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Literatura Infantojuvenil

Prof. Abraão Junior Cabral e Santos


Prof.ªJackeline Maria Beber Possamai
Prof.ª Joseni Terezinha Frainer Pasqualini

2013
Copyright © UNIASSELVI 2013

Elaboração:
Prof. Abraão Junior Cabral e Santos
Prof.ªJackeline Maria Beber Possamai
Prof.ª Joseni Terezinha Frainer Pasqualini

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

028.5
S237l Santos, Abraão Junior Cabral e
Literatura infantojuvenil / Abraão Junior Cabral e Santos;
Jackeline Maria Beber Possamai; Joseni Terezinha Frainer
Pasqualini. Indaial : Uniasselvi, 2013.
175 p. : il

ISBN 978-85-7830-710-3

1. Literatura infantojuvenil.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Impresso por:
Apresentação
Caro(a) acadêmico(a)!

Neste Caderno de Estudos, esperamos mediar o encontro da literatura


com questões que possam auxiliar sua prática pedagógica, bem como fixar,
aprofundar, estabelecer relações e dar continuidade aos estudos iniciados
com a disciplina de Teoria Literária e, principalmente, que, ao término dessa
disciplina, você possa perceber a importância da literatura na sala de aula e
na vida do indivíduo.

A literatura é conhecimento produzido historicamente, objeto de


interrogação, dúvida e pesquisa. Civiliza, educa e “humaniza”, na medida
em que sugere melhores formas de vida e se constitui como exercício de
liberdade, inquietação, crescimento e perplexidade.

Neste Caderno de Estudos chamamos a atenção para o fato de que,


muitas vezes, a literatura é metodicamente submetida a rotinas padronizadas,
perdendo seu sentido mais profundo. Torna-se mera soma de palavras e frases,
concebida como um sentido preestabelecido, ou seja, os alunos leem somente
para transcrever recursos estilísticos, para estudar análise sintática, procurar
palavras no dicionário, estudar normas gramaticais e aprender modelos de
conduta moral. Esta última, muito enfatizada na escola, sobretudo na literatura
infantil, apresenta textos somente com o intuito de que as crianças assimilem
padrões de conduta adequada à ordem social. Essas práticas podem ser fator
decisivo e determinante para o distanciamento da literatura.

A literatura infantojuvenil é um aparato facilitador para despertar o prazer


da leitura e deveria ocupar lugar de destaque no cotidiano escolar e familiar. O
desafio é incentivar a dimensão prazerosa, lúdica e estética da literatura e, ainda,
por meio dela, proporcionar que o leitor se depare com sentidos e identificações
do lido, explorando-os, aprendendo sobre os medos, angústias, lutas, coragem,
amor e o mundo que o cerca. Para tanto, é imperativo que o professor avalie e
reflita entendendo sua intenção primeira: suscitar e despertar o gosto pela leitura.

A necessidade da literatura em sala de aula é algo incontestável.


Em especial, neste espaço privilegiado pela possibilidade de apresentação e
interação do texto literário, pois contribui para a ampliação de conhecimentos,
permite a interpretação do mundo como um texto universal e a percepção de
sua complexidade. Ainda nessa perspectiva, expande e reforça a ideia de que
cada indivíduo é sujeito e agente de sua própria história.

Na sala de aula deve existir muita leitura, de vários gêneros literários,


a fim de que o aluno possa melhor refletir, compreender, problematizar
III
e questionar os textos lidos, fazendo uso de sua criticidade e, também, da
habilidade em lidar com as regras estabelecidas para a leitura. Ler significa
aprender a produzir sentidos inseridos em um tempo e em um espaço,
tornando o exercício de leitura ativo.

Não temos a pretensão, caro(a) acadêmico(a), de esgotar as reflexões


sobre a literatura infantojuvenil, mas esperamos colaborar para apontar
questões teóricas e práticas, o que, sem dúvida alguma, contribuirá para sua
postura frente à literatura em sala de aula.

Bons estudos e sucesso em sua vida acadêmica!

Prof. Abraão Junior Cabral e Santos


Prof.a Jackeline Maria Beber Possamai
Prof.a Joseni Terezinha Frainer Pasqualini

UNI

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano,
há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o


material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato
mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação
no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir
a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
UNI

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos


materiais ofertados a você e dinamizar ainda
mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza
materiais que possuem o código QR Code, que
é um código que permite que você acesse um
conteúdo interativo relacionado ao tema que
você está estudando. Para utilizar essa ferramenta,
acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor
de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa
facilidade para aprimorar seus estudos!

V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA........................................................... 1

TÓPICO 1 – O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?....................................... 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 ASSIMETRIA ENTRE MATURIDADE E INFÂNCIA................................................................... 4
3 O PENSAMENTO FELIZ: ENTRE O LÚDICO E O LÚCIDO...................................................... 9
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 14
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 16
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 17

TÓPICO 2 – A LITERATURA ENTRA NO JOGO............................................................................. 19


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 19
2 A ARTE E A PALAVRA......................................................................................................................... 19
3 A LITERATURA COMO FONTE HUMANIZADORA.................................................................. 24
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 31
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 32

TÓPICO 3 – CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA............................................. 33


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 33
2 O LITERÁRIO: ASPECTOS QUE O DEFINEM.............................................................................. 33
3 O TEXTO LITERÁRIO E O TEXTO NÃO LITERÁRIO................................................................. 37
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 41
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 42

UNIDADE 2 - A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES............................................ 43

TÓPICO 1 – ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL.................................................................. 45


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 45
2 OS TEXTOS DESTINADOS AO JOVEM LEITOR......................................................................... 46
3 A LITERATURA INFANTIL – UM POUCO DE HISTÓRIA........................................................ 47
3.1 PANORAMA DA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA...................................................... 51
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 57
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 58

TÓPICO 2 – GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I ...................................................... 61


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 61
2 AS NARRATIVAS E O ESTILO.......................................................................................................... 61
3 NARRATIVAS: O CONTO ................................................................................................................. 64
3.1 OS CONTOS DE FADA................................................................................................................... 65
4 O PODER DOS CONTOS NA CONTEMPORANEIDADE ........................................................ 68
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 72
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 74

VII
TÓPICO 3 – GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II .................................................... 77
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 77
2 A COMPOSIÇÃO DOS TEXTOS LITERÁRIOS............................................................................. 77
2.1 A AÇÃO ............................................................................................................................................ 79
2.2 AS FALAS NA NARRATIVA.......................................................................................................... 80
2.3 O ESPAÇO.......................................................................................................................................... 84
2.4 O TEMPO........................................................................................................................................... 85
3 A PERSONAGEM E SEUS ASPECTOS............................................................................................ 85
3.1 A FÁBULA ........................................................................................................................................ 89
3.2 A LENDA .......................................................................................................................................... 90
3.3 A PARÁBOLA................................................................................................................................... 92
3.4 A PARLENDA .................................................................................................................................. 92
3.5 O ROMANCE.................................................................................................................................... 94
4 LEITURA E A DIMENSÃO COGNITIVA........................................................................................ 95
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 98
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 102
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 104

UNIDADE 3 - O PAPEL DA ESCOLA ................................................................................................ 105

TÓPICO 1 – O DIVERTIDO PRAZER DE LER.................................................................................. 107


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 107
2 A SALA DE AULA: QUE TEXTOS ESCOLHER?............................................................................ 107
3 INVERTENDO A TRADIÇÃO .......................................................................................................... 112
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 114
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 115

TÓPICO 2 – A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA............................................................................ 117


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 117
2 A RECEPÇÃO DO LIVRO INFANTIL.............................................................................................. 117
3 A IMAGEM: LUGAR ESPECIAL........................................................................................................ 122
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 131
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 132

TÓPICO 3 – EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS................................................................. 133


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 133
2 LEITURA DO MUNDO: A LITERATURA ..................................................................................... 134
3 A DESCOBERTA DA POESIA ........................................................................................................... 144
3.1 O TEATRO......................................................................................................................................... 149
4 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS................................................................................................ 156
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 159
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 162
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 163
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................................... 165

VIII
UNIDADE 1

CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:

• refletir sobre a assimetria entre o adulto e a criança;

• identificar possíveis conceitos atribuídos à literatura;

• diferenciar um texto literário de um texto não literário;

• refletir sobre as funções da literatura;

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles você
encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

TÓPICO 2 – A LITERATURA ENTRA NO JOGO

TÓPICO 3 – CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL


O MODELO?

1 INTRODUÇÃO
Prezado(a) acadêmico(a), nesse tópico você entrará em contato com
algumas teorias e discussões, em torno das quais importantes relações se
estabelecem entre arte e infância. Para tanto, não só o presente texto, quanto os
demais tópicos desta unidade, estão construídos de modo a possibilitar-lhe não
apenas tecer considerações acerca da temática em questão, como também em
ajudá-lo(a) a colher implicações que, em alguma medida, possam auxiliá-lo(a) a
melhor observar, refletir e posteriormente opinar sobre a realidade da literatura
infantojuvenil no contexto atual das instituições de ensino.

Assim, observaremos primeiro o quanto a construção da nossa civilização


“escolarizada” se deveu ao aprisionamento de nossa gestualidade espontânea, que
em sua origem marcava não um divórcio, mas uma identidade entre o lúdico e os
afazeres cotidianos, que acabaria sendo amordaçada pelo pensamento racional,
o qual, ao fazer prevalecer os pontos de vista do adulto, acabaria por normatizar
diversas instituições sociais, como a escola e a literatura destinada à criança.

Em seguida, verificaremos o lugar do pensamento lúdico na atualidade, seja


a partir da relação assimétrica que socialmente se constrói entre a magia infantil
e a lógica do indivíduo adulto, seja segundo a aparente evolução da consciência
mítica em direção à racionalidade pragmática, que, nesse percurso, desfaz-se do
caráter mágico inerente ao lúdico.

Ora, há de se constatar que essa aparente “evolução” da racionalidade


rumo a formas de expressão mais refinadas não deveria descartar o poder
“mágico” presente nas manifestações literárias, já que elas surgem como formas
artísticas calcadas no pensamento mítico e em atividades lúdicas praticadas desde
o aparecimento de nossa espécie e até hoje consolidadas como formas significativas
de revelação do real.

3
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

2 ASSIMETRIA ENTRE MATURIDADE E INFÂNCIA

Quando guri, eu tinha de me calar à mesa; só as pessoas


grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar
calado para as crianças falarem (QUINTANA, 1979, p.
28)

Você se lembra de como, no tempo em que você era pequenininho, seus


pais ou parentes mais próximos reagiam às brincadeiras ou às “traquinagens” das
crianças de sua geração? Lembra, ademais, que tipo de expressões ou formas de
linguagem eles utilizavam em tais momentos, quer fosse para elogiar essas mesmas
ações, quer fosse para censurá-las ou, no pior dos casos, para reprimi-las?

Nessas situações, você também deve lembrar que, de modo semelhante


à maneira como os adultos de antigamente nos tratavam, nós – não porque
verdadeiramente o sejamos, mas tão somente porque agora ocupamos o lugar
destinado a quem deve ser “o mais sábio” ou “o mais forte” –, diante da criança em
geral, sentenciamos: “escute a voz da razão”, “você precisa aprender a crescer”,
“tenha juízo”, “siga quem tem mais experiência do que você” etc.; expressões
que demarcam claramente o lugar de quem manda e, em contrapartida, o lugar
destinado a quem deve obedecer.

Caro acadêmico(a), para aprofundarmos essa reflexão sobre as relações


entre maturidade e infância, seria interessante você parar por alguns instantes
e fazer um pequeno exercício de memória. Primeiro, tente identificar quais
expressões eram utilizadas pelos adultos no tempo em que você era criança e que
ainda lhe soam familiares; em seguida, observe as expressões que você emprega
hoje em dia ao tratar com as crianças da atual geração. Caso tenha conseguido
identificá-las, anote algumas dessas expressões no diagrama a seguir e, em sala de
aula, troque suas experiências com as dos colegas:

Ora, uma das possíveis consequências de tal exercício é que, a partir da


experiência pessoal, podemos constatar que essas expressões não só revelam, mas
simultaneamente contrapõem dois modos distintos de se perceber e experimentar
a existência, a saber: um primeiro modo, geralmente considerado irracional, por
vezes pueril e inerente a quase todo indivíduo que se encontre na fase “transitória”

4
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

da infância; e, em um segundo modo, considerado harmônico, equilibrado e


característico não apenas do indivíduo adulto, mas através dele se estabelecendo
como parâmetro ou modelo para pautar a existência e as atitudes de qualquer ser
humano, independente da faixa etária em que ele se encontre.

UNI

Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o vocábulo “Assimetria”


refere-se a um substantivo feminino, enquanto a palavra “Assimétrico” refere-se a um adjetivo,
ambos os termos designando: ausência de simetria; que não tem simetria; dessimetria;
dissimétrico.

É o que também sustenta Bettelheim (2007, p. 9), quando, “ao valer-se de


um viés do discurso psicanalítico, busca compreender quais práticas culturais ou
ações educativas seriam mais adequadas a operar a passagem da fase infantil para
a fase adulta”. Assim, ao defender a utilização do repertório dos contos de fadas
tradicionais como modelo predominante na educação familiar, acaba depondo
em favor da hierarquia assimétrica que tem predominado nas relações entre
maturidade e infância:
Somente na idade adulta uma compreensão inteligente do significado de
nossa existência neste mundo pode ser obtida de nossa experiência nele.
Infelizmente, muitos pais querem que as mentes dos filhos funcionem
como as suas – como se uma compreensão madura de nós mesmos e do
mundo e nossas ideias sobre o significado da vida não tivessem que se
desenvolver tão lentamente quanto nossos corpos e mentes. Hoje, como
no passado, a tarefa mais importante e também mais difícil na criação de
uma criança é ajudá-la a encontrar significado na vida. (BETTELHEIM,
2007, p. 10, grifo nosso).

Dessa forma, ainda que o autor reconheça o “encontrar significado para


a vida” como um dos eixos da condição existencial de qualquer indivíduo, não
importa em que faixa etária este se encontre, Bettelheim não deixa de corroborar
com a existência de dois pontos de vista assimétricos, dos quais acaba por optar,
ainda que implicitamente, pela perspectiva do adulto, cujo equilíbrio e maturidade
deve progressivamente orientar o olhar “equivocado e fantasioso” da criança:

A criança, à medida que se desenvolve, deve aprender passo a passo a


se entender melhor; com isso, torna-se mais capaz de entender os outros
e, eventualmente, pode se relacionar com eles de forma mutuamente
satisfatória e significativa. (...) Com respeito a essa tarefa, nada é mais
importante que o impacto dos pais e das outras pessoas que cuidam
da criança; em segundo lugar vem a nossa herança cultural, quando
transmitida à criança de maneira correta. (BETTELHEIM, 2007, p. 10,
grifo nosso).

5
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

Mais adiante, constatará Magalhães (1984 apud ZILBERMAN, 1984), essa


transmissão idealizada de normas, propalada tanto pelas instituições tradicionais
quanto pelos comportamentos e atitudes “maduras” dos adultos, visaria transformar
a criança em um “adulto pacificado”, ou, melhor dizendo, em um indivíduo capaz
não apenas de conter, por meio de ponderações racionais, suas inquietações, como
também de responder a eventos imprevistos de uma maneira educada e lógica:

E aqui se situa a contradição da preocupação educativa na transmissão


de normas: o objeto das tarefas pedagógicas é um sujeito ideal, membro
de uma sociedade que se espera construir um dia, graças à transmissão
de padrões vigentes que não conseguiram concretizar a ordem social
almejada. À caça do sonho, todos os conceitos pedagógicos estão
voltados para a criança no sentido de dizer no que ela deve se tornar.
O objetivo da pedagogia só será atingido se ela conseguir realizar
um sujeito senhor de sua própria linguagem e de seus atos, dirigido
pela razão e pela lógica, sujeito do consciente e destituído de conflito.
(MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 43).

E
IMPORTANT

A partir das observações anotadas até aqui, você consegue imaginar o quanto
esse modo assimétrico de relação, que se estabelece entre a criança e o adulto, pode ir muito
além da relação familiar, adentrando quase todas as esferas de convívio social? Percebe também
que, como uma regra geral, quase sempre se dá a primazia do segundo modo de existência
sobre o primeiro, fazendo predominar os valores e os pontos de vista dos adultos?

Portanto, não havia nada de acidental no fato de Platão (1999) conceber em


sua “República” ideal – que ademais serviria de modelo para se pensar, dentro dos
padrões da civilização ocidental – a arte, pois o processo adequado de aquisição e
transmissão do conhecimento deveria se pautar prioritariamente pelo pensamento
racional, o que implicava reconhecer que os sentimentos, as emoções, as experiências
lúdicas e as formas míticas de compreensão do mundo – que são inerentes tanto
ao saber artístico quanto à infância – se firmariam sobre as aparências das coisas e,
consequentemente, só poderiam fornecer um saber equivocado da realidade.

Ora, sabemos que, desde a Grécia antiga, o único espaço em que se


conseguiu fazer convergir essas duas ordens aparentemente antagônicas – a saber:
o pensamento lúcido e racional do adulto, e o pensamento lúdico e espontâneo da
criança – foi, não propriamente a escola, mas sim a obra de arte. Esta, onde quer
que seja pensada (como mais adiante veremos no caso da literatura infantojuvenil),
vincula-se a formas de compreensão da realidade que não se pretendem
absolutamente “verdadeiras” ou universais, tal como o fazem os saberes científicos
e a especulação filosófica, mas, ao contrário, por admitir sua própria parcialidade,
acaba comportando pontos de vista particulares, subjetivos, guardando assim um
estreito parentesco com as formas como as crianças, movidas pela admiração e
pela fantasia, lidam, nomeiam e inventam a sua realidade presente.
6
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

UNI

Para Platão, haveria dois mundos intercomunicáveis através da mímesis (cópia ou


representação): o mundo das ideias, perfeito, habitado pelos deuses e onde residiria a verdade,
e, em contrapartida, o mundo sensível, material, precário e imperfeito da existência humana. A
tarefa do filósofo consistia em desvendar o mundo sensível, aparente e falso, em proveito da
inteligibilidade do mundo das ideias. Assim, no capítulo X do livro A República, o filósofo, através
da metáfora da cama e do pintor, desqualifica o artista e a obra de arte: primeiro haveria a cama
idealizada, possível no mundo das ideias, e portanto perfeita; depois, a cama feita pelo marceneiro,
que seria uma cópia precária da cama ideal do mundo das ideias; por último, teríamos a cama
do pintor, que imita a cama do marceneiro, que, por sua vez, já havia imitado a cama do mundo
das ideias, portanto uma cópia de uma outra cópia. Dessa forma, a cama pintada pelo artista seria
a imitação mais falsa de todas e, por esse motivo, através da hierarquia mimética, o artista e seu
falso saber não deveriam participar da República.

Você deve concordar que, ainda nos dias atuais, é a escola, e não a obra
de arte, o principal espaço encarregado de transmitir e redimensionar a herança
cultural entre gerações. Se assim o for, também poderemos concordar que a sua
evolução na história se daria conforme a escola, na contramão do pensamento
platônico, não mais recusasse o saber apreendido pelas sensações, pelas emoções
e pela imaginação, e passasse a adquirir características de uma obra de arte,
desfazendo-se, portanto, dos modelos ideológicos vigentes que mantinham a
compreensão equivocada de que a infância fosse apenas uma fase aberta a toda
sorte de fantasia, crença no maravilhoso e em distorções da realidade palpável.

Antes de prosseguirmos nessa linha de raciocínio, que tal fazermos uma


pequena reflexão? Pense: após tanto tempo inseridos nesse paradigma cultural
advindo do platonismo, que inicialmente se baseava na abstração da existência
corporal e no pensamento racional, e que foi posteriormente acrescido de valores
econômicos e burgueses, como o pragmatismo e a utilidade – e que enfim afetariam
os modos de se pensar a educação e as concepções formais e informais de ensino
por vários séculos, você acredita que esse modelo já estaria superado? Façamos,
então, um breve exercício: vamos ler um dos excertos literários de Mário Quintana,
O velho e o acaso, que versa sobre a temática em questão para, em seguida, opinar:

O velho mendigo que neste momento acaba de encontrar num monte


de sucata a lâmpada de Aladino – tão amassada, tão enferrujada e de feitio
tão esquisito –, eis que ele a abandona e leva, em vez dela, uma útil chaleira.
Uma chaleira sem tampa, digo eu, para os que gostam de pormenores. E não é
esta a primeira vez que o acaso, inocentemente, assim estraga uma bela história
(QUINTANA, 1979, p. 5).

7
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

AGORA PENSE E RESPONDA: Para você, o mendigo em questão teria


agido coerentemente? Dito de outro modo: em seu lugar você também teria optado
pela chaleira ao invés da lamparina? Por quê?
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Vivemos de tal maneira enraizados no universo lógico do adulto que em nada


nos estranharia – se pensarmos a partir da parábola literária de Quintana – se algum
de nós, mesmo que se tratasse de um mendigo, decidisse recolher a velha chaleira sem
tampa – posto nela ainda haver alguma serventia –, mas jamais uma “inútil lamparina”
largada em um amontoado de lixo; e se esta fosse a opção frequentemente tomada,
então ela nos levaria a reconhecer que tal atitude referendaria o socialmente aceito,
quer dizer: a maneira como vivemos, o que já está consagrado pelo senso comum.

Assim, em um gesto aparentemente banal como esse, de modo consciente ou


não, mostramo-nos sempre aptos a referendar atitudes orientadas pelo paradigma
racional da utilidade e, em contrapartida – caso alguma escolha repousasse sobre
a velha lamparina –, essa outra atitude, já que imprevisível, seria provavelmente
considerada infantil, delírio de um sonhador, ou até mesmo taxada como sintoma de
desequilíbrio emocional.

De certa forma, tal constatação levar-nos-ia a reconhecer que somente na


infância – e, nesse sentido, deve-se estender o conceito de infância para além de uma
mera etapa cronológica, ou seja, para toda criança que permanece viva em nós –, por
ainda nos sentirmos capazes de magia, seríamos capazes de recolher, em sua face
dupla, a lâmpada encantada de Aladim.

FIGURA 1 - RETRATO III, JOAN MIRÓ

FONTE: Disponível em: <http:\\www.bibliofiliaentreparentesis.


blogspot.com>. Acesso em: 10 ago. 2012.

8
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

Dito de outro modo – e eis um lance de dados da esperança –, há uma


infância que se mantém viva, independente da faixa etária em que nos encontremos,
como bem se exemplifica no trabalho singular do artista, tal como se vê na parábola
literária de Mário Quintana, ou na feliz conjunção de infância e maturidade,
visualmente presente na tela de Joan Miró, mais acima.

3 O PENSAMENTO FELIZ: ENTRE O LÚDICO E O LÚCIDO

Li há tempos que num desses exóticos países do Oriente


(...) [que] um engenheiro inglês queria convencer o
respectivo xá, ou qualquer título que tivesse, que, em
nome do progresso, era urgente a construção de uma
estrada de ferro. E findou assim seu arrazoado: – A
estrada de ferro fará com que, em vez de trinta dias a
lombo de camelo, a viagem da capital à fronteira seja
apenas de um dia.
– Mas - objetou o soberano - o que é que vamos fazer dos
vinte e nove dias que sobram? (QUINTANA, 1979, p.
1).

Uma vez que pudemos constatar a presença marcante de uma relação


assimétrica entre a infância e a maturidade, inicialmente gestada no convívio
familiar, para depois desdobrar-se em outras esferas sociais, resta-nos refinar tanto
um referencial teórico quanto estratégias pedagógicas que ajudassem a minimizar,
mais especificamente a partir de um ponto de vista literário, os efeitos dessa tradição
cultural assentada sobre a diferença hierárquica do adulto sobre a criança que, sem
nos darmos conta, atravessa nossos gestos mais banais e cotidianos.

Em geral, observa-se que o conhecimento mítico da realidade –


particularmente característico do imaginário infantil e assaz presente no trabalho
dos artistas –, por não manter o pensamento congelado em ideias explicativas,
passa a ser encarado não como uma fonte possível de verdade, que tivesse uma
“lógica” própria, mas, ao contrário, passa a ser visto como etapa transitória em
direção a formas mais elevadas de reflexão, que no mundo ocidental, desde o ideal
da “república platônica”, deveriam levar aos ditames da consciência racional:

Platão – que talvez tenha compreendido aquilo que forma a mente


humana melhor do que alguns de nossos contemporâneos que querem
suas crianças expostas apenas a pessoas “reais” e a acontecimentos do
dia a dia – sabia o quanto as experiências intelectuais contribuem para
a verdadeira humanidade. Ele sugeriu que os futuros cidadãos de sua
república ideal começassem a educação literária com a narração de mitos,
em lugar de meros fatos ou dos assim chamados ensinamentos racionais.
(BETTELHEIM, 2007, p. 51).

Ora, se o próprio Platão chegaria a admitir a “narração de mitos” – tão


necessária à criança e tão característica do fazer literário – como um modo,
ainda que provisório, de compreensão da realidade, é porque ele também estava
reconhecendo que a abordagem mítica da existência – que acessa o real por meio

9
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

do lúdico e da fantasia, mantendo-se aberto a um jogo de significações incessantes


– conteria um modo de consciência não apenas provisório, mas também
imprescindível à elaboração do próprio real.

É assim que, antes de desenvolvermos a capacidade intelectual de expressar


conhecimento por meio da ordem, do cálculo e do que pode ser demonstrado
com clareza – que prioritariamente caracterizam a razão científica e a especulação
filosófica –, a primeira forma de racionalidade que nos aparece está ainda fortemente
impregnada por uma compreensão mágica e sobrenatural dos fenômenos, a
qual, por não poder ser logicamente comprovada, expressaria, para uma cultura
extremamente racional como a nossa, apenas visões comunitárias primitivas, ou
formas arcaizantes de compreensão da realidade.

Você consegue se lembrar de alguns relatos não científicos que os adultos


costumam dar às crianças para explicar determinados fenômenos da natureza?
Por exemplo, que na tradição cristã as chuvas e os trovões seriam causados por
uma faxina que São Pedro estaria fazendo no céu? A chuva corresponderia ao
momento em que ele joga a água no chão do céu, e o trovão derivaria de algum
tropeço, como quando o santo arrastasse ou derrubasse alguma cadeira? Lembra-
se de histórias similares a esta, que apresentam uma forma mítica de compreensão
da realidade? Anote-as no diagrama a seguir:

Ora, mas é justamente nessa forma “infantil” de racionalidade, ou seja,


a consciência mítica que se expressa muito mais do que uma incoerência ou
falta metodológica, pois é dela que pode advir um saber, portanto, inacessível à
racionalidade lógica: seja através de narrativas ficcionais que revelam mundos
paralelos, seja por intermédio de ritos que apreendem manifestações provisórias
da existência dos seres – a sutil passagem entre o humano e o não humano.

Esses saberes, de certo modo inapreensíveis à consciência racional, estão


presentes na arte e no pensamento infantil através da consciência mítica que, de
modo exemplar, frequenta as histórias ficcionais e a invenção do maravilhoso, aí
se revelando não só como formas de compensação às verdades dolorosas atestadas
pela racionalidade – compensação que Aristóteles, no livro Poética, nomearia
como a “catarse” promovida pela obra de arte, que nos faz experimentar, por
instantes, “fingindo ser verdade”, o que de fato um dia será, tal como a consciência
paralisante de nossa morte –, mas sobretudo perpetuando um poder mágico que
razão nenhuma até agora conseguiu desmontar.

10
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

UNI

Caro(a) acadêmico(a), você já estudou sobre a “catarse” aristotélica no caderno


de Teoria da Literatura. Entretanto, vale a pena observar as acepções deste termo retiradas do
Dicionário Houaiss:
substantivo feminino
1 na religião, medicina e filosofia da Antiguidade grega, libertação, expulsão ou purgação do que
é estranho à essência ou à natureza de um ser e que, por isso, o corrompe.
2 Rubrica: estética, teatro.
purificação do espírito do espectador através da purgação de suas paixões, esp. dos sentimentos
de terror ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico.
3 Rubrica: medicina.
evacuação dos intestinos.
4 Rubrica: psicanálise.
operação de trazer à consciência estados afetivos e lembranças recalcadas no inconsciente,
liberando o paciente de sintomas e neuroses associadas a este bloqueio.
5 Rubrica: psicologia.
liberação de emoções ou tensões reprimidas, comparável a uma ab-reação.
6 Rubrica: psicologia.
efeito liberador produzido pela encenação de certas ações, esp. as que fazem apelo ao medo e
à raiva.
FONTE: HOUASSIS; VILLAR, 2009, p. 422)

Ademais, se essa forma de racionalidade “primitiva”, que nunca desaparece


completamente, se desenvolve em direção a formas mais elaboradas da consciência,
portanto mais afastadas de nossa gestualidade espontânea, da compreensão da
realidade através dos jogos, da experimentação infantil, do lúdico enfim, é porque
ela se faz como ponte entre o que em nós é ainda “natureza” e nossa outra forma
de natureza, mais sofisticada, cultural.

FIGURA 2 - A DANÇA, HENRI MATISSE

FONTE: Disponível em: <http:\\henrimatisse.ladanse.firstversion.jpg>. Acesso


em: 20 ago. 2012.

11
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

De modo geral, o mundo adulto confere ao lúdico apenas uma importância


parcial, secundária e temporalmente localizada em determinada etapa do
desenvolvimento infantil. Assim, embora ela seja admitida como atividade
necessária ao crescimento saudável da criança, a atividade lúdica acaba por
ser reduzida ao formato útil de brincadeiras e jogos destinados a promover a
necessária – esta sim uma função importante – internalização de regras, padrões e
comportamentos sociais:

Dessa forma, [se] estabelece uma relação do jogo com os demais


fenômenos da vida, ao mesmo tempo em que o marginaliza por não se
inserir no conjunto de atividades práticas. Eis por que o jogo é aceito
como atividade infantil e, como tal, é estimulado, contanto que não
haja necessidade de a criança participar da manutenção da família.
(MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 26).

Visto dessa maneira, o jogo, que, de um modo quase unânime é compreendido


como a forma mais expressiva do ludismo infantil, acaba por demonstrar a visão
excludente que, de modo exemplar, a sociedade adulta – sempre voltada para o
que é útil e pragmático, desde a ascensão burguesa do capitalismo – mantém com
a infância:

Com frequência [o jogo] é reconhecido como tendo uma função


importante na vida infantil, mas se espera que, ao longo do processo de
desenvolvimento, a criança se afaste do jogo e o substitua por atividades
úteis, só retornando ao comportamento lúdico de forma ocasional, como
uma pausa recreativa. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 26).

UNI

O termo lúdico advém do latim, mais especificamente da palavra ludus, que


inicialmente significava jogo e que se associava, dessa forma, a movimento espontâneo, à
brincadeira ou ao ato simples de jogar. Entretanto, com a evolução da sociedade burguesa,
a expressão paulatinamente ampliaria sua conotação semântica, de certo modo expandindo
seu sentido inicial, vinculado à espontaneidade, em proveito do sentido de necessidade, isto
é, como lazer compensatório em relação às atividades laborais diárias.

Há de se concluir que o jogo, tanto em sua modalidade corporal, mais


característica de brincadeiras marcadas ora por uma gestualidade rítmica
incessante (corridas, competições, jogos de esconder etc.), ora por enleios ou
formas mais serenas de diversão (brincadeiras de casinha, jogos com bonecas,
passar o anel etc.), quanto em sua modalidade linguística (como nos conhecidos
jogos com palavras, trava-língua etc.), o jogo, ou o lúdico enfim – afora cumprirem
a tarefa ordeira de facilitar a internalização de regras sociais pela criança – acabam
geralmente enquadrados no papel secundário de preencher o tempo inútil e ocioso
dos pequenos:

12
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

Há, porém, uma característica que, apesar da ausência de uniformidade,


distingue qualquer tipo de jogo, enquadrando-o num determinado
comportamento: o jogo se coloca como uma atividade marginal perante
atividades como comer e trabalhar, porque não é gerado por uma
necessidade biológica, nem por um interesse pragmático. Não é uma
obrigação, nasce da ociosidade e, com esse caráter, se opõe ao que se chama
de atividades sérias. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 26).

Assim, muito mais do que atestar o lugar do jogo e do brinquedo de criança


como espécies de “gestualidades pueris”, destinadas exclusivamente a preencher
uma ociosidade gratuita e vazia, esse modo “adulto” de compreender o lúdico
como ímpeto sem direcionamento objetivo ou qualquer uso prático, demarca,
entretanto, o lugar que o lúdico reserva ao próprio adulto, isto é, como o lugar
do lazer, do descanso, ou como repositor das energias consumidas em atividades
úteis como o trabalho e outros compromissos sociais: “O adulto confere ao jogo um
valor muito limitado. Reconhece sua eficácia na restauração das energias gastas
no trabalho e acredita no seu valor terapêutico, quando a tensão do empenho
produtivo se tornou excessiva” (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 25).

Você, acadêmico(a), consegue lembrar dos jogos e brincadeiras praticados na


infância ou que outras crianças praticavam?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________.

Você recorda também de que modo esses jogos eram vistos, isto é, que valor
lhes eram atribuídos pelas próprias crianças e pelos adultos daquela época?
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_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________.

A partir do ponto de vista do jogo, encontramos um saber comum tanto


à infância quanto à verdadeira especulação filosófica. Enfim, muito mais do que
compreender o lúdico como lugar de passagem entre a consciência mítica e a
consciência racional, trata-se de apontar seu poder de restituição de uma atmosfera
mágica – capacidade de admiração, de espanto diante da realidade – que se faz
presente no simples ato de viver, no ato de admirar-se com as coisas que está na
raiz de toda sorte de filosofia; isto é, na compreensão dos dados existenciais.

Ademais, é de importância capital assinalar a permanência do lúdico tanto


na concepção quanto na fruição da obra de arte, posto que ela – regra geral – tende
a quebrar a “seriedade” da compreensão lógica, abrindo, ao menos por virtude de
semelhança com o real, possibilidades de se chegar a outras formas de verdade, a
saber: não planejadas, surpreendentes, por vezes mágicas.

Vamos ler o texto Magia e Felicidade. Sublinhe o que você considerou mais
importante. Pense na relação jogo, ludicidade, criança e felicidade.

13
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

LEITURA COMPLEMENTAR

MAGIA E FELICIDADE

Giorgio Agamben

Benjamin disse, certa vez, que a primeira experiência que a criança tem
do mundo não é a de que “os adultos são mais fortes, mas sua incapacidade de
magia”. A afirmação, proferida sob o efeito de uma dose de vinte miligramas de
mescalina, não é, por isso, menos exata. É provável, aliás, que a invencível tristeza
que às vezes toma conta das crianças nasça precisamente dessa consciência de não
serem capazes de magia. O que podemos alcançar por nossos méritos e esforço
não pode nos tornar realmente felizes. Só a magia pode fazê-lo. Isso não passou
despercebido ao gênio infantil de Mozart, que, em carta a Bullinger, vislumbrou
com precisão a secreta solidariedade entre magia e felicidade: “Viver bem e viver
feliz são duas coisas diferentes, e a segunda, sem alguma magia, certamente não
me tocará. Para isso, deveria acontecer algo verdadeiramente fora do natural”.

As crianças, como os personagens das fábulas, sabem perfeitamente que,


para serem felizes, precisam conquistar o apoio do gênio da garrafa, guardar
em casa o burrinho-faz-dinheiro [asino cacabaiocchi] ou a galinha dos ovos de
ouro. E, em todas as ocasiões, conhecer o lugar e a fórmula vale bem mais do que
esforçar-se honestamente para atingir um objetivo. Magia significa, precisamente,
que ninguém pode ser digno da felicidade, que, conforme os antigos sabiam, a
felicidade à medida do homem é sempre hybris, é sempre prepotência e excesso.
Mas se alguém conseguir dobrar a sorte com o engano, se a felicidade depender
não do que ele é, mas de uma noz encantada ou de um “abre-te-sésamo”, então, e
só então, pode realmente considerar-se bem aventurado.

Contra essa sabedoria pueril, que afirma que a felicidade não é algo que
se possa merecer, a moral colocou sempre sua objeção. E o fez com as palavras do
filósofo que, menos do que qualquer outro, compreendeu a diferença entre viver
dignamente e viver feliz. “O que em ti tende ardorosamente para a felicidade”,
escreve Kant, “é a inclinação, o que depois submete tal inclinação à condição de
que deves primeiro ser digno da felicidade é tua razão”. Mas de uma felicidade
de que podemos ser dignos, nós (ou a criança em nós) não sabemos o que fazer.
É uma desgraça sermos amados por uma mulher porque o merecemos! E como é
chata a felicidade que é prêmio ou recompensa por um trabalho bem feito!

Na antiga máxima segundo a qual quem se dá conta de ser feliz já deixou


de sê-lo, mostra-se que o estreitamento do vínculo entre magia e felicidade não
é simplesmente imoral, e que ele pode até ser sinal de uma ética superior. A
felicidade tem, pois, com seu sujeito uma relação paradoxal. Quem é feliz não
pode saber que o é; o sujeito da felicidade não é um sujeito, não tem a forma de
uma consciência, mesmo que fosse a melhor. Nesse caso a magia faz valer sua
exceção, a única que permite a um homem dizer-se ou considerar-se feliz. Quem
sente prazer de algo por encanto escapa da hybris implícita na consciência da

14
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

felicidade, porque a felicidade, embora ele saiba que a tenha, em certo sentido
não é sua. Assim, Júpiter, que se une à bela Alcmena, assumindo as feições do
consorte Anfitrião, não sente prazer com ela como Júpiter. Nem sequer, apesar das
aparências, como Anfitrião. Sua alegria pertence totalmente ao encanto, e se sente
prazer, consciente e puramente, só com o que obteve pelos caminhos tortuosos
da magia. Só o encantado pode dizer sorrindo: “eu”, e só a felicidade que nem
sonharíamos merecer é realmente merecida.

Essa é a razão última do preceito segundo o qual só existe sobre a terra uma
possibilidade de felicidade: crer no divino e não aspirar a alcançá-lo (uma variável
irônica é, em conversa de Kafka com Janouch, a afirmação de que há esperança,
mas não para nós). Essa tese aparentemente ascética só se torna inteligível se
entendermos o sentido do não para nós. Não quer dizer que a felicidade esteja
reservada apenas a outros (felicidade significa, precisamente: para nós), mas que
ela só nos cabe no ponto em que não nos estava destinada, não era para nós. Ou
seja, por magia. Nesse momento, quando a arrebatamos da sorte, ela coincide
inteiramente com o fato de nos sabermos capazes de magia, com o gesto com que
afastamos, de uma vez por todas, a tristeza infantil.

Se for assim, se não houver felicidade a não ser sentindo-nos capazes


de magia, então se torna transparente também a enigmática definição dada por
Kafka sobre a magia, ao escrever que, se chamarmos a vida com o nome justo, ela
vem, porque “esta é a essência da magia, que não cria, mas chama”. Tal definição
está de acordo com a antiga tradição que cabalistas e necromantes seguiram
escrupulosamente em todos os tempos, segundo a qual a magia é, essencialmente,
uma ciência dos nomes secretos. Cada coisa, cada ser, tem, além de seu nome
manifesto, um nome escondido, ao qual não pode deixar de responder. Ser mago
significa conhecer e evocar esse arquinome. Disso nascem as intermináveis listas
de nomes – diabólicos ou angélicos – com as quais o necromante garante para si o
domínio sobre potências espirituais. O nome secreto é para ele apenas a sigla de
seu poder de vida e de morte sobre a criatura que o traz.

Há, porém, outra e mais luminosa tradição, segundo a qual o nome secreto
não é tanto a chave da sujeição da coisa à palavra do mago, quanto, sobretudo, o
monograma que sanciona sua libertação com relação à linguagem. O nome secreto
era o nome com o qual a criatura havia sido chamada no Éden, e, ao pronunciá-lo,
os nomes manifestos e toda a babel dos nomes acabaram em pedaços. Por isso, a
criança nunca fica tão contente quanto quando inventa uma língua secreta própria.
Sua tristeza não provém tanto da ignorância dos nomes mágicos, mas do fato de não
conseguir se desfazer do nome que lhe foi imposto. Logo que o consegue, logo que
inventa um novo nome, ela ostentará entre as mãos o passaporte que a encaminha à
felicidade. Ter um nome é a culpa. A justiça é sem nome, assim como a magia. Livre
de nome, bem-aventurada, a criatura bate à porta da aldeia dos magos, onde só se
fala por gestos.

FONTE: AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 23-25.

15
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico você viu que:

• Algumas relações se estabelecem entre arte e infância com o intuito de questionar


em que medida essas mesmas relações podem estar influenciando a postura
social dos adultos e, mais especificamente, repercutindo na postura didática dos
professores em sala de aula.

• Pôde observar a condição assimétrica que se estabelece entre a magia infantil


e a lógica do adulto, ou seja, no quanto essa forma de relação tem afetado a
motivação e o desempenho escolar dos alunos.

• Pôde refletir que para uma concepção diferenciada de escola faz-se necessária a
distância de pontos de vista exclusivamente lógicos e racionais e, tal qual uma
obra de arte literária, a escola passe a incorporar referenciais lúdicos em todas as
dimensões do ensino.

• A presença de uma relação paradoxal entre a vida em sua forma espontânea e o


desenvolvimento regrado da criança, na medida em que à pretendida “evolução
social” têm correspondido restrições da espontaneidade e da expressão dos
indivíduos, seja pelo aprisionamento de sua gestualidade lúdica, seja pela limitação
da expressividade infantil, que poderiam reencontrar seu solo expressivo não só
através de brincadeiras, mas também por meio de um uso estético, literário, da
linguagem.

• Pôde compreender o lúdico como algo que possui um poder de restituição de


uma atmosfera mágica, da capacidade de admiração e de espanto diante da
realidade.

• O que comumente acontece em nossa sociedade e, consequentemente, na escola,


é a percepção do jogo, ou o lúdico como facilitador para a internalização de regras
sociais pela criança, geralmente enquadrados no papel secundário de preencher
o tempo inútil e ocioso dos pequenos.

16
AUTOATIVIDADE

Prezado(a) acadêmico(a), após ter completado a leitura do presente


tópico, reflita sobre as questões elencadas a seguir:
 
1 Você consegue observar que, independente dos meios, ou mídias – impressa,
cinematográfica, web etc. – em que é veiculada a transmissão de saberes entre
gerações, persistem relações assimétricas entre o universo adulto e o mundo
da criança?  
 
2 Você concordaria que, ao considerarmos a argumentação do
presente Caderno de Estudos, há uma relação evidente entre a
infelicidade adulta e a perda da inocência infantil? 
 
3 Como você proporia uma atividade em sala de aula que estabelecesse um
diálogo fora da via tradicional “professor-aluno”, mas que considerasse em
condições de igualdade os universos de sua geração e a de seus alunos?

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18
UNIDADE 1
TÓPICO 2

A LITERATURA ENTRA NO JOGO

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico buscaremos estabelecer uma aliança mais profícua entre
a literatura e a palavra a partir de uma breve fundamentação teórica acerca dos
modos de compreensão do objeto literário, para depois estabelecermos algumas
diferenças entre o literário e o não literário.

Assim, começaremos por mapear as características principais que definem


um texto literário, discorrendo sobre alguns dos elementos estruturais que o
definem – tema que será aprofundado na sequência desses estudos –, refletindo
especialmente sobre os repertórios voltados para a criança que, como vimos,
geralmente evidenciam uma tradição pedagógica baseada na transmissão de
valores do universo adulto.

2 A ARTE E A PALAVRA
Certo autor famoso dividiu um livro seu em duas
partes: na primeira, contos reais; na segunda, contos
fantásticos. Resultado: tem-se a frustrada impressão
de que ficou cada uma das partes amputada da outra,
quando na realidade os dois mundos convivem. Por que
chamar de invisível ou fantástico a esse mundo que por
enquanto não conseguimos apreender, em contraposição
a este mundo que está na cara (...)? (QUINTANA,
1979, p. 73).

De um modo geral, podemos entender a literatura como uma forma de


compreensão da realidade que, por não ter um compromisso direto com a verdade
instituída pela ciência, pela moral vigente ou pela racionalidade lógica, pode
valer-se de uma forma de discurso – ao qual chamamos de discurso ficcional
– que consegue reelaborar o real de um ponto de vista inusitado, e, na maior
parte das vezes, por saber fazê-lo de uma maneira prazerosa, tem a virtude de
promover, através de um ponto de vista diferenciado, um certo nível de instrução
e conhecimento, ao mesmo tempo em que diverte o leitor.

19
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

FIGURA 3 - MENINAS, PABLO PICASSO

FONTE: Disponível em: <http:\\www.coligacopoetica.blogspot.


om> Acesso em: 10 ago. 2012.

UNI

Caro(a) acadêmico(a), observe que João Cabral de Melo Neto (1997, p. 287), por
meio de um poema transcrito a seguir, define a essência da arte e, de modo especial, de sua
própria literatura.

“Miró sentia a mão direita


demasiado sábia
e que de saber tanto
já não podia inventar nada.

Quis então que desaprendesse


o muito que aprendera
a fim de encontrar
a linha ainda fresca da esquerda.

Pois que ela não pôde, ele pôs-se


a desenhar com esta
até que, se operando,
no braço direito ele a enxerta.

A esquerda (se não é canhoto)


é mão sem habilidade:
reaprende a cada linha,
cada instante, a recomeçar-se.”

20
TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO

É assim que o autor, no poema citado, ao tentar apreender algumas das


essências que perpassam a pintura do artista plástico Joan Miró, acaba capturando
os modos de fazer e de fruição comuns a qualquer obra de arte, inclusive à literatura.
Mais do que isso, o poeta-teórico demonstra o que viria a ser não apenas uma ação
autêntica, válida como modelo de composição de obras pictóricas ou literárias,
mas também sugere, de modo sutil, em que consistiria uma postura inovadora
diante da vida, a saber: a de reaprender a “cada instante, a recomeçar-se”.

Façamos uma outra reflexão: você já observou o quanto é raro, no dia a dia,
utilizarmos uma via inesperada, fora do comum, de nossa rotina habitual? Pense,
por exemplo, no percurso que você faz de casa para o trabalho, do trabalho para
a universidade, ou vice-versa... Não é fato que geralmente repetimos o caminho
mais fácil, rápido e usual? Percebe que raramente nos questionamos sobre isso? É
como se, quem é canhoto, raramente experimentasse a mão direita; ou a esquerda,
para quem é destro.

Dando continuidade às reflexões, se possível, rememore algumas ações que


surpreenderam a você mesmo(a). Anote-as aqui:

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________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________

Anotou? Então, continuemos...

Nesse sentido, uma autêntica aparição da infância independeria da


idade cronológica ou da faixa etária em que se encontre o indivíduo, pois a ela
corresponderia toda ação mediada pela “mão esquerda”, isto é, por uma atitude
que se põe fora do alcance tanto das formas de conhecimento previsíveis, quanto
dos modos de construção da realidade realizados a partir da lógica usual. Fazendo
uma analogia com o poema citado, significa dizer que a infância decorreria de uma
postura de distanciamento das verdades dogmáticas, metaforicamente produzidas
pelos usos modelares da “mão direita”.

Seguindo essa linha de raciocínio, interessa mais à literatura, enquanto


forma de arte ligada à palavra, não por descrever os fatos como eles são e dessa
forma conduzi-lo, pela ação de uma “mão direita”, para legitimar alguma hipótese
científica ou para dar veracidade a alguma especulação filosófica; mas, ao contrário,
à literatura interessam os fatos como eles deveriam ou poderiam vir a ser, fiel
apenas ao critério da “verossimilhança”, isto é, de alguma verdade postulada não
como real, mas como possível:

A literatura é chamada de ficção, isto é, imaginação de algo que não


existe particularizado na realidade, mas no espírito de seu criador. O
objeto da criação poética não pode, portanto, ser submetido à verificação
extratextual. A literatura cria o seu próprio universo, semanticamente

21
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

autônomo em relação ao mundo em que vive o autor, com seus seres


ficcionais, seu ambiente imaginário, seu código ideológico, sua própria
verdade: pessoas metamorfoseadas em animais, animais que falam a
linguagem humana, tapetes voadores, cidades fantásticas, amores
incríveis, situações paradoxais, sentimentos contraditórios etc. Mesmo
a literatura mais realista é fruto de imaginação, pois o caráter ficcional
é uma prerrogativa indeclinável da obra literária. (D’ONOFRIO, 2006
p. 19).

Uma das consequências de a literatura ser uma forma de tratamento


artístico da palavra que age por verossimilhança, portanto descomprometida com
as verdades factuais, é que ao estabelecermos uma analogia comparativa entre a
ficção literária e a realidade tal qual a compreendemos, aquela acaba por mostrar-se
muitas vezes mais eficaz e autêntica do que os relatos presos a descrições objetivas
da vida diária, o que particularmente se verifica nos relatos destinados à criança:

A cultura dominante deseja fingir, particularmente no que se refere às


crianças, que o lado obscuro do homem não existe, e professa a crença
num aprimoramento otimista. (...) [Em contrapartida] essa é exatamente
a mensagem que os contos de fadas transmitem à criança de forma
variada: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável,
é parte intrínseca da existência humana – mas que, se a pessoa não se
intimida e se defronta resolutamente com as provações inesperadas e
muitas vezes injustas, dominará todos os obstáculos e ao fim emergirá
vitoriosa. (BETTELHEIM, 2007, p. 15).

Assim, enquanto na vida real não nos é possível explicitar nossas emoções
mais baixas ou indesejáveis, que de fato sentimos em relação aos outros, a exemplo
do fingimento, que passa a ser, também, uma das características mais marcantes de
nossa existência cotidiana, em uma história ficcional, por sua vez, as personagens
podem se expressar inteiramente, revelando suas raivas, baixezas, temores e, dessa
forma, agem de um modo mais autêntico do que o fazemos na vida real.

Então, da relação entre a literatura e a vida, ou entre o ficcional e a


realidade, arma-se um paradoxo evidente, a saber: enquanto na vida real – que
não é fingimento – estamos continuamente fingindo, portanto fazendo dela
uma mentira, na literatura, por outro lado – que, por verossimilhança, deve ser
fingimento –, as personagens, por não necessitarem fingir, acabam sendo mais
reais do que as pessoas que encontramos fora dos livros.

22
TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO

UNI

Conceito de verossimilhança: a obra de arte, por não estar diretamente relacionada


com o mundo exterior, não é verdadeira em si mesma, entretanto possui equivalência de verdade,
ou seja, a ela se assemelha. Morfologicamente, a palavra verossimilhança pode desmembrar-se
em dois morfemas que nos revelam diretamente o seu sentido, a saber: vero, de “verdadeiro”, e
similhança, de “semelhante a”. Assim, a partir de sua raiz etimológica encontramos seu significado:
o de ser semelhante à verdade. Foi com o conceito de verossimilhança que Aristóteles corrigiu
a compreensão errônea da filosofia platônica que condenava a obra de arte como falsa e
inadequada à sociedade por aquela não ser reveladora da verdade. Para Aristóteles, bem ao
contrário, dizer a verdade era atributo exclusivo da racionalidade filosófica, e não da arte, a qual
deveria “fingir” ou ser “semelhante à verdade” para poder deleitar, agradar e envolver o público ou
o receptor da obra.

Eis, portanto, uma das razões pelas quais a arte é tão necessária ao homem:
embora ela esteja constantemente variando de modo de expressão, seja na pintura,
na literatura, no cinema etc., ela acaba por ser uma fonte autêntica – e, talvez, uma
das mais seguras – de compreensão da realidade.

A criança necessita muito particularmente que lhe sejam dadas


sugestões em forma simbólica sobre o modo como ela pode lidar com
essas questões e amadurecer com segurança. As histórias “seguras” não
mencionam nem a morte, nem o envelhecimento – os limites à nossa
existência –, nem tampouco o desejo de vida eterna. O conto de fadas,
em contraste, confronta a criança honestamente com as dificuldades
humanas básicas. (BETTELHEIM, 2007, p. 15).

Assim, a um certo momento, essa virtude da arte seria não só reconhecida,


mas em larga medida traduzida para uma outra finalidade, qual seja: a de
converter, através da escola e em nome da ordem vigente, a liberdade artística em
uma moralidade adequada à formação da criança,

cabendo à educação o papel de garantir a permanência da organização


social através da transmissão de regras a um sujeito reconhecido,
apenas, na sua reflexividade, a escola se torna o lugar da consagração do
sistema e a criança se transforma em aluno: aquele que deve aprender
as regras transmitidas. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 46).

Pensar sobre a literatura é também abrir espaço para discussões a


respeito da função que ela exerce na sociedade. É discorrer sobre a arte no espaço
escolar. Vejamos, caro(a) acadêmico(a), a importância da literatura na sociedade.

23
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

3 A LITERATURA COMO FONTE HUMANIZADORA


A literatura (e aqui incluímos também outras manifestações artísticas)
atende, como discutimos anteriormente, ao mundo da imaginação, propicia um
projetar-se para o mundo dos sonhos, para o lúdico, para a fruição, essenciais à
vida do homem. A partir dela poderemos compreender, interpretar, modificar ou
eternizar relações sociais.

Azevedo (2007) afirma que, embora não faça sentido discorrer sobre a
função da literatura, sua importância é indiscutível, pois é por intermédio dela
que entramos em contato com os temas humanos como a paixão, a amizade, o
autoconhecimento, a angústia, o ciúme, a mentira, a existência de diferentes pontos
de vista sobre determinado assunto. Além disso, para o autor,

o contato com temas da vida concreta e com vozes diferentes das nossas
pode, por meio da identificação, constituir um extraordinário recurso de
humanização e sociabilização. Em tempos de consumismo sem limites,
individualismo doentio e coisificação do homem – com efeitos nefastos
numa sociedade desequilibrada como a nossa –, a leitura de ficção e
poesia pode ter um papel regenerador e insubstituível. (AZEVEDO,
2007, p. 66).

Podemos afirmar que para a literatura são atribuídas natureza e funções


distintas, de acordo com a realidade cultural e social de cada época. Antonio
Candido assinala três funções para a literatura. Vejamos.

Você já fantasiou observando as estrelas, o mar ou as pessoas? Já fantasiou


sobre o amor? Sobre uma cena de novela? Ouvindo uma música?

Nós possuímos – mesmo que, como vimos, por vezes tolhida – a capacidade
de fantasiar e, para Candido, essa modalidade, possibilitada também por meio da
ficção, é muito rica. É o que ele nomeia de função psicológica. Ainda segundo o
autor, a fantasia tem uma estreita relação com a realidade, e é por meio dessa
ligação com o real que a literatura passa a exercer outra função: a formadora, que
atua como instrumento de formação e educação do ser humano, por exprimir
realidades permeadas pelas ideologias. Nas palavras de Candido (2002, p. 85), a
literatura “[...] não corrompe nem edifica, mas, trazendo livremente em si o que
chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo,
porque faz viver”.

Ainda, continua o autor, a literatura possui outra propriedade, qual seja,


uma força humanizadora, “não como sistema de obras, mas como algo que exprime
o homem e depois atua na própria formação do homem. E, dentre esta capacidade,
a de [...] confirmar a humanidade ao homem” (CANDIDO, 2002, p. 80) comporta
uma expressividade que corrobora por educar o gosto visual, serve à exploração
das formas, expressa a natureza e reflete a complexidade do ser humano.

24
TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO

Há que se considerar que a literatura se vale da língua, fonte de manifestação


de dimensões, padrões e momentos culturais. Umberto Eco (2003) explicita essa
questão quando afirma que

a língua vai para onde quer, mas é sensível às sugestões da literatura.


Sem Dante não haveria um italiano unificado. Quando Dante, em vulgari
eloquentia, analisa e condena os vários dialetos italianos e se propõe a
forjar um novo vulgar ilustre, ninguém apostaria em semelhante ato de
soberba, e no entanto ele ganhou, com a Comédia, a sua partida. (ECO,
2003, p. 10-11).

Por intermédio dela – a literatura – “são reconhecidos os valores da
humanidade, pois surge como um mundo aberto, um convite à liberdade de
interpretação e à criatividade” (ECO 2003, p. 21). Assim, a literatura, desde as
origens, está vinculada à função de:

atuar sobre as mentes, onde se decidem as vontades ou as ações; e sobre


os espíritos, onde se expandem as emoções, paixões, desejos, sentimentos
de toda ordem... No encontro com a Literatura (ou com a Arte em geral),
os homens têm a oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer
sua própria experiência de vida, em um grau de intensidade não
igualada por nenhuma outra atividade. (COELHO, 2000, p. 29).

NOTA

“A literatura e a formação do homem”, de Antonio Candido, é o texto de uma


conferência pronunciada na XXIV Reunião Anual da SBPC (São Paulo, julho de 1972).

No entanto, para entender literatura dessa forma, é necessário que se


estabeleça um exercício de diálogo com o texto. Somente assim a literatura se
mostrará como uma oportunidade de compreensão do homem, e de tudo o que o
cerca.

A literatura opera sobre o pensamento. É um fenômeno de criatividade e,


enquanto atividade cognitiva, contribui para a ampliação do processo perceptivo
do leitor. Daí a necessidade da presença do livro literário em sala de aula, fonte
inesgotável de conhecimentos e descobertas.

O exame dos elementos formativos em textos destinados à criança


coloca uma questão que transcende o gênero da literatura infantil,
abrangendo o problema da função social da arte. (...) Portanto,
toda arte desempenha um papel na formação da sociedade e, nesse
sentido, é educativa. O critério perante essa característica inerente à
obra é a distinção entre aquelas obras que são apenas eco de lugares-
comuns estéticos e ideológicos e aquelas que não apenas conservam
experiências adquiridas, mas conduzem ao questionamento dos
convencionalismos de interpretação e comportamento pela apresentação

25
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

de novas perspectivas. A obra emancipatória é prospectiva, porque pela


amostragem de novas possibilidades propicia experiências futuras; a
obra convencional é retrospectiva, porque valida experiências passadas
sem redimensioná-las criticamente. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN,
1984, p. 54).

Significa dizer que a escola deve proporcionar aos jovens contato com as
mais variadas produções literárias, favorecendo uma atitude de curiosidade, de
interesse pela descoberta, com vistas à formação de um leitor capaz de dialogar
com textos e neles reconhecer-se e distinguir expressões estéticas e artísticas.

UNI

Umberto Eco enfatiza que a literatura possui e mantém a língua como patrimônio
coletivo e contribui para a sua formação, na medida em que intensifica um modo de expressão
de um grupo.

Caro(a) acadêmico(a), continuaremos refletindo sobre a palavra literária que


assume vida própria, com novas significações que diferem daquelas usualmente
utilizadas nos textos não literários, mas antes veja como Ítalo Calvino concebe os
clássicos.

Por que ler os clássicos

Comecemos com algumas propostas de definição.

1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer:


"Estou relendo..." e nunca "Estou lendo...".

Isso acontece pelo menos com aquelas pessoas que se consideram


"grandes leitores"; não vale para a juventude, idade em que o encontro com
o mundo e com os clássicos como parte do mundo vale exatamente enquanto
primeiro encontro.

O prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma pequena hipocrisia
por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um livro famoso. Para
tranquilizá-los, bastará observar que, por maiores que possam ser as leituras
"de formação" de um indivíduo, resta sempre um número enorme de obras que
ele não leu.

[...] Isso confirma que ler pela primeira vez um grande livro na idade
madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior
ou menor) se comparado a uma leitura da juventude. A juventude comunica
ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância
particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados)

26
TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO

muitos detalhes, níveis e significados a mais. Podemos tentar então esta outra
fórmula de definição:

2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para


quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para
quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições de
apreciá-los.

De fato, as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela


impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência
da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão
uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos
de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de
beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco
ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece
reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos
interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe uma força particular da
obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente.
A definição que dela podemos dar então será:

3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando


se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da
memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

Segundo Calvino, deveria existir um tempo na vida adulta específico para


reler as leituras feitas na juventude, pois nós mudamos o foco ou os focos serão
novos, outros.

Portanto, conforme o autor: usar o verbo ler ou o verbo reler não tem
muita importância. De fato, poderíamos dizer:

4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.

5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.

A definição 4 pode ser considerada corolário desta:

6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para
dizer.

Ao passo que a definição 5 remete para uma formulação mais explicativa,


como:

7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas
das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram
na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na
linguagem ou nos costumes).

27
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

Calvino argumenta sobre o poder que a leitura de um clássico possui.


Existe uma inversão de valores muito difundida segundo a qual a introdução,
o instrumental crítico, a bibliografia são usados como cortina de fumaça para
esconder aquilo que o texto tem a dizer e que só pode dizer se o deixarmos falar
sem intermediários que pretendem saber mais do que ele. Podemos concluir que:

8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de


discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.

O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às


vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber),
mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se
liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita
satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de
uma pertinência. De tudo isso poderíamos derivar uma definição do tipo:

9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer,
quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.

Essa possibilidade advém do fato de a leitura de um clássico favorecer o


estabelecimento de uma relação pessoal com quem o lê. Assim,

Se a centelha não se dá, nada feito: os clássicos não são lidos por dever
ou por respeito, mas só por amor. Exceto na escola: a escola deve fazer com que
você conheça bem ou mal um certo número de clássicos entre os quais (ou em
relação aos quais) você poderá depois reconhecer os "seus" clássicos. A escola é
obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que
contam são aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola.

[...]

10. Chama-se clássico um livro que se configura como equivalente do universo,


à semelhança dos antigos talismãs.

Com esta definição nos aproximamos da ideia de livro total, como
sonhava Mallarmé. Mas um clássico pode estabelecer uma relação igualmente
forte de oposição, de antítese. Tudo aquilo que Jean-Jacques Rousseau pensa
e faz me agrada, mas tudo me inspira irresistível desejo de contradizê-lo, de
criticá-lo, de brigar com ele. Aí pesa a sua antipatia particular num plano
temperamental, mas por isso seria melhor que o deixasse de lado; contudo, não
posso deixar de incluí-lo entre os meus autores. Direi, portanto:

11. O "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para
definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.

Creio não ter necessidade de justificar-me se uso o termo clássico sem


fazer distinções de antiguidade, de estilo, de autoridade. (Para a história de

28
TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO

todas essas acepções do termo, consulte-se o exausto verbete "Clássico" de


Franco Fortini na Enciclopédia Einaudi, vol. III). Aquilo que distingue o clássico
no discurso que estou fazendo talvez seja só um efeito de ressonância que vale
tanto para uma obra antiga quanto para uma moderna mas já com um lugar
próprio numa comunidade cultural. Poderíamos dizer:

12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu
antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia.

A esta altura, não posso mais adiar o problema decisivo de como relacionar
a leitura dos clássicos com todas outras leituras que não sejam clássicas. Problema
que se articula com perguntas como: "Por que ler os clássicos em vez de concentrar-
nos em leituras que nos façam entender mais a fundo o nosso tempo?" e "Onde
encontrar o tempo e a comodidade da mente para ler clássicos, esmagados que
somos pela avalanche de papel impresso da atualidade?".

É claro que se pode formular a hipótese de uma pessoa feliz que
dedique o "tempo-leitura" de seus dias exclusivamente a ler Lucrécio, Luciano,
Montaigne, Erasmo, Quevedo, Marlowe, O Discours de la méthode, Wilhelm
Meister, Coleridge, Ruskin, Proust e Valéry, com algumas divagações para
Murasaki ou para as sagas islandesas. Tudo isso sem ter de fazer resenhas
do último livro lançado nem publicações para o concurso de cátedra e nem
trabalhos editoriais sob contrato com prazos impossíveis. Essa pessoa bem-
aventurada, para manter sua dieta sem nenhuma contaminação, deveria abster-
se de ler os jornais, não se deixar tentar nunca pelo último romance nem pela
última pesquisa sociológica. Seria preciso verificar quanto um rigor semelhante
poderia ser justo e profícuo. O dia de hoje pode ser banal e mortificante, mas é
sempre um ponto em que nos situamos para olhar para a frente ou para trás.
Para poder ler os clássicos, temos de definir "de onde" eles estão sendo lidos,
caso contrário tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atemporal.
Assim, o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que
sabe alterná-la com a leitura de atualidades numa sábia dosagem. E isso não
presume necessariamente uma equilibrada calma interior: pode ser também o
fruto de um nervosismo impaciente, de uma insatisfação trepidante.

Talvez o ideal fosse captar a atualidade como o rumor do lado de fora


da janela, que nos adverte dos engarrafamentos do trânsito e das mudanças
do tempo, enquanto acompanhamos o discurso dos clássicos, que soa claro
e articulado no interior da casa. Mas já é suficiente que a maioria perceba a
presença dos clássicos como um reboar distante, fora do espaço invadido pelas
atualidades como pela televisão a todo volume. Acrescentemos então:

13. É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de


fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.

14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a
atualidade mais incompatível.

29
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

Resta o fato de que ler os clássicos parece estar em contradição com


o nosso ritmo de vida, que não conhece os tempos longos, o respiro do otium
humanista; e também em contradição com o ecletismo da nossa cultura, que
jamais saberia redigir um catálogo do classicismo que nos interessa.

Eram as condições que se realizavam plenamente para Leopardi, dada a


sua vida no solar paterno, o culto da antiguidade grega e latina e a formidável
biblioteca doada pelo pai Monaldo, incluindo a literatura italiana completa,
mais a francesa, com exclusão dos romances e em geral das novidades editoriais,
relegadas no máximo a um papel secundário, para confronto da irmã ("o teu
Stendhal", escrevia a Paolina). Mesmo suas enormes curiosidades científicas e
históricas, Giacomo as satisfazia com textos que não eram nunca demasiado up-
to-date: os costumes dos pássaros de Buffon, as múmias de Frederico Ruysch em
Fontenelle, a viagem de Colombo em Robertson.

Hoje, uma educação clássica como a do jovem Leopardi é impensável,


e sobretudo a biblioteca do conde Monaldo explodiu. Os velhos títulos foram
dizimados, mas os novos se multiplicaram, proliferando em todas as literaturas
e culturas modernas. Só nos resta inventar para cada um de nós uma biblioteca
ideal de nossos clássicos; e diria que ela deveria incluir uma metade de livros
que já lemos e que contaram para nós, e outra de livros que pretendemos ler e
pressupomos possam vir a contar. Separando uma seção a ser preenchida pelas
surpresas, as descobertas ocasionais.

Verifico que Leopardi é o único nome da literatura italiana que citei.


Efeito da explosão da biblioteca. Agora deveria reescrever todo o artigo,
deixando bem claro que os clássicos servem para entender quem somos e
aonde chegamos e por isso os italianos são indispensáveis, justamente para
serem confrontados com os estrangeiros, e os estrangeiros são indispensáveis
exatamente para serem confrontados com os italianos.

Depois deveria reescrevê-lo ainda uma vez para que não se pense que os
clássicos devem ser lidos porque "servem" para qualquer coisa. A única razão
que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos.

E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não
um clássico, pelo menos por enquanto, mas um pensador contemporâneo que
só agora começa a ser traduzido na Itália): "Enquanto era preparada a cicuta,
Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. 'Para que lhe servirá?',
perguntaram-lhe. 'Para aprender esta ária antes de morrer' ".
FONTE: CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. Ed. Cia. das Letras. 2004.

30
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico você viu que:

• A literatura é uma linguagem especial que tece a palavra, que atua no pensamento
humano, à qual são atribuídas natureza e funções distintas, de acordo com a
realidade cultural e social de cada época, assunto sobre o qual refletiremos a
seguir.

• A literatura possui uma importância indiscutível, pois a partir da literatura é


que somos levados a refletir sobre a paixão, a amizade, o autoconhecimento, a
angústia, o ciúme, a mentira, e a existência de diferentes pontos de vista sobre
determinado assunto.

• Para Antonio Candido, a literatura exprime o homem ao mesmo tempo em que


atua na sua formação.

• É na escola que o jovem poderá obter um contato com as produções literárias.


O professor, nestes momentos, proporcionará uma atitude de curiosidade,
de interesse pela descoberta, um encontro que possibilitará transformação,
enriquecimento, experiência de vida e transmissão de ideias.

• A literatura surge como um mundo aberto, um convite à liberdade de


interpretação, à criatividade e à exploração das formas. Serve de entendimento
da organização social, pois estabelece relações com momentos históricos.

• A literatura mantém a língua como patrimônio coletivo, na medida em que


intensifica um modo de expressão de um grupo e/ou contribui para a sua
formação.

• Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem
como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória,
mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

• Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas
das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na
cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem
ou nos costumes).

31
AUTOATIVIDADE

1 Quais são as funções da literatura, segundo Antonio Candido?

2 Como você observa as questões ligadas ao modo de entender a literatura?

3 Após a leitura do texto de Calvino, faça o seguinte exercício: pense em livros


que lhe chamaram a atenção e que você pensa em ler novamente. Algumas
das observações levantadas por Calvino lhe servem de argumento para a
seleção por você escolhida?

32
UNIDADE 1
TÓPICO 3

CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA

1 INTRODUÇÃO
Você, certamente, ao ler o texto de Calvino, inferiu que o autor delineia o
que é um clássico, defendendo a ideia de que ler clássicos é melhor do que não os
ler. Nosso objetivo de escolher este texto é o de que você reflita sobre livros já lidos
e sinta vontade de reler e ler tantos outros livros, conforme afirma Calvino: ler
aquele livro sobre o qual você escutou pessoas comentando “estou relendo”, nunca
“estou lendo”. Mas, afinal, o que é a linguagem literária contida nos clássicos? É o
que veremos neste tópico.

2 O LITERÁRIO: ASPECTOS QUE O DEFINEM


Podemos dizer que muitas das obras literárias passam para a posteridade,
tornando-se clássicos, fonte inesgotável de conhecimento. Autores e suas obras
são referenciados, estudados e analisados, uma vez que desvelam a existência
humana, elaborando seus escritos a partir do engendramento da língua com um
estilo peculiar. Assim, novamente questionamos: O que é literatura?

Se nos debruçássemos sobre a teoria a fim de obtermos uma resposta à


pergunta sobre o conceito de literatura, perceberíamos que sua definição não é
matéria pacífica entre os estudiosos. Vários tentaram e tentam sistematizá-lo,
apresentando variações significativas. Essas posições nos impulsionam a refletir
sobre esse assunto.

Acerca do conceito, vejamos o que Terry Eagleton (2003, p. 6) comenta: “Os


formalistas consideravam a linguagem literária como um conjunto de desvios da
norma, uma espécie de violência linguística: a literatura é uma forma especial de
linguagem, em contraste com a linguagem comum, que usamos habitualmente”.

Caro(a) acadêmico(a), é importante salientar que o formalismo concentrou


seus estudos na literatura separada do contexto social e histórico da obra. Para
os formalistas, tudo o que é necessário numa obra literária está contida nela, ou
seja, a base está nos aspectos linguísticos. Portanto, o formalismo, em sua essência,
aplicou a linguística ao estudo da literatura.

33
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

Octávio Paz (1982, p. 47) conceitua literatura argumentando que na criação


poética os vocábulos são forjados a nascerem novamente:

O primeiro ato dessa operação consiste no desenraizamento das palavras.


O poeta arranca-as de suas conexões e misteres habituais: separados do mundo
informativo da fala, os vocábulos se tornam únicos, como se acabassem de nascer.

De acordo com esse pensamento, o poeta consegue fazer da palavra,


anteriormente usada para informar, algo que está além do habitual.

Considere o poema que segue:

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
(Fernando Pessoa, 1977).

FIGURA 4 – FERNANDO PESSOA

FONTE: Disponível em: <http://blogdobacana-marcelomarques.


blogspot.com.br/2011/06/os-123-anos-de-fernando-pessoa.html>.
Acesso em: 10 ago. 2012.

34
TÓPICO 3 | CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA

Perceba que Fernando Pessoa, ao escrever, elaborou a linguagem,


manipulou as palavras criativa e esteticamente, transformando-as em poesia, arte,
literatura.

E
IMPORTANT

Você poderá ler mais sobre o formalismo e literatura no livro de Terry Eagleton,
intitulado Teoria da Literatura: uma introdução. Tradução de Waltensir Dutra. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.

Assim, a literatura representaria uma “violência organizada” contra a fala


comum, pois o escritor utiliza a linguagem transformando-a, intensificando-a,
afastando-a sistematicamente da fala cotidiana.

Outro estudioso, Jean-Paul Sartre (1993, p. 28), afirma que a literatura é

[...] uma subjetividade que se entrega sob a aparência de objetividade,


um discurso tão curiosamente engendrado que equivale ao silêncio; um
pensamento que se contesta a si mesmo, uma Razão que é apenas a
máscara da loucura, um Eterno que dá a entender que é apenas um
momento da História, um momento histórico que, pelos aspectos
ocultos que revela, remete de súbito ao homem eterno; um perpétuo
ensinamento, mas que se dá contra a vontade expressa daqueles que a
ensinam.

Umberto Eco (2003, p. 8) também teorizou sobre a literatura e, segundo ele,


“[...] é um valor imaterial que se lê por prazer, elevação espiritual e ampliação de
conhecimento”.

O objetivo em apresentar esses conceitos sobre a literatura, caro(a)


acadêmico(a), é demonstrar que o texto literário é resultado do trabalho do escritor
com a linguagem que é por ele cuidadosamente explorada, o que ocasiona várias
possibilidades de significação, que também podem variar de acordo com os
conhecimentos prévios do leitor.

A teoria literária enfatiza, a partir da estética da recepção, a figura do


leitor, que atribui sentidos e significados ao texto literário. Segundo Sartre (1993),
dificilmente dois ou mais leitores farão leituras idênticas de um mesmo texto. Além
disso, para o estudioso, o leitor poderá ser considerado coautor e coprodutor. Sem
o leitor, “[...] o texto nada mais é que sinais perdidos no papel”. (SARTRE, 1993,
p. 24).

Especificamente no que se refere ao papel do leitor, trataremos na Unidade


3 deste Caderno de Estudos e em objeto de aprendizagem. Disponível na trilha do
curso.

35
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

UNI

Leia mais alguns conceitos sobre literatura:


- “Arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra” (ARISTÓTELES
apud NICOLA, 1998, p. 25).
- “É a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do homem” (LOUIS DE BONALD
apud NICOLA, 1998, p. 25).
- “Várias são as acepções do termo literatura: conjunto da produção intelectual humana escrita;
conjunto de obras especialmente literárias; conjunto de obras sobre um dado assunto, o que
chamamos mais vernacularmente de bibliografia de um assunto ou matéria; boas letras; além de
outros derivados ou secundários, um ramo especial daquela produção, uma variedade da Arte,
arte literária” (VERÍSSIMO, 2001, p. 23).

Caro(a) acadêmico(a), leia os textos e em seguida resolva a autoatividade


proposta.

Texto 1
Bullying: é preciso levar a sério ao primeiro sinal

Esse tipo de violência tem sido cada vez mais noticiado e precisa de
educadores atentos para evitarem consequências desastrosas. [...] Para evitar o
bullying, as escolas devem investir em prevenção e estimular a discussão aberta
com todos os atores da cena escolar, incluindo pais e alunos. Para os professores,
que têm um papel importante na prevenção, alguns conselhos dos especialistas
Cléo Fante e José Augusto Pedra, autores do livro Bullying Escolar (Artmed).

- Observe com atenção o comportamento dos alunos, dentro e fora da sala de


aula, e perceba se há quedas bruscas individuais no rendimento escolar.

- Incentive a solidariedade, a generosidade e o respeito às diferenças através


de conversas, trabalhos didáticos e até de campanhas de incentivo à paz e à
tolerância.

- Desenvolva, desde já, dentro da sala de aula, um ambiente favorável à


comunicação entre alunos.

- Quando um estudante reclamar ou denunciar o bullying, procure imediatamente


a direção da escola.

- Muitas vezes, a instituição trata de forma inadequada os casos relatados. A


responsabilidade é, sim, da escola, mas a solução deve ser em conjunto com os
pais dos alunos envolvidos.
FONTE: Extraído e adaptado de: BARROS, Andréia. Revista Nova Escola. Edição Abril de 2008.

36
TÓPICO 3 | CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA

Texto 2
Catar Feijão

Catar feijão se limita com escrever:


Joga-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na folha de papel;
E depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
Água congelada, por chumbo seu verbo:
Pois para catar esse feijão, soprar nele,
E jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
O de que entre os grãos pesados entre
Um grão qualquer, pedra ou indigesto,
Um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
A pedra dá à frase seu grão mais vivo:
Obstrui a leitura fluviante, flutual,
Açula a atenção, isca-a como risco.
FONTE: MELO NETO, João Cabral de. Poesia crítica. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 12.

Você percebeu que existem diferenças entre os dois textos. Revisite-os.


Agora, observe mais atentamente, compare-os e aponte algumas diferenças e/ou
semelhanças quanto aos assuntos abordados, ao processo de construção e quanto
ao uso da linguagem.
__________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________.

Muitas considerações podem ser elencadas entre os dois textos, entretanto,


aqui, nos interessa a classificação: texto literário e texto não literário. Observe:

3 O TEXTO LITERÁRIO E O TEXTO NÃO LITERÁRIO


A partir da realização da autoatividade, podemos inferir que o primeiro
texto aborda a questão do Bullying na escola, faz uso da linguagem denotativa,
é constituído de signos linguísticos com significado mais preciso, uma vez que
existe a necessidade de uma informação objetiva, de maneira a evitar mais de
uma interpretação, daí a classificá-lo como texto não literário. Pense nas bulas
de remédio, ou nas instruções de funcionamento de um eletrodoméstico. As
informações disponibilizadas ao usuário deverão ser rigorosas, presas ao contexto
de comunicação específico, não deixando margem a dupla interpretação. Maria da
Glória Bordini e Vera Aguiar Teixeira afirmam que “[...] o texto não literário contém

37
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

indicadores muito rígidos e presos ao contexto de comunicação, não deixando


margem à livre movimentação do leitor” (BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 15).

O texto não literário prioriza a informação, tem uma função utilitária para
convencer, explicar, responder e ordenar. São exemplos de textos não literários:
manuais de informação ao usuário, notícias e reportagens jornalísticas, textos
de livros didáticos de história, filosofia, matemática, textos científicos em geral,
receitas culinárias, bulas de remédio.

O segundo texto, o poema do autor João Cabral de Melo Neto, remete a


outra concepção, cujo plano de expressão rompe com seu significado racional,
ou seja, tem sentido conotativo, pois a significação da palavra é subjetiva. O texto
literário tem uma dimensão estética, o autor faz uso específico e complexo da
língua, explora recursos do sistema linguístico – os sons, as rimas, as metáforas,
as metonímias, o sentido das palavras e a organização frasal. Cria novas relações
entre as palavras, combinando-as de maneira singular, revelando, assim, novas
formas de ver o mundo. Os signos linguísticos, as frases, as sequências assumem
significados variados e múltiplos, possibilitando a criação de novas relações de
sentido. É um fazer peculiar porque expressa uma forma de dizer carregada de
significados que são inerentes a um tempo histórico e particular, na medida em
que explicita e compreende o homem e a sua organização social. Exemplos de
textos literários: poesias, romances, contos, novelas, fábulas, entre outros.

Após uma breve definição acerca do fenômeno literário, aqui conceituado


segundo o critério de representação do real – que situa a literatura, enquanto
modalidade artística, como uma forma de arte descompromissada com a verdade
lógica e com a racionalidade utilitária –, interessa-nos agora definir uma de suas
formas de manifestação mais praticadas: aquela destinada ao público infantil.
Assunto que abordaremos na próxima unidade. Antes disso, é interessante pensar
na tríade autor, texto e leitor. Para tanto leiamos: O Jogo do Texto, no qual o autor
argumenta que:

É sensato pressupor que o autor, o texto e o leitor são intimamente


interconectados em uma relação a ser concebida como um processo em andamento
que produz algo que antes inexistia. Esta concepção do texto está em conflito
direto com a noção tradicional de representação, à medida que a mímesis envolve
a referência a uma “realidade” pré-dada, que se pretende estar representada. No
sentido aristotélico, a função da representação é dupla: tornar perceptíveis as
formas constitutivas da natureza; completar o que a natureza deixara incompleto.
Em nenhum dos casos, a mímesis, embora de importância fundamental, não
pode restringir à mera imitação do que é, pois os processos de elucidação e de
complementação exigem uma atividade performativa se as ausências aparentes
hão de se transformar em presença. Desde o advento do mundo moderno há uma
tendência clara em privilegiar-se o aspecto performativo da relação autor-texto-
leitor, pelo qual o pré-dado não é mais visto como um objeto de representação, mas
sim como o material a partir do qual algo novo é ordenado.

38
TÓPICO 3 | CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA

O novo produto, entretanto, não é predeterminado pelos traços, funções


e estruturas do material referido e contido no texto.

Razões históricas explicam a mudança em foco. Sistemas fechados, como


o cosmos do pensamento ou da imagem de mundo medieval, priorizavam a
representação como mímesis por considerarem que todo o existente – mesmo
que se esquivasse à percepção – deveria ser traduzido em algo tangível. Quando,
no entanto, o sistema fechado é perfurado e substituído por um sistema aberto,
o componente mimético da representação declina e o aspecto performativo
assume o primeiro plano. O processo então não mais implica vir aquém das
aparências para captar um mundo inteligível, no sentido platônico, mas se
converte em um “modo de criação de mundo” [...]. Se aquilo que o texto realiza
tivesse de ser equiparado com a feitura de mundo, surgiria a questão se ainda
se poderia continuar a falar em “representação”. O conceito podia ser mantido
apenas se os próprios “modos de criação de mundo” se tornassem o objetivo
referencial para a representação. Neste caso, o componente performativo teria
de ser concebido como o pré-dado do ato performativo. Independente de se
isso poderia ou não ser considerado tautológico, permanece o fato de que
provocaria uma quantidade de problemas de que este ensaio não pretende
tratar. Há, contudo, uma inferência altamente relevante para minha discussão:
o que tem sido chamado o “fim da representação” [...] pode, afinal de contas, ser
menos a descrição do estado histórico das artes do que a articulação de dúvidas
quanto à habilidade da representação como conceito capaz de capturar o que,
de fato, sucede na arte ou na literatura.

Isso não equivale a negar que a relação autor-texto-leitor contém um


amplo número de elementos extratextuais que entram no processo, mas são
apenas componentes materiais do que sucede no texto e não correspondente
um a um. Parece, portanto, justo dizer que a representação, no sentido em que
viemos compreendê-la, não pode abarcar a operação performativa do texto
como uma forma de evento. Com efeito, é importante notar que não há teorias
definidas da representação que de fato fixem as condições necessárias para a
produção da mímesis. [...].

[...] Os autores jogam com os leitores [...] e o texto é o campo do jogo.


O próprio texto é o resultado de um ato intencional pelo qual o autor se refere
e intervém em um mundo existente, mas, conquanto o ato seja intencional,
visa a algo que ainda não é acessível à consciência. Assim o texto é composto
por um mundo que ainda há de ser identificado e que é esboçado de modo a
incitar e imaginá-lo e, por fim, interpretá-lo. Essa dupla operação de imaginar
e interpretar faz com que o leitor se empenhe em visualizar as muitas formas
possíveis do mundo identificável, de modo que, inevitavelmente, o mundo
repetido no texto começa a sofrer modificações. Pois não importa que novas
formas o leitor traz à vida: todas transgridem – e, daí, modificam – o mundo
referencial contido no texto. Ora, como o texto é ficcional, automaticamente
invoca a convenção de um contrato entre autor e leitor, indicador de que o
mundo textual há de ser concebido, não como realidade, mas como se fosse

39
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

realidade. Assim, o que quer que seja repetido no texto não visa a denotar o
mundo, mas apenas um mundo encenado. Este pode repetir uma realidade
identificável, mas contém uma diferença decisiva: o que sucede dentro dele não
tem as consequências inerentes ao mundo real referido. Assim, ao se expor a si
mesma, a ficcionalidade assinala que tudo é tão só de ser considerado como se
fosse o que parece ser; noutras palavras, ser tomado como jogo.
FONTE: Texto adaptado de ISER, W. “O Jogo do Texto”. In: JAUSS , H. R. et al. A literatura e o leitor:
textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 105-107.

40
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico vimos que:

• A literatura é uma forma de manifestação artística que tem como material de


expressão a palavra, marcada por uma organização peculiar da linguagem.

• A literatura é uma espécie de violência linguística organizada e caracteriza-se


pelo estranhamento da linguagem.

• A literatura é uma forma de dizer, carregada de significados. É uma variedade


de arte, ou seja, é arte literária.

• O texto literário abre-se para várias significações; é, portanto, plurissignificativo;


tem uma dimensão estética e explora os recursos do sistema linguístico.

• Para a dimensão literária o autor faz uso específico e complexo da língua, explora
sons, as rimas, as metáforas, as metonímias, o sentido das palavras e a organização
frasal.

• A escrita literária possibilita a criação de novas relações entre as palavras,


combinando-as de maneira singular, peculiar, porque expressa uma forma
de dizer carregada de significados que são inerentes a um tempo histórico e
particular.

• O texto não literário prioriza a informação, possui função utilitária para convencer,
explicar, responder e ordenar. Exemplos de textos não literários: manuais de
informação ao usuário, notícias e reportagens jornalísticas, entre outros.

41
AUTOATIVIDADE

Com base no tópico, responda às seguintes questões:

1 No que se refere à literatura, assinale V para a sentença verdadeira e F para


a sentença falsa:

a) ( ) Os formalistas consideravam a linguagem literária como um conjunto de


desvios da norma, uma espécie de violência linguística.
b) ( ) A literatura infantil é uma forma de manifestação artística.
c) ( ) A literatura é uma forma de dizer, carregada de significados.
d) ( ) O texto literário é composto de palavras que se afastam sistematicamente
da fala cotidiana. O leitor atribui sentidos e significados. Segundo Sartre, pode
ser considerado coautor e coprodutor.
e) ( ) O texto literário tem uma dimensão estética, o autor faz uso específico e
complexo da língua explorando recursos do sistema linguístico.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) F - V - F - V - V.
b) ( ) V - F - F - V - V.
c) ( ) V - V - V - V - V.

2 Escreva nas sentenças a seguir L para as afirmativas que caracterizam um


texto literário e I para aquelas que caracterizam um texto informativo, ou
seja, não literário.

( ) Textos que se atêm a fatos particulares.


( ) Textos que atingem uma significação mais ampla.
( ) Textos que contêm indicadores mais rígidos e presos ao contexto de comunicação.
( ) Textos que não deixam margem à livre movimentação do leitor; a informação
que oferecem é imediata e restrita, valendo apenas para uma situação definida.
( ) Textos que permitem leituras diversas, justamente por seus aspectos em
aberto, são textos plurissignificativos.
( ) Textos que dependem de referentes reais de forma direta.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) I - L - I - L - I - I.
b) ( ) L - L - L - I - I - I.
c) ( ) I - L - I - I - L - I.

3 Você concorda com a afirmação de que dificilmente dois


leitores farão leituras idênticas de um mesmo texto? Comente.

42
UNIDADE 2

A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE


EMOÇÕES

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Nessa unidade vamos:

• analisar as diferentes fases da criança e sua influência na escolha de livros;

• refletir sobre alguns dos fatores que contribuem para a formação do jovem
leitor;

• perceber que o texto literário não se limita ao ensino da gramática e/ou


escolas literárias;

• identificar a transmissão de valores e contravalores de algumas das perso-


nagens encontradas na literatura infantojuvenil.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles você
encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

TÓPICO 2 – GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I

TÓPICO 3 – GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

43
44
UNIDADE 2
TÓPICO 1

ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

1 INTRODUÇÃO
Há palavras verdadeiramente mágicas. O que há de
mais assustador nos monstros é a palavra “monstro”. Se
eles se chamassem leques ou ventarolas, ou outro nome
assim, todo arejado de vogais, quase tudo se perderia
do fascinante horror de Frankenstein... (QUINTANA,
1979, p. 21)

A magia e o encanto da expressão literária perpassam gerações e é sobre


essa literatura que nos deteremos, mais especificamente àquela destinada ao jovem
leitor, que recebeu o adjetivo de infantil.

Por vezes, essa qualidade, essa adjetivação inquieta o próprio estatuto de


literário, uma vez que muitas histórias foram transformadas, adaptadas para o
público infantil, e para este trabalho de reescritura importava validar o aspecto
pedagógico da literatura.

Hoje é sabido que, por expressar e refletir a complexidade do ser humano, o


seu mundo e suas relações existenciais, a literatura se apresenta fascinante, essencial e
favorece o desenvolvimento intelectual. Enquanto atividade cognitiva, contribui para
a ampliação do processo perceptivo do leitor. Daí a necessidade da presença do livro
literário em sala de aula, por representar possibilidade de conhecimento e descoberta.
São essas questões que serão abordadas.
FIGURA 5 - SENECIO, PAUL KLEE

FONTE: Disponível em: <http:\\www.ricci-arte biz.543.jpg>.


Acesso em: 12 ago. 2012.

45
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

2 OS TEXTOS DESTINADOS AO JOVEM LEITOR


Ao que parece, o surgimento de uma literatura para crianças encontra-se
ligado à novelística popular medieval, que tem suas origens na Índia. Descobriu-se
que a magia e o encanto dessas criações, vindas, em sua maioria, da tradição oral e
mitológica, repassadas através de gerações e adaptadas pela experiência do adulto,
poderiam satisfazer a mente fértil e inesgotável do público infantil (OLIVEIRA,
2007).

A literatura infantil constitui-se como gênero durante o século XVII, na


Europa, e seu aparecimento possui características próprias. A ela foi atribuída a
função de suscitar situações para uma educação moral. Os textos, em sua estrutura
maniqueísta, demarcavam claramente o bem e o mal, o que a criança deveria fazer
e o que não deveria. Com uma sociedade burguesa em ascensão, a criança, ou
melhor dizendo, o que fez parte de sua infância, no caso a escola, passou por uma
reorganização. As histórias destinadas à criança foram associadas à Pedagogia,
que as converteu em aliado instrumento pedagógico.

Nessa abordagem, a criança era considerada um ser diferente do adulto, com


necessidades e características próprias. Para tanto, deveria receber uma educação
especial, que a preparasse para a vida adulta e priorizasse os valores morais. Assim
surge a chamada literatura infantil, que, desde sua gênese, esteve atrelada a fins
pedagógicos, a serviço da divulgação dos ideais burgueses” (OLIVEIRA, 2007).

Somente a partir de estudos da psicologia experimental é que se altera


a concepção. Entra em questão a sucessão das fases evolutivas da inteligência.
A partir de então passa a existir a preocupação de falar com autenticidade, aos
possíveis destinatários das mais tenras idades. Transforma-se, assim, o foco da
literatura infantil.

Entretanto, vejamos:

A literatura infantil é comunicação histórica (localizada no tempo e no


espaço) entre um locutor e um escritor adulto (emissor) e um destinatário
- criança (receptor), que por definição do período considerado, não
dispõe senão de modo parcial da experiência do real e das estruturas
linguística, intelectuais, afetivas e outras que caracterizam a idade
adulta. (COELHO, 1997, p. 185).

Nesse sentido, lembre-se de nossas discussões iniciadas na primeira unidade:


o livro destinado ao infante é produzido por um adulto que comunica experiências
já adquiridas a um público que não possui tal experiência. É direcionada a uma
idade que é de aprendizagem e, mais especificamente, de aprendizagem linguística,
donde advém sua inclinação pedagógica. Assim, a literatura no espaço escolar foi
incorporada como tarefa a ser cumprida. Para Abramovick (1989), é justamente
este caráter de cobrança que distancia a criança da leitura de literatura. Sobre essa
função utilitário-pedagógica, à qual a literatura infantojuvenil é exposta, leiamos
Palo e Oliveira (1986, p.13), que afirmam:

46
TÓPICO 1 | ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

a função pedagógica implica a ação educativa do livro sobre a criança.


De um lado, relação comunicativa leitor-obra, tendo por intermediário
o pedagógico, que dirige e orienta o uso da informação; de outro, a
cadeia de mediadores que interceptam a relação livro-criança: família,
escola, biblioteca e o próprio mercado editorial, agentes controladores
de usos que dificultam à criança a decisão e escolha do que e como ler.

Esse contexto de literatura infantil interfere sobre o universo da criança.


Assim, questões que envolvem a literatura no espaço escolar e, consequentemente,
no universo infantil são o mote de vários estudos. Bruno Bettelheim (2007) discorre
sobre as personagens infantis, o maravilhoso, o fantástico, seus conflitos e o papel
que os enredos dessas histórias desempenha no imaginário do jovem leitor. Afirma
que toda a simbologia presente no literário infantil ajuda a resolver problemas
existenciais da criança. Enfatiza também o poder regenerador dos contos de fada,
que, por conterem na sua estrutura elementos simbólicos, criam uma ponte com o
inconsciente, propiciando ao jovem leitor conforto e consolo em termos emocionais.
Dito de outro modo, apresentam temas relacionados ao medo, ao amor, ao ódio, à
alegria, à busca, à tristeza, que fazem parte do cotidiano infantojuvenil, propiciando
um treino para as emoções.

A postura que considera a literatura “objeto pedagógico” sofre forte


reação, pois há quem a defenda como entretenimento, ludicidade e deleite. Então,
podemos inferir que sob um olhar é arte, é emoção e prazer, e sob o aspecto de
instrumento manipulado para uma intenção educativa, ela é objeto pedagógico.

Uma dicotomia existe, entretanto salientamos que a literatura infantil acaba


sendo aquela que corresponde, de alguma forma, aos anseios do leitor (OLIVEIRA,
2007). É objeto de entretenimento e, ao mesmo tempo, traduz o homem e atua na
sua formação (CANDIDO, 2002). É nesse sentido que devemos pensar a literatura
destinada à humanidade, em especial, neste nosso estudo, a destinada ao público
infantojuvenil.

Atribui-se o ponto de partida para a literatura infantil à Europa do século


XVII, mais especificamente França. Para instigar sua curiosidade sobre esse
universo literário, leia o item seguinte. Neste elegemos alguns escritores e obras,
no intuito de fazer uma incursão pela história da literatura inafantojuvenil.

3 A LITERATURA INFANTIL – UM POUCO DE HISTÓRIA


Estudos apontam Charles Perrault como precursor da literatura infantil. Iniciou
seu trabalho adaptando histórias contadas oralmente em locais parisienses com enredos
de personagens que viviam em estado de precariedade, sofriam e ao final venciam.

Caro(a) acadêmico(a), façamos o exercício de recordar o conto A gata borralheira.


Confira uma das versões na trilha de aprendizagem da disciplina. Lembre-se de que
borralheira significa: local onde existe acúmulo de borralha, mais conhecida como cinza
do forno ou lareira.

47
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

UNI

Cinderela: sua origem tem diferentes versões. A versão mais conhecida é a do


escritor francês Charles Perrault, de 1697, baseada num conto italiano popular
chamado A gata borralheira. A mais antiga é originária da China, por volta de 860 a.C. Existe
também a dos Irmãos Grimm, semelhante à de Charles Perrault.
Sociólogos, historiadores e literatos veem na história de Cinderela muito mais do que uma
simples trama romântica. Por ter origem atemporal e ter surgido em várias civilizações diferentes,
a trajetória da protagonista traduziria uma espécie de arquétipo fundamental, traduzindo o anseio
natural da psiquê humana em ser reconhecida especial e levada a uma existência superior. A
literatura e o cinema, cientes disso, utilizaram-se de seu arco dramático para o desenvolvimento
de inúmeras outras obras de apelo popular.

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/CinderelaDisponível>. Acesso em: 5 out.


2012.

Que tal? Recordou? Então, atente para o fato de que, neste conto, Perrault
descreve a preocupação dos convidados quanto ao vestuário, os salões de festa,
as danças, a carruagem, enfim, o glamour da nobreza contrapondo-se à vida dos
camponeses, marcada pela privação devido ao agravamento das contradições
econômicas. Enredos com aspectos que provinham do povo humilde, elementos
da corte, a vida e as festas nos palácios.

FIGURA 6 – A GATA BORRALHEIRA

FONTE: Disponível em: <http://prosimetron.blogspot.com.br/2012/06/gata-


borralheira.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

Além de Perrault, Fénelon dedicou-se a escritos com qualidades


pedagógicas. Sua obra Telêmaco relata as aventuras do filho de Ulisses, personagem
da Odisseia, de Homero.

Quando Ulisses, rei de Ítaca, partiu para a Guerra de Troia, deixou seu
filho Telêmaco aos cuidados de seu fiel e amigo Mentor. Mesmo tendo a guerra
terminado, Ulisses não retorna ao seu lar. Telêmaco cresce vendo o patrimônio de

48
TÓPICO 1 | ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

seu pai ser dilapidado pelos pretendentes de sua mãe. Indignado com tal situação,
parte em busca de notícias do pai e leva consigo Mentor para orientá-lo e encorajá-lo.

Os reveses da viagem de Telêmaco à procura do pai, o auxílio dos deuses,


dos amigos, fazem parte do enredo desta história. Além disso, a história revela
o quanto Mentor foi importante na educação de Telêmaco, na formação de seu
caráter, de seu senso de responsabilidade e na transição da infância à maturidade.

Podemos dizer que a personagem Mentor adquire outro status a partir do


momento no qual Fénelon escreve As Aventuras de Telêmaco, em 1699, elevando-o
à condição de um professor, um guia, do jovem Telêmaco. A palavra mentor passou,
então, a figurar nos dicionários como sinônimo de conselheiro sábio, além de protetor
e financiador. “Pessoa que inspira, estimula, cria ou orienta (ideias, ações, projetos,
realizações etc.)” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1275).

UNI

O escritor Fénelon foi tutor do neto de Luis XIV e seu livro fez grande sucesso,
inspirando muitos pedagogos.

La Fontaine, por sua vez, imortalizou-se através das fábulas, entre outros
escritos.

Leiamos uma de suas fábulas:

A Raposa e a Cegonha

A Raposa convidou a Cegonha para jantar e lhe serviu sopa em um


prato raso.

- Você não está gostando de minha sopa? - Perguntou, enquanto a cegonha bicava
o líquido sem sucesso.

- Como posso gostar? - A Cegonha respondeu, vendo a Raposa lamber a sopa


que lhe pareceu deliciosa.

Dias depois foi a vez de a cegonha convidar a Raposa para comer na beira
da Lagoa, serviu então a sopa num jarro largo embaixo e estreito em cima.

- Hummmm, deliciosa! - Exclamou a Cegonha, enfiando o comprido bico pelo


gargalo. - Você não acha?

49
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

A Raposa não achava nada nem podia achar, pois seu focinho não passava
pelo gargalo estreito do jarro. Tentou mais uma ou duas vezes e se despediu de
mau humor, achando que por algum motivo aquilo não era nada engraçado.

MORAL: Às vezes recebemos na mesma moeda por tudo aquilo que


fazemos.
FONTE: Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/frase/ODEwMzk3/>. Acesso em: 5 out. 2012.

Do século XIX, destacamos o dinamarquês Hans Christian Andersen, autor


de 156 contos maravilhosos, entre os quais figuram O soldadinho de chumbo e O
patinho feio. Confira versão na trilha de aprendizagem.

Os Irmãos Grimm, Jocob e Wilhelm, por sua vez, além de filólogos e


lexicógrafos, foram celebrizados com as publicações de contos e lendas alemãs
emanados da tradição e saber popular.

Pinóquio é outro clássico da literatura. Um pedaço de madeira falante


aparece nas mãos de Gepeto. O velho Gepeto tem planos ambiciosos para a
marionete que ele fabrica. É capaz de dançar, cantar e falar. Pinóquio, entretanto,
revela-se um títere arteiro e que sonha em tornar-se um menino de verdade. As
aventuras de Pinóquio é a obra original de Carlo Collodi, publicada pela primeira
vez em 1883. Em seu percurso de transição de boneco a menino, Pinóquio se mete
em confusão atrás de confusão, enfrenta a autoridade da lei, a solidão da condição
humana e outras tantas aventuras perigosas.

Outra relevante figura para a literatura infantil é Lewis Carrol, autor de


Alice no país das maravilhas, uma história-romance considerada complexa e que
sugere variadas interpretações, por abordar em seu contexto assuntos de diferentes
temáticas.

Carrol explora elementos dos contos de fada, animais que falam, reis
e rainhas, personagens enigmáticos que em um passe de mágica aparecem,
desaparecem e mudam de tamanho. A história se passa dentro de um sonho, é
marcada pelo recurso do nonsense - termo que indica ausência de sentido. No
caso da narrativa em questão, os episódios são permeados por algum recurso de
ligação, garantindo, assim, uma coerência interna. Além disso, o enredo de Alice
no país das maravilhas não exige uma lógica total dos acontecimentos, uma vez
que se passa no “mundo dos sonhos”, um universo no qual coisas mais insólitas
são aceitas como naturais.

Alice é uma obra que permite várias interpretações. Uma delas é a de que as
mudanças, os conflitos da adolescência à maturidade podem estar representados
na obra. Além dessa interpretação, podemos considerar questões históricas, como,
por exemplo, críticas à sociedade inglesa vitoriana.

50
TÓPICO 1 | ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

Outros escritores que merecem destaque são: Jonathan Swift (1667-1745)


– Em 1726, o autor publica sua obra-prima: As viagens de Gulliver.

Daniel Defoe (1660-1731) – Seu romance mais famoso, Robinson Crusoé,


foi publicado em 1719.

Mme. Leprince de Beaumont (1711-1780) – Sua obra denuncia preocupação


educativa. Entre suas produções salientamos A fada das ameixas, A bela e a fera,
entre outras.

Mark Twain (1835-1910) – Publicado em 1876, o livro trouxe popularidade


ao escritor americano, com seu Tom Sawyer.

Júlio Verne (1828-1905) – Autor de obras de ficção científica, popularizou-se


em trabalhos como Vinte mil léguas submarinas, A Ilha misteriosa, Cinco semanas
em um balão, Volta ao mundo em 80 dias, Os filhos do Capitão Grant.

Podemos ainda juntar a esta lista obras como: As mil e uma noites, Dom
Quixote de la Mancha (de Miguel de Cervantes), Os três mosqueteiros, O Conde
de Monte Cristo, e um rol interminável de leituras.

3.1 PANORAMA DA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA


Na Europa, a literatura infantil assumiu a função pedagógica e difundiu
modos e modelos comportamentais, e no Brasil seu objetivo não foi diferente.
A literatura infantil chega ao nosso país nos fins do século XIX. Conforme Célia
Doris Becker (2001, p. 36), “o mercado requer dos escritores livros que atendam ao
público infantil”. Começa, então, a importação desses textos e, com eles, a mesma
atitude didática e redutora que difunde normas e doutrinava as crianças. Para
Becker, a história da literatura infantil brasileira é dividida em quatro fases.

A primeira fase, final do século XIX e início do século XX, é norteada


por adaptações e traduções de textos europeus, principalmente de produções
portuguesas. Os textos tinham a intenção de incutir o patriotismo, a valorização
do nacionalismo. Destacam-se entre as produções nacionais com essa finalidade:
“Contos pátrios e Através do Brasil (Olavo Bilac, Coelho Neto), Era uma vez (Júlia
Lopes de Almeida), Saudade (Tales de Andrade). Dentre as traduções, podemos
citar as obras de Carlos Jansen, Figueiredo Pimentel, Robinson Crusoé e outros”
(BECKER, 2001, p. 36).

A segunda fase, descrita por Becker (2001), abrange os anos de 1920-1945 e


poderá ser assim sintetizada em nosso país: como o momento em que acontecem
mudanças advindas da expansão cafeeira e da indústria. Essa “efervescência
social” atinge a educação, que apresentava um sistema educacional com altos
índices de analfabetismo. Constatou-se, com esse fato, que, para o Brasil inserir-se
entre as grandes potências internacionais, necessário era, além de outras medidas,
acabar com o analfabetismo.
51
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Neste período criou-se a Escola Nova; eclodiram inovações diversas nas


áreas culturais, expressas na Semana de Arte Moderna. A literatura infantil,
especialmente a partir de Monteiro Lobato, recebeu “roupagem nova”, com
temáticas e uma linguagem coloquial próximas à realidade da criança. O folclore
mostrou-se revelador de um mundo bem brasileiro, porém, com o mesmo caráter
pedagógico. Muitos dos autores coadunavam com o autoritarismo, através de
personagens que não questionavam as ações.

A terceira fase, de aproximadamente 1950 e década de 1960, foi marcada


pelas trocas de governo, pelas lutas por uma democracia e pelo golpe militar que
culminou com os Atos Institucionais, a partir dos quais “[...] a sociedade passou a
conviver com os órgãos de repressão e com a censura aos meios de comunicação”
(BECKER, 2001, p. 39).

A literatura infantil, nesse período, de acordo com Becker (2001), recorreu


a temas que abordaram a supremacia da vida urbana sobre a rural, na qual os
moradores rurais foram desprestigiados e até estereotipados; o café apareceu
como fonte primeira de riqueza; a Amazônia era destacada, bem como o passado
histórico e o heroísmo dos Bandeirantes foram os temas abordados.

A quarta e última fase, 1970-1980, segundo Becker (2001), foi marcada


por personagens que contestavam fatos. Apareceram a gíria, os dialetos, as falas
regionais, ou seja, uma literatura inovadora e plena de desafios. Registrou-se,
também, um significativo aumento de obras e autores. “Abrandou-se, se não
foi totalmente abandonado, o caráter didático-pedagógico que historicamente
comprometia a produção literária infantil” (BECKER, 2001, p. 40).

No Brasil, o rico material literário favorece ao professor subsídios para


o desenvolvimento da criatividade, da imaginação, do gosto pela leitura e,
consequentemente, a ampliação do conhecimento do jovem leitor.

No que tange à literatura infantil, os primeiros trabalhos em solo brasileiro


repetiam o que acontecia na Europa, porém escritores se consagraram por
arquitetar uma literatura infantil brasileira, uma vez que, além de traduzir os
contos de fada europeus, eternizaram narrativas que faziam parte da oralidade do
povo brasileiro, entre os quais destacamos:

Figueiredo Pimentel (1869-1914) – Com os Contos da carochinha, Histórias


da baratinha, Álbum das crianças, Teatrinho infantil e Os meus brinquedos,
Pimentel pode ser considerado o precursor de nossa literatura infantil.

Viriato Padilha (1866-1924) – Autor de Histórias do arco da velha.


Olavo Bilac (1865-1918) – Publicou (em colaboração) Poesias infantis e
Contos pátrios. Escreveu poemas que enalteciam o civismo, o nacionalismo e a
história política do Brasil daquela época.

52
TÓPICO 1 | ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

Viriato Corrêa (1884-1967) – Notabilizou-se com Varinha de condão, No


reino da bicharada, A macacada, No país da bicharada, As belas histórias da
história do Brasil, História do Brasil para crianças etc.

Malba Tahan (1885-1974) – Pseudônimo literário do professor de


Matemática Julio Mello e Souza. Desse autor destacamos as seguintes obras: O
homem que calculava, Maktub, Céu de Allah, Seleções, A caixa do futuro, Lendas
do céu e da terra, Lendas do povo de Deus, Minha vida querida, As aventuras do
Rei Baribê, entre outras.

Outro nome relevante da literatura infantil brasileira é Monteiro Lobato,


criador de Emília, Dona Benta e o Visconde de Sabugosa, bem como os demais
personagens do Picapau Amarelo. Seres da fantasia, que saíram dos livros para
as telas da TV, para lojas e supermercados, para as festas de aniversário, escolas,
jogos, brincadeiras, revelando que “a realidade fabulosa que saiu de sua cabeça
acabou sendo maior, mais poderosa e mais duradoura do que ele mesmo cogitou
(ZILBERMAN, 2005, p. 22).

Monteiro Lobato dedicou o livro Reinações de Narizinho para apresentação


da menina Lúcia a Narizinho, informando também ao leitor que ela mora com
a avó, Dona Benta, e ganhou de Anastácia, a cozinheira, uma boneca de pano,
batizada de Emília. Pedrinho, primo de Narizinho, também fará parte desse mundo
encantado. Visconde de Sabugosa, outro boneco, feito a partir de um sabugo de
milho, tornou-se famoso tanto quanto os demais personagens.
FIGURA 7 – VISCONDE DE SABUGOSA

FONTE: Disponível em: <https://www.google.com.br/


search?q=sabugosa&hl=pt-BR&prmd=imvns&tbm=isch&tbo=u&so
urce=univ&sa=X&ei=6CvaT6ChO4e09QTQheTuBQ&ved=0CG0Qs
AQ&biw=1280&bih=618>. Acesso em: 12 set. 2012.

Lobato optou pela sistemática de repetir as personagens, tal qual histórias


em série, criando narrativas que revelam o espírito desafiador e heroico, estereótipo
dos legendários contos folclóricos, dos mitos e das lendas.

53
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

São personagens que enfrentam variados problemas, embrenham-se nas


mais variadas peripécias, demonstrando inteligência, autonomia e emancipação,
ou seja, a relação estabelecida entre as personagens adultas e infantis é de igual
para igual. Para tanto, bastará observar o comportamento da boneca Emília e das
crianças que, por vezes, ignoram certos limites, o que lhes confere autenticidade.

A personagem Dona Benta é quem dirige o sítio. Instruída, inteligente,


bem-intencionada, modelo do político que, segundo Lobato, deveria governar o
Brasil.

Ao perceber que não poderá mais contar com a renda propiciada pelas
lavouras de café que estão arruinadas, “adere ao ideal de Lobato (não por acaso
tem o nome do próprio escritor, José Bento): patrocina a prospecção de petróleo
em suas terras, obtendo grandes lucros e promovendo o progresso não apenas na
área, mas em todo o país” (ZILBERMAN 2005, p. 28).

Dona Benta é quem geralmente narra as fábulas, fato este que, na opinião
dos críticos, é um recurso do próprio escritor para demonstrar a reflexão e
ponderação das pessoas mais vividas. Tia Nastácia se mostra bastante inclinada a
aceitar a moral das fábulas. Já Pedrinho e Narizinho fazem comentários, de acordo
com seu espírito irrequieto de crianças curiosas, e Emília tenta, a cada momento,
contestar a lição de moral que a fábula encerra.

Lobato revela um Brasil a partir do sítio. Mostra um país com predomínio


da economia agrícola, expressando o que deseja para o Brasil, a possibilidade de
modernização, crescimento e fortuna graças à exploração das riquezas minerais,
em especial, do petróleo.

O sítio, na visão de Lobato, constitui uma espécie de república ideal, que


admite seres dotados de qualidades positivas e expulsa o julgado negativo, como o
próprio sistema governamental. Quando aparecem os vilões, estes jamais levam a
melhor. O sítio é o Brasil conforme o desejo de Lobato, que, desde os primeiros livros,
mesmo criticando as mazelas nacionais, nunca deixou de colocar o país no centro e
propor alternativas para problemas cruciais.

Monteiro Lobato prezou pela nacionalidade desde os primeiros livros, como


“Urupês”, de 1918. Criticou as mazelas nacionais e propôs alternativas para os problemas
que assolavam o país.

As ações do Sítio do Picapau Amarelo podem ocorrer em vários locais e


épocas: na Lua, nos planetas, na cidade, em outros séculos, todavia é o sítio o
cenário recorrente.

Monteiro Lobato adaptou clássicos da literatura, como Dom Quixote


das crianças (1936), e de obras europeias destinadas à infância: Peter Pan (1930).
Estabeleceu incursões no folclore, com Histórias de tia Nastácia (1937), e na mitologia
ocidental - O Minotauro (1939).

54
TÓPICO 1 | ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

Podemos dizer que com Lobato a nossa literatura infantil atingiu projeção
universal. Criou uma concepção para a fabulação infantil, suas personagens vivem
tipos que integram o cenário literário, a exemplo de Emília, boneca admirável,
misto de fada e ser humano.

Por sua vez, os protagonistas Pedrinho e Narizinho retratam as


preocupações e atividades que ocupam os meninos e meninas daquela época e,
por que não dizer, de nossa época. A obra infantil de Lobato está reunida em vários
volumes: Reinações de Narizinho, Viagem ao céu, O Saci, Caçadas de Pedrinho,
Emília no país da gramática, Aritmética de Emília, Geografia de Dona Benta, entre
outras histórias que encantaram e encantam os jovens leitores. E as traduções e
adaptações de Contos de Grimm, Novos contos de Grimm, Contos de Andersen,
Novos contos de Andersen, Alice no país das maravilhas.

Além disso, Lobato atentava para o fato dos conteúdos moralizantes da


literatura destinada ao jovem leitor. A partir da fábula A cigarra e a formiga, de La
Fontaine, escreve A formiga boa e a Formiga má. Naquela versão a formiga reconhece
o valor do canto da cigarra, a distração que tal cantoria lhe proporcionava nas horas
de labuta, sendo assim, recompensa a cigarra protegendo-a do rigoroso inverno.
Exibe uma formiga solidária, tolerante e que respeita os outros e suas diferenças, ao
contrário da personagem da fábula A Formiga má, que é perversa, não se deixa levar
pelos apelos da fragilizada cigarra, negando-lhe qualquer auxílio.

FIGURA 8 – A CIGARRA E A FORMIGA

FONTE: Disponível em: <http://aprendercentrodeestudos.blogspot.com.


br/2012/05/conto-cigarra-e-formiga.html>. Acesso em: 12 set. 2012.

55
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Leia a seguir uma fábula de Monteiro Lobato.

A Formiga má

Já houve, entretanto, uma formiga má que não soube compreender


a cigarra e com dureza a repeliu de sua porta. Foi isso na Europa, em pleno
inverno, quando a neve recobria o mundo com seu cruel manto de gelo.

A cigarra, como de costume, havia cantado sem parar o estio inteiro e


o inverno veio encontrá-la desprovida de tudo, sem casa onde abrigar-se nem
folhinhas que comesse.

Desprovida, bateu à porta da formiga e implorou - emprestado, notem!


- uns miseráveis restos de comida. Pagaria com juros altos aquela comida de
empréstimo, logo que o tempo o permitisse.

Mas a formiga era uma usurária sem entranhas. Além disso, invejosa.
Como não soubesse cantar, tinha ódio à cigarra por vê-la querida de todos os
seres.

- Que fazia você durante o bom tempo?


- Eu... eu cantava!...
- Cantava? Pois dance agora, vagabunda! - e fechou-lhe a porta no nariz.

Resultado: a cigarra ali morreu entanguidinha; e quando voltou a


primavera o mundo apresentava um aspecto mais triste. É que faltava na música
do mundo o som estridente daquela cigarra, morta por causa da avareza da
formiga. Mas se a usurária morresse, quem daria pela falta dela?

"Os artistas - poetas, pintores, escritores, músicos - são as cigarras da


humanidade".

FONTE: Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/contos/1184720>. Acesso em: 12 set.


2012.

Lobato escreveu o primeiro livro voltado ao público infantil, A Menina do


narizinho arrebitado, em 1921, e o último, Os doze trabalhos de Hércules, em 1944.
Ele faleceu em 1948 (ZILBERMAN, 2005).

Graças à atividade dos escritores Monteiro Lobato, Viriato Correa, Érico


Veríssimo, Graciliano Ramos, Figueiredo Pimentel, Maria José Dupré, entre
outros, é que a literatura infantil brasileira traça seus caminhos inovadores e ganha
projeção nacional e universal.

56
RESUMO DO TÓPICO 1
Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• O adjetivo “infantil” determina o público a que se destina. Entretanto, é o que é


escrito para a criança e lido pela criança.

• Alguns escritores e especialistas preferem dispensar o adjetivo infantil, afirmando


não poder haver distinções que reduzam ou orientem os diferentes leitores.

• A literatura infantil brasileira, a exemplo da europeia, assumiu a função


pedagógica e difundiu modos e modelos comportamentais.

• A primeira fase da literatura infantil no Brasil é norteada por adaptações e


traduções de textos europeus, principalmente de produções portuguesas. Os
textos tinham a intenção de incutir o patriotismo, a valorização do nacionalismo.

• Entre as décadas de 1920 a 1945, em termos de literatura infantil, eclodiram


inovações diversas nas áreas culturais, expressas na Semana de Arte Moderna. A
literatura infantil, especialmente a partir de Monteiro Lobato, recebeu “roupagem
nova”, com temáticas e uma linguagem coloquial, próximas à realidade da
criança.

• Pode-se afirmar que atualmente a literatura infantil é marcada por personagens


que contestavam fatos; apareceram as gírias, os dialetos, as falas regionais, ou
seja, uma literatura inovadora e plena de desafios.

• A literatura surge como um mundo aberto, um convite à liberdade de


interpretação, à criatividade e à exploração das formas.

• O encontro com a arte literária possibilita transformação, enriquecimento,


experiência de vida e transmissão de ideias.

57
AUTOATIVIDADE

Para a autoatividade, leia o texto que segue:

Desafio aos educadores



Um famoso filósofo alemão do século passado, Frederico Nietzsche, tece
uma crítica radical à civilização ocidental, dizendo que ela educa os homens
para desenvolverem apenas instinto da tartaruga. O que quer dizer isso? A
tartaruga é o animal que, diante do perigo, da surpresa, recolhe a cabeça para
dentro de sua casca. Anula, assim, todos os seus sentidos e esconde, também
na casca, os membros, tentando proteger-se contra o desconhecido. Este é o
instinto da tartaruga: defender-se, fechar-se ao mundo, recolher-se para dentro
de si mesma e, em consequência, nada ver, nada sentir, nada ouvir, nada
ameaçar.

Formar boas tartarugas parece ter sido o objetivo dos processos


educacionais e políticos de educação desenvolvidos no mundo ocidental nos
últimos anos. Temos educado os homens para aprenderem a se defender contra
todas as ameaças externas, sendo apenas reativos.

Ensinamos o espírito da covardia e do medo.

Precisamos assumir o desafio de educar o homem para desenvolver


o instinto da águia. Águia é o animal que voa acima das montanhas, que
desenvolve seus sentidos e habilidades, que aguça ouvidos, olhos e competência
para ultrapassar os perigos, alçando voo acima deles. É capaz, também,
de afiar as suas garras para atacar o inimigo, no momento que julgar mais
oportuno.

As nossas escolas têm procurado fazer com que nossas crianças se


recolham para dentro de si e percam a agressividade — o instinto próprio do
homem corajoso, capaz de vencer o perigo que se lhe apresenta.

Temos criado, neste país, uma geração-tartaruga, uma geração medrosa,


recolhida para dentro de si. E estamos todos impregnados por esse espírito
de tartaruga. Não temos coragem para contestar nossos dirigentes, para nos
opor às suas propostas e criar soluções alternativas. Agimos apenas de maneira
reativa, negativa, covarde.

Temos ensinado às nossas crianças que os nossos instintos são


pecaminosos. A parte mais rica do indivíduo, que é a sua sensibilidade — sua
capacidade de amar e de odiar, sua capacidade de se relacionar de maneira
erótica com o mundo —, tem sido desprezada. Temos ensinado o homem a ser
obediente, servil, pacífico, incompetente e depositar todas as suas esperanças
num poder maior ou no fim das tempestades.

58
Quando ensinaremos aos nossos alunos que eles não precisam se
esconder diante das ameaças, porque todos nós temos capacidade de alçar voo
às alturas, ultrapassando as nuvens carregadas de tempestade e perigo? Temos
ensinado às nossas crianças a se arrastar como vermes, e porque se arrastam
como vermes, elas se tornam incapazes de reclamar se lhes pisam na cabeça.

O que desejamos, afinal, desenvolver em nós mesmos e nos jovens? O


instinto da tartaruga ou o espírito das águias?
FONTE: RODRIGUES, Neidson. Lições do príncipe e outras lições. 18. ed. São Paulo: Cortez,
1999, p. 110.

Agora responda:

1 Na sua opinião, atualmente a escola cumpre seu papel no que


se refere à formação de leitores? Comente.

2 No texto “Desafio aos educadores”, lemos que a escola desenvolve nos


alunos apenas o instinto das tartarugas, sendo que deveria desenvolver o
espírito das águias. Você concorda? Por quê?

59
60
UNIDADE 2 TÓPICO 2
GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA
ESTRUTURA I

1 INTRODUÇÃO
As narrativas, sejam elas contos de fada, lendas, fábulas, romance, entre
outras, constituem-se em objeto de leitura. Propiciam ao leitor ou ouvinte uma ou
várias interpretações, de acordo com seus referenciais. Há que se considerar que
tais textos possuem características pertinentes, que provocam efeitos diferentes
em diversas pessoas. É, em parte, a história de vida de cada um que determinará
sua significação. O encontro com essa literatura favorece a liberdade, a satisfação
e desperta o imaginário.

Assim, após considerações que situam a literatura como arte envolvida com
a palavra descompromissada com a verdade lógica, com a racionalidade utilitária,
e sua inclusão no universo infantil, interessa-nos agora definir uma de suas formas
de manifestação mais praticadas, a saber: o texto narrativo.

2 AS NARRATIVAS E O ESTILO
Pessoas das mais variadas condições socioculturais têm prazer de ouvir
e contar histórias. O romancista e ensaísta Forster (1998) cita a obra As mil e uma
noites, na qual a protagonista Sherazade narrava, diariamente, histórias ao sultão
e as interrompia em momentos de suspense. Essa atitude da jovem contadora de
histórias motivava sempre mais a curiosidade do sultão. Tal fato livrou Sherazade
da morte, visto que o sultão enamorou-se da habilidosa narradora. Para Forster,
nós também somos como o sultão, pois, quando nossa curiosidade é aguçada,
permanecemos muito atentos ao desenrolar de um fato.

Entre os gêneros literários, a narrativa poderia ser conceituada como uma


forma de “discurso que nos apresenta uma história imaginária como se fosse
real, constituída por uma pluralidade de personagens, cujos episódios de vida se
entrelaçam num tempo e num espaço determinados” (D’ONOFRIO 2006, p. 53), isto
é, características que fariam da narrativa um gênero universal, cuja inventividade
revela-se nas diversas modalidades artísticas em que ainda se concretiza:

A narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral


ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura
ordenada de todas essas substâncias; está presente no mito, na fábula,

61
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

no conto, na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na


comédia, na pantomima, na pintura, no vitral, no cinema, nas histórias
em quadrinhos, no faits divers, na conversação. Além disso, sob essas
formas quase infinitas, a narrativa está presente em todos os tempos,
em todos os lugares, em todas as sociedades. (BARTHES, 1972, p. 19).

UNI

Você já parou para pensar o quanto a nossa vida é marcada pela presença da
narrativa? A todo instante estamos contando – para alguém ou, silenciosamente, para nós
mesmos – fatos e episódios que nos acontecem ou que poderiam vir a acontecer em nosso dia
a dia. Basta levantarmos da cama e começa a se desenhar mais uma história, mais uma forma de
narrativa que vamos indefinidamente tecendo até a nossa morte. Alguns de nós, mais talentosos,
conseguem transformar o essencial desses relatos em textos literários, por isso são escritores.

À estrutura da narrativa, portanto, corresponderia uma lógica não


matemática ou exclusivamente racional, mas captada de um modo simples e ao
mesmo tempo maravilhoso, posto que originalmente resultante de uma intuição
presente na arte primitiva da caça, que ademais pressupunha uma lógica da
adivinhação:

Talvez a própria ideia de narração (...) tenha surgido, pela primeira


vez, numa sociedade de caçadores, da experiência do deciframento
de indícios mínimos. (...) O caçador teria sido o primeiro a “contar
uma história” porque era o único capaz de ler, nas pegadas mudas (se
não imperceptíveis) deixadas pela sua presa, uma série coerente de
acontecimentos. (GINZBURG apud COMPAGNON, 2010, p. 129).

Além da estrutura da narrativa, assunto que será ampliado nos próximos


tópicos, vale ressaltar a questão relacionada ao que conhecemos como estilo. Do
dicionário escolhemos as seguintes asserções da palavra estilo:

maneira de exprimir-se, utilizando palavras, expressões que identificam


e caracterizam o feitio de determinados grupos, classes ou profissões;
conjunto de tendências e características formais, conteudísticas,
estéticas etc. que identificam ou distinguem uma obra, um artista
etc., ou determinado período ou movimento; conjunto de traços que
identificam determinada manifestação cultural. (HOUAISS; VILLAR,
2009, p. 835).

A noção de estilo, conforme pensadores alemães, ingleses e franceses,


resume o espírito, a visão de mundo própria de uma comunidade. Pode representar
uma norma, um ornamento, um desvio, um gênero, uma cultura, ou ainda, a soma
de todos esses conceitos (COMPAGNON, 2003).

Assim, a história da literatura pode ser descrita considerando os vários


estilos ou os traços marcantes de determinado período: o estilo romântico, o
barroco, o clássico, o moderno.
62
TÓPICO 2 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I

Compagnon (2003), após um levantamento das noções que permeiam o


entendimento do estilo, considerou que três aspectos são inevitáveis e insuperáveis
para o entendimento das noções de estilo:

O estilo é uma variação formal a partir de um conteúdo (mais ou menos)


estável; o estilo é um conjunto de traços característicos de uma obra que
permite que se identifique e se reconheça (mais intuitivamente do que
analiticamente) o autor; o estilo é uma escolha entre várias “escrituras”
(COMPAGNON, 2003, p. 194).

Estilo pode ser entendido como uma forma mais ou menos constante,
que varia de acordo com as qualidades e as expressões que persistem na arte
de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos. “A esse conjunto de textos de
determinada nação, que se singulariza pela presença de determinados valores
estéticos, dá-se, nas palavras de Diderot, o nome de arte” (apud SILVA, 1986, p. 6).

Então, podemos afirmar que no que tange à literatura há que se considerar


que o estilo abarca questões relativas à natureza e público a que se destina e, em
nosso caso, o jovem leitor. Além disso, a classificação é feita não somente em
função do aspecto temático, mas levando em conta a predominância de elementos
constitutivos de cada gênero.

A maneira do escritor organizar e expressar ideias e pensamentos,


elementos e estruturas caracteriza o estilo, tais como: a apresentação, o conflito ou
a complicação, o clímax, o desfecho, o tema ou enredo, a fala das personagens, o
espaço, ou seja, o ambiente, o tempo, são recursos dos quais o escritor lança mão
para compor os mais variados gêneros. Nesse sentido, é importante que, na escola,
o professor atente para esses aspectos, a fim de que possa refletir, juntamente com
os alunos, o que engendra um texto literário.

Caro(a) acadêmico(a), a partir do conceito de estilo proposto por


Compagnon, elencamos uma característica marcante nos escritos de Machado
de Assis, qual seja, a de um narrador intrometido: as personagens machadianas
contam sua vida e intercalam a narração, em primeira pessoa, com frequentes
explicações para o leitor. Parecem justificar para si e explicar aos que os “escutam”
os acontecimentos que motivaram seus atos.

O narrador e/ou protagonista provoca o leitor em uma série de afirmações,


interrogações, exclamações. Nos contos machadianos encontramos este recurso, a
exemplo do conto O Sainete:

Pode o leitor coçar o nariz, à procura da explicação; a leitora não precisa


desse recurso para adivinhar que o Dr. Maciel ama, que uma "seta do
deus alado" o feriu mesmo no centro do coração. O que a leitora não
pode adivinhar, sem que eu lho diga, é que o jovem médico ama a
viúva Seixas, cuja maravilhosa beleza levava após si os olhos dos mais
consumados pintalegretes. O Dr. Maciel gostava de a ver como todos os
outros; amou-a desde certa noite e certo baile, em que ela, andando a
passeio pelo seu braço, perguntou-lhe de repente com a mais deliciosa
languidez do mundo: (ASSIS, 2011, p. 68).

63
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Após mapear alguns atributos que definem a narrativa literária, resenharemos


acerca dos gêneros mais comuns na modalidade literatura infantojuvenil. Além
disso, atente para a sua estrutura, seu estilo, suas características, procure estabelecer
diferenças e semelhanças. Bom estudo!

3 NARRATIVAS: O CONTO
No mundo dos contos de fadas não devem ser despertados
sentimentos de angústia, e tampouco sentimentos
inquietantes. (...) Quanto ao silêncio e escuridão, tudo
o que podemos dizer é que são realmente os fatores a que
se acha ligada a angústia infantil, que na maioria das
pessoas nunca desaparece inteiramente (FREUD, 2010,
p. 376).

Os contos populares, contos de fada, as lendas, bem como o cordel, o mito,


sempre foram associados ao folclore e, por vezes, foram suprimidos dos estudos
literários. Segundo Leal (1985, p. 9), “a partir do século XX, com a linguística
saussuriana, ocorre um resgate acadêmico desse material de origem popular.
Assim, despontam novas perspectivas, sugerindo outros modelos de análise para
essas narrativas”.

As reflexões compreenderam que o ato de narrar, de recontar histórias é


inerente ao ser humano. Desde o princípio das civilizações, o contar oralmente era
a única possibilidade de registro e, sendo assim, foi reconstruído seu valor tanto
literário, quanto no processo de formação do leitor. Nesse sentido, esse resgate da
chamada literatura oral beneficiou a construção de uma memória de leitura de um
povo, bem como os estudos dessa literatura.

Além dos crescentes trabalhos sobre as narrativas de tradição oral,


o mercado editorial também ampliou o número de edições dessas histórias,
geralmente catalogadas como literatura infantil e juvenil, com um tratamento
editorial e gráfico aprimorado, colorido, com ilustrações e traços que realçam as
novas configurações e os elementos visuais.

No Brasil, Cascudo (2004) coletou e registrou histórias contadas pelo povo,


especialmente do Nordeste brasileiro, sempre com o cuidado de ser um coletor,
não um autor. Cascudo declarou que mantinha cerca de noventa por cento da
linguagem oral.

Nenhum vocábulo foi substituído. Apenas não julguei indispensável


grafar muié, prinspo, prinspa, timive, terrive. Conservei a coloração
do vocabulário individual, as imagens, perífrases, intercorrências.
Impossível será a ideia do movimento, o timbre, a representação
personalizadora das figuras evocadas, instintivamente feita pelo
narrador (CASCUDO, 2004, p. 16).

Segundo Leal (1985), nas coletâneas de Câmara Cascudo há, nos textos, um
estilo, revelando um contorno peculiar de composição oral marcada pela escritura.
64
TÓPICO 2 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I

Esses contos, lendas, narrativas míticas, é bom lembrar, são expressões


de culturas orais, propagadas por narradores, passadas de geração em geração,
portanto passíveis de modificações, fusões, acréscimos, cortes, substituições e
influências. Eis porque os contos populares revelam certa dificuldade de identificar
sua “verdadeira origem”.

Ainda segundo Câmara Cascudo, folclorista brasileiro, para ser classificado


como conto popular “é preciso que o conto seja velho na memória do povo,
anônimo em sua autoria, divulgado em seu conhecimento e persistente nos
repertórios orais”. Que seja omisso nos nomes próprios, localizações geográficas e
datas (CASCUDO, 2004, p. 13).

O conto difere de outras formas de narrativa de ficção, não somente por sua
brevidade, que oferece um episódio, uma amostra da vida, mas por conter outras
características. É o que procuraremos elencar.

3.1 OS CONTOS DE FADA


Estas narrativas surgiram com os celtas, aproximadamente no século II
a.C., propagadas através da oralidade. O conto de fada apresenta uma estrutura
com início, meio e fim. A história inicia-se com uma situação de equilíbrio, alterada
por um conflito. No decorrer dos acontecimentos, a tranquilidade é retomada pelo
herói ou heroína, efetuando-se, assim, o desfecho da história.

UNI

Fada. Palavra derivada do latim fáta,ae ‘a deusa do destino, Parca’ (HOUAISS; VILLAR,
2009, p. 867).

Nessas narrativas aparecem fadas, duendes, espelhos mágicos, príncipes,


princesas, reis, rainhas, bruxas gigantes, ou seja, objetos ou seres mágicos,
elementos que conferem uma simbologia a esse modelo literário.

Apresentam temas relacionados ao medo, ao amor, às carências, às perdas


e buscas. Essas questões fazem parte do cotidiano infantojuvenil e favorecem a
autodescoberta - quem somos e o que desejamos -, conforme nossos valores morais
e éticos:

Os contos de fada trazem a magia que alimenta a imaginação, ajudam


a encarar os problemas da vida e, por vezes, trazem esperanças de dias
melhores. É um pouco por isso que ainda hoje esses contos continuam
a ser tão encantadores para adultos e crianças, que podem acreditar

65
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

pelo menos na fantasia de que é possível “viver feliz para sempre”


(GAGLIARDI; AMARAL, 2001, p. 86).

O conto possibilita à criança dar vazão a seus afetos e angústias, ou seja, o


conto faz rir e chorar, é um treino para as emoções. Bruno Bettelheim (1980), em
sua obra A Psicanálise dos Contos de Fada, afirma que os mesmos ajudam a resolver
problemas da existência da criança. Enfatiza também o poder regenerador dos
contos. Por conterem, na sua estrutura, elementos simbólicos, criam uma ponte
com o inconsciente, propiciando ao jovem leitor conforto e consolo em termos
emocionais.

Outro elemento característico dos contos de fada é a presença de


personagens que não mudam bruscamente suas ações ou reações no decorrer
da narrativa (são bem delineadas quanto ao seu caráter ou modo de ser: bom ou
mau). São representantes destas personagens os reis, as rainhas, os príncipes, as
princesas, as fadas, as bruxas. Personagens classificadas como planas. E que serão
objeto de estudos futuros.

Algumas características são recorrentes entre os contos, tais como: a


existência de poderes desconhecidos, feitiços, monstros, encantos, instrumentos
mágicos, vozes do além, viagens extraordinárias. Costumam ocorrer num tempo
desconhecido, reconhecido pelas expressões “era uma vez..., há muito tempo..., há
milhares de anos...”.

E
IMPORTANT

Nelly Novaes Coelho (2000, p. 173) distingue conto maravilhoso do conto de fadas.
Segundo a autora, o conto maravilhoso foi difundido pelos árabes. São narrativas nas quais a
aventura é “de natureza material/social/sensorial”, ou seja, no enredo aparece a satisfação do
corpo e busca pela riqueza e poder. Ainda de acordo com a autora, isto o diferencia do conto
de fadas, uma vez que este é de origem celta e é permeado por uma natureza “espiritual/ética/
existencial”, com aventuras ligadas ao sobrenatural, daí a aparecerem os seres dotados de poderes,
como as fadas com extraordinários encantos.

As personagens geralmente são apresentadas como “a bela adormecida”,


“um certo rei”, “uma princesa muito linda“, “a filha mais amada”, e que no
decorrer da narrativa enfrentam os mais variados perigos, nos quais aventuram-
se, são castigados, vencem, casam e, quanto ao aspecto físico, não mudam.

Além disso, exploram o bem como tudo o que corrobora para com os
objetivos do herói ou da heroína. Ao contrário, o que prejudica ou atrapalha é
denominado de mal. Em outras palavras, é uma moral relativa, determinada por
situações do contexto.

66
TÓPICO 2 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I

As personagens nos contos de fadas não são ambivalentes – não são ao


mesmo tempo boas e más, como somos todos na realidade. Mas, uma
vez que a polarização domina a mente da criança, ela também domina
os contos de fadas. Uma pessoa é boa ou má, sem meio-termo. Um irmão
é tolo, o outro esperto. Uma irmã é virtuosa e trabalhadora, as outras vis
e preguiçosas. Uma é bela, as outras feias. (BETTELHEIM, 2007, p. 20).

É assim que, para Bettelheim, ao lado das relações parentais e afetivas,


seria o conto de fadas a mais alta expressão de uma herança cultural que
poderia verdadeiramente contribuir para propiciar às crianças uma infância
emocionalmente sadia:

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas esclarece sobre si próprio e


favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece tantos níveis
distintos de significado e enriquece a sua existência de tantos modos
que nenhum livro pode fazer justiça à profusão e diversidade das
contribuições dadas por esse conto à vida da criança. (...) O prazer que
experimentamos quando nos permitimos ser sensíveis a um conto de
fadas, o encantamento que sentimos, não vêm do significado psicológico
de um conto (embora isso contribua para tal), mas de suas qualidades
literárias – o próprio conto como uma obra de arte. (BETTELHEIM,
2007, p. 17).

São narrativas que pressupõem sempre uma voz que conta, até porque,
como já sabemos, nasceram na oralidade, são textos lineares, com começo, meio e
fim.

Bettelheim (2007), por exemplo, acredita que a simplificação das ações


narrativas através do uso da tríade básica – começo, meio e fim –, aliada à polarização
das personagens em boas e más, capta uma origem inconsciente e profunda
dos valores humanos que podem contribuir significativamente para a evolução
emocional da criança; evolução que se deve dar de forma progressiva, posto que
só em idade madura ela estaria apta a estabelecer relações mais complexas e mais
próximas da realidade tal como a experimentamos.

Vejamos outras questões encontradiças nessas narrativas, quais sejam: a


metamorfose: personagens ou objetos podem ser encantados por algum efeito
maléfico. Essa transformação, ao que parece, está ligada a antigas crenças de que
todos os seres anormais ou disformes possuíam poderes de intervenção na vida
humana. Geralmente é uma figura feminina que consegue “quebrar”, desfazer o
encanto.

Outro elemento são os objetos mágicos, que em “um passe de mágica”


interferem no destino das personagens, ajudando ou prejudicando. Exemplos bem
difundidos foram o espelho mágico e a varinha de condão. Há que se considerar que
os elementos sobrenaturais estão ligados a um enigma desafiador, um obstáculo a
ser vencido.

Os contos de fada apresentam, geralmente, seres dotados de poderes que


vencem obstáculos e, a partir de então, modificam sua vida. Conseguem, por

67
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

exemplo, conquistar a pessoa amada e/ou o trono de algum reino. São enredos
voltados a problemáticas existenciais, nos quais, de acordo com Bettelheim (2007,
p. 15):

A cultura dominante deseja fingir, particularmente no que se refere às


crianças, que o lado obscuro do homem não existe, e professa a crença
num aprimoramento otimista. (...) [Em contrapartida] essa é exatamente
a mensagem que os contos de fadas transmitem à criança de forma
variada: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável,
é parte intrínseca da existência humana – mas que, se a pessoa não se
intimida e se defronta resolutamente com as provações inesperadas e
muitas vezes injustas, dominará todos os obstáculos e ao fim emergirá
vitoriosa.

Em tais enredos paira a ideia do maravilhoso. A história inicia-se com uma


situação de equilíbrio, alterada por um conflito, devendo este ser resolvido pelo
herói ou heroína. A restauração da ordem acontece no desfecho da narrativa, a
trama é revelada ao leitor de forma rápida e surpreendente. As fadas, os duendes,
objetos mágicos, príncipes, princesas, reis, rainhas, bruxas, gigantes, são elementos
que assinalam o estilo desse gênero literário.

Assim, por ser a forma narrativa de maior destaque na relação da literatura


com a infância, o conto popular, mais conhecido como conto de fadas, agrupa
temáticas variadas, que expressam a psicologia coletiva e inconsciente dos povos,
relatam coisas e eventos que não como eles são, mas sim como deveriam ser,
portanto fazendo predominar, sobre os aspectos negativos da vida, os valores
considerados sagrados pelas comunidades, tais como o triunfo do bem sobre
o mal, da beleza sobre a feiura, da verdade sobre a mentira, da justiça sobre a
injustiça, entre outros.

As narrativas constituem-se em objeto de leitura dentro e fora do espaço


escolar. O encontro com os contos de fada ainda favorece a liberdade e desperta o
imaginário do leitor? É o assunto que discutiremos a seguir.

4 O PODER DOS CONTOS NA CONTEMPORANEIDADE


Ainda que o tempo tenha evoluído, os contos infantis não perderam o seu
valor, pois tanto as crianças quanto os jovens tiram proveito das suas mensagens, ou
seja, fazem crescer e despertam a consciência. Contribuem no despertar o interesse
na literatura; são estímulos à imaginação e criatividade; favorecem o diálogo com
os seus familiares e amigos; potenciam a cultura e a inteligência emocional; tratam
de valores de comportamento ético, entre outros.

Uma das prováveis vantagens dos contos de fadas [...] sobre as


outras formas de ficção deve-se à universalidade de sua difusão. O
compartilhamento de trechos do imaginário entre as crianças é o que
possibilita sua utilização como se fosse um brinquedo. Se uma menina
diz para a outra: “seremos princesas, eu quero ser a Bela Adormecida”,

68
TÓPICO 2 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I

a amiga pode responder: “e eu a Cinderela”; e então a brincadeira pode


começar sem maiores esclarecimentos. (CORSO; CORSO, 2003, p. 78).

De acordo com o exposto, infere-se que a criança, através da imaginação,


incorpora traços da personalidade, das personagens e cenários advindos da ficção.

No dizer de Bruno Bettelheim (2001, p. 15), “a criança necessita muito


particularmente que lhe sejam dadas sugestões em forma simbólica sobre o modo
como ela pode lidar com estas questões (os problemas existenciais) e crescer a
salvo para a maturidade”.

Com base nesse pressuposto, o autor em questão vê o conto de fadas como


possibilidade que conduz a um plano superior de compreensão e elaboração.
Bettelheim (2001, p. 33) afirma que “o conto de fadas é terapêutico, porque o
paciente encontra sua própria solução através da contemplação do que a história
parece implicar acerca de seus conflitos internos neste momento da vida”. E
argumenta ainda que “a forma e a estrutura dos contos de fadas sugerem imagens
à criança, com as quais estrutura seus devaneios” (BETTELHEIM, 2001, p. 16).

Ressalta a importância da história e dela extrair os elementos que vão servir


de “remédio” para o convívio com os demais, são as escolhas que as crianças
fazem a partir do seu imaginário. Seria esse o potencial dos contos: traduzir o que
se passa conosco, ainda que não compreendamos uma angústia ou um sofrimento.
Uma história pode dar um sentido, delinear o nosso sofrimento.

Nesse caso, um conto de fadas estabelece uma relação com um problema


real, mérito que Bettelheim (2001) enfatiza, pois a criança, ao ouvir histórias
fantásticas, sente segurança e conforto; ainda que não compreenda as dificuldades
e onde estão, consegue superá-las pela sensação de um bem-estar.

Para o autor em questão, as crianças conseguem lidar melhor com o mundo


extrafamiliar por conta das esperanças e promessas contidas nos contos de fadas,
ou seja, “à medida que a criança cresce, consegue satisfações emocionais com
pessoas que não fazem parte de sua família” (BETTELHEIM, 1992, p. 155).

A criança se apropria de certas habilidades que não realizava, mas que, por
força do seu natural desenvolvimento, é desafiada, como as mudanças de relações e
hábitos. Esse fato pode causar desapontamentos, frustração, desespero e decepção
especialmente em relação aos seus pais, seus provedores. Segundo Bettelheim
(1992, p. 157), “esse é o momento em que a criança começa a fantasiar e acreditar
nas fantasias que forma e vive mais presa ao futuro, fugindo das angústias de um
presente que não a agrada”.

A criança passa então a manejar os acontecimentos e suas relações com o


mundo são determinadas pelo contato com contos de fadas durante a sua formação,
pelos avanços e retrocessos em seu desenvolvimento, os quais se constituem forma
sadia de crescer. Desse modo, quando insatisfeita, é comum que ela imagine para

69
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

si um reino encantado, cujo fato é positivo para o seu desenvolvimento, pois é


nesse fazer que a criança constrói sua personalidade (BETTELHEIM, 1992).

É preciso então considerar o mito e a fantasia inerentes à formação humana,


afinal a simbologia é capaz de representar os pensamentos, especialmente os
da criança. Os contos infantis contribuem para o conhecimento, para o convívio
harmonioso, para a compreensão dos conflitos, na medida em que a criança, pelo
contato e leitura, cresce cognitivamente e estrutura a sua personalidade.

UNI

“Do ponto de vista antropológico e filosófico, o mito é encarado como a palavra


que designa um estágio do desenvolvimento humano anterior à história” (MOISÉS, 2004, p. 342).
Assim, as histórias expressavam uma compreensão fantástica ou um ponto de vista religioso do
mundo, e o mito aludia a uma forma de narrativa ficcional que em sua origem versaria sobre
divindades e a interferência delas na vida e no comportamento humanos, e que, por ser criado
por uma coletividade, não possuiria uma autoria específica. A maior parte deles, por expressarem
valores de comunidades primitivas, passou a ser também estudada pela Mitologia. Há, entretanto,
os mitos literários, criados por autores específicos e que buscam exprimir valores de vida pessoais,
obedecendo assim a um encadeamento mais lógico e subjetivo.

Ao compreender a simbologia dos contos de fadas, pais e professores terão


a seu favor um precioso recurso de desenvolvimento infantil, que favorecerá a
fantasia e a imaginação. Diante disso, é preciso um olhar atento sobre esse assunto,
com vistas a discussões acerca do papel dos contos de fadas no processo de ensino
e aprendizagem.

70
TÓPICO 2 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I

UNI

A discussão acerca do poder dos contos de fada teve por base o


livro Psicanálise dos contos de fadas, publicado pela Bertand
Editora (2001), que aborda os contos de fadas numa perspectiva
psicológica e social.

Bruno Bettelheim reflete sobre os efeitos benéficos dos


contos infantis na criança, ajudando pais, professores e outros
profissionais que atuam com as crianças a compreender os
impactos dos contos no desenvolvimento pessoal, social e
afetivo. Para o estudioso, além do entretenimento, os contos
infantis fornecem às crianças pistas para a resolução dos seus
problemas: como lidar com as mudanças de vida, enfrentar
um amigo na escola, aprender a lutar pelo que se deseja, entre
outras possibilidades. O autor aborda também as teorias da
psicologia, sociologia e psicanálise, como o Complexo de Édipo,
o Inconsciente, o Princípio do prazer versus princípio da realidade, entre outras, para embasar
os seus estudos acerca do conto de fadas e o seu efeito na criança.

FONTE: Disponível em: <http://www.netsaber.com.br/>.

71
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico apresentamos:

• A narrativa poderá ser conceituada como uma história imaginária, composta por
uma pluralidade de personagens, com episódios que se entrelaçam num tempo e
num espaço.

• O estilo presente nas narrativas e nas demais formas de expressão da arte


pode ser entendido como uma norma, um ornamento, um traço marcante de
determinado período, autor, obra, levando em conta a predominância de
elementos característicos de cada gênero.

• Os contos, as lendas, as narrativas míticas, é bom lembrar, são expressões de


culturas orais, propagadas por narradores, passadas de geração em geração,
portanto passíveis de modificações, fusões, acréscimos, cortes, substituições e
influências.

• No Brasil, Câmara Cascudo coletou e registrou histórias contadas pelo povo,


especialmente do Nordeste brasileiro , sempre com o cuidado de ser um coletor,
não um autor.

• O conto de fadas apresenta uma estrutura, com início, meio e fim. A história
inicia-se com uma situação de equilíbrio, alterada por um conflito. No decorrer
dos acontecimentos, a tranquilidade é retomada, efetuando-se, assim, o desfecho
da história.

• Os temas recorrentes nos contos estão relacionados ao medo, ao amor, às


carências, às perdas e buscas.

• Outro elemento característico dos contos de fadas é a presença de personagens


planas, envoltas em temáticas que expressam a psicologia coletiva e inconsciente
dos povos, relatando valores considerados sagrados pelas comunidades, tais como
o triunfo do bem sobre o mal, da beleza sobre a feiura, da verdade sobre a mentira,
da justiça sobre a injustiça, entre outros.

• Nos contos maravilhosos as questões emanam do social e do econômico, isto é,


são problemáticas ligadas à vida e à sobrevivência. A personagem central lutará
para conquistar bens, status e poder. Para tanto, será auxiliada por elementos
mágicos e maravilhosos. São exemplos de conto maravilhoso O gato de botas,
Aladim e a lâmpada maravilhosa, muitos dos contos de As mil e uma noites.

• Os contos destinados ao público infantil não perderam seu encanto mágico e


contribuem para despertar o interesse na literatura, são estímulos à imaginação,
à criatividade e à interpretação, favorecem o diálogo; potenciam a cultura e a
inteligência emocional.
72
• Para Bettelheim (2001), um conto de fadas estabelece uma relação com um
problema real; assim, a criança, ao ouvir histórias fantásticas, sente segurança e
conforto; ainda que não compreenda as dificuldades, consegue superá-las pela
sensação de um bem-estar.

• Os contos de fadas contribuem para o conhecimento, para o convívio harmonioso,


para a compreensão dos conflitos, na medida em que a criança, pelo contato e
leitura, cresce cognitivamente e estrutura a sua personalidade.

• O mito e a fantasia são inerentes à formação humana, afinal a simbologia é capaz


de representar os pensamentos.

• O mito, em sua origem, acena para uma forma de narrativa ficcional, que versa
sobre divindades e a interferência delas na vida e no comportamento humanos;
foi criado por uma coletividade, não possuindo uma autoria específica. Há,
entretanto, os mitos literários, criados por autores específicos e que buscam
exprimir valores de vida pessoais, obedecendo assim a um encadeamento mais
lógico e subjetivo.

• A modalidade infantojuvenil, devido à sua funcionalidade estética, lúdica e


cognitiva, é fonte de instrução e arte, porque pressupõe que, desde a infância, o
homem necessita da expressão e da compreensão do mundo.

• No constante contato com a arte, a visualização da fantasia, da imaginação, do faz


de conta, a criança experimenta novas sensações, com emoção, prazer, e aguça o
fascínio pelo belo, pela expressão artística.

73
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a), propomos algumas questões com o objetivo de


levá-lo(a) a refletir sobre sua vida como leitor(a).

1 Dos livros que você já leu, qual deles você indicaria para um amigo? Por quê?

2 Quais são suas preferências de leitura, quanto ao assunto? Enumere de 1 a 9,


indicando sua preferência, de forma crescente:

( ) Humor.
( ) Ficção científica.
( ) Terror.
( ) Poesia.
( ) Autoajuda.
( ) Mistério.
( ) Ciência e saúde.
( ) Policial.
( ) Filosofia.
( ) Esoterismo.
( ) Outros____________________________________.

3 Você gosta de ler revistas? Em caso afirmativo, quais?


________________________________________________________________________
________________________________________________________________________

4 Você lê jornais? Qual assunto mais interessa a você?


_________________________________________________________
_________________________________________________________
__________________________________________________________

5 Quais seus escritores brasileiros preferidos?


_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________

6 Quais seus escritores estrangeiros preferidos?


_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________

7 Enumere de 1 a 10, de modo crescente, as atividades de sua preferência:

( ) Ouvir música.
( ) Dançar.
( ) Ler.
( ) Ir ao cinema.
( ) Praticar esportes.

74
( ) Assistir TV.
( ) Ir ao teatro.
( ) Viajar.
( ) Namorar.
( ) Navegar na internet.

8 Você se considera um leitor? Justifique.


_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________

Importante que o(a) Professor(a)-Tutor(a) Externo(a) comente sobre a


necessidade de que, para sermos professores, devemos antes ser leitores.

Caro(a) acadêmico(a), socialize suas respostas. Peça para o(a)


Professor(a)-Tutor(a) Externo(a) ouvir o que os colegas escreveram. Fomente o
diálogo e a troca de ideias.

75
76
UNIDADE 2
TÓPICO 3

GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA


ESTRUTURA II

1 INTRODUÇÃO
Você já observou a tripartição das ações que aparece nas narrativas? É o
caso dos filmes sobre piratas, em que se apresenta, nos primeiros minutos, uma
ilha paradisíaca na qual vive uma linda moça, que geralmente é filha de um
governante ou rei. Após ser mostrada essa situação inicial harmônica, inicia-
se o conflito, quando a linda jovem, ao passear distraidamente em uma praia, é
raptada por um grupo de piratas malfeitores. Organiza-se, então, uma expedição
em busca de recuperar a moça indefesa, momento em que um belo e valoroso
jovem, encarnando o papel de herói da trama, salva a filha do governante e, por
ter restituído a harmonia inicial, recebe a mão dela em casamento como forma
de compensação por sua bravura. Não será assim a estrutura da maior parte dos
filmes hollywoodianos? Pense nos que vêm à mente e reflita se eles estão ou não
voltados para agradar ao senso comum.

2 A COMPOSIÇÃO DOS TEXTOS LITERÁRIOS


Após este exercício de reflexão, discorreremos sobre a estrutura ou a
composição das narrativas, sobre o encadeamento de uma sequência de fatos
reais ou imaginários, na qual as personagens, após uma série de acontecimentos,
restabelecem o equilíbrio - diferente ou não do equilíbrio inicial. Assim, podemos
dizer que um texto narrativo apresenta a seguinte estrutura:

Apresentação: também conhecida como início, no qual o autor apresenta


parte dos personagens, do ambiente e algumas das circunstâncias da história.
Deve-se atentar para o fato de que existem textos nos quais já de início mostra-se a
ação em pleno desenvolvimento.

Atente para o fato de que existe uma técnica literária conhecida como In
media res, expressão latina que significa no meio dos acontecimentos. O escritor
omite personagens, cenários e conflitos no início da narrativa e os retoma adiante,
por meio de uma série de flashbacks ou por intermédio de personagens que
discorrem entre si sobre eventos passados. Essa forma de iniciar a narrativa não no
início temporal, mas a partir de um ponto médio de seu desenvolvimento, pode
ser encontrada nas obras clássicas, como a Eneida de Virgílio, e a Ilíada de Homero.

77
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

NOTA

O escritor Luís de Camões, a exemplo dos clássicos, lançou mão dessa técnica em
Os Lusíadas.

Conflito ou complicação: momento do texto no qual se inicia propriamente


a ação. O aparente equilíbrio dá lugar a transformações expressas em um ou mais
episódios que se sucedem, conduzindo ao clímax.

A partir desse primeiro movimento de entrada na narrativa, no qual


identificamos uma convivência harmônica entre as personagens e a sociedade
retratada, seguir-se-á inevitavelmente um segundo movimento, denominado fase
de transgressão, e que é caracterizado pela ruptura daquela forma de convivência
ordeira e pacífica por parte de um indivíduo vil ou fraco de caráter, transgressão
esta a partir da qual se inicia o terceiro movimento, agora em direção ao fim da
história, e que trata do restabelecimento da ordem inicial, conhecido como clímax.
Neste momento, a narrativa atinge seu ponto máximo e crítico, que convergirá no
desfecho.

Para entendermos o arranjo das funções contratuais, é preciso pressupor


um contrato natural e implícito, subjacente a toda organização social: o indivíduo
deve admitir uma hierarquia de valores e a ela subordinar-se. Em troca do conforto,
da proteção e de outros inúmeros benefícios que a vida em sociedade lhe oferece, o
indivíduo obriga-se ao respeito das normas impostas pelo viver em comunidade.
A transgressão de uma ordem por parte de um membro da sociedade implica
a ruptura desse contrato natural, implicitamente aceito. No seio da sociedade,
o elemento disfórico, o transgressor, é contrabalançado pelo herói, o reparador.
(D’ONOFRIO, 2006 p. 78).

Desenlace ou desfecho: parte do texto na qual se restabelece o equilíbrio e
em que, geralmente, acontece a solução do conflito. Os episódios que compõem
as narrativas podem seguir uma sequência cronológica. No entanto, encontramos
narrativas em que o desfecho aparece antes da complicação e do clímax.

É interessante notar que essa forma estrutural das histórias, estabelecida


segundo três movimentos estruturais básicos – três pontos centrais fixos: começo ou
equilíbrio, transgressão ou dano, e reparação –, adveio de um estudo contundente
do teórico russo Vladimir Propp, não propriamente sobre textos eruditos, mas acerca
dos tradicionais contos populares. Assim, Propp “foi o pioneiro da abordagem
interna ou estrutural do texto literário. [Para ele] uma narrativa é vista como uma
obra de arte que (...) uma vez produzida, passa a ter uma vida independente do
autor e da época” (D’ONOFRIO, 2006, p. 66).

78
TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

Dessa forma, a partir do estudo de cem contos maravilhosos, o referido


autor pôde constatar que poderiam ocorrer não apenas três, mas 31 funções fixas,
comuns e possíveis não apenas aos contos de fadas e histórias maravilhosas, mas
a toda e qualquer forma de narrativa literária; funções sobre as quais devem se
debruçar todos aqueles interessados em aprofundar seus estudos em teoria da
literatura.

UNI

Caro(a) acadêmico(a), relacionamos a seguir as 31 funções elencadas por Vladimir


Propp: afastamento, interdição, transgressão, interrogação, informação, engano, cumplicidade,
dano, pedido de socorro, início da ação contrária, partida, função do doador, reação do herói,
recepção do objeto mágico, deslocamento espacial, luta, marca, vitória, reparação, volta,
perseguição, socorro, chegada incógnita, pretensões falsas, tarefa difícil, tarefa cumprida,
reconhecimento, desmascaramento, transfiguração, punição, casamento.

Além de sua estrutura, vários elementos compõem a narrativa: personagens,


ação, tempo, espaço, tema ou enredo e estilo integrados numa obra a ser apreciada
pelo leitor. Refletiremos, caro(a) acadêmico(a), sobre cada um destes.

2.1 A AÇÃO
Ação, história, trama, assunto, tema ou o enredo são alguns dos termos
usados para designar o que sucede na narrativa.

No caso das narrativas infantis e contos tradicionais, desenrolam-se dois


tipos padrões de ação: um em que alguém, por sentir-se inadequado ao meio
social em que vive, pretende modificar, na maior parte das vezes de modo ilícito, a
harmonia social existente – papel geralmente desempenhado pelo vilão da história
–; e um segundo em que algum personagem, colocado em contraposição àquele,
encarna os valores sociais idealizados pela comunidade e, por ser destinado ao
bem, consegue restituí-los na medida em que vence o mal e vilania a ele associada:
O conto de fadas simplifica todas as situações. Suas personagens são
esboçadas claramente; e detalhes, exceto quando muito importantes, são
eliminados. Todas as personagens são típicas em lugar de únicas. (...)
Em praticamente todo conto de fadas, o bem e o mal são corporificados
sob a forma de alguns personagens e de suas ações. (...) Não é o fato de
a virtude vencer no final que promove a moralidade, mas sim o fato de
o herói ser extremamente atraente para a criança, que se identifica com
ele em todas as suas lutas. (BETTELHEIM, 2007, p. 16).

79
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

O enredo envolve o que acontece com as personagens, suas ações e reações.


É o desenrolar dos acontecimentos simples ou complexos, de conflitos que surgem
de uma situação que desequilibra a vida da(s) personagem(ns) e que pode ser
resolvida ou não. Então, podemos dizer que a ação refere-se à sequência dos
acontecimentos de uma narrativa literária, teatral, cinematográfica, entre outras.

Acerca, ainda, dessa tripartição fabular: começo, meio e fim – que


possibilita categorizar o gênero narrativo como um conjunto de obras que se valem
dos mesmos elementos estruturais e que os utilizam de um modo semelhante –,
é interessante destacar que uma ação decorreria da outra, e todas partiriam do
desenvolvimento de uma situação inicial, que é:

determinada pelas relações existentes entre as personagens,


anteriormente a qualquer ação. Geralmente ela é representada
simbolicamente por uma paisagem edênica, pitoresca e colorida e
indica um estado de felicidade, que serve como fundo contrastivo
à infelicidade que vai se seguir. (...) A situação inicial é, ao mesmo
tempo, “estática” e “conflitual”. Estática porque não contém nenhum
movimento ou ação. Conflitual porque contém, virtualmente, um
motivo dinâmico de conflito, que irá possibilitar o desenrolar dos
acontecimentos. (D’ONOFRIO, 2006 p. 75-76).

Mas, de modo geral, e independente do tipo de gênero da obra literária,


trata o enredo de um conjunto de acontecimentos narrados na trama (termo que se
reporta mais aos arranjos estilísticos dos episódios da narrativa ficcional), ou, para
utilizar uma terminologia mais estrutural, do desenrolar das ações da “fábula”
(termo que se reporta mais à sucessão cronológica dos acontecimentos), em que
personagens participam, sofrem e reparam danos em um tempo sequencial e em
um espaço determinado.

2.2 AS FALAS NA NARRATIVA

No que tange às falas das personagens, estas podem ser classificadas em:
Discurso direto: o discurso direto, nas palavras de Ulisses Infante (1999, p. 116), “é
a reprodução direta das falas das personagens e um recurso que imprime maior
agilidade ao texto”.

Você poderá constatar no exemplo que segue:

80
TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

(...)
Seu major!
Seu major suspendeu as instruções, ficou esperando.
- Seu major! Deu-se!
- O quê?
- A coisa!
- Hein?
- A coisa! O Washington!
- Não percebo, homem!
- A REVOLUÇÂO VENCEU!
- Estás doido!
O chefe da estação ficou possesso:
- Eu, doido? O senhor é que está maluco! Se não é analfabeto leia isto!
FONTE: MACHADO, Antônio de Alcântara. Contos avulsos: as cinco panelas de ouro.
Disponível em: <http://www.biblio.com.br/conteudo/alcantaramachado/mcontosavulsos.htm>.
Acesso em: 12 nov. 2012.

O discurso indireto: neste caso, ao narrador cabe a tarefa de contar os fatos


que se sucedem com as personagens. Observe que a narrativa poderá ser conduzida
na primeira ou na terceira pessoa, utilizando-se dos pronomes pessoais, eu e nós.
Ocorre em terceira pessoa quando o narrador esclarece os fatos e os pormenores,
revelando progressivamente o caráter das personagens, aspectos físicos e o meio
em que vivem, sem, no entanto, participar da história.

Entretanto, o narrador não deve ser confundido com o autor. O narrador


pertence ao texto e fora deste ele não existe. É uma entidade fictícia, responsável
pela dinâmica que produz o discurso narrativo. Segundo W. Kaiser (1970), o
narrador tem como função atuar, conduzir ou imprimir, ou seja, narrar.

Uma narrativa pode ser conduzida por um narrador que participa da


história narrada e toma parte dos acontecimentos expondo o que presencia em
primeira pessoa (eu, nós), um narrador personagem. Constitui-se, assim, em um
personagem-narrador, como no caso do conto de Clarice Lispector.

Felicidade Clandestina

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos,


meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos
achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do
busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias
gostaria de ter: um pai dono de livraria.

81
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de


pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da
loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos,
com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com sua letra bordadíssima
palavras como "data natalícia" e "saudade".

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança,
chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que
éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres.
Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler,
eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-
lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma
tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía as Reinações de
Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com
ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-
me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria:


eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me
traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava
num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem
para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que
eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em
breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar
pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez
nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes
seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei
pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da


livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua
casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro
ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu
como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se
repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo
indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já
começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho.
Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer
esteja precisando danadamente que eu sofra.

82
TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer.


Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio
de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a
olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde
e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a
aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações
a nós duas, houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco
elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar
entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com
enorme surpresa exclamou: “Mas este livro nunca saiu daqui de casa e você
nem quis ler!”.

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia
ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio:
a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em
pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se
refazendo, disse firme e calma para a filha: “Você vai emprestar o livro agora
mesmo”. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser."
Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é
tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o


livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando
como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com
as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em
casa também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para
depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas,
fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com
manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns
instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que
era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que
eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em
mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo,


sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu
amante.
FONTE: LISPECTOR, Clarice. Coleção Literatura em Minha Casa: seleção e organização de Maria
Clara Machado. Rio de Janeiro: 2002.

83
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Podemos também encontrar, nas histórias, o narrador em terceira pessoa.


Aquele que esclarece os fatos e os pormenores, revelando progressivamente o
caráter das personagens, aspectos físicos e o meio em que vivem, sem, no entanto,
participar da ação narrada.

Já o discurso indireto livre ocorre quando a narrativa é permeada pela


intervenção do narrador e pela fala das personagens.

Observe o exemplo no excerto retirado do conto de Machado de Assis, A


igreja do Diabo:

Entre Deus e o Diabo

Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que


engrinaldavam o recém-chegado detiveram-se logo, e o Diabo deixou-se
estar à entrada com os olhos no Senhor.
— Que me queres tu? perguntou este.
— Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas
por todos os
Faustos do século e dos séculos.
— Explica-te.
— Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei
primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas
cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros...
— Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor.
FONTE: ASSIS, Machado de. Volume de contos. Rio de Janeiro: Garnier, 1884. Extraído da
Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro. Disponível em: <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>.
Acesso em: 15 out. 2012.

2.3 O ESPAÇO
O espaço é o ambiente, o cenário, por onde se desenvolve a trama e circulam
os personagens. Seu meio familiar, social, tipo de habitação, clima, vestuário,
são elementos do espaço que corroboram para a significação e verossimilhança
da narrativa. Existem basicamente três tipos de espaço: o natural, aquele não
modificado pelo trabalho do homem (planície, deserto, mar); o espaço social,
constituído de elementos da natureza ou do ambiente, modificados pela civilização
(casas, castelos, casebres, meios de transporte e outros); e, finalmente, o espaço
transreal, criado pela imaginação do homem. No dizer de Nelly Coelho (2000,
p. 77), “[...] é um espaço não localizável no mundo real”. Através dele podem se
configurar traços dos personagens e até mesmo a própria história.

84
TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

2.4 O TEMPO

Em uma narrativa, os fatos ou situações se desenvolvem e chegam a um


final, isto é, existem durante um determinado tempo (COELHO, 2000). O narrador
pode contar os fatos no tempo em que eles estão acontecendo, ou narrar um fato já
concluído, ou ainda, entremear presente e passado (técnica denominada flashback).

Na narrativa existem dois tipos de tempo vividos pelos personagens: o


tempo cronológico ou convencional, que é representado em horas, dias, meses e
anos e que corresponde ao tempo exterior, vinculado aos movimentos de rotação
e translação da Terra. O outro tempo encontrado na narrativa é o tempo interior, o
qual se destaca pela desmistificação das estruturas temporais. Nesse tempo aparece
a fugacidade que permeia a memória, influência de Bérgson, filósofo francês que
ressignificou o conceito de tempo e duração. Para Bérgson, o passado se projeta
sobre o presente, condicionando-o. Esta forma de tempo, na literatura moderna,
substituiu a sequência cronológica pela sequência psicológica.

3 A PERSONAGEM E SEUS ASPECTOS

A palavra personagem deriva do termo latino persona, termo usado pelos


romanos para denominar as máscaras usadas nas representações teatrais. A
personagem da narrativa cumpre funções específicas a partir do conjunto de ações
que a qualifica como boa ou má, vilã ou heroína, corajosa ou covarde. De modo
geral, nos textos literários, as mesmas aparecem associadas a valores religiosos,
morais, políticos, éticos, e suas atitudes serão determinadas pelas suas crenças.
Nas personagens, o leitor centra sua atenção, enfatizando o que lhes acontece,
seus pensamentos, suas ações, seu modo de agir e falar. O autor, na construção
da personagem, propõe um modelo no qual evidencia uma concepção de homem
e de sociedade, podendo o leitor, por sua vez, identificar-se com determinadas
características ou modo de agir. Conforme Rosenfeld et al. (1995, p. 48),

[...] a ficção é um lugar ontológico privilegiado: lugar em que o homem


pode viver e contemplar, através de personagens variadas, a plenitude
de sua condição, em que se torna transparente a si mesmo; lugar em que,
transformando-se imaginariamente num outro, vivendo outros papéis
e destacando-se de si mesmo, verifica, realiza e vive a sua condição
fundamental de ser autoconsciente e livre, capaz de desdobrar-se,
distanciar-se de si mesmo e de objetivar a sua própria situação.

Não há narrativa sem personagem, ela é um elemento decisivo da narração.
A personagem participa do desenrolar dos acontecimentos: “vive o enredo e as
ideias, e os torna vivos” (CANDIDO, 1995, p. 54). A relevância da personagem
tem sido objeto de estudo, e a crítica apoiou-se no que as personagens representam
ou fazem dentro da narrativa para melhor classificá-las. Basicamente, de acordo
com Forster (1998), existem na literatura duas categorias de personagens: planas e
redondas. As planas, “[...] na sua forma mais pura são construídas ao redor de uma

85
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

única ideia ou qualidade: quando lhes descortinamos mais de um fator, iniciamos o


percurso de uma curva rumo da personagem redonda” (MOISÉS, 2004, p. 348).

A personagem plana é simples em sua construção. É facilmente reconhecida


no decorrer da narrativa, não muda suas ações.

As personagens planas reportam-se àquelas que jamais mudam de


temperamento, de modos de agir e de reagir, no decorrer da narrativa, como é o
caso da bruxa má, do rei bondoso, da fada madrinha e amiga, que, embora ajudem
a compreensão da criança através da simplificação dos traços humanos, tendem a
fixar estereótipos:

A mulher bela e dócil vence suas dificuldades cativando um príncipe


que a redime, garantindo segurança e riqueza. A virtude é premiada
materialmente, numa negação de que ela valha algo por si mesma, já
que é sempre meio de conseguir-se poder e riquezas. (MAGALHÃES In:
ZILBERMAN, 1984, p. 49).

Segundo Forster (1998), as personagens planas podem ainda ser


subdivididas em personagem-tipo, e caricaturas. Neste caso são construídas de
maneira simples e de fácil reconhecimento na trama; e em personagem-caricatura,
quando o seu traço distintivo beira o cômico e a deformidade, como é o caso, para
quem leu Machado de Assis, da personagem José Dias, de Dom Casmurro, que
arremata sua falação sempre com uma expressão no modo superlativo.

São personagens-tipo aquelas que podem ser definidas em poucas palavras,


ou seja, quando a “[...] sua peculiaridade alcança o auge sem causar deformidade”
(MOISÉS, 2004, p. 349). Do contrário, quando são motivo de chacota, ou seja, a
deformidade está “[...] a serviço da sátira ou do cômico”, são conhecidas como
caricaturas (MOISÉS, 2004, p. 349). Podemos citar como exemplos de personagem
plana: reis, rainhas, príncipes, princesas, fadas, e, também, as que correspondem a
uma função de trabalho ou estado social.

A personagem redonda é outra classificação estabelecida por Forster (1998).


Esta é organizada com maior complexidade, seus pensamentos e suas ações são
reveladores de aspectos comportamentais e do caráter. Suas ações são capazes de
nos surpreender, traz em si a imprevisibilidade, contrariamente da personagem
plana, que nunca surpreende. Não existe uma divisão precisa entre essas duas
categorias, podendo uma personagem passar de plana à redonda, quando sua
atuação se aprofunda no questionamento de valores. Para Forster (1998), o que
caracteriza uma personagem redonda é somente a sua capacidade de surpreender,
do contrário é plana. Estabelecem um caráter complexo e imprevisível, o que as
levam a ter uma maior participação em contos literários e textos eruditos, tal como,
no dizer de Moisés (2004, p. 350), na construção “de romances introspectivos ou de
sondagem psicológica”, característicos da literatura contemporânea, e que pouco
se vinculam à tradicional literatura voltada para a criança.

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TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

FIGURA 9 - ARLEQUIM, PABLO PICASSO

FONTE: Disponível em: <http:\\www.oqueenossonet.blogspot.


com>. Acesso em: 5 set. 2012.

É assim que, nas figuras típicas do herói e do vilão, a personagem de ficção


simplificada desenha-se como um elemento intrínseco e determinante da estrutura
fabular da clássica literatura infantojuvenil. Dessa forma, ressaltamos que as
personagens, na narrativa, vivem e dão consistência às ideias presentes nas ações,
e que podem ser classificadas, segundo a terminologia didática de Forster (1988),
em planas ou redondas.

Nas narrativas antigas, os heróis descritos, se analisados pelo viés


psicológico, eram figuras pouco complexas; suas dúvidas, as lutas de sua alma,
foram pouco exploradas por seus escritores. Já o herói contemporâneo vai tomando
consciência de si próprio, rejeitando a versão dos outros quanto à sua pessoa, à sua
realidade. É um “herói sempre em busca” (LUKÁCS, 1982, p. 66).

Por intermédio da exploração do interior do protagonista, percebemos uma


busca, uma viagem que explora as profundezas do inconsciente. A partir de uma
ou várias realidades percebidas sobre um determinado fato, a personagem vive
seus próprios sentimentos e ilusões de modo individual, assume uma máscara ou
várias máscaras, segundo a realidade e o seu interior. O autor desenha e arquiteta a
personagem, “[...] em um processo típico de construção das personagens redondas
e, portanto, dos romances introspectivos ou de sondagem psicológica” (MOISÉS,
2004, p. 350). Essas personagens, entre os adolescentes, devido à natureza
questionadora, são apreciadas.

Consideremos, ainda, que as ilustrações das personagens dos livros


infantis, e não somente os infantis, muitas vezes, carregam e reforçam estereótipos.
Explorar as características das personagens é levar o jovem leitor a perceber que
preconceitos podem ser transmitidos através de palavras, atos e/ou imagens.

87
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Vejamos, caro(a) acadêmico(a), o que diz Fanny Abramovich sobre as


personagens encontradas nos livros infantojuvenis. Segundo a autora, livros infantis
por vezes reforçam o ético e o estético, as bruxas são assaz feias, até monstruosas,
deformadas, “fazendo com que o afastamento físico, a repulsa instintiva, a reação
da pele sejam o detonador do temor e do medo, e não a ameaça emocional do
que eles representam – de fato – para a criança” (ABRAMOVICH, 1989, p. 37).
Ainda segundo a autora, as princesas e as fadas são, predominantemente, de olhos
azuis, cabelos longos e lisos, esbeltas e lindas; o mesmo ocorre com o príncipe, pele
branca, forte, vestindo roupas belíssimas. Reforçando o estereótipo da raça ariana.

FIGURA 10 - PERSONAGENS ENCONTRADAS NOS LIVROS INFANTOJUVENIS

FONTE: Disponível em: <https://www.google.com.br/


search?q=imagem+de+rei>. Acesso em: 5 set. 2012.

Observe que os reis são gordos, os médicos aparecem de branco, com


maleta e/ou estetoscópio, o avôs são marcados pelo uso de óculos e as avós portam
óculos e coque.

E “o preto”? Ora, somente ocupa funções de serviçal (setor doméstico


ou industrial, e aí pode ter um uniforme profissional que o defina
enquanto tal e que o limite nessa atividade, seja mordomo ou
operário...). Normalmente é desempregado, subalterno, tornando claro
que é coadjuvante na ação e, por consequência, coadjuvante na vida.
(ABRAMOVICH 1989, p. 37).

O ladrão geralmente aparece feio e assustador, mal vestido, nunca bem


vestido, bonito, rico.

Diante disso, vale salientar que o ambiente no qual vivemos requer que
estejamos atentos aos diversos sentidos: luz, som, cor, movimento, imagens nos
atraem. Muitas vezes somos leitores passivos, aceitamos, sem questionamentos,
certos modelos impostos por uma sociedade marcada pela desvalorização do
ser. Que saibamos, na escola ou em outros momentos de leitura, promover e

88
TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

estimular a capacidade de ler nas entrelinhas, de sentir e refletir, produzir saber e


conhecimento para organização de uma sociedade que não favoreça estereótipos.

Para tanto, é conveniente que estejamos atentos aos vários textos que
circulam em nossa sociedade, e em especial nas formas clássicas de narrativa,
sua estrutura, imagens e o engendramento das personagens dos textos literários
e sua evolução no tempo. Dentro das diversas modalidades que acabariam por
tornar-se a base de desenvolvimento do gênero literatura infantil, entre as quais
destacamos os mitos e as lendas, as fábulas, os contos, parábolas, parlendas, entre
outros gêneros fixados nas diversas culturas da humanidade.

NOTA

Sugerimos a leitura do texto Personagem infantil: a caminho da emancipação.


(RAMOS; PANOZZO; ZANOLLA, 2006). As autoras analisam três obras de 1919 a 1976.
Caro(a) acadêmico(a), é importante considerar a estrutura e elementos dos textos como recursos
dos quais escritores e críticos literários lançam mão para construir e analisar as narrativas.

3.1 A FÁBULA
É uma narrativa curta, geralmente com animais como personagens que
agem como seres humanos e apresentam sentimentos. Tem um caráter prático,
destina-se a ilustrar um preceito. Sua conclusão oferece uma lição, diz como o leitor
ou ouvinte pode melhorar sua conduta e convivência social, a partir de exemplos
de outros seres. A intenção é ensinar o melhor comportamento e fazer refletir,
haja vista que possuem um caráter moralizante. As fábulas nasceram no Oriente
e foi no Ocidente, no século IV a.C., que Esopo, escravo grego, as reinventou,
utilizando-as para mostrar como agir com sabedoria. Além deste, La Fontaine
foi um dos maiores responsáveis pela divulgação dessa forma de narrativa. No
Brasil, destacamos Monteiro Lobato, que reescreveu e traduziu muitas das antigas
fábulas e criou outras tantas.

UNI

Atente que no gênero narrativo fábula encontramos formas de relato de tamanho


pequeno, encenadas por animais, que encerrariam uma lição de moral, explícita ou
implícita, sugerindo ao leitor ou ouvinte como ele deveria proceder para melhorar sua conduta
social. Já a poesia, enquanto modalidade literária originalmente pertencente ao gênero lírico – e
não ao épico, no qual se inscrevem todas as narrativas –, era largamente utilizada na literatura em
sua fase oral, devido a ainda não haver a escrita impressa; portanto, o uso de rimas e de formas
literárias fixas, como é frequente nos poemas dessa época, ajudava o processo de memorização
dos conteúdos das narrativas, fossem elas poéticas ou não.

89
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

FIGURA 11 – FÁBULA: A LEBRE E A TARTARUGA

FONTE: Disponível em: <http://amigosdaeducacao.com/atividades-para-alfabetizacao-


fabula-a-lebre-e-a-tartaruga.html/fabula-a-lebre-e-a-tartaruga-9>. Acesso em: 5 out.
2012.

O estilo adotado nas fábulas é marcado pelo caráter moralizante,


transmitindo ensinamentos referentes à sociedade da época em que foi escrita.
Portanto, um determinado conselho, presente numa fábula, poderá tornar-se
obsoleto. Na fábula existem dois elementos relevantes, o lúdico e o pedagógico.
Este último mostra, nas entrelinhas, virtudes e defeitos do homem, bem como
questões ligadas ao meio ambiente.

3.2 A LENDA
A lenda surge na Idade Média, com o intuito de narrar a vida dos mártires
e dos santos da Igreja Católica e, ao contrário das histórias míticas – que se ligavam
geralmente a entes sobrenaturais –, na lenda o herói é humano e religioso e situa-se
em um acontecimento de fato, na existência real de alguém ou de um episódio que a
imaginação popular encarregar-se-ia de desviar do fato de origem. Assim, embora
o fato histórico gerador da lenda não possa ser provado, ele pode, ao contrário do
mito, ser situado geograficamente e em um período de tempo cronológico, como,
por exemplo, na lenda da fundação de Roma por Rômulo e Remo.

Como forma expressiva, refletia o assombro e o temor do homem diante do


mundo e buscava uma explicação necessária às coisas. É uma forma de narrativa
cujo argumento é tirado da tradição, do relato de acontecimentos, no qual o

90
TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

maravilhoso e o imaginário superam o histórico e o verdadeiro. A lenda também


possui características estilísticas próprias. Geralmente, a lenda é marcada por um
profundo sentimento de fatalidade que fixa a presença do “destino”, aquilo contra
o que não se pode lutar, ou seja, o homem dominado pela força do desconhecido.
De origem muitas vezes anônima, a lenda foi transmitida e conservada pela
tradição oral, como esta que veremos a seguir:

A Vitória-régia

A lenda da vitória-régia é brasileira de origem indígena tupi-guarani. Há


muitos anos, em uma tribo indígena, contava-se que a Lua (Jaci, para os índios)
era uma deusa que, ao despontar a noite, beijava e enchia de luz os rostos das
mais belas virgens índias da aldeia - as cunhantãs-moças. Sempre que ela se
escondia atrás das montanhas, levava para si as moças de sua preferência e as
transformava em estrelas no firmamento. Uma linda jovem virgem da tribo,
a guerreira Naiá, vivia sonhando com este encontro e mal podia esperar pelo
grande dia em que seria chamada por Jaci. Os anciãos da tribo alertavam Naiá:
depois de seu encontro com a sedutora deusa, as moças perdiam seu sangue e
sua carne, tornando-se luz - viravam as estrelas do céu. Mas quem a impediria?
Naiá queria porque queria ser levada pela Lua.

À noite, cavalgava pelas montanhas atrás dela, sem nunca alcançá-la.


Todas as noites eram assim, e a jovem índia definhava, sonhando com o encontro,
sem desistir. Não comia e nem bebia nada. Tão obcecada ficou que não havia
pajé que lhe desse jeito. Um dia, tendo parado para descansar à beira de um lago,
viu em sua superfície a imagem da deusa amada: a Lua refletida em suas águas.
Cega pelo seu sonho, lançou-se ao fundo e se afogou. A Lua, compadecida, quis
recompensar o sacrifício da bela jovem índia, e resolveu transformá-la em uma
estrela diferente de todas aquelas que brilham no céu. Transformou-a então numa
"Estrela das Águas", única e perfeita, que é a planta vitória-régia. Assim, nasceu
uma linda planta cujas flores perfumadas e brancas só abrem à noite, e ao nascer
do Sol ficam rosadas.
FONTE: Disponível em: <http://www.culturavotorantim.com.br/?id=24>. Acesso em: 9 abr. 2013.

FIGURA 12 – A LENDA DA VITÓRIA-RÉGIA

FONTE: Disponível em: <http://www.overmundo.com.br/banco/


vitoria-regia-1>. Acesso em: 5 set. 2012.

91
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

3.3 A PARÁBOLA

É uma narrativa que expressa uma moral, por isso é frequentemente


confundida com a fábula. Porém, diferencia-se desta pelo fato de ser protagonizada
por seres humanos. Nos textos bíblicos encontramos várias parábolas, como, por
exemplo, a do Semeador.

FIGURA 13 – CAPA DO LIVRO: A PARÁBOLA DO SEMEADOR

FONTE: Disponível em: <http://www.diskshop.com.


br/?system=produtos&action=detalhes&prod_id=162>. Acesso em:
5 set. 2012.

No livro em questão, a parábola é contada ao leitor infantil com algumas


características particulares: linguagem acessível, ricamente ilustrada, contendo
no final uma atividade para a criança interagir. A agradável apresentação visual
gráfica e o conteúdo expresso em linguagem simples e acessível fazem deste
livrinho, como os demais da mesma coleção, um excelente subsídio para iniciar o
público infantil na assimilação dos ensinamentos de Jesus.

3.4 A PARLENDA
Composição literária tradicional, que se caracteriza por apresentar forma
versificada, ritmo fácil e rápido. É entretenimento garantido, em especial entre as
crianças, o que significa dizer que sua finalidade é ensinar algo através da diversão.
É comumente chamada de trava-língua, quando recitada de maneira rápida e
repetidamente. É uma importante aliada para despertar na criança os sentidos, a
sensibilidade e a musicalidade.

Caro(a) acadêmico(a), brinque um pouco. Tente ler rapidamente:

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TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

A ARANHA E A JARRA
Debaixo da cama tem uma jarra.
Dentro da jarra tem uma aranha.
Tanto a aranha arranha a jarra,
Como a jarra arranha a aranha.

CAJU
O caju do Juca
E a jaca do cajá.
O jacá da Juju
E o caju do Cacá.

LUZIA E OS LUSTRES
Luzia listra os
Lustres listrados.

NÃO CONFUNDA!
Não confunda ornitorrinco
Com otorrinolaringologista,
Ornitorrinco com ornitologista,
Ornitologista com otorrinolaringologista,
Porque ornitorrinco é ornitorrinco,
Ornitologista é ornitologista,
E otorrinolaringologista é otorrinolaringologista.

O DESENLADRILHADOR
Essa casa está ladrilhada.
Quem a desenladrilhará?
O desenladrilhador que a desenladrilhar,
Bom desenladrilhador será!

ATRÁS DA PIA
Atrás da pia tem um prato
Um pinto e um gato
Pinga a pia, apara o prato
Pia o pinto e mia o gato.

SEU TATÁ
O seu Tatá tá?
Não, o seu Tatá não tá,
Mas a mulher do seu Tatá tá.
E quando a mulher do seu Tatá tá,
É a mesma coisa que o seu Tatá tá, tá?
FONTE: Disponível em: <http://www.qdivertido.com.br/verfolclore.php?codigo=22>. Acesso em:
5 out. 2012.

93
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

3.5 O ROMANCE
O gênero romance deriva da expressão latina romanice, que significa “falar
romântico”, ou seja, falar num dos vários dialetos europeus em oposição à língua
culta da Idade Média. Nesses dialetos populares contavam-se histórias de amor,
de aventura, transmitidas oralmente. Dependendo da importância ou do destaque
dado à personagem, à ação, ou ainda, ao espaço, foram classificados como romances
de costume, psicológico, policial, regionalista, histórico, de cavalaria, de aventura.

UNI

Caro(a) acadêmico(a), nos cadernos de estudos de Literatura Brasileira do Período


Colonial ao Romantismo e Literatura Brasileira do Período Realista à Literatura Contemporânea,
abordaremos e aprofundaremos algumas questões teóricas referentes ao gênero romance,
textos e respectivos autores.

Diante do exposto, podemos afirmar que na sala de aula deve existir muita
leitura, de vários gêneros literários, a fim de induzir o aluno a melhor refletir,
compreender, problematizar e questionar os textos lidos, fazendo uso de sua
criticidade e, também, da habilidade em lidar com as regras estabelecidas para
a leitura. Lembre-se: ler significa aprender a produzir sentidos inseridos em um
tempo e um espaço, tornando o exercício de leitura ativo.

A literatura infantojuvenil é matéria indispensável e básica no campo


da cultura e educação. A necessidade da presença da literatura em sala de aula
é algo incontestável. Em especial, este espaço privilegiado pela possibilidade
de apresentação e interação do texto literário contribui para a ampliação de
conhecimentos, permite a interpretação do mundo como um texto universal e a
percepção de sua complexidade. E, ainda, expande e reforça a ideia de que cada
indivíduo é sujeito e agente de sua própria história.

Mas o que comumente acontece no espaço escolar é um “distanciamento”


dos livros. A escola parece esquecer que a literatura é, antes de tudo, arte, prazer,
e não pode ser imposta, pois a imposição é sinônimo de afastamento.

De acordo com Fanny Abramovich (1989, p. 36):


A literatura infantojuvenil foi incorporada à escola e, assim, imagina-
se que - por decreto - todas as crianças passarão a ler... Até poderia ser
verdade, se a leitura não viesse acompanhada da noção de dever, de
tarefa a ser cumprida, mas sim de prazer, de deleite, de descoberta, de
encantamento.

94
TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

Dessa forma, a prática de leitura é dirigida, limitada e, no mais das


vezes, afastada da realidade, o texto é transparente e exterior ao aluno, é mera
soma de palavras e frases, nas quais o aluno deve buscar e confirmar um sentido
preestabelecido.

É imprescindível propiciar, no ambiente pedagógico, um clima favorável


à leitura, marcado por interações que permitirão várias interpretações de um
mesmo texto, por sujeitos que têm histórias, competências, interesses, valores
e crenças diferentes. Cabe ao professor reconstruir com seus alunos a trajetória
interpretativa de cada um, buscando compreender a construção de cada sentido,
ampliando, dessa forma, a compreensão do aluno.

Então, provoque, busque seduzir o leitor com persistência, sensibilidade e


responsabilidade, sem perder de vista o objetivo principal, que é o de despertar o
interesse, o prazer e a consciência da importância da leitura na vida das pessoas.

O professor, ao escolher a literatura, deverá propiciar o contato com os


mais variados gêneros literários e, além disso, estar atento à classificação de acordo
com o interesse e a idade do estudante. Nelly Novaes Coelho apresenta critérios
para seleção de livros de acordo com os estágios psicológicos da criança, assunto
que abordaremos na sequência.

4 LEITURA E A DIMENSÃO COGNITIVA


É sabido que a evolução da criança não é rígida, ou seja, cada qual tem
seus próprios limites, definidos por diferentes fatores. O interesse da criança
e/ou adolescente por determinado assunto está relacionado à sua idade e ao
amadurecimento cognitivo. O professor tem papel primordial, na medida em
que a ele cabe perceber e adequar seu trabalho, respeitando as referidas fases da
criança e do jovem.

Se uma das funções da literatura é transformar a realidade humana numa


experiência prazerosa de aprendizagem e de crescimento, o papel da escola é
decisivo no processo de formação do leitor, pois o espaço escolar constitui um
lugar privilegiado de estímulo à construção, à reflexão, à assimilação de saberes e
valores, daí a necessidade de encorajar crianças e jovens a adentrar nesse fantástico
universo da literatura.

Para que se efetivem oportunidades singulares de experiência com


a literatura, é importante atentar quanto à escolha de livros e temas a serem
abordados em sala de aula. A criança, o adolescente e o adulto têm preferência por
diferentes textos. Para tanto, faz-se necessário observar os gostos, a realidade, o
grau de escolaridade, o amadurecimento intelectual e a idade do aluno.

Veremos, agora, como Nelly Novaes Coelho descreve as fases de leitura


que abrangem as crianças e os adolescentes.

95
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Segundo a autora, a fase do pré-leitor abrange duas fases: a primeira e a


segunda infância.

• Primeira infância (dos 15/17 meses aos três anos)

Nesta fase:

A criança inicia o reconhecimento da realidade que a rodeia,


principalmente pelos contatos afetivos e pelo tato. É a chamada fase da
invenção da mão. Seu impulso básico é pegar em tudo que se acha ao
seu alcance. É também o momento em que a criança começa a conquista
da própria linguagem e passa a nomear as realidades à sua volta
(COELHO, 2000, p. 33).

Para estimular a leitura nessa fase, o adulto deve apresentar à criança
diferentes gravuras, fotos, desenhos, objetos e livros de imagens coloridas e de
diferentes materiais. Narrar histórias com ênfase no ritmo, gestos, explorando a
sonoridade. É importante, nessa fase, a presença e atuação do adulto, manipulando
e nomeando os brinquedos ou desenhos, inventando situações bem simples, a fim
de estabelecer uma relação de afetividade entre o adulto, a criança e o livro.

• Segunda infância (a partir dos 2/3 anos)

Neste período,

[...] começam a predominar os valores vitais (saúde) e sensoriais (prazer


ou carências físicas ou afetivas), é quando se dá a passagem da
indiferenciação psíquica para a percepção do próprio ser. Início da
fase egocêntrica e dos interesses ludopráticos. Impulso crescente de
adaptação ao meio físico e crescente interesse pela comunicação verbal
(COELHO, 2000, p. 33).

A presença do adulto, nessa fase, é ainda muito importante, nos livros deve
predominar a imagem e pouco ou quase nada de texto escrito. Os textos devem
ser significativos e atraentes, a fim de levar a criança a perceber, cada vez mais, a
relação entre o mundo que a cerca e a palavra escrita. O colorido, a graça, o humor,
a sonoridade e a repetição de elementos são fatores importantes para prender a
atenção dessa criança.

• O leitor iniciante (a partir dos 6/7 anos)

Para a autora, é a “[...] fase da aprendizagem da leitura, na qual a criança


já reconhece, com facilidade, os signos do alfabeto e reconhece a formação das
sílabas simples e complexas. Início do processo de socialização e de racionalização
da realidade” (COELHO, 2000, p. 35).

A presença do adulto é ainda necessária para estimular e encorajar a criança


à leitura. Os livros adequados a essa fase devem valorizar a imagem. A narrativa,
simples, com princípio, meio e fim, é a mais indicada e apreciada.

96
TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

As personagens podem ser pessoas, animais, plantas e/ou objetos, sempre


com traços de caráter ou comportamento bem nítidos - bons e maus, fortes e
fracos, belos e feios etc. O texto deve ser estruturado com palavras e frases simples,
em ordem direta, cujos argumentos estimulem a imaginação, a inteligência, a
afetividade, as emoções, o pensamento e o sentimento.

• O leitor-em-processo (a partir dos 8/9 anos)

Segundo Coelho (2000, p. 37), nesta fase a criança “[...] já domina com
facilidade o mecanismo da leitura [...]. Seu pensamento lógico organiza-se em
formas concretas que permitem as operações mentais. Atração pelos desafios e
pelos questionamentos de toda natureza”.

A presença do adulto ainda é importante, para motivar a leitura e esclarecer


possíveis dificuldades. A narrativa deve girar em torno de um conflito a ser
resolvido até o final. A efabulação deve obedecer ao esquema linear - princípio,
meio e fim. O realismo e o imaginário ou a fantasia despertam grande interesse
nesta idade.

• O leitor fluente (a partir dos 10/11 anos)

Nesta fase ocorre a:

[...] consolidação do domínio do mecanismo da leitura e da compreensão


do mundo expresso no livro. A leitura segue apoiada pela reflexão;
a capacidade de concentração aumenta, permitindo o engajamento do
leitor na experiência narrada e, consequentemente, alargando ou
aprofundando seu conhecimento ou percepção de mundo. A partir
dessa fase, desenvolve-se o pensamento hipotético dedutivo e a consequente
capacidade de abstração. É a fase da pré-adolescência (COELHO, 2000,
p. 38).

Nessa fase as imagens são dispensáveis, a linguagem pode ser mais


elaborada. As personagens podem ser heróis ou pessoas comuns, questionadoras,
marcadas pela emotividade, pela luta por ideais, inseridas em contos, crônicas,
novelas e histórias policiais, que envolvam aventuras.
• O leitor crítico (a partir dos 12/13 anos)

“Fase de total domínio da leitura, da linguagem escrita, capacidade de


reflexão em maior profundidade, podendo ir mais fundo no texto e atingir a visão
de mundo ali presente” (COELHO, 2000, p. 39).

Nessa faixa etária, o adolescente desenvolve o pensamento reflexivo e crítico
e deve ser provocado à exploração do texto para a descoberta dos mecanismos que
o compõem. “A literatura é arte da linguagem e, como qualquer arte, exige uma
iniciação” (COELHO, 2000, p. 40). Quando o indivíduo lê nas entrelinhas e busca
no texto o “não dito”, é porque se sente instigado pelo desejo de descoberta do
mundo. Esse anseio efetivou-se porque foi provocado no período da infância.

97
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Lembremos que, nas fases apresentadas, os limites são teóricos. Na


realidade, cada criança tem seu próprio limite, definido por muitos e diferentes
fatores. Caro(a) acadêmico(a), além de conhecer as fases, é necessário conhecer
a criança, sua história, sua experiência e sua ligação com o livro. O importante
é proporcionar um contato com a literatura e que o estudante possa fazer suas
opções.

LEITURA COMPLEMENTAR

EM CASA

Anton Tchekhov

– Vieram da parte dos Grigóriev buscar não sei que livro, mas eu disse
que o senhor não estava em casa. O carteiro trouxe os jornais e duas cartas. A
propósito, Ievguêni Pietróvitch, eu lhe pediria que prestasse atenção no Seriója.
Hoje e anteontem eu reparei que ele fuma. Quando eu comecei a repreendê-lo, ele,
como de costume, entupiu os ouvidos e pôs-se a cantar alto, para abafar a minha
voz...

Ievguêni Pietróvitch Bikovski, procurador do tribunal regional, que


acabava de voltar de uma sessão e estava tirando as luvas no seu gabinete, olhou
para a governanta que lhe fazia o relatório e riu.

– Seriója fuma... – encolheu os ombros. – imagino esse pirralho com um


cigarro! Quantos anos ele tem mesmo?

– Sete anos. Ao senhor isto não parece coisa séria, mas na sua idade o fumar
representa um hábito mau e pernicioso, e é preciso erradicar os maus hábitos desde
o começo.

– Totalmente correto. E onde ele arranja o tabaco?

– Na escrivaninha do senhor.

– É mesmo? Neste caso, mande-o para mim.

Quando a governanta saiu, Bikovski sentou-se na poltrona diante da


escrivaninha, fechou os olhos e pôs-se a pensar. Na sua imaginação, ele, sem
saber por que, pintava o seu Seriója com um enorme cigarro de um palmo de
comprimento, entre nuvens de fumaça de tabaco, e essa caricatura o fazia sorrir; ao
mesmo tempo, o rosto sério e preocupado da governanta despertou-lhe lembranças
de um tempo há muito passado e meio esquecido, quando o fumar na escola e
no quarto das crianças incutia nos pedagogos e nos pais um terror estranho e
não muito compreensível. Era justamente terror. Os garotos eram surrados sem

98
TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

dó, expulsos do ginásio, truncavam-lhes a vida, embora nenhum dos pais ou


pedagogos soubesse em que realmente consistiam o prejuízo e a delinquência do
fumar.

Mesmo pessoas muito inteligentes não se davam ao trabalho de lutar


contra um vício que não compreendiam. Ievguêni Pietróvitch lembrou-se do seu
diretor do ginásio, um velhote muito instruído e bondoso, que se assustava tanto
quando topava com um ginasiano com um cigarro que empalidecia, convocava
imediatamente uma reunião pedagógica extraordinária e condenava o culpado
à expulsão. Assim deve ser, ao que parece, a lei da convivência: quanto mais
incompreensível o mal, tanto mais encarniçada e grosseira é a luta contra ele.

O procurador lembrou-se de dois ou três dos expulsos, suas vidas


subsequentes, e não pôde deixar de pensar que o castigo muitas vezes traz males
bem maiores que o próprio crime. Um organismo vivo dispõe da capacidade de
se adaptar rapidamente, habituar-se e acomodar-se a qualquer atmosfera, senão
o homem deveria sentir a cada momento que fundo irracional têm às vezes as
suas atividades racionais e quão pouca verdade há em atividades tão sensatas e
terríveis pelos seus resultados, como a pedagógica, a jurídica, a literária...

(...) “Mas afinal, o que é que eu vou lhe dizer?”, pensou Ievguêni Pietróvitch.
Mas antes que ele pudesse lembrar alguma coisa, já entrava no gabinete o seu filho
Seriója, menino de sete anos.

(...) – Boa noite, papai! – disse ele com voz macia, encarapitando-se nos
joelhos do pai e dando-lhe um rápido beijo no pescoço. – Você me chamou?

– Com licença, com licença, Serguêi Ievguênitch – respondeu o procurador,


afastando-o de si. – Antes de nos beijarmos, precisamos conversar, e conversar
seriamente... Estou zangado e não gosto mais de você, e você não é mais meu filho.
Sim. (...) Natália Semiónovna viu você fumando duas vezes. Quer dizer que você
foi apanhado em três más ações: você fuma, tira da gaveta o tabaco alheio e mente.
Três culpas! (...) Antes você era um bom menino, mas agora estou vendo que você
ficou estragado e tornou-se mau. (...) Cada um só tem o direito de se servir daquilo
que lhe pertence, e se pega uma propriedade alheia, então... não é um homem bom!
(“Não era isso que eu queria lhe dizer” – pensou Ievguêni Pietróvitch.) Você tem
cavalinhos e figurinhas... E eu não pego neles, certo? Quem sabe eu até gostaria de
pegá-los, mas acontece que eles são seus e não meus!

– Pode pegar, se quiser! – disse Seriója, erguendo as sobrancelhas. – Por


favor, papai, não se acanhe, pegue-os! Esse cachorrinho amarelo sobre a sua mesa,
ele é meu, mas eu... nada... Deixa que fique aí!

“O que eu vou dizer-lhe?”, pensava Ievguêni Pietróvitch. “Ele não me


escuta. Evidentemente não considera importante nem os seus malfeitos nem os
meus argumentos. Como fazê-lo entender? (...) Antigamente, no meu tempo, essas
questões eram resolvidas com maravilhosa simplicidade”, cogitava ele. “Qualquer
garoto apanhado fumando era surrado.”
99
UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

(...) “Ele tem o seu próprio fluxo de pensamentos!”, pensava o procurador.


“Tem o seu próprio pequeno mundo na cabeça, e ele sabe, à sua maneira, o que
é importante e o que não é. Para cativar a sua atenção e consciência não basta
arremedar a sua linguagem, é preciso também pensar à maneira dele. Ele me
compreenderia perfeitamente, se de fato eu lamentasse o tabaco, se eu ficasse
abespinhado, se começasse a chorar... É por isso que as mães são insubstituíveis
na educação, é porque elas sabem sentir junto com as crianças, chorar, gargalhar...
Mas com lógica e moral não se chega a nada. Bem, que mais eu vou lhe dizer? O
quê?

Bateram as dez horas. – Bem, menino, está na hora de dormir – disse o


procurador –, despeça-se e vá.

– Não, papai – e Seriója franziu o rosto –, eu ainda vou ficar um pouco.


Conte-me alguma coisa. Conte uma história encantada.

– Pois não, só que, depois da história, direto para a cama. (...) Era uma vez,
num reino muito distante, um velho rei, muito velho de longa barba grisalha e...
(...) o velho rei tinha um filho único, herdeiro do reino. Um menino, assim como
você. Ele era um bom menino. Nunca fazia manha, ia dormir cedo, não mexia em
nada na mesa e... e era um menino sensato e bonzinho. Ele só tinha um defeito. Ele
fumava...

Seriója escutava concentrado, e olhava nos olhos do pai sem piscar. O


procurador continuava, pensando: “E agora, o que mais?”. Ficou longamente,
como se diz, mastigando e remoendo, e terminou assim:

– De tanto fumar, o príncipe adoeceu de tísica e morreu quando tinha vinte


anos. E o velho, caduco e adoentado, ficou sem qualquer apoio. Não havia ninguém
para governar o reino e defender o palácio. Chegaram os inimigos, mataram o
velho, destruíram o palácio e agora, no jardim já não há nem cerejas, nem aves,
nem sininhos... Assim é, maninho...

Esse final parecia ao próprio Ievguêni Pietróvitch ingênuo e ridículo, mas


a história toda causou em Seriója uma forte impressão. Novamente seus olhos
enevoaram-se de tristeza e de algo parecido com susto; por um minuto, ele ficou
olhando pensativo para a janela escura, estremeceu e disse com a voz apagada:

– Não vou fumar mais...

Quando ele se despediu e foi dormir, seu pai ficou andando silenciosamente
de um canto para outro e sorrindo.

“Dirão que o que funcionou aqui foi a beleza, a forma artística”, refletia ele.
“Que seja, mas não é consolo. Mesmo assim, isto não é um recurso verdadeiro...
Por que a moral e a verdade dever ser apresentadas não na sua forma crua, mas
com misturas, inevitavelmente de forma açucarada e dourada, como as pílulas?
Isto não é normal... Falsificação, enganação, truques...”
100
TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

Lembrou-se dos jurados, para os quais é absolutamente necessário


pronunciar um “discurso”, do público, que assimila a história só por meio de
lendas e romances históricos, de si mesmo, que hauria o bom senso da vida não de
sermões e leis, mas de fábulas, romances, poesias...

“O remédio deve ser doce; a verdade, bela... E essa fantasmagoria o homem


assumiu desde os tempos de Adão... De resto... Quem sabe tudo isso é natural e
deve ser assim mesmo... Não são poucas na natureza as fraudes e as ilusões úteis...”

Ele pôs-se a trabalhar, mas os pensamentos preguiçosos e domésticos


ainda continuaram a vagar pelo seu cérebro por muito tempo. Atrás do teto já não
se ouviam mais as escalas, mas o morador do segundo andar ainda continuava a
marchar de um lado para outro...

FONTE: TCHÉKHOV, Anton Pavlovitch. Um homem extraordinário e outras histórias. Porto Alegre:
L&PM, 2010, p. 38-49.

101
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você viu que:

• Procuramos definir as qualidades básicas de um texto literário e as principais


modalidades presentes na literatura infantojuvenil segundo a ótica do desvio, ou
seja, do que pode ser construído a partir da ação “infantil” da “mão esquerda”,
associando assim a literatura a um saber que, embora lúcido, faz-se de um modo
também lúdico.

• Em seguida, verificamos o quanto toda a literatura clássica é estruturalmente


tributária dos contos populares e maravilhosos, que forneceram não apenas a
estrutura padrão do desenvolvimento do enredo – especialmente com a noção
de função, de Vladimir Propp –, mas também por caracterizar, ainda que de
modo simplificado, as personagens no espaço literário.

• As personagens são elementos decisivos na construção de um texto narrativo, é


nelas que reside o interesse do leitor.

• A personagem plana é simples em sua construção e é facilmente reconhecida,


não muda suas ações no decorrer da narrativa.

• A personagem redonda é mais complexa, suas ações são capazes de surpreender


e revelam aspectos de seu caráter.

• Os livros infantis, e não somente os infantis, muitas vezes, carregam e reforçam


personagens estereotipadas.

• Explorar as características das personagens é levar o jovem leitor a observar que


preconceitos podem ser transmitidos através de palavras e/ou imagens.

• Os temas e comportamentos abordados na literatura são consequência do seu


contexto e contribuem para o desenvolvimento do homem que a sociedade
almeja.

• A fábula é uma narrativa curta, geralmente com animais como personagens


que agem como seres humanos e apresentam sentimentos. O estilo adotado
nas fábulas é marcado pelo caráter moralizante, transmitindo ensinamentos
referentes à sociedade da época em que foi escrita.

• A lenda reflete o assombro e o temor do homem diante do mundo e buscava


uma explicação necessária às coisas. Geralmente, é marcada por um profundo
sentimento de fatalidade que fixa a presença do “destino”, aquilo contra o que
não se pode lutar, ou seja, o homem dominado pela força do desconhecido.

102
• A parábola expressa uma moral, por isso é frequentemente confundida com
a fábula. Porém, diferencia-se desta pelo fato de ser protagonizada por seres
humanos.

• A parlenda caracteriza-se por apresentar forma versificada, ritmo fácil e rápido.
É uma importante aliada para despertar na criança os sentidos.

• O romance, gênero que deriva da expressão latina romanice, que significa “falar
romântico”, ou seja, falar num dos vários dialetos europeus em oposição à língua
culta da Idade Média.

• Entre os elementos que compõem a estrutura do texto literário está o enredo –


também conhecido como história, trama ou fábula, e que, nos contos de fadas,
trata geralmente do desenrolar das ações de um herói que encarna os valores
comunitários de modo exemplar e carregado de moralidade.

• A apresentação de vários gêneros literários é extremamente relevante durante


todo o período escolar. É fácil observar o fascínio da criança por histórias e o
interesse em imitar as leituras, recontando as narrativas e, consequentemente,
enriquecendo e dominando, além de outras possibilidades, um estilo de
linguagem que lhe garantirá êxito escolar e ascensão social.

• O interesse da criança e/ou adolescente por determinado assunto está relacionado


à sua idade e ao amadurecimento cognitivo.

• Na primeira e na segunda infância (15/17 meses aos três anos), a criança começa
a nomear a realidade à sua volta, sendo crescente o interesse pela comunicação
verbal.

• O leitor iniciante - a partir dos 6/7 anos – é a fase da descoberta e da aprendizagem


da leitura.

• O leitor-em-processo - a partir dos 8/9 anos – ocorre quando a criança domina


com certa facilidade o mecanismo da leitura.

• O leitor fluente - a partir dos 10/11 anos – é a fase de consolidação do domínio


da leitura.

• O leitor crítico - a partir dos 12/13 anos – entra na fase de total domínio da leitura
e da linguagem escrita. Capacidade de reflexão em maior profundidade, ou seja,
costumamos dizer que ele consegue ler nas entrelinhas.

• Cada criança tem seu próprio limite, definido por muitos fatores; é necessário
conhecer o estudante, sua história, sua experiência e sua ligação com o livro.

103
AUTOATIVIDADE

Prezado(a) acadêmico(a), após ter completado a leitura do conteúdo


deste tópico, sugerimos a você a leitura do conto literário “Em casa” (leitura
complementar), de Anton Tchekov, para, em seguida, confrontando ambas as
leituras, refletir sobre as seguintes questões:

1 Você observou que, ao contrário do que ocorre nos contos de fadas, que
geralmente veiculam uma verdade moral e imparcial, nos contos literários
ou eruditos, como o de Tchekov, há uma indecisão entre quem tem e quem
não tem a razão?

2 Na sua opinião, os pontos de vista pedagógicos da personagem Ievguêni


Pietróvitch, o pai de Seriója, seriam conflituosos ou, bem ao contrário,
apontariam saídas pedagógicas com certa atualidade para o ensino nos dias
de hoje? Considerar que o texto foi escrito na segunda metade do século
XIX.

3 Ao contrário de uma obra dialógica, como a de Tchekov, você


consideraria o debate acerca dos contos de fadas tradicionais,
como “o patinho feio”, “a gata borralheira” etc., mais profícuo e
motivador para o estudo em sala de aula? Justifique sua resposta.

104
UNIDADE 3

O PAPEL DA ESCOLA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

A partir desta unidade você será capaz de:

• reconhecer a importância da poesia, das histórias em quadrinhos e das


narrativas;

• identificar os fatores estruturantes das narrativas infantojuvenis;

• perceber que as narrativas devem constituir-se em objeto de leitura dentro


e fora do espaço escolar.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles você
encontrará atividades que contribuirão para a apropriação dos conteúdos.

TÓPICO 1 – O DIVERTIDO PRAZER DE LER

TÓPICO 2 – A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

TÓPICO 3 – EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

105
106
UNIDADE 3
TÓPICO 1

O DIVERTIDO PRAZER DE LER

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico verificaremos que uma das questões principais dentro de uma
abordagem literária, formal ou informal, reporta-se não tanto ao lugar “onde” se
lê o mundo, ou seja, se na mídia cinematográfica, na mídia impressa, na internet
etc., mas sim o que propriamente se deveria ler. Quer dizer, a questão seria
descobrir como estabelecer uma relação de obras literárias que dê pistas de como
aprimorar o espírito crítico da criança, ajudando-a em sua inserção no mundo e
na transformação da realidade social em que vive, sem que, para isso, tenha que
abandonar o espaço interior de sua infância – que atravessará toda a sua vida.

2 A SALA DE AULA: QUE TEXTOS ESCOLHER?


Nunca lhe aconteceu, ao ler um livro, interromper com frequência a
leitura, não por desinteresse, mas, ao contrário, por afluxo de ideias,
excitações, associações? (...) Nunca lhe aconteceu ‘ler levantando a
cabeça?’ É essa leitura, ao mesmo tempo irrespeitosa, pois que corta o
texto, e apaixonada, pois que a ele volta e se nutre, que tentei escrever.
(BARTHES, 2004, p. 26).

A escola é um dos poucos espaços sociais que ainda tem o privilégio de


poder promover o contato dos indivíduos com textos que estão fora do circuito
comercial. Ademais, ela também é capaz de estabelecer uma interação diferenciada
entre os leitores e essas mesmas obras, tornando-os mais críticos a partir do contato
e do acesso socializado aos textos clássicos, cuja virtude maior estaria em fortalecer,
de modo subliminar, a convivência de pontos de vista distintos entre os alunos.

UNI

Subliminar é a definição para o tipo de mensagem que não pode ser captada
diretamente pela porção do processamento dos sentidos humanos que está em
estado de alerta. É tudo o que está abaixo do limiar, a menor sensação detectável conscientemente.
Toda mensagem subliminar pode ser dividida em duas características básicas, o seu grau
de percepção e de persuasão. (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1780).

107
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

Então, a escola, mesmo que inserida em um contexto cujo maior valor é a


utilidade – e por ser a instituição a qual é dada, entre as demais instituições sociais,
o papel privilegiado de pedagogicamente operar a passagem daquela primeira
fase existencial, infantil e irregular, para a outra, que deveria idealmente orientar
e organizar a sociedade em que vivemos –, passa a assumir a tarefa em certa
medida contraditória de promover uma mudança nos valores culturais vigentes,
invertendo o paradigma segundo o qual ela mesma foi estruturada.

Façamos um exercício de reflexão: Você acredita que atualmente a escola tem


atribuído um valor mais acentuado ao pensamento lúdico e à imaginação infantil
ou, ao contrário, ainda trata a criança como um “pequeno adulto imperfeito”? Teça
algumas considerações sobre essa temática, comparando a realidade escolar da
sua infância com a das escolas de hoje:
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________

Esse “viver na pluralidade”, que vemos como modo ideal do “viver


junto” em sociedade, poderia advir do entrecruzamento dos pontos de vista
internalizados pela história individual e biográfica de cada aluno com os pontos
de vista disponibilizados pelas tradições culturais veiculadas pelo texto literário,
independente do suporte ao qual o texto esteja vinculado: livro tradicional, i-pads,
internet, filmes cinematográficos, gibis, mídia impressa etc.

Assim, parece-nos que, mais relevante do que determinar onde se deve dar
a leitura, é precisar quais obras têm, e quais outras não a possuem, a complexidade
e a abertura necessárias para ao mesmo tempo instruir e fazer do leitor um sujeito
ativo e coparticipante de sua realidade/destino, já que a formação do indivíduo
não cessa quando ele termina a fase escolar, prolongando-se por toda a vida e,
nesse sentido, não resta dúvida: os bons textos literários são potencializadores
eficazes de significação existencial:

Se esperamos viver não apenas de momento a momento, mas sim


verdadeiramente conscientes de nossa existência, nossa maior
necessidade e mais difícil realização será encontrar um significado
em nossas vidas. É sobejamente sabido que muitos perderam o desejo
de viver, e pararam de tentar, porque tal significado lhes escapou.
Uma compreensão do significado da própria vida não é subitamente
adquirida numa certa idade, nem mesmo quando se alcança a
maturidade cronológica. (...) E essa conquista é o resultado final de um
longo desenvolvimento: a cada idade buscamos e devemos ser capazes
de achar alguma quantidade módica de significado congruente com o
quanto nossa mente e compreensão já se desenvolveram (BETTELHEIM,
2007, p. 9).

Destarte, pensar estratégias pedagógicas que possibilitem tornar o aluno


não apenas um partícipe das demandas de sua geração, mas um coprodutor de

108
TÓPICO 1 | O DIVERTIDO PRAZER DE LER

novas perspectivas existenciais e de alternativas sociais, implica encontrar uma


fundamentação teórica que nos torne capazes de identificar, pedagogicamente,
quais obras sustentam visões de mundo inusitadas, que se mantêm em estado
latente até que, potencializadas pela leitura, transformem-se em texto, em espaço
dialógico de leitura.

FIGURA 14 - PINÓQUIO, ODILON MORAES

FONTE: Disponível em: <http:\\www.cultlivros03.jpg>. Acesso em: 2


set. 2012.

Nesse momento, uma boa saída teórica seria pensar com o escritor Mikhail
Bakhtin, que, a partir de uma releitura dos clássicos de Rabelais e de Dostoievski,
conseguiu redefinir os códigos culturais da tradição ocidental, a seu ver estruturados
a partir da alternância de duas tendências estéticas distintas:

As obras de estrutura e conteúdos monológicos são orientadas pela


aceitação dos cânones estéticos tradicionais e pela conformação à
ideologia dominante; as obras de estrutura e de conteúdo dialógicos
expressam a revolta contra a tradição estético-cultural, centradas como
estão no ‘polimorfismo’ e na ‘polifonia’. Nessas obras é impossível
encontrar a univocidade que caracteriza o gênero de literatura
monológica. (D’ONOFRIO, 2006, p. 14).

Dessa forma, haveria uma oposição, nessas tendências, que se captura


desde o momento autoral até a seleção e apresentação final da obra. Nesse percurso,
Bakhtin pôde localizar, na origem da literatura monológica, a permanência dos
valores vigentes do período em que fora criada, o que a faria ser, também, uma
literatura ideológica,

por ser a expressão dos anseios de um grupo social que acredita nos
valores humanos e na possibilidade do conhecimento da verdade, bem
como no triunfo do complexo de virtudes que compõem a ideologia
social (ordem, beleza, justiça, amor etc.); o código natural, por sua vez,

109
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

caracteriza um tipo de literatura dialógica, carnavalizada, expressão da


revolta do indivíduo contra a fixidez dos cânones estéticos e a opressão
das injunções religiosas e morais. (D’ONOFRIO, 2006, p. 21).

Ora, se a essa altura tivéssemos que sintetizar o tipo de literatura que seria
conveniente à sala de aula, não hesitaríamos em optar pela obra clássica e dialógica,
pois os clássicos aportam significações não inteiramente previstas no texto original,
portanto que poderão ainda ser construídas a partir da interação da singularidade
do leitor com a singularidade da obra em questão. Esse entrecruzamento, ou jogo
de singularidades, é o que definiria, segundo Barthes (2007, p.16), as qualidades de
uma verdadeira literatura: “Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico
que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução
permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura”.

UNI

Bakhtin (1995) foi quem apresentou o conceito de dialogismo. No dizer deste


estudioso, a linguagem é dialógica porque a palavra, a enunciação e, por extensão, todo o texto
possui um caráter de duplicidade, no qual a presença do outro é fundamental e cujo contexto
social não pode ser ignorado.

Você deve estar percebendo o quanto é importante haver na escola um


ambiente pedagógico favorável à leitura e à recriação de textos literários, não é
mesmo? Reflita ainda sobre a relevância do professor como mediador de obras
literárias, não apenas as de qualidade reconhecida, mas também as que têm um
declarado apelo comercial, geralmente associadas à mídia televisiva.

É oportuno lembrar, nesse momento, a discussão abordada na Unidade 1, de


que a literatura voltada para a criança é uma literatura produzida pelo adulto, o que
faz com que sua mensagem mantenha praticamente a mesma assimetria entre infância
e maturidade, que estudamos no primeiro capítulo do presente Caderno de Estudos.
Assim, a partir de uma breve descrição estrutural, poderemos mapear as obras de
tendência monológica – que mantêm um único ponto de vista na narrativa, como é o
caso da maioria dos contos de fadas – e, em contrapartida, obras dialógicas, como a
narrativa literária As aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, que sustentam mais de
uma perspectiva ficcional, conferindo assim maior valor e liberdade ao leitor:

Em vista disto, também o leitor não é um ente passivo; a obra dirige-se


a ele e a seus valores, sob a forma de um questionamento. A operação
de leitura, que, enquanto concretização do universo ficcional, supõe de
antemão uma atitude voluntária e ativa, ocasiona ainda uma tomada
de posição perante o texto e o mundo que apresenta. Nesta medida,
se a criação poética não produz necessariamente uma contrariedade,
especialmente ao leitor, como pretendiam os formalistas, mas a um
sistema vigente de normas e padrões, (...) é importante destacar

110
TÓPICO 1 | O DIVERTIDO PRAZER DE LER

que o recebedor deverá aceitar ou rejeitar o jogo, resultando daí um


posicionamento perante o mundo e a arte. (ZILBERMAN, 1984, p. 79).

Ora, seja a partir de uma perspectiva monológica, seja a partir de uma


focalização dialógica, que abrem ou fecham possibilidades de interpretação para
o leitor, mantém-se, no plano estrutural de qualquer narrativa literária, uma voz
condutora da trama, que determina o foco narrativo de abordagem da história: ora
em primeira, ora em terceira pessoa; ora exterior, ora interior à ação etc., e assim
conduz a trama conforme se deseje fazer do relato um exemplo ou, ao contrário,
estabelecer um universo ambíguo capaz de dar lugar à subjetividade singular do
leitor, independente de ela ser aceita ou rejeitada pela sociedade vigente.

UNI

A essa altura, sugerimos a você, caro(a) acadêmico(a), a leitura de As aventuras


de Pinóquio, na excelente tradução de Marina Colasanti. Além do divertido prazer
de ler um texto produzido especialmente para crianças na Itália do século XIX, esse exercício
lhe possibilitará o confronto de uma narrativa dialógica com a tendência predominantemente
monológica dos contos de fadas tradicionais. Ademais, você entrará em contato com um texto
clássico, isento das concessões cinematográficas feitas por Walt Disney, que retirou muito da
complexidade do texto literário para poder se aproximar da moral vigente do século XX e, dessa
forma, obter melhor êxito comercial.

Assim, a partir do foco narrativo, determinam-se diversas formas de


focalização. No conto de fadas, por exemplo, tal como se observa na narrativa
Chapeuzinho Vermelho, predomina a terceira pessoa, já que o narrador se coloca de
modo onisciente – que tudo vê, que tudo sabe –, acima das personagens, sabendo
inclusive mais da interioridade delas do que elas mesmas. Essa voz, entretanto,
pode ser porta-voz de ideologias indesejáveis:

Quando o narrador onisciente diz “o lobo malvado”, está emitindo um


julgamento de valor, acusando o seu posicionamento ideológico. Por
que lobo é malvado? Ao comer a menina, ele está apenas atendendo
ao instinto de conservação da própria vida que o leva a satisfazer sua
fome. O homem que mata animais para alimentar-se ou simplesmente
para divertir-se, praticando os esportes da caça e da pesca, por que não
é considerado malvado? A resposta está na postura ideológica do autor
implícito que, sendo humano, defende a superioridade do homem em
relação ao mundo animal. (D’ONOFRIO, 2006 p. 60).

Por outro lado, no contraponto da maior parte dos teóricos da literatura,


Bettelheim (2007), a partir de um enfoque psicanalítico da obra literária, verá essa
forma de narração em terceira pessoa não como negativa, já que, para ele, ela se
apropria da sabedoria inconsciente das gerações passadas, podendo ensinar ao
jovem leitor algo importante para o seu amadurecimento psicológico:

111
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

Para dominar os problemas psicológicos do crescimento – superando


decepções narcisistas, dilemas edipianos, rivalidades fraternas;
tornando-se capaz de abandonar dependências infantis; adquirindo
um sentimento de individualidade e de autoestima e um sentido de
obrigação moral – a criança precisa entender o que está se passando
dentro de seu eu consciente para que possa também enfrentar o que se
passa em seu inconsciente. Ela pode atingir esse entendimento e, com
ele, a capacidade de enfrentamento, não pela compreensão racional da
natureza. (...) É aqui que os contos de fadas têm um valor inigualável,
conquanto oferecem novas dimensões à imaginação da criança
que ela seria incapaz de descobrir por si só de modo tão verdadeiro
(BETTELHEIM, 2007, p. 12).

3 INVERTENDO A TRADIÇÃO
Os livros são enfadonhos de ler. Não há livre circulação. Somos
forçados a ler. O caminho está traçado único. Muito diferente é o quadro
imediato total. À esquerda, à direita, em profundidade, à vontade.
Nada de trajeto, incontáveis trajetos, e as pausas não são indicadas. Se o
desejarmos, o quadro inteiro. (MICHAUX, 1994, p. 38).

Ao longo desse Caderno de Estudos você observou a reflexão teórica


debruçar-se sobre esse objeto exemplar e histórico na transmissão dos valores
culturais, que tem sido o livro literário, cujo surgimento se deu com a literatura
oral, à época criadora de recursos facilitadores da memorização, como as rimas, as
estrofes, a metrificação, entre outros, para depois vê-lo se expandir em mídias mais
ágeis, como o cinema, a internet e a história em quadrinhos.

Assim, ao buscarmos fundamentar acerca dos modos mais adequados


de utilização da literatura em sala de aula, optamos pela obra dialógica, já que
uma de suas características é de estar sempre aberta a universos de significação
insuspeitados. Desnecessário, por conseguinte, alertar para as versões redutoras
dos textos clássicos, que geralmente ocorrem em revistas, versões para filmes ou
novelas televisivas etc., e que tendem a tipificar as personagens dos textos originais,
retirando assim a potencialidade inventiva e inusitada das obras clássicas: “O livro
permite uma abordagem de que o cinema, o teatro e a televisão não são capazes.
Diante de um livro, o leitor não é passivo, ele pode voltar atrás, reler, interromper,
saltar etc. Enfim, ser abordado por onde o leitor quiser” (MELO NETO, 1998, p.
52).

Vejamos: O texto As aventuras de Pinóquio se inicia com a revelação do


desejo do velho Gepeto de criar uma marionete para com ela melhorar de vida, ou,
dizendo com suas palavras: para viajar e tomar um bom copo de vinho.

Assim, simbolicamente, desde o início o livro reverte a assimetria tradicional


que atribui aos valores da maturidade uma origem bondosa e a ser imitada,
em detrimento dos valores infantis, vistos como imperfeitos, egoístas e a serem
modificados em prol daqueles. Na obra em questão, metaforicamente revela-se
um pai, Gepeto, ainda que bondoso, que sabe usar e se beneficiar do filho.

112
TÓPICO 1 | O DIVERTIDO PRAZER DE LER

Optar pelos clássicos dialógicos não significa, entretanto, a exclusão da


literatura e de outras formas de arte monológicas – geralmente de feição popular,
como é o caso das novelas de televisão, dos filmes de apelo comercial, da música
brega, da subliteratura de autoajuda etc. –, mas apenas atentar para que essa forma
de arte receba um acompanhamento crítico, geralmente mediado por um professor
ou tutor, para evitar que o estudante caia na malha ideológica de valores autoritários
e preconcebidos veiculados, de modo sorrateiro, por essas mídias:

É a um fantasma, dito ou não dito, que o professor deve voltar


anualmente, no momento de decidir sobre o sentido de sua viagem;
desse modo, ele se desvia do lugar em que o esperam, que é o lugar
do Pai, sempre morto, como se sabe; pois só o filho tem fantasmas, só o
filho está vivo. (BARTHES, 2007, p. 43).

Caro(a) acadêmico(a), por hora, cabe-nos reforçar a função pedagógica


da arte e assim apontar para a importância de sua vinculação com as atividades
escolares. Quer dizer: a arte, fora do imediatismo dos valores políticos e dos valores
medidos pelo sucesso comercial, visa à constituição singular e, por que não dizer,
amorosa dos sujeitos; ou seja, aliada à escola, ela pode formar indivíduos leitores
que pensem a vida e o mundo que se vai deixar, como o fazem, se lembrarmos com
João Cabral de Melo Neto, alguns poetas:

Melhorar a realidade é um ato de consequência imediata, e isso o poeta


não pode fazer, porque não é essa coisa mágica, metafísica, que muitos
imaginam. Como todo artista, entretanto, ele pode empreender uma
ação a longo prazo. Muitas vezes, os homens que mandam não estão
habituados a ver toda a realidade, o conjunto. É aí que a arte pode
ajudar, cumprindo sua função que é dar a ver – “donner à voir”. Não
pode haver objetivo melhor, para a arte e para o artista. (MELO NETO,
1998, p. 18).

Enfim, tudo se resumiria em descobrir qual a melhor forma de operar essa


passagem em mão dupla de dois pontos de vista – infância e maturidade – que,
por serem paradigmaticamente opostos, só raramente convergem, como acontece
em certas obras literárias – e, quiçá, algum dia também o seja na escola – em que
se consegue combinar o pensamento em sua forma lúdica e a ludicidade em sua
forma lúcida.

113
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico você viu que:

• A escola é um espaço que pode promover o contato dos indivíduos com textos e
capaz de estabelecer uma interação diferenciada entre os leitores e essas mesmas
obras, tornando-os mais críticos a partir do contato e do acesso socializado aos
textos clássicos.

• O papel da escola é operar a passagem daquela primeira fase existencial, infantil


e irregular, para a outra, que deveria idealmente orientar e organizar a sociedade
em que vivemos, de promover uma mudança nos valores culturais vigentes,
invertendo o paradigma segundo o qual ela mesma foi estruturada.

• Os bons textos literários são potencializadores eficazes de significação existencial.

• É preciso que a escola pense em estratégias pedagógicas que possibilitem


tornar o aluno não apenas um partícipe das demandas de sua geração, mas um
coprodutor de novas perspectivas existenciais e de alternativas sociais.

• Em sala de aula, melhor seria optar pela obra clássica e dialógica, pois os clássicos
aportam significações não inteiramente previstas no texto original, portanto que
poderão ainda ser construídas a partir da interação da singularidade do leitor com a
singularidade da obra em questão.

• É importante haver na escola um ambiente pedagógico favorável à leitura e à


recriação de textos literários.

• A partir de um enfoque psicanalítico da obra literária, verá a narração em terceira


pessoa não como negativa, já que, para ele, ela se apropria da sabedoria inconsciente
das gerações passadas, podendo ensinar ao jovem leitor algo importante para o seu
amadurecimento psicológico.

• É importante descobrir qual a melhor forma de operar essa passagem em mão


dupla de dois pontos de vista – infância e maturidade e, quiçá, algum dia também
o seja na escola –em que se consegue combinar o pensamento em sua forma lúdica
e a ludicidade em sua forma lúcida.

114
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a)! Apresentamos algumas questões sobre a


valorização da literatura infantojuvenil na escola. Para tanto, responda e teça
comentários sobre perguntas:

1 O que você pensa sobre a escola como um lugar privilegiado de leitura?

2 Quantas horas semanais você dedica à leitura de textos literários?

3 Considerando a sala de aula, que recursos você utilizaria para incentivar a


leitura de literatura?

4 O que você pensa sobre atividades como: A hora do conto?

5 O que você pensa sobre os textos dialógicos?

A partir dessas questões, faça um elenco das estratégias e recursos que


poderiam ser adotados pelos professores. Lembre-se de compartilhar com os
seus colegas.

115
116
UNIDADE 3
TÓPICO 2

A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

1 INTRODUÇÃO

Já enfatizamos que a narrativa infantil deveria estabelecer uma relação


dialógica, que se concretiza no encontro do leitor com o texto, ou seja, permite
que o leitor tenha contato com uma linguagem que se materializa por meio do
livro. Nessa perspectiva, a literatura infantojuvenil se apresenta às crianças e
jovens como um possível horizonte de expectativas, especialmente pela renovação
da linguagem, das palavras e imagens. No dizer de Zilberman (2003, p. 176),
“a literatura deve se integrar ao projeto desafiador próprio de todo fenômeno
artístico, impulsionar ao seu leitor uma postura crítica, inquiridora, e dar margem
à efetivação dos propósitos da leitura como habilidade humana”. Argumenta a
autora que o livro infantil deve estimular o leitor a conhecer a dimensão artística
e estética.

2 A RECEPÇÃO DO LIVRO INFANTIL


A escritora Fanny Abramovich faz alusão a vários aspectos a serem
considerados durante a exploração da leitura, que, segundo ela, apresenta um
potencial crítico. O pequeno leitor põe em prática habilidades como pensar,
duvidar, se perguntar, questionar, ou seja, a criança

pode se sentir inquietada, cutucada, querendo saber mais e melhor ou


percebendo que pode mudar de opinião. E isso não sendo feito uma
vez ao ano, mas fazendo parte da rotina escolar, sendo sistematizado,
sempre presente - o que não significa trabalhar em cima dum esquema
rígido e apenas repetitivo (ABRAMOVICH, 1989, p. 142).

Quando nos referimos à relação entre a criança e o livro, estamos também


nos reportando à escola, ao fazer pedagógico dentro da sala de aula. Nesse fazer,
uma das metodologias que pode ser utilizada envolve o contato com os livros e,
dependendo da história, geralmente a criança quer repeti-la, às vezes, somente
em algumas partes ou, por vezes, detesta e não quer mais nenhuma aproximação
com determinada história. Essa relação forma a opinião da criança, que passa a
estabelecer critérios de seleção do que quer ler. Observe a opinião de Abramovich
(1989, p. 143):

117
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

No que se refere à história quando boa, interessante, se palpitante,


se boba etc. E a ideia do autor? Nova, batida, já lida outras vezes em
outros livros? Esse autor repete suas ideias, seus temas, ou inventa
novos, se atreve a caminhar por outros assuntos, por outras questões?
E o ritmo? Muito longo, rapidinho demais da conta, não dando tempo
de saborear, de ir mais longe, de querer saber mais e melhor sobre um
assunto, conversa ou qualquer outra coisa que ficou solta, sem maiores
explicações??... Ou se arrastando, se esticando, se esticando e dando
voltas e mais voltas em torno do mesmo tema, como se não achasse o
momento de terminar?? E falando nisso, como foi sentido/percebido/
aplaudido/vaiado etc. o final da história?? Tinha a ver com tudo o que
aconteceu, ou de repente acabou dum jeito confuso, abrupto, perdido???
E o começo, foi gostoso, chamou a atenção, deu vontade de continuar
lendo, ou já deu pra sacar que ia ser uma chatura só?? Ou começou mal
e, de repente, pra surpresa total, foi esquentando, esquentando e até
que ficou muito do simpático e do bom??? E tanta coisa mais, que foi
percebida pelo leitor e que merece ser discutida.

Com base na citação, podemos constatar que a autora apresenta vários


questionamentos que devem ser considerados pelos professores ao propor a
leitura em sala de aula, afinal, o livro infantil, pelas suas características, permite
essa postura. Outra questão abordada por Abramovich (1989, p. 146) faz alusão à
história e aos personagens:

As que tinham vida, que convenciam, que agiam dum modo verdadeiro
(não importa se gente, se bicho, se fada, se vampiro) e aquelas que
reagiram de repente, sem mais nem por quê – dum modo que não
tinha nada a ver com elas, como vinham atuando desde o comecinho
da história...E aquelas que foram esquecidas pelo autor (o que acontece
muito), que aparecem no começo e nunca mais... ou aquelas que não
tinham a menor importância pro desenrolar do conto e que ficaram só
enchendo as páginas, sem função, sem razão, sem opinião. E tanta coisa
mais que foi percebida pelo leitor e que merece ser discutida.

Conforme podemos perceber, a história é um dos aspectos mais importantes


na composição do livro de literatura infantil. Mas, segundo Abramovich (1989, p.
147), existem outros a considerar, porque estimulam a leitura e a interação:

A capa (se bonita, feia, atraente, boba, sem nada a ver com a narrativa...),
o título - que, afinal, são o primeiro contato que se tem com o volume: o
impacto visual e a curiosidade despertada ou adormecida... E por que
não discutir a encadernação, do desprazer que é ver um livro amado
desfolhado, descolando, não dando nem mais para virar a página?... E
o jeito como o volume foi paginado, olhando muito do bem olhado se
a ilustração corresponde ao que está escrito na página ao lado, se está
tudo muito compactado, muito apertado, sem espaço para respirar... ou,
ao contrário, se ficou muito pouca coisa escrita ou desenhada em cada
folha, sobrando partes em branco demais da conta, só para engrossar
o livro?? E se as letras eram grandonas, gostosas de ler, ou pequenas,
apertadinhas, sendo necessário um binóculo para poder seguir apenas
letras tão mínimas?? E quanto havia de espaço na passagem dum
capítulo para outro, mostrando que já era outro momento, outro dia,
outra situação ou que fosse – estava tudo apertado, estreito e até difícil

118
TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

perceber que já era outro capítulo?? Estava metade cuidado, metade


não? [...] Por que não propor, também, que se releia algo que algum dia
tenha sido importante? [...] Não é apenas na novidade que está o novo,
mas na forma de nos aproximarmos de algo já conhecido e perceber
mudanças.

Para a autora, a proposta da leitura na escola requer um olhar atento no


que se refere à escolha do livro, além de propósitos bem definidos para atrair a
atenção da criança. Ainda segundo Abramovich (1989, p. 148):

[...] Colocar a leitura do livro infantil brasileiro no currículo escolar


não quer dizer nada. Pode-se até estar formando pessoas com ojeriza
permanente pela leitura, tal a quantidade de livros ruins que lhes
pedem que leiam, aliada a nenhuma crítica que é solicitada. Apenas
fazendo-de-conta que se leu, como se se assinasse um visto, uma rubrica
de “feito”. Dar uma opinião pode não significar nada, não exigir nada,
além dum comentário superficial, epidérmico, ou não ser senão um
jeito de agradar e corresponder à expectativa do adulto (que já tem uma
opinião formada sobre aquele livro ou aquele autor).

No dizer de Abramovich (1989), é papel da escola sensibilizar para o hábito


da leitura e para a criticidade, e, segundo ela, a preocupação básica deveria ser a
formação de leitores abertos e capazes de absorver o que uma boa história traz,
afinal:

Literatura é arte, literatura é prazer (...) Que a escola encampe esse lado.
É apreciar - e isso inclui criticar. Se ler for mais uma lição de casa, a
gente bem sabe no que é que dá. Cobrança nunca foi passaporte ou
aval para a vontade, descoberta ou para o crescimento de ninguém
(ABRAMOVICH, 1989, p. 148).

Entretanto, por vezes a literatura é submetida a rotinas padronizadas


e termina por perder seu sentido. Tem sido usada para atividades estritamente
mecânicas. Antigas práticas, amplamente avaliadas em seus efeitos limitadores,
continuam presentes nas salas de aula, mesmo diante do fracasso de muitos alunos
e do desagrado de outros tantos, em relação ao estudo da língua e literatura.

A literatura, em sala, assume a função de obrigatoriedade de prazo,


imposição de número de livros a serem lidos durante o ano letivo e seus fichamentos,
procedimentos pedagógicos com ênfase no desenvolvimento em atividades de
identificação e classificação de períodos literários; ensino de regras gramaticais
e ortográficas, estudo de palavras isoladas e de frases desconectadas, exercícios
de interpretação, aumento de vocabulário, fixação da norma culta e motivador de
redações, assumindo, assim, a feição da rotina. O fazer pedagógico se fecha para
as várias possibilidades, o desafio é não deixar que a função pedagógica controle
o texto.

As possíveis significações e a imprevisibilidade da mensagem que o texto


literário carrega são grandes aliados no processo de formação de leitores críticos.
Ao que parece, estudantes e professores ainda não se conscientizaram do caráter
libertador do ato de ler.
119
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

A escola lida com a palavra arte como se ela fosse informação, sem pensar
em estratégias de trabalho diferentes entre o texto artístico e o texto informativo.
Há a necessidade urgente de priorizar o caráter artístico do texto literário. Deve-se
constituir em exploração e vivência, caso contrário incorre-se no risco de reduzir
o texto à categoria de instrumento, contribuindo para a alienação do processo
educativo.

Conforme cita Marisa Lajolo (apud ZILBERMAN, 1984, p. 52),


O texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve ser. Um texto
existe apenas na medida em que se constitui ponto de encontro entre
dois sujeitos: o que o escreve e o que o lê; escritor e leitor, reunidos
pelo ato radicalmente solitário da leitura, contrapartida do igualmente
solitário ato de escritura. No entanto, sua presença na escola cumpre
funções várias e nem sempre confessáveis, frequentemente discutíveis,
só às vezes interessantes.

Para Ezequiel Theodoro da Silva (1986, p. 52), o material escrito não visa o
assimilar, memorizar ou reproduzir literalmente o conteúdo da mensagem, mas
principalmente o compreender e o criticar. O que tem ocorrido é a ineficiência
das práticas de leitura propostas pela escola, com metodologias que aniquilam o
potencial dos jovens, ocasionando um nível rudimentar de leitura, que se detêm
apenas na “historinha” transmitida. Metodologias falhas podem causar o desprezo
e resistência à leitura.

Também é desejável que a literatura obtenha a parceria de outras áreas,


como, por exemplo, a pintura, a escultura, o teatro e o cinema, para que o aluno
vivencie diferentes formas de artes à sua cultura. Mais do que possibilitar aos
alunos leituras diversas, de diferentes gêneros, escritos em contextos diferenciados
e para diferentes fins, os projetos arrojados de literatura devem oferecer livros que
exercitem a experimentação e a descoberta e investir na inteligência e sensibilidade
do leitor infantojuvenil. De acordo com Marisa Lajolo (1982),

E a cada novo texto com que se defronta, o aluno pode vivenciar de


forma crítica a atitude de sujeito, não só de sua linguagem, mas de
uma teoria e uma história da literatura do seu povo. A não ser assim, a
literatura não cumprirá sua função maior no contexto, se não da escola,
ao menos da formação do indivíduo livre (LAJOLO apud ZILBERMAN,
1984, p. 52).

As dificuldades de conquistar o leitor passam pelo equívoco da maneira
como o texto é usado em sala de aula, ou seja, pretexto reduzido à aprendizagem
da leitura e da gramática. Entretanto, quando o leitor se sente provocado pelas
palavras lidas, “realiza-se a função formadora da leitura, que induz o indivíduo a
melhor conhecer a si e ao mundo que o cerca” (SARAIVA, 2001, p. 27). Através da
literatura, o leitor busca novas formas de dizer, amplia sua capacidade linguística,
lança hipóteses, experimenta, duvida, exercita, descobre, acresce, modifica sua
leitura e assume uma postura crítica.

120
TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

O desafio é levar o aluno a acrescentar interpretações livres daquelas


preestabelecidas, abandonar antigas práticas que relevam o texto e sua significação
como que algo sacralizado. Para Sanches Neto (2007, p. 50), a grande tarefa
pedagógica é produzir o “apetite pelo texto” e, ainda, “[...] suscitar no fruidor
sentimentos e pensamentos que não estão no texto, mas nele”. É nesse sentido que
a literatura é obra aberta, pois a literatura é lugar do entrecruzamento de muitos
discursos, de lacunas, provocadoras do apetite pela leitura.

Outro fator a ser observado é o de que a literatura nos lares ocupa pouco
espaço, muitas casas sequer possuem um material de leitura. O adulto diz que
não tem tempo para a leitura; a família, de modo geral, não possui livros de
literatura, preferindo livros didáticos, de culinária, de textos sobre atualidade,
textos práticos, receitas de emagrecimento, livros de autoajuda, revistas de moda
e outras. A literatura cumpre na vida de muitos adultos o papel secundário, não
significa prazer, não é uma opção de lazer.

Sabemos que deveria ser de responsabilidade da família promover o


primeiro contato com os livros no período precedente ao da escola, que poderia
se dar, muitas vezes, por intermédio dos pais, avós, ou seja, no seio familiar, com
histórias de fada, de animais, histórias inventadas.

Esse narrar histórias é positivo, pois contribui para a aproximação entre a


criança e o livro. Porém, o que percebemos é que as condições de vida impostas
pelo contexto socioeconômico acabam por acarretar uma escassez de leitura
literária no espaço familiar: os pais pouco ou quase nada leem para seus filhos. E,
ainda, o livro possui um alto preço, o que, na maioria das vezes, impossibilita a
sua aquisição.

Entretanto, se na rotina dos pais ocorre a inclusão da leitura, à criança


soará natural o ato de ler. Além disso, pais que procuram conhecer e debater sobre
livros, histórias, demonstram interesse por aquele mundo da criança. Cristiane
M. Oliveira (2007) afirma a importância e as atitudes dos pais para o incentivo da
leitura, pois a descoberta da magia da leitura se dá numa fase em que a ligação
entre pais e filhos ainda é muito grande. Por conta disso, o afetivo está intimamente
envolvido com esse processo. Se o momento de leitura na infância se associa a
momentos de prazer, forma-se uma relação positiva com os livros, que é o embrião
de um adulto leitor.

Se a leitura ressignifica o humano e o mundo que o cerca, então incitar


a criança a explorá-la, propiciar o contato com a literatura de forma prazerosa,
deverá ser um dos principais objetivos, tanto da escola quanto da família e da
sociedade. Os papéis no incentivo à leitura não se excluem, mas se complementam.
A eles cabe compreender a sua importância e assumi-la, contribuindo, assim, para
a formação de leitores.

121
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

3 A IMAGEM: LUGAR ESPECIAL


Quando contamos uma história, fazemos uso de estruturas próprias da
linguagem oral, podendo incluir aos componentes verbais gestos, entonação e
pausa. Na formação de leitores, é preciso somar outros elementos à linguagem
verbal. Um deles é a linguagem não verbal, que se utiliza de signos visuais.

Ainda que no tópico precedente defendemos o texto infantil na perspectiva


dialógica e no sentido de favorecer a imaginação e a fantasia, somos uma civilização
vinculada à linguagem imagética, pois através da visão percebemos figuras, cores,
formas e movimentos. Através de uma imagem, atribuímos qualidades aos objetos
e ao espaço, reconhecendo-os e identificando-os. Podemos então afirmar que a
imagem cumpre a função de mediadora entre o espectador e a realidade.

Nesse sentido, os livros com imagens destinados ao público infantil ganham


força desde a década de 1920, quando pesquisas no campo da psicanálise, ligadas
ao âmbito pedagógico, confirmaram que as imagens favorecem o estabelecimento
de relações entre o concreto e o abstrato.

UNI

Um dos pioneiros na idealização de materiais com figuras influenciando a renovação


da literatura tanto na Europa quanto nas Américas foi o francês Paul Faucher. A produção desses
livros surge em consonância com os avanços da psicologia e os ideais do movimento Escola
Nova, que propôs uma mudança de foco no processo pedagógico, contrapondo-se à escola
tradicional. Em 1927, Faucher interessou-se pelas ideias pedagógicas do tcheco Frandisck Bakulé.
Esse encontro instigou o francês, que, atento às descobertas da psicologia experimental aplicada
à pedagogia, tendo em vista os estágios de amadurecimento físico e psicológico da criança,
explora, cada vez mais, livros e materiais com linguagem não verbal, que, no entender de Faucher,
são capazes de instigar a imaginação e inteligência das crianças. (COELHO, 2000).

O estudo da psicologia aplicada à pedagogia preconiza que o conhecimento


se processa basicamente pelo contato direto da criança com o mundo que a cerca.
Daí a dizer que a linguagem imagética, presente na literatura infantojuvenil, auxilia
na construção das percepções e propicia uma “primeira entrada” na interpretação
de um texto, porque é componente importante na atribuição de significados. Dessa
forma, o texto ilustrado desempenha um papel fundamental no processo de leitura
e ampliação de sentidos.

Nas livrarias circulam as mais diversas publicações de livros quanto ao


formato, tamanho, assuntos ou temas, com histórias contadas unicamente através
de imagens ou fotos. Esse “novo formato” de material desperta o interesse do
público infantojuvenil. Observe o exemplo a seguir:

122
TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

FIGURA 15 – CAPA DO LIVRO: MARCELO, MARMELO, MARTELO E


OUTRAS HISTÓRIAS

FONTE: ROCHA Ruth. Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias.


RJ: Salamandra, 1976.

A capa do livro em questão favorece discussões sobre o personagem, o


texto escrito, enredo e espaço. A partir da imagem é possível antecipar hipóteses e
fazer inferências, levando o jovem leitor a expor as suas opiniões.

Imagens como esta possibilitam o primeiro contato com a história a


partir dos desenhos e cores. A criança, frente a esse objeto, poderá contar e
recontar histórias, criar roteiros, cenários, personagens, cenas e espaços, sem
necessariamente a intervenção do adulto. A criança exercita a imaginação para,
em seguida, descrever o que observou, desenvolvendo a habilidade oral e/ou por
meio de rabiscos. É nesse fazer que ela inicia a relação com a linguagem escrita,
ao tentar reproduzir o que viu no livro. “A criança que exercita a observância das
imagens alarga a percepção tátil, uma vez que, ao passar os dedos sobre as imagens
de um livro, tenta construir hipóteses de sentido, apropriando-se de uma leitura
específica, uma leitura imaginária ficcional”, enfatiza Eliane Debus (2006, p. 36). O
olhar é despertado pelo colorido do livro, pela capa, um convite à imaginação, que
estimula o prazer.

Alguns estudiosos, como Bruno Bettelheim, no entanto, contestam o uso


da ilustração em textos infantis, alegando que estas já chegam preenchidas ao
imaginário do leitor, não deixam espaço para outras possibilidades estabelecidas a
partir do leitor-criança. Esses livros não deveriam conter ilustrações, pois a criança,
ao ler ou ouvir histórias, elaboraria, de acordo com sua experiência, as figuras e
imagens do que estaria lendo ou ouvindo. “Um conto de fadas perde muito de
sua significação pessoal quando suas figuras e situações recebem substância, não

123
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

através da imaginação da criança, mas de um ilustrador” (BETTELHEIM, 2007,


p. 76). Para este autor, as ilustrações limitariam a capacidade cognitiva do jovem
leitor.

Já para Ramos e Panozzo (2005, p. 38), tanto a linguagem verbal quanto as


ilustrações devem ser exploradas: “Pensar o livro infantil apenas pela perspectiva
da palavra implica ignorar parte de sua significação, uma vez que o leitor apreende
a obra na sua totalidade, ou seja, congregando as linguagens que a constituem”.

Para Nelly Novais Coelho (2000), os livros com ilustrações exercem forte
atração por meio da capa, do colorido, dos desenhos das personagens, favorecendo
o exercício da capacidade inventiva, pois possibilitam associações e inferências. As
imagens materializam a palavra do artista. Ao ser estimulado a observar detalhes
das imagens, cores, traços, distribuição dos elementos no papel, relação entre
imagem e escrita, estará o adulto ajudando o jovem leitor a apurar sua percepção
e reestruturar o modo de ver, reconhecer e julgar.

Para elucidar essa questão, observe o livro Marcelo, marmelo, martelo e


outras histórias. Esse livro conta a história de Marcelo, um menino muito curioso
e esperto que procura entender o significado das coisas e por que elas são como
são. “Marcelo vivia fazendo perguntas a todo mundo: - Papai, por que é que a
chuva cai? - Mamãe, por que é que o mar não derrama? - Vovó, por que é que o
cachorro tem quatro pernas? As pessoas grandes às vezes respondiam. Às vezes,
não sabiam como responder”. (ROCHA, 1976, p. 3).

O livro mostra situações reais do cotidiano de um jeito que procura ser


simples e de modo colorido. O livro é composto de três contos, cujas personagens
são crianças que vivem na cidade. Elas resolvem seus impasses com muita esperteza
e vivacidade; Marcelo cria palavras novas; Teresinha e Gabriela descobrem a
identidade na diferença e Carlos Alberto compreende a importância da amizade.

FIGURA 16 – TRECHO DO LIVRO: MARCELO, MARMELO,


MARTELO E OUTRAS HISTÓRIAS

FONTE: Disponível em: <http://educandocomocoracao.


blogspot.com.br/2011/04/marcelo-marmelo-martelo.html>.
Acesso em: 5 out. 2012.

124
TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

Marcelo, personagem do livro, ajuda os pequenos leitores a perceberem


que outras crianças também têm seus questionamentos. De maneira lúdica,
Marcelo compartilha com os seus leitores uma relação prazerosa com a língua. E
cada vez mais, para além do texto escrito, o mercado editorial enfatiza a linguagem
não verbal, a ilustração. Nos livros contemporâneos as personagens e/ou os
elementos das histórias saltam da página, divertindo e surpreendendo o leitor.
Segundo Mattos (2006, p. 114), é “bastante comum que nesse tipo de publicação a
história seja um pretexto para a introdução da brincadeira, o que, em absoluto, não
compromete a qualidade da obra, que reside principalmente no projeto gráfico”.

A leitura sensorial, por meio da imagem, promove a curiosidade. “Esse


jogo com o universo escondido num livro vai estimulando na criança a descoberta
e aprimoramento da linguagem, desenvolvendo sua capacidade de comunicação
com o mundo” (MARTINS 1994, p. 43). Sendo assim, é imperativo instigar a
percepção imagética com o objetivo de ajudar o leitor no processo de construção
do pensamento abstrato.

Não podemos esquecer de levar o leitor a perceber aspectos relacionados


ao objeto, ao material do livro, iniciando pela capa, pelo formato do
livro, título. Comentar cada ilustração, inclusive a da capa, o tamanho,
as cores, o ilustrador, o tipo de letra, a organização das páginas, se em
capítulos, se com subtítulos, se pertence a uma coleção, enxergando o
livro como um todo. (ABRAMOVICH, 1989, p. 140).

De acordo com Abramovich, é preciso explorar ao máximo o livro infantil


através de atividades, a fim de perceber que a leitura não é somente uma, mas
múltipla, e que as imagens comunicam. Dessa forma, o texto imagético é mais uma
possibilidade de leitura carregada de significados.

Nos livros contemporâneos, a ilustração, conforme já dissemos, não


dispensa o texto escrito, mas estimula o senso estético e contribui para a leitura da
imagem, isso porque, para as crianças pequenas, os desenhos favorecem a criação
de hipóteses acerca do que está escrito. Dito de outro modo, a imagem antecipa o
sentido do texto (DEBUS, 2006).

Vejamos, agora, o livro A caligrafia de dona Sofia, de André Neves, cujo texto
se constitui em uma narrativa poética, e as ilustrações, elementos que favorecem
a recepção.

125
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

FIGURA 17 – A CALIGRAFIA DE DONA SOFIA

FONTE: Disponível em: <http://anynha-proletramento.blogspot.com.br/2010/07/paulinas-


prazersaber-sabor-e.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

A narrativa assim se inicia: “Na mais alta colina entre as colinas que
guardam a cidade, existe uma casa diferente de todas as outras, com paredes
decoradas com poemas” (NEVES, 2006, p. 2).

O livro enfatiza a caligrafia de uma professora aposentada que desenha as


letras e demonstra como a poesia está presente em sua vida. Para a personagem, um
mundo repleto de luz e sensibilidade: “Não haveria quem não pudesse dizer que ali as
paredes recitavam, cada canto vivo cuidado com emoção e a caligrafia em estilo que só
Dona Sofia sabia” (NEVES, 2006, p. 2).

Dona Sofia mora sozinha e sua paixão pela leitura leva-a a escrever os
poemas preferidos a fim de que não ficassem escondidos nos livros. “Os anos
foram passando e um belo dia Dona Sofia percebeu que não havia mais espaço
para escrever. O que faria, então? Não queria deixar as poesias escondidas nos
livros” (NEVES, 2006, p. 2).

126
TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

Desse modo, decorou as paredes de sua casa com poemas de diversos


escritores, como, por exemplo: Roseana Murray, Fernando Pessoa, Bartolomeu
Campos de Queirós, Castro Alves, Florbela Espanca, Carlos Drummond de
Andrade, Elias José, Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Gláucia de Souza, Garcia
Lorca, Machado de Assis, Casimiro de Abreu, Sérgio Capparelli, entre outros.

FIGURA 19 – POESIAS DECORADAS NAS PAREDES POR DONA SOFIA

FONTE: Disponível em: <http://anynha-proletramento.blogspot.com.


br/2010/07/paulinas-prazersaber-sabor-e.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

A professora decide enviar os cartões poéticos a todos os moradores da


cidade. “Com letra de caprichosa moça, a professora aposentada decidiu-se pelos
cartões poéticos — prensando flores sobre o papel, colhendo palavras com sua
florida caligrafia —, endereçando-os a todos os moradores da pequena cidade”
(NEVES, 2006, p. 2). É nesse momento que entra em cena seu Ananias, o carteiro
que passa a ajudar Dona Sofia a entregar cartões: “Mais uma vez, quando o alvor
da aurora surgiu no céu, Seu Ananias começou a percorrer a cidade de casa
em casa. Mas não entregava cartas. A cada morador ele contava o quanto tinha
aprendido com Dona Sofia e como aquela senhora havia mudado aos poucos a
vida da pequena cidade, sem ninguém perceber” (NEVES, 2006, p. 4).

127
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

FIGURA 20 – ANANIAS: O CARTEIRO

FONTE: Disponível em: <http://encantamentosdaliteratura.blogspot.com.


br/2009/04/caligrafia-de-dona-sofia-andre-neves.html>. Acesso em: 5 out.
2012.

O enredo demonstra uma senhora preocupada em sensibilizar os demais


moradores da cidade à leitura de poemas. Dona Sofia era conhecedora das sensações
e emoções que as palavras provocavam. O livro sugere que a vida pode ser melhor se
espalhássemos poemas pelo mundo.

A criança poderá ser orientada a explorar as imagens, as cores, enfatizando a


relação destas com o texto. Com base nas considerações, a pretensão é enfatizar que
muitos livros exploram, além do enredo, a imagem. O intento é o de atrair o leitor,
neste caso a criança, cujas sensações, embora subjetivas, comovem e divertem. Assim,
no contexto de sala de aula, pode o professor propor a leitura da imagem, estimulando
inferências e hipóteses, com perguntas do tipo: O que sugere a imagem? Quem
aparece? Como é a imagem? Será um texto engraçado ou triste?

Para complementar a nossa sugestão de metodologia sobre a leitura de


imagens, trazemos um texto extraído da revista Nova Escola, que apresenta um roteiro

128
TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

para atividades ligadas à cultura visual. O diferencial é fazer sempre a relação com a
realidade do aluno:

1) Descrever

Para aproveitar tudo o que uma imagem pode oferecer, os olhos precisam
percorrer o objeto de estudo com atenção. Então o professor deverá solicitar
de todos um relato do que veem, elaborando um inventário, descrevendo
detalhadamente o que estão vendo. As observações podem ser elencadas no
quadro.

2) Analisar

É um momento destinado à percepção de detalhes. Neste caso o


professor poderá dirigir algumas perguntas, objetivando estimular o aluno a
prestar atenção na linguagem visual e seus elementos.

3) Interpretar

Eleja com a turma outras manifestações visuais que tratem de tema


semelhante ao que está sendo abordado na imagem, estimule-os a fazer
comparações (cores, formas, linhas, organização espacial etc.).

4) Fundamentar

Elabore com a turma uma lista de aspectos que provocaram curiosidade


sobre o livro, a imagem e o autor. Pesquise em conjunto ou divida a turma para
que busquem respostas às dúvidas.

5) Revelar

Discuta como gostariam de expor as ideias encontradas. Quais são e


como comunicá-las? É hora de criar, desenhar, e escrever. [...]
FONTE: Extraído e adaptado de: REVISTA NOVA ESCOLA. Prática pedagógica: Artes visuais. Abril,
2003.

Caro(a) acadêmico(a) além do livro A caligrafia de dona Sofia, outros livros


infantojuvenis contêm as características para a abordagem da leitura imagética.
Veja a seguir a relação de livros retirada da Revista Crescer que poderá ser
ampliada com a colaboração dos colegas.

129
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

FIGURA 21 – RELAÇÃO DE LIVROS INFANTOJUVENIS

FONTE: Extraído e adaptado de: Revista Crescer e publicada na edição do mês de junho
de 2007.

Aumente sua lista, trocando experiências e sugestões sobre livros infantis


com os colegas. Anote o nome dos livros aqui:
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________.

130
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico você viu:

• Uma das metodologias que pode ser utilizada em sala de aula envolve o contato com
os livros e, geralmente, a criança quer repeti-la. Essa relação forma a opinião da criança,
que passa a estabelecer critérios de seleção do que quer ler.

• É importante que o professor seja o mediador no contexto das práticas escolares de


leitura literária, na medida em que ele opera escolhas de narrativas, poesias, teatros,
contos, fábulas, autores, enfim, escolhas variadas de gêneros literários e estratégias de
atividades a serem desenvolvidas em sala de aula.

• Para a formação de leitores, podemos destacar algumas proposições: que escolas e


salas de aula disponibilizem livros e outros materiais de leitura, atentem para a leitura
livre, promovam momentos de leitura entre aluno e professor. Vale ressaltar que o
professor deveria também ser um leitor assíduo, de modo a acompanhar o movimento
editorial infantil e juvenil.

• É papel da escola sensibilizar para o hábito da leitura. A preocupação básica deveria


ser a formação de leitores abertos e capazes de absorver o que uma boa história
proporciona.

• A contação de histórias estimula o uso de estruturas próprias da linguagem oral,


componentes verbais, gestos, entonação e pausa. É preciso somar outros elementos à
linguagem verbal, um deles é a linguagem não verbal, que se utiliza de signos visuais.

• Uma imagem contém qualidades aos objetos e ao espaço, e cumpre a função de


mediadora entre o espectador e a realidade.

• A linguagem imagética, presente na literatura infantojuvenil, auxilia na construção das


percepções e propicia uma “primeira entrada” na interpretação de um texto, porque é
componente importante na atribuição de significados.

• A criança, frente ao livro de imagens, poderá contar e recontar histórias, criar roteiros,
cenários, personagens, cenas e espaços, sem necessariamente a intervenção do adulto.

• Os livros com ilustrações exercem forte atração por meio da capa, do colorido, dos
desenhos das personagens, favorecendo o exercício da capacidade inventiva, pois
possibilitam associações e inferências.

• As imagens materializam a palavra do artista. Ao ser estimulado a observar detalhes


das imagens, cores, traços, distribuição dos elementos no papel, relação entre imagem
e escrita, o adulto ajuda o jovem leitor a apurar sua percepção e reestruturar o modo
de ver, reconhecer e julgar.

131
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a), neste tópico enfatizamos a leitura de


imagens como uma atividade que estimula o olhar. Com o intuito
de exercitar a criatividade, a escrita e a imaginação, propomos a
seguinte atividade: elabore uma história a partir da leitura da imagem
que segue. Lembre-se de dar um nome à história e à personagem.
Lembre-se também de que toda narrativa apresenta uma estrutura.

FIGURA 22 – IMAGEM PARA ELABORAÇÃO DE UMA HISTÓRIA

FONTE: Disponível em: <http://meninasemarte.wordpress.com/tag/


ilustracao/>. Acesso em: 10 abr. 2013

132
UNIDADE 3
TÓPICO 3

EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

1 INTRODUÇÃO
A leitura – enfatizamos – é um meio de descoberta do mundo. O ser
humano, ao longo da vida, se desenvolve através da leitura. Mas ler não significa
apenas identificar as palavras, significa compreender e interpretar. É nesse sentido
que destacamos a importância da literatura na infância, pois é neste período que
inicia uma relação especial com o livro.

O objetivo da literatura no ambiente escolar é a formação do leitor e deve,


para isso, criar entre alunos e obras literárias uma atitude de curiosidade pelos
livros, de interesse pelo descobrimento, de encantamento. Essa relação poderá ser
construída privilegiando a leitura de obras na sala de aula e as conversas informais
que provoquem discussão sobre o que é lido.

Apresentar diversidade de gêneros significa apontar para objetivos


e interesses criados coletivamente para a linguagem como mediadora da
compreensão do mundo e do autoconhecimento. Para tanto, o professor deverá
adotar uma postura que privilegia a polissemia, o dialogismo, permitindo que:

Alunos e professores falem com suas vozes o discurso das suas vidas,
que lhes dá chance de somar suas falas às dos colegas, para contestar,
concordar, sair do mundo escolar a partir do texto, buscando outras
referências, colhidas na TV, na música, no humor, nas histórias e fatos do
bairro, no trabalho, no namoro, enfim, nesse todo que é o conhecimento
que eles dominam. (SANTA CATARINA, 2005, p. 41).

O professor, neste fazer, deverá contemplar histórias do dia a dia, contos,


fábulas, lendas, parlendas, músicas, poesia, novela, crônica, piadas, filmes,
romances, histórias em quadrinhos, ou seja, uma prática pautada no contato com
os diversos gêneros textuais. Apresentamos, a seguir, algumas possibilidades
de atividades a serem realizadas com o jovem leitor, estas, no entanto, já são
conhecidas. Assim, nossa pretensão é tão somente refletir que o sucesso depende
de ações planejadas com objetivos bem definidos.

133
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

2 LEITURA DO MUNDO: A LITERATURA


Vejamos algumas possibilidades de práticas, propondo atividades, como,
por exemplo, a roda de leitura. Um momento de contato, primeiramente individual,
com a literatura, para em seguida integrar-se com o grande grupo, expondo as
leituras, a elaboração de comentários, de análise e reconhecimento da palavra. É
no conjunto dessas atividades que se amplia o vocabulário e a troca de informações
que podem aguçar a curiosidade por novas leituras.
FIGURA 23 – RODA DE LEITURA

FONTE: Disponível em: <http://escoladavila.wordpress.com/2010/03/18/voce-


adivinhou-eu-adorei-o-livro-que-me-indicou/blog57/>. Acesso em: 5 out. 2012.

Ainda na roda de histórias, o professor, junto com os alunos, procede a


contação de histórias, prática que favorece a escuta e a oralidade. Essa atividade
poderá ser incrementada com o objetivo de exercitar a leitura de obras mais extensas.
Neste caso, a escolha das obras para leitura deverá ser dosada com a leitura de um
determinado número de páginas ao dia. Este procedimento provocará suspense
sobre o desenrolar da história.

O professor poderá também elaborar com a classe um quadro que indique


quais obras foram lidas em sala de aula ou quais os alunos gostariam de ler durante
o próximo mês ou semestre.

UNI

Lembre-se de que Sherazade, personagem de As mil e uma noites, utilizava esta


estratégia para prender a atenção do sultão

134
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

Ao mesmo tempo, você, futuro(a) professor(a), atente para os temas


propostos que são abordados nestas histórias, como amizade, ambição, preconceito,
coragem, responsabilidades, vida, morte. O(A) professor(a), ao propor a prática do
contar, estimula o ler literário, propicia o encontro entre as crianças e a produção
que lida simbolicamente com o real.

A língua, seja na modalidade falada ou escrita, aponta para a organização


de uma sociedade, suas ideias, pensamentos, valores e traços de sua cultura. Esses
reflexos podem ser encontrados na literatura, que desvela, por intermédio da
narrativa, experiências de épocas e sociedades distintas. Inicialmente, as narrativas
eram propagadas oralmente, garantindo o relembrar e o transmitir a sabedoria às
gerações futuras.

Prática muito antiga e universal, na qual as histórias narradas eram e são,


ainda hoje, momentos de trocas, união, diversão e reflexão. Uma mesma história
pode ser narrada em lugares distintos, e poderá apresentar variações quanto às
palavras empregadas, quanto à sequência, aos elementos empregados e ao enredo.

Porém, as inovações ou variações realizadas pelo contador devem ser


aceitas pelos ouvintes, somente assim poderão fazer parte do repertório coletivo
da tradição. É nesse sentido que o espectador participa da criação e transformação
da cultura popular.

No momento da narração, palavras ou frases se repetem, como é o caso


das expressões “era uma vez” e “viveram felizes para sempre”. Uma palavra,
uma pausa, um tom de voz... Adéqua-se o gesto à história narrada, com o intuito
de envolver a plateia. Para as crianças e adolescentes, ouvir histórias poetizadas,
cantadas, é um sedutor exercício de investigação e experimentação e, portanto,
construção de conhecimento. O narrador com arte prende a atenção do ouvinte.

De acordo com esse pensamento, fomentar o imaginário por meio da contação


de narrativas, de histórias diversificadas, favorece o contato do aluno com a cultura
escrita, tornando-o inquieto pelo desejo do ler. Cléo Busatto relata algumas nuances
que auxiliam no momento de elaborar uma atividade que envolva o contar histórias.

Para a autora, contar histórias é diferente de representar, entretanto, ao se


iniciar a contação, começam a surgir os primeiros sinais de que a representação está
ali inserida. Neste fazer colocamos em ação também a linguagem teatral, um recurso
didático rico, porém algumas distinções se fazem necessárias:

No teatro buscamos o gesto exato de cada personagem, sua voz, seu


pensamento, de tal maneira que ele se apresente inteiro para quem
esteja assistindo. Na narrativa este personagem será concebido pelo
ouvinte através dos elementos oferecidos pelo narrador, muitas vezes
não mais que meia dúzia de palavras, as quais fornecem elementos
suficientes para que o personagem crie vida na imaginação do ouvinte.
(BUSATTO, 2003, p. 74).

135
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

O teatro é a arte de apresentar, ou melhor, representar as ações da narrativa


e a arte de descrever as ações. No entanto, isso não nos impede de nos apropriarmos
da linguagem teatral no momento da contação. “O que deve orientar a atividade
de contação é manter a característica do narrar e não deixar que se sobressaia a do
representar teatralmente” (BUSATTO, 2003, p. 74). Tal postura garante ao ouvinte
“a possibilidade de imaginar os personagens e as suas ações, sem determinar
através de um corpo e uma voz como é aquele personagem, e qual é a ação que ele
está executando” (BUSATTO, 2003, p.75).

Na contação, é o narrador a conduzir a história. Um gesto, uma mudança


de tom de voz, remeterá a criança ao mundo da imaginação, do faz de conta.

Exemplificando: a autoridade de um pai poderá ser traduzida por


um pequeno movimento de mão, acompanhado da sua intenção
correspondente. Isto, aliado à fala do pai, é o suficiente para a criança
imaginar como ele impõe respeito. Não é preciso mudar a voz, mesmo
porque seria muito fácil cair na caricatura da autoridade. O Lobo Mau
não precisa falar grosso para demonstrar a sua ferocidade. Um desenho
no ar, um pequeno tom já traduz a sua malvadeza. O que podemos
carregar do teatro é justamente a intenção que carrega um ritmo preciso.
(BUSATTO, 2003, p. 75).

O narrador deverá ter o cuidado de não exagerar nos gestos, considerando


o fato de levar ao ouvinte a imagem visual. Ainda segundo Busatto (2003, p. 76),
narrar em pé é mais estimulante, assim o contador poderá observar esta ocupação
espacial e os ouvintes à sua frente, “buscar os olhos de cada um, propondo e
mantendo uma atitude intimista”.

O uso de objetos também poderá ser explorado como recurso. Estimular


a partir do uso de objetos não significa que se deva usar os objetos descritos pelo
conto:

Você até poderá se munir de alguns objetos comuns, como caixa de


fósforos, palitos, lápis e borracha, e fazer deles os personagens de uma
história, porém isso faz parte de outra técnica: é teatro de animação de
formas. Não é assim que vejo o uso de elementos durante uma narrativa,
porém não fecho esta questão em certo X errado. O que exponho aqui
é apenas a minha forma de enxergar a técnica. (BUSATTO, 2003, p. 77).

Sendo assim, ao contar histórias podemos nos apropriar dos elementos do


teatro, mas com bom senso. É importante que o uso da linguagem teatral, de objetos
e outros recursos não esclareça tudo, que a imaginação faça a sua parte, que cada
ouvinte “retire do conto aquilo que necessita, e que a partir dele se faça um estimulante
exercício imaginativo” (BUSATTO, 2003, p. 77).

A contação deve ser preparada cautelosamente: leia boas versões, escolha


histórias que tocam seu coração, “a ponto de fazer com que você disponha do seu
tempo para prepará-las, e depois narrá-las a quem deseja ouvir” (BUSATTO, 2003,
p. 77). Após a escolha, atente que a dinâmica de contar e ouvir é de grande valia
em sala de aula, pois sempre fascinaram, uma vez que os alunos compartilham
leituras.
136
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

Todos os gêneros podem ser explorados para a atividade de contação.


Destacamos aqui as fábulas. Estas devem fazer parte do repertório, uma vez que
promovem discussões em torno de temas como a solidariedade, a desigualdade, a
vaidade, a vida, a morte. Narre-as e proponha debates sobre:

l A atualidade do tema.;
l A moral destacada na contemporaneidade;
l Mudanças ocorridas;
l Contrapontos com textos escritos recentemente.

Outro modo de expandir a leitura da literatura e o conhecimento é propor


uma atividade cujo objetivo é encontrar elementos intertextuais pela comparação
entre dois ou mais textos. O aluno, durante a leitura, identifica quais elementos estão
presentes que podem fazer referência à forma, às personagens, ao tema, a palavras,
a frases. Feita a leitura e a constatação dos aspectos intertextuais. O professor poderá
ainda propor que os alunos elaborem o seu próprio texto, tendo por base uma história,
um desenho, um quadro. O objetivo dessa atividade é considerar a intertextualidade
como uma possibilidade dialógica que contribui para a leitura e escrita.

Lembre-se de que a intertextualidade pode ser entendida como a superposição


de uma frase, um tema, uma personagem, uma imagem, um texto da literatura a outro
texto. Está presente nos livros, nas propagandas, novelas, filmes. Proponha um estudo
comparativo, por exemplo, entre Chapeuzinho Vermelho e as versões desse clássico,
a exemplo de: Capuchinho Vermelho, de Charles Perrault, e Chapeuzinho Vermelho,
dos Irmãos Grimm, observando a intertextualidade com textos mais contemporâneos:
Chapeuzinho Vermelho de Raiva, de Mário Prata, Chapeuzinho Amarelo, de Chico
Buarque, Fita Verde no Cabelo, de Guimarães Rosa, Cabelinho Vermelho e Lobo Bobo,
de Ronaldo Bôscoli e Carlos Lyra, e Chapeuzinho Verde, de Augusta Faro.

FIGURA 24 – TÍTULOS DE VÁRIOS LIVROS INFANTIS

FONTE: Disponível em: <http://lpressurp.wordpress.com/2010/03/22/


projeto-de-leitura-%E2%80%9Cque-historia-e-essa%E2%80%9D/>.
Acesso em: 5 out. 2012.

137
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

Essa análise possibilita observar, além da intertextualidade, aspectos


ligados às normas e valores de épocas distintas, uma proposta de leitura que
configura uma sociedade emancipatória e democrática.

Outra categoria editorial que vem ganhando força são livros nos quais
prevalece a função referencial, transmitindo a informação objetivamente, de forma
precisa e denotativa. É a linguagem do jornalismo, dos noticiários. Está centrada
no referente, ou seja, naquilo de que se fala, geralmente escrita em terceira pessoa,
com frases estruturadas na ordem direta.

Entretanto, muitos dos livros de cunho informativo revelam alguns


parâmetros estéticos e, para tanto, se valem de recursos lúdicos e artísticos. Para
Mattos (2006, p. 115), tais publicações devem ser avaliadas “a partir de um duplo
critério: o primeiro diz respeito à correção, adequação e pertinência do seu conteúdo
informacional; o segundo, à qualidade de seu discurso artístico e estético”.

Sendo assim, aproprie-se destes textos com o escopo de aprimorar a função


referencial da linguagem característica de um texto informativo. Para tanto,
aproveite as histórias que vão desde contos tradicionais e/ou até as aventuras
encontradas nos livros de Harry Potter poderão servir de texto base.

Vejamos: você pode narrar a história, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho,


solicitando aos alunos que atentem para os acontecimentos que vão sendo arrolados.
Em seguida, proponha a elaboração de uma notícia de jornal, informando: o que
aconteceu com a menina e sua avó, o lobo, o caçador, o rapaz, o bruxo... Suscite
questões que auxiliem o aluno a escrever a notícia: O que aconteceu? Onde? Quem
estava envolvido? Por quê? Quando? Como? Além disso, o texto deverá conter uma
manchete interessante, com letras em destaque e com um título curto, devendo ser
clara, objetiva, informativa e de fácil compreensão. A cada parágrafo o aluno deverá
acrescentar um dado novo. Mostre ao aluno como são elaborados estes textos, utilize
jornais que circulam na cidade, exemplificando a dinâmica de construção do texto:

a) o primeiro parágrafo apresentará um resumo do fato;

b) o segundo informará onde e quando o fato ocorreu e quais as pessoas envolvidas;

c) os demais parágrafos deverão relatar a sequência dos fatos, até finalizar a notícia.

Importante também é abrir espaço para falar desinteressadamente sobre
leituras, recomendação de leituras, promover júris, audição de músicas, sessões
de vídeos e de filmes de interesse do grupo, e, de acordo com a idade dos alunos,
estabelecer relações e provocar neles a curiosidade para que investigue o momento
histórico e social no qual autor e obra estão inseridos, fazê-los observar possíveis
intenções do autor, o gênero, a escola literária, o momento político, o pensamento
filosófico predominante (SANTA CATARINA, 2005).

138
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

Aproveite estes momentos para discutir questões pertinentes à ambiguidade


que envolve muitas manchetes de jornais e revistas. Estabeleça relações, explore
os conhecimentos prévios dos alunos e levante questões pertinentes ao texto.
Tenhamos em mente que quanto mais a criança for exposta ao exercício de leitura
de vários gêneros e temas, mais ela perceberá o poder da palavra e a ação da
linguagem sobre o pensamento humano. E ainda, a diversidade dos textos, sem
dúvida, possui o intento de atender às necessidades de um público que tem gostos,
interesses e demandas diferentes e favorecerá a função de conquistar o jovem para
a leitura da palavra, de garantir o desenvolvimento da criatividade, da criticidade,
para que haja e interaja com seus pares e exerça a democracia.

Vale ainda ressaltar a necessidade de evidenciar aspectos pertinentes à


linguagem do texto literário. Uma ideia é possibilitar o contato com textos de autores
diversos e/ou gêneros diversos, mas que abordem a mesma temática, a exemplo
da temática que envolve amor e traição. Sendo assim, programe aulas com autores
que escreveram histórias com esses temas, assista a um filme que aborde a mesma
temática explorando visões e épocas diferentes. Quem sabe, aborde a traição a
partir de escolas literárias distintas. Para tanto, escolha Madame Bovary, do autor
Gustave Flaubert, e São Bernardo, de Graciliano Ramos. Neste fazer, questione as
verdades, os estereótipos, investigue comportamentos, compare estilos, o início e
o final das tramas, confronte a linguagem cinematográfica com a literária.

Outra possibilidade que deve ser explorada em sala de aula é a de


comparar estilos de autores, épocas e nacionalidades distintas. A título de
exemplificar, comparamos o estilo do escritor brasileiro Machado de Assis com
o do escritor italiano Luigi Pirandello. Elencamos algumas características que
revelam semelhança nos escritos desses dois autores: o humorismo e a conversa
do narrador com o leitor.

UNI

Luigi Pirandello nasceu em Agrigento, na Sicília, em 28 de junho de 1867. Fez


seus estudos universitários em Palermo, Roma e na Alemanha, concluindo o curso de Filologia.
Tornou-se professor de uma instituição de ensino médio e deu aulas particulares. Pirandello,
além das aulas, intensificou sua produção literária. Em 1889 foi editado o primeiro livro do autor,
Mal Giocondo.
O escritor morreu em 10 de dezembro de 1936, em Roma, no mesmo ano em que recebeu o
Prêmio Nobel de Literatura, não só pelo conjunto de sua obra, mas, principalmente, pelo sucesso
de não só levar aos palcos histórias de aristocratas e burgueses, mas uma nova forma de teatro,
o “teatro no teatro”. Foi o próprio Pirandello que assim nomeou o seu teatro, talvez pelo fato de o
autor fazer uso da metalinguagem. Suas personagens discutiam seus próprios papéis, a influência
do autor da peça e, de certa forma, a relevância do teatro para a vida de um povo. Das obras
traduzidas para o português que corroboraram para o reconhecimento do autor como romancista
e dramaturgo no Brasil, destacamos: O Finado Matias Pascal; Seis personagens à procura de um
autor; Henrique IV; Um, nenhum e cem mil; Os velhos e os moços; O humorismo; Esta noite
se representa de improviso; Cada um a seu modo.

139
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

Quanto à presença do humorismo, destacamos que a visão naturalista e


realista não retratava completamente a complexidade do subjetivismo, o ser e seu
íntimo. Pirandello e Machado de Assis assinalam várias de suas obras com esse
toque de humorismo.

Conforme Pirandello, um escritor poderia fazer uso da ironia, da comicidade


ou do humorismo. Cada qual possui características distintas, embora sutis, muito
bem descritas em seu ensaio O humorismo, de 1908. Para Pirandello, o humor é
diverso do cômico, este não leva à reflexão. É do humor que surge a reflexão, a
partir da qual a representação frente à realidade passa a ser profunda, pois ao se
refletir, abrir-se-á mão do divertimento. Em citação do próprio autor, neste ensaio,
tem-se a explicação:

Vejo uma velha senhora, com os cabelos retintos, [...] toda ela torpemente
pintada e vestida de roupas juvenis. Ponho-me a rir. [...]. Assim posso,
à primeira vista e superficialmente, deter-me nessa impressão cômica.
[...] advertimento do contrário. Mas se agora em mim intervém a reflexão
e me sugere que aquela velha senhora [...] pensa que, assim vestida,
escondendo assim as rugas e as cãs, consegue reter o amor do marido,
muito mais moço do que ela, eis que já não posso mais rir disso como
antes, porque precisamente a reflexão, trabalhando dentro de mim, me
leva a ultrapassar aquela primeira advertência, ou antes, a entrar mais
em seu interior: daquele primeiro advertimento do contrário ela me fez
passar a esse sentimento do contrário. E aqui está toda a diferença entre o
cômico e o humorístico. (PIRANDELLO, 1999, p. 147).

Há que se considerar que não há nada de inocente no humorismo


pirandelliano, ou no humorismo machadiano. É para o leitor que é dado a
interpretar, inferir, concluir sobre fatos aparentemente insignificantes, temperados
com humorismo, os dissabores da vida. A dor é disfarçada de riso. A essência do
humorismo é a do riso, que se encontra próximo ao doloroso.

Já Machado de Assis inicia o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas


fazendo uso desse recurso: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu
cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas” (ASSIS, 1994,
p. 1).

Nos escritos do italiano Pirandello, traços desse humor podem ser


percebidos quando o protagonista do romance O finado Matias Pascal nos leva ao
riso ao narrar o fato de seu olho esquerdo não acompanhar o direito, como no
dia em que resolveu começar a ser leitor: “[...] e sim senhores comecei a ler, eu
também e, só com um olho, porque o outro se recusava a semelhante prática”.
(PIRANDELLO, 1970, p. 98); ou quando narra sua alegria por finalmente, em seu
primeiro emprego – bibliotecário –, encontrar uma ocupação:

De vez em quando, das prateleiras se precipitavam dois ou três livros,


acompanhados de certos ratos, tão grandes quanto coelhos. Foram,
para mim, como a maçã de Newton. [...] E, para começar, escrevi um
elaboradíssimo requerimento [...] a fim de que fosse com a maior
urgência provida [a biblioteca] de pelo menos uns dois grandes gatos,

140
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

cuja manutenção não acarretaria despesas à Administração Pública.


(PIRANDELLO, 1970, p. 96).

Ou ainda, quando vai “visitar-se” no cemitério, “[...] de vez em quando vou
até lá, para me ver morto e sepultado” (PIRANDELLO, 1970, p. 281).

Observe que nestas passagens a reflexão abre espaço para múltiplas


interpretações e significados: sujeito dividido entre seguir as regras íntimas ou
aquelas impostas pela sociedade, um indivíduo fragmentado; uma sociedade fadada
à ignorância, longe dos livros; com objetivo.

UNI

No romance Memórias póstumas de Brás Cubas, o narrador narra em primeira


pessoa. A personagem narra postumamente, ou seja, após sua morte. Um defunto-autor e não
um autor-defunto, alguém que já não pertence mais a este mundo, é quem decide escrever suas
memórias. Assim, podemos dizer que a história se desenrola em dois tempos: um psicológico,
no qual o autor além-túmulo relata sua vida com digressões que se afastam da ordem temporal
linear. Quanto ao tempo cronológico, podemos destacá-lo nos acontecimentos que obedecem
à ordem lógica e linear: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte.

As personagens pirandellianas e machadianas contam sua vida e intercalam


a narração, em primeira pessoa, com frequentes explicações para quem as “escuta”,
justificam para si e explicam aos outros os acontecimentos que motivaram seus
atos.

O protagonista provoca o leitor em uma série de afirmações, interrogações,


exclamações, por vezes imperativas, em outras como que num pedido de desculpas,
provocando o leitor.

A intromissão é recorrente nos romances pirandellianos. O fragmento


retirado do romance Um, nenhum e cem mil marca esse recurso:

Eu queria estar só de modo inusitado, totalmente novo. O oposto do


que vocês pensam: isto é, sem mim e, portanto, com um estranho por
perto.
- Isso já lhes parece um primeiro sinal de loucura?
Pode ser que a loucura já estivesse em mim, não nego, mas peço que
acreditem que o único modo de se estar realmente só é este que lhes
digo. (PIRANDELLO, 2001, p. 29).

Para Compagnon (2003, p. 151), quando o autor faz uso dessa técnica,
“construir seu leitor da mesma forma que ele constrói seu segundo eu”, está
reservando um lugar para o leitor, que poderá ocupá-lo ou não, julgar da mesma
forma que o narrador ou não.

141
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

Vejamos essa intromissão nos escritos de Machado de Assis. No romance


Quincas Borba, o escritor contextualiza o leitor sobre quem é Quincas:

Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias


póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que
ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia.
Aqui o tens agora em Barbacena. Logo que chegou, enamorou-se de
uma viúva, senhora de condição mediana e parcos meios de vida; mas,
tão acanhada que os suspiros no namorado ficavam sem eco. Chamava-
se Maria da Piedade. Um irmão dela, que é o presente Rubião, fez todo
o possível para casá-los. Piedade resistiu, um pleuris a levou”. (ASSIS,
1994, p. 3).

Outro fator que pode ser mote para o confronto de escritos, estimulando o
gosto pela leitura e a observância do engendramento dos textos escritos, poderia ser
a análise das construções sintáticas. O escritor Pirandello resgatou as construções
sintáticas próximas da linguagem falada e, para tanto, optou pelo colorido dialetal,
o que de certa forma dá continuidade à herança linguística. De acordo com Cesarini
e Federicis (1996), essa maneira singular de escrever permitiu mostrar como, na
narrativa, as personagens manifestam uma identidade subjetiva não separada da
sua cultura. O intento não era o de responder a gostos e a exigências de leitores,
mas de “deixar falar” as personagens com sua vivacidade e singularidade. Nas
palavras de Pirandello: “O movimento está na língua viva e na forma que se cria.
E o humorismo, que não pode prescindir dela, encontrá-lo-emos - repito - nas
expressões dialetais, na poesia macarrônica e nos escritores rebeldes à retórica”
(PIRANDELLO, 1999, p. 76).

No Brasil o emprego de uma escrita mais próxima da fala na literatura


tornou-se símbolo de identidade nacional. Essa tendência iniciou-se com o
romantismo e pode ser detectada em autores como José de Alencar ou Gonçalves
Dias, que empregavam expressões de origem indígena ou construções sintáticas
utilizadas no Brasil, em suas obras. Entretanto, os escritos literários com ênfase em
características nacionalistas culminam no Modernismo com Oswald de Andrade e
Mário de Andrade, entre outros. Para tanto, leia Macunaíma, de Mário de Andrade.
A obra revela uma escrita com idiomatismos, que são compreendidos dentro do
contexto.

Escritores como José Lins do Rego e Graciliano Ramos, Jorge Amado ou


Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, para citar alguns exemplos, estabelecem a partir
de seus textos uma proximidade com a língua oral, falada no Brasil, dando uma
cor local a suas obras.

Atentar para estes traços na obra é um convite à percepção estética. Como


nos diz Umberto Eco (2003, p. 6), “um poder imaterial que de alguma forma pesa”,
um convite à leitura por deleite, por curiosidade de desvendar os segredos da
alma, por prazer em apreciar uma forma “especial” de linguagem que difere da
forma cotidiana e, por isso, chamada de arte.

142
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

UNI

Resumo da obra Um, nenhum e cem mil, de Pirandello: Vitângelo Moscarda, o


protagonista, descobre quando sua esposa comenta, corriqueiramente, que o nariz dele inclina-
se ligeiramente para a direita, fato nunca observado pelo protagonista, que entra em desespero
ao se dar conta, a partir deste detalhe, que ele não é exatamente aquele que acreditava ser.
Assim, dá-se início uma busca do conhecer-se entre um, nenhum e cem mil.
O romance O finado Matias Pascal foi escrito em 1904, narra a história do pequeno burguês
Matias Pascal, que pertencia a uma família abastada da região da Sicília, mas com a morte do
pai e a contratação de Malagna, um administrador desonesto, a família acaba na miséria.
Anos mais tarde, Matias casa-se com Romilda, um casamento necessário e problemático. Para
sustentar a família, começa a trabalhar como bibliotecário. A vida miserável, tanto conjugal
quanto financeira que leva, e a morte pela peste da mãe e da filha, fazem com que Matias
resolva dar um basta e “foge” de sua casa e da cidade. Para na cidade de Monte Carlo, joga em
um cassino e ganha quantia considerável em dinheiro. Pensa muito e resolve voltar para sua
cidade e tentar salvar seu casamento. Na viagem para casa, ainda no trem, lê uma nota num
jornal que o surpreende e o faz mudar de ideia: a notícia de seu suicídio. Sua pseudomorte
servirá para que ele sonhe com a liberdade.

FONTE: Adaptado de: Encontro e confronto do (in) visível na tradução do romance Il fu Mattia
Pascal de Pirandello. PASQUALINI, Joseni Terezinha Frainer, 2005, p. 50-53.

Assim, diante da exposição de algumas peculiaridades desses escritores,


vale ressaltar a importância de estabelecer como rotina a observância entre um e
mais autores e gêneros, confrontando, analisando e fomentando a discussão em
sala de aula.

O mesmo poderá ser planejado com poesias e com músicas. O desafio de


se fazer descobertas em relação ao mundo da música, das artes, da moda e de
comportamentos expande o conhecimento do gênero poético. O contato com as
trovas, os desafios dos repentistas, a literatura de cordel, bem como as composições
musicais das bandas contemporâneas, possibilitam o reconhecimento do que a
sociedade estabelece por literário e não literário.

A poesia na escola promove a integração, possibilita a representação como


forma de expressão corporal, desenvolve a eloquência, a autoestima e favorece
a criatividade. Associada a outras formas de arte, cumpre na escola um papel
integrador, na medida em que revela a essência da expressão do homem. Por sua
ação sobre os processos emocionais, ela desencadeia a liberdade de criação, de
troca, de espontaneidade e socialização.

A poesia pode ser entendida, se é que devemos entendê-la, como certo


modo de “ver e sentir as coisas” carregadas de encanto. É a magia da palavra que
se multiplica, porque a poesia é imagem, som, emoção e sensação.

143
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

Para Nelly Novaes Coelho (2000, p. 222), “[...] o jogo poético, além de
estimular o olhar de descoberta nas crianças, atua sobre todos os sentidos,
despertando um sem-número de sensações visuais, auditivas, gustativas, olfativas,
tácteis, comportamentais e outras”.

Nesse sentido, coloca-se a importância do espaço a ser concedido à poesia


na escola e sua necessidade numa ação formadora. A poesia é uma das mais
elaboradas formas de expressão verbal, é um trabalho da linguagem sobre si
mesma. Na linguagem poética, as palavras se condensam de modo exato e belo,
provocando encantamento.

Quando pensamos em poesia para o leitor infantojuvenil, precisamos


refletir sobre as peculiaridades que revestem esse gênero, reveladas nos ritmos, nas
imagens, nos temas, nas metáforas, na conotação, na subjetividade e na linguagem.

3 A DESCOBERTA DA POESIA
Além disso, é importante reconhecer que a partir da escrita nos meios
eletrônicos - informação digital ou hipermídia - surgem novas formas de leitura.
O aluno, diariamente, está em contato com a televisão, o rádio, as revistas, o
computador e a internet, recursos que respondem mais facilmente às necessidades
imediatas dos jovens e crianças. No meio digital não existe a obrigatoriedade imposta
de prazos, das fichas de leitura, títulos, como “garantia” de leitura realizada. O
acesso a essa nova tecnologia é atrativo e, também, propicia conhecimento.

Pensar na tecnologia implica pensar em mudanças, em aprimoramentos. É


certo que algo deve ser feito, com uma pedagogia mais apropriada para a criança
e o jovem que frequenta a escola, que não vive sem o computador, a televisão, o
celular e tantas outras tecnologias que fazem parte do universo virtual no qual
estamos inseridos. Sendo assim, o educador, consciente de seu papel transformador,
buscará metodologias, com novas formas de despertar na criança e/ou adolescente
o gosto pela descoberta da leitura literária, sem, no entanto, desconsiderar o valor
estético.

Caro(a) acadêmico(a), embora o texto literário não deva servir de pretexto,


estas reflexões e sugestões são o princípio de uma discussão. Para tanto, é
imperativo que o professor amplie seu conhecimento e visão acerca da literatura
infantojuvenil, atualizando-se quanto às publicações, bem como observar o gosto
literário dos alunos. O texto literário é o instrumento de trabalho importante, e
não usá-lo ou desconhecê-lo demonstra falta de idealização, planejamento e
despreparo.

144
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

Falando de livros

"O livro é a casa


onde se descansa
do mundo.

O livro é a casa
do tempo,
é a casa de tudo.

Mar e rio
no mesmo fio,
água doce e salgada.

O livro é onde
a gente se esconde
em gruta encantada".
FONTE: Roseana Murray. in Carteira de identidade, ed. Lê, 2010.

Observe como a autora Roseana Murray se utiliza de figuras de estilo e, de


maneira poética, escolhe uma linguagem elaborada para falar do livro. É um fazer
especial com as palavras.

Embora não nos demos conta, a criança recebe ainda no berço o primeiro
contato com a poesia e seus elementos: o ritmo e a rima, manifestados na voz que
acalenta, nas cantigas de ninar e, mais tarde, na musicalidade das parlendas, das
brincadeiras de roda, nos trava-línguas, nas adivinhas, jogos da tradição oral.

O aproveitamento das estruturas rítmicas, aliado ao controle da respiração,


das expressões da fala, da postura, além de possibilitar o desenvolvimento
cognitivo e a motricidade, é fator positivo no processo do domínio da palavra.
São essenciais para o desenvolvimento do ser humano no plano linguístico e no
psicológico, que se desenvolve através das atividades corporais, musicais e outras.
Percebe-se, assim, a importância da poesia já nas séries iniciais e no preparo
adequado e cuidadoso quando da exploração desse gênero textual. Como afirma
Ligia Morrone Averbuck (1993, p. 57), “[...] a poesia não pode ser ensinada, mas
vivida: o ensino da poesia é, assim, o de sua descoberta”. A experiência com a
poesia visa aguçar a emoção, a fantasia e a sensibilidade do jovem leitor. A poesia
possibilita à criança o gosto pelo jogo rítmico e o jogo da linguagem, ao mesmo
tempo é lúdica e libertadora.

De todos os gêneros a serem explorados em sala de aula, deve a poesia ser a


menos comprometida com os aspectos ligados à moral, à instrução e à exploração
de atividades obrigatórias de “entendimento” do poema lido. É fundamental
que a poesia seja apresentada e vivenciada com frequência no espaço escolar e
seja selecionada cuidadosamente, a fim de propiciar a sensibilidade para a arte

145
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

poética no aluno, através de textos diversificados, com ou sem rima, curtos e mais
longos, temas, autores e épocas variados, poesias complexas e/ou simples. E ainda,
oportunizar novas formas de expressar seu “entendimento” de poesia, através de
desenhos, colagens, pintura, bem como a tentativa de criação de novos poemas.

Essas e outras oportunidades constituem, para a criança, meios eficazes e


válidos no desenvolvimento da criatividade e da sensibilidade frente a um texto
poético. Não se trata de que a escola deva assumir a responsabilidade de fazer
poetas. Para Averbuck (1993, p. 67), “[...] é importante que a escola desenvolva
no aluno habilidades e competências para sentir a poesia, apreciá-la e percebê-
la como uma forma de comunicação com o mundo”. Sugere-se que o professor
explore o texto poético que é carregado de significado, de ritmo, cadência e
melodia. O contato com a poesia é, portanto, o da descoberta, do jogo das palavras
e do domínio da sonoridade.

Para a criança alfabetizada, uma forma de desenvolver a imaginação


e a criatividade é a decomposição de textos poéticos, “criando” novos poemas.
Para que ela seja atraída pela magia da palavra poética, é preciso “[...] criar uma
atmosfera de uma legítima oficina poética, em que a desconstrução dos textos seja
o caminho para novas construções” (AVERBUCK, 1993, p. 76).

Já nos níveis mais avançados de escolaridade, pensando nos adolescentes,


o professor poderá também lançar mão da música. A utilização dos textos musicais
favorece a aproximação de uma linguagem que fala diretamente ao jovem.

Outro aspecto muito importante a ser valorizado por parte do professor


quanto à exploração da poesia em sala de aula é a questão da disposição da palavra
no espaço do papel. A poesia, especialmente a moderna, utiliza-se desse recurso
denominado poema figurado, composição poética “[...] cujos versos se organizam
de modo a sugerir a forma do objeto que lhe serve de tema” (MOISÉS, 2004, p. 357).
Podemos citar como exemplos de temas de poema figurado corações, asas, flores.
Essa percepção poderá ser desenvolvida através da apresentação, ao jovem leitor,
de poemas diferenciados graficamente. Observe como o escritor Sérgio Capparelli
(2008) trabalha com o poema visual, em seu livro Tigres no quintal:

146
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

FIGURA 25 – A PRIMAVERA ENDOIDECEU

FONTE: Disponível em: <http://paginasefolhas.blogspot.com.br/2009/07/dia-


de-sol-com-poema.html>. Acesso em: 10 abr. 2013.

A partir da leitura de poemas, o professor poderá propor uma oficina de


criação escrita, prática que atrai os alunos pela gama de artifícios que o gênero
oferece. Além disso, a poesia infantil da modernidade recobre-se de significações
múltiplas: palavras, imagens, rimas, sonoridades, forma, cor e luz.

Caro(a) acadêmico(a), como você já estudou nos módulos anteriores, a


poesia apresenta várias formas líricas fixas, tais como: a balada, a canção, a elegia,
a ode e o soneto, formas essas a serem exploradas pela literatura infantojuvenil.
Uma agradável sugestão para o trabalho com a poesia em sala de aula poderá ser a
utilização de uma forma lírica, de origem japonesa, denominada haicai.

UNI

NAVEGUE: Guilherme de Almeida começou a escrever haicais em 1936. Sistematizou


as suas ideias sobre o que seria o haicai em português: um terceto com 5-7-5 sílabas, dotado de
título, sendo que o primeiro verso rima com o terceiro, além de contar com uma rima interna no
segundo verso, entre a segunda e a sétima sílabas.

147
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

O haicai é um poema caracterizado pela brevidade, composto por três


versos, somando 17 sílabas, o primeiro e o terceiro com cinco e o segundo com sete.
Essa composição estaria de acordo com as fases da existência humana: ascensão
– apogeu – decadência. Com um dos mais famosos poetas japoneses, Matsuo
Bashô, no século XVII, o haicai ganha importância, grandeza e a solenidade que o
distinguem até hoje.

Semelhante pela forma a um epigrama, o haicai deve concentrar em


reduzido espaço um pensamento poético e/ou filosófico, geralmente inspirado
nas mudanças que o ciclo das estações provoca no mundo concreto. (MOISÉS,
2004, p. 217). Era, em sua forma original, destituído de rima. Seus temas não
abordam moralidade ou tudo quanto possa atentar contra a vida humana. Seu
objetivo é atingir a simplicidade, tendo como artifício a humanização da natureza
e a correspondente naturalização do ser (MOISÉS, 2004, p. 217). O haicai tem
integrado a obra de ilustres poetas brasileiros como Guilherme Almeida, Manuel
Bandeira, Paulo Leminski e outros. Leia o haicai de Guilherme de Almeida:

FIGURA 26 – HAICAI DE GUILHERME DE ALMEIDA

INFÂNCIA
Um gosto de amora
Comida com o sol. A vida
Chamava-se "Agora".

AQUELE DIA
Borboleta anil
que um louro lafinete de ouro
espeta em Abril

FONTE: Disponível em: <http://poemas-de-sol.blogspot.com.br/2010_11_01_archive.html>.


Acesso em: 10 abr. 2013.

UNI

Caro(a) acadêmico(a), sobre a poesia, sugerimos a leitura do Caderno de Estudos:


Teoria da Literatura, cujo material é indispensável para alargar os conhecimentos sobre este
importante gênero literário.

148
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

Vejamos como ocorre a contagem das sílabas dessa forma de poesia.


Lembre-se de que quando fazemos a separação das sílabas poéticas, levamos em
conta o ritmo das palavras e não a divisão silábica gramatical. Na divisão poética,
as vogais átonas são agrupadas em uma única sílaba e a contagem das sílabas
segue-se até a última sílaba tônica.

Um | gos | to | de a | mo | ra (5)
Co | mi | da | com | sol. | A | vi | da (7)
Cha | ma | va |-se “A | go | ra”. (5)

Conforme Miguel Almir L. de Araújo (2002, p. 60), “[...] a poesia une o lúdico
e o lúcido nos processos de aprendizagem, no desenvolvimento de inteligências
meditativas e sensíveis, flexíveis e audaciosas”. Ultrapassa as dimensões ordinárias
da linguagem instrumental retilínea – que tem exercido predominância na rotina
da sala de aula - , levando aos horizontes do extraordinário que renova, transmuta
e vivifica.

Para incrementar essa atividade, outra possibilidade relacionada à poesia


consiste na elaboração de um caderno de poemas. Cada aluno terá um caderno
destinado à poesia e, num sistema de rodízio, cada uma escreverá um poema
para o colega. O caderno poderá manter a rotatividade até que todos participem
escrevendo e recebendo poesias. Lembre-se de que nesta atividade, a intervenção
do professor é somente a de viabilizar a circulação dos cadernos. Além disso, as
poesias poderão ser de autoria dos alunos ou de autores consagrados.

Enfatiza-se, portanto, a possibilidade de reintroduzir a poesia na vida


(MORIN, 1998, p. 44), “buscando textos poéticos que ofereçam possibilidades
de convivência mais sensível com o outro e consigo mesmo”. Somente a poesia
poderá nos levar a essa percepção. Certamente, esse convívio deve começar dentro
das salas de aula não como proposta exigente, mas prazerosa e partilhada.

3.1 O TEATRO

O teatro sempre foi uma forma de expressão artística profundamente ligada


à comunidade. Mesmo com a expansão da mídia, não perdeu seu espaço, a presença
física do artista e do espectador é insubstituível. Os sentimentos vivenciados e
expressos no teatro provocam, além das sensações e emoções dessa atividade, a
possibilidade do aluno colocar-se no lugar do outro, desenvolver e priorizar a noção
do trabalho em grupo, perder continuamente a timidez e ampliar o seu repertório
cultural.

O teatro surgiu com as festas chamadas dionisíacas, celebradas na Grécia


em honra a Dionísio, deus da fertilidade e do vinho. Essas comemorações eram
realizadas em época de colheita ou quando se fabricava o vinho. Nas festividades
havia cantos, danças e representação da vida de Dionísio.

149
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

A arte teatral era tão popular na Grécia Antiga que anualmente eram
promovidos concursos de textos teatrais. Os autores escreviam as peças, as
encenavam para o público e para uma comissão julgadora, que premiava o melhor
trabalho. O teatro grego, além de retratar o cotidiano do homem, evidenciava
costumes, personalidades, deuses e belezas da Grécia. Desde os tempos mais antigos
é fonte de cultura, educação, diversão e lazer. Da Grécia foi levado para Roma e dela
para o mundo.

Um texto teatral apresenta geralmente três partes: a exposição, o conflito e o


desenlace. A exposição revela aos espectadores a situação que “desequilibra” a vida
normal da personagem. Situação que prenderá a atenção do público e se modificará
até o desfecho, ao final da peça.

O conflito é a parte na qual a situação vivida pelas personagens, apresentada na


exposição, chega ao clímax. Há sempre um desafio a ser superado, surgem obstáculos
que se opõem à ação da personagem e esta se esforçará para triunfar. O desenlace é o
relaxamento da tensão instaurada desde a revelação da situação-problema, ou seja, a
catarse. A solução marca os tipos de peça teatral – drama, comédia ou tragédia.

E
IMPORTANT

O termo catarse refere-se à purificação, limpeza e purgação. Esse efeito purificador


da tragédia clássica foi conceituado por Aristóteles. As situações dramáticas, de extrema intensidade
e violência, trazem à tona os sentimentos de terror e piedade dos espectadores. A catarse supera
esses sentimentos e os elimina, proporcionando alívio ou purgação.

O teatro se desenvolve em atos, divididos em cenas. O ato apresenta


acontecimentos que estão diretamente ligados ao eixo central, apresentando uma
resposta, mas não valendo por si só, deixando sempre em aberta para o ato seguinte
parte da situação-problema, mantendo assim o interesse do público. A cena, por
sua vez, representa o ponto culminante de cada ato. A mesma expõe a unidade
mínima de uma peça teatral. Alguns estudiosos empregam o termo quadro como
sinônimo.

No contexto escolar existem várias peças teatrais possíveis de encantar o


público infantojuvenil, bastando, para isso, que elas envolvam os espectadores
com personagens que suscitem a identificação e o apoio do público. As peças
teatrais devem ser ajustadas à idade da criança. Assim, conforme Maria Antonieta
Antunes Cunha (1991, p. 139), teremos:

• De 4 a 7 anos - as histórias de lendas e folclores são apreciadas, bem como as


pantomimas, que são as representações teatrais por meio de gestos.

• De 8 a 12 anos - as histórias que versam sobre personagens do mundo real são


as mais indicadas.
150
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

• De 12 anos em diante as adaptações das obras clássicas terão maiores chances de


sucesso. Obras de Gil Vicente, Martins Pena, Maria Clara Machado, Oswald de
Andrade, Nelson Rodrigues, da escritora inglesa Agatha Christie e Shakespeare,
entre outros.

Trabalhar com o teatro na escola é desenvolver uma atividade visando
aproximar as crianças e jovens dessa linguagem. Para tanto, é necessário colocar
a turma em contato com diversos autores, com estilos variados, e observar o tipo
de texto: tragédia, comédia, situações do cotidiano e/ou mistério. O professor
poderá também sugerir aos estudantes que façam um mapeamento dos folguedos
populares, festas, autos e outras manifestações folclóricas que mais chamam a
atenção do grupo e que possam ser representados na escola.

FIGURA 27 - TEATRO

FONTE: Disponível em: <http://teatroeduca.zip.net/>. Acesso em: 5 out. 2012.

Em uma encenação podem ser transmitidos conhecimentos culturais,


históricos, científicos ou morais, por exemplo, mas eles não devem ser vistos
como objetivo, e sim como consequência. O ideal é que os alunos se envolvam
com a trama e as personagens e sintam prazer em representar. A representação
teatral desenvolve a memória, estimula o senso crítico e artístico e auxilia no
aperfeiçoamento da leitura.

É importante estimular a participação de todos os estudantes, sem exigir o


profissionalismo, observar atentamente a postura e, se possível, fotografar e filmar
as encenações para depois convidar a classe a analisar a montagem. Esse exercício
de autoavaliação serve para aprimorar as próximas apresentações.

151
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

Uma prática muito bem aceita entre os jovens é o teatro de bonecos. O


teatro de marionetes está ligado ao contexto histórico, cultural, social, político,
econômico, religioso e educativo, e por conta da diversidade cultural, regiões
distintas desenvolveram a arte de confeccionar bonecos em diferentes materiais,
revelando traços locais da cultura à qual pertenciam, sendo movimentados por
luvas, fios, varas, sombras, entre outras possibilidades. A Itália ocupou lugar de
destaque na divulgação dessa arte, sendo espetáculos preparados e reservados
para adultos. Esses bonecos eram criados a partir de tipos ou caricaturas que
revelavam traços da personalidade da personagem.

A Comédia da Arte, surgiu na Itália e serviu de inspiração para o


alargamento desta prática. Esses artistas mambembes utilizavam máscaras em
suas apresentações nas mais variadas regiões da Itália, e assim, graças a estas
companhias itinerantes, é que os bonecos foram difundidos em toda a Europa, cuja
arte recebeu nomes distintos. Vejamos alguns: na Itália, o Polichinelo; na Turquia,
o Karagoz; na Grécia, as Atalanas; na Alemanha, o Kasper; na Rússia, o Petruska;
em Java, o Wayang; na Espanha, o Cristovam; na Inglaterra, o Punch; na França, o
Guinhol; nos Estados Unidos, o Muppets; e no Brasil, o Mamulengo.

É arte realizada pelo ator que, por meio do movimento das mãos, o
manipula e narra as histórias, conduzindo a realidade para a magia. O boneco,
com sua expressividade, movimento e sonoridade, encanta e atrai o público.

FIGURA 28 – TEATRO DE BONECOS

FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/artes/teatro-de-


bonecos/>. Acesso em: 5 out. 2012.

No espaço escolar as apresentações podem ser elaboradas e discutidas


pelo grupo, que poderá englobar desde a fabricação do boneco até a transmissão
de temáticas sociais, históricas e/ou políticas, ou seja, o boneco possui um alto
potencial educativo. Ainda que pareça pretexto, constitui mais uma possibilidade
de interação com criatividade, ludicidade e arte.

152
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

UNI

A Comédia da Arte foi uma forma de teatro popular. Teve início no século XV na Itália.

Eram companhias itinerantes, nas quais os atores montavam um palco ao ar livre e proviam
o divertimento através de malabarismo, acrobacias e, mais tipicamente, peças de humor
improvisadas, baseadas num repertório de personagens preestabelecido e que envolviam
temas como: adultério, ciúme, velhice, amor. Faziam uso de um figurino com máscaras, e
até objetos cênicos. O diálogo e a ação poderiam facilmente ser atualizados e ajustados
para satirizar escândalos locais, eventos atuais ou manias regionais, misturados com piadas e
bordões.

Uma variante do teatro de bonecos é o boneco de vara, manipulado através


de varas ou hastes de madeira, plástico ou metal leve. Pode ser tanto um simples
objeto preso numa única vara, como também ser constituído por mecanismos com
várias varas, para movimentar boca, braços e pernas.

FIGURA 29 – TEATRO DE BONECOS DE VARA

FONTE: Disponível em: <http://cecidiantedotrono.blogspot.com.br/2011/02/


teatro-de-varas.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

153
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

Os que são elaborados por uma vara são simples e de fácil confecção,
podendo ser feitos com cartolinas, bolinhas de isopor, de papel, colher de pau,
palitos de churrasco, garfos vestidos com roupas de pano, palitos de picolé,
copinhos de plástico sustentados por palitos. Os que são produzidos com mais
de uma vara são mais complexos e requerem a habilidade de um titereiro para
movimentá-los.

Outra prática que poderá ser explorada é o teatro de fantoches. Assim como
os demais bonecos, é uma atividade que envolve os alunos desde a confecção até
o desenvolvimento de habilidades motoras e apropriação do texto. Além disso, é
uma atividade associada ao lúdico, cujo assunto abordamos na Unidade 1.

FIGURA 30 – TEATRO DE FANTOCHES

FONTE: Disponível em: <http://aposentadosolteoverbo.org/opiniao/opiniao-


do-leitor-camara-dos-deputados-um-teatro-de-fantoches/>. Acesso em: 5 out.
2012.

Como variante desse recurso, sugerimos também a utilização das próprias


mãos como fantoches. O desenho é feito na própria mão, com caneta esferográfica
ou tintas especiais. O uso de acessórios, como lã, chapéu, meias, penas, enfeita as
mãos e os dedos das crianças. O professor, nesse sentido, incentiva os alunos no
conhecimento do próprio corpo, quando estes exploram todos os movimentos dos
dedos, das mãos e braços.

Para estes recursos, a utilização de poesias, narrativas literárias, músicas


populares e folclóricas, textos criados pela turma, é fundamental para essa
atividade. Nessa perspectiva, o professor organiza o grupo de acordo com o que será
apresentado. O momento necessário à apresentação e interação, a leitura prévia do
texto, o decorar (se for o caso), são empreitadas que favorecem o desenvolvimento
e a apuração do gosto estético.

Ao jovem leitor agrada muito o jogo teatral, que é realizado por cenas de
ação dramática e que se caracterizam por explicação da ação por meio do gesto,
de caricaturas, dramatização (imitação de uma pessoa famosa), descrição de algo
com características fortes sem utilizar palavras, um contexto social, comumente

154
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

conhecido como pantomima. Essa brincadeira tem por objetivo: diversão,


socialização, coordenação motora e corporal como um todo. Os pantomímicos
buscam transmitir à plateia, por meio da mímica, histórias e mensagens. Por
aproveitar-se de gesticulações praticamente universais, ela é bastante utilizada.

FIGURA 31 - PANTOMIMA

FONTE: Disponível em: <http://www.jornallivre.com.br/150870/o-que-e-


pantomima.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

Caro(a) acadêmico (a), como foi o seu contato com o teatro, enquanto aluno(a)?
E as escolas, desenvolvem atividades relacionadas ao fazer teatral? Comente em
poucas palavras.
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________.

O teatro é expressão artística profundamente ligada à comunidade.


Segundo Ana Maria Machado, o teatro e a dramatização são reveladores de
momentos mágicos, nos quais a criança fica como que hipnotizada.

O teatro funciona em relação à criança como o faz de conta e o fiunnn...


do pó de pirlimpimpim no mundo do pica-pau amarelo, participando
ao mesmo tempo da mais poética fantasia e da mais concreta realidade,
abrindo portas para desvãos insuspeitados e revelando aspectos
surpreendentes do real, misturando fantásticas viagens a uma mineração
de si mesmo. Na palavra admirável de Guimarães Rosa, é a pirlimpsiquice.
(MACHADO, 1991, p. 144).

155
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

Há que se considerar que nas brincadeiras da criança a dramatização se faz


presente. Pense na criança brincando de boneca, de carrinho, representa quando
faz comidinha ou conversa com amigos imaginários. Uma peça teatral é capaz de
estimular a criatividade e a imaginação. Possibilita à criança “assumir sua fantasia,
conviver com suas angústias, exorcizar suas tensões, rir de seus medos”.

É necessário que a escola propicie o contato com a arte teatral, não apenas
dirigindo algumas peças passivamente, mas que reflita sobre o possível espetáculo
a ser encenado. Para Machado, no que se refere à escolha de um espetáculo, o
professor deverá indagar-se:

Será que ele defende o conformismo ou estimula um desejo de transformar


o mundo? De que maneira ele fala à percepção infantil? À sensibilidade da
criança? Será que esquece sua capacidade de ser também racional e apenas a
envolve numa profusão de sons e cores inteiramente oca? Cenários, figurinos,
adereços são inventivos? A música é massificada ou criativa? A iluminação
sabe criar uma atmosfera? As personagens são esquemáticas e incoerentes?
Isso é importante, afinal é nelas que as crianças se projetam, com elas é que se
identificam... A peça estimula a delação? Incentiva sentimentos de culpabilidade
infantil (tudo de ruim que acontece é culpa do pobre herói desobediente, por
exemplo)? É esquematicamente maniqueísta? Ou, pelo contrário, embaralha de
tal maneira o bem e o mal que deixa de passar qualquer valor ético? O vilão se
arrepende de repente e é perdoado sem mais aquela, evitando o castigo e tornando
inútil o sofrimento dos inocentes em suas mãos? A delação é incentivada sob a
máscara de “participação da plateia” (com perguntas do tipo para onde é que ele
foi?)? A peça reforça estereótipos racistas? Sociais? Sexistas? Profissionais? (por
exemplo, cientista é maluco, professor é repressor e jornalista é mentiroso etc...).
E qual será sua mensagem fundamental? Não será uma supervalorização da
segurança como ideal supremo, a impedir que as crianças explorem o mundo
em nome de um “ficar bonzinho e obediente em casa”?

FONTE: MACHADO (1991, p. 142)

O teatro na vida do jovem leitor inclui benefícios que vão desde o aprender
a improvisar, desenvolver a oralidade, a expressão corporal, a impostação de
voz, o vocabulário, até o desenvolvimento das habilidades para as artes plásticas
(pintura corporal, confecção de figurino e montagem de cenário), oportunizando
a pesquisa, o trabalho coletivo e, assim, contribui para o desenvolvimento da
expressão e comunicação, favorecendo a percepção da arte como manifestação
cultural.

4 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
As histórias em quadrinhos despertam o interesse do público infantojuvenil,
oferecendo uma diversidade de propostas que podem ser exploradas em proveito
do jovem leitor. O texto associado à imagem, característica presente nas histórias
em quadrinhos, como afirma Nelly Novaes Coelho (2000, p. 242), atinge “[...]

156
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

direta e plenamente o pensamento intuitivo/sincrético/globalizador que é próprio


da infância”. Nesse sentido, o trabalho com as HQs, aliado ao prazer de uma
aprendizagem significativa, desenvolve na criança estímulos propícios à pratica
da leitura, pressupondo a formação de leitores.

Acredita-se que as pinturas realizadas nas paredes das cavernas foram uma
das primeiras formas gráficas a serem criadas pelo ser humano como elemento
de comunicação. O homem retratava histórias a partir de imagens que ficaram
conhecidas como pinturas rupestres, em uma época muito anterior à invenção
da escrita. Por isso, alguns especialistas insistem em afirmar que os primeiros
exemplos conhecidos de histórias em quadrinhos foram feitos por homens pré-
históricos.

A publicação de histórias em quadrinhos no Brasil tem início no século


XX. A primeira revista em quadrinhos brasileira, lançada em 1905, foi o Tico-Tico,
que circulou até 1955. Em seus primeiros anos, reproduzia os quadrinhos norte-
americanos. Essa revista apresentava ao leitor as aventuras de um menino ingênuo
e travesso chamado Chiquinho, versão brasileira da personagem Buster Brown,
menino crítico e contestador, criado nos Estados Unidos por Richard Felton,
cartunista que, em 1895, criara a Yellow Kid.

Em 1960 começa, no Brasil, a publicação da revista O Pererê, com texto


e ilustrações do escritor Ziraldo. A personagem principal era um saci e não raro
suas aventuras tinham um fundo ecológico, moral ou educacional. Também na
década de 60, o cartunista Henfil deu início à tradição do formato “tira” com as
personagens Graúna e os fradinhos. Foi nesse formato que também apareceram as
personagens de Maurício de Sousa, criador da revista A turma da Mônica, que é a
mais famosa e bem-sucedida revista em quadrinhos brasileira.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e os


Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998) apresentam as
histórias em quadrinhos como uma linguagem dinâmica, marcada pela ludicidade
e associação de imagens, que despertam no jovem leitor prazer e contribuem para
o desenvolvimento da leitura e escrita.

Os gibis mesclam palavras e imagens, influenciando o cotidiano das pessoas.


Maria Antonieta Cunha (2003, p. 100) “enfatiza que a facilidade de aquisição de
leitura, o apelo visual através das cores, os quadros, os balões e as onomatopeias,
que dão uma movimentação à narrativa, o humor e o otimismo com personagens
interessantes ou heroicos”, são alguns dos aspectos que levam o jovem leitor a
adotar as revistas em quadrinhos.

157
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

FIGURA 32 – HISTÓRIA EM QUADRINHOS: GARFIELD

FONTE: Disponível em: <http://blog.maxieduca.com.br/wp-content/uploads/2017/01/Garfield.


jpg. Acesso em: 5 out. 2012.

Porém, as opiniões sobre os quadrinhos nem sempre foram convergentes.


Educadores já reagiram de maneira contrária à adoção das revistas em quadrinhos
em sala de aula. Para estes, “as revistas em quadrinhos não deixam margem à
imaginação, pois tudo na história está pronto e acabado, o texto é precário, sucinto
e com excessivas ilustrações” (ALMEIDA apud CUNHA, 1991, p. 101).

Opiniões dessa natureza contribuíram para que, no âmbito educacional, as


revistas em quadrinhos fossem tratadas como gênero menor, minimizadas como
criação literária. Segundo Valdomiro Vergueiro (apud CORDEIRO, 2002, p. 54),
“[...] esses preconceitos foram uma das maiores injustiças cometidas contra um
meio de comunicação de massa não só legítimo, mas também de grande penetração
popular”. Os estudos dos meios de comunicação de massa, iniciados na Europa
nos anos 60, corroboraram para elevar as HQs à categoria literária, uma vez que se
constituem de literatura e de artes plásticas.

Sendo assim, as HQs convertem-se em mais um instrumento pedagógico


essencial, contudo, é importante a disposição do professor em realizar tal
empreendimento para que aconteça o crescimento do jovem enquanto leitor e de
sua potencialidade humana.

UNI

Onomatopeia significa imitar um som com um fonema ou palavra. Em geral, são de


entendimento universal. Ruídos, gritos, canto de animais, sons da natureza, barulho de máquinas, o
timbre da voz humana fazem parte do universo das onomatopeias.

158
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

Propostas de exploração desse gênero textual associado ou não ao


computador devem ser atividades oferecidas em sala de aula, contudo, é importante
a disposição do professor e dos demais envolvidos no processo em realizar tal
empreendimento.

As charges podem também constituir-se como ferramentas. São desenhos


humorísticos com ou sem legenda. O tema reflete um acontecimento atual sob a forma
de crítica, ironizando, por vezes, as personagens envolvidas, através da caricatura.
Sendo assim, pode ser entendida como um meio de protesto e crítica através de
argumentos lógicos que possam convencer o leitor.

A charge está ligada aos acontecimentos cotidianos, do âmbito político


e/ou econômico, e/ou personagens ligadas ao meio artístico ou desportivo. São
caricaturas de pessoas ou de fatos, executadas com exageros e deformações
reforçando o grotesco e jocoso.

Esse humor crítico encontrado nas charges é muito apreciado pelo jovem
leitor, tornando-se um relevante trabalho, que poderá provocar discussões que
envolvem criticidade, dinamismo e leitura de mundo apresentadas pelos diversos
sujeitos que compõem a escola.

LEITURA COMPLEMENTAR

Leia a seguir a entrevista “HQs também se aprende na escola”, com


Waldomiro Vergueiro.

Embora o mercado editorial de quadrinhos para o público infantojuvenil


esteja fortemente concentrado na produção de uma ou duas revistas, o Brasil, ao
contrário do que se pensa, se destaca no cenário latino-americano exatamente por
uma larga produção. “Se compararmos com a de outros países, a produção de
quadrinho infantil brasileiro, por exemplo, é bastante significativa. Nos EUA não se
publicam mais revistas para crianças. Lá, as histórias são voltadas para os jovens”,
destaca o coordenador do Núcleo de Pesquisas de História em Quadrinhos da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), professor
Waldomiro Vergueiro.

De acordo com Waldomiro, são os adolescentes – dos 13 aos 25 anos – que


mais leem histórias em quadrinhos. As crianças também se dedicam à leitura, mas
não de uma forma intensiva e regular. Segundo ele, o quadrinho nacional reflete,
cada vez mais, a realidade urbana dos jovens das grandes cidades do país, o que
chama atenção e atrai mais leitores adolescentes. “Jovens que são influenciados pela
cultura pop, pela televisão e pelos meios eletrônicos”.

Acompanhe a entrevista:

revistapontocom – Que modelos e padrões de comportamento os quadrinhos


brasileiros veiculam?

159
UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

Waldomiro Vergueiro - Vivemos num grande contexto globalizado,


num grande sistema de comunicação interligado. Neste cenário, as histórias
em quadrinhos veiculam modelos e padrões de comportamento que já são
transmitidos pelas outras mídias em todo o mundo. Tudo acaba se repetindo. No
Brasil, o quadrinho reflete, de uma forma geral, a realidade urbana dos jovens
das grandes cidades do país. Jovens que são influenciados pela cultura pop, pela
televisão e pelos meios eletrônicos. Uma realidade que, na verdade, não é tão
diferente daquela que vivem os jovens de outros países. O que há de diferente em
nossas histórias são algumas características e especificidades que dizem respeito à
nossa cultura local, expressa, por exemplo, nos relacionamentos de amizade e de
amor e na apresentação e definição dos grupos sociais.

revistapontocom – Daí então o interesse das crianças pelos quadrinhos?

Waldomiro Vergueiro – As crianças naturalmente gostam dos quadrinhos,


se identificam com a narrativa. Afinal, a linguagem dos quadrinhos se aproxima
muito do universo das crianças e também dos adolescentes. Felizmente, aqui no
Brasil, temos uma forte produção infantil [basicamente assinada por Maurício de
Sousa] que está facilmente disponível no mercado e ao alcance de boa parte dos
leitores. A leitura é fácil e prazerosa. Se compararmos com a de outros países, a
produção de quadrinho infantil brasileiro é bastante significativa. Nos EUA, por
exemplo, não se publica mais quadrinho infantil. Lá, as histórias são voltadas para
os jovens. Mesmo tendo um mercado de quadrinhos infantis monopolizado [as
revistas de Maurício de Sousa respondem aproximadamente por 85% de tudo o
que é produzido para o público infantil], o Brasil é uma exceção na América Latina
em investimentos no setor.

revistapontocom – O mesmo vale para os adolescentes?

Waldomiro Vergueiro - O jovem acaba não tendo a mesma relação com os


quadrinhos. Muitas vezes, ele acaba sendo chamado/fisgado por outras mídias de
uma forma mais persuasiva do que as crianças. Por outro lado, também há poucos
investimentos para este segmento. O mercado editorial para os adolescentes é
marcado pelas produções estrangeiras. As crianças que crescem lendo os gibis
do Maurício de Sousa quando chegam à adolescência não têm uma alternativa
nacional. Ou seja, quando o leitor passa a ‘fase da Mônica’, ele não encontra nada. As
tentativas brasileiras não deram certo, pois é grande o predomínio das histórias em
quadrinhos com base nos super-heróis e na cultura norte-americana. Este processo
dá origem a um círculo vicioso. Os jovens que leem os quadrinhos importados
e que se formam na área acabam reproduzindo o mesmo formato e conteúdo.
É difícil quebrar este movimento. Por outro lado, o próprio leitor jovem de hoje
quer exatamente este tipo de material. Um material que é amplamente divulgado
e reforçado pelas demais mídias. Chega o quadrinho do super-herói ao mesmo
tempo em que são lançados o filme, o bonequinho e o desenho animado. As mídias
se reforçam. Acaba sendo uma competição desleal para os produtos brasileiros. Os
jovens de 13 aos 25 anos são os que mais leem histórias em quadrinhos. As crianças
leem muito, mas não de uma forma intensiva quanto os jovens.

160
TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

revistapontocom – E nas escolas, as histórias em quadrinhos vêm ganhando


espaço?

Waldomiro Vergueiro – Já não sinto mais um preconceito, mas, sim,


um estranhamento à introdução dos quadrinhos na sala de aula. Há uma falta
de familiaridade. Muitos professores querem utilizar, mas não sabem como. O
Núcleo de História em Quadrinhos [da Escola de Comunicação e Artes da USP]
tem trabalhado neste sentido, mostrando alternativas e caminhos para que os
quadrinhos sejam utilizados de forma mais inteligente. Acredito que os quadrinhos
devam ser usados, pelas escolas, de uma forma interdisciplinar, integrando várias
disciplinas. O professor deve trabalhar o quadrinho com o mesmo rigor que usa
o livro didático. Não acredito que exista limite para a utilização de quadrinhos na
educação. Tudo depende da criatividade do professor.

revistapontocom – Há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados


que determina mecanismos de proteção à produção de quadrinhos nacionais,
incentivando a realização de obras e de projetos escolares. O senhor é a favor desta
proposta?

Waldomiro Vergueiro - Sou. Acredito que o caminho a ser adotado seja


esse mesmo. Todos os países que baixaram leis de proteção tiveram êxito em suas
propostas. A Argentina fez isso. A França e a Itália também trabalharam neste
sentido. A proposta não vai colocar em xeque o que já existe, só vai acrescentar.

revistapontocom – Qual é o futuro dos quadrinhos?

Waldomiro Vergueiro – Estou convencido de que o futuro dos quadrinhos


é a segmentação de mercado. Quadrinhos específicos para públicos específicos.
Quadrinhos para crianças, para meninas adolescentes, para meninas mais
velhas… A Era dos Quadrinhos como meio de massa/produto de massa é coisa
do passado. Com o advento das novas tecnologias, vamos ter o aparecimento de
produtos híbridos – quadrinhos que incorporam elementos da multimídia. Este
é um caminho sem volta. Mas acredito que as histórias em quadrinhos, da forma
como ainda conhecemos hoje, continuarão a existir.

FONTE: Disponível em: <http://www.revistapontocom.org.br/materias/hqs-tambem-se-aprende-


na-escola>. Acesso em: 10 dez. 2012.

161
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você viu que:

• A literatura no ambiente escolar tem como objetivo a formação do leitor. Para tanto,
o professor deverá adotar uma postura que privilegie a polissemia, o dialogismo.
Deve adotar uma prática pautada no contato com os diversos gêneros textuais
e contemplar histórias do dia a dia, contos, fábulas, lendas, parlendas, músicas,
poesia, novela, crônica, piadas, filmes, romances, histórias em quadrinhos.

• A conotação de histórias também é uma prática que favorece a escuta e oralidade.


Essa prática do contar estimula o ler literário, propicia o encontro entre as crianças
e uma produção que lida simbolicamente com o real, diferentemente dos relatos
pessoais.

• Outra possibilidade que não poderá ser ignorada é a visita à biblioteca, para
que o aluno possa ver e tocar os vários volumes, as várias ilustrações, escolher a
leitura, o livro que lhe agradar, desenvolvendo a leitura sensorial.

• É importante reconhecer que com a escrita nos meios eletrônicos - informação


digital ou hipermídia - surgem novas formas de leitura. O acesso a essa nova
tecnologia é atrativo e também propicia conhecimento.

• A poesia infantojuvenil reflete as peculiaridades que revestem esse gênero,


reveladas nos ritmos, nas imagens, nos temas, nas metáforas, na conotação, na
subjetividade e na linguagem.

• É fundamental que a poesia seja apresentada e vivenciada com frequência


no espaço escolar e seja selecionada cuidadosamente, a fim de propiciar a
sensibilidade para a arte poética no aluno.

• Trabalhar com o teatro na escola é desenvolver uma atividade visando aproximar


as crianças e jovens dessa linguagem. Para tanto, é necessário colocar a turma em
contato com diversos autores, com estilos variados, e observar o tipo de texto:
tragédia, comédia, situações do cotidiano e/ou mistério.

162
AUTOATIVIDADE

Leia a história a seguir e organize-a em forma de


quadrinhos, com balões contendo as falas das personagens, bem
como a fala do narrador:
APRENDIZAGEM

- Mãe, cabelo demora quanto tempo pra crescer?


- Hã?
- Se eu cortar meu cabelo hoje, quando é que ele vai crescer de novo?
- Cabelo está sempre crescendo, Beatriz. É que nem unha.

A comparação deixa a menina meio confusa. Ela não está preocupada


com unhas.

- Todo dia, mãe?


- É, só que a gente não repara.
- Por quê?
- Porque as pessoas têm mais o que fazer, não acha?

A menina não sabe se essa é uma pergunta do tipo que precisa ser
respondida ou é daquelas que a gente ouve e pronto. Prefere não responder.

- Você é muito ocupada, não é, mãe?


- Hã?
- Nada, não.

A mãe termina de passar a roupa e vai guardando tudo no armário.

Enquanto isso, Beatriz corre até o quartinho de costura, pega a fita


métrica e mede novamente o cabelo da boneca. Ela tinha cortado aquele cabelo
com todo o cuidado do mundo, pra ficar parecido com o da mãe, mas a verdade
é que ficou meio torto.

“Nada, não cresceu nada”, ela conclui, guardando a fita. E já tem uma
semana!

Depois volta para onde está a mãe, que agora lustra os móveis.

- Mãe, existe alguma doença que faz o cabelo da gente não crescer?
- Mas de novo essa conversa de cabelo! Não tem outra coisa pra pensar não,
criatura?

Sobre essa pergunta não há dúvida: é do tipo que você não deve
responder.

163
A mãe continua trabalhando. Precisa se apressar. Dali a pouco a patroa
chega da rua e o almoço nem está pronto ainda.

- Mãe!
- O que foi?
- É que eu estava aqui pensando.
- Pensando o quê?

Beatriz não responde. Espera um pouco, tentando achar as palavras


certas.

- Vai, fala logo.


- Quando a gente faz uma coisa, sabe, e não dá mais para voltar atrás, entendeu?
- Não, não entendi.

Ela abaixa a cabeça, dá um tempinho e resolve arriscar:

- Então, se você não entendeu, posso continuar perguntando sobre cabelo?


- Ai, meu Deus!

Beatriz deixa a mãe trabalhando e vai procurar de novo sua boneca.


Pega a boneca no colo e diz no ouvido dela:

- Não liga, não. Cabelo de boneca é assim mesmo, cresce devagar, viu?

E com um carinho:

- Foi minha mãe que me ensinou.

164
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