde se torna obcecado por uma colega de trabalho. 29
Apesar de ela ser comprometida, o rapaz faz o possível para
sabotar seu relacionamento, a ponto de persegui-la, tornando-se
cada vez mais desesperado pela mulher. Filmando pela primeira
vez na Inglaterra e tendo Jane Asher no papel principal, o polonês
Skolimowski nos apresenta uma narrativa entre a comédia e o
drama, entre o delírio e a psicose, que constitui uma mirada
peculiar sobre as transformações políticas do fim dos anos 1960.
ENSAIOS
As contradições necessárias
Não reconciliados ou onde reina a violência, só a violência
pode ajudar, de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet
João Dumans

O ensaísta italiano Roberto Calasso escreveu sobre Bertold


Brecht: “Nada é mais precioso, em Brecht, que suas contra-
dições evidentes.” O mesmo poderia ser dito dos cineastas
franceses Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. Do início
dos anos 1960 até hoje, muito se escreveu na tentativa de 33
esclarecer a natureza dos seus filmes, e especialmente, de
justificá-los à luz dos discursos e das obsessões dos cine-
astas, em particular de Straub, que quase sempre atuou
como porta-voz do casal. E, no entanto, as contradições
dessa obra continuam tão vivas hoje quanto há cinquenta
anos. Como explicar, por exemplo, que uma obra seja tão
hermética e ao mesmo tempo reivindique para si uma
ambição pedagógica e política? Como explicar que seus
filmes tenham flertado tantas vezes com a cultura erudita
e que, como Brecht, sejam tão avessos à ideia de arte como
uma atividade nobre ou superior? Como é possível que
essa dupla de cineastas, capazes de capturar o mundo
material de uma maneira tão franca, objetiva e direta,
estejam entre os artistas mais formalistas da história do
cinema? É possível lidar com essas perguntas de diferentes
maneiras, mas são justamente essas contradições que medida em que o filme destrói completamente a estru-
tornam o cinema de Straub e Huillet tão original. tura narrativa do romance de Böll e age deliberadamente
Não reconciliados ou onde reina a violência, só a violência contra a própria compreensão da estória. Goste-se ou
pode ajudar (1964/1965) é o segundo filme realizado não, a sensação mais provável de qualquer um que o
por Straub e Huillet, e foi inspirado, como seu primeiro veja pela primeira vez é de desorientação absoluta. Mas
curta, Machorka-Muff (1962), na obra do escritor alemão essa aparente falta de lógica, como veremos, também
Heinrich Böll – no caso de Não reconciliados, no romance tem sua razão de ser.
Bilhar às nove e meia (1959). A dificuldade de explicar a Tomando em conjunto a obra de Straub e Huillet,
natureza desse filme, e de todos os outros que realizaram Não reconciliados pode ser situado de diferentes maneiras.
desde então, se relaciona em grande parte com o fato de Do ponto de vista do estilo, pertence à mesma família de
que os roteiros de Straub e Huillet não são nunca “escritos” trabalhos como Marchorka-Muff (1962), En rachâchant
por eles mesmos, mas consistem em romances, peças (1982), Relações de classe (1984) e Gente da Sicília (1998).
teatrais, artigos e documentos apropriados de outros Todos esses últimos foram filmados em preto e branco
autores e relidos pelos filmes, sempre em chave política, e são ambientados na época moderna. Além disso, são
34 mas jamais de maneira direta e literal. Para citar nova- os que mais se aproximam de adaptações literárias no 35
mente Calasso, referindo-se a Brecht, Straub e Huillet sentido estrito, e são também aqueles em que as rela-
têm como princípio básico de seu cinema uma recusa à ções de troca com outros textos e espaços (algo muito
“expressão direta”. Seu método, como o do dramaturgo comum no trabalho de Straub e Huillet) estão menos em
alemão, se situa em algum lugar entre a citação, a adap- evidência (no caso de Não reconciliados, a única relação
tação e a apropriação. Daí, certamente, a contradição com outra obra literária é a do próprio subtítulo, que toma
fundadora do seu cinema: como se explica que esses dois de empréstimo a frase de Santa Joana dos Matadouros, de
diretores sejam tão respeitosos e fiéis à letra escrita dos Brecht). Já do ponto de vista do tema, Não reconciliados
textos que adaptam e ao mesmo tempo sejam capazes de se aproxima enormemente de filmes como Fortini/Cani
manobras tão violentas e radicais na lida com a forma e o (1976), Da nuvem à resistência (1978) e Cedo demais/
sentido desses mesmos textos, levando-os muitas vezes Tarde Demais (1980/1981). Straub mesmo irá se referir
a expressarem significados que nem sequer tinham sido a Da nuvem à resistência como o seu “Não reconciliados
previstos por seus autores originais? Pode-se dizer que em italiano”. Essa proximidade, pouco evidente na forma dos
Não reconciliados, mais até do que uma recusa da expressão filmes, tem a ver com o modo como cada um deles propõe
direta, o trabalho de releitura de Straub e Huillet envolve uma leitura política da história, entendida como um hori-
uma espécie de recusa da própria ideia de expressão, na zonte aberto, na qual o presente insiste em perpetuar as
formas de violência supostamente vencidas ou superadas O livro alterna entre o presente da narrativa e as
pelo passado. evocações do passado feitas pelo pai e pelo filho, que se
No caso de Não reconciliados, essa forma é o nazismo. revelam incapazes de romper com o legado de violência e
Numa entrevista a Michel Delahaye, em 1966, Straub de destruição causado pelo nazismo, com o qual colabo-
diria que o romance de Böll teria servido como um ponto raram. A vida dos dois é marcada pela imobilidade e pela
de partida para fazer um filme sobre o nazismo sem que resignação, já que não conseguem se livrar da culpa e dos
fosse necessário falar dos campos de concentração, de erros cometidos no passado. A sobrevivência do fascismo
Hitler ou de coisas do gênero, e para mostrar, consequen- também se faz presente no romance de maneira mais
temente, que o nazismo existia bem antes de 1933, e que direta, travestindo-se segundo as conveniências da época:
continuaria ainda a existir no presente. O caminho que os Nettlinger, companheiro de escola de Robert e Schrella
cineastas elegem para expressar tal ideia, no entanto, é o e integrante da polícia fascista, converte-se, depois da
da fragmentação radical do romance, a ponto de torná-lo guerra, num “democrata”. Vacano, outro colaborador do
quase incompreensível. regime nazista, torna-se chefe de polícia.
Eis, de maneira resumida, as linhas gerais da estória Com a volta de Schrella do exílio na Holanda, todos
36 da qual Straub e Huillet extraem seus diálogos e suas esses personagens encontram-se reunidos no dia 6 de 37
cenas. Cobrindo um arco temporal de quase meio século setembro em torno do Prinz Heinrich Hotel: Robert, como de
(1910–1958), o romance de Böll trata da história de três costume, joga bilhar entre 9h30 e 11h, enquanto conversa
gerações de uma família de arquitetos alemães cujos com o funcionário do hotel, o jovem Hugo, e aguarda
destinos estiveram ligados de diferentes maneiras às a chegada do amigo Schrella. Na mesma hora em que
duas guerras mundiais e à ascensão do nazismo a partir Heinrich Fähmel celebra seu aniversário, Nettlinger e
dos anos 1930. Todos os acontecimentos da narrativa Vacano participam de uma marcha pública nacionalista
se desenrolam no espaço de um dia, 6 de setembro de em apoio aos veteranos de guerra na frente do hotel. A
1958, quando o patriarca da família, Heinrich Fähmel, única personagem capaz de romper com a imobilidade que
responsável pela construção da Abadia de Santo Antônio, domina os protagonistas da estória é Johanna Fähmel, mãe
comemora os seus oitenta anos de vida. Seu filho, Robert de Robert e mulher de Heinrich, que havia sido internada
Fähmel, envolvido em atividades antinazistas nos anos num sanatório durante a guerra. No dia da comemoração
1930 ao lado do amigo Schrella, torna-se um especialista do aniversário do marido, Johanna deixa o sanatório, rouba
em demolição para o exército alemão durante a Segunda a arma do jardineiro e atira contra um ministro nacionalista
Guerra, destruindo a catedral projetada pelo pai. que buscava o apoio político dos veteranos de guerra da
sacada do hotel.
Enquanto no livro de Böll as trajetórias individuais dos Huillet, em que a câmera avança e depois recua apenas
personagens são apresentadas com alguma clareza, e os alguns metros para reconfigurar todo o jogo de forças
diferentes mergulhos temporais anunciados com relativa do quadro, essa cena se projeta como o centro magné-
objetividade, no filme de Straub e Huillet a estrutura do tico do filme. “O que exatamente você quer fazer com
romance sofre uma violenta desconstrução. Por meio isso?” – pergunta Henrich Fähmel, enquanto Johanna tira
de uma série de elipses, lacunas e saltos temporais, os o revólver da bolsa. Ela escolhe então o seu alvo: primeiro,
cineastas incorporam na própria estrutura narrativa de pensa em atirar em Vacano, o ex-colaborador do regime
Não reconciliados aquilo que no livro de Böll se expressava nazista, que desfila num carro alegórico na manifestação.
apenas no nível do drama, ou seja, o caráter cíclico e Em seguida, cogita atirar em Nettlinger, o integrante da
contínuo do nazismo, simbolizado tanto pela incapaci- polícia fascista que se converteu em democrata. Até
dade dos personagens de acertarem as contas com o que finalmente, seguindo a sugestão do marido, escolhe
passado quanto pela presença das figuras que haviam um político jovem e respeitável, o herdeiro do legado
dado sustentação ao regime fascista nos anos 1930 e de Nettlinger e Vacano: “O futuro assassino dos seus
1940. Através da fragmentação da estrutura do filme, netos” – comenta Heinrich.
38 Straub e Huillet confundem deliberadamente o passado Como já foi observado algumas vezes, a hesitação de 39
e o presente da narrativa. Desse modo, forçam o “evento” Johanna desenha um arco entre o passado e o presente,
nazista para fora de seu isolamento histórico, e mostram revelando a continuidade entre os valores que deram
como as manifestações políticas do totalitarismo, suposta- sustentação ao nazismo e aqueles que inspiram os novos
mente superadas, são capazes de infiltrar-se nos regimes regimes democráticos. É justamente em razão de sua
democráticos na forma de repetições e remascaramentos esquizofrenia que ela consegue entender aquilo que
aceitáveis. nenhum outro personagem é capaz de enxergar: para
É por isso que, na economia dramática algo confusa e Johanna, o passado e o presente são uma única e mesma
labiríntica do filme, o gesto de Johanna ganha um destaque coisa; ela é a única que possui, como diria o próprio Straub,
enorme. O momento mais simbólico dessa identidade “a consciência absoluta que o passado contém o nazismo
entre o passado e o presente da Alemanha é justamente e que o passado e o presente se confundem”.1
aquele em que ela se pergunta, do alto da sacada do hotel, Podemos entender assim, finalmente, as razões que
em qual dos políticos da manifestação deveria atirar. O fazem de Não reconciliados um filme tão especial do ponto
diálogo entre ela e o marido, Heinrich Fähmel, é irônico e de vista da linguagem. Atentemos em primeiro lugar para
sutil, uma maravilhosa lição de understatement. Sublinhada
por uma composição não menos brilhante de Straub e 1. STRAUB, Jean-Marie. “Présentation de Non réconciliés à la RAI”,
p. 48. [tradução nossa]
os diálogos. Mesmo sem entender a língua alemã, somos podia ser compreendido retrospectivamente, como numa
surpreendidos pela rapidez com que as frases são ditas, e sessão de análise em que se reflete sobre um sonho já
pelo modo súbito como começam e param, de modo que os terminado. Qualquer que seja a imagem que se use para
espaços entre o fim de um texto e o início de outro abrem expressar a arquitetura interna de Não reconciliados, ou a
verdadeiros fossos na continuidade da narrativa. Outras beleza austera de seus enquadramentos, somos forçados
vezes, o texto parece simplesmente deslizar por cima da a reconhecer que poucas vezes na história do cinema um
imagem, como se não tivesse absolutamente nenhuma filme sabotou de maneira tão frontal o universo ficcional
relação com ela ou com os personagens que o dizem (o e suas expectativas, estando tão próximo dele em termos
que se torna ainda mais curioso quando lembramos de de “aparência” – o uso de atores, a cenografia, o roteiro
que Straub e Huillet têm uma verdadeira devoção pelo adaptado, etc. E a maior responsável por isso é sem dúvida
som direto). Aqui e em outros filmes, Straub e Huillet se nenhuma sua montagem (já antevista, nesse caso, desde
valem dessas modulações da fala como uma forma de o roteiro): ela age interrompendo as cenas, mutilando a
ressaltar seu caráter tátil, material, e ao mesmo tempo de coerência das ações e das relações entre os personagens,
demonstrar o seu potencial – como elemento autônomo, eliminando contextualizações essenciais à compreensão
40 não subordinado – de presentificar certas sensações e da história e, finalmente, destruindo completamente o 41
significados. Retiram assim o peso do conteúdo das pala- sentido de orientação espacial e temporal do espectador.
vras para ressaltar a sua natureza essencialmente rítmica Compreende-se assim que, para Straub e Huillet, adaptar
e melódica. Daí que o texto nos atinja muito mais pelo um romance, uma biografia ou uma peça teatral não tem
que é – ou pela sua forma de aparecer, de existir – do que nada a ver com “traduzir” a história para um novo meio,
pelo que ele representa. mas sim sublinhar certas intensidades dos textos – sobre-
O mesmo vale para o modo como a montagem arti- tudo as de maior força política – relacionando-as com a
cula as diferentes cenas ou blocos de imagens. Na famosa realidade material dos atores, das palavras e do espaço.
mesa redonda realizada pelos Cahiers du Cinéma em 1969, Daí o interesse dos cineastas por um pintor como Cézanne,
dedicada às inovações da montagem moderna, Narboni que organiza suas formas muito mais em função de certas
falava do filme como uma espécie de “suspense sem sensações significantes – ou “sensações materiais” – do
finalidade”, ou como um “suspense da forma”, que agia que propriamente por um desejo de representação ou
sobre o espectador por meio de um batimento puramente reconstituição naturalista da realidade.
rítmico, de uma pulsação. Rivette, por sua vez, ressaltava Dito isso, a dificuldade que o cinema de Straub
seu caráter onírico, e via na sua forma extremamente e Huillet nos coloca é evidente. Como conciliar essas
lacunar um “drama do inconsciente”, cujo significado só duas dimensões: de um lado, a linguagem – palavra ou
imagem – que quer se afirmar enquanto algo material, e que querem fazê-la se passar por outra coisa, melhor e
que flerta com o formalismo e a abstração; de outro, o mais fácil de ser entendida, de ser assimilada.
sentido, ou seja, o conteúdo que um filme deve transmitir,
sua “moral” política, por assim dizer? Ou então: como
dizer que nesse cinema o conteúdo do texto não tem Referências
importância nenhuma, que o que importa é apenas a
“materialidade” das coisas, como ouvimos com frequência, CALASSO, Roberto. “Brecht, o censor”. In: Os 49 degraus.
e no minuto seguinte afirmar uma lição histórica e política Tradução Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras,
que só pode ser transmitida se esse mesmo texto for bem 1997.
compreendido? Trata-se de uma contradição, sem dúvida,
DELAHAYE, Michel. “Entretien avec J.-M. Straub”. Cahiers
e fundamental. Ao repropô-la a cada novo filme, ao longo
du Cinéma, nº 180, 1966.
dos seus mais de cinquenta anos de trabalho, Straub e
Huillet talvez tenham feito da necessidade de ligar essas STRAUB, Jean-Marie. “Présentation de Non réconciliés à
duas coisas o problema mais importante de todo o seu la RAI”. In: STRAUB, Jean-Marie; HUILLET, Danièle. Écrits.
42 cinema. Em primeiro lugar, desconstruir as representações Paris: Independencia éditions, 2012. 43
para revelar seus elementos constituintes, seu caráter
arbitrário e circunstancial, tornando esses elementos ao RIVETTE, Jacques; NARBONI, Jean; PIERRE, Sylvie.
mesmo tempo disponíveis à nossa sensibilidade; junto “Montage”. Cahiers du Cinéma, nº 210, 1969.
com isso, fazer aparecer o discurso, as ideias, as palavras
justas, ali mesmo onde é constatada essa impotência da
representação, essa falácia da linguagem. Trabalhando no
limiar mesmo dessa contradição, procurando encontrar o
ponto que liga o que sentimos e o que deveríamos entender,
eles chamam nossa atenção para a necessidade de nos
aproximarmos o tempo todo da realidade concreta das
coisas, para a necessidade de vermos e ouvirmos melhor,
como único modo de sermos verdadeiramente políticos.
É antes de mais nada um alerta contra a sedução dos
discursos que fantasiam cotidianamente essa realidade,
Territórios em conflito, corpos
Salmo vermelho, de Miklós Jancsó
João Toledo

Historicamente a Hungria foi repetidas vezes dominada


por conflitos geopolíticos, ideológicos, identitários. Essa
característica deixou marcas em sua cinematografia
claudicante, que de tempos em tempos precisou se
reinventar a partir das ruínas de suas contendas. Não
obstante, esse terreno de batalhas semeou e cultivou 45
alguns dos cineastas mais impressionantes do último
século, sendo Miklós Jancsó um dos mais proeminentes.
Ele prosperou em um período de razoável investimento
na produção cinematográfica, quando o país estava sob
domínio soviético. A partir do final da década de 1950,
a produção nacional adquiriu vigor e viu um cenário de
poucas restrições diante de uma censura abrandada
(sobretudo se comparamos com outros países do
bloco socialista).
Apesar de nunca ter exercido o ofício, a formação
em Direito de Jancsó parece ter influenciado sua obra, em
boa parte centrada na luta contra todo tipo de opressão
e tirania. Também o princípio de sua carreira como docu-
mentarista reafirma o interesse do cineasta pelas questões
históricas e ideológicas da formação do país, vistas através
das figuras quase sempre anônimas do proletariado. nós estamos no centro de tudo, cercados por conflitos
Depois do reconhecimento mundial e da fortuna crítica enquanto os lados que se opõem buscam formas de se
adquirida com o lançamento de Os sem-esperança (1965), fazerem ouvir, seja por meio de argumentos, seja por
Jancsó iniciou um mergulho cada vez mais ousado no meio de força.
campo investigativo de uma identidade estético-política, O terreno do filme é uma das principais marcas do
desvencilhada de pressupostos dramatúrgicos clássicos e cinema de Jancsó. A estepe húngara, ou “puszta”, além
de amarras do naturalismo, ao mesmo tempo mantendo- de remeter ao imaginário do país, serve perfeitamente aos
se fortemente colado a uma perspectiva histórica. interesses da encenação política do diretor. Nessa vasta
Salmo vermelho se passa no final do século XIX, em planície gramada, não há limitações ao olhar da câmera,
meio a uma revolta de camponeses que lutam por direitos e podemos assistir à majestosa articulação dos corpos
essenciais enquanto são assolados pelo violento e intole- como se estivéssemos no meio de uma grande ópera.
rante poder burguês, militar e religioso. Enquanto a força Trata-se de um terreno político destituído de barreiras,
coercitiva dos poderes cerca o grupo de camponeses, separações, desníveis. Nesse terreno, onde tudo transcorre
eles encontram força em coros e danças que afirmam e tudo se vê, o filme opera planos-sequência majestosos
46 o caráter revolucionário da resistência do proletariado. e extremamente elaborados. Neles está contida uma 47
Logo no primeiro plano do filme, fica evidente que a noção noção de desenlace da trama, mas os planos nunca se
convencional de protagonismo se dilui em uma dança limitam a encaminhar causas e consequências narrativas.
da câmera, que vaga por rostos anônimos e comparte o Afinal, as manifestações de uma poética revolucionária
conteúdo dos discursos por todas as vozes que gritam, do proletariado são muito mais importantes que qualquer
cantam e por todos os corpos que se insinuam por entre decisão que carregue adiante o enredo.
as armas e os cavalos. A noção de coletivo se sobrepõe Quando se fala dos filmes de Jancsó, muito se diz de
à noção de personagens. Ninguém é o centro. Ao mesmo uma tendência ao simbolismo e à alegoria. No entanto,
tempo fica claro que, tanto para os camponeses quanto em seus filmes, essa dimensão nunca se sobrepõe às
para o poder instituído, a força emerge do agrupamento. ações, tais elementos parecem fortemente encrustados na
Em Salmo vermelho a câmera dança – ela vaga por experiência física do filme. Nada se move para dar sentido
todos os lados e encontra um cenário que nunca cessa de a uma alegoria; a alegoria emerge de uma experiência
se rearticular. Há uma coreografia sinuosa, marcada pelo concreta. Os longos planos, a beleza plástica encontrada
lirismo das danças e canções, pela violência dos cavalos na coreografia dos corpos, da matéria humana e suas
que circulam por toda parte, pelos olhares trocados articulações no espaço e no tempo, eis o centro nervoso
denunciando a tensão e a iminência de uma erupção. E do filme. Se esses elementos se organizam em símbolos,
estes não aparecem como setas que apontam para fora exuberância das manifestações musicais dos camponeses.
da experiência fílmica, substituindo algo que não está ali. Nesse enorme campo aberto, são todos transformados em
Os símbolos apontam para dentro do próprio evento – eles peças de um xadrez fatal, dentro de um musical trágico.
podem ser retorcidos e desvirtuados, ressignificados a Hinos de afirmação política sem concessão são contra-
partir do posicionamento na cena. Os símbolos viabilizam postos aos sons de marcha dos soldados. É um campo de
a dessacralização dos valores instituídos, se tornam ferra- conflito sem espaço para negociações na movimentação
mentas nas mãos dos camponeses e ajudam a compor das peças, mas apenas para a constante reafirmação da
seu arsenal político libertário. incorruptível natureza de seus valores. Nesse tabuleiro
Se em algum momento a comparação entre um estético-político o jogo é desigual – como sempre em situ-
cineasta e um maestro fez pleno sentido, estamos diante ações dessa ordem. De um lado, todos peões, carregando
de seu melhor exemplo. Jancsó opera um musical extre- o mesmo peso, a mesma força, se sacrificando em nome
mamente sofisticado com centenas de elementos em de todos. De outro, bispos, cavalos, soldados e nobres
cena – e ao mesmo tempo trata-se de uma operação dominam as operações de movimentação. Não parece
estética de concentração. Alternando com os planos haver solução possível.
48 de conjunto, o quadro em 4x3 muitas vezes coloca o Mas, enquanto há tempo, há dança. Porque não se 49
rosto, suas expressões e seu discurso, ocupando toda trata de uma crença de que o gesto político remediará
a dimensão da tela, acentuando que a potência política de imediato os conflitos de classe, de que será capaz de
de um grupo está na gestão desse corpo coletivo. Hoje trazer uma mudança efetiva na condição deles, mas de
em dia a história dos vencidos é via de regra fetiche do acreditar que suas vozes seguirão ressoando firmes pelo
cinema comercial – sua memória é explorada em seu espaço aberto, ecoando por gerações. O bispo anuncia
potencial dramático e descartada ao ocaso. Jancsó, em que estes infiéis irão ter com a ira de Deus. A resposta é
seu constante gesto de revisão histórica, restitui a digni- a ira dos homens. O bispo é encurralado e a igreja arde
dade do povo silenciado pela opressão: os derrotados em chamas. As labaredas se estendem pela noite, ilumi-
ganham voz e cantam seus ideais sem esmorecer diante nando a ciranda socialista. A subversão da prece cristã
da ameaça do poder. é essencial, pois toda a reza é reconfigurada para uma
Uma obra como Salmo vermelho jamais teria sua moral que valorize o sofrimento e a fome do trabalhador
potência política se oferecesse um simulacro do real. diante da tirania dos poderosos. A reza também anuncia
Liberto das amarras do realismo, Jancsó transforma o iminente fim. Afinal, eles, todos marcados de vermelho,
tudo em uma funesta dança do poder. A imponência já estão mortos de antemão. São fantasmas presentifi-
do poder militar e religioso só encontra equivalência na cados, assombrando seus algozes. A morte, afinal, é uma
travessia política nesse jogo. A marca do sangue vira de vermelho todo o regime autoritário é derrubado por
símbolo de luta. O ferimento é uma flor, um distintivo a uma única arma e uma última canção. Em Jancsó, a política
ornar o corpo orgulhoso, materialização da resistência – só se faz através da beleza.
mesmo depois da morte.
Os homens e mulheres trabalhadores estão sempre
de braços dados, mas não são uma massa uniforme
como o pelotão. Eles emprestam força uns aos outros,
mas sempre em gestos muito particulares. Há também
discórdia entre eles. São semelhantes, mas não se trata
de um coro uníssono. A percepção da singularidade deles
como indivíduos é colocada em cena. Quando um dos
homens tenta impedir que um ato violento seja cometido
contra o padre, os colegas camponeses questionam sua
lealdade. Ele responde dizendo que não se deve ofender
50 alguém antes de ouvir o que essa pessoa tem a dizer, pois 51
um homem socialista deve estar aberto a todas as ideias,
disposto a discuti-las. Quando o grupo rejeita a noção de
discutir com o padre, ele se retira. Parece haver sempre
ambiguidade no sacrifício. Mas acima de tudo há respeito
mútuo e um sentido verdadeiro de igualdade.
As tensões se acirram. Inicia-se o cortejo fúnebre.
O trem da morte chega, com soldados aos milhares. O
tabuleiro trágico nunca esteve tão evidente. São centenas
de soldados cercando os revoltosos. A música atrai os
soldados para uma última celebração do indelével ânimo
dos camponeses. Todos dançam juntos, até que uma
única ordem devolve os soldados à formação do cerco
e se concretiza o massacre. Entretanto, os fantasmas
ainda terão seu acerto de contas com a história. No delírio
cinematográfico de Jancsó, pelas mãos de uma justiceira
A réplica final
O enforcamento, de Nagisa Oshima

José Luiz Soares Júnior

Esta dupla configuração do imaginário permite


uma certa dilatação dos possíveis narrativos:
ela autoriza por exemplo a reversibilidade da morte,
ou pelo menos a possibilidade de um sursis (ou mesmo
de uma substituição, uma troca), prêmio
que seria destinado a um herói que conseguisse
manipular em seu favor um sujeito antagonista.
Figuras narrativas da morte e da imortalidade:
Sísifo e outras histórias
Ezio Pellizer
53

O enforcamento é, com Três bêbados ressuscitados (Kaette


kita yopparai, 1968), o filme em que Oshima melhor exibe
como um programa o propósito de adaptar o burlesco
físico dos primórdios do cinema às suas táticas críticas,
sua ironia acerba, seu modernismo antropofágico: e
esta screwball comedy concentracionista (com exceção
do “segundo ato”, em que partem para a rua, o filme se
passa em um único cenário, princípio que preside o desen-
volvimento concertante de sua “tese”) parece ter a sua
motricidade – assim como sua dislexia rítmica – intensifi-
cada até as raias do delírio psicótico. Se ao longo do filme
permanecemos praticamente no mesmo espaço-tempo,
vigiados pelo mesmo arcabouço penitenciário-institu-
cional (padre, promotor, médicos, guardas), condenados
à repetição do mesmo texto-mater e rubricas, é porque a coincidir consigo mesmo, e finalmente morrer; para
Oshima tem a necessidade, para seus propósitos pole- Oshima, modernista convicto em vários sentidos (moral
mistas, de encarnar na matéria do próprio filme o gênio e político, como sobretudo aqui), a identidade e seus
paranoico de uma sociedade de controle: a câmera, por atributos metafísicos é o lugar do “mau teatro”, daquele
exemplo, se torna um maleável instrumento, coalescente que vai condenar inapelavelmente o nosso herói à morte.
a todos os corpos aos quais sofregamente se agarra, e O que lhe interessa é o jogo, a ronda de interpretações, a
cuja função de sismógrafo do que se passa consiste em proliferação das vozes. E de que fala O enforcamento? Se
colocar o espectador à mercê da mesma injunção a que os personagens “penitenciário-institucionais” parecem
está submetido o personagem principal, acusado de violar ter aceitado o jogo não foi, como é o caso do artista, por
e matar duas moças. Esta injunção é: assumir, por conta e diletantismo vitalista, por amor à recriação de si mesmo e
risco próprios, a narrativa de sua própria identidade (viés do mundo, mas por uma razão funcional: algum elemento
político: um coreano), e, em consequência disto, morrer da engrenagem do sistema quebrou, e é preciso, pela
(viés mítico, ontológico, mágico: narrar é morrer). intervenção mnemônica da encenação, levar o objeto do
O enforcamento é, como mostra-nos o découpage da sistema (o lugar onde se imprimem os traços, se cica-
54 primeira sequência, a filmagem de uma representação trizam os índices de seus Ethos como Nomos: o Prisioneiro) 55
teatral, com direito a proscênio, arquibancadas, coxias; a retomar o seu papel, e assim contribuir para o bom
assim como às referências semânticas do “espírito” do andamento das coisas, o “velho teatro” clássico, com os
teatro: rubricas, tréplicas, e um monólogo incansavel- papéis bem definidos e os litígios resolvidos de antemão.
mente percutido por um coro de papéis e de status, sociais É para corrigir e integrar (verbos da Reação) o mecanismo
e simbólicos, que aqui se miniaturizam, formando uma defeituoso que os guardas e médicos “brincam de ser”.
espécie de Bild (imagem) do teatro maior. Mas este teatro Assim, uma operação de mão dupla, perversa à vontade,
não tem nada de clássico: não conhece palco italiano, se elabora aqui, e o paradoxo esposa a metáfora para falar
frontalidade adstringente, máscaras dualistas da tragédia desta aderência viscosa do Poder total a todos os meios e
e da comédia, heróis como semideuses ou vilões. É, como corpos: jogar se torna, para os personagens encarregados
o teatro de Grotowski e de Artaud, o lugar do texto e de ritualizar a história do “bode expiatório”, um meio de
do corpo; ou antes: de um corpo que precisa voltar a estacar o jogo, e assim permitir a assimilação metafísica
converter-se em corpo significativo (lugar de uma história, entre o Nome e a Identidade, a história do homem e sua
de valores, da culpa firmada e da narrativa da culpa) para essência de Homem. É jogando que fazemos cessar a
poder ser reinserido na transparência do jogo clássico, e ronda do jogo, é encenando que legitimamos a veros-
enfim desempenhar um papel, fixo e central, que vai levá-lo similhança de uma identidade, e assim estabilizamos
o ser do Prisioneiro, essencializando-o sob a rubrica do vários meios institucionais de coerção, simbólicos como
“Culpado = condenado à morte”. ideológicos: a Igreja, o Estado, a Justiça. O Prisioneiro é
A ironia de Oshima consiste em se servir de um meio agora este autômato espiritual espinosista, que Deleuze
modernista, pós-identitário (a performance, a diferen- reeditou para pensar a mecanicidade hipnótica do cinema
ciação vertiginosa da máscara, do jogo e do traço), e e seu demoníaco poder de atração, tão bem aproveitado
mostrar como mesmo este, assim como todas as outras pelas manobras fascinatórias de mobilização total da
rubricas do teatro psicótico que é a sociedade de controle, política fascista: “O autômato espiritual tornou-se a
pode servir ao Poder identitário, e de forma exemplar: Múmia, esta instância desmontada, paralisada, petrificada,
é preciso fazer coincidir o nome do homem com o seu glacial”.1 Mas este esvaziamento do sujeito e sua ulterior
crime, mas para fazê-lo este nome e este crime serão possessão pelos papéis do mundo alienado é frenetica-
distribuídos ao longo de todos os papéis do mundo admi- mente restituído em O enforcamento por este uso maníaco
nistrado. Oshima é um anti-edipiano rigoroso: para ele, o do plano-sequência e da câmera colada aos espaços dos
teatrinho da subjetividade não é familiar, não obedece ao corpos e ao espaço tout court: uma totalidade venenosa,
programa ironista “papai, mamãe e filhinho pederasta” de uma osmose de poderes e de enunciações aparece
56 Genet. Pelo contrário: é tributário de uma vasta e resso- aqui como um Uno a que se contrapõe o isolamento do 57
ante exterioridade, política como social, mas sobretudo Prisioneiro, coreano apartado dos modus vivendi e operandi
polifônica: a exogenia do sujeito se demonstra e se ilustra da sociedade marcial japonesa, e apartado duplamente de
em O enforcamento de forma paradigmática, e talvez com si mesmo pela ausência de memória. Os planos em que
um didatismo de lição que jamais se verificara em seus o personagem nos é mostrado destacam-no como uma
filmes formalmente mais arrojados. O Dentro é mero efígie (postura hierática, impassibilidade dos traços inde-
efeito ou reflexo do Fora, ubíquo e imemorial: o sujeito cifráveis, autismo evidente em sua incapacidade declarada
desmemoriado, a quem é concedido o precário sursis de se identificar ou comunicar com os Outros, Outro de
do tempo diegético do filme, só existe na dependência Outro que é) incrustada no seio do turbilhão de poderes
enunciativa das vozes que o impregnam e constituem. Na e mediações mobilizadas pelo Grand Guignol institucional
medida em que a memória – de que tanto Proust como que o circunda. Mas o “meio” também não sai impune
Bergson nos ensinaram sobre seu papel de “cristal” da desta possessão do corpo pela tara institucional – ou
experiência e da afetividade humanas – se ausenta, o ser antes: desta identificação forçosa da psicose individual
do prisioneiro é preenchido pelas vozes outras, e mani- com a psicose institucional, verso e reverso de um mesmo
festa a sua natureza alienada de engrenagem de uma
maquinaria monstruosa, cujos tentáculos se encarnam nos
1. DELEUZE, Gilles. Cinéma 2: l´image-temps, p. 217.
Édipo esquizo –, pois o processo é de mão dupla: ao matar, ter reencontrado uma irmã perdida duplamente, resga-
em um acesso de “inspiração artística”, uma moçoila a tada do fundo do passado coreano e da obscuridade de
quem sequestra na rua (para ensinar ao homem como seu exílio, agravado pelo desterro existencial da falta de
é que se faz: como é que ele o fez), o policial agora é memória. Então, nos são dadas a ver fotos do homem,
também uma engrenagem, mas a serviço da maquinaria fotos que modulam o entr’acte amoroso com a irmã e
demoníaca do Prisioneiro. Maquinarias, processos, papéis introduzem uma carta manuscrita onde confessa começar
se embaralham e relançam mutuamente, em um Jogo a vislumbrar em si os traços de uma humanidade que a
de que a princípio julgáramos conhecer as regras sem espoliação do exílio e da psicopatia haviam dissipado:
saber, à medida que o filme vai enovelando as táticas e “Agora, os traços das moças que matei aparecem viva-
emancipando as estratégias do corpus de lances, que as mente diante de mim. Depois de me apaixonar por minha
regras que conhecíamos já eram cartadas de um Jogo há irmã, começo a imaginar não apenas as pessoas que matei,
muito tempo iniciado, e virtualmente infinito. como também minhas próprias ações e meu próprio Eu.”
A indiferença entre lances, peões e jogadores, da A foto introduz a Verdade suscitada pela interioridade
Dama branca e do Rei suscita igualmente a intromissão psicanalítica, pela maiêutica filosófica – enfim, por modos
58 da fotografia, célula-mater do cinema que, como em Boy de acesso à Verdade não mais alienados pela exterioridade 59
(Shonen, 1969), introduz um elemento documental-on- da farsa até aqui desempenhada, mas que se nutrem de
tológico propriamente à la Lumière que nos adverte que introspecção: chegamos ao domínio do lírico, do gesto
o Jogo não é um atributo do Homem, mas um processo caricioso, da câmera voluptuosa que se afasta na semiobs-
do Mundo: os homens, a rigor, jogam um jogo já jogado curidade para deixar o casal se reconhecer. E talvez se
pela parafernália mundana que habita o próprio homem, insinuem aqui as alvíssaras de que, embora condenado
e que pode ser fielmente registrada pelo révélateur foto- à morte pela memória subitamente reconquistada, esta
gráfico. Mundo e artifício não podem ser levianamente retomada de si mesmo acontece sob os auspícios não
opostos ou justapostos, na medida em que só merecem ser da farsa institucional, mas do romanceiro intimista, do
apreendidos como partes de um mesmo complexo, onde kammerspiel: enfim R.
o signo e a coisa significada se complicam mutuamente.
A introdução das fotografias em O enforcamento acontece
em um momento crucial, quando nos é possibilitado um Referência
acesso mais autêntico à subjetividade do Prisioneiro, não
mais exclusivamente mediado pela farsa psicodramática DELEUZE, Gilles. Cinéma 2: l´image-temps. Paris: Les
encenada pelos “personagens institucionais”. Ele supõe Éditions de Minuit, 1985.
Sem uma câmara, com os corpos*
Ice, de Robert Kramer
Raquel Schefer

O cinema de Robert Kramer funda-se numa justaposição


permanente entre a dimensão subjetiva e a dimensão
política. Numa das sequências de Ice (1969), segundo
longa-metragem do cineasta, Tom Griffin, figura frágil,
tendo ao fundo uma paisagem coberta de neve, se
pergunta: “E se suas ideias não fossem suas, mas parte 61
do movimento das coisas?” Este questionamento acerca
da relação entre a subjetividade e a política, inseparável
de uma concepção da revolução como processo de subje-
tivação, quiçá de invenção de novas possibilidades de
vida, encontra sua expressão formal na lógica do campo/
contracampo e nas alterações dos planos subjetivos
que estruturam a sequência e dificultam a identificação
do interlocutor de Griffin. O corpo do ator se expõe ao
dispositivo cinematográfico – e, portanto, à história –, ao
mesmo tempo em que já se entrevê o degelo na paisagem.
“Penso que é apenas uma questão de tempo. Acho que a
primavera será fabulosa”, afirma Paul McIsaac, o futuro
Doc, na sequência final da obra. O filme se desenvolve,

* Uma versão deste texto foi publicada em La Furia Umana II, abril de
2013, p. 192-203.
então, na direção de um tempo incerto e imprevisível, Columbia University em 1968 e a Convenção Democrática
um “por-vir”.1 de Chicago no mesmo ano. The People’s War, um filme
Ice, considerado por Jonas Mekas como “o mais coletivo rodado no norte do Vietnã, codirigido por Kramer,
original e importante filme narrativo americano da foi produzido pela Newsreel, assim como Off the Pig (1968),
segunda metade dos anos 1960”,2 conta a história de um dos primeiros filmes feitos sobre os Black Panthers,
um grupo militante de extrema esquerda de Nova York, que inclui cenas do recrutamento e treinamento do grupo.4
na América do COINTELPRO (Counter Intelligence Numa entrevista aos Cahiers du Cinéma em 1968,
Program, programa de contraespionagem do FBI) num Kramer afirma que, naquele momento, um movimento
contexto de radicalização da luta política, com a aparição revolucionário estava em construção nos Estados Unidos,
de movimentos como The Weatherman e de uma guerra acrescentando que “não havia distinção entre nosso papel
imaginária com o México. político e nosso papel como cineastas”.5 A dimensão
“Talvez eu tenha filmado para lutar contra”3 são as subjetiva da mudança política já era, naquele momento,
últimas palavras de Kramer em Berlin 10/90. O filme um ponto central do pensamento de Kramer: “Estamos
evoca a experiência de Kramer como militante, em politicamente engajados em todos os tipos de coisas, não
62 particular numa das cenas mostradas no aparelho de apenas como cineastas, mas também como cineastas 63
televisão, dispositivo de transgressão da unidade do plano- políticos e até mesmo como indivíduos sem uma câmera,
sequência, em que um conjunto de livros, de autores com nossos corpos”. Para Kramer, que brilhantemente usa
que vão de Marx a Bobby Seale, serve como ponto de a metáfora de uma maison qui brûle (uma casa em chamas),
partida para uma discussão sobre as afinidades políticas citando Luis Rosales, para caracterizar a Hollywood dos
e afetivas entre o cineasta e um grupo de ex-militantes. anos 1960, a concepção e a práxis do cinema político
Kramer foi um dos fundadores do grupo Newsreel, uma implicariam, assim, repensar as formas estéticas a partir
cooperativa criada em 1967 em Nova York para produzir da política. Na edição de inverno de 1968 da Film Quarterly,
e distribuir cinema militante. A Newsreel defendia formas que dedica uma matéria especial para a Newsreel, Kramer
coletivas de produção cinematográfica e desempenhou um define o cinema do grupo: “Nossos filmes fazem algumas
papel importante no movimento político dos anos 1960 pessoas se lembrarem de cenas de batalha: imagens
nos Estados Unidos. A cooperativa iria documentar, por granuladas, câmera trêmula tentando registrar o material
exemplo, o Março de 1967 no Pentágono, a ocupação da

4. One plus one, de Jean-Luc Godard, é do mesmo ano.


1. DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elisabeth. De quoi demain… 5. Remetemos aqui e na citação seguinte à entrevista de Robert Kramer
2. MEKAS, Jonas. Ciné-Journal: Un nouveau cinéma américain (1959-1971). a Michel Delahaye de 1968. DELAHAYE, Michel; KRAMER, Robert. “La
3. Berlin 10/90. maison brûle. Entretien avec Robert Kramer”, p. 48-63. [tradução nossa]
sem ser apanhada/encurralada. Bem, nós, e muitos outros, imagens, que remetem à atividade do coletivo Newsreel e
estamos em guerra. [...] Nós queremos fazer filmes que ao primeiro filme de Kramer, FALN (1965), no qual todas as
perturbem, que sacudam pressupostos, que ameacem, imagens provinham de reportagens gravadas pelas Forças
distantes de qualquer tipo de publicidade persuasiva, Armadas da Libertação Nacional da Venezuela. Todavia,
mas que, com um pouco de sorte [...], explodam como como já dito, o cinema militante, ainda que presente como
granadas nos rostos das pessoas, ou que abram cabeças, elemento metanarrativo e autorreflexivo, é questionado
como um bom abridor de latas.”6 e superado formalmente pelo filme.
Kramer dirigiria Ice nesse contexto. A temporalidade Para Nicole Brenez, o cinema engajado, ao contrário
incerta do filme é considerada por Dominique Noguez do cinema militante, não permanece indiferente a questões
como um exemplo de cinema prospectivo,7 pois repre- estéticas.8 Muito pelo contrário, o cinema de intervenção
senta um tempo por vir, ideia que é reforçada pela guerra só existe na medida em que levanta questões cinemato-
diegética imaginária entre os Estados Unidos e o México. gráficas fundamentais: por que fazer uma imagem, qual
A mise-en-scène, que retoma algumas das formas estilís- e como? Com quem e para quem?9 Será Ice um filme
ticas do New American Cinema e do Direct Cinema – a engajado que criticamente contém o cinema militante
64 adoção do plano-sequência, as mudanças de focal e o como um elemento objetual metanarrativo? A partir da 65
antinaturalismo –, questiona o cinema militante, presente concepção formal e narrativa do ponto de vista do filme,
como elemento metanarrativo no interior de uma dialética diríamos, indubitavelmente, que sim. Também o papel
entre o filme por vir e o filme-objeto. Situando a ação complexo que Kramer desempenha aí como um dos seus
num futuro próximo, Kramer joga com uma situação real principais atores parece desvinculá-lo do cinema militante.
representada como imaginária. O filme se faz antecipação Numa das sequências centrais, Robert (Robert Kramer) é
e narrativa proléptica – “É preciso negar o presente em castrado pela polícia secreta e, a partir desse momento,
todas as suas formas e construir o futuro” – e a fronteira vive confinado num apartamento. Deixando de ter um
entre o documentário e a ficção se encontra definitiva- papel ativo no grupo, Robert começa a fazer traduções
mente rompida na obra do cineasta. de relatórios políticos, as quais não são nem muito exatas
Ice é estruturado pela intercalação de sequências de nem precisas, em que sempre há uma lacuna entre a
intriga narrativa e de fragmentos de filmes militantes, sequên- declaração original e sua tradução. A punição enfatiza as
cias de montagem didáticas, com textos se sobrepondo às imbricações entre política, subjetividade e sexualidade

6. KRAMER, Robert. Extraído de uma série de entrevistas com membros 8. BRENEZ, Nicole. Edouard de Laurot, Commitment as Prolepsis, confe-
da Newsreel In: Film Quarterly 20, p. 47-48. rência no Museu do Quai Branly, Paris, 16/06/2011.
7. NOGUEZ, Dominique. Le cinéma, autrement. 9. Ibid.
ao passo que o desenvolvimento ulterior da trama indica do cinema militante. Ao mesmo tempo, Ice desloca as
uma clara separação do filme com relação à linha “oficial” problemáticas do cinema político para um campo utópico,
do Newsreel. onde a fronteira entre o real e o imaginário, o tangível e o
As marcas subjetivas e autorais dos filmes de Kramer intangível é muito tênue e discreta, num contexto em que
estavam, de fato, à margem do cinema militante. Apesar as novas capacidades tecnológicas são concebidas como
dos anos de militância do cineasta e de suas diversas aliadas na luta política (em Ice, por exemplo, o personagem
incursões no gênero, desde o já mencionado FALN até Fidel do engenheiro de tecnologia da informação de Palo Alto
Intusca Fernández, Peru, 1991, um dos curtas-metragens oferecendo ajuda ao grupo militante). Essa concepção
de Against Oblivion (Contre l’oubli, 1991), filme coletivo atravessa a filmografia de Kramer e é brilhantemente
feito por trinta cineastas, dentre os quais Alain Resnais e sintetizada em Ghosts of Electricity (1997), no qual o cinema
Jean-Luc Godard, encomendado pela Anistia Internacional, é inscrito dentro do paradigma científico e epistemoló-
passando por Scenes from the Class Struggle in Portugal gico da modernidade, reconectado ao ideal humanista e
(1977),10 o trabalho de Kramer é muito distante do reinterpretado numa perspectiva biopolítica.
cinema militante, atrevendo-se a até mesmo desconstruir A obra de Kramer se inscreverá sempre num tecido
66 sua gramática. intertextual e intratextual complexo. Assim, em Milestones, 67
Com efeito, Ice foi rejeitado pela Newsreel por seu retrato da geração de Ice dez anos depois, sobre o pano de
subjetivismo e por sua posição política. O filme só seria fundo do desgaste da New Left, certos cenários e perso-
lançado em 1970, porque a Newsreel considerou que nagens reaparecem; a sequência da Ponte de Queens
distribui-lo oficialmente significaria reconhecer o apoio é ressemantizada em Scenes from the Class Struggle in
da cooperativa para grupos de luta armada, aos quais Portugal (1977) e Paul McIsaac se tornará uma figura
alguns de seus membros se juntariam posteriormente. central na filmografia do cineasta. Além disso, a presença
De acordo com Eric Breitbart, naquele momento membro de Kramer como um dos protagonistas de Ice prefigura
da Newsreel, Ice colaborou para pôr um fim prematuro ao a virada autorreferencial de seu cinema em Scenes from
grupo.11 Na verdade, o filme está mais próximo da hete- the Class Struggle in Portugal, Route 1 (1989) ou Berlin
rodoxia do período maoísta de Godard e do Grupo Dziga 10/90 (1991).
Vertov do que das ambições estéticas rígidas e modestas Em 1998, um ano antes de sua morte, Kramer
afirmaria numa entrevista para Olivier Joyard e Thierry
10. Embora o ano de lançamento do filme seja considerado 1977, seu Lounas, publicada nos Cahiers du Cinéma: “Não penso em
prólogo e epílogo datam de novembro de 1978, sugerindo uma data de
conclusão diferente, em todo caso posterior a esse mês. termos de cinema quando me interesso por um grupo ou
11. BREITBART, Eric e Joshua. “The Future of the Past: Conversation”, p. movimento. Penso em termos de confrontação pessoal,
212. [tradução nossa] 
Referências
isto é, subjetiva, com acontecimentos. O cinema vem
depois.”12 O cinema vivido de Kramer é construído sobre BREITBART, Eric e Joshua. “The Future of the Past:
uma contínua pesquisa de formas estéticas e narrativas Conversation” In: VATRICAN, Vincent; VENAIL Cédric
susceptíveis de expressar a não-separação entre essas (Orgs.). Trajets à travers le cinéma de Robert Kramer. Aix-en-
duas esferas. A mudança política implicaria novas formas Provence: Institut de l’Image, 2001, p. 212.
de subjetividade enquanto que a realidade política e a
história seriam acessíveis apenas a partir de uma perspec- BRENEZ, Nicole. Edouard de Laurot, Commitment as Prolepsis,
tiva subjetiva, da declaração de uma subjetividade radical. conferência no Museu do Quai Branly, Paris, 16/06/2011.
Se a filmografia de Kramer, que é moldada tanto por DELAHAYE, Michel; KRAMER, Robert. “La maison brûle.
uma estética quanto por uma ética da criação, redefiniu, Entretien avec Robert Kramer”. In: Cahiers du cinéma –
sem dúvida, o cinema político, seria importante ques- Quatre Américains: Shirley Clarke, John Cassavetes,
tionar sua influência no cinema contemporâneo. Será Robert Kramer, Andy Warhol, nº 205, outubro/1968, p.
legítimo interpretar a revisão ideológica dos anos 1960, 48-63.
em particular a história da militância, e a preponderância
68 do “documentário criativo” em primeira pessoa como um DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elisabeth. De quoi 69
modelo padronizado como duas faces da mesma moeda, demain… Paris: Fayard, Galilée, 2001.
rumo a uma estetização da práxis e do cinema políticos,
KRAMER, Robert; Extraído de uma série de entrevistas
isto é, da sua separação e desconexão da Lebenspraxis?
com membros da Newsreel. In: Film Quarterly 20, nº. 2,
E como pode ser explicado o reaparecimento de formas
Inverno 1968-69, p. 47-48.
fílmicas como o cinejornal [newsreel] nos trabalhos
de Sylvain George, de Jem Cohen ou de Alex Reuben? KRAMER, Robert. “Passer entre les balles, entretien avec
Estaremos em presença de um retorno da “objetividade”? Olivier Joyard et Thierry Lounas”. In: Cinéma 68 – Numéro
especial Cahiers du Cinéma, Paris, maio de 1998, p.75.

MEKAS, Jonas. Ciné-Journal: Un nouveau cinéma américain


(1959-1971). Paris: Paris Experimental, 1992.

NOGUEZ, Dominique. Le cinéma, autrement. Paris: Les


Éditions du Cerf, 1987.

12. KRAMER, Robert. “Passer entre les balles, entretien avec Olivier
Joyard et Thierry Lounas”, p.75.
Destruir, dizem elas
As Margaridas, de Vera Chytilová
Carla Maia

The form of the film was really derived


from the conceptual basis of the film.
Because the concept of the film was destruction,
the form became destructive as well.1
Vera Chytilová

Em 1966, ano de lançamento de Daisies (As margaridas,


no título em português), as duas guerras mundiais já 71
haviam ensinado aos europeus o sentido mais extremo
e cruel da palavra destruição. A Tchecoslováquia, país
em que o filme foi produzido – que bem mais tarde se
desmembraria em República Tcheca e Eslováquia – havia
sido um dos mais devastados pela ocupação nazista. Boa
parte dos judeus que habitavam a região havia desapa-
recido nas fumaças dos campos de concentração. Logo
após o fim da guerra, em 1948, o país é incorporado ao
imenso bloco da União Soviética, sob o regime comunista.
À dominação alemã, seguiu-se a dominação soviética –
a opressão e o controle mudaram de uniforme, mas
permaneceram. No contexto de realização do filme, a arte

1. “A forma do filme foi realmente derivada da base conceitual do filme.


Porque o conceito do filme era a destruição, a forma tornou-se destrutiva
também.” [tradução nossa]
buscava respostas, clamando por liberdade e reinvenção, neutras e gestos mecânicos, reforçados pelos ruídos
enquanto sofria uma forte vigilância estatal que, apesar maquínicos e enferrujados que soam a cada vez que
dos esforços, não conseguia conter totalmente o clima elas se movimentam. “Tudo vai mal nesse mundo”, diz a
de revolução. Vale lembrar que, apenas dois anos depois, Marie morena. Diante dessa constatação, elas decidem
em 1968, acontece a Primavera de Praga, breve período que, se tudo vai mal, elas também podem se comportar
de abertura política interrompido pela violenta resposta mal. Bem mal.
do bloco soviético: tropas e tanques tomam as ruas, mais Um tapa da morena na cara da loira sela o acordo e dá
uma vez, na ocupação que perduraria até 1990. início ao que será uma operação de montagem recorrente:
É preciso começar daí, desse contexto histórico de cortes que irão sugerir continuidade de ação e ruptura
muita repressão e pouco espaço para resistência, se o que espacial, em forte associação com certo repertório esti-
se quer é compreender a energia destrutiva que contamina lístico do cinema moderno. O gesto do tapa é visto em
Daisies, tanto conceitual quanto formalmente, como afirma preto e branco, ainda no cenário inicial, mas seu efeito
sua diretora. Esta lá, desde os créditos iniciais: vemos contínuo é visto em outro espaço: a loira tomba sobre a
planos fixos de uma engrenagem, em tons azulados e frios, relva de um campo paradisíaco e multicores, espaço quase
72 serem intercalados a cenas de guerra (bombas, incêndios, mítico, espécie de alegoria do Jardim do Éden, aquele no 73
explosões) em que tons quentes como amarelo e vermelho qual, segundo as escrituras sagradas, a primeira mulher
tomam conta da tela, tudo combinado a uma trilha sonora se “comportou mal” pela primeira vez. Perigosamente
que remete às marchas militares. Entre a frieza maquínica inocentes e sedutoras, a sequência convoca, através
e a destruição incandescente, o filme compõe um quadro do recurso alegórico, arquétipos da mulher na cultura
inicial de leitura bem pertinente ao contexto da época: judaico-cristã.
do controle e do cálculo à ação desmedida e incendiária, No decorrer da narrativa, as duas Marias irão seduzir
tudo é guerra. “Não podemos fazer nada, não entendemos senhores mais velhos lançando mão de uma pretensa
nada”, dizem as duas jovens protagonistas, na primeira inocência, em situações que se repetem: o homem convida
cena do filme. Sentadas lado a lado, com seus belos corpos a morena para jantar, ela finge se surpreender quando sua
deixados à vista pelos biquínis, Marie loira e Marie morena irmã “flagra” a situação, chegando de surpresa, e assim
(Ivana Karbanová e Jitka Cerhová, respectivamente, ambas jantam os três. A loira passa a pedir de tudo um pouco,
atrizes não-profissionais) sequer parecem humanas, são
como duas bonecas em posturas inertes,2 de expressões
que não se tratava de um retrato psicológico. Não era exatamente
realista.” Para uma análise detalhada da implicação desta figuração das
2. A diretora explica essa opção: “Fizemos as garotas parecerem bonecas protagonistas como bonecas, cf. LIM, Bliss Cua. “Dolls in fragments:
ou marionetes, desde o início, porque era nossa intenção deixar claro Daisies as feminist allegory”.
diante do olhar estupefato do senhor e do falso embaraço a própria imagem se picotar, em mil colagens cubistas, ao
da morena. Quando finalmente chega o momento de som do claque das tesouras e da vibrante trilha sonora.
estarem a sós, partindo juntos no trem – o que faria todo o As muitas rupturas formais incluem os jump-cuts e as
caro jantar ter valido a pena para o cavalheiro em questão –, alterações de cor, bastante explorados pela montagem e
a morena foge, vai ao reencontro da loira na plataforma, pela fotografia (nesse sentido, foram decisivas as contri-
e o senhor, abandonado e desorientado, parte sozinho. O buições de Jaroslav Kučera, diretor de fotografia e marido
insaciável apetite das garotas torna-se análogo ao apetite da diretora, e de Ester Krumbachová, co-roteirista e dire-
sexual masculino, mas, dessa vez, como numa revanche, tora de arte do filme). O som, por sua vez, ao promover
apenas o primeiro é satisfeito. São elas que levam a melhor, alguma continuidade narrativa entre espaços descontínuos,
que tiram vantagem dos homens. O filme busca implodir, intensifica a vertigem, acentua a instabilidade. Não só a
dessa maneira, relações de opressão estabelecidas, e não história, mas a própria convenção da linguagem fílmica
apenas as de gênero: as cenas de despedida na estação, está sendo destruída, ou reinventada, fora de qualquer
em que homens brancos e ricos são “deportados” em regime de representação estável, ao ponto do absurdo.
vagões de trem lotados, remetem, por inversão, a outras “Isso importa?” (“Vadí?”), “Não importa” (“Nevadí”), dizem
74 violências históricas (inevitável pensar, sobretudo num as garotas, repetindo o mote que ouvimos desde a primeira 75
filme realizado no Leste europeu, nos trens nazistas que sequência do filme. Nada importa: o niilismo, a falta de
conduziam os judeus aos campos de concentração). respostas para uma realidade que vai de mau a pior é o
Além dos espaços públicos, como o restaurante e a motor das experiências de ambas, e a farsa torna-se saída
estação de trem, espaços íntimos como o banheiro e o face à impostura do mundo.
quarto são cruciais na trama. O quarto das moças, em
particular, é cenário para momentos destacadamente
“Você sente como a vida é volátil?”
performáticos, que culminam na sequência em que
elas brincam com as tesouras e acabam por se recortar, Quando dizemos farsa, queremos dizer logro, engano,
quais bonecas de papel. Na ênfase do corte como gesto mentira, mas também graça, faz-de-conta, fabulação. Os
performático, os corpos tornam-se suporte para uma trotes e golpes das duas, seu comportamento infantil
experimentação que reforça a articulação entre forma e malicioso, seja quando seduzem as “vítimas”, seja
e conteúdo: a radicalidade dos cortes da montagem quando provocam uma à outra na intimidade do quarto,
encontra justa ressonância nos cortes à tesoura que as são mais travessuras do que crimes propriamente ditos.
moças desferem uma contra a outra, freneticamente, até Tudo não passa, afinal, de um jogo – “brincar de ser má”.
O interessante é notar como este jogo farsesco é também ruínas. O que ocorre é que este mundo passou por uma
formal, expressivo: ao provocar os limites da linguagem destruição tão radical que sua reconstrução só pode ser
cinematográfica, o filme revela que farsesca não é apenas farsesca. A cena em que as duas finalmente buscam se
a estratégia das garotas para seduzir os homens, mas a redimir – recolocando os cacos e restos no lugar à mesa,
própria promessa de verossimilhança da representação. após o consumo e a destruição do banquete de luxo, o
Os golpes de cor e corte, as rupturas narrativas, as muitas qual adentram clandestinamente – é mais do que simples
alegorias convidam o espectador a desconfiar de tal desfecho: nela reverbera o próprio modus operandi desta
promessa, colocá-la à prova, justamente por torná-la frágil obra que, diante da impossível recuperação ou redenção,
e instável. Nesta “comédia bizarra”, como certa vez definiu compõe-se de fragmentos, cacos, metades que já não se
a diretora, nenhuma verdade permanece intacta. Contra encaixam. Afinal, não é mais viável, a elas e a ninguém,
os padrões e convenções – tão caros ao regime socialista corrigir os erros, redimir o passado. Resta a constatação dessa
autoritário vigente à época de sua realização – o filme impossibilidade, junto aos pratos partidos sobre a mesa.
oferece como provocação mais contundente a impos- Prova da volatilidade dos sentidos produzidos por
sibilidade de uma interpretação unívoca, jogando com Daisies é a divergência de leituras a respeito dele. Os
76 os sentidos como as meninas jogam com suas tesouras. censores o consideraram impróprio5 por fazer apologia ao 77
Neste exercício de recorte e colagem, fragmentos díspares mau comportamento juvenil e ao desperdício de alimentos
são dialeticamente reunidos, para fazer surgir uma terceira (crime imperdoável no contexto de um país em grave
coisa, não exatamente determinável – ou, para fazer refe- crise econômica). A diretora, por sua vez, defende-se
rência à frase sussurrada por uma das Marias na sequência argumentando que os censores não compreenderam o
das tesouras, um sentido que, como a própria vida, restará filme, não perceberam que as duas Marias não foram apre-
sempre volátil. sentadas como heroínas. A maneira grotesca ou bizarra
Daí, supomos, a célebre declaração de Chytilová como são caracterizadas – mimadas, cruéis, vaidosas e
sobre o filme3: “a philosophical documentary in the form of superficiais – dificulta bastante uma identificação fácil,
a farce”.4 Através da mais delirante das ficções, Daisies mesmo por parte de outras jovens mulheres. Ademais, na
documenta, como poucos, um mundo no qual vigora a contra-argumentação da diretora, o mau comportamento
necessidade de reconstruir alguma vida possível sobre as das moças não passa ileso, uma vez que elas recebem
sua punição, a sentença irreparável: a morte sob o imenso

3. Em entrevista a Jacques Rivette e Michel Delahaye, para a Cahiers


du cinema, em 1968, citada por: RAINFORTH, Dylan. “This film’s going 5. O filme foi censurado pelas autoridades tchecas no ano de seu
bad: collaborative cutting in Daisies”. lançamento, e Chytilová teve muita dificuldade em conseguir trabalho
4. “Um documentário filosófico em forma de farsa.” [tradução nossa] durante os anos seguintes.
candelabro que desaba do teto sobre suas cabeças. O velhos, já mencionadas, são exemplo desse jogo, assim
vasto apetite das jovens estaria distante, desse modo, de como o são também as alegorias à castração, quando
um elogio à liberdade, posto que, ao final, é este mesmo elas cortam comidas fálicas (uma salsicha, ovos) com a
apetite que as leva de encontro ao destino fatal. tesoura. Ademais, há uma contundente sátira aos ideais
É difícil discernir até que ponto a declaração da dire- de beleza feminina construídos através dos séculos, seja
tora não é tomada pelo mesmo caráter farsesco de seu pelo recurso de retratá-las como bonecas ou marionetes,
filme, uma falsa resposta adotada apenas como estratégia seja pela desconstrução da imagerie feminina: a descom-
de defesa para escapar da censura. Fica evidente o quanto postura das jovens, a falta de modos à mesa, suas caretas,
a liberdade inspira a realização da obra, em termos formais seus gestos inusitados e jocosos como cutucar o nariz, a
e temáticos: as travessuras das garotas não são filmadas, maneira como não se interessam pelo amor romântico
de modo algum, sob um olhar moralista e reprovador. O são alguns operadores dessa desconstrução, que está
trunfo do filme, isto é certo, está justamente na possi- bem distante de chegar a termo, ainda hoje.
bilidade de acolher olhares e interpretações díspares, a Apesar das quatro décadas que passaram desde
ponto de tornar possível que a diretora formule, como sua realização, o filme garante, assim, sua atualidade e
78 resposta aos censores que o consideram peça subversiva, urgência. A colagem, recurso tão caro em Daisies, expande- 79
uma “moral da história” em seu desfecho trágico. Isso se na maneira como ele permite, com sua notável abertura
sem mencionar as muitas outras leituras possíveis, entre e indeterminação, renovar suas provocações, como num
elas, as de inspiração feminista. jump-cut que vem “colar”, junto aos duros tempos em que
Há muito sentido em considerar Daisies como uma foi realizado, o nosso tempo, também ele instável, revolto,
das principais obras feministas do cinema, justamente frágil construção sobre ruínas.
pela maneira como suas personagens são investidas de
um potencial libertário e contestador que subverte as
expectativas relativas ao gênero. Como afirma Lim, “para
Referências
aqueles que consideram Daisies como uma alegoria femi-
nista, essas heroínas são cativantes não apenas por sua LIM, Bliss Cua. “Dolls in fragments: Daisies as feminist
habilidade de revelar a feminilidade como uma máscara allegory”. In: Camera Obscura, v. 16, n. 2. Duke University
naturalizada, mas por seu deliberado e malicioso jogo com Press, 2001, p. 37-77.
esses signos”.6 As cenas de jantar com os cavalheiros mais
RAINFORTH, Dylan. This film’s going bad: collaborative
cutting in Daisies. Senses of cinema. Disponível em: http://
6. LIM, Bliss Cua. “Dolls in fragments: Daisies as feminist allegory”, p. 51. sensesofcinema.com/2007/cteq/daisies/
Rito de deformação
O ato final, de Jerzy Skolimowski

Affonso Uchôa

Há um momento exemplar em O ato final, filme do cineasta


polonês (quase sempre em exílio) Jerzy Skolimowski:
Mike, jovem protagonista do filme, persegue Susan,
sua companheira de trabalho, em um passeio noturno
com o namorado. O casal vai a um cinema pornográfico.
Enquanto assistem aos corpos nus, Mike, sentado atrás 81
do casal, tenta apalpar Susan. Sentado, apoia os cotovelos
nos joelhos e cuidadosamente enfia as mãos no espaço
entre as duas poltronas à sua frente. Quando a câmera
corta e vemos suas mãos passando entre as cadeiras na
tentativa de chegar ao corpo de Susan, elas formam, juntas,
um sinal de oração. Do auge dos seus quinze anos, um
perfeito mommy’s boy da classe trabalhadora, estreando
em seu primeiro emprego, Mike percorre o caminho de
toda a geração dos anos 1960: sair do mundo velho rumo
aos prazeres do novo, partir do fundo cristão em direção
ao sangue quente da revolução sexual, ou melhor: medir
se, nas mãos em oração, cabe o tamanho de um seio.
Mike e Susan são dois empregados de uma casa
de sauna e piscina em Londres. Interpretada por uma
deslumbrante Jane Ascher, Susan é o rosto da mulher
sessentista: rosto de menina emoldurado pelos fogosos em que a ponta final é a morte. A Skolimowski interessa o
cabelos vermelhos, vestidos curtos e pernas à mostra. drama (o trágico) e não a consciência. O ato final está mais
Sexualmente liberada, Susan trafega entre os homens para um “rito de deformação”, no qual Mike se apaixona
altivamente, seduz a todos, promíscua, lasciva. Mike é intensamente e sai de mãos abanando.
um imberbe adolescente proletário: belo rosto angelical, No labiríntico prédio das saunas, fechado, de corre-
dentes brancos e olhos contemplativos, a imagem perfeita dores imensos, Mike encontra o primeiro emprego e a
da inocência. Susan junta ao retrato de época um elixir primeira paixão. Mas o jogo das primeiras descobertas
ancestral: a perversidade. Sobranceira, enrodilha os nem sempre é prazeroso. Quando Susan entra em cena, o
homens em fila, entre namorados e affaires. Mike é presa rapaz se lança num verdadeiro amour fou e o labirinto passa
fácil, mas imprevisível: pirado em Susan, desce em espiral do espaço para a sua mente. No dia em que recebe seu
até os círculos mais íntimos da loucura. primeiro salário, Mike segue Susan e o namorado (dessa
O ato final é um peculiar coming-of-ages. Ao feitio vez a um clube noturno) e, sem conseguir entrar, espera
do gênero, o filme é um conto adolescente apinhado pelos dois do lado de fora. Numa cena de certeiro encontro
de experiências vividas “às primeiras vezes”, eletrizado entre forma e sentido, tudo parece girar em círculos, inclu-
pela expectativa da perda da virgindade. Mas, nos filmes sive a câmera. O jovem obcecado anda pelas redondezas
82 83
de Skolimowski, as coisas estão sempre fora do lugar do clube, passando repetidamente pelos mesmos lugares,
ordeiro. Não há espaço para lições edificantes surgidas perdido. Entre clubes de strip-tease e um mesmo carrinho
dos primeiros arranhões vindos do mundo. A própria de cachorro-quente, Mike gradativamente desce alguns
estrutura dramatúrgica do filme, ao resguardar o clímax círculos no inferno da obsessão.
pro final, não deixa a poeira dos acontecimentos assentar No ápice, a fixação de Mike encontra o ridículo.
para reverberar no personagem. O lancinante reflexo Vagando pelas ruas boêmias ao redor do clube, o prota-
do entendimento das coisas precisa do isolamento: gonista se depara com um display de uma stripper diante
sozinhos, em nosso lugar, afastados do turbilhão, é que de outro clube. A garota encarnada no display é idêntica
compreendemos. Somente no solo arenoso do “eu” e do a Susan. A semelhança física risca de vez o fósforo da
“próprio”, a consciência se desenvolve. O ato final nega loucura no rapaz. Obsessivo, rouba o objeto e, livrando-se
peremptoriamente essa chance a seus personagens. Mike dos leões de chácara, vê Susan brigando com o namorado
e Susan não têm lugar onde possam ficar sozinhos e nem e a persegue até o metrô. Pateticamente, a põe diante do
cenas para simplesmente pensar na vida. O filme todo seu duplo. Enfurecido, quer saber se Susan é a garota da
é contaminado pela urgência da ação, sem tempo para fotografia. No fundo, quer saber se a gata é boa moça.
reflexão: todo gesto de sedução de Susan é respondido por Susan não o responde; mais que isso, reage debochada-
outra ação destrambelhada de Mike, num ciclo impulsivo mente ao furor de Mike, sem demonstrar constrangimento
algum em ser associada ao mundo de sexo e prostituição e com isso, se descola da realidade: em O ato final, a
plotado junto com a foto. O jovem Mike revela seu conser- cor é mais que uma propriedade das coisas filmadas, é
vadorismo familiar e seu apego a um mundo caduco. O gritante sinal do gesto criativo. Formalmente, os filmes de
garoto da mamãe (que recebe sua família no emprego) Skolimowski transitam entre a rigorosa construção visual e
murcha ao lado da safadíssima garota. uma vibração rude, vigoroso decalque do cinema moderno.
O ato final evita constantemente a linha reta do O ato final traz um trabalho plástico simplesmente sublime,
naturalismo. Skolimowski se mostra um bom herdeiro da sobretudo no uso da cor. O verde úmido das paredes das
“displicência narrativa” kafkiana e oferece mais situações saunas, o azul frívolo da piscina, o amarelo vivo do casaco
que explicações. O filme é tomado por uma “febre da de Susan são elementos ativos da construção visual do
coincidência”, que faz com que situações improváveis filme (necessário lembrar que o realizador é também
aconteçam simultaneamente. Intervenções lúdicas, como pintor). Mas nenhuma cor tinge mais a tela em O ato
um providencial pintor de paredes que retoca a tinta ao final que o vermelho, sempre vivo e vibrante. Desde a
fundo da cena em que Susan desperta a ira da lasciva cena inicial, em que Mike pinta a sua bicicleta, há uma
caixa de meia idade, ou simultaneidades terríveis, como deliberada mistura entre sangue e tinta. O vermelho-
a chegada ao trabalho do operário das tubulações subter- sangue quando escorre simultaneamente da ferida na
84 85
râneas na cena final, operam como comentário irônico ou cabeça ruiva de Susan e da lata derrubada na piscina,
como perturbação arbitrária dos acontecimentos narra- deixa de ser índice de realismo, documento confiável da
tivos. Desenrolando-se em paralelo à cena principal, ou veracidade e drama da dor, e passa ser também construção
simultaneamente, em segundo plano, na mesma imagem, e artifício. Sem esclarecer qual vermelho é mais forte: o
as coincidências cênicas deixam patente a recusa da lógica do sangue ou o da tinta, a morte é tingida indelevelmente
realista da sucessão dos fatos em O ato final. Em um filme pela dúvida. O espectador de O ato final é pego de calças
guiado pelo delírio, o absurdo, o nonsense define o rumo curtas na emoção: não sabe se deve aderir à tragédia
dos acontecimentos. da cor. A catarse do acontecimento não se completa e
Na mais fatal das coincidências, a piscina onde os o vermelho na tela engrossa, ganha contorno, torna-se,
dois jovens se abraçam está sendo reformada, pintada pouco a pouco, material fílmico. No plano final, o vermelho
de vermelho. Entre o atabalhoado e o cruel, Mike golpeia é, ao mesmo tempo, a morte e uma pincelada.
a cabeça de Susan com uma luminária. O gesto em falso Lançado em 1970, O ato final é um complexo retrato
do rapaz atinge o crânio da garota, mas também uma lata da juventude dos anos 60. O filme chuta portas ao mostrar
de tinta, que desaba na piscina, tingindo a água de um o desejo sexual feminino sendo exercido e o homem
vivo escarlate. O trabalho cromático, então, é envolvido utilizado como mediador da volúpia. Em uma cena já
na estrutura narrativa deliciosamente arbitrária do filme clássica, uma das clientes da sauna chama Mike a seu
vestíbulo e, apertando-o contra o próprio corpo, à força, Mas entre a acidez e o cinismo ainda vai um chão:
geme de tesão enquanto imagina uma jogada de futebol O ato final observa acidamente a revolução jovem sessen-
do célebre George Best. “Tackle, dribbling, dribbling and... tista, mas não a tinge com a marca da hipocrisia. Susan
shoot”, suspira a mulher, suada, braços fortes comprimindo se aferra ao casamento, mas não por felicidade. É uma
a cabeça de Mike contra seus seios. O gol é imaginário caução frente ao mundo, não uma saída interna. Gesto
e real: a bola passa entre as traves na narrativa erótico- de salvação sem nostalgia: Susan também não era feliz
futebolista da cliente enquanto o orgasmo é atingido com enquanto estava liberta e promíscua. Enredava a todos
os cabelos de Mike puxados desde a raiz. Tão logo a bola em sua sedução, mas não dava pistas de que o sexo a
imaginária entra, a cabeça é solta: “Saia. Eu não preciso realizava. Ao contrário, parecia sempre enfastiada, blasé,
mais de você.” diante dos seus homens. O ato final torce o esquematismo:
No entanto, essa evolução dos tempos ainda tem o problema não é que a revolução sexual vai bater no
muros em sua volta. Mike e Susan são, ao mesmo tempo, muro do conservadorismo dominante, mas sim que ela
sinais da força dos novos tempos e fotografias claras dos mesma, em si, não é uma garantia de autorrealização.
seus limites. Se a revolução sexual se fazia sentir nas ruas Susan não encontra nem perde seu âmago e viço interior
e nas canções, o oxigênio do mundo ainda era poluído do ao firmar o noivado e se encantar por anéis de brilhante.
86 87
cinza passado. Susan, ao fim da narrativa, zela pelo seu Ela, em verdade, não os tinha encontrado. Mike e Susan
noivado e pela promessa de casamento. Numa cena de estão cercados por um mundo atroz, que impede que os
beleza ímpar, Mike, já nos últimos andares da obsessão, desejos mais fundos sejam realizados.
faz Susan perder o brilhante de seu anel de noivado na Filme-obsessão, O ato final desce em espiral ao
neve. Susan desespera-se e, agachada, busca a pedra do coração da loucura de Mike para lá encontrar não apenas
anel a todo custo. A mulher liberada, verdadeira rebelde o ninho de frustrações pessoais, mas também o caroço de
do amor, rasteja caninamente sobre a neve em busca do todas as repressões morais da geração flower power. Após
sinal maior da convenção. Aflita, lembra constantemente ajudar Susan a achar o diamante perdido do anel, Mike
o valor do diamante. Mike, por sua vez, ao fim do filme, ganha a chance de se deitar com ela, ali mesmo, dentro
ao finalmente se deitar com Susan, revela estar ainda da piscina esvaziada do clube onde trabalham. O enlace é
preso nos ancestrais porões do machismo, incapaz de rápido e mal-resolvido (fronteira tênue entre a ejaculação
lidar com a liberdade sexual (e vital) de Susan, investindo precoce e a broxada). Susan se levanta e diz a Mike que
contra ela violenta e angustiadamente. A juventude liberal “está tudo bem”. Virgindade perdida ou não, o encontro
ainda tem no horizonte mais seguro uma vida antiga e com o corpo nu de Susan é um passo adiante no mundo
conservadora. Por sob a pele da Swinging London, os masculino. Mas Mike não sabe se adentrou ao clube de
jovens ainda viviam “como nossos pais”. maneira correta. Desesperado, pergunta a Susan se “com
seu namorado era diferente”, pede que o compare a seus
outros casos. Susan se prepara para ir embora quando, de
repente, numa irrupção improvável de um Deus ex machina
proletário, o encarregado das caldeiras de aquecimento
das saunas abre as comportas e a piscina começa a se
encher de água. As águas transbordam, “ejaculam”, se
formos direto ao ponto, o desejo que Mike não conse-
guiu realizar. Transtornado, ele tenta impedir Susan de ir
embora quando, num lance patético (de paixão e ridículo)
por excelência, Mike golpeia a cabeça dela com um refletor
e abraça o seu corpo, que cai lentamente por sobre a água
que já preenche a piscina.
Só assim, acalmada à força, na frieza vermelha da
morte, Mike pode sentir-se dono de Susan. Enquanto a
piscina se enche, o vermelho do sangue e dos cabelos
88
de Susan mistura-se à água azul. A piscina tingida dá o SOBRE OS AUTORES
resumo da complexidade de O ato final: olhar crônico sobre
os anos 1960, está claro que o mundo velho, masculino, do
jovem ansioso em saber se com outros é melhor que com
ele, só pode lidar com a liberdade de Susan matando-a.
Ao mesmo tempo em que, num mundo atroz, no qual a
juventude, mesmo enfileirando barricadas e guitarras,
ainda enxerga no casamento uma proteção, o único modo
de consumar o amor de fato é após a morte. Para Mike e
Susan, assim como para todo o ideário da geração liber-
tária dos anos 1960, o melhor lugar para respirar talvez
seja debaixo d’água.
Affonso Uchôa
Bacharel em Comunicação Social pela UFMG, cineasta
e curador cinematográfico. Participou das comissões
de seleção do Festival Internacional de Curtas de Belo
Horizonte (2010-2012) e do forumdoc.bh (2011). Em 2010
foi programador do Cine Humberto Mauro e desde 2009
faz a curadoria do programa Curta Circuito. Diretor de
Mulher à tarde (2010) e A vizinhança do tigre (2014).

Carla Maia
Ensaísta e pesquisadora de cinema, atua também
como professora, curadora e produtora. É doutora em
Comunicação Social pela FAFICH/UFMG e professora do
Centro Universitário UNA. Já organizou diversas mostras
de filmes e debates, entre elas, retrospectivas de Chantal
Akerman, Naomi Kawase, Pedro Costa e Rithy Panh. É 91
diretora do documentário Roda, codirigido por Raquel
Junqueira. Integra o coletivo Filmes de Quintal, que realiza
o forumdoc.bh. 

João Dumans
Produtor executivo e assistente de direção do filme Os
residentes (2010), roteirista e montador de A vizinhança do
tigre (2014) e roteirista de A cidade onde envelheço (2016).
Dirigiu o documentário Todo mundo tem sua cachaça (2014)
e o longa de ficção Arábia (em finalização), com Affonso
Uchôa. Em 2013, defendeu a dissertação de mestrado O
cinema de Straub e Huillet: diálogos com Pavese.

João Toledo
Roteirista, diretor e crítico de cinema. Escreveu para a
revista Filmes Polvo de 2007 a 2014 e já colaborou para
diversas publicações. Integrou a comissão de seleção
do Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte de
2011 a 2014. É codiretor e roteirista dos longas-metragens
Estado de sítio (2011), Aliança (2014) e de diversos curtas.
Recentemente roteirizou e dirigiu os curtas Como são
cruéis os pássaros da alvorada e Teacher (em finalização).
É sócio-fundador da produtora Filmes Sem Sapato.

José Luiz Soares Júnior


Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de
Pernambuco em 2004, com a tese O advento da Verdade
na obra de arte heideggeriana. Escreve na revista eletrônica
Cinética e no site português À pala de Walsh. Tem textos
publicados no site da revista espanhola Lumière.

Rachel Schefer
92
Pesquisadora, realizadora e programadora. Doutora CRÉDITOS
em Estudos Cinematográficos e Audiovisuais pela
Universidade Sorbonne Nouvelle — Paris 3.

Victor Guimarães
Doutorando em Comunicação Social pela UFMG e um dos
programadores do Cineclube Comum. Crítico na revista
Cinética desde 2012, foi professor do curso de Cinema
e Audiovisual do Centro Universitário UNA, um dos
coordenadores de programação do Festival Internacional
de Curtas de Belo Horizonte (2014) e integrante das
comissões de seleção do forumdoc.bh (desde 2012). Tem
textos publicados em revistas como Lumière (Espanha),
Senses of Cinema (Austrália), Desistfilm (Peru) e La Furia
Umana (Itália).
CADERNOS DO CINECLUBE COMUM

idealização/organização Mariana Souto e Victor Guimarães


editorial Maria Carolina Fenati
produção executiva Lygia Santos
assistente de produção executiva Karine Assis
revisão Bernardo RB
projeto gráfico/diagramação Ana C. Bahia

Volume 1: Políticas do Cinema Moderno


organização Victor Guimarães
autores Affonso Uchoa
Carla Maia
João Dumans
João Toledo
José Luiz Soares Jr.
Raquel Schefer

Volume 2: Políticas do Cinema Contemporâneo


organização Mariana Souto
autores Carla Italiano
Cláudia Mesquita
Hannat Serrat
Julia Fagioli
Leonardo Amaral
Mariana Souto
Roberta Veiga
Roberto Cotta
Victor Guimarães

Volume 3: Sabotadores da Indústria


organização Victor Guimarães
autores Calac Nogueira
Carla Italiano
Luís Fernando Moura
Marcelo Miranda
Raul Arthuso
Victor Guimarães
AGRADECIMENTOS
Sesc Palladium
Arthur B. Senra
Carlos Alberto Dias
Edson Júnior
Jansey Valdez
Marcelo David Moreira
Renato Cordeiro
Siomara Faria
Associação Imagem Comunitária
Alexia Melo
Clebin Quirino
Fabiana Santos
Marcelo Lin
Michel Brasil
Rafaela Lima

César Guimarães
Daniel Ribão
Eduardo Cerqueira
Ewerton Belico
Jaque Del Debbio
Julio Cruz
Júnia Torres
Luís Felipe Flores
Mariana Garcia
Marie Paes
Marília Rocha
Nicole Brenez
Nuno Manna
Rafael Azevedo
Apoio cultural Realização
Apoio cultural Realização

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