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A silvicultura e a água:
ciência, dogmas, desafios
Miriam Prochnow
DIÁLOGO FLORESTAL
A SILVICULTURA E A ÁGUA
Ciência, Dogmas, Desafios
apremavi
atalanta (sc)
2015
Ficha Técnica
Realização Agradecimentos
Diálogo Florestal Os resultados acumulados das microbacias
experimentais do PROMAB discutidos no presente
Coordenação documento foram frutos da participação de várias
Miriam Prochnow pessoas, alunos de graduação, pós-graduandos
e recém-doutores que fizeram ou fazem parte da
Texto equipe técnica, assim como técnicos e engenheiros
Walter de Paula Lima das empresas participantes do programa. O PROMAB
Professor Sênior também resultou da evolução de projeto de pesquisa
Departamento de Ciências Florestais, ESALQ/USP apoiado pelo CNPq, na forma de bolsa de produtividade
em pesquisa do autor, assim como teve apoio financeiro
Revisão do CNPq/CT-Hidro, Processo No 550270/02-7.
Eliana Jorge Leite
Fotos
As fotos publicadas foram cedidas sem custos
pelos autores ou instituições mencionadas nas
imagens. Agradecemos gentilmente a todos os
fotógrafos e instituições que cederam fotos para
compor esta publicação.
Foto da capa
Miriam Prochnow
Projeto gráfico
Fábio Pili
Diagramação
Ana Cristina Silveira/Anacê Design
DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
L732s
ISBN 978-85-88733-13-8
CDD – 634.9280981
Catalogação elaborada pela Bibliotecária Roberta Maria de Oliveira Vieira – CRB-7 5587
Sumário
7 Apresentação
8 Capítulo 1
Perspectiva histórica
16 Capítulo 2
O Mito em torno do eucalipto
24 Capítulo 3
Fundamentos científicos da relação
entre plantações florestais e água
38 Capítulo 4
Incorporando o objetivo de conservação
da água nas práticas de manejo
48 Conclusão
50 Bibliografia
52 O diálogo florestal
Miriam Prochnow
Miriam Prochnow
Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
Apresentação
Esta publicação, organizada pelo Diálogo Florestal, de autoria do Professor Walter de Paula
Lima, é uma valiosa análise e reflexão sobre dois temas atuais e extremamente importantes
para a Mata Atlântica e outros biomas brasileiros: o manejo florestal e suas implicações no
uso e conservação da água doce; e a ocupação e manejo integrado do território. O autor apre-
senta de forma didática as bases científicas sobre esses temas, nos proporcionando maior
clareza dos desafios que essa abordagem necessita.
Dado o papel das florestas e outras formações naturais na conservação dos recursos hídricos
que, em diferentes graus, influencia a quantidade, qualidade e constância do suprimento de
água , evidencia-se ainda mais a importância de um Fórum como o Diálogo Florestal, ao so-
mar forças e propósitos para inovar e buscar novos padrões de desenvolvimento. As análises
aqui apresentadas certamente serão incorporadas nas estratégias do Diálogo Florestal e dos
seus Fóruns Regionais, que têm enfatizado a importância de embasar as ações e compro-
missos assumidos por seus membros, através de uma sólida contribuição da ciência, e do
aprendizado e da vivência no campo.
Perspectiva Histórica
Wigold B. Schaffer
A relação entre floresta e água de boa qualidade também pode
ser verificada na escala de bacias maiores dos rios.
Esses dois aspectos históricos podem ser considerados florestal continuam sendo a base de políticas públicas
como embriões da Hidrologia Florestal, a ciência que voltadas para a melhoria ambiental e a conservação da
estuda as relações entre a floresta e a água, que se água. Em alguns países, inclusive no Brasil, essa per-
desenvolveu a partir do início do século 19 e produziu cepção também deu origem a programas de pagamento
resultados experimentais consistentes e valiosos, que por serviços ambientais, frequentemente vinculados à
esclareceram mitos e ofereceram ferramentas pode- manutenção ou ao aumento da cobertura florestal nas
rosas para o manejo adequado dos recursos naturais. propriedades rurais. 11
Mas o que se observa é que o tema é ainda polêmico
no mundo todo, no que diz respeito ao estabelecimen- Paradoxalmente, o advento de plantios florestais – e
to de políticas públicas de conservação da água e de principalmente a expansão mais recente destas áreas
incentivo ao uso sustentável dos recursos naturais. A com plantações florestais, devido ao crescimento de
proteção dos remanescentes florestais e a restauração sua importância econômica – vieram, no mundo todo,
Perspectiva Histórica
acompanhadas por uma opinião pública generalizada preciso associar um aliado forte para ajudar a frear o
de que elas, ao contrário das florestas naturais, se- desmatamento, e o possível efeito negativo do desapa-
riam prejudiciais aos recursos hídricos. E nessa crença recimento das florestas sobre a água, sem dúvida, não
generalizada há de tudo, além do estigma da palavra poderia deixar de ser considerado pela sociedade, devido
“eucalipto”: “as plantações florestais consomem muita à importância vital da água. Quanto mais florestas, mais
água”, “secam o solo”, “suas raízes furam o lençol fre- água, era o mote.
ático”, “inibem a formação de nuvens”, “desestabilizam
o ciclo hidrológico”, etc. No caso das plantações florestais a polêmica, que é re-
corrente e está longe de ser resolvida, se acirra, não com
No caso das crenças do passado, a preocupação que nu- o desaparecimento mas sim com a expansão destas áre-
tria as controvérsias residia no gradual desaparecimen- as. Só que, nesse caso, a crença é que quanto mais áreas
to das florestas para dar lugar ao desenvolvimento. Era com plantações florestais, menos água.
Wigold B. Schaffer
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Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
Miriam Prochnow
Os benefícios ambientais das plantações florestais não ocorrem por si só,
mas dependem de nossas estratégias de manejo.
Essa opinião pública generalizada de que as florestas na- no que diz respeito ao retorno de serviços ambientais. To-
turais, em todas as circunstâncias e em qualquer situa- davia, dependendo da extensão da degradação, ou quan-
ção, são sempre benéficas para os recursos hídricos, no do os solos já perderam sua resiliência ou capacidade de
sentido de que elas fazem chover, aumentam a vazão dos auto-renovação, os resultados vão ser nulos. Por outro
rios, reduzem enchentes e mantêm a qualidade da água lado, no caso de plantações florestais para abastecimento
é questionável e deve dar lugar à percepção moderna, industrial, a percepção popular é frequentemente enfren-
baseada na experimentação científica, de que se trata de tada por aqueles que são responsáveis pelo seu manejo,
uma relação muito mais complexa, cujos resultados vão com a alegação de que as florestas plantadas, em todas
depender da interação de vários fatores e não apenas da as circunstâncias e em qualquer situação, são benéficas
presença ou ausência da floresta. para o meio ambiente, como se a mera existência destas
plantações já fosse, por si mesma, condição suficiente
Da mesma forma, a crença geral de que as plantações para garantir a melhoria ambiental. Na realidade, por se
florestais, em todas as circunstâncias e em qualquer si- constituírem produto da engenharia humana, em termos
tuação, são sempre deletérias para os recursos hídricos de tecnologia silvicultural de formação e manejo de ta- 13
não passa pelo escrutínio da experimentação científica. É lhões homogêneos visando a maximizar a produtividade,
preciso analisar todo o contexto. No caso da percepção de os benefícios ambientais vão depender crucialmente do
se estabelecer plantios florestais para a recuperação de plano de manejo, em termos da interação dos plantios
áreas degradadas, por exemplo, em algumas situações os florestais com os demais elementos da paisagem, desde
resultados são realmente bastante promissores, inclusive a sua formação até a sua colheita.
Perspectiva Histórica
Miriam Prochnow
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Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
Miriam Prochnow
do para gerar impactos à jusante, assim como para a Áreas ripárias bem protegidas
degradação hidrológica dos solos e, eventualmente, da contribuem para a manutenção da saúde
própria microbacia. ambiental das microbacias.
Miriam Prochnow
Uma opinião popular clássica que envolve as
relações entre as plantações florestais e a água se
resume na afirmação de que o eucalipto seca o solo,
razão pela qual é interessante comentar pontual
e conceitualmente a respeito dela, já que tem sido
frequentemente usada para o estabelecimento de
políticas públicas e de legislação restritiva, assim
como para acirrar discussões acaloradas,
porém inócuas, eis que frequentemente elas são
caracterizadas por forte apelo emocional e ideológico.
centração de dióxido de carbono na atmosfera, o chama- tural de água para os mais diversos usos variam de região
do efeito estufa, decorrente principalmente da queima de para região. Há a região do semi-árido, por exemplo, onde
combustíveis fósseis. Reflorestar pode ajudar a seques- o calor é elevado, a evapotranspiração (conjunto de todas
trar esse excesso de carbono da atmosfera, dizem uns. as perdas de água por evaporação, incluindo a transpira-
Contudo, isto vai agravar ainda mais a escassez de água, ção pelas plantas) é sempre alta e o total anual de chuvas
dizem outros. Pior é que, em tese, ambos estão certos. é normalmente baixo. Portanto, não sobra quase nada de
água das chuvas para recarregar o solo e os aquíferos. Só
Mas o problema não decorre apenas de coisas que es- há vazão nos riachos e nos rios quando chove.
tão acontecendo nessa escala do macro clima. Há várias
outras coisas, envolvidas numa escala menor, que tam- Por outro lado, há regiões em que chove bastante e du- 17
bém podem estar afetando. Na escala do mesoclima, por rante praticamente todos os meses do ano, num total
exemplo, esta escala com a qual convivemos no dia a dia – bem maior do que as perdas por evaporação, em termos
e por isso mesmo mais compreensível para a maioria das médios anuais. Portanto, nesses casos há sempre exce-
pessoas – deve-se considerar que as condições climáti- dente de água, que recarrega o solo e os aquíferos e ali-
cas que governam a disponibilidade ou o suprimento na- menta a vazão perene dos riachos e dos rios.
O Mito em Torno do Eucalipto
Entre esses dois extremos há toda uma variação de con- De qualquer maneira, um aspecto muito importante na
dições do chamado balanço hídrico climático. Em todos análise de mesoescala é que em condições ou em regiões
eles existe, também, muita variação ano a ano, às vezes onde o suprimento natural de água já é pouco, qualquer
passando anos seguidos com chuva menor que a média alteração não planejada da paisagem, como a substitui-
histórica, causando diminuição sentida no volume de ção de vegetação rasteira por florestas, pode resultar
água superficial. E, imediatamente, alguns procuram num aumento do consumo de água e gerar conflitos. É
atribuir esse secamento ao eucalipto. Em outras ocasi- por isso que deve existir um zoneamento ecológico, que
ões, a região passa por anos a fio com chuva maior que leva em conta essas variações regionais de disponibilida-
a média, inclusive causando problemas de enchentes, e de de água, visando a disciplinar o uso da terra.
logo alguém atribui isso ao desmatamento.
Miriam Prochnow
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Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
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O Mito em Torno do Eucalipto
Miriam Prochnow
bém afetam os recursos hídricos, que é inclusive a escala
principal dessa análise. Vamos chamá-la de escala mi-
cro, no sentido de ser a escala onde ocorrem as práticas
de manejo, onde o homem planta, colhe, destrói, desma-
ta, compacta o solo, constrói estradas ruins que atraves-
sam áreas ripárias, pavimenta, impermeabiliza, sistema-
tiza o terreno, soterra nascentes, põe fogo, ara, gradeia,
faz monoculturas extensas, planta até na beira do riacho,
às vezes até dentro da água, queima a mata ciliar, não
cuida das pastagens, confina o gado em cima de áreas
ripárias, constrói açudes, instala pivô central, irriga, adu-
ba e vai por aí afora. Essas ações ocorrem na escala das
propriedades rurais, onde estão também as microbacias
hidrográficas, que podem ser muito afetadas por essas
ações. E é na escala das microbacias hidrográficas que
o foco principal das práticas de manejo sustentável dos
recursos hídricos tem que estar centrado, pois as micro-
bacias são as grandes alimentadoras dos rios e dos gran-
des sistemas fluviais. Infelizmente, porém, não existem
ainda em nosso país políticas públicas mais fortes que
incentivem e fortaleçam essa escala de atuação. E é bem
por isso que pagar por serviços ambientais apenas pelo
plantio de árvores na propriedade rural, mas sem levar
em conta todas essas outras coisas, não vai necessaria-
mente tornar o proprietário rural um “produtor de água”.
As microbacias são diferentes das bacias hidrográficas
maiores no que diz respeito a vários aspectos ecológicos
e hidrológicos – e uma destas diferenças é que elas são
altamente sensíveis às ações de manejo, ou seja, nelas
é possível observar uma relação direta entre práticas de as margens dos cursos d´água, incluindo principalmente
manejo e os impactos ambientais decorrentes. as cabeceiras de drenagem dos riachos, assim como ou-
tras partes da microbacia, às vezes situadas até mesmo
Assim, o conceito-chave é o que se encontra embutido na meia encosta, cuja característica é permanecerem em
na expressão manejo integrado de microbacias, que sig- condições saturadas de água na maior parte do tempo. É
nifica o planejamento das ações de manejo (florestal, por isso que essas áreas são consideradas de “preser-
agrícola etc.), resguardando os valores da microbacia hi- vação permanente”, no sentido de que sua preservação
drográfica, isto é, os processos hidrológicos, a ciclagem em boas condições proporciona serviços ambientais im-
geoquímica de nutrientes, a biodiversidade, a proteção portantes, sendo a água, sem dúvida, o mais importante
de suas partes hidrologicamente sensíveis e, no conjun- destes serviços ambientais, que são serviços que o ecos-
to, sua resiliência, isto é, sua capacidade de resistir a sistema nos proporciona de graça, como são, no caso, a
20 alterações sem se degradar de forma irreversível. Um quantidade de água, a qualidade da água e a permanên-
dos fatores mais importantes, mas não suficiente, para a cia da vazão que emana das microbacias hidrográficas.
permanência dessa capacidade é a integridade do ecos- Quando as microbacias perdem essas características
sistema ripário – traduzido pela pujança da mata ciliar naturais, tornam-se vulneráveis a perturbações que, de
protegendo adequadamente todas as áreas ripárias das outra forma, seriam normalmente absorvidas. Assim,
microbacias – que não se limita aos 30 metros em ambas pode-se dizer, sem medo de errar, que foi a perda gra-
Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
grãos, de fibras, de madeira, de carne, de leite etc.) que tor de degradação hidrológica, depois da agricultura. E já
a sociedade precisa, mas há também espaços que têm existe mesmo no mundo um movimento de resgate des-
nítida vocação de proteção ambiental, cuja preservação ses valores hidrológicos nas áreas urbanas, com ações
é necessária para proporcionar os serviços ambientais, que visam a, por exemplo, “desenterrar” os córregos
de que também precisamos para continuar crescendo de canalizados e integrá-los na paisagem urbana com seus
forma sustentável. O manejo das plantações de eucalipto atributos inerentes –como a mata ciliar, que além da
tem que levar em conta essas particularidades e limita- importância hidrológica agrega, também, valor estético
ções ecológicas e hidrológicas. Pela mesma razão, tam- ao ambiente urbano – e deve contribuir, também, para a
bém tem a mesma responsabilidade social e ambiental mudança de percepção dos cidadãos para com a necessi-
o manejo da soja, da cana, da laranja, do boi. De nada dade da conservação dos riachos e de suas microbacias.
adianta transformar essa necessidade crucial para a so-
brevivência de todos em disputas insólitas entre ruralis-
tas, de um lado, e ambientalistas, de outro.
As pastagens consomem
Pela mesma razão, o planejamento da ocupação imobi-
liária da paisagem necessita rever suas ações no que diz menos água, mas o seu manejo
respeito aos objetivos de conservação da água, já que a
urbanização tem também parte da culpa. As cidades são
inadequado pode colocar
os espaços onde vive a maioria da população, mas não em risco a integridade das
devem, por isso, ficar à parte das necessidades de con-
servação das microbacias. A urbanização é o segundo fa- microbacias hidrográficas.
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Figura 1
Resultados do estudo do balanço hídrico do solo comparativo entre o cerrado,
plantação de Pinus caribaea e plantação de Eucalyptus grandis
realizado no Vale do Jequitinhonha, MG. Os números mostrados representam média de dois anos
consecutivos de medições. Ver texto para os esclarecimentos. (LIMA et al., 1990).
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Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
Na escala de microbacias experimentais, que é sem dú- Neste sentido, ZHANG et al. (2001), em trabalho de aná-
vida a escala consistente para a análise dos possíveis lise dos dados de cerca de 250 microbacias experimen-
impactos hidrológicos do manejo florestal, o primeiro tais no mundo todo, estabeleceram uma relação muito
trabalho clássico de revisão foi escrito por HIBBERT simples, porém muito consistente, entre a evapotranspi-
(1967), apresentado no Simpósio Internacional de Hi- ração na escala da microbacia hidrográfica, ou seja, da
drologia Florestal, realizado nos Estados Unidos, em diferença entre a precipitação anual e o deflúvio medi-
1965. Nesse trabalho o autor já afirmava claramente, dos nas microbacias, e a precipitação anual, sintetizada
com base nas evidências que ele havia encontrado, que na Figura 2. Conforme pode ser observado nessa figura,
o corte da floresta aumenta o deflúvio anual da micro- em regiões de precipitação anual abaixo de 700 mm os
bacia, assim como o reflorestamento causa uma dimi- resultados mostram que não há muita diferença entre
nuição do deflúvio. microbacias com floresta e microbacias com pastagem.
Em outras palavras, nessas condições o balanço hídrico
Seria interessante, a título de esclarecimento, explicar é mais governado pelo clima, independentemente do tipo
o termo ‘deflúvio’, muitas vezes confundido com vazão. de cobertura vegetal. Todavia, quando, ou em regiões de
O efeito do corte ou do reflorestamento comentado aci- maior precipitação anual, a cobertura florestal tende a
ma diz respeito ao balanço hídrico anual da microbacia apresentar maior consumo de água do que vegetação de
hidrográfica, ou seja, a contabilização entre a entrada menor porte, de qualquer maneira sendo o valor máxi-
anual de água na microbacia pelas chuvas menos as mo deste consumo limitado pelas restrições climáticas
perdas anuais por evaporação, restando, então, a água de disponibilidade de energia solar. Ou seja, não é uma
superficial, que alimenta a vazão. relação linear, como mostra a figura. O modelo proposto
pelos autores vem sendo referido na literatura como “as
Voltando a comentar o trabalho de HIBBERT (1967), curvas de Zhang”.
desde essa primeira revisão, o autor foi muito cuida-
doso ao alertar que a análise por ele realizada permitiu
também concluir claramente que esses efeitos eram A realização de pesquisas científicas é
altamente variáveis de lugar para lugar e, em muitas fundamental para orientar metodologias de
situações, até imprevisíveis. Hoje se sabe, nesse sen- manejo de florestas plantadas com vistas à
tido, que esses efeitos hidrológicos ocorrem por força conservação dos recursos hídricos.
de interação com outros fatores do meio, a hidrologia
do solo sendo um dos mais importantes destes fatores.
Carolina Schaffer
Figura 2
Gráfico que sintetiza o modelo de ZHANG et al. (2001),
mostra a relação que existe entre a evapotranspiração anual (eixo das ordenadas) e a precipitação anual
(eixo das abcissas). A linha cheia superior corresponde a resultados medidos em microbacias com florestas,
enquanto que a linha pontilhada inferior corresponde a resultados de microbacias com pastagens.
Evapotranspiração anual (mm)
1600
Floresta
Vegetação mista
Pastagem
1200
Floresta
Pastagem
800
400
Mais ou menos na mesma época da, hoje clássica, revi- florestal que dizimou a floresta natural de Eucalyptus reg-
são de HIBBERT (1967), o trabalho de SWANK & MINER nans de mais de 200 anos de idade. A regeneração natural
(1968) constitui o que poderia ser considerado o primeiro ocorreu de forma vigorosa após esse episódio, com uma
resultado comparativo da substituição de floresta natural, densidade de mais de 3.000 árvores novas por hectare
no caso a floresta natural de latifoliadas mistas de clima crescendo de forma uniforme, semelhante ao que aconte-
temperado, por uma plantação florestal, no caso Pinus ce numa plantação florestal com espécies de rápido cres-
strobus, na escala de uma microbacia hidrográfica experi- cimento. Na escala da microbacia experimental, quando
mental. A região do experimento é caracterizada por pre- essa nova floresta estava com altura média de 10 metros
cipitação média anual em torno de 1.900 mm e por uma e à idade de 38 anos, o deflúvio anual havia diminuído em
taxa potencial de evapotranspiração de 1.120 mm, o que 200 mm, relativamente ao nível de antes do incêndio. LAN-
a confere como dotada de um excedente hídrico da ordem GFORD (1976). KUCZERA (1987) analisou a série histórica
de 775 mm anuais. Os autores mostraram que quando a dos dados dessa microbacia experimental e produziu um
plantação de Pinus estava com a idade de 10 anos, o def- modelo teórico do comportamento do deflúvio em relação
lúvio anual da microbacia havia diminuido 94 mm, relati- ao crescimento e ao avanço da idade da nova floresta, o
vamente às condições originais de floresta natural. qual está resumido na Figura 3. Tendo em conta que a es-
cala temporal evidentemente não é diretamente aplicada
Outros trabalhos que ilustram essa comparação entre flo- às nossas condições, o que importa observar na Figura 3
restas naturais e plantações florestais foram produzidos é o fato, já afirmado neste documento, de que existe a ten-
28 na Austrália, em microbacias experimentais do manancial dência do deflúvio anual da microbacia voltar às condições
que abastece a cidade de Melbourne. A região se caracte- de equilíbrio original à medida que a plantação florestal
riza por precipitação média anual em torno de 1.600 mm avança em idade. Guardadas as devidas proporções, isso
bem distribuídos ao longo do ano e excedente hídrico da pode significar, em termos práticos, que um período de
ordem de 650 mm anuais. A primeira evidência foi verifica- rotação (idade do corte da plantação florestal) maior do
da de maneira fortuita, em consequência de um incêndio que o que se pratica atualmente no manejo de plantações
Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
florestais para fins de abastecimento industrial nas nos- deflúvio anual proposto por KUCZERA (1987), da Figura 3,
sas condições poderia, eventualmente, permitir tempo VERTESSY et al. (2001) realizaram um estudo detalhado
suficiente para que o balanço hídrico da microbacia resta- dos componentes do balanço hídrico em florestas naturais
belecesse seu equilíbrio original. de Eucalyptus regnans de diferentes idades, na Austrália,
cujos resultados estão resumidos na Figura 4. Conforme
Com a finalidade de obter resultados experimentais que mostra a figura, ao longo dos anos os componentes do ba-
explicassem o modelo teórico que descreve a dinâmica lanço hídrico vão se modificando, não apenas devido a mu-
temporal da relação crescimento florestal em relação ao danças fisiológicas que governam a transpiração mas tam-
0 10 20 30 40 50
desenvolvido por KUCZERA (1987)
mostra a relação entre a dinâmica do
deflúvio anual na microbacia (eixo
das ordenadas) e o avanço em idade da
floresta (eixo das abcissas). Em outras
palavras, o gráfico mostra que na fase
inicial do crescimento da nova floresta
o deflúvio anual da microbacia tende a
diminuir, alcançando redução máxima
por volta dos 12 anos (para as condições
australianas onde os resultados foram
observados), tendendo então a retornar
às condições originais de antes do
plantio (no caso, por volta dos 50 anos).
Essas informações se revestem de um caráter prático de temas hidrográficos. Os autores fizeram o estudo numa
extrema valia para a conservação da água. Quantos exem- bacia hidrográfica de cerca de 84.000 km2 na Austrália,
plos de manejo irresponsável existem por aí afora de au- na qual, através de simulação por modelos hidrológicos,
sência da preocupação para com a proteção da superfície procuraram verificar o que aconteceria no canal principal
do solo, que se degrada pela erosão, diminuindo a infiltra- da macrobacia em decorrência da introdução, na bacia,
ção e conduzindo para a degradação da microbacia? Em de 30.000 hectares de plantações florestais, o que equiva-
outras palavras, frequentemente não é o ato de cortar a flo- le a apenas 0,4% da área total. Obviamente não foi notado
resta ou o ato da colheita florestal que impacta os recursos efeito algum no rio principal. Neste sentido, outros traba-
hídricos, mas sim a maneira como esta prática é conduzida lhos similares mostram que não ocorre mesmo efeito al-
e as alterações da superfície do solo que dela resultam. gum se a proporção da área com plantações florestais for
menor do que 20% da área da bacia hidrográfica. Todavia,
O trabalho de BROWN et al. (2007), por outro lado, é tam- se esses 30.000 hectares ficassem localizados em apenas
bém muito interessante do ponto de vista prático, pois uma das sub-bacias menores, os resultados da simula-
constitui uma revisão de resultados experimentais obti- ção mostraram uma redução no deflúvio desta sub-bacia,
dos em microbacias experimentais contendo plantações como de pronto vem sendo observado em microbacias
florestais, e também pelo fato de que procurou conseguir experimentais. Ainda mais: observaram também que
informações sobre a extrapolação dos resultados obtidos essa diminuição do deflúvio seria menos significativa se
em microbacias para bacias de maior porte. Essa expec- os plantios ficassem localizados o mais longe possível da
tativa da propagação dos efeitos é, sem dúvida, relevante rede de drenagem, ou seja, longe das áreas onde o lençol
e muito questionada, apesar de não ter ainda sido com- freático é mais superficial.
provada em trabalhos experimentais, pelas dificuldades
óbvias inerentes à enorme quantidade de fatores que ope-
ram simultaneamente numa bacia hidrográfica de gran- Nas condições tropicais é fundamental que as ações
de porte, principalmente o efeito da diluição dos possíveis de manejo protejam as áreas hidrologicamente
efeitos relativamente ao volume de água dos grandes sis- sensíveis e a superfície do solo.
31
Fundamentos Científicos da Relação entre as Plantações Florestais e a Água
O trabalho de revisão de FARLEY et al. (2005), por outro ções. Mas o Programa de Monitoramento Ambiental em
lado, é muito esclarecedor no que diz respeito ao enten- Microbacias (PROMAB), do IPEF – Instituto de Pesquisas
dimento de como as interações entre o manejo florestal e Estudos Florestais, em parceria com empresas flores-
com outros fatores do meio podem resultar em impactos tais do país, vem acumulando resultados do balanço
hidrológicos maiores ou menores. Analisando resultados hídrico de microbacias experimentais em várias locali-
de 26 conjuntos de microbacias experimentais de várias dades, algumas delas com mais de 10 anos consecutivos
partes do mundo, totalizando 504 observações, esses au- de mediçõess. Nesse programa há áreas com apenas
tores concluíram que: uma microbacia experimental contendo plantação flo-
restal, mas em alguns casos o trabalho consiste de um
T<DI<>@e<JFE;<F;<=CfM@FD`;@F8EL8C`D<EFI;FHL< par de microbacias, no qual uma delas contém planta-
10% da precipitação anual, o riacho da microbacia pode ção florestal e a outra contém floresta natural, funcio-
secar como resultado do reflorestamento. Por outro nando como microbacia de referência para comparação
lado, onde o deflúvio médio anual é em torno de 30% dos resultados. A análise global desses resultados acu-
da precipitação anual, a redução do deflúvio esperada mulados tem permitido observar que os resultados da
é de cerca de 50%; literatura mundial, assim como as inferências que eles
permitem tirar, como as de FARLEY et al. (2005) acima
T 8 I<;L_^F ;F ;<=CfM@F 8LD<EK8 :FD F :I<J:@D<EKF ;8 citadas, parecem ocorrer também nas nossas condições.
plantação florestal, mas o balanço hídrico da microba-
cia tende a voltar ao equilíbrio pré-existente quando a A robusta relação entre a evapotranspiração e a precipita-
plantação atinge idades mais avançadas. ção anual evidenciada por ZHANG et al. (2001), conforme
mostrado na Figura 2, também mostra consistência com
Até a algum tempo atrás não havia ainda qualquer re- os dados monitorados de precipitação e de evapotranspi-
sultado de microbacias experimentais no nosso país, de ração anual das microbacias experimentais do PROMAB,
modo que era necessário valer-se apenas desses resul- tanto quando se usam os valores anuais individuais medi-
tados obtidos em outros países e em outras condições, o dos, conforme ilustra a Figura 5, quanto quando se usam
que frequentemente era motivo para algum questiona- os valores médios anuais para o período monitorado, con-
mento em torno de sua validade para as nossas condi- forme ilustra a Figura 6 (IPEF, 2008).
1600 Figura 5
1400 Correspondência
Evapotranspiração anual (mm)
entre os valores
1200 anuais da
1000 evapotranspiração
microbacias experimentais
800 do PROMAB (pontos
600 coloridos) com o modelo
desenvolvido por ZHANG et
400 al., (2001) (linha cheia).
200
32
0
0 500 1000 1500 2000 2500
1600
Figura 6
Evapotranspiração anual (mm)
Correspondência
1400
entre os valores
1200
médios anuais da
1000 evapotranspiração
800 microbacias
600 experimentais do PROMAB
400 (triângulos cheios) com
o modelo proposto por
200
ZHANG et al. (2001) (linha
0
cheia para floresta e
0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500
linha pontilhada para
Precipitação anual (mm) pastagem).
Corte raso
2000 Figura 7
Série histórica da
relação entre o
1600 deflúvio anual (Q) e a
precipitação anual (P)
observada na microbacia
1200 experimental de Itatinga, da
mm/ano
92-93
93-94
94-95
95-96
96-97
97-98
98-99
99-00
00-01
01-02
02-03
Assim, as Figuras 5 e 6 mostram que o consumo de água te, melhor esclarecido por FERRAZ et al. (2013), através de
pelas plantações florestais tende a ser maior em regiões modelo de distribuição log-normal dos dados de deflúvio
de maior precipitação anual, relação esta que não ocorre anual da microbacia experimental de Itatinga obtidos em
de forma linear, evidentemente. diferentes idades da plantação de E. saligna, cujos resulta-
dos podem ser observados na Figura 8. Conforme mostra
Por outro lado, o modelo proposto por KUCZERA (1987), a figura, o deflúvio anual da microbacia tende a diminuir
que mostra que o consumo de água tende a diminuir com do plantio até mais ou menos a idade de 5 anos, a partir
o avanço da idade das plantações (Figura 3), parece tam- da qual tende a se estabilizar e a retornar às condições
bém estar evidenciado nos resultados do monitoramento da de balanço hídrico prevalecentes antes do plantio, retorno
microbacia da Estação Experimental de Itatinga, da ESALQ/ esse que deve ocorrer à idade aproximada de 24 a 25 anos.
USP, que também faz parte do PROMAB. Nas condições do
planalto paulista, os dados de monitoramento hidrológico A análise global dos resultados acumulados das microba-
coletados durante 12 anos consecutivos na microbacia de cias experimentais do PROMAB, por outro lado, permitiu
Itatinga mostraram resultados similares, conforme pode ser também a elaboração da Tabela 1, na qual se procurou
observado na Figura 7. Nesse estudo, durante o período de agrupar os resultados do monitoramento em função das
antes do corte raso mostrado na figura, a microbacia estava diferenças entre o excedente hídrico climático das regi-
coberta com a rebrota de mais de 50 anos de idade, oriunda ões onde elas se inserem, conforme mostrado na coluna
de uma plantação antiga de Eucalyptus saligna. Nota-se que da esquerda da tabela. A coluna da direita, por outro lado,
o deflúvio anual durante essa fase mostrava-se equilibrado mostra os resultados obtidos nas microbacias de monito-
e em sintonia com a variação da precipitação anual. O corte ramento, em termos dos valores médios anuais da pre-
raso dessa floresta antiga produziu um aumento de cerca cipitação, do deflúvio e a diferença entre a precipitação e
de 100 mm no deflúvio do primeiro ano após o corte raso o deflúvio (P-Q), que corresponde à estimativa da evapo-
(CÂMARA & LIMA, 1999), em comparação ao deflúvio anual transpiração na escala da microbacia experimental.
médio de todo o período antes do corte. Imediatamente após
o corte, a microbacia foi de novo plantada com E. saligna, e A análise desta Tabela 1 permite observar, em primeiro
pode-se observar na figura a tendência de diminuição gra- lugar, que o impacto das plantações florestais sobre o
dativa do deflúvio ao longo do período inicial de crescimento consumo de água (evapotranspiração) não ocorre de for-
rápido da nova plantação, numa forma que guarda muita se- ma similar em todas as situações, fato este que vem sen-
melhança com a curva do modelo de KUCZERA (1987). do enfatizado em vários trabalhos de revisão da literatura
mundial sobre o tema. De fato, conforme mostra a tabela,
O comportamento da relação entre a precipitação anual e o o aumento da evapotranspiração das microbacias con-
deflúvio anual mostrado na Figura 7 foi, mais recentemen- tendo plantações florestais de eucalipto e de Pinus, rela-
Idade da plantação
Figura 8
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 Distribuição log-
0%
normal dos valores
Idade da plantação
da redução anual do
Redução anual do defluvio
Observadores
deflúvio
10% observados em diferentes
idades da plantação de
34 Eucaliptus saligna na
20% microbacia experimental
de Itatinga – Estação
Experimental de Ciências
Florestais de Itatinga
30% (FERRAZ et al., 2013).
Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
Tabela 1
Comparação dos resultados médios anuais de balanço hídrico
das microbacias experimentais do PROMAB com os valores médios do balanço hídrico climático
das respectivas regiões onde elas se inserem, agrupados em relação ao valor médio do
excedente hídrico de cada região.
P=precipitação; ETR=evapotranspiração
EXC= excedente hídrico climático
(P-Q)= evapotranspiração na escala da microbacia
Sp = Cobertura florestal (E = Eucalipto, Na = nativa)
N = Número de anos do monitoramento
Observação: os dados do clima regional foram obtidos do balanço hídrico climático das respectivas
regiões onde se inserem as microbacias e representam média de 30 anoa. Para as microbacias do Paraná, os
dados do clima regional foram interpolados dos Mapas Climatológicos do IAPAR, 2008.
tivamente à taxa climática regional da evapotranspiração taxa climática média da região, pois não há normalmente
real, é bastante variável, desde microbacias onde prati- abundância de água disponível.
camente não há diferença alguma, até microbacias onde
esta diferença pode chegar a cerca de 300 mm anuais. Por outro lado, em condições climáticas de precipitação
Essas diferenças, por sua vez, parecem guardar relação bem maior do que a taxa média da evapotranspiração e
com as condições climáticas de disponibilidade natural também de distribuição uniforme ao longo do ano, o ex- 35
de água. Onde essas condições são tais que a precipitação cedente hídrico climático é também bem maior, resultan-
anual é praticamente igual à taxa da evapotranspiração, do num maior diferencial entre a evapotranspiração da
há normalmente pouco excedente hídrico, que restringe a microbacia e a taxa média climática da evapotranspiração
possibilidade da plantação florestal resultar num acrés- real. E há o caso das microbacias situadas entre esses
cimo significativo da evapotranspiração, relativamente à dois extremos climáticos.
Fundamentos Científicos da Relação entre as Plantações Florestais e a Água
A expressão usada na Tabela 1, ou seja, “∆AV = incre- manutenção da qualidade do ecossistema aquático. Desta
mento do fluxo de água verde”, foi elaborada a partir do forma, estabelecer estratégias de manejo sustentável das
trabalho de FALKENMARK & FOLKE (2002), cuja síntese plantações florestais inclui, entre outras coisas, encontrar
encontra-se ilustrada na Figura 9. um balanço sustentável entre os fluxos de água verde (con-
sumo de água pelo crescimento florestal) e água azul (man-
Considerando a microbacia hidrográfica como unidade es- ter o deflúvio nas microbacias). Voltando à Tabela 1, como já
tratégica de planejamento do manejo florestal que incor- afirmado, o incremento do fluxo de água verde (aumento da
pora a conservação da água, o objetivo é sempre fazer com evapotranspiração causada pelas plantações florestais) va-
que haja água azul, pois esta é a água superficial que atende ria de região para região. É imperativo, portanto, que a aná-
não apenas as demais demandas do homem bem como as lise preliminar das condições climáticas prevalecentes seja
demandas do próprio meio ambiente, principalmente em levada em conta na elaboração do plano de manejo florestal,
termos da preservação da vazão ecológica, que garante a a fim de estabelecer estratégias consistentes em cada si-
Divisor topográfico
Fluxo de
água azul
Montante Jusante
Figura 9
A essência do manejo integrado de microbacias hidrográficas,
36 conforme elaborado por FALKENMARK & FOLKE (2002)
Numa dada microbacia hidrográfica, a distribuição da água que chega à microbacia pelas chuvas pode
se dar pela evapotranspiração (fluxo de água verde) e pelo deflúvio (fluxo de água azul). Dependendo
da estratégia de manejo, o fluxo de água verde pode aumentar muito, em detrimento do fluxo de água
azul. Planejar o uso da terra de forma a manter equilibrados esses dois fluxos representa a estratégia
sustentável de conservação dos recursos hídricos.
Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
Edilaine Dick
tuação, visando a manter o equilíbrio na redistribuição da Levando em conta a microbacia,
precipitação incidente. Por outro lado, a mesma Tabela 1
mostra que esse acréscimo do fluxo de água verde causada
a estratégia sustentável de
pelas plantações florestais corresponde a uma diminuição manejo deve sempre buscar o
no fluxo de água azul, ou seja, no deflúvio anual das micro-
bacias. Essa diminuição, por sua vez, parece ocorrer de for- equilíbrio entre os fluxos de
ma variada, de acordo com o que foi inferido por FARLEY
et al. (2005), ou seja: varia em função da relação percentual “água verde” e “água azul”, na
prevalecente entre a precipitação e o deflúvio. Todavia, le-
busca da hidrossolidariedade.
vando em conta os resultados até agora disponíveis, confor-
me mostrado na Tabela 1, pode ocorrer diminuição do def-
lúvio mas não seu desaparecimento, o que, no entanto, não
elimina a possibilidade de que isto possa acontecer, depen-
dendo da conjunção de estratégias inadequadas de manejo -chave que a crise da água vai cada vez mais exigir de todos
e de condições de clima e solo, o que reforça a necessidade nós: a hidrossolidariedade, ou seja, não eliminar nunca o
da análise prévia das condições do balanço hídrico climático fluxo de água azul, procurando estratégias de manejo que
no estabelecimento do plano de manejo. não apenas mantenha esse fluxo equilibrado, mas também
que procure aumentar a oferta de água à jusante.
Essa busca de uma estratégia de manejo de plantações
florestais visando à manutenção de fluxos equilibrados de Essas informações têm, sem dúvida, um caráter prático 37
água verde e água azul, na escala das microbacias hidro- de valor inquestionável, no sentido de nos alertar que, no
gráficas, foi magnificamente sintetizada no próprio título final das contas, o controle dos possíveis impactos hidro-
do trabalho de FALKENMARK & FOLKE (2002), que diz o lógicos depende da aplicação de uma estratégia susten-
seguinte: “A ética do manejo sócio-hidrológico de microba- tável de manejo que leve em conta as interações verifica-
cias: na direção da hidrossolidariedade”. Esta é a palavra- das em trabalhos experimentais.
capítulo 4
O que parece claro, atualmente, principalmente em fun- dobrar a questão do consumo de água em dois aspectos:
ção do volume acumulado de informações e de resulta- o do QUANTO e o do COMO. Quanto é o consumo de água
dos de pesquisas realizadas sobre o assunto no mundo pelas plantações florestais? Já vimos que a resposta para
todo, é que se trata de uma polêmica que envolve inúme- esta pergunta já existe – que não difere muito do consu-
ros outros aspectos, que não somente o de se saber se as mo de florestas naturais – mas não é satisfatória. Agora,
plantações florestais secam ou não o solo. Na realidade, quando tentamos achar a resposta para o COMO, então
trata-se de um problema ambiental, cuja solução, ou ad- a pergunta poderia ser formulada assim:“esse consumo
ministração, deve passar sim pelo crivo da experimenta- de água pelas plantações florestais está dentro das pos-
ção científica, mas deve necessariamente levar em conta sibilidades do meio?” Quer dizer, existe água para aten-
toda a complexidade envolvida nos problemas ambien- der esse consumo e ainda garantir as demais demandas
tais, incluindo as incertezas inerentes nas relações entre desse precioso líquido? Em outras palavras, existe água
o uso dos recursos naturais e os impactos ambientais, para atender ao incremento do fluxo de água verde e ain-
os aspectos sociais e culturais envolvidos na transfor- da manter o fluxo de água azul? Então aí avançamos, não
mação da paisagem e na expansão da área de florestas apenas no sentido de incluir os aspectos sociais e cul-
plantadas, no planejamento adequado desta expansão, turais envolvidos na demanda de água mas também os
principalmente em termos de salvaguardar os remanes- aspectos ecológicos, ao se levar em conta inclusive a ne-
centes da vegetação natural, as áreas hidrologicamente cessidade de água para atender aos processos naturais, a
sensíveis das microbacias, a biodiversidade estrutural e chamada demanda ambiental de água. Quando um riacho
funcional ao longo da paisagem, a saúde do solo e a quan- seca, não é apenas o fluxo de água azul que desaparece,
tidade e qualidade da água. mas toda uma série de processos naturais e serviços am-
bientais, que não sabemos se voltam a existir ou não.
O que essa polêmica reivindica, na realidade, não é a ne-
cessidade de se fazer mais pesquisas para demonstrar O trabalho de FALKENMARK & FOLKE (2002) aponta
que o consumo de água pelas plantações florestais não para um ótimo termo para definir qual é essa mudança
difere muito, ou quase nada, do consumo de florestas de enfoque necessária nas relações entre a silvicultura e
naturais. Essa informação já existe, embora não tenha a água: hidrossolidariedade. Não há nada de errado em
aplacado a inquietude. O que a polêmica reivindica é a ne- se fazer plantações florestais, nem tampouco no fato de
38 cessidade de uma mudança do enfoque nos estudos das que elas necessitam de bastante água. O que devemos
relações entre a silvicultura e a água. Conforme mostra- verificar, todavia, é se esse consumo de água para aten-
do na Figura 9, o consumo de água (fluxo de água verde) der a produção florestal está sendo hidrossolidário com
é apenas parte de um problema maior: o que realmente as outras demandas de água. As duas outras expres-
está acontecendo com a nossa água azul? Avançar em di- sões lançadas por esses autores representam concei-
reção ao estudo deste problema, por exemplo, seria des- tos muito instrutivos para o melhor entendimento desta
Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
Miriam Prochnow
O planejamento do manejo de plantações florestais
deve prover que a demanda de água necessária para o
crescimento florestal não elimine o fluxo de “água azul”,
que é o fluxo que atende as demais demandas por água,
inclusive a do homem.
questão, que são os conceitos de “água verde” e “água hidrográficas”, no final das contas, significa o manejo
azul”, conforme ilustrado na Figura 9. Essa figura mostra das chuvas, não no sentido de controle deste processo
claramente, em primeiro lugar, a microbacia hidrográfi- natural, evidentemente, mas sim no controle de como
ca como a escala natural para a avaliação adequada das manejamos essa entrada natural de água na microbacia.
relações entre a silvicultura e a água. E, como mostra a Podemos, por exemplo, direcioná-la apenas para o fluxo
figura, na microbacia as chuvas constituem o processo de água verde, pelo aumento do consumo de água pelas
natural de entrada de água para o atendimento das de- plantações florestais, em detrimento da água azul. Ou,
mandas da sociedade. Por outro lado, a água que che- por outro lado, podemos planejar o manejo de forma que 39
ga pelas chuvas pode ter dois destinos: o fluxo de “água a demanda da água verde (que atende ao crescimento e à
verde”, representando todas as perdas por evaporação e produção florestal) não elimine o fluxo de água azul (que
pela transpiração vegetal, e o fluxo de “água azul”, re- atende a todas as demais demandas de água, inclusive a
presentando a água superficial. Os autores até definem, do homem). Esse é o grande desafio da sustentabilidade
neste sentido, que a expressão “manejo de microbacias hidrológica do manejo de plantações florestais.
Incorporando o Objetivo de Conservação da Água nas Práticas de Manejo
Não está aí uma magnífica explicação para o aparente pa- prisma de sustentabilidade, tornou-se complexo, o que
radoxo da polêmica em torno do consumo de água pelas requer que devemos aprender a viver com alterações ine-
plantações florestais? Continuar a fazer pesquisa para vitáveis que o manejo causa e evitar que estas alterações
apenas determinar quanto é o consumo de água pelo eu- conduzam à degradação da microbacia.
calipto, ou pelas plantações florestais, significa se preocu-
par apenas com a “água verde”. Mas, como já comentado, Conseqüentemente, uma peça-chave da busca do ma-
isso é apenas parte do problema. É necessário, também, nejo florestal sustentável é o monitoramento, que deve
levar em conta a água azul, ou seja, é imperativo determi- ser entendido aqui como processo de obtenção de infor-
nar também os impactos sobre a “água azul”, pois é dela mações sobre os resultados das ações de manejo sobre
que a sociedade e o próprio meio ambiente dependem. É o meio ambiente, a fim de possibilitar as correções ne-
por isso que a polêmica não acaba, apesar do acúmulo de cessárias no plano de manejo, visando à sua contínua
resultados experimentais. O indicador mais adequado, melhoria. Em outras palavras, o monitoramento tem que
portanto, é o balanço hídrico da microbacia hidrográfica, e ser entendido como parte integrante do próprio manejo
não apenas a evapotranspiração. florestal sustentável, como ferramenta para a melhoria
contínua das práticas de manejo, assim como para ava-
No fundo, essa preocupação está embutida no conceito liar se as práticas de manejo estão, gradativamente e no
do manejo florestal sustentável, principalmente após a longo prazo, degradando o solo, alterando o ciclo de nu-
reunião da UNCED, no Rio de Janeiro, em 1992, conceito trientes e, portanto, o potencial produtivo do solo, ou ain-
este que se caracteriza por alguns aspectos muito impor- da degradando o funcionamento hidrológico das micro-
tantes para o equacionamento desta polêmica: a) trata-se bacias hidrográficas. Entretanto, há ainda outro aspecto,
de um metaconceito, ou seja, envolve necessariamente que resulta da própria diversidade natural da paisagem,
uma mudança de enfoque, de paradigma; b) como con- em termos de clima, solo, geologia, geomorfologia, ve-
ceito, parece algo inútil, nebuloso e desprovido de pratici- getação etc. Em cada região, todas essas manifestações
dade; c) deve ser necessariamente avaliado em todas as e as especificidades locais vão ser diferentes, o que im-
suas dimensões: econômica, ecológica, social, cultural, plica reconhecer que nunca haverá um receituário que
política etc.; d) deve também necessariamente envolver seja de aplicação universal.
diferentes escalas de avaliação; e) deve, finalmente, ser
considerado não como um critério, ou um conjunto de Um princípio basilar embutido no conceito de manejo
critérios que definam o que vem a ser manejo sustentá- florestal sustentável, levando em conta a preocupação
vel, mas sim como uma meta, um alvo. Esse alvo, por sua para com a conservação do solo e da água, é a necessi-
vez, não é um alvo fixo mas móvel, no sentido de que o dade de se considerar a microbacia hidrográfica como
conceito de sustentabilidade é também dinâmico, pois ele base física para o plano de manejo, visando à implemen-
necessariamente reflete o conhecimento que hoje se dis- tação de práticas sustentáveis de manejo. Tais práticas,
põe a respeito do funcionamento dos sistemas biológicos. nesse sentido, devem necessariamente considerar a in-
O interessante, porém, é que, analisado sob esse prisma, tegração, as inter-relações e os efeitos das práticas de
o conceito acaba se tornando absolutamente cristalino, manejo sobre o solo, em termos da manutenção de seu
pois aponta uma direção a seguir, ou seja, aponta uma potencial produtivo, e a água, tanto em termos de quan-
meta, um objetivo. Pode-se dizer então que o manejo flo- tidade, qualidade, regime de vazão, como em termos da
restal sustentável será sempre um eterno aprendizado, manutenção da qualidade do ecossistema aquático, ou
uma busca, um processo de melhoria contínua das práti- seja, a água azul. Esse objetivo de incorporar os valo-
cas de manejo, tanto no sentido de aumentar a produtivi- res da água e do solo no plano de manejo depende do
40 dade florestal – que é afinal o objetivo maior das planta- estabelecimento de critérios para a proteção dos servi-
ções florestais de larga escala –, mas principalmente no ços ambientais na escala das microbacias hidrográficas.
sentido de garantir, concomitantemente, a permanência Esses serviços ambientais classificam-se, como resu-
de valores da paisagem, que são fundamentais para a mido por FALKENMARK & FOLKE (2002) em: a) físicos:
conservação da água e de outros componentes do meio proteção da superfície e da infiltração do solo. Parecem
ambiente. Enfim, o manejo florestal, visto sob esse novo simples, mas são, na realidade, cruciais para a conser-
Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
vação da água; b) químicos: processos de denitrificação, proteção de elementos e de espaços da paisagem que são
produção de oxigênio, absorção de CO2 etc.; c) biológi- importantes para a manutenção da resiliência das micro-
cos: dispersão de sementes, polinização, controle bioló- bacias, entendida aqui como sua capacidade de absorver
gico de pragas e doenças etc. Esses serviços ambientais perturbações sem perder a estabilidade, tais como: bio-
são fundamentais para a permanência de processos e diversidade, áreas ripárias, integridade do ecossistema
de condições que garantem a estabilidade e a qualidade ripário. E esses elementos e espaços da paisagem não
da água azul. servem apenas ao propósito estético e ético, mas prin-
cipalmente ao propósito funcional. Ou seja, sua perda
Aliado a esses critérios de proteção dos serviços ambien- compromete a própria funcionalidade da microbacia e da
tais, o plano deve, também, estabelecer estratégia de paisagem (FALKENMARK & FOLKE, 2002).
Outro princípio importante, que deriva naturalmente sustentável. Todavia, conforme mostra a figura, impactos
quando o plano de manejo florestal tem como base a mi- ambientais podem estar ocorrendo nas outras escalas, e
crobacia hidrográfica, é a questão das diferentes escalas quem vai levar a culpa é a “silvicultura Nota 10”. Portan-
da sustentabilidade hidrológica, conforme ilustrado na to, essa mudança de enfoque passa, também, pela neces-
Figura 10. Como esquematizado nessa figura, as opera- sidade de visão sistêmica do manejo, evoluindo de uma
ções de manejo florestal ocorrem, normalmente, na Uni- “visão de túnel”, que só foca o talhão, para uma “visão de
dade de Manejo Florestal. Um bom manejador florestal radar”, mais abrangente, mais sistêmica, que analisa e
procura colocar todo o seu conhecimento e sua compe- leva em conta os fatores da escala meso, que dizem res-
tência profissional no estabelecimento de uma “silvicul- peito principalmente à conservação da estabilidade das
tura Nota 10” em cada unidade de manejo, tanto visando microbacias, assim como a escala maior, que informa so-
ao aumento da produtividade florestal quanto a diminuir bre as potencialidades e as limitações naturais do meio,
impactos ambientais. Isso faz parte da busca do manejo principalmente em termos da disponibilidade natural de
Escalas da sustentabilidade
Saúde da Microbacia
Demanda de água
Disponibilidade de água Práticas de manejo
Balanço hídrico
Precipitação adaptativo de florestas
Regime de vazão plantadas
Evapotranspiração potencial
Assoreamento Espécies
Balanço hídrico climático Espaçamento
Ecossistema aquático
Legislação ambiental Planejamento de uso Ciclo de rotação
Produtividade do solo Desenho das estradas Proteção da superfície do solo
Colheita florestal
Áreas ripárias (mata ciliar)
Hidrologia do solo
Uma forma integrada para a análise das diferentes escalas envolvidas na conservação
do solo e da água para orientar a busca do manejo sustentável de florestas plantadas.
Figura 10
Esquema ilustrativo das diferentes escalas da sustentabilidade hidrológica
A implementação das práticas de manejo na unidade de manejo florestal representa a escala das ações
antrópicas visando à produção florestal. Essas ações podem, eventualmente, impactar os recursos
42 hídricos. No entanto, como mostra a figura, existem também as imposições naturais e legais que sinalizam
as limitações do meio, principalmente em termos da disponibilidade climática natural da água. A escala
do meio, por sua vez, é a escala das microbacias, cujas condições, por um lado, são o reflexo das mesmas
imposições climáticas naturais. Por outro lado, elas também são o reflexo das alterações da paisagem
causadas pelo homem.
Cadernos do Diálogo • Volume 1, 2a edição - atualizada • Água e Silvicultura
água CALDER (2007), em seu trabalho intitulado “Fazen- as práticas de manejo e impactos sobre a água, relações
do com que os benefícios da floresta suplantem os custos estas baseadas em resultados e informações disponíveis
do maior consumo de água”, usou o conceito de “água na literatura, principalmente em função de algumas ca-
verde” e “água azul” criado por FALKENMARK & FOLKE racterísticas básicas de um bom indicador, em especial
(2002), e resume muito bem a necessidade de se analisar no que diz respeito a: custo, entendimento fácil por técni-
consistentemente a escala macro de disponibilidade na- cos e leigos, transparência, relação de causa e efeito com
tural de água, conforme mostrado na Figura 11. as práticas de manejo.
Com o intuito de imprimir um caráter essencialmente O critério que leva em conta a relação de causa e efeito en-
aplicado a esse conceito de monitoramento nas diferentes tre as práticas de manejo florestal e a água deve ser real-
escalas da sustentabilidade hidrológica, a Tabela 2 procu- çado. Primeiro, conforme já afirmado, não se deve esperar
ra exemplificar algumas relações já reconhecidas entre que as atividades de manejo florestal possam afetar todos
Figura 11
Quadrantes sugeridos por CALDER (2007) para a análise consistente
das disponibilidades e limitações naturais de água
identificam quatro condições para estas limitações e potencialidades hídricas do meio, em função da
relação entre a precipitação e a evapotranspiração, assim como entre o fluxo superficial (vazão média) e 43
a vazão mínima permitida. Dependendo da interação dessas duas relações, a região pode ser mais ou menos
restritiva para o desenvolvimento florestal ou para qualquer atividade que demanda muita água.
Incorporando o Objetivo de Conservação da Água nas Práticas de Manejo
Tabela 2
Relação de causa e efeito entre o manejo de florestas plantadas
e os possíveis impactos hidrológicos
levando em conta as diferentes escalas, ou níveis de planejamento, nas quais esta relação
pode se manifestar, com os respectivos indicadores de monitoramento e critérios conceituais
de manejo adaptativo visando à minimização destes impactos.
Indicadores para
Impactos sobre a água Causas prováveis Manejo adaptativo
o monitoramento
Disponibilidade Desmatamento / Balanço Hídrico regional • Análise das condições do meio físico;
de água Reflorestamento • Espaçamento;
Atributos da paisagem Grandes extensões de Zoneamento ecológico • Fisiologia dos clones;
e biodiversidade florestas plantadas • Desenhos dos talhões e taxa de
ocupação das fazendas
Balanço hídrico da Plantações florestais Vazão e precipitação e • Densidade de plantio por microbacia;
microbacia e regime nível do lençol freático • Período de rotação;
de vazão • Época e métodos de fertilização;
• Silvicultura de precisão;
Eutrofização Fertilização, erosão, Concentração de N e P
• Cultivo mínimo;
ausência de mata na água dos riachos
• Taxa de corte raso por microbacia;
ciliar
• Ciclagem de nutrientes.
Assoreamento dos Erosão e Turbidez, sedimentos • Biodiversidade;
cursos d’água sedimentação em suspensão • Compactação do solo;
• Sistemas agroflorestais;
Perda de nutrientes Erosão e corte raso Condutividade elétrica, • Queimadas.
da floresta biogeoquímica da
44 microbacia: N, P, K,
Ca e Mg
os parâmetros químicos, físicos e biológicos da qualidade lidade da água à jusante, e essa responsabilidade social
da água. Desta forma, não faz sentido monitorá-los todos. também faz parte da busca do manejo sustentável.
Mais importante ainda é entender que o objetivo do mo-
nitoramento, pela mesma razão, não é necessariamente Os indicadores para o monitoramento, listados na Tabela 2,
saber se a qualidade da água está sendo alterada pelas não devem ser confundidos como garantia de manejo sus-
práticas de manejo. Ao contrário, o monitoramento, como tentável, já que manejo sustentável é apenas um conceito.
ferramenta para a melhoria contínua do manejo, baseia- Todavia, eles podem contribuir para a garantia da preser-
-se no fato de que algumas práticas de manejo podem vação da qualidade ambiental, levando em conta os fatores
resultar em alterações de alguns parâmetros, os quais, ambientais considerados. E essa qualidade ambiental é um
neste sentido, funcionam então como indicadores, não dos pilares do conceito de manejo sustentável. Da mesma
da qualidade da água mas da qualidade das práticas de forma, a coluna “Manejo Adaptativo” desta tabela não deve
manejo. E essa conotação tem significado prático muito ser entendida como receituário de práticas de bom mane-
importante, pois funciona como ferramenta para a melho- jo, mas apenas como critérios conceituais, baseado nos
ria contínua das práticas de manejo (manejo adaptativo). quais é possível identificar medidas mitigadoras, visando à
Por outro lado, deve-se levar em conta, evidentemente, diminuição ou à eliminação dos impactos potenciais lista-
que o eventual aumento na concentração de sedimentos, dos. Evidentemente que esses critérios devem, por nature-
nutrientes e resíduos orgânicos nos riachos que drenam za, ser materializados em ações de manejo que levem em
a unidade de manejo florestal pode comprometer a qua- conta as especificidades de cada local.
45
A coluna “Manejo Adaptativo” da Tabela 2 pode ser en- das, dentro de critérios economicamente sustentáveis,
tendida como uma sugestão de como levar em conta a pode contribuir para o retorno de melhores condições de
microbacia (isto é, a manutenção da saúde das microba- disponibilidade de água azul nas microbacias. Por outro
cias hidrográficas influenciadas pelo manejo florestal) lado, esse efeito pode também ser alcançado por estra-
no plano de manejo. Algumas das medidas ali citadas já tégias diferenciadas de manejo, que levem em conta, por
foram oportunamente comentadas neste documento. A exemplo, a proporção de florestas nativas em relação às
Figura 3, por exemplo, que mostra a relação do consumo áreas plantadas, assim como manejo em mosaico (FER-
de água com a idade da plantação, sugere que trabalhar RAZ et al., 2013).
com a questão da idade de rotação pode ser uma linha
consistente de pesquisa, visando a alcançar a hidrosso- Outra medida listada diz respeito à densidade do plantio.
lidariedade, já que a colheita em idades mais avança- Conforme mostrado na Figura 12, produzida no trabalho
Figura 12
Possibilidades da inserção do controle do espaçamento como estratégia
hidrossolidária de manejo das plantações florestais
em condições de possíveis conflitos pelo uso da água (WHITEHEAD & KELLIHER, 1991).
Miriam Prochnow
de WHITEHEAD & KELLIHER (1991), a menor densidade Para a efetiva conservação dos recursos hídricos,
de árvores remanescentes após um desbaste em uma os proprietários rurais precisam ter acesso às
plantação florestal de Pinus radiata foi suficiente para pro- informações que possibilitem a implantação de
porcionar um aumento de 200 mm de água da chuva, que atividades sustentáveis em seus imóveis.
efetivamente fica disponível para recarregar o solo. Isso
sinaliza que o controle do espaçamento pode ser uma
medida de manejo que pode ser utilizada tanto para re-
solver momentaneamente algum conflito estabelecido
quanto em estratégias mais adequadas, quando as limi-
tações naturais de água assim o exigir.
cedo ou mais tarde. Como afirmado por NARASIMHAN
Conforme pode ser depreendido, “considerar a micro- (2008), talvez a constatação mais importante que resul-
bacia no plano de manejo” implica muito mais do que tou do acúmulo do conhecimento sobre o funcionamento
apenas confeccionar um mapa da área com a identifi- da biosfera e dos sistemas biológicos é que a Terra é
cação de suas microbacias, ou ainda tentar transfor- finita e sua capacidade de manter a vida é crucialmente
mar o talhão em microbacia. Mas, por outro lado, não dependente da delicada inter-relação entre os sistemas
se trata, tampouco, de tarefa por demais complexa, pelo biológicos. Absorver essa constatação e desenvolver es- 47
contrário. Se alguma complexidade existe, esta fica por tratégias sustentáveis de manejo dos recursos naturais
conta apenas da dificuldade humana de embutir essas e de conservação dos recursos hídricos é questão de
variáveis ambientais nos modelos econômicos conven- sobrevivência – e não apenas um gasto a mais que se
cionais de tomada de decisões no manejo florestal. En- permite nas decisões, visando a eliminar as pegadas ou
tretanto, essa dificuldade terá que ser resolvida, mais os rastros hidrológicos das práticas de manejo.
Conclusão
Edilaine Dick
O presente trabalho procurou fazer uma análise crítica da A relação entre a floresta e a água
relação entre a silvicultura e a água, levando em conta o é complexa, não possibilitando o
que a ciência já esclareceu, assim como as incoerências estabelecimento de uma teoria geral.
embutidas nesta polêmica e também os ensinamentos Cabe a nós adotarmos medidas de manejo
que as informações disponíveis oferecem para a melhoria que garantam a permanência dos
das práticas de manejo visando à conservação da água. serviços ambientais.
manejo florestal sustentável. Neste sentido, a microbacia Dogmas, ideologia e disputas insólitas não fazem parte da
possibilita uma abordagem sistêmica do problema, eviden- solução, sendo apenas responsáveis pela falsa noção de
ciando a necessidade de se analisar a distribuição da água que as plantações florestais são necessariamente maléfi-
que entra naturalmente pelas chuvas, tanto em fluxos de cas para os recursos hídricos e pela perpetuação do folclo-
água verde, representando as perdas por evapotranspira- re em torno do eucalipto. Podem, também, contribuir para
ção, quanto em fluxos de água azul, representando a pre- medidas que frequentemente atacam os sintomas e não as
ocupação para com a perpetuação da vazão dos riachos. causas da degradação dos recursos hídricos.
Miriam Prochnow
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