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R Tat S Fernando Tarallo A PESQUISA . SOCIO- LINGUISTICA A meus pais; Jodo e Ida Tarallo Diregao Benjamin Abdaia. Junior Samira Youssef Campedetti Preparagéo de texto Sueli Campopiano gréfico/miolo Antonio do Amaral Rocha Arte-final René Etlene Ardanuy Joseval Souza Fernandes Ary Almeida Normanha prensa acsbamcony net" tone Tater ag0-a0ve ISBN 85 08 00706 x 1997 Todos os direitos reservados peta Editora Atica Rua Barao de Iguape, 110 -'CEP 01507-900. Caixa Postal 8656- CEP 01068-9760 Sao Paulo - SP Tels (011) 278-9322 — Fax: (011) 277-4146 Internet: http:/Awww.atica.com.br e-mail: editora@atica:com.br Lista de figuras e tabelas FIGURAS 4 — Diagrama dos componentes da narrativa_____ 26 2 — Grafico do uso de trés variantes relativas em textos de media, sonia 64 3 — Estratificacao socioestilistica de em Norwich_69 4 — Estratificagao estilistica e etdria de em Norwich_69 5 — Retengo pronominal em trés funcdes sintéticas atra- vés de quatro periodos de tempo. a 6 — Freqiiéncia de uso de trés estratégms de relativizacao em quatro periodos de tempo. 77 7 — Freqiiéncia de uso de trés estratégias de relativizagao comparadas & retengao pronominal em fungao de objeto de preposigao em quatro periodos de tempo______78 TABELAS 1 — Centralizagdo e sentimento em relacdo a Martha's Vi- fevered 2 — Efeito estilistico sobre o uso de relativas com pro- home-lembrete——___________53 3 — Percentagem de uso de pronome-lembrete de acordo com estilo ¢ classe social ______________§3 4 — Percentagem de uso de trés variantes relativas em textos de media _____60 5 — Desenvolvimento de cinco varidveis do espanho! por grupos etarios. 66 6 — Estratificagdo social de cinco variavels de espanho! do Panama — 1, 3 - on Sumario A relacao entre lingua e sociedade 5 Palavras_iniciais, 5; Breve histérico. di sociolingilistics quantitativa, 7; A vuridvel ¢ as vartuntes Jingilisticas, 8; Variantes-padrao/ nao-padrao- conservadoras: inovadoras: es- tigmatizadas/de prestigio. 11: Proximas atragdes. 14 O fato sociolingiistico n Teoria, método ¢ objeto, 17; A lingua falda. O vernaculo, 19; © paradoxo do observador, 20; O metody de entrevista sociolingijistica: a coleta de narrativas de experiéncia pes- soal, 21; A narrativa, 23; A comunidade e¢ i selegao de infor- mantes. 26; As: células sociais. 28: O dado ndo-natural. 30; A. coleta de dados; conclusdo, 31 A variacao lingijistica: primeira instancia 3B oO envelope de variagao, 33; As armas ¢ as artimanhas variantes: fatores. condicionadores. 36; A yperucionutizagao do modelo. 39% O encaixamento linguistiva da variavel. 42; Os fatores extralingijisticos, 46 A variagao lingiistica: segunda instancia 49 A. avaliagio de varidveis sociolingitisucas. © informante. 49; A situagio de teste: estilo e classe ae $2: Testes de percepgao versus testes de producao, SS: variugao e@ a normalizacéo- linghisticas, 57; Gramatica ¢ estilo, 64 Variagao e mudanga lingiisticas___...._—63 Comemporizacao ou morte?. 63: A fuixa eiitias o tempo ‘aparente, 68; O tempo seal: fontes histrjcas. 70; A vieem de ida ¢ de volta: do: presente no passade ¢ de volta ao pre- sente, 7 Conclusées 80 A grande: vit6ria: 0 final afinal!. 80: Os universais yaria- veis, 83 Vocabulario critico 8s Bibliogratia comentada_t_________ 89 Livros: didaticos, 89; Antologias. 91; © tratulho de Labow. 93; Sugestdes de leitura, 95 1 A relacdo entre lingua e sociedade Palavras iniciais Tudo aquilo que nao pede ser prontamente proces- sado, analisado © sistematizado peta mente humana pro- voca desconforto. Na verdade, a reagio humana frente ao caos, seja ele de que natureza for, ¢ de ansiedade. Este livro: propée a vocé manciras possiveis de se combater “caos” lingiiistico: vocé ira enfrentar o desafie de tentar processar, analisar e¢ sistematizar o universo aparente- mente cadtico da lingua falada. A partir dos indmeros exemplos de situagdes sugeri- das no texto, vocé desde logo observara que o “¢aos” basi- camente se configura como um campo de batalha em que duas (ou mais) maneiras de se dizer 2 mesma. coisa (dora- vante chamadas “variantes lingilisticas”) se enfrentam em um duclo de contemporizagio, por sua subsisténcia ¢ co- exist€ncia, ou, mais fatalisticamente. em um combate san- grento de-merte. Para suxité-ie passes apresentados no texto (ou de autros com os quais vocé venha a se defrontar om suas atividiides funiras de pesquisador da area), proporei um ponte de partida basico SN 6 para suas andlises, ao qual vocé poderé retornar sempre que houver necessidade: a relagdo entre lingua e socie- dade. Municie-se desta relagdo e tire dela todo o pro- veito tedrico e¢ metodoldgicn possivel! Noa entanto vocé poderé se questionar: mas essa relagdo nao é dbvia? Tal relagéo, defendida arduamente pelos seguidores do modelo de concepgao estruturalista da linguagem das décadas de 20 ¢ 30, foi sutilmente abandonada pela escola gerativo-transformacional. Lembre-se de que, segundo Chomsky (1965), 0 objeto dos estudos lingiiisticos é a competéncia lingiiistica do falante-ouvinte ideal, perten- cente a uma comunidade lingiiisticamente homogénea. Dentro desse modelo de analise, vocé nem deveria accitar © desafio por mim proposto, uma vez que 4 comunidade lingiiistica ¢ homogénea. Nao haverd heterogeneidade ou “caos™ para se sistematizar! Esse falantc-ouvinte ideal, no entanto, nao parece ser tao “falante-ouvinte”, nem tampouco “ideal”, A cada si- tuagao de fala em que nos inserimos e da qual participa- mos, notamos que a lingua falada €, a um s6 tempo, hete- rogénea e diversificada, E & precisamente essa situagdo de. heterogeneidade que deve ser sistematizada, Se 0 caos apa- rente, se a heterogencidade nao pudessem ser sistcmati- zados, como entao justificar que tal diversificagao lingiiis- tica entre os membros de uma comunidade ndo os impede de se entenderem, de se comunicarem? Analisar e aprender a sistematizar variantes lingiiis- ticas usadas por uma mesma comunidade de fala serdo nossos principais objetivos, O modelo de analise a ser desenvolvido neste livro é o que se convencionou deno- minar “teoria da variagéo lingiiistica’, Trata-se de um modelo tedrico-metodolégico que assume o “caos" lingilis- tico como objeto de estudo. Como esse modelo, por prin- cipio, nao admite a existéncia de uma ciéncia da lingua- Tt gem que nao seja social, o proprio titulo. “Sociolingilistica™ fica redundante. No meio social as variantes coexistem em seu campo natural de batalha. E 0 uso mais ou menos provavel de uma ou de outra que iremos analisar. Breve histérico da sociolingiiistica quantitativa © iniciador desse modelo tedrico-metodolégico € o americano William Labév. Nao que ele ténha sido o pri- meiro sociolingiista a surgir no cendrio da investigagao. lingilistica. Modelos. do passado mais distante, e também do mais recente, cerlamente 0’ inspiraram na sua concep- gio de uma nova teoria. Nesse sentido podem ser cha- mados de sociolingijistas todos aqueles que entendem por lingua um veiculo de comynicacao, de informagao e de expresso entre os individuos da espicie humana. Assim sendo, tem-se em Ferdinand de Saussure um sociolingiista! Q modelo de andlise proposto por Labov apresenta-se como uma reagio 4 auséncia do componente social no modelo gerativo. Foi, portanto, William Labov quem,. mais veementemente, voltou a insistir na relagaéo. entre Iingua € sociedade e na possibilidade, virtual e real, de sé sistematizar a variagaio existente e prépria da lingua falada. Desde seu priméiro estudo, de 1963, sobre o inglés falado na ilha de Martha's Vineyard, no Estado de Massa- chusetts (Estados Unidos), varios outros se seguiram: estu- dos sobre a estratificagao social do inglés falado na cidade de Nova lorque (1966); a lingua do gucto: cstudo sobre 0 inglés verndculo dos adolescentes negros do Harlem, Nova lorque. ¢ estudos sociolingiisticos da Filadéifia, entre’ ou- tros. Além desses, uma enorme quantidade de estudos lin- nL gilisticos de outras comunidades de fala ja foi realizada por outros pesquisadores da drea: sobre o ¢spanhol falado da cidade do Panama; sobre o espanhol falado por porto- -Tiquenhos’ residentes nos Estados Unidos; sobre o. inglés falado em Norwich, Inglaterra, e em Belfast, Irlanda; sobre o francés falado na cidade de Montreal, Canada; ¢ sobre © portugués falado nas cidades do Rio de Janciro, Belo Horizonte ¢ Sao Paulo. O modelo de anilise lingiiistica proposto por Laboy € também rotulado por alguns de “sociolingiiistica quanti- tativa”, por operar com nimeres ¢ watamento estatistico dos dados. coletados. A variavel e as variantes lingiiisticas Em toda comunidade de fala sao freqiientes as formas lingiifsticas em variagao. Como referimos anteriormente, a essas formas em variagéo da-se © nome de “variantes”. “Variantes lingilisticas” sao, portanto, diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, ¢ com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes da-se'o nome de “varidvel lingiiistica”, Vejamos um exemplo! No portugués falado da Bra- sil, a marcagdo de plural no sintagma nominal (doravante SN; constituinte frasal minimo, composte de um nucleo substantivo obrigatério, modificade por determinuntes ¢ adjetivos) encontra-se em estado de variagao, Tem-se aqui um exemplo de varidvel lingiiistica: a marcagao do plural no SN. A essa variavel correspondem duas variantes |i gilisticas, as adversrias do campo de batalha da variacio: 4 variante (1) 6 a presenga do seemento fonicn ox) e 4 variante (2), em contrapartida, é a auséncia desse seg- a forma “zero”. Para assinalar a varidvel, usaremos: parénieses angulares <)>. os quais, segundo a mL > convengao do modelo, indicam a variagao do item lin- giiistico analisado, Para as variantes serao usados colche- tes. Assim, tem-se: [s] I$] O plural no portugués é marcado redundantemente ao longo do SN: no determinante, no nome-niicleo ¢ nos modificadores-adjetives. A variagao na marcagio do plu- ral no SN pode, portanto, tomar as seguintes formas: 1. aS meninaS bonitaS 2. aS meninas bonitag 3, aS meninag bonitad Isto é; em (1), nosso suposto falante reteve a marca de plural ao longo do SN, espelhando assim em seu desem- penho lingtiistico a norma-padrio do portugués. Em (2). o falante retém a variante [s] na posicao de deteminante e de nome-nicleo, mas lanca da variante[djpara a Posi- cio de adjetivo modificador. Em (3), o falante utili da variante n4o-padrao [p] nas duas pasigdes finais do SN, retendo a marca de plural somente na posigao inicial. Essa variagdo, como sera exposto no capitulo 3: se mani- festa tanto a nivel de grupo conio a nivel individual. Os estudas do espanhol falado na cidade do Panama © pelos porto-riquenhos residentes na Filadélfie demonstre- ram que a varidvel de pluralidade eae wes yuriuntes principais: duas delas, o {[s] ¢ o [4]. so idén- ticas ds encontradas no sistema de variagao do portugués 10 falado do Brasil, enquanto a terceira, uma fricativa aspi- rada, apesar de nao-padrao, mantém a marca de plurali- dade no SN. Assim, em espanhol, tem-se: {s] {h) {e] Igualmente, podemos imaginar combinagdes a que o falante do espanhol panamenho ou do porto-riquenho esta acostumado, como em: 1. laS cosaS bonitaS laH cosaH bonitaH 2. laS cosaS bonitag laH cosaH bonitag 3. laS cosap bonitad laH cosad bonitad Esses dois exemplos de variag4o, assim como outros a serem apresentados, podem ser sistematizados. Tal sis? tematizac&@ consiste primordialmente em: 1) um levantamento. exaustivo de’ dados de linguay falada, para fins de andlise,. dados estes que refletem mai¥ fielmenté o-verndculo da comunidadé 2 descricao, detalhada, da. :variavel, acompanhada dg um perfil completo. das variantés ‘que ‘a constituem# 3) .andlise. dos: possiveis: fatore: .condicionadores (ling, giifsticos e ndo-lingiifsticos) que favorecém. 0 uso: de uma variante sobre a(s) outra(s)? il 4) encaixamento,.da_y; l.no-sistema lingiiistico ¢ social.da c6munidade: em que nivel lingiiistico e social da, comunidade a variavel pode ser colocada; 5) projegao histérica da varidve sistema sociolin=~ gilistico. da comunidadé. A variagdo(nao implica necessa- riamente mudangajlingiiistica (ou seja, “a relagfo de con-* temporizagdo entre as variantés}. A mudanga, ao contra- rio, pressupGe a evidéncia de estado de variagao anterior, com resolugaéo de morte para uma das variantes. F Uma vez feita a andlise segundo o modelo proposto, * © aparente “caos” desaparecer4 e a lingua falada avultara como um sistema devidamente estruturado. Os resultados finais da andlise propiciarao a formulagdo de regras gra- maticais. Estas, no entanto, devido 4 prépria esséncia ¢ natureza da fala, nfo poderao ser categéricas, optativas ou obrigatérias. Serio, conseqiientemente, regras varidveis; pois o. favorecimento de: uma variante e nao de outra de¥ corre de circunstancias lingilistieds. | (c Variantes por fatores. internos).e nao- namento das. variantes _por fatores. externos, tais comoy faixa etdria,.classe. social ctc:\gapropriadas & aplicagao de ‘uma regra especifica. Tratarse, portanto, de um sistema” de marcagao do plural correspondem duas variantes: a presenca do segmento ([s])} e¢ sua auséncia {[¢])}. Observamos também que, como em portugués, a mareacéo do plural é varidvel no espanho!l panamenho c porto-riquenho (entre outros dialetos), A unica diferenga apontada para as duas linguas foi o fato de trés adversa- tias se enconirarem no campo de batalha espanhol. Ac [s] © ao [@] do sistema portugués foi acrescentada a va- riante fricativa aspirada [h]. Os dois exemplos acima sao casos de variagaéo fono- légica. Ainda no nivel fonolégico vocé poderia acrescentar © estado de variagéo em que se encontra o /t/ em portu- gués, em nomes (posicao' final de palavra, como em “can- tor", € em posigao interna, travando silaba, como em “marcha”) e verbos (como em “quer”, “estudar”). A variagao encontrada em /r/ é semelhante 4 da marcagao de pluyal, ou seja, as adversarias confrontam a presenca vs. a auséncia do segmento fénico: [r] ov [¢]. Similar- mente, vocé pode comegar a pensar em outros segmentos, em geral em posigao final de palavra, que apresentam va- riagdo, exatamente devido ao potencial enfraquecimento dessa posigao. Por exemplo, reflita um pouco sobre a questao da nasalidade em portugués ¢ atente para o fend- meno variavel da desnasalizagio; “falaram™ ou “falaru”? Todos esses casos de variacao fonolégica comecaram a ser estudados a partir dos trabalhos sobre simplificagao do grupo consonantal em inglés. A varidvel no inglés é 0 precedido de consoante, coma em: missed (= per- deu, perdido) e kepr (= guardou, guardado). Nos estu- MN 35 dos de foram incluidos dois grupos principais de palavras: 1. palavras em que o carrega uma marca gramatical, como no passado dos verbos; 2. palavras nas quais 0 nao descmpenha fungao gramatical, como em first (= primeiro) ou list (= lista). Quando o tiver fungdo gramatical, a palavra seré denominada bimorfémica ([mis # t]); no caso de nenhuma marca gra- matical ser expressa pelo segmento , a palavra sera monomorfémica ({list]). Pois bem, a fungao grama- tical exercida pelo segmenta <1, d> no passado dos verbos deveria, em principio, retardar o apagamento da varidvel. Em contrapartida, a presenga do em palavras mo- nomorfémicas nao é tao necessdria e, portanto, sua inci- déncia deve ser menos freqiiente. No caso da.marcagdo de plural em portugués e em espanho! também pode ser feita a divisio das palavras em monomorfémicas € bimorfémicas. (Isto é, se.0 tiver fungao gramatical, a palavra sera bimorfémica; caso con- trdrio, a palavra sera classificada como monomorfémica.) Assim, @m “casas” tem-se o singular “casa” acrescido da marca de plural /s/;.em “menos” tem-se uma palavra mo- nomorfémica. A mesma hipdtese sobre 0 apagamento ou retengio do deve ser levantada: monomorfémicas favorecem 0 apagamento do segmento; bimorfémicas con- dicionam ‘sua retengao. Como foi sugeride no capitule 1 0 termo “Sociolin- gilistica” soa até redundante, pois implica a possibilidade de uma ciéncia lingiiistica que nao seja social. Nosso com- promisso com o aspecto social da linguagem é, no entanto, imperativo. Tal como proposto por Labov, a concepgao e 0 alcance do modelo sociolingiiistico s40 a um sé tempo sincrénicos e diacrénices: tanto a variacao (situagio lin- giistica em um determinado’ momento; sincronia) como a mudanc¢a (situagao Jingiiistica em varias momentos sincr6- nicos, avaliados longitudinalmente, diacronia) lingiiisticas ™~ 36 devem ser estudadas. Ao compararmos, portanto, va- tiantes de mesma natureza em linguas diferentes, temos um objetivo duplo em mente: 1. descrever, analisar e sis- tematizar o envelope de variacgao em cada uma das lin- guas; 2. comparar os resultados das analises com vistas & projegdo de possiveis rumos que as variantes tomarao. A comparagao dos resultados das andlises visa, em especial, a relacionar as armas semelhantes que as varian- tes usam em combate, em cada uma das linguas. Resta- -nos, por conseguinte. comecar a especular sobre tais armas; como o pesquisador-detetive que existe cm nds desvenda as artimanhas de que disp6em as variantes a fim de se implementarem no sistema de lingua falada? As armas e as artimanhas das variantes: fatores condicionadores A sistematizacao do “‘caos” lingiiistico demonstra, em seus resultados, que a cada variante correspondem certos contextos que a favorecem. A esses contextos dare- mos 0 nome de “fatores condicionadores”. Um grupo de fatores:é 0 conjunto total de possiveis armas usadas pelas variantes durante a batalha. Nossas hipoteses de trabalho serao dadas pelo levantamento de todos os contextos ou fatores que potencialmente influem na realizagdéo de uma variavel, de uma ou de outra forma. O detetive que ha em vocé obviamente disp6e de farto material para espe- culagao; lembre-se de que nesse momento de sua pesquisa vocé ja tera definido, caracterizado, coletado e se familia- tizado com seu objeto de estudo, O levantamento das hi- poteses, dos grupos de fatores condicionadores, decorrera, conseqiientemente, de seu trabalho com as inimeras horas de gravacao feitas com seus informantes. a 37 Mas voltemos 4 varidvel e suas duas variantes, [s] ¢ [¢], para levantar as hipdteses de trabalho: os possiveis condicionadores lingiiisticos que regem 0 uso dessas variantes. Vocé observara, por exemplo, que a re- tencao do pode estar condicionada a posigao da va- ridvel no SN, isto é, no determinante, no nome-niicleo ou no adjetivo modificador. Uma primeira inspecio do corpus aponta-Ihe que a primeira posicao do SN parece favorecer a retengao do . Vocé entao separard essa hipdtese: a posigao da varidvel no SN! A motivacdo para essa hipd- tese encontza respaldo na redundancia da marcagao do plural no SN em portugués. Veja que vocé nao esta esta- belecendo um grupo de fatores com base no aspecto mor- folégico da palavra em questao (isto €, com base nas classes gramaticais a que a palavra pertenga). Nao se trata, portanto, da verificagao da maior incidéncia de no determinante (posigao geralmente preenchida pelo artigo). Trata-se, sim, da observancia do uso (ou nao) de com relagao 4 posigao da palavra no SN: primeira vs. segunda, segunda vs. terceira etc. A diferenga apontada acima pode, conseqilentemente, levar vocé ao estabelecimento de uma nova hip6tese de trabalho relacionada a classe das palavras mais atingidas pela regra variavel de apagamento do plural. Assim, quanto a posigéo da palavra no SN vocé poderd comparar, por exemplo, “as casas” com “casas pequenas”. Em “as casas” o [s] provavelmente sera mais retido em “as” (primeira posigao), enquanto “casas” possivelmente retera mais a variante [s] em “casas pequenas”, devido 4 posi- ¢do. Nos dois casos temos um substantivo! “As casas” tera como contrapartida “as casa” e€ “casas pequenas”, “casas pequena™. Se este grupo de fatores realmente for significativo ao uso das variantes. a primeira posigao do SN deve ser a grande arma da variante [s] e as outras my 38 posigSes devem ser artimanhas utilizadas pela variante [¢] para se implementar no sistema lingiiistico. Isso em relacdo @ posigao da palavra no SN! Se vocé especular a hipdtese sobre classes de palavras, é evidente que os determinantes fortalecerfio a variante [s], enquanto substantivos ¢ adjetivos darao vida a variante [@]. Essas duas armas de que dispde cada uma das variantes parecem, no entanto, complementares, para nao dizer redundantes. Vocé podera entao verificar 0 efeito de cada arma fazendo um cruzamento entre clas. Por exémplo, vocé somente poderd afirmar que substantivos ¢ adjetivos favorecem o uso de [9g], se a freqiiéncia de [¢] em substantivos ¢ adjetivos na segunda (ou terceira) posigaéo do SN corres- ponder uma igual freqiiéncia em posigdo inicial. Temos, portanto, até agora, dois grupos de fatores. O que mais vocé poderia estabelecer com base em seus dados? Por se tratar de uma varidvel fonolégica € pro- vavel que algum tipo de condicionamento fonoldgico esteja exercendo influéncia no uso das variantes: Por exemplo, segue-se 4 varidvel em questo uma consoante ou uma vogal? E que motivacao teria uma hipétese de tal natu- reza? Suponhamos que um informante seu tenha, ao farrar uma est6ria, usado os seguintes plurais: “as casas amarela” e “as casa pequena”. O ultimo exemplo vocé poderia facilmente explicar através do grupo de fatores sobre posic¢éo no SN; estando “casa” em segunda posigao, e tendo sido o plural marcado na primeira posigao de determinante, a variante [@] € justificavel em “casa”. Mas @ 0 caso de “as casas amarela"? Aqui também a palavra “casas” se encontra na posicioe dois, a qual nao favorece 2 retengdo do |s}. A explicagao € simples ¢ objetiva’ o sistema silabico do portugués, consoante-vogal (CV). Em “as casas amarelas” o [s] de “casas” é seguido de uma vogal, o [a] em “amarelas”, formando com cle a estru- ~— 39 tura silabica basica do portugués: CV. Portanto, apesar de a posigao dois do SN favorecer a variante [¢], a va- riante [s] recobrara suas forgas, caso a posigao da varia- vel analisada esteja diante de uma vogal. Uma itiltima hipétese que vocé poderia levantar diz respeito & extensfo e A dimensdo dessa regra varidvel: estara o [s] sendo apagado somente enquanto marcador de plural (ou seja, em palavras bimorfémicas, como defi- nido anteriormente), ou © |s] final em palavras mono- morfémicas também estara sendo atingido? Por exemplo, sera a retengao do [s] mais ou menos provavel em “casas”, quando comparado a “menos”? A resposta parece obvia: em principio, o [s] de “casas” é funcionalmente mais im- portante e, conseqiientemente, suet ser realizado. Alia- da a essa tltima hipdtese encontra-se uma nova possibi- lidade de analise: a saliéncia fénica do plural. O plural “casas” é decisivamente mais simples que o plural “ovos” (com metafonia, isto é, com a alternancia no timbre da vogal ténica: fechado vs. aberto) ou “hotéis”. Caso tais hipdteses. estejam resolvendo esse caso de variagdo, sua andlise o levard a resultados 6bvios: o [s] é mais fre- qiientemente retido em “casas” do que em “menos” (isto é, palavras monomorfémicas aceleram a implementagao da variante [¢); ¢ plurais com maior saliéncia fénica (“hotéis”, “ovos”, “coragdes”) também favorecem a for- ma [¢). Como trabalhar com essas hipéteses? A operacionalizagaéo do modelo Quatro grupos de fatores foram levantados como pos- siveis armas usadas pelas variantes [s] ¢ [¢] no campo de batalha. Cada fator é, por sua vez, constituido por subfatores. Para cada subfator vocé devera atribuir um Bi 40 valor representado por letra ou numero. Isso facilitaré a quantificagao posterior dos dados. Por exemplo: Grupo 1: O contexto fonolégico posterior Grupo 2: A posi¢ao da varidvel no SN 1 (= primeira posigao) 2 (= segunda posigao) 3 (= terceira posicéo) Grupo. 3: A classe morfolégica da patavra contendo @ varidvel D (= determinante) N (= nome) A (= adjetivo) Grupo 4: O estatuto morfolégico da palavra que contém a varidvel M (= monomorfémico) B (= bimorfémico) Evite a repeti¢ao de letras ou niimeros dentro de um mesmo ‘fator. Isso sé vai confundi-lo no momento de quantificar os dados, A esses quatro fatores vocé devera acrescentar um ultimo, que deve, na realidade, ser o pri- meiro da lista: © grupo da varidvel dependente, isto é, um valor para [s] e um valor para [¢]. Como a escolha é bindria, atribua o valor zero a variante |s], ¢ 0 valor | a variante |g}. Dessa maneira vocé estard tratando esse caso de variagéo como um fendmeno de apagamento ou de cancelamento de uma forma subjacente do portugués. a marcacao do plural através de [s]. Isso significa que a aplicagao dessa regra varidvel implicaré o apagamento da forma-padrao de se expressar pluralidade. MN 41 Vejamos como vocé deveré organizar seu material de andlise para posterior quantificagaéo dos dados. Suponha- mos que a pluralidade esteja sendo analisada a partir do seguinte trecho de um de seus informantes: “Eu gosto de casas grande. As casa pequena sio como barracos horrivel de favela. Minha mulher gosta de casas mais pequena™. Analisanda: “Casas” (em “casas grande”): ¢C1NB (ou seja, a regra de apagamento nao foi aplicada, dai ¢; C indica que a palavra seguinte se inicia em consoante; / significa que a palavra contendo a varidvel se encontra na primeira posigao do SN; N indica a classe morfoldgica: nome; e B define o estatuto morfolégico da palavra e a fungao do [s] subjacente 4 palavra: bimorfémico); “Grande” (em “casas grande"): 1Q2AB “As” (em “as casa pequena”); ¢CIDB “Casa” (em “as casa pequena”); 1C2NB “Pequena” (em “as casa pequena”): 1C3AB “Barracos” (em “barracos horrivel”): ¢VINB “Horrivel” (em “barracos horrivel”): 1C2AB “Casas” (em “casas mais pequena”): ¢C1NB “Mais” (em “casas mais pequena”): 1C2XM “Pequena” (em “casas mais pequena™): 1Q3AB Vocé deve ter notado que dois simbolos novos foram introduzidos: Q e X. O primeiro para indicar pausa, ex- pressa pelo final do periodo; o segundo para indicar outra classe morfolégica que nao determinante, nome ov adje- tivo, O acréscimo de novos simbolos, isto é, de novos subfatores, é pratica comum quando se trabalha com dados reais. Por mais que seu projeto-piloto inicial tente esgotar todas as possiveis armas utilizadas pelas variantes, no de- correr da andlise dos dados vocé freqiientemente se de- frontard com novas dimens6es dos fatores. Nao desanime! mS a2 Ao fazer esse tipo de analise vocé estaré determinan- do a freqiiéncia e a distribuigio das variantes [s] © [¢] para cada falante e, consegiientemente, para a comunida- de. Suponha que de 100 posigdes em que o falanie. pode- ria ter usado a variante [s], isto é, marcado morfologica- mente o plural, ele somente o fez 25 vezes. Isso significa que esse falante utiliza muito mais a variante inovadora [¢] para a marcagao do plural, Essa seria a média geral. O passo seguinte na andlise ser determinar quais os gru- pos de fatores que correspondem a cada uma das duas variantes. Desse exame detalhado vocé chegara a resul- tados do tipo: a consoante seguinte favorece a variante [¢], e a vogal. em contrapartida, inibe seu uso. Em ou- tras palavras, a variante [¢] tem, em sua luta contra a variante-padrao (s], a presenga da consoante seguinte a seu favor. O encaixamento lingiiistico da varidvel Por encaixamento lingiiistico da varidvel vocé deve entender a motivacao das hipdteses, dos grupos de fatores. Assim, a hipdtese sobre silabacao é justificada a partir do préprio sistema lingiiistico. Mas vejamos um outro exem- plo de variavel, este. de natureza sintatica: os pronomes de terceira pessoa em fungaéo de objeto de verbo. A per- gunta “Vocé conhece aquele homem?", ha trés possiveis Tespostas em portugués: 1. Eu o conhego; 2. Eu conhego ele; ¢ 3. Eu conhego. Ou seja, nessa batalha sintalica entre pronomes em fungao de objeto trés variantes se de- frontam: a padrao o (e por extensdo, a, as. as) e as duas formas nao-padrao, ele (ela, eles, elas) e uma forma zero (doravante. denominada “an4fora zero”): © verbo nao apresenta objeto pronominal expresso. Q 4a Tal esquema de variagao também ocorre quando o SN referente for inanimado, como em: “Vocé comprou aquele carro?”. A essa pergunta também se pode respon- der de wés maneiras diferentes: 1. Eu o comprei; 2. Ew comprei ele, e 3. Eu comprei. O sistema gramatical do portugués, ‘no entanto, rege o fendmeno da pronominaliza- ¢ao através de um cruzamento sem4ntico com o trago [+ animado] do SN referente. Em outras palavras, SNs refe- rentes de natureza animada favorecem sua posterior pro- nominalizacao na fala.. Levando-se esse fator em conside- ragao, uma primeira hipétese de trabalho ¢ levantada: a anafora zero deve estar sendo acelerada quando o SN refe- rente for inanimado. Uma vez que os pronomes-objeto se encontram em fase de extingao no portugués falado do Brasil, a Iuta acaba sendo travada entre as duas formas nao-padrao. Das duas a anafora zero carrega estigma so- ciolingijistico menos acentuado. Portanto podemos partir da seguinte premissa: na substituigao de pronomes cliticos, a lingua falada favorece a andfora zero, acelerando ainda mais © processo de sua implementagao no sistema quando o SN pronominalizdvel (isto é, aquele j4 usado anterior- mente e que deveria retornar como pronome) for inani- mado. Vejamos um outro exemplo. de encaixamento lingiiis- tico, ainda dentro do sistema pronominal. Em linhas ge- rais, a relengao (0 pronome expresso) ou apagamento (0 pronome nao-expresso; a forma zero) de pronomes nao é fenémeno observave! somente na fungao de objeto. Isso quer dizer que também em posicao de sujeito ha uma alternancia entre sujeito pronominal expresso e sujeito zero. O mesmo ocorre quando um SN referente é reéto- mado no discurso imediatamente seguinte com fungao de objeto indireto: a variacdo serd também entre forma pro- nominal expressa e anafora zero. MN Uma vez estabelecido esse fendmeno, vocé poderd pensar em outra parte da gramatica que processe sistemas referenciais: oracSes relativas. Essas oragdes (na gramé- tica tradicional denominadas oragées adjetivas) nada mais sao do que modificadores de um SN: dentro da relativa ha um SN correferente ao SN presente na oragao princi- pal. Outra vez vocé se vé diante de um fato de prono- minalizagao: o SN da principal — na realidade, sintag- ma-niicleo da relativa —, ao seguir a norma-padrao, apa- recerv4 na relativa sob forma zero; a forma nao-padric surgird consegiientemente, quando uma forma pronominal correferente ao SN da principal for usada na relativa. Vejamos alguns exemplos: Relativas-padré@o: 1, sujeito: Eu tenho uma amiga que ¢ € 6tima. 2. abjeio direto: Aquele meu amigo que vocé vé @ muito no bar € Gtimo. 3. objeto indireto: Aquele amigo de quem vocé gosta muito ¢ étimo. Relativas n@o-padrao: 1, sujeito: Eu tenho uma amiga que ela € otima. 2. objeto direto: Aquele meu amigo que voce vé ele muito no bar é Gtimo. 3. objeto indireto: Aquele amigo que vocé gosta muito dele é é6timo. N&o se assuste se as relativas naéo-padrao apresenta- das Ihe parecerem estranhas. Especialmente a funcao de objeto direto Ihe soard impossivel! O encaixamento lin- gitistico Ihe dara, entéo, a resposta, desejada: ¢ exata- mente em objeto directo’ que a anafora zero mais definiti- vamente vence a forma pronominal no sistema geral de referéncia: sobre v clitica o (praticamente: inexistente na fala) ea forma nominativa ele, a andfora zero assume 4 Ss. 4s Jideranga absoluta (obviamente nao-categérica). Tam- bém no 4mbito da variacao em relativas vocé encontraré estes resultados: a forma ndo-padrao, expressa por pro- nome, em rélativa com correferente objeto direto é a menos freqiiente da escala sintatica. Seu convivio com o cotidiano sociolingiiistico o faz, ne entanto, pensar em um terceiro tipo de relativa em que ocorre a fungao de objeto indireto: “Aquele amigo que vocé gosta muito € étimo”. Ou seja, dessa relativa todo o sintagma preposicional foi apagado: dele. Haverd para esse tipo de relativa um encaixamento no sistema? & claro que sim! Como discutido anteriormente, dentro de oragdes declarativas em geral, a alternancia do sistema de referéncia oscila entre formas-cliticas (de pronome-objeto), formas nominativas (de pronome-sujeito) ¢ formas zero. Portanto 0 apagamento do sintagma preposicional desse terceiro caso de relativa decorre da andfora zero que per- passa a escala sintética. Témos ai, conseqiientemente, um exemplo ainda mais significativo de encaixamento lingiiis- tico: uma situagdo de variagio (as relativas) causada por outro sistema de variagao (anéfora nas oragdes de- clarativas). Obviamente © encaixamento de uma varidvel nao necessariamente © levaré de volta ao sistema gramatical padrao. O contato com o dado bruto e sua experiéncia com o modelo de anélise o ajudario no estabelecimenta de outras. e novas. hipéteses de trabalho. Por exemplo, nao seré o uso da forma pronominal nao-padrao em rela- tivas causado por uma dificuldade no. processamento das mesmas? Em outras palavras, nado afetara o uso da forma nao-padrao a distancia existente entre o SN referente e a relativa?’ Imagine os dois exemplos seguintes, o primeiro sém distancia, € 0 segundo com distancia: 1, “Eu tenho uma amiga que ¢ € otima.” SL 2, “Eu tenho uma amiga 14 do interior, sabe, aquela prima do Joao, que ela adora ficar em casa vendo televisio.” Como nova hipétese de trabalho vocé podera estabelecer a distancia entre o SN referente (no caso acima, uma amiga) e a relativa como um grupo de fatores com dois subfatores: com e sem distancia. E assim por diante. Desenvolva o detetive que h4 em vocé! Use e abuse de suas préprias armas. e artimanhas para desmascarar cada variante! Na caminhada pelo corpus procure concen- trar-se mais e mais nas variantes! Respostas chegaraéo a vocé naturalmente e suas atividades de investigador/dete- tive lhe parecerao, a cada novo fato desvendado, mais esti- mulantes. Qs fatores extralingiiisticos Tudo aquilo que servir de pretexto ¢ co-texto a varid- vel (isto é, tudo aquilo que nao for estritamente ling! tico) podera ser relevante para a resolugdo de seu “caso”. A formalidade vs. a informalidade do discurso, 0 nivel socioecondmico do falante, sua escolaridade, faixa eviria e sexo poderao ser considerados como possiveis grupos de fatores condicionadores. Esses parametros nao sao. no en- tanto, facilmente operacionalizéveis. Estabelega, portant. critérios rigidos para eles. Como demonstrado no capitulo anterior, quanto mais fatores externos sobre os informan- les vocé incluir em sua andlise, maior quantidade de dados sera necessdria a fim de garantir a representatividade da amostra. O levantamento desses fatores deverd partir de sua propria intuigao como falante ou conhecedor da comuni- dade. Mesmo que vocé inclua outros fatores, a respeito SN 47 dos quais sua intuigao nada de especial Ihe diz, vocé aca- bar4 concluindo que os parametros externos mais 6bvios sao exatamente aqueles que provam ser significativos em relagio 4 varidvel. No caso de vocé prever um caso de variagao que ja projete uma mudanga dentro do sistema, 0 fator faixa etaria ¢ de extrema importincia. Na impossi- bilidade de fazer um estudo longitudinal (um acompanha- mento dos falantes desde a adolescéncia até a idade ma- dura) sobre a varidvel, a amostragem da comunidade em grupos etdrios diferentes Ihe dar4 a dimensdo procurada. Em variaveis fonolégicas e sintaticas o falor sexo nao tem demonstrado ser muito significativo. A variagaéo encontra- da em formas de tratamento (vocé vs. o senhor/a senhora) é, na maioria das vezes, afetada pelo sexo do informante. Por outro Jado, em uma sociedade tao estratificada como a nossa, fatal sera que o nivel socioecondmico ¢ de esco- laridade do individuo tenha direta relevancia sobre seu desempenho lingiiistico. Seu primeiro trabalho sera, por- tanto, através de sua intuicao como membro da comunida- de, sentir e apreciar a area de atuacdo das variantes no meio social e organizar os grupos de fatores extralingilis- ticos. No caso de um fator externo demonstrar ser significa- tivo, como avaliar sua forga em relagao aos fatores inter- nas, os de natureza lingiiistica? Suponha, por exemplo, que cinco fatores lingiisticos tenham sido comprovados como significativos em relagao a determinada varidvel. Além disso, os trés grupos socioeconémicos estudados também apresentaram relevancia na utilizagao das varian- tes. A que conclusio chegar? Haverd nessa comunidade trés sistemas diferentes de fala? Ou sera o caso de hete- rogeneidade da fala dentro de um mesmo sistema que permite aos grupos socioecondmicos optarem por uma ou outra variante? 4B Voltemos. 4 questdo das relativas: as de forma pro- nominal e as.de forma zero. Os: estudos sobre relativas no portugués falado demonstraram que o grupo social menos privilegiado. favorece © uso da forma pronominal nao-padrao, enquanto os: grupos sociais mais. privilegiados eptam. pela forma zero. O ¢ondicionamento lingiiistico desses dois tipos de relativa pode, por outro lado, ser sis- tematizado! A questao para se resolver €.a seguinte: sera a diferenga entre esses grupos causada pelo condicionamento lingiiisti¢o ou, inversamente,.o condicionamento lingiilstico € cxatamente o mesmo, variando somente a. freqiiéncia de uso de cada variante pelos diversos grupes considerados? E evidente que a segunda alternativa ¢ verdadeira. Os mesmos fatores lingilisticos que condicionam o: uso. da forma ndo-padrao pelos informantes. de nivel social me- nos privilegiado estao. presentes no condicionamento da mesma variante, usada em baixa freqiiéncia pelos falantes mais escolarizados. Enfim, a inclusio dos fatores externos. possibilitard retratar 0 campo de batalha de outros 4ngulos. Qualquer Perspectiva nova sobre o ‘tcaso” merece ser levada em consideragao. Especialmente ¢m relagao a normatizagao e & estandardizacdo lingiifsticas, o encaixamento’ social das varidveis é de extrema importancia. Esse t6pico sera as- sunto: de nosso préximo capitulo. 4 A variagao lingtiistica: segunda instancia A avaliagdo de variaveis sociolingiisticas: o informante No capitulé anterior a avaliagao de varidveis socio- lingiiisticas foi iratada do ponto de vista do pesquisador. Ao montar os grupos. de fatores que potencialmente cor- relacionam o uso das variantes a parfimetros externos (classé socioecondmica, sexo, etnia, faixa. etdria ete.},.0 pesquisador intui, através de seu profundo conhecimento da comunidade adquirido durante o processo de coleta do ‘material, o papel atribuido 4% variantes. pela comunidade de falantes. O tratamento estatistico dos dados indicaré que certos grupos de fatores sao, na realidade, responsd- veis pela implementagdo de uma variante e que outros, a0 contrario, nao demonstram qualquer efetividade na aplica- gao da regra varidvel, Resta, no éntanto, saber qual o devido valor dado as variantes pelos falanes do grupo. Vocé chega assim Aguela ctapa da anélise em que uma Gutra dimensdo sé faz necessdria: de que armas socio- lingiifsticas: dispGe cada variante? Vejamos um exemplo x de como atingir essa dimensdo na andlise. Em seu estudo sobre a centralizagao dos ditongos em Martha's Vineyard (ver capitulo 1 deste volume) Labov entrevistou 69 infor- mantes, classificados segundo distribuigdo geogrdfica na ilha (parte superior, zona rural, vs. inferior, zona urbana), ocupacio (pescadores, agricultores etc.) e faixa eldria (acima de 60, 46 a 60, 31 a 45, abaixo de 30). Os resul- tados da andlise demonstraram que a zona rural, os pesca- dores, ¢ a faixa etaria de 31 a 45 favorecem a centrali- zacao do ditongo, ou seja, a forma nao-padrao. Das dreas compreendidas na zona rural — Oak Bluffs, N. Tisbury, West Tisbury, Chilmark e Gay Head —, Chilmark alcan- gou os indices mais altos de centralizagdo. Coincidente- mente, Chilmark é a tnica parte da ilha cuja economia é basicamente a pesca. Além disso, a faixa etdria de 31 a 45 representa uma parte da populacdo que, tendo crescido com um processo de recessio econémica na ilha, ainda assim decidiu permanecer na area. Esses trés resultados parecem estar relacionados entre si. Algum motivo ulterior, mais potente, porém, deve reger tais resultados. Tornou-se claro, durante as entrevistas, que o significado mais imediato do traco fonético de cen- tralizagao é uma marca “vineyardense”. Os dados obtidos também confirmam essa primeira intuigao do pesquisador. Sao 0s nativos da ilha, da zona rural, pescadores, e a faixa etéria jovem os que mais ardentemente reagem a invasao dos veranistas através de uma demarcagio lingijistica. A fim de reforcar esses resultados, o pesquisador devera entéo incluir uma terceira dimensio na anidlise: nesse caso espe- cifico, uma avaliagao do meio social da itha pelo falante. Em outras palavras, a julgar os contextos.em que ocorrer, o fato de os falantes centralizarem os ditongos /ay/ e /aw/ parece revelar um sentimento positivo em oe st relagdo 4 ilha. Cada um dos trés fatores acima mencio- nados aponta para estes grupos: zona rural, pescadores ¢ faixa etéria de 31 a 45 anos. Resta saber se o sentimento positivo é a tal forga ulterior e nica, responsdvel pelos altos indices de centralizagao, Se isso for confirmado, sera conseqiientemente demonstrada a interdependéncia entre os és fatores. O caminho a trilhar neste momento é uma classifi- cag3o dos informantes segundo a avaliagao por eles dada ao meio social: positiva, neutra ou negativa? Explicitando: avaliagao positiva significaré sentimentos positivos em rela- gao a ilha; neutra, indiferenca ao meio social; ¢ negativa, desejo de viver no comtinente. Dos 65 falantes entrevista- dos, 40 se expressaram positivamente em relagdo 4 ilha; 19 assumiram uma atitude neutra; e 6 afirmaram que pre- feririam nao residir na ilha, Fazendo-se uma média dos indices de centralizagao de cada falante, Labov chegou aos seguintes resultados, apresentados na Tabela 1. TABELA 1 — Centralizacao e sentimento em relacéo a Martha’s Vineyard Negativa (Lapov, 1972a, p. 39) Em suma, os falantes que se expressam positivamente em relacéo ao meio social centralizam mais (63 e 62): os de atitude neutra o fazem dé uma forma intermediaria (32 e 42); e os de sentimento negativo rejeitam a norma local (09 e 08). mS 52 Vejamos agora um outro exemplo que envolve uma avaliagdo socioestilistica da variavel pelos informantes. A situagao de teste: estilo e classe social Na exposigéo da metodologia feita no capitulo 2 foi dada muita énfase 4 coleta do verndculo: situagdes natu- rais de comunicagaéo. Foram apresentadas estratégias que possibilitem ao pesquisador minimizar o efeito negative causado por sua participagdo direta na interagio com o informante. Apesar dessas estratégias ¢ de todo 0 esfor¢go do pesquisador por conseguir que o informante se con- centre em o que fala (e nao no como), marcarao pre- senga em seu material partes do corpus que nao represen- tam © verndculo. Como entao deverd proceder o pesqui- sador? Uma primeira tentativa sera contrastar 0 vernaculo com esse outro material e observar a diferenga no desem- penho dos falantes. A parte do vernéculo daremos o nome de estilo espontaneo; ao material nao-vernaculo, estilo de entrevista, Se a escolha entre variantes for da natureza estigmatizada ou de prestigio, o estilo enrevista bloqueara a Variante supostamente estigmatizada. Vejamos alguns resultados sobre 0 uso da relativa com pronome-lembrete (isto é, 9 uso “indevido” de uma forma pronominal co- -referencial ao SN niicleo da relativa), uma séria candi- data @ estigmatizacdo sociolingilistica, exemplificada a se- guir: “Tem uma amiga minha que ela adora ficar em casa”. Essa variante sera contrastada com a. relativa-padrao, de prestigio, em que o pronome-lembrete néo aparece. Ob- serve os resultados expostos na Tabela 2. MN 53 TABELA 2 — Efeito estilistico sobre o uso de relativas com pronome-lembrete Esponténeo Entrevista Total + Pronome-lembrete (Estigmatizada) 156 6 162 % (10.6%) (2,6%) — Pronome-lembrete (De prestigio) 1316 222 | 1358 Total 1472 228 [4700 (Tarato, 1983, p. 134) Fica claro, portanto, que a relativa néo-padrao com pro- nome-lembrete é, de certa forma, evitada no estilo entre- vista. O préximo passo que vocé devera tomar é verificar se essa diferenca estilistica é obedecida pelos grupos socio- econdmicos incluidos em sua amostra. O mesmo estudo sobre relativas no portugués falado de Sao Paulo aponta Para as seguintes percentagens de uso de pronome-lem- brete ao se cruzarem, no campo de batalha, estilo e¢ classe social: TABELA 3 — Percentagem de uso de pronome-lembrete de acordo com estilo e classe social T Espontaneo Entrevista Classe_baixa 12.2% 2,0% Classe_média 8.9% 31% Classe alta 76% 1.6% CFARALLO, 1983, p. 134) Ou seja, quando lida verticalmente, essa tabela reflete o uso social da variante: decrescentemente, a classe baixa favorece 9 uso da relativa nao-padrio; lida horizontal- mente, a tabela demonstra que a diferenca estilistica se mantém nos trés grupos: sociais. Ne Além desses dois parametros estilisticos, outros podem ser levados em consideragéo. Vocé podera, por exemplo, submeter seus informantes a uma situagdo experimental; os testes sociolingiifsticos, Isto é, ao seu estudo, tal como concebido ¢ elaborado até 0 momento, vocé estara acres- centando a terceira dimensdo: a avaliagdéo da variante pelos informantes. A situagao de testes Ihe propiciara um estilo ainda mais elaborado, mais refletido. Resumindo, seu projeto de pesquisa é tridimensional: |. seu conheci- mento da comunidade ¢ scu contato com os informantes 0 levard, ainda intuitivamente, ao estabelecimento das célu- las externas, dos fatores condicionadores nao-lingijisticos, 2. a partir da andlise de seu material, do contraste entre verndculo e ndo-verndculo gravado em suas fitas, vocé che- garé a segunda dimensdo: a primeira projecao sociolin- gilistica das variantes estudadas; 3. ao submeter seus infor- mantes a testes, vocé estard definitivamente embutindo as variantes no meio social em que elas coexistem. Os testes diferirao segundo a natureza da variavel. Para os estudos de varidvel fonolégica vocé poder montar testes de leitura, de pares minimos, ou mesmo de preenchi- mento de lacunas. Por exemplo, se vocé estudar a redugao dos ditongos /ey/ e /ow/ em portugués (fendmeno usual- mente denominado monotongagdo), podera pedir a seus informantes para lerem uma lista de palavras em que cons- tem “ameixa”, “besteira”, “couro”, “estouro™ etc.; ou po- derd estabelecer pares minimos, como “coro” e “couro”, por exemplo; ou ainda criar um texto com lacunas a serem preenchidas por palavras que contenham a variavel estu- dada. Independentemente da forma dos testes, vocé devera pensar em monta-los com um duplo objetivo em mente: Os testes serao ou de recepgao ou de produgao. Wejamos © que distingue um do outro! “N $5 Testes de percepcao versus testes de producdo Como o préprio nome indica, no teste de percepgao vocé solicitaré a seu informante que se manifeste em rela- cdo A aceitabilidade ou nao de certas variantes. Exempli- fiquemos esse teste com as relativas! Com base no enve- lope de variagao vocé criaré uma bateria de relativas-pa- dréo e nao-padrao. Ao listar estas sentengas, nao siga qualquer ordem: evite que o informante reconheca a orga- nizagao do teste. Misture as variantes entre si! No teste, portanto, vocé incluira: Relativas-padrao Eu tenho uma amiga que ¢ dtima. Eu tenho uma amiga que vocé conhece. Eu tenho uma amiga com quem ele se encontrou no Rio, Eu tenho uma amiga cujo marido se mudou para o Rio. Relativas nao-padrao 1. Pronome-lembrete Eu tenho uma amiga que ela é 6tima. Eu tenho uma amiga que vocé conhece ela. Eu tenho uma amiga que ele se encontrou com ela no Rio. Eu tenho uma amiga que o marido dela se mu- dou para o Rio. 2. Cortadora Eu tenho uma amiga que ele se encontrou no Rio. oa 56 Eu tenho uma amiga que o marido se mudou para o Rio. Para cada tipo de relativa ¢ para cada fungao simta- lica desempenhada, vocé tera mais de um exemplo em sua bateria, A ordem de apresentagao dessas sentengas deve ser a mais variada possivel. Até este momento da analise vocé ja tera contrastado estilo espontaneo com entrevista. Os resultados demonstraram que a classe média levemente favorece o uso de pronomes-lembretes. Na situagdo de teste vocé deverd esperar que a classe alta aceite relativas nfo-padrao menos do que a classe média. E os dados apontam exatamente para a diregao prevista. De 58 rela- tivas-padrao a classe média avalia como aceitaveis 46, isto €, 79,3%, enquanto a classe alta aceita 54 (93.1%). Con- seqiientemente, a classe média devera avaliar relativas ndo- -padrao positivamente em maior ndmero do que a classe alta. De 82 relativas nao-padrao incluidas no teste. a classe média aceita 39 (47,6%), e a classe alta somente 24, isto é, 29,3%, A partir desses resultados brutos vocé poderd ainda refinar sua anélise, comparando, por exemplo, qual das duas variantes nao-padrao é a mais estigmatizada. Ou ainda, vocé podera avaliar a forga que a fungao sintatica tem em relagdo 4 estigmatizagdo ou nao das variantes. No caso especifico das relativas, é possivel que a relativa com cujo seja uma forma de pedantismo, conscientemente evitada pelos informantes. Mas passemos agora ao teste de produgao! O teste de produgdo consiste em mecanismos que fevem o informante a construir a varifivel. Na tentativa de produgao da variavel ele optara por uma ou outra varjante. E essa escolha de variante que vocé deveré com- parar com os resultados obtidos n@ andlise anterior: a fase — 57 que denominamos segunda dimensao. No caso de relativas vacé poder4 propor ao informante a seguinte situacao: “Com as duas sentengas abaixo formule somente uma, fazendo as devidas alteragées: Aquela menina € bonita. Aquela menina é de Sado Paulo.” Dessa situagio de duas sentengas, o informante tera duas opgées: “Aquela menina que é de Sao Paulo é bonita” vs, “Aquela menina gue ela é de Sao Paulo é bonita”. Ou seja, ou o informante usar a forma-padrdo ou a nao- -padrao com pronome-lembrete. Para cada fungao sinta- lica vocé influira duas sentencas. De 36 diferentes situa- Ges sugeridas nesse teste, a classe média construiu 27 rela- tivas-padrao (75,0% ) e a classe alta optou pela forma- -padrao 34 vezes, isto é, 94,4%, o que confirma nova- mente os resultados obtidos na segunda fase da anilise e nos testes de percepcao. Uma vez estabelecidos os paraémetros de situacdes naturais de comunicagdo vs. situagées experimentais, vocé poderia ainda avaliar qual o tipo de valor atribuido a essas variantes fora de seu material de andlise. Como esse esquema de variagao é normalizado dentro da comunidade e até que ponto a estandardizagaéo ocorre? Que forcas a protegem? Vocé podera acrescentar uma quarta dimensao a sua andlise. Vamos a ela! A variagéo e a normalizagao lingiisticas Dois pontos principais devem ter se firmado em vocé até agora: 1. a lingua falada é heterogénea e varidvel; 2. a variabilidade da fala é passivel de sistematizagao. A lingua falada é, portanto, um sistema varidvel de regras. Obviamente, a esse sistema de variagéo devem correspon- aa S58 der tentativas de regularizagio, de normalizagéo. Como grande estandarte dessa regularizagao surge a lingua escrita tal qual ensinada nas escolas. A lingua portuguesa vei- culada na escola ¢, em principio, um reflexo da norma- -padrao do portugués. A implantagao da norma-padrao traz como conse- qiiéncia imediata a unidade da lingua nacional. Nesse sen- tido, vocé.poderd investigar fontes de dados que tenham por objetivo a unificagdo da lingua nacional, por exemplo, 8 meios de comunicagdo de massa: a linguagem da media Ao ouvir um programa de radio, ao assistir a um pro- grama de televisio, ou ao ler um jornal, vocé observara que, apesar de todos os trés procurarem refletir a norma- ~padrao, a presenca de tragos varidveis da fala se faz sentir. A quarta dimensdo em sua andlise consistira, portanto, em verificar até que ponto certos textos de media permitem a infiltragao de variantes nao-padrao. Como material basico de an4lise tome a linguagem dos jornais: texto escrito. Selecione a seguir textos de televisio, como documentérios ¢ mesas-redondas, caracte- tizados pela formalidade do discurso. Ainda da televisao, colete textos mais informais ¢ simplificados, como trans- missdes ‘de eventos esportivos, programa de auditério-¢ novelas. Apesar da diversidade do material, ha elementos que os. distinguem binariamente. Por exemplo, o texto de jornal e © texto de documentarios e noticidrios se dife- renciam por ter sido o primeiro escrito para ser lido, e © segundo, escrito para ser falado. A informalidade do discurse esportivo deve-se, principalmente, 4 simultancida- de existente entre 6 acontecimento narrado ¢ o momento da narragao. Com esse lipo de preacupacdo em mente, vocé pode- tia observar o comportamento de seu envelope de varia- gaa dentro desse material. Se nas trés fases iniciais da n 59 anélise uma variante tiver demonstrado sua carga estigma- tizada, também no texto de media (veiculado pela televi- sao, pelo radio ou pelo jornal), a tendéncia maior sera evité-la. No caso das oragées relativas, a varianté com pronome-lembrete provou ser a forma estigmatizada pela comunidade. A variante cortadora, por outro lado, de- monstrou gozar do prestigio sociolingiiistico da comunida- de. © estudo quantitative do uso das variantes nos diver- sos textos lhe dard o indice de infiltragdo permitido e tolerado pelos Grgaos normalizadores da fala. A Tabela 4, a seguir, coloca a percentagem de uso de trés variantes relativas (uma padrao ¢ duas ndo-padrao) de acordo com o tipo de texto de media. A tabela 4 aponta, entre outros resultados, que a lingua escrita dos jornais é o texto mais intolerante 4 infiltragéo de formas nao-padrao, tipicas da lingua falada. Qs textos de documentério ¢ mesa-redonda, apesar de re- forgarem_a variante-padrao, admitem, ainda que em escala reduzida, a entrada de variantes nao-padrao, uma vez que a situagdo de enunciado € de veiculagdo oral. Mas sao exalamente os textos tipicos de discurso mais informal (izante) que permitem a infiltragao das variantes nao- -padraéo: a transmissio de acontecimentos esportivos, as programas de auditério e as novelas. Um resultado ainda mais importante: das duas for- mas nao-padrao, a segunda e a terceira fase da anédlise haviam revelado a estigmatizacao da relativa com prono- me-lembrete. Dessas duas variantes, natural sera que a relativa cortadora seja mais tolerada pelos érgaos regula- dores, Observe na Tabela 4 que, mesmo nos textos. mais permissivos, a freqiiéncia de infiltragdo da relativa corta- dora é mais alta. Na figura 2 vocé encontrara as mesmas percentagens da Tabela 4 contrastadas com o uso da- quelas variantes na lingua falada. MN rj (ist ‘d “yer ‘oliveWwL) (%2'6) (%6'6) (%8'S) ge 6 9 esopeyiog (%$'8) (%6'2) s £ ayasquia] (%9'r8) (%8't6) (%2'26) (%2'86) (%0'001) ab 56 Sz itd set opsped ovgupny | ayodsz | epuopas-esay oyequedinoog yeusor BIpPswW BP SOX, WS SBANE]D: = SoqueyseA $243 op osn op wafejuss1aq — » YTa8VL 61 FIGURA 2 — Gréfico do uso de trés variantes relativas em textos de media (TARALLO, 1983, p. 152) Gramatica e estilo Fica, portanto, demonstrado neste capitulo que a estrutura da lingua pode ser correlacionada ao seu uso € que os padrdes do ultimo podem ser objetivamente me- didos, levando 4 diferenciagdo entre as escolhas que o falante efetivamente faz e as que ele poderia fazer. Por conseguinte, os modelos de gramatica deyeriam incluir a nocao de uso lingiiistico e caracterizar a comunidade de fala através de seus tragos referenciais e socioestilisticos. Tal conceito amplificado de gramatica abrange tanto a forma (estrutura) quanto a substancia (uso). A lingua- gem de media, por exemplo, é simplesmemte um outro canal lingiiistico: substancia com total autonomia como SN 62 veiculo de linguagem. A gramatica com esse novo sentido € caracterizacio se encontra totalmente 4 disposigéo do falante! Nesse caso, 0 estilo é parte integrante da gra- miatica. Assim também é a classe social, a etnia, o sexo, a faixa etdria do falante. E somente através da correlacao entre fatores lingiiisticos e nao-lingiiisticos que vocé che- garé a um melhor conhecimento de como a lingua ¢ usada e de que é constituida, Cada comunidade de fala é unica; cada falante é um caso individual. A partir do estudo de varias comunidades, no entanto, vocé chegara a um ma- crossistema de variagao: os resultados de varios estudos comecardo a |he dar pistas para estudos posteriores. Essas pistas seréo suas armas para outros combates maiores. O fato de a classe média baixa hipercorrigir em diregao a classe alia é um dado j4 devidamente demonstrado em varios estudos. A colocacéo da mulher como propulsora de variantes conservadoras também ja encontra eco em muitos estudos. Também a classificagdo de variantes em esteredtipos, marcadores e indicadores lingiiisticos ja foi demonstrada em varias comunidades de fala. Dos dois exemplos de variagao apresentados neste capitulo a centralizagéo dos ditongos em Martha's Vine- yard é um exemplo de indicador lingiiistico; as relativas do portugués falado de Sao Paulo sao, por outro lado, um caso de marcador lingiiistico. As duas variantes nao se manifestam a nivel de consciéncia na comunidade, a dile- renga entre as duas esta no fato de marcadores permitirem variagao estilistica. Como exemplo de esteredtipo, procure uma variante estigmatizada (ou nao) que seja de dominio publico. Em suma, pense no /r/ caipira do interior do Estado de Sao Paulo. E agora, para o préximo capitulo! Vocé presenciou variantes lutando no momento sincr6nico. Resta investigar o passado e o possivel futuro dessas adversarias de batalha! oD Variacéo e mudang¢a lingiiisticas Contemporizag¢ao ou morte? Nem tudo o que varia sofre mudanga; toda mu- danga lingiiistica, no entanto, pressupGe variagao. Varia- ¢do, portanto, nao implica mudanga; mudanga, sim, im- plica sempre variagao. Mudanga é variagao! Os resulta- dos de andlises de variantes apontam, de maneira geral, para duas diregdes distintas: 1. a estabilidade das adver- sdrias (situagdo a que nos referimos no capitulo 1 como “relagao de contemporizagao” pela subsisténcia e/ou co- existéncia das variantes); 2. a mudanca em progresso (que reflete uma situacaéo de duelo de morte entre as variantes). Nos dois casos ha luta: cada variante dispGe de certas armas (isto é, os grupos de fatores condicionadores, lin- gilisticos e nao-lingiiisticos) para combater sua(s) adver- saria(s). AO nosso modelo de anélise falta acrescentar uma ultima dimensao: a histéria. Nos dois capitulos preceden- tes o foco de andlise foi a variagado sincrénica. Neste, Nossa preocupagao devera incidir sobre a idade das va- 6 riantes. Interessar-nos-4, sobretudo, a relacgao entre va- Tiago e€ mudanga, ou seja, por que o sistema lingiifstico se encontra, ¢€m um determinado momento sincrénico, com determinadas caracteristicas varidvcis? Esse interesse nos fatos histéricos sobre as variantes prende-se, em especial, a um prinefpio da tradicional lingiiistica hist6rica: a estru- tura de uma lingua somente sera totalmente entendida & medida que se compreendam efetivamente os processos histéricos de sua configuragao. Vocé podera se questionar sobre a viabilidade de apli- cagio deste modelo sociolingiiistico de andlise para o estudo da histéria das variantes. Nao vacile! Deixemos claro, nesta breve introducao 4 teoria da mudanga, que um outro principio devera reger nossas investigagdes: o da uniformidade. Segundo esse principio. as forgas que atuam no momento sincrénico presente s4o (ou deveriam ser) as mesmas que atuaram no. passado, e vice-versa. Portanto uma teoria da mudanga lingiiistica deve guiar-se por uma articulagdo tedrica e metodoldgica entre presente-passado © presente. Em outras palavras, inicia-se 0 processo de investigagéo no momento presente;. volta-se ao passado para o devido encaixamento histérico das variantes, retor- nando-se, a seguir, ad presente para o fechamento do ciclo de analise. Trata-se de uma viagem de ida e de volta! A metodologia desenvolvida neste volume, no en- lanto, concentra-se¢ em anilises de lingua falada. Como integrar entao a dimensao histérice? Como compensar a auséncia de fitas gravadas que nos déem informacdes his- toricas sobre cada variante? Lembre-se de que os grava- dores somente surgiram no palco das investigagoes, lin- giisticas Ou nao, a partir dos anos 30 do nosso século! Haver4 uma possivel saida dentro da prépria metodologia para aliviar esse impasse de analise? nL A faixa etari : © tempo aparente A resposia é, obviamente, positiva. Vocé deverd tentar um recorte transversal da amostra sincrénica em fungao da faixa etaria dos informantes. Dessa maneira estarA acrescentando uma primeira dimensao histérica a sua andlise: 0 tempo aparente, Por exemplo, suponhamos que 1rés grupos etarios tenham sido inchufdos. como fator condicionador externo; jovens, meia-idade e velhos, Feita a andlise dos fatores condicionadores internos, vocé deverd correlacionar as variantes ao fator idade. A relagao de estabilidade das variantes. (a situagao de con- temporizagéo) avultara, se entre a regra varidvel ¢ a faixa etéria dos informantes nao houver qualquer tipo de cor- relagao. Se, por outro lado, o uso da variante mais ino- vadora for mais freqiiente entre os jovens, decrescendo em relagéo & idade dos outros. informantes, vocé tera pre- senciado uma situagdéo de mudanga em progresso, a tal relagdo de duclo de morte a que nos referimos varias vezes neste volume. Vejamos um exemplo concreto de como. evidenciar mudan¢ga em progresso através do recorte transversal da comunidade de falamies. O estudo de 1970 sobre o. espa- nhol panamenho de Henrietta Cedergren abordou cinco si- tuagbes de variagéo: o /r/ em posi¢do final de palayras ou silabas; a alternancia entre duas formas da preposicio para, /para/ e /pa/: a variacao entre /esta/ e /ta/; a marcacao de plural no sintagma nominal /s/, /h/, € /¢/\ eo enfraquecimento da palatal /ch/. Os informantes fo- ram subdivididos em cinco faixas etdrias: 11-20, 21-30, 31-40, 41-50 ¢ 61-70. Para se atestar a mudanga em Progresso em relacdo a cada uma das cinco variaveis acima descritas, é necessdrio que as variantes sejam cor- relacionadas aos diversos grupos etérios: maior incidéncia ~ 66 nas faixas mais jovens e menor freqiiéncia nas mais velhas. Veja agora os resultados a que Cedergren chegou, expos- 1os na tabela a seguir. TABELA 5 — Desenvolvimento de cinco variaveis do espanhol por grupos etarios dade {em anos} 11-20 dt ‘paral /esta/ fst feh} (CEDERGREN, 1970) Observe que, 4 excegao da varidvel /ch/, nenhuma outra varidvel estd correlacionada ao fator idade. A cor- relacao encontrada em /ch/ é do tipo curvilinea, com um aumento suave no uso da variante inovadora pelos dois grupos intermediarios (21-30 e 31-40). Os dois gru- pos mais’ velhos, no entanto, refletem o uso da variante conservadora, na medida em que o indice da variante ino- vadora decresce sensivelmente (de 2.29 e 2.05 a 1.81 e, mais radicalmente, 1.31). Se vocé observar os indices apresentados para as outras quatro varidveis. notara que nao ha a menor possibilidade de mudanga em progresso: trata-se simplesmente de casos de varidveis estaveis, em relagao de contemporizagao. Uma vez atestada a mudanca em progresso, voce podera questionar sobre as forgas sociais que atuam na implementagdo dessa mudanca. Os estudos tem demons- trado que sdo os grupos socioeconémicos intermediarios te, 67 que avangam © processo de mudanga lingilistica. Sdo esses grupos que se revelam mais sensiveis e suscetiveis a varia- co estilistica, conforme discutido no capitulo 4 deste volume, No mesmo estudo sobre o espanhol panamenho, Cedergren dividiu seus informantes em quatro grupos socio- econdmicos. Seria de se esperar, por conseguinte, que 0 grupo intermedidrio n.° 2 revelasse o indice mais alto da variavel em mudanga; quanto as varidveis estaveis, mais uma vez nao se encontraré nenhuma correlagao. agora entre 0 seu uso e o nivel socioecondmico dos informantes. Observe os resultados apresentados por Cedergren: TABELA 6 — Estratificagdo social de cinco varidveis do espanhol do Panama Grupos Sociais drt ich/ (CEDERGREN; 1970) Observe que é 0 grupo intermediario I] que apresenta o padrao de mudanga para a varidvel /ch/. Nos outros quatro casos, o padrao curvilineo nao se configura, po- dendo-se concluir que as varidveis nao se encontram em fase de mudanga. Os resultados de Cedergren para a cor- relagio de cinco variaveis do espanhol do Panama com idade e grupo socioeconémico evidenciam claramente a questao de variagdo e de mudanga lingiiisticas. Infelizmente os estudos sociolingiiisticos no Brasil ainda se encontram em fase embrionaria. e de modo geral nao ha referéncias de varidveis em mudanga. Antes de passar a segunda dimensao historica da anilise, o tempo real, vejamos um outro exemplo de variagao e de mudanga, este proveniente do estudo sobre a estratifica- fo social do inglés falado em Norwich, na Inglaterra, de Peter Trudgill. Todas as varidveis estudadas por Trudgill revelaram um padrao linear, com excegéo de uma: a posteriorizagao do /e/ curto antes de /I/, como em help (auxilio), belt (cinto) etc. De {e] a pronincia de help. por exemplo, se move progressivamente para [¢] ¢ [A]. A Figura 3, 2 seguir, apresenta o quadro de estratificagao estilistica cor- relacionada a grupo socioeconémico. O fator estilo en- volve: CS (casual style), estilo informal, FS (formal style), estilo formal na entrevista; RS (reading style). estilo de leitura de textos, em situacdo experimental, ¢ WS (word list style), leitura de palavras, também em leste, portanto, experimental. Os grupos socioecondmicos abrangidos no estudo sao: LWC (lower working class), classe baixa trabalhadora; MWC (middle working class), classe média trabalhadora,; UWC (upper working class), classe alta trabalhadora; LMC (lower middle class), classe média baixa, e UMC (upper middle class), classe média alta, Observe que © grupo socioeconémico mais interme- diario, o UWC, é © que apresenta uma estratificagao esti- Nstica mais acentuada. Os grupos anteriores a este igual- mente demonstram uma estratificagio marcada, mas nao tao forte. A classe média alta é a mais distante do ponto de origem da mudanga, a classe alta trabalhadora, A classe média alta, portanto, nao revela qualquer taco significativo de posteriorizagao da variavel em questao Atente para o diagrama da Figura 3, que apresenta os resultados do cruzamento entre grupo socioecondmico ¢ estilo. a 69 FIGURA 3 — Estratificagao socioestilistica de em Norwich ‘sh we SSI, Lwe Mwc UWC LMC UMC Classe socioeconomice (Trupai.t, 1971) O cruzamento desses resultados com faixa ctaria de- verd completar o quadro de mudanca em progresso de , estudado por Trudgill. Como se pode ver na Figura 4, a seguir, ha uma clara progressao nos valores estilisti- cos de para todos os grupos etdrios, com um limite maximo atingido pelo grupo mais jovem (10 a 19 anos). Note que a subdivisio dos informantes em grupos etarios é ainda mais abrangente que a de Cedergren. FIGURA 4 — Estratificacgdo estilistica e etaria de em Norwich : 90 | Be MEM ADEM ‘oe (TRupait, 1971) Ww E também possivel que uma mudanca lingijistica se origine ¢ se propague a partir do grupo social mais alto ou mais baixo, mas essa nfo parece ser a norma geral stes- tada nos estudos realizados até o momento. A estratifica- a0 social curvilinea parece estar regularmente associada estratificagdo do lempo aparente: um aumento regular no uso da variante inovadora através dos varios grupos eté- trios. que compdem a comunidade de falantes. No mo- mento em que esses resultados do tempo aparente sao devi- damente correlacionados aos do tempo real. tem-se entao finalmente a dimensdo histérica completa da mudanca. Vamos, portanto, ao tempo real! O tempo real: fontes historicas Como principio geral, conforme se pode observar, uma variavel sociolingtlistica estavel estar4 linearmente correlacionada 4 classe socioeconémica, de tal forma que ©. grupo social de status mais alto teré os indices mais ele- vados da variante de prestigio ¢. conseqiientemente, a fre- qiiéncia menor de uso da variante estigmatizada. Mas, quando a mudanga se inicia em um grupo intermedidrio, como é de costume, surge o padrao curvilineo, o qual é regularmente associado & mudanga em progresso. Uma vez atestada a mudanga com base em dados do tempo aparente, deve-se proceder a um encaixamento his- torico da varidvel no tempo real. Mas de que material lin- gilistico de andlise se deve servir o pesquisador nesse mo- mento? Fitas nao existem! Como recuperar o vernaculo falado hé 100 au 200 anos? Como garantir que a quali- dade do estudo nao seja prejudicada pela utilizagio de fontes histéricas erradas? Ha algumas saidas j4 tentadas na literatura existente. O atlas lingiiistico de uma comu- a nidade pode, por exemplo, fornecer dados valiosissimos para o estudo de variagao fonolégica, ou mesmo lexical. Além do atlas, textos escritos em prosa que potencial- mente reflitam 6 verndculo dé um certo perioda de tempo poderao ser utilizados. Ressaltem-se aqui cartas de cunho pessoal, didrios e textos teatrais que tenham visado, em seu momento de criagdo, a um retrato da fala de dife- sentes camadas sociais da comunidade. Esses documentos, no entanto, nem sempre sao facil- mente encontraveis. Além disso, por mais natural que seja a linguagem deles, sempre haveré o risco do viés da lingua escrita. Por conseguinte, de um corpus sincrénico absolutamente de nivel falado, passa-se a um tipo de ma- terial diacrénico de andlise que, mesmo sendo de natu- reza distensa, tipica da fala, poderia explicar-se como re- sultado da influéncia da oralidade na escrita. No momento da investigagao, contudo, o pesquisador deve ressaltar as dificuldades sobre a coleta de material histérico, sem deixar de dar esse passo tdo importante para a conse- cugao de sua andlise. Especialmente quando a mudanca tiver sido evidenciada no tempo aparente, é¢ fundamental que o investigador procure dar 4 varidvel a dimensio his- térica do: tempo real. AS gramatieas paderao fornecer dados substanciosos ao analista. Os: comentarios dos gramaticos do periodo histérico em estudo refletirao © conceito de norma pres- critiva da época, isolando indiretamente variantes consi- deradas estigmatizadas pela comunidade. Vejamos um exemplo concreto! No momento sincrénico o pesquisador estuda a questéo da redundancia pronominal, amplamente usada pelos informantes em situagGes. naturais de fala. Os textos. das cartas, dos didrios e das pecas, que compdem o corpus diacrénico, revelam uma incidéncia muito baixa da varidvel. Uma consulta 4s gramaticas da época Ihe dara m, 72 uma visio sobre o valor da varidvel na comunidade. O gramatico Freire, em seu livro de 1842, Reflexdes sobre a lingua portuguesa, ilusira esse ponto claramente ao escre- ver: Na reflexdo 6" da primeira parte reparau o critico nosso amigo, em que sendo 1téo freqiientes as redundancias no estilo das principiantes, e nao menos o impréprio uso dos epitetos, nos contentéssemos sé com fazer um Unico para- grafo ‘sobre tao importante matéria. — assim aconselhou- *nos, que déssemos aos principiantes mais exemplos deste vicio de redundéncia, @ que os extraissemos de aigum Autor de boa nota em que 4 nossa finguagem, para que vissem os ignorantes, 0 quanto é facil cair, € pecer nesta matéria. (Freie, 1842, p. 64, 3." parte: destuques nossos) De que fala Freire nesse paragrafo? Simplesmente da fepeligao em forma pronominal de um sintagma nominal empregado no discurso imediatamen’ terior, Em “Paulo € meu amigo. Ele me visita todas as noites” 6 pronome ele & considerado, segundo as normas prescritivas expostas por Freire, um vicio de linguagem. Observe agora as partes do paragrafo que salientei para vo Freire considera a questao da redundincia pronominal uma “importante ma- teria". Além disso, aquele que fizer uso da redundancia € considerado “ignorante”. Esse dado. portanto, informa © analista sobre a estigmatizacgao da varidvel em 1842. Uma consulta a outras gramaticas que precederam ¢ suce- deram a de Freire permitira ao pesquisador tracar uma evolugio do desenvolvimento normativo da varidvel em questao. E assim devers proceder o analista. Lembre-se de que sua posicao ¢ a de detetive! Toda e qualquer infor- magao sobre a varidve! podera ser-lhe extremamente © Cabe a vocé, portanto, costurar todas as partes é. a partir , wa desse belo acolchoado de fatores lingiiisticos e extralingiiis- ticos, sincrénicos e diacrénicos, desvendar o mistério da variacao. Vamos. rever agora as grandes questées a que vocé deverd tentar responder. Em primeiro lugar, mantenha sempre em mente que sua tarefa é discutir como o sistema muda sem causar danos a sua inerente funcdo de repre- sentagao. No capitulo 3 deste volume expusemos os pro- cedimentos para levantamento de hipsteses lingiiisticas ¢ nao-lingiiisticas, os chamados grupos de fatores. Ainda nesse capitulo dimensionou-se 0 encaixamento sincrénico, lingiiistico e ndo-lingilistico. No capitulo seguinte, o de nimero 4, procedeu-se a discussdo da avaliagdo da varid- vel pelos membros da comunidade de fala. Neste capitulo 5, foi acrescida a dimensdo histérica da varidvel, toman- do-s¢ como porites de apoio. o tempo aparente e¢ o real. Dessa nova dimensao da varidvel constam dois outros ele- mentos de anali a iransicao e a implementagao de va- ridveis. Resumindo, para cada uma dessas subpartes. da and- lise sao as seguintes. as pergunias a serem respondidas: Fatores condicionadores: Quais sao os fatores gerais efetivos para a mudanga — se & que existem — que de- terminam e distinguem possiveis mudangas de mudangas impossiveis do sistema ¢ que, ao mesmo tempo, apontam diregdes de mudanga? Encaixamento: Como uma determinada mudanga lin- giiistica se encaixa no sistema circundante de relagdes sociais ¢ lingiifsticas? Avaliaga@o; Como os membros de uma determinada comunidade lingiiistica avaliam a mudanca e, em especial. quais sao os efenes dessa liagda sobre oO processo de mudanga em si? Transig¢ago: Como e por quais caminhos a lingua muda? on ee 4 Implementacao: Por que, quando ¢ onde determinada mudanga ocorreu? Tendo respondido a essas grandes questées, vocé podera colher os frutos de seu trabalho: a andlise acura- da de uma comunidade sociolingiiistica com seu compo- nente de variagdo e de mudanca. Antes, porém, de fina- lizar este capitulo, fagamos uma viagem: a viagem de ida e volta a que me teferi anteriormente! Tomemos nova- mente © universo das oragées relativas e vejamos como dimensionar a varidvel historicamente, fazendo uso de ma- terial sincrénico e diacrénico! A viagem de ida e de volta: do presente ao passado e de volta ao presente Para as oragoes relativas a analise do material sincré- nico aponta para a luta entre trés variantes: uma padrdo, exemplificada em (1). ¢ duas nao-padrao: a relativa com pronome-lembrete em (2) € a cortadora em (3). (1) Este € o homem com quem eu falei oniem. (2) Este é 0 homem que eu falei com ele oniem, (3) Este é o homem que eu falei ontem. Os resultados da analise sincronica indicam que a variante-padrao se encontra praticamente fora do campo de batalha; que a grande vencedora parece ser a relativa cortadora; que a relativa com pronome-lembrete nao goza de prestigio na comunidade; e que a variagdo nas relati- vas. esta diretamente relacionada ao sistema de variagaio encontrado ne sistema anaférico da lingua falada, De tal maneira essa relagdo se processa que, com base nas estra tégias anaféricas utilizadas pelo falante, se podem prever as variantes relativas pelas quais ele opta em seu desem- penho. , bao 75 Dada essa relagdo, faz-se necessaria uma volta ao pas- sado para o encaixamento dos sistemas de pronominali- zacao ¢ de relativizacio no momento histérico. Da ana- lise do encaixamento surgira a verdadeira perspectiva sobre cada uma das variantes nao-padrao. E possivel que a va- riante (2), avaliada como estigma sociolingiiistico no mo- mento sincrénico, sempre tenha existido marginalmente no sistema. E relevante considerar que a variante cortadora tenha surgido no sistema como resposta a um processo maior de mudanca: o do sistema anaférico referencial. Para verificar essas hipéteses embarcamos em direcao ao passado. Nosso objetivo é colher informagées histé- ricas sobre cada uma das duas adversdrias do momento sincrénico em questac. Recolhemos entao cartas pessoais, didrios e textos teatrais que abranjam determinados mo- mentos histéricos. O material recolhido compreende qua- iro periodos de tempo: tempo 1, primeira metade do século 18; II, segunda metade do mesmo século; III], primeira metade do 19, e IV, segunda metade. Procedemos entéo inicialmente a um estudo das estratégias gerais de prono- minalizagéo, nas fungdes de sujeito, objeto direto e com- plementos prepositivos (sintagmas preposicionais). Lem- bre-se de que os complementos com preposigdo nos sao extremamente relevantes, uma vez que a variagao nas rela- tivas em foco reside exalamente nas oragdes com comple- mentos prepositivos. A Figura 3 apresenta os dados de retengao pronominal nas trés fungdes sintaticas, cruzadas com os quatro periodos de tempo. Observe que a reten- cao do pronome-sujeito é a menos freqiente, comegando a aumentar no quarto periodo. Por outro Jado, a retengao pronominal nas funcdes de objeto direto e de objeto de preposicao ¢ quase que Categérica nos tempos 1 e IT come- gando a declinar a partir do II, e confirmando esse decrés- cimo decisivamente no tempo IV. Veja agora a Figura S! S 6 FIGURA 5 — Retencdo pronominal em trés fungées. sintaéticas através de quatro periodos de tempo Tempo + 1725 + 1775 + 1825 + 1980 (TaRaLto, 1983, p. 196) Com base no mesmo material de andlise, o passo a seguir é investigar o uso de relativas: a padrao; a com pronome-lembrete; e a cortadora. Repare na Figura 6 que a variante. nio-padrao com pronome-lembrete se mantém marginalmente ao longo dos quatro periodos de tempo, o que de certa forma confirma seu valor estigmatizado no momento sincrénico do presente. A variante-padrao, de uso quase categérico nos tempos I, 1] e IH, comega a ser inibida a partir do tempo IV. © aspecto mais interessante slessa figura esté exatamente no cruzamento entre a adver- saria-padréo e a nao-padrao cortadora. Observe que é precisamente no quarto perfodo, momento em que a for- ma-padrao inicia sua descida, que a nao-padrao cortadora MN 77 avulta como a forte candidata para vencer a batalha, vité- ria claramente confirmada pelo dado sincrénico! FIGURA 6 — Freqiléncia de uso de trés estratégias de relativizagso em quatro periodos de tempo 7 Yatlante cortadera Tempo + 9725 175 st 1825 + 1880 {TaraLro, 1983, p. 208) Para efetivamente demonstrar o encaixamento das variantes relativas no sistema anaférico, falta simples- mente unir os dados apresentados nas Figuras 5 e 6. A Figura 7, portanto, apresenta novamente os resultados de freqiiéncia de uso de tés estratégias de relativizacao con- tracenando com o indice de retencao pronominal em fun- gao de objeto de preposicao. Note que a Figura 7 é a prova cabal de que vocé dispde neste momenta da anilise para demonstrar a implementagio de uma mudanca sinté- tica: 0 surgimento da relativa cortadora no sistema |in- giistico do portugués do Brasil. t. 78 FIGURA 7 — Freqliéncia de uso de trés estratégias de relativizagao comparadas & reten¢ao pronominal em funcao de objeto de preposigao em quatro periodos de tempo Retengio pronominal em ‘objeto de Preposicao gariante cortadora Veriante-padrao _ Variante com pronome-lembrete (TARALLO, 1983, p. 210) De volta ao presente vocé agora poderd explicar o sistema de variagio encontrado no ambito das pronomes, dentro ¢ fora de relativas. A forma nao-padrao continua a ser estigmatizada pela comunidade de falantes; a variante cortadora, por outro lado, encontra-se devidamente im- plementada no sistema. Nao tivesse vocé empreendido essa viagem ao passado, jamais saberia qual 0 verdadeiro estatuto de cada uma das formas nao-padréo no momento sincrénico. Agora vocé pode perceber claramente que a relativa Cortadora somente surgiu no sistema devido a uma eutra mudanea sintatica, ativada pelos pronomes e pelo sistema anaférico. © estudo ficaria ainda mais completo se vocé pudesse determinar exatamente quais foram as forgas sociais, os Pn, 79 agentes que motivaram essa mudanga. O dado sincrénico, por exemplo, revela que a classe mais escolarizada opta pela relativa cortadora, procurando evitar a forma com prono- me-lembreteé. Como a forma-padrao se encontra em. fase terminal de desaparecimento, também para a classe média € para a baixa a opcdo oscila entre as duas variantes nao- -padréo. De qualquer forma, apesar desses agentes nao poderem ser objetivamente desmascarados, 0 vicio da re- dundancia pronominal apontada por Freire em 1842 ainda mantém sua forga castradora no momento sincrénico atual. Nao € 4 10a que a relativa cortadora, a menos redundante do ponto de vista pronominal, seja a forma preferida e mais freqiiente. Mas concluamos este volume! 6 Conclus6ées These kinds of theories grow slowly: they emerge from the dirt and debris of the everyday world. never entirely free ot errors of measurement and other vulgar irregularities. They take shape, they grow strong and dependable to the extent that they keep their connection with that everyday world, and as long as they are cultivated by those who have the feel of it. Their beauty lies not in their simplicity or symmetry, but in their firm connection with reality. {Lasov, Wilham, 1981, p, 305) Estes tipos de teorias crescem vagarosamente: emergem da sujeira ¢ das ruinas do cotidiano, nunca totalmente livres de erros de mensuragao e outras itregularidades comuns. To- mam forma. crescem fortes € confidveis na medida em que mantém relagao. com o cotidiano e enquanto sao cultivadas por aqueles que 0 compreendem. Sua beleza repousa, nio em sua simplicidade ou simetria, mas na forte relagio com a realidade. A grande vitéria: o final afinal! Ao longo deste livro vocé foi submetide a varias batathas. Colocando-o na pasicgao de pesquisador-detetive e/ou de juiz-mediador foi-lhe sugerida uma metodologia de pesquisa que © capacitasse a enfrentar questGes de varia- — do lingiiistica e a resolvé-las. Com base na anialise de dados reais retirados de situagdes naturais de fala, aos poucos vocé comegou a observar que o carater heterogé- neo da lingua falada é simplesmente uma questao de apa- réncia: & heterogeneidade subjaz um sistema, devidamente estruturado! Vocé aprendeu a ver, conseqiientemente, que heterogeneidade no necessariamente exclui a nogio de sistema; ao contrario, sistematicidade e heterogencidade equacionam-se entre si, em um tipo de relagao de | = 1. O momento sincrénico, apesar de toda a varia¢io inerente 4 fala, nunca Ihe pareceu tao homogeneizavel. Das batalhas propostas no livro a primeira em que vocé se engajou foi, portanto, a de aprender a resolver e mediar as lutas disputadas por adversdrias lingiiisticas, des- mascarando a forga e o valor que cada uma goza no sis- tema sociolingiiistico da comunidade de fala. Ao enfrentar essas pequenas batalhas, municiando-se da relacio entre lingua € sociedade ¢ propondo-sc a um estudo preciso ¢ detalhado de fatores condicionadores, encaixamentos ¢ ava- liagdes das variantes, vocé péde decisivamente apreciar os dois caminhos distintos trilhados por elas: ou a estabili- dade e a coexisténcia no sistema, ou a mudanga em pro- gresso. Varios exemplos foram apresentados, em especial no capitulo 5, a fim de prepara-lo para discernir clara- mente entre esses dois rumos. No final do capitulo | sugeri a idéia de uma batalha. Obviamente essa batalha pressupoe toda a metodologia apresentada e discutida neste volume, mas nao somente isso, A vitéria, o grand finale, o fruto mais saboroso a colher é de natureza e substancia mais teérica, Nossos objetivos foram alcangados? Sera a linha de pesquisa, que aqui mostramos, tao essencial ao desenvalvimento do pen- samento lingiiistico que, uma vez iniciado um contato com ela, dela no podemos mais nos afastar? Sem qualquer intencgao panfletaria sobre teorias lin- MN 82 gilisticas, espero que vocé, ao final deste volume, tenha se convencido da extrema importancia dessa teoria e da metodologia que subjaz a ela. Para uma Ultima tentativa de argumentagao — esta destinada aos céticos, ainda nae convencidos da necessidade de incorporagao destes pres- supostos tedricos e metodolégicos ao pensamento lingiiis- tico atual —, retomemos a questao da variacgéo e da mu- danga lingiiisticas. A busca desenfreada da homogencidade acarreta um relorno e um apego muito forte ao falar do préprio ana- lista. Apesar de todos os dissabores ¢ desvantagens pre- sentes nessa linha homogeneizante de trabalho, nao € no momento sincrénico que devemos motivar nossa proposta de trabalho. Afinal de contas, o dado sincrénico pode ser tomado como uma unidade, em que as possiveis adver- sdrias sejam amalgamadas em abstragGes de regras cate- géricas e optativas. Ainda que tenhamos continuamente enfatizado a necessidade dessa linha de pesquisa para a analise do momente sincrénico, é para o dado da mu- danga que devemos retornar para concretamente viabilizar nossa proposta, E de que maneira essa consubstanciagao tedrica e metodolégica serd alcangada? E simples! Basta vocé refletir sobre a dicotomia pro- cesso vs. produto em relacao a variacao e 4 mudanga. Ao analisar o dado sincrénico, seja ele atual ou nao, vocé em principio trabalha com um recorte do sistema lingiiis- fico, sem qualquer preocupaciéo com o fator histérico. Vocé poder4. por conseguinte, analisar esse momento sin- crénico como produto, ou seja, como o resultado da subs- tituigdo de um elemento por outro. Nesse sentido, ¢ pos- sivel estudar mudangas ja acabadas como uma série de substituigdes discretas e distintas de elementos em sistemas homogéncos. Se for esse 0 caso, leremos eniao uma contra-evidén- cia e uma forte contra-argumentacgao 4 nossa proposta de << 83 trabalho. Lembre-se de que temos lutado pela heteroge- neidade sistematica! Ao entrarmos, no entanto, na fase histérica, na diacronia, somos forgados a considerar a mu- dan¢a como o processo de substituigao, e nfo como o produto desse processo. Ao dimensionarmos nossa preo- cupagao e nossos objetivos de trabalho dentro desses novos limites, ao estudarmos o processo de mudanga diretamente, levando em consideragdo as nogGes de fatores condiciona- dores e de encaixamento (cf. capitulo 3), de avaliagéo (ef. capitulo 4) e de transigao e implementagéo de va- riantes (cf. capitulo 5), imediatamente nos defrontaremos com © carater heterogéneo dos sistemas lingiiisticos. E por isso afirmamos que mudanca implica variagdéo: mu- danga € variagao! A partir dessa ultima argumentacio fica, portanto, claro que € o dado bruto, nao-polido, heterogéneo que deve ser sistematizado: uma sistematizacao e estruturac¢ao que somente € possivel se a considerarmos sob uma pers- pectiva variavel. Por isso enfatizou-se tao conscientemente no capitulo 1 que, se nos decidirmos a incorporar regras a gramatica, estas serao varidveis. Por outro lado, a exis- téncia de regras varidveis nao excluira a presenca de ele- mentos categéricos na gramatica. Nem tudo esta em va- riagio. Cabe-nos investigar aquilo que varia e como a variagdo pode ser sistematizada. Os universais variaveis Uma vez que as regras de nossa gramatica serdo variavi como entée incorporar a nogdo de universais lingiitsticos em nosso modelo de analise? Nao serao uni- versais € regras varidveis mutuamente excludentes? A res- pasta a essa pergunta € negativa, As duas nogGes nado sé podem como devem ser aproximadas, Essa aproximacao wy 84 traré uma nova luz 4 célebre dicotomia “competéncia ¢ desempenho™. A primeira devera ser expandida a fim de incluir © aspecto comunicativo da linguagem: falaremos, por consceguinte, de “competéncia comunicativa’. Nesse sentido, sera universal aquilo que for mais ou menos fre- qientemente condicionado em relagao a um item de varia- cao. Vejamos: no exemplo dado para a perda de plura- lidade nos SNs do portugués e do espanhol, verificamos que 0 contexto fonolégico posterior a varidvel, constituido de consoante, favorece 0 cancelamento do . Esse fator provou ser o mesmo ¢ ter a mesma forga tanto para oO espanhol quanto para 0 portugués. Nos dois sistemas a presenga de uma consoante apés a variavel favorece seu cancelamento. Conseqilentemente, também para os dois sistemas, a vogal que segue a yaridvel favorece sua retengao. Se, ao analisarmos novos sistemas lingiiisticos em variacao, o fator contexto fonolégico posterior provar ter a mesma forga no favorecimento e na inibigio das varian- tes, poderemos comecar a falar em universais. Eles terdo forgosamente caracteristicas especiais: serao universais de variagao e, sobretudo, de mudanga. Umi teoria geral de mudanga lingijistica para ser satisfaléria devera dar conta das condigdes que determinaram o inicio. a velocidade, a diregao, a propagagdo e o término de uma determinada mudanga. e, eventualmente, a partir de dados analisados de varios sistemas. gencralizar o conjunto de tais condi- ges para a mudanca lingiiistica. De que universais lingijisticos entéo podemos falar? Exatamente daqueles fatores condicionadores. lingilisticos e nao-lingiiisticos. que aceleram um processo de mudanga. Como os que veed péde observar an longo deste volume 0 contexto fonoldgico posterior no processo de enfraque- cimento de consoantes finais; o grupo sécio-econdmice intermediario como agente de mudangas, entre outros ~— 7 Vocabulario critico Amostra: conjunto de dados selecionados para anélise, corpus. Avaliacdo: no texto, um dos cinco passos da andlise socio- lingitistica, como os membros de uma comunidade jul- gam as vyariantes. Bimorfémica: caracteristica de palavras constituidas de uma raiz e de uma desinéncia com fungao gramatical, de pluralidade (casa#s), tempo (cant#ei) etc. Corpus: ver amostra. Chomsky: iniciador ¢ grande propulsor do modelo gera- tivo-transformacional para analise lingiistica. Competéncia: uma das duas partes da dicotomia choms- kiana; conjunto de regras lingiiisticas inatas. Desempenho: uma das duas partes da dicotomia choms- kiana; atualizagaéo da competéncia na fala. ico-historico longitudinal. Diacronia: estudo lingti Encaixamento: no texto, um dos cinco passos da anilise sociolingilistica; come a varidvel se encaixa no sistema lingiiistico ¢ social da comunidade. MN 86 Envelope: no texto, envelope de variacao; elencamento de todas as variantes que compdem uma variavel. Esteredtipos: estatuto da variante na comunidade impreg- nado de estigmatizacéo social, ao nivel de consciéncia dos falantes. Estilo: no texto, um componente da graméatica; um pos- sivel fator condicionador do uso de uma regra variavel; tipos de estilo: espontaneo, entrevista, leitura, lista de palavras, pares minimos. Estruturalismo: corrente do pensamento lingiistico do ini- cio do século XX. Fator(es): um dos cinco passos da analise sociolingilistica; elementos condicionadores do uso de regras variaveis, de natureza lingiiistica e extralingilistica. Funcional: da hipétese funcionalista; segundo ela, a fun- cao de representacdo da lingua domina os aspectos es- truturais do sistema no que diz respeito a variagao e a mudanga. Implementagaa: no texto, um dos cinco passos da andlise sociolingiifstica; a consubstanciagao de novas variantes no sistema lingiiistico. Indicador(es): estatuto da variante na comunidade, 0 qual nao apresenta condicionamento estilistico nem tampouco sta no nivel de consciéncia dos falantes, Informante: nome dado ao falante que faz parte da amos- Ira; sujeito da analise. Longitudinal: esiratégia de andlise; objeto lingitistico nao- -recortado; no texto, equivale a dimensdo histérica do tempo real; contrapde-se ao recorte rransversat Marcador(es); estatuto da variante na comunidade condi- cionado estilisticamente; nao se apresenta no nivel de consciéncia dos falantes. i Monomorfémica: opGe-se as caracteristicas das palavras bimorfémicas. Narrativa: no texto, relato de experiéncia pessoal; consti- tuida de oragées narrativas, sua estrutura apresenta seis partes: resumo, orientagao, complicagao da agao, reso- lugdo da ago, avaliagao e coda. Normalizagdo: no texto, forma de regularizagdo lingiiis- tica; o contrario de variacdo; estandardizagao. Regra: representagao formal de fatos lingiiisticos; no texto, incluem-se regras de diferentes naturezas: categéricas, obrigatérias, optativas e varidveis. Saussure, Ferdinand de: mestre lingiiista defensor do mo- delo estruturalista. Ver estruturalismo. Sincronia: recorte do fato lingiiistico no tempo; 0 movi- mento de analise contrario ao diacrénico. Ver diacro- nia. Sintagma nominal (SN): constituinte frasal composto de um nicleo obrigatério, o substantivo, modificado por determinantes e adjetivos. Sintagma preposicional; constituinte frasal composto de uma preposi¢éo seguida de um sintagma nominal. Ver sintagma nominal. Sociologia da linguagem: denominada por alguns de socio- lingiiistica estatica ou qualitativa; area de investigacao interessada no valor e funcao da lingua no meio social; etnografia da fala. Testes: no texto, testes de produgdo e de percepcado; situa- ¢40 experimental a que se submetem os informantes que compéem a amostra para fins de eliciagio de valores que as vanantes refietem na comunidade. Ver estilo. Transformacionalismo: no \exto. outras denominacdes ocorrem: modelo gerativo, escola gerativo-transforma- NN cional; modelo de gramatica que assume a sintaxe como componente basico da lingua; gramatica que nao prevé variagaéo, pressupondo que a comunidade lingiiistica é homogénea. Transigdo: um dos cinco passos da andlise sociolingiifstica: momento de passagem de uma fase lingiifstica para outra. Transversal: ver longitudinal. Variagao: teoria da variagao; assume a heterogeneidade ¢ © “caos” lingiiistico como objeto de estudo; também de- nominada sociolingiiistica quantitativa ou dindmica. Ver sociologia da linguagem, Variantes: varias maneiras de se dizer a mesma coisa, com o mesmo valor de verdade. Conjunto de formas lingiiisticas que compéem uma variavel; podem ser: pa- drao, nao-padrao, conservadora, inovadora, estigmati- zada e de prestigio. Varidvel; conjunto de variantes. Verndculo: a lingua falada em situagio natural de comu- nicagao; presente especialmente nas narrativas de expe- riéncia pessoal. Ver narrativa. 8 Bibliografia comentada A bibliografia esta dividida em quatro partes prin- cipais, Na primeira, sao apresentados alguns livros didati- cos sobre a sociolingiiistica existentes no mercado; na se- gunda, algumas antologias de textos classicos sociolingiiis- ticos; ma terceira, uma breve apreciagdo das obras de William Laboy; e na quarta, sugestOes de leituras comple- mentares, Livros didaticos TRUDGILL, Peter. 1974. Sociolinguistics: an introduction. Great Britain, Penguin Books. Dos livros diddticos existentes no mercado esse € 0 mais acessivel e © que mais se afina a este volume em portugués. O livro compde-se de sete capitulos, segui- dos de uma bibliografia anotada e de uma lista de su- gestocs de Jeituras complementares. O primeiro capitulo, “Sociolinguistics — language and society”, define a lingua no contexto social, abordando a relacao entre lingua e sociedade. Os demais capitulos th, 90 discutem a relacao entre lingua e fatores externos: classe social no capitulo 2; grupo social no terceiro; sexo no quarto capitulo; contexto no quinto; nagao no sexto; e geografia no sétimo. Trata-se de uma obra extremamente objetiva e clara em seus propésitos. Deve fazer parte de sua biblioteca par- ticular sobre sociolingiiistica! Dittmar, Norbert. 1976. Sociolinguistics; a critical survey of theory and application. London, Edward Arnold. Trad. do ‘alemao: Soziolinguisuk: Examplarische und kritische Darstellung ihrer Theorie, Empirie und An- wendung. Frankfurt, Athenaum Verlag Gmbh. Essa obra compoe-se de uma introdugao, sete capitulos e bibliografia comentada. Na breve introdugao Dittmar apresenta conceitos basicos da sociolingiiistica. Os trés primeiros capitulos sao destinados a uma reflexao cri- tica sobre a hipotese do deéficit lingilistico de Basil Bern- stein. Sao incluidas nessa discusséo: a relagao entre lingua falada e socializagao proposta por Bernstein, apre- ciagio dos estudos empiricos realizados para fins de contestacio ou nao da hipétese do déficit lingiiistico, e uma reflexao sobre as conseqiiéncias sociais da hipotese de Bernstein. Leia esses trés primeiros capitulos de Dittmar em conjungéo com os capitulos 1 e 4 de seu manual. No capitulo 4 Dittmar confronta o trabalho de Bern- stein e a teoria da variagdo lingilistica. A ultima é de- talhadamente apresentada nos trés capitulos finais do livro. Com excecgao dos trés primeiros capitulos, que abordam a questao do déficit lingilistico, use o livro como referéncia a conceitos incluidos (ou nao) neste volume. O livro de Dittmar é mais detalhado e abran- gente que o de Trudgill. Use-o. portanto, como uma espécie de “diciondério” da teoria da variagao! N

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