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Fantasias Lusitanas: A
globalização imaginada
2010/2011
Vós que lá do vosso império
Prometeis um mundo novo
Lembrai-vos que pode o povo
Q’rer um mundo novo a sério.
António Aleixo (1943)
A ideia de que o planeta possa ser vivido a uma escala global não parece ser tão distante
quanto possa parecer, e apesar da utopia, as mudanças dão-se a uma velocidade nunca
antes atingida. As alocuções à teoria científica da deriva continental trazem ao
imaginário planetário a ideia de que o território planetário possa voltar a estar junto
como possivelmente, na origem, em Pangeia. A tecnologia tem tido um contributo
sobre determinante para que esta aproximação se tenha tornado uma realidade. Se de
algum modo a barreira temporal diminuiu com a redução do tempo da viagem, não
diminuíram, de forma tão acentuada os conflitos sociais e culturais.
Da globalização talvez possamos começar por afirmar que as origens que sustentam o
fenómeno têm um passado comum na história do ser humano, mas apenas com o
surgimento pós-modernismo, nos permitam entender as profundas transformações
sociais e culturais que o planeta possa atingir?
Este ensaio tem então como objectivo tentar posicionar, relacionar e questionar os
conceitos de globalização no mundo pós-moderno tomando como paralelo e ponto de
partida para o debate de ideias sobre o fenómeno de globalização e de que forma este
fenómeno poderá estar presente no documentário de João Canijo (2010), Fantasia
Lusitana, e, consequentemente, de que forma estaria presente na sociedade portuguesa
dos anos quarenta.
Em relação à primeira questão tanto Appadurai como Canclini parecem concordar que
da forma como é hoje discutida a globalização trata-se de um fenómeno recente:
(Canclini, 2002: 2)
Implícita neste livro está uma teoria de ruptura que toma os meios de
comunicação social e a migração como os dois diacríticos principais e
interligados, e explora o seu efeito conjunto sobre a obra da imaginação como
característica constitutiva da sociedade moderna. (Appadurai, 2004: 13-14)
Desta forma entendemos que a globalização se distingue, como é descrita nas obras dos
autores referidos, dos processos de colonização, imperialistas que tiveram origens muito
remotas. Existem vários factores que podem ser analisados neste contexto. Um deles é
que, para o senso comum e o imaginário colectivo, depois da “queda do muro” o mundo
seria americanizado. Contudo e apesar de o imaginário norte-americano possa ser o
mais mediatizado são vários os exemplos para demonstrar como por norma a um grupo
dominante ou hegemónico se opõe um grupo contra-hegemónico. Veja-se a criação do
Fórum Social Mundial realizado pela primeira vez em Porto Alegre e que teve o cunho
de Boaventura de Sousa Santos por oposição ao Forum Económico Mundial que se
realiza em Davos, todos os anos, onde os países mais poderosos do globo se reúnem
para debater e consertar lógicas de mercado.
Mais como indica Canclini «En esa competencia inequitativa entre imaginários se
percebe que a globalizacíon es y no es lo que promete. Muchos globalizadores andan
pelo mundo fingiendo la globalizacíon.» (1999: 12)
A expressão «mala malfeita» que Canclini (1999) usa para descrever de alguma forma o
uso que tem sido dado ao termo globalização ilustra bem, por um lado as confusões que
Assim como o entendimento da questão cultural que como afirma Canclini não é o
espaço em que se sabe que dois mais dois são quatro mas resulta de imaginar como se
vai posicionar a quantidade de informação que circula de forma um pouco aleatória e
como se vão encontrar os dois movimentos:: hegemónicos e contra-hegemónicos.
Ao resistir à ideia de cultura que nos tenta pensar grupos sociais existentes como
culturas, resisti também à forma substantiva cultura e sugeri uma abordagem
adjectiva da cultura que reforça as suas dimensões contextual, heurística e
comparativa e nos orienta para a ideia de cultura como diferença, diferença
especialmente no domínio da identidade de grupo. Sugiro, portanto, que a cultura é
uma dimensão penetrante do discurso humano que explora a diferença para gerar
diversas concepções da identidade de grupo. (Appadurai, 2004: 27)
Parece de algum modo que no campo cultural, a oposição entre local e global, não tem
resultado numa polarização entre os dois mas sim como postula Canclini nas produção
de culturas hibrídas a forma como o global não pertende anular o local, mas pode e
deveria ser uma forma de encontrar um equilíbrio, já que não podemos mudar o facto de
A partir da nomenclatura que Appadurai (2004) utiliza: paisagens, far-se-á uma breve
análise do filme partindo de algumas questões. Appadurai lança mão desta
terminologia para problematizar e explorar aquilo que se apresentam como disjunturas
entre economia, cultura e política. Esta proposta vai também ao encontro de uma
reflexão sobre os mundos imaginados que os vários grupos que então se encontraram no
mesmo espaço territorial.
Começemos pela Etnopaisagem no príncipio dos anos 40 Portugal estava inundado por
um mundo em deslocação, milhares de pessoas fugiam da guerra e enchiam as ruas da
capital portuguesa e algumas das principais cidades. São impressionantes as imagens da
época da movimentação das pessoas nas ruas.
Portugal era na altura visto como um país periférico, com pouco desenvolvimento, com
uma tradição católica conservadora, muito rural e que contrastava em certa medida com
os ideias de progresso e desenvolvimento que se iniciaram com o processo de
revolução e que faziam parte, não só do imaginário mas também da realidade com que
os grupos que recebíamos faziam parte.
A Exposição do Mundo Português quer afirmar Portugal como uma nação civilizada e
civilazadora fazendo uso da etnicidade das culturas e das suas práticas sociais,
profissionais e culturais. Quer afirmar também, em plena guerra, a paz em Portugal,
demonstrando à nação o génio e poder de António de Oliveira Salazar. «A Grande
Exposição Histórica do Mundo Português, - uma síntese da nossa acção civilizadora, da
nossa acção na história do mundo, de todas as pegadas e vestígios de Portugal no mundo
(Salazar in Ó, 1992: 431)»
Ao nível das mediapaisagens toda a informação fosse ao nível da rádio e dos jornais da
época, já que a televisão surgiu apenas em 1955 fosse em espectáculos, cinema, livros,
era previamente objecto de análise por parte da censura que se consubstanciava na
entidade da Sociedade de Propaganda Nacional. É muito curioso o episódio da «Nau
Portugal» que é, provavelmente, desconhecido para a grande maioria dos portugueses e
Segundo Bouaventura Sousa Santos este esvaziamento cultural está associado a uma
grande falta de cultura democrático e de séculos de repressão do imaginário:
A partir do século XVII, Portugal entrou num longo período histórico dominado
pela repressão ideológica, relativa estagnação científica e obscurantismo cultural,
um período que teve a sua primeira (e longa) manifestação na Inquisição e a última
(assim esperamos) nos quase cinqüenta anos de censura salazarista. A violação
recorrente das liberdades civis e a atitude hostil frente à razão crítica fizeram com
que acabasse por dominar a crítica da razão, geradora dos mitos e esquecimentos
com que os portugueses teceram os seus desencontros com a história. O
desconhecimento de Portugal é, antes de mais nada, um auto-desconhecimento. O
Encoberto é a imagem da ignorância dos portugueses a respeito de si próprios
refletida num espelho complacente. (Santos, 1993: 16)
[…]. O fato de o Estado português não ter desempenhado cabalmente nenhuma das
duas funções — diferenciação face ao exterior e homogeneização interna — teve
um impacto decisivo na cultura dos Portugueses, o qual consistiu em as espácio-
temporalidades culturais local e transnacional terem sido sempre mais fortes do que
a espácio-temporalidade nacional. (Santos, 1993: 47)
Por exemplo numa das últimas campanhas levadas a cabo pelo Turismo de Portugal que
representou um investimento muito significativo e onde podemos encontrar um
problema não só ligado à translation turn, mas também à cultural turn é a campanha
que ficou, polémicas à parte, conhecida além fronteiras como: Portugal a casa de
banho da Europa, em versão original: Portugal: Europe’s WC (West Coast). Faço uso
desta campanha como paradigma da representação social face à Europa central, mas
também para o facto de alguns rostos associados à campanha estavam associados ao
Fado e ao Futebol.
Para terminar e partindo da questão que nos trás a este ensaio, quo vadis globalization
considero que a globalização é de alguma forma um processo inerente à condição
humana, porquanto pelo simples facto de fazermos parte do mesmo planeta. Da mesma
forma as mudanças e as diferenças fazem parte da mesma condição e portanto a
globalização será sempre um work in progresso, contudo penso que um dos principais
beníficios são as relações simbióticas e os exemplos de equilíbrio que podemos
encontrar neste encontro/desencontro entre plural e singular, hegemónico e contra-
hegemónico, global e local.
Considero ainda que seria importante analisar de uma forma mais intensa o imaginário
social português de forma a poder transformá-lo num imaginário mais participativo,
justo e democrático. A rapidez dos processos mediáticos que trouxeram para a ordem do
dia a questão da globalização carece de tempo para a reflexão, para o conhecimento
social e individual. É necessário e urgente entendermos de onde partimos para
posicionar o caminho que queremos encontrar, será que falta imaginação? Ou vontade?
Como Sebastião da Gama termino com um dos seus poemas mais enigmáticos como
voz de um dos vários imaginários que sobrevoam Portugal.
Bibliografia
Aleixo, António (1943) Este Livro que vos deixo, Lisboa: Editorial Notícias