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A METAPSICOLOGIA

DE CHRISTOPHER BOLLAS:
UMA INTRODUÇÃO

Sarah Nettleton

Tradução: Liracio Jr.


Revisão técnica: Amnéris Maroni

1
A Metapsicologia de Christopher Bollas: uma introdução
explora a extraordinária contribuição de Bollas para a
psicanálise contemporânea. O livro tem o objetivo de
apresentar e explicar, sistematicamente, o essencial da teoria
da mente elaborada por este psicanalista, lidando com muitas
das questões mais frequentes sobre a obra bollasiana.
Ao longo dos capítulos sobre temas como o inconsciente
receptivo, o idioma, o conhecido não pensado e a implicação
da metapsicologia de Bollas para a técnica da associação livre,
este livro pretende auxiliar o leitor na aquisição de um melhor
entendimento da distinta linguagem psicanalítica bollasiana e
na compreensão dos elementos fundantes do arcabouço
conceitual do autor, mostrando como tais elementos se inter-
relacionam, bem como na apreciação da congruência teórica e
clínica de sua obra.
Este livro destina-se ao uso de psicanalistas,
psicoterapeutas e conselheiros, bem como psiquiatras,
psicólogos e assistentes sociais que desejam explorar as
aplicações do pensamento psicanalítico em suas práticas. Ele
também será de grande valia para os formandos nestas
disciplinas, bem como para estudantes de pós-graduação e
acadêmicos interessados na psicanálise contemporânea.
Sarah Nettleton é psicanalista em Londres. Atuando
originalmente como uma pianista acompanhante, ela escreveu
sobre música e o mundo interior e sobre a psicodinâmica do
dom musical. Nos últimos 7 anos, além do Reino Unido, ela
tem lecionado extensivamente sobre a obra de Christopher
Bollas em países como Noruega, Israel, França, EUA e
Turquia.

2
Para John e Deirdre

3
Índice

Prefácio de Vincenzo Bonaminio 5


Prefácio 7
Prefácio à edição brasileira 9
Agradecimentos 10
Abreviaturas 11
Introdução 12
1. Dualidades psíquicas 17
2. O Inconsciente receptivo e o genera psíquico 20
3. O idioma 29
4. O conhecido não pensado 37
5. As relações do self 43
6. Personagem e inter-relações 51
7. Objetos evocativos 56
8. Complexidade inconsciente 66
9. A livre associação 72
10. O par freudiano 84
11. Mundos separados 93
12. Uma teoria integrada 103
Apêndice 107
Índice remissivo 118

4
Prefácio de Vincenzo Bonaminio

Para apresentar este indispensável livro de Sarah


Nettleton, eu gostaria de começar com uma reminiscência
pessoal.
Minha proximidade com Christopher Bollas remonta aos
anos 70 quando, a convite de Adriano Giannotti e Andrea
Giannakoulas, ele vinha à Itália, a cada seis meses, como
professor visitante do renomado Istituto di Neuropsichiatria
Infantile, na Universidade de Roma, ‘Sapienza’.
As visitas dele eram sempre um evento. Muitos dos
ensaios que seriam publicados mais tarde em A Sombra do
Objeto (1987) foram inicialmente apresentados em Roma, a
uma audiência fascinada pela transparência cristalina e
clareza de seu pensamento, combinadas a uma grande
complexidade. No corredor, era possível ouvir o barulho do
impacto de um alfinete atingindo o piso.
Aqueles que, assim como eu, se sentavam na primeira
fila, poderiam observar a expressão de Bollas durante a
tradução consecutiva. Naqueles breves intervalos, entre a
frase anterior e o que ele diria em seguida, podia-se perceber
que ele estava repensando, espontaneamente, aqui e ali,
numa contínua elaboração de novas ideias clínicas e teóricas.
Era como se estivéssemos vendo, em statu nascendi, a eclosão
de uma onda de pensamento criativo. Às vezes, ele se
desculpava por contradizer algo que acabara de afirmar:
enquanto o intérprete estava falando, ele repensava o que
dissera e uma formulação mais convincente vinha-lhe à
mente. Era sempre uma obra em desenvolvimento.
Na supervisão individual, vivenciei uma experiência
similar: Bollas possuía uma capacidade sem igual de ouvir (a
despeito de meu inglês truncado), prestando uma atenção
infinita ao fraseado preciso do analisando e do analista. Ele
muitas vezes pedia para ouvir como o paciente se expressara
em italiano e precisamente o que eu havia respondido. A
maneira pela qual cada inconsciente singular fala continua
sendo um tema central em sua obra.
Muitos psicanalistas contemporâneos desenvolveram,
frequentemente de forma muito produtiva, as ideias das
grandes figuras psicanalíticas do último meio século. No
entanto, a criatividade de Bollas é de uma ordem diferente.
Embora ele retome as ideias de outros teóricos — Freud,
Winnicott, Bion — a essência de sua obra é inteira e
indiscutivelmente o resultado de seu próprio pensamento
clínico e teórico. Em minha opinião, nenhum autor dentro da
psicanálise contemporânea tem a mesma originalidade de

5
pensamento. Como dizemos em italiano: “è farina del suo
sacco”.
Christopher Bollas é imensamente prolífico; quase não
dá tempo para terminar de ler um livro seu antes que o
próximo venha a público, levando o leitor a segui-lo por vias
inusitadas, as quais podem ter pouco ou nada a ver com a
obra precedente, mas que são invariavelmente caracterizadas
pelo seu estilo de escrita único. Ele tem produzido o que pode
parecer uma miríade surpreendente de ideias, embora jamais
tenha nos oferecido uma organização sistemática de suas
próprias conceitualizações psicanalíticas. No entanto, a
evolução de seu pensamento apresenta uma teoria altamente
complexa da vida inconsciente.
Sarah Nettleton, neste livro, organiza os elementos
fundantes da teoria bollasiana, em capítulos que permitem ao
leitor compreender a estrutura do pensamento
metapsicológico do autor. É uma realização de lucidez, foco e
integração notáveis, e no cumprimento desta tarefa — que, até
o momento, ninguém mais teve coragem de enfrentar — ela
prestou um serviço único ao leitor. Sarah combina um estilo
modesto (nunca impondo suas próprias ideias) com uma
erudição admiravelmente rigorosa e precisa, o que demonstra
sua profunda compreensão das nuances mais sutis da obra
bollasiana.
A estrutura do livro, projetada em torno de temas que
vão se expandindo continuamente, torna os conceitos
bollasianos acessíveis àqueles que estão entrando em contato
com essas ideias pela primeira vez, mas também oferece aos
seus aficionados uma valiosa oportunidade para aprofundar o
entendimento da obra de Christopher Bollas.
Vincenzo Bonaminio

6
Prefácio

Entrei em contato com a obra de Christopher Bollas pela


primeira vez em 1987, quando li seu primeiro livro A Sombra
do Objeto: A Psicanálise do Conhecido não Pensado. Naquela
época, meu relacionamento com a psicanálise estava em
estágio embrionário e, olhando para trás, estou certa de que
entendi muito pouco do que aquele livro continha. Mas algo
nele chamou minha atenção. Descobri, desde então, que essa
é uma experiência comum, porque, para muitas pessoas, a
escrita de Bollas ressoa com algo subliminar, de difícil
definição.
Tanto meu histórico familiar, quanto minha primeira
profissão de música, vincularam-me às artes, e foi talvez por
isso que me senti atraída, desde o início, para o Grupo
Independente Britânico, tanto pelo seu ethos questionador
como pela abrangência inclusiva de seus pensamentos
psicanalíticos. Fui inspirada pelas obras muito elucidativas de
escritores como Sharpe, Rycroft, Milner, Khan, Symington,
Klauber e Coltart, contudo, ao mesmo tempo eu estava ciente
da ausência, no pensamento independente, de uma teoria da
mente que soasse verdadeiramente integrada.
Eu continuei a ler as obras psicanalíticas de Bollas, à
medida que elas iam aparecendo — Forças do Destino:
Psicanálise e Idioma Humano (1989), Sendo um Personagem:
Psicanálise e Experiência do Self (1992), Cracking-up: The
Work of Unconscious Experience (1995), The Mystery of Things
(1999), Hysteria (2000), Associação Livre (2002) e O Momento
Freudiano (2007). Então, no final da década de 1990, tive a
sorte ser supervisionada, em meu treinamento clínico,
durante 18 meses, pelo próprio Bollas. Naquela época, eu já
estivera sob a supervisão de vários analistas independentes os
quais haviam me ensinado muitas coisas sobre o trabalho
clínico, mas aprender com Bollas acabou por ser uma
experiência única e, de certo modo, avassaladora. Senti como
se o chão houvesse sido tirado de baixo dos meus pés. Ficou
imediatamente claro para mim que aquela era uma
abordagem inédita, e naquelas sessões intensas e
esclarecedoras, constatei que meu entendimento estava sendo
transformado.
Meu envolvimento com seu pensamento ganhou uma
dimensão adicional em 2004, quando me tornei uma das
pessoas responsáveis pela edição de seus livros. Primeiro
trabalhei com ele em sua trilogia de romances: Dark at the
End of the Tunnel (2004), I Heard the Mermaids Singing (2005)
e Mayhem (2006) — e em seus volumes de obras dramáticas,
Theraplay and Other Plays (2006). Estes foram seguidos por

7
The Evocative Object World (2009), A Questão Infinita (2009),
The Christopher Bollas Reader (2011), China on the Mind
(2013), Catch Them Before They Fall (2013) e When the Sun
Bursts: The Enigma of Schizophrenia (2015).
Em 2009, ciente de ter tido uma oportunidade única e
privilegiada de mergulhar na obra de Bollas e disposta a
compartilhar minha experiência deste pensador psicanalítico
revolucionário, elaborei uma série de seminários que
introduziam e exploravam os fundamentos da sua
metapsicologia. Desde então, tenho trabalhado com muitos
grupos no Reino Unido e em Oslo, Tel Aviv, Paris, Washington,
Nova York e Istambul. Tenho me deparado com um
entusiasmo inspirador pela obra bollasiana, e sou muito grata
aos participantes dos seminários por, continuamente, terem
me desafiado a aprofundar e depurar minha própria
compreensão.

8
Prefácio à edição brasileira

O precioso livro de Sarah Nettleton, A Metapsicologia de


Christopher Bollas – Uma introdução merece algumas
palavras para esta primeira edição em língua portuguesa.
Christopher Bollas tem sido cada vez mais lido no Brasil e no
mundo e, todavia, até o presente, nenhum comentador se deu
ao trabalho de analisar a sua obra como um todo, dando aos
leitores caminhos interpretativos. Sarah, uma psicanalista
clinicando em Londres, teve essa coragem e este livro que a
Editora Escuta está lançando pode surpreender muito pela
abrangência.
O principal mérito de Sarah, com certeza, é seu “tempo
de digestão” — ‘ruminação’ para F. Nietzsche — da obra de C.
Bollas. É sua leitora desde o lançamento, em 1987, de A
Sombra do Objeto — A Psicanálise do Pensamento não
Pensado — também editado pela Escuta. Foi supervisionanda
de Bollas durante um tempo, ajudou a editar seus livros de
ficção (romances e obras dramáticas) e de não ficção, obras
mais recentes — e há já alguns anos leciona em várias partes
do mundo a teoria e a clínica psicanalítica de Christopher
Bollas. Além disso teve contato com material não publicado do
próprio Bollas e está em contato com esse grande psicanalista
de origem norte-americana e cidadão inglês por opção. É isso
que chamo de “tempo de digestão” e, como todos sabem, esse
tempo é fundamental para o amadurecimento do pensamento.
Modesta, Sarah Nettleton nos introduz à metapsicologia
de Christopher Bollas, apresentando-nos não uma introdução
exaustiva de sua obra, mas uma ferramenta para a
explorarmos. Com esse livro, os estudos bollasianos no Brasil
e nos países de língua portuguesa ganharão, por suposto, um
outro patamar.
Três a meu ver são os temas dessa Introdução, temas
que estão presentes desde as primeiras obras de Bollas e que
percorrem, de uma maneira ou de outra, toda a sua produção:
a defesa intransigente do pluralismo teórico na psicanálise; a
metapsicologia de Bollas e os ricos conceitos que a
constituem: idioma pessoal/self verdadeiro/fingerprint,
conhecido não pensado, genera criativas, o objetivo mesmo
da análise bollasiana: os skills do inconsciente criativo; e,
também, a inter-relação entre o mundo interior e o mundo
objetal exterior diálogo que renova definitivamente a relação
da psicanálise com a materialidade do mundo.
Inserido e falando a partir da tradição psicanalítica,
ressignificando-a, acredito que esses três pontos trazidos à
9
tona por Sarah Nettleton reconhece o lugar próprio de
Christopher Bollas, seu idioma, nessa mesma tradição.
Amnéris Maroni, psicanalista e antropóloga/Unicamp.
Agradecimentos

Os extratos de O Momento Freudiano (2007) foram


reimpressos com a gentil permissão da Karnac Books.
Agradeço também a Christopher Bollas pelas citações de A
Sombra do Objeto: A Psicanálise do Conhecido Não Pensado
(1987), Forças do Destino: A Psicanálise do Idioma Humano
(1989) e The Christopher Bollas Reader (2011); agradeço à Free
Association Books pelas citações de Freely Associated:
Encounters in Psychoanalysis (ed. Molino, 1997); e à
Routhledge pelos extratos de Sendo um Personagem:
Psicanálise e Experiências do Self (1993), Cracking-Up: The
Work of Unconscious Experience (1995), The Mysteries of
Things (1999), The Evocative Object World (2009), A Questão
Infinita (2009), China in the Mind (2013) e Catch Them Before
They Fall (2013).
Agradeço a Kate Hawes, da Routhledge, pelo seu
entusiasmo imediato por este projeto; a Ruth Harvey,
Elizabeth Qabouq, Lois Oppenheim, Bruce Reis e Mary
Twyman por seus valiosos comentários sobre o manuscrito; e
a Vincenzo Bonaminio por seu generoso incentivo e por
escrever o Prefácio.
E, acima de tudo, meus agradecimentos a Christopher
por nos dar tanto.

10
Abreviaturas

Quando a escrita de Bollas é citada no texto, seus livros


serão codificados da seguinte maneira:
SO: A Sombra do Objeto: A Psicanálise do Conhecido Não
Pensado. (London: Free Association Books, 1987)
FD: Forças do Destino: Psicanálise do Idioma Humano
(London: Free Association Books, 1989)
SP: Sendo um Personagem: Psicanálise e auto-
experiência (Londres: Routhledge, 1993)
MF: O Momento Freudiano (Londres: Routhledge, 2007)
QI: A Questão Infinita (Londres: Routhledge, 2009)
CUP: Cracking-Up: The Work of Unconscious Experience
(Londres: Routhledge, 1995)
MT: The Mystery of Things (Londres: Routhledge, 1999)
EOW: The Evocative Object World (Londres: Routhledge,
2009)
CBR: The Christopher Bollas Reader (Londres:
Routhledge, 2011)
CM: China on the Mind (Londres: Routhledge, 2013)
CF: Catch Them Before They Fall (Londres: Routhledge,
2013)

11
Introdução

Christopher Bollas tem contribuído de modo


extraordinariamente significativo para a psicanálise
contemporânea. Além de seus livros sobre teoria, técnicas
clínicas e psicopatologia, ele tem aplicado seus conhecimentos
às áreas de literatura, arquitetura, história e antropologia
social, bem como à política do mundo psicanalítico e à
questão da confidencialidade.
Bollas cresceu na Califórnia e estudou história em
Berkeley, onde começou sua carreira clínica em 1967,
trabalhando por dois anos em uma escola infantil para
crianças autistas e esquizofrênicas em Oakland. Nessa época
suas principais influências teóricas foram Ana Freud, Bruno
Bettelheim e Margaret Mahler, porém, em seu esforço para
entender melhor as crianças vítimas de severas moléstias
mentais, com as quais interagia, ele já se via frequentemente
gravitando para a psicanálise britânica e para as obras de
autores como Klein, Winnicott e Tustin.
Enquanto estudava para o doutorado em literatura
inglesa, na Universidade de Buffalo, Bollas começou um
treinamento em psicoterapia psicanalítica para estudantes
não médicos da pós-graduação. Na sequência, ele concluiu
sua especialização em trabalho social no Smith College e
recebeu treinamento em psicologia do ego durante seu estágio
no Hospital Beth Israel, em Boston.
Em 1973, mudou-se para Londres, onde estudou e
trabalhou na Clínica Tavistock, tanto com pacientes adultos,
onde foi influenciado em especial por analistas independentes
e bionianos, como com crianças e adolescentes, onde estudou
com Francis Tustin, Donald Meltzer e Matte Harris. Ao mesmo
tempo, treinou no Instituto de Psicanálise, participando de
seminários clássicos freudianos, independentes e kleinianos.
Ali ele foi supervisionado por Paula Heimann, Marion Milner,
Clifford York e Eric Brenman.
Durante este período, Bollas também se interessou pela
psicanálise francesa, trabalhando com J. -B. Pontalis e André
Green. Durante 20 anos foi professor visitante de psicanálise
na Universidade de Roma, onde dava palestras a cada dois
meses; e durante 30 anos realizou oficinas com grupos de
psicanalistas na Suécia, Alemanha e EUA. Ele é um dos
membros fundadores do Grupo Europeu de Estudos para o
Pensamento Inconsciente.
12
Muitas pessoas têm lido alguns dos ensaios de Bollas e
estão familiarizadas com, por exemplo, seu conceito do
conhecido não pensado e do objeto transformacional. Para
aqueles com uma certa disposição mental, sua escrita é
imediatamente atraente. Ele discorre sobre a criatividade, a
experiência estética, a singularidade do caráter humano...
ideias muito fascinantes e agradáveis. Porém, o que é difícil de
apreciar, sem uma leitura mais aprofundada de sua obra, é o
rigor intelectual e a coerência de seu pensamento, que reúnem
teoria e técnica, normalidade e patologia, e oferecem uma
exploração única da complexa inter-relação entre a
experiência íntima, interior, subjetiva e o mundo objetal
exterior.
Em muitos sentidos, a contribuição de Bollas pertence,
inequivocamente, à tradição independente britânica,
expandindo temas que têm preocupado os escritores
independentes desde os primórdios da psicanálise na Grã-
Bretanha. Seu pensamento também é influenciado por Kohut,
Bion e Lacan e, de forma muito significativa, pelas teorias
inovadoras de Winnicott sobre a relação entre bebê e mãe, e
seu conceito de “área intermediária” na mente — a arena para
a criatividade e a imaginação.
Todavia, antes de tudo, a obra bollasiana é ancorada em
uma leitura profunda de Freud. Em vários aspectos cruciais,
Bollas escolhe ideias que faziam parte da visão intuitiva de
Freud, ideias as quais, em parte devido às limitações de sua
personalidade, o autor vienense não foi capaz de reconhecer e
de explorar em detalhes.
Ao longo de sua obra, Bollas também se refere a várias
influências extra-psicanalíticas, incluindo Bachelard, Barthes,
Melville, Camus, Ionesco, Heidegger, Derrida, Mahler, Kant e
Kooning. Em uma entrevista a Anthony Molino, ele diz:
Eu acho que o modo como Willem de Kooning
trabalha, como ele pinta, consegue captar algo
sobre a natureza do inconsciente. Há alguma coisa
sobre a sua expressão de texturas, de pensamento,
de ambição e esforço, e sobre a forma como ele
apaga seus esboços... O jeito como ele rasura certas
linhas, certas figuras que são pintadas então... mas
as linhas apagadas ainda estão lá, em algum
lugar... Algo sobre sua visão, sua visão e revisão,
realmente me tocou. O que ele me ensinou, de uma
maneira semelhante à teoria de Freud sobre a ação
diferida, é que o inconsciente não é apenas uma
visão, mas uma re-visão. Portanto, no processo de
estruturação do self, também ocorrem, repetidas
vezes, edições, colagens, revisões, etc.1
Esta variedade incomum de influências tem levado
Bollas a uma adoção engajada da pluralidade teórica. Em
13
relação a isso, é motivo de arrependimento para ele que — até
agora, pelo menos — não tenha logrado uma exploração
minuciosa do pensamento de Jung. Meus seminários sobre
sua obra têm atraído muitos colegas junguianos, e tem sido
interessante descobrir que muitas vezes eles se sentem mais
confortáveis com certos aspectos do pensamento bollasiano do
que aqueles treinados exclusivamente na tradição freudiana.
Na verdade, acredito que sua obra tem o potencial de fornecer
um elo indispensável entre estes dois mundos, infelizmente
afastados por antipatias históricas.
O estilo de escrita de Bollas é pessoal e diferenciado.
Especialmente em seus primeiros livros, vemos o legado de
sua vida acadêmica precedente. A escrita tem uma densidade
regular, incluindo muitas referências à literatura e à filosofia,
e seus argumentos podem, às vezes, parecer de uma
complexidade desafiadora. No entanto, algumas passagens de
extrema condensação com frequência se alternam com
anedotas de sua própria vida ou com outros exemplos do
cotidiano, produzindo um equilíbrio entre conceitos abstratos
refinados e a experiência humana comum, e permitindo que o
leitor esforçado se reinsira no familiar. Por vezes, deparamo-
nos com um fenômeno intrigante: sua escrita personifica o
que ele está descrevendo. À medida que nos relacionamos com
suas palavras, nós não apenas assimilamos noções
intelectuais, mas também nos vemos experienciando algo
sobre nosso próprio mundo interior.
Sua linguagem, em si, pode ser idiossincrática. Ele pode
usar uma palavra comum de maneira incomum —
“processional” refere-se a um processo e não a uma procissão
— e se não consegue encontrar uma palavra adequada para o
que deseja expressar, ele cunha uma nova. Termos como
“personalidade fantasmagórica”, “doença normótica” e
“interformalidade” são testemunho da criatividade inovadora
de seu modo de pensar, e esses neologismos muitas vezes
representam seu avanço mais imaginativo para além dos
limites conceituais.
Para Bollas, a psicanálise não é uma torre de marfim.
Embora, às vezes, seus conceitos pareçam meio etéreos, seu
pensamento trata da experiência vivida. Além de criar um
continuum entre a subjetividade humana normal e as várias
manifestações da psicopatologia, ele procura integrar a
linguagem psicanalítica em muitos aspectos da sociedade e da
cultura. Bollas oferece um modelo abrangente da estrutura e
funcionamento psíquicos, e também coloca em palavras as
minúcias intensas da vida: uma centelha de pensamento, um
fragmento evasivo de auto-experiência. Ele também nos
oferece formas de pensar sobre o que se processa em nossas
mentes, mas nunca perde de vista o que é, em última
instância, implícito e inalcançável no self.

14
Uma leitura cronológica dos livros de Bollas sugere que
sua imagem da mente estava presente, em essência, desde o
princípio de sua escrita. No entanto, seu modelo
metapsicológico não aparece como um todo em nenhum lugar.
Isso cria um problema para o leitor. Algumas vezes pode ser
difícil localizar ensaios sobre tópicos específicos e é fácil deixar
passar alguns conceitos essenciais. Em meus seminários,
foram muitas as ocasiões em que testemunhei um entusiasmo
fervoroso por sua obra mesclado a uma falta de compreensão
de alguns conceitos básicos de seu pensamento.
Este livro é uma tentativa de remediar essa situação. Ele
foi concebido para ser um guia, uma espécie de mapa de
rotas, que permitirá ao leitor compreender as teorias que
fundamentam o modelo bollasiano. Ele não se destina a ser
uma crítica, um estudo comparativo ou uma introdução
abrangente a toda a obra de Christopher Bollas. Para o leitor
que esteja interessado em outras áreas de sua escrita, o
apêndice apresenta alguns ensaios sugeridos, listados por
tópico.
Assumindo uma visão temática em vez de uma visão
cronológica, o livro provê uma introdução sequencial aos
elementos centrais da metapsicologia de Christopher Bollas e,
portanto, está organizado para ser lido linearmente. Embora
os vários conceitos sejam um tanto mutuamente dependentes,
aqui eles serão introduzidos de forma serializada: as ideias
não serão usadas como parte da discussão até que as mesmas
sejam apresentadas. Tal como a mente que se desenvolve da
simplicidade para a complexidade, os capítulos posteriores
utilizam os conceitos dos anteriores e, por isso, apresentam
crescente nível de exigência. Esta abordagem cumulativa
destina-se a ilustrar a maneira pela qual os elementos
individuais do vocabulário conceitual bollasiano se juntam
para formar uma teoria integrada.
O primeiro capítulo explora um princípio dualista que,
sob vários aspectos, é um tema central ao longo da obra de
Christopher Bollas. Em seguida, engajamo-nos em uma
exploração dos elementos individuais de seu pensamento: o
inconsciente receptivo, os genera psíquicos, o idioma e o
conhecido não pensado, o self e o personagem, o objeto
evocativo, a complexidade inconsciente, a associação livre e o
par freudiano. O penúltimo capítulo explora suas ideias sobre
a diversidade de abordagens que existem dentro da
psicanálise britânica contemporânea, e o capítulo final
funciona como uma coda, na qual fios de sua metapsicologia
são reconectados.
Os capítulos de 2 a 11 começam com uma lista dos
principais ensaios relativos ao tópico abordado e também uma
de conceitos-chave. Estes conceitos vão se desenvolvendo ao

15
longo de todo o livro para formar um glossário da linguagem
psicanalítica bollasiana.
Eu sintetizei o material proveniente de várias fontes: os
escritos extensivos de Bollas, a experiência de seu trabalho
clínico adquirida em supervisão, o material inédito que ele
gentilmente me permitiu usar, e muitas comunicações e
discussões pessoais que expandiram minha compreensão, e
pelas quais sou especialmente grata.
A obra extraordinária de Christopher Bollas evoca uma
resposta muito pessoal; ela instiga o pensamento ramificante.
Como eu gostaria de deixar os leitores livres para perseguir
suas próprias respostas internas, meu objetivo foi esclarecer,
em vez de interpretar, mas são meus alguns dos exemplos
ilustrativos e certas ênfases acrescidas. O mapa não substitui
o viajar. O livro terá atingido seu objetivo se seus leitores se
sentirem inspirados a explorar a obra bollasiana por conta
própria.

Nota
1. Molino, A. (ed.) (1997) Freely Associated: Encounters in
Psychoanalysis. Londres: Free Association Books, p.34.

16
Capítulo 1
Dualidades psíquicas

Existe, subjacente à metapsicologia de Christopher


Bollas, uma polaridade fundamental entre dois princípios
gerais. Essa dualidade manifesta-se de formas diferentes,
incluindo:
maternal paternal
forma conteúdo
integrado delineado
intuitivo conceitual
receptivo ativo
Encontramos estas modalidades desde o nascimento (é
provável que, de alguma maneira, estejam presentes mesmo
antes do nascimento) e ambas permanecem em nós, momento
a momento, como formas potenciais de ser. O equilíbrio e a
tensão entre elas influenciam todos os aspectos de nossa vida
intrapsíquica e sustentam nossos encontros com o mundo
exterior.
Bollas frequentemente alude de forma explícito à
dualidade das ordens maternas e paternas.
Durante a fase primária da vida, na díade materna, os
axiomas inconscientes do ser e do relacionar-se são
absorvidos pelo bebê, à proporção que ele existe dentro da
experiência da forma como a mãe o amamenta e o manuseia e
como ela se relaciona com ele.
À medida que a criança começa a verbalizar e durante a
fase edipiana, o pai, os irmãos, a família, os parentes e o
mundo em geral intervêm e a apresentam, aos poucos, à
existência de uma realidade fora do self e às estruturas e
demandas objetivas do meio social. Ela encontra a consciência
da diferença sexual, a cena primitiva e o desejo dos pais, os
desafios da rivalidade e a necessidade de se comunicar
usando uma linguagem compartilhada. Esta é a vida regulada

17
pela ordem paterna, que primeiro se anuncia de uma maneira
visceral e é assim descrita por Bollas:
...a diferença “textural” do pai em relação à mãe, ou a
“sensação” do pai: o pai que personifica um odor
diferente, um cheiro diferente, que tem uma maneira
diferente de segurar, de carregar a criança; que tem
uma maneira diferente de respirar, andar, um tom de
voz diferente1.
Tanto ao nível sensorial quanto no domínio do
pensamento e da imaginação, a dualidade expressa pelas
idiossincrasias dos cuidados materno e paterno constitui um
modelo para a existência de duas categorias distintas de
experiência.
Bollas usa o processo de narração de um sonho para
descrever a forma como as performances materna e paterna se
reúnem na sessão psicanalítica. Uma vez que o sonho é
experienciado no interior de um mundo privado e alucinante,
seu relato envolve o sonhador na tentativa de verbalizá-lo. O
paciente é encorajado a transformar algo privado, evocativo e
impregnado de sutileza emocional em uma comunicação
verbal com um outro exterior. No entanto, Bollas ressalta que
a abordagem psicanalítica para a compreensão de um sonho
envolve ambos os modos de experiência:
...o requisito é de uma simplicidade surpreendente:
basta dizer o que está na mente em associação ao
sonho. O analista não interroga o paciente nem exige
que ele dê sentido ao sonho. Em vez disso, o paciente
persiste no texto do sonho, especulando sobre sua
forma e conversando, mesmo sem saber muito o que o
mesmo significa, como se ele estivesse dentro de seu
próprio sonho. Mas, com o passar do tempo, o
analisando segue diferentes linhas de pensamento, e a
unidade do sonho parece se desintegrar, com as
associações levando o sonhador para muito mais longe
da experiência onírica [...] O aspecto oracular do sonho
— o oráculo materno que manteve o sonhador dentro
dele, falou ao seu ouvido e dispôs eventos visionários
diante de seus olhos — é deslocado pela própria vida
mental do sonhador2.
Ainda que o processo externalizante da verbalização do
sonho possa ser entendido como uma intrusão das demandas
paternas no idílio materno, Bollas considera que a análise do
sonho “concretiza uma junção evoluída da mãe e do pai
interiores e leva a uma integração inconsciente das ordens
maternas e paternas no analisando”3.
Em seu livro China on the Mind, ele explora essa
dualidade em uma escala mais ampla, em termos de
contraste, tanto da cultura como da estruturação
intrapsíquica, entre as tradições orientais e ocidentais.

18
A linguagem e o pensamento ocidentais são
caracterizados por partes do discurso delineadas com
diferentes funções, estabelecendo uma nítida distinção entre
sujeito e objeto e tornando possível a precisão e a organização.
Eles são governados, portanto, pela ordem paterna. As
civilizações orientais, e especificamente as que se
desenvolveram a partir da China antiga, estão enraizadas, por
suas linguagens falada e escrita, no holístico e no materno. O
caractere chinês consiste em um conjunto pictórico de
associações que se combinam para transmitir significados
intrinsecamente complexos, os quais ressoarão de forma
diferente para cada indivíduo. Bollas escreve:
O discurso oriental é ambíguo, permitindo que a
comunicação seja co-construída, enquanto o discurso
ocidental favorece a lucidez e a clara distinção entre os
interlocutores. A mensagem é, portanto, um indicador
de diferença, um ato que separa e demarca as pessoas
umas das outras4.
O pensamento ocidental é causal, metonímico,
diacrônico; o pensamento oriental é correlativo, metafórico,
sincrônico. “Os chineses observam o mundo nas diferentes
formas de seu processo, e não nas suas diferenças
substantivas”5.
Enquanto os primeiros textos literários ocidentais
preocupavam-se com as aventuras do indivíduo no mundo
exterior, o oriente se concentrava nos momentos evanescentes
da vida comum e na conexão entre o self interior e a alma
universal do homem. O heroísmo ocidental contrapõe-se à
introspecção e a transcendência orientais:
Tanto o oriente quanto o ocidente concebem a vida
humana como uma jornada, mas diferem em suas
percepções da mesma. A mente ocidental explora o
mundo material, descobrindo novas evidências em uma
marcha infinita, que honra seus aventureiros, os quais
são identificados com as descobertas. A ênfase é sobre
uma aventura que penetre o real, analisando-o e
organizando-o, e isso pressupõe um acréscimo ao
conjunto dos conhecimentos. A mente oriental explora o
mundo espiritual, descobrindo as novas posições
internas que um self pode tomar para instanciar-se
através da consciência elevada de formas cada vez mais
inspiradas do imanente6.
Durante nossa exploração da metapsicologia bollasiana,
devemos enfrentar essas dualidades em muitas ocasiões,
representadas por vários pares de conceitos: o recalcado e o
inconsciente receptivo, o genera psíquico e o trauma psíquico,
o foco e a disseminação, a apresentação do self e a
representação do self, os modos de pensamento subjetivo e
objetivo, e o significado para a nossa compreensão clínica da
inter-relação entre forma e conteúdo.

19
Notas
1. Molino, A. (ed.) (1997) Freely Associated: Encounters in
Psychoanalysis. Londres: Free Association Books, p.21.
2. Bollas, C. “Free association”, EOW p.44.
3. Bollas, C. “Transformações psíquicas”, MF p.10 (itálico
original).
4. Bollas, C. China on the Mind, p.4.
5. Ibid.
6. Ibid., P.6.

Capítulo 2
O inconsciente receptivo e o genera psíquico

Principais ensaios:
“O que é teoria?” (MF)
“Genera psíquicos” (SP)
“Transformações psíquicas” (MF)
“Articulações do inconsciente” (MF)
Conceitos-chave: recalque e receptividade; percepção
inconsciente, criatividade inconsciente e comunicação
inconsciente; inconsciente receptivo; genera psíquico

Na atmosfera política atual, a profissão psicanalítica é


cada vez mais convocada a se definir, e uma das maneiras
pelas quais ela pode fazê-lo é reivindicando um singular
interesse terapêutico pelo inconsciente.
Mas surge a pergunta: a que tipo de inconsciente nos
referimos? Como imaginamos o inconsciente e o papel que ele
desempenha na estrutura e no funcionamento da mente? Esta
questão pode ameaçar uma das poucas áreas de suposta
coesão no mundo psicanalítico, mas tem implicações cruciais
para o nosso entendimento de todos os aspectos da
psicanálise: suas teorias, suas abordagens clínicas e seus
objetivos terapêuticos.
Neste capítulo, devemos explorar a teoria bollasiana do
inconsciente receptivo, que é, em minha opinião, a
contribuição mais abrangente e coerente para a compreensão
psicanalítica da mente inconsciente desde Freud.
Em “O que é a teoria?” (MF), Bollas expõe sua situação-
problema — sua fundamentação para produzir um novo
modelo metapsicológico — e ele destaca várias anomalias na
20
teoria freudiana. Freud ofereceu três teorias inteiramente
diferentes da estrutura mental. Seu modelo topográfico era
uma metáfora espacial: a psique formada em camadas, com a
mente consciente em cima, o pré-consciente no meio e o
inconsciente fora da vista abaixo da superfície.
De onde veio esse modelo e o que ele nos permite
entender?
As primeiras explorações de Freud em psicanálise clínica
estavam focadas em torno do problema da histeria, o que o
levou a formular uma teoria que privilegiava um certo aspecto
do funcionamento mental. Em termos de estrutura psíquica,
ele afirmava, em seus primeiros escritos, que a parte mais
profunda e fundamental da mente seria o inconsciente
primário não reprimido, constituído pelos vínculos fisiológicos
primitivos entre corpo e mente, bem como pela herança
filogenética (hoje em dia nós provavelmente a denominaríamos
DNA). Conforme a psique se desenvolve, a esta é acrescido o
inconsciente recalcado, composto por material que foi banido
da percepção consciente.
No trabalho realizado em parceria com Breuer, Freud fez
a descoberta revolucionária de que a conversão histérica é
causada pelo recalque: as ideias traumáticas que são
inaceitáveis para o ego são empurradas para o inconsciente e
só reemergem se estão disfarçadas, muitas vezes sob a forma
de sintomas somáticos. No curso da análise, o que foi
esquecido é restituído à consciência, e isso traz um alívio da
acumulação de pressão interna que produziu o sintoma físico.
O modelo topográfico é inteiramente apropriado para pensar
sobre a histeria e leva a um foco clínico no ressurgimento de
conteúdos recalcados.
Este modelo propôs que a atividade e os conteúdos da
mente inconsciente eram governados pela repressão de
pensamentos proibidos. Todavia, em 1923, em O Ego e o Id,
Freud deparou-se com um problema teórico: previamente ele
havia afirmado que o inconsciente consistia em ideias
recalcadas, mas agora percebia que a agência que operava o
recalque era, ela mesma, inconsciente. Então, como o
inconsciente teria de ser definido?
Isso o levou a propor sua teoria estrutural — uma
metáfora metapsicológica completamente diferente. Enquanto
que o modelo anterior tinha implicações concretas e espaciais,
esse teria um teor antropomórfico: envolvia três partes da
mente com personagens muito distintos — id, ego e superego.
Esta teoria permite que os psicanalistas conceituem uma série
de novos problemas. Em particular, ela oferece uma maneira
de pensar sobre o conflito intrapsíquico em termos de um
conflito dinâmico entre três agências com objetivos
incompatíveis. Ele permite que um sintoma seja considerado,
não apenas como uma reação às ideias recalcadas, mas como
21
o resultado do jogo de forças opostas dentro do self. A teoria
estrutural também fornece um vocabulário conceitual com o
qual é possível tratar da questão crucial do desenvolvimento
psíquico — algo que não poderia ser abordado usando o
modelo simples de consciência, pré-consciente e inconsciente
— e ela ainda evidencia as relações primitivas e os elementos
edipianos na situação clínica.
É importante registrar que essa nova formulação de
Freud não substituía a antiga. Da mesma forma que as
descobertas de Einstein não invalidaram as de Newton, as
duas teorias simplesmente abordam diferentes problemas. A
teoria da relatividade surgiu porque Einstein se fez uma nova
pergunta sobre a velocidade da luz, e Freud produziu sua
teoria estrutural quando percebeu que havia aspectos
importantes do funcionamento inconsciente que não podiam
ser descritos adequadamente com o modelo topográfico
simples.
Entretanto, na verdade, mais de 20 anos antes, Freud já
estava propondo um outro modelo alternativo do inconsciente.
Em A Interpretação dos Sonhos (1900), ele mostra que o
sonhar, um processo essencialmente inconsciente, é uma
atividade criativa de complexidade impressionante. Bollas
descreve o sonho da seguinte maneira:
Aqui, o inconsciente é uma forma de inteligência.
Suas capacidades proprioceptivas recebem dados
endopsíquicos do reservatório do inconsciente; ele
também registra experiências “psiquicamente
valiosas”, classificando-as à medida que o dia
transcorre, em uma espécie de antessala do pré-
sonho, e depois organiza milhares de pensamentos
que chegam pelo espaço intermediário da
experiência vivida, para ser sonhada. A criação do
sonho não é apenas uma realização estética
notável, é a forma mais sofisticada de pensar
disponível. Um sonho pode cogitar centenas de
pensamentos em alguns segundos, com uma
eficiência vertiginosa. Ele pode contemplar o
passado, o presente e o futuro imaginado em uma
única imagem e pode reunir o espectro total de
afetos implícitos na experiência do dia, incluindo
todas as linhas ramificantes de pensamento
derivadas dessas experiências1.
É claro que o inconsciente que faz o sonho não é nem
um inconsciente fisiológico primitivo nem um cuja atividade
se limita aos mecanismos de recalque e formação de sintomas,
conflitos e defesas. Bollas ressalta que nem o modelo
topográfico nem o modelo estrutural nos permitem conceituar
a criatividade inconsciente implícita no sonho. Não obstante,
quando examinou os relatos do processo criativo apresentados

22
por artistas, compositores e cientistas, Bollas encontrou
paralelos impressionantes com a teoria de Freud sobre o
sonhar inconsciente. Ele também observa que ao considerar
os “resquícios do dia” como componentes centrais da
formação dos sonhos, Freud pressupõe um papel essencial
para a percepção inconsciente, algo faltante no modelo de um
inconsciente envolvido unicamente com o recalque.
Durante nossa vida em vigília, recebemos, tanto do
mundo exterior como de nossos próprios corpos e mentes, um
fluxo constante de impressões complexas e inter-relacionadas,
conscientes e inconscientes. Algumas dessas impressões
criarão conflitos internos e, portanto, serão recalcadas como
egodistônicas. A maioria, no entanto, será detalhes do dia que
entram em nossa mente sem serem registrados na
consciência, simplesmente porque nossa atenção está em
outro lugar. Assim, elas se tornam parte do nosso mundo
interno sem terem sido recalcadas.
Freud reconhece a existência de tais percepções
inconscientes:
Tudo o que é recalcado deve permanecer
inconsciente; mas deixe-nos afirmar desde o início
que o recalcado não abrange tudo o que é
inconsciente. O inconsciente tem a bússola mais
ampla: o que está recalcado é uma parte do
inconsciente2.
No entanto, ele descarta a importância desses outros
ingredientes, considerando-os como meras “descrições
inconscientes”, inerentemente psíquicas, sem nenhum papel a
desempenhar na dinâmica interna da mente.
Outro aspecto que foi reconhecido, mas não teorizado
por Freud, é o fenômeno da comunicação inconsciente. Em
1912, ele escreve: “o inconsciente do médico é capaz, a partir
dos derivados do inconsciente que lhe são comunicados,
reconstituir esse inconsciente que determinou as associações
livres do paciente”3, e em 1915: “É uma coisa muito notável
que o sistema Ics de um ser humano pode reagir sobre o de
outro ser humano, sem passar pelo sistema Cs4”.
As constrições da filosofia materialista de Freud podem
tê-lo desencorajado a explorar fenômenos aparentemente
nítidos. No entanto, Bollas propõe uma razão adicional pela
qual o autor vienense não conseguiu abordar as questões
implícitas em sua teoria dos sonhos. Bollas observa que a
comunicação inconsciente está presente desde o início da
vida, enraizada na sintonia pré-verbal que existe entre um
bebê e uma mãe devotada, e sugere que Freud não
reconheceu a criatividade fulcral do inconsciente porque,
ironicamente, ele reprimiu seu conhecimento dos aspectos
generativos e maternos do próprio inconsciente. Freud,
portanto, falhou na formulação teórica dos primeiros estágios
23
de desenvolvimento, quando o bebê vive dentro da ordem
materna; em vez disso, ele privilegiou a autoridade paterna em
um relato de desenvolvimento psíquico baseado no punição e
censura do superego. Assim, o recalque tornou-se prioritário e
o conceito de receptividade inconsciente foi descartado.
Bollas continua a se perguntar por que essas áreas
também continuaram a ser negligenciadas por teóricos pós-
freudianos, e ele sugere que, em parte, isso pode ter
acontecido porque surgiu uma confusão envolvendo a relação
entre os modelos topográficos e estruturais.
Com o surgimento do modelo estrutural, o inconsciente
topográfico foi identificado com o id e, portanto, passou a ser
equiparado à parte primitiva da mente que o ego lutou para
controlar e subjugar.
Contudo, o equacionamento do inconsciente com o id é
um erro crucial. Embora o inconsciente abrigue os elementos
mais primitivos da mente, o trabalho do sonho mostra que ele
também inclui os elementos mais sofisticados. A infinita
complexidade do pensamento que cria o sonho e, como
demonstra Bollas, também lastreia a nossa subjetividade
cotidiana, pressupõe processos inconscientes que possuem
inteligência muito ativa e própria.
Assim, Freud nos deixou sem uma teoria integrada com
a qual possamos abordar aspectos significativos do
funcionamento inconsciente, em especial fenômenos como a
percepção inconsciente, a comunicação inconsciente e a
criatividade inconsciente. Enquanto Freud afirmava que as
ideias recalcadas eram os únicos conteúdos dinâmicos no
inconsciente, Bollas sugere que outras motivações e
mecanismos não apenas estão presentes, mas também são
cruciais para a expansão da mente e para o desenvolvimento
do self:
...embora o inconsciente recalcado seja uma teoria
importante do pensamento inconsciente, esta é
uma perspectiva muito limitada e não se
compatibiliza com a teoria de Freud sobre o sonho,
que é uma teoria da criatividade inconsciente.
Nossas mentes são muito complexas para se
resumirem a uma única coisa qualquer, seja uma
ideia recalcada, um derivado do id, a transferência
ou qualquer coisa. Na verdade, em qualquer
momento do tempo psíquico, se pudéssemos dar
uma olhada na sinfonia inconsciente, seria uma
vasta rede de combinações criativas5.
Bollas propõe, pois, um novo modelo metapsicológico, no
qual os elementos constitutivos da psique incluem tanto as
ideias recalcadas quanto as que são convidadas e recebidas
no inconsciente por razões criativas. É isso que ele chama de

24
inconsciente receptivo ou, em algumas passagens, o
inconsciente recebido.
Em seu terceiro livro, Sendo um Personagem, Bollas
descreve o mecanismo por meio do qual a mente inconsciente
se expande e é estruturada através de um processo de
receptividade criativa. Esta é a sua teoria dos genera
psíquicos, na qual ele desenvolve dois conceitos freudianos:
“apresentação de coisa”, ou experiências pré-verbais de coisas
em si e “pontos nodais”, nos quais diferentes fios de
intensidade psíquica convergem no inconsciente.
Do ponto de vista linguístico, o uso da palavra genera
como um substantivo singular e, simultaneamente, como um
substantivo plural requer algum tempo de adaptação. Bollas
reconhece isso, explicando que foi a melhor palavra que ele
pôde encontrar para se referir a algo com uma estrutura
dinâmica e mutável que gera, que engendra. Ele define tal
estrutura como “um tipo particular de organização psíquica
da experiência vivida que resulta em novas e criativas
concepções de vida”6.
Os genera psíquicos são matrizes ou nódulos de
intensidade interior que são criados quando ideias, imagens e
sentimentos relacionados são atraídos por “uma gravidade
psíquica coletora”7. Ao experienciarmos os eventos de nossas
vidas, essas matrizes formam-se e desenvolvem-se em um
processo contínuo, à medida que novas percepções se tornam
ligadas aos nódulos pré-existentes, forjando conexões entre
eles e se coalescendo em uma rede inconsciente de
complexidade progressiva. Os genera psíquicos também se
comunicam com a mente consciente. Bollas escreve que eles
são “organizados, dinâmicos e representacionalmente eficazes
na consciência”8. Eles geram o desejo de novas experiências
prazerosas e promovem a busca de objetos externos que
ofereçam a possibilidade de transformação e crescimento. Este
processo recíproco — percepções externas que entram no
inconsciente e os genera direcionando a atenção para o
exterior — desenvolve a estrutura da mente de maneiras que
serão únicas para cada indivíduo.
Talvez nos seja útil dar um exemplo simples para ilustrar
este processo. Imaginemos que um bebê está deitado em seu
berço, sozinho e em um estado de calmo devaneio. Sua mãe
aparece, sorri, diz olá, e pendura, no suporte do berço, um
brinquedo móvel vermelho, o qual se move em um padrão
aleatório. A atenção do bebê é imediatamente atraída para
isso e vários elementos se juntam: a chegada familiar e
reconfortante da mãe, um novo objeto inesperado em seu
campo de visão, uma cor vermelha estimulante, o movimento
imprevisível e a experiência prazerosa de sua própria resposta
física, enquanto seu corpo expressa surpresa e excitação.

25
O ponto aqui é que os vários aspectos desta nova
experiência se inscrevem no inconsciente e ganham
significado, não porque sejam recalcados, mas porque são
recebidos por razões criativas. No inconsciente do bebê, cada
um dos elementos individuais irá se vincular a um conjunto
formado por experiências anteriores. Com cada novo evento,
esses conjuntos se expandem e fomentam o desejo de uma
renovação da excitação prazerosa. O bebê então procurará
mais do mesmo em seu ambiente exterior — o reaparecimento
da mãe, outras coisas que são vermelhas ou que se movam de
uma certa maneira, e assim por diante. Além disso, as
conexões, entre os nódulos interiores distintos, serão criadas e
fortalecidas, de modo que as experiências posteriores ecoarão
ressonâncias sutis das anteriores. Esse breve episódio
adicionou complexidade ao inconsciente do bebê, criando
novos elos associativos.
Bollas descreve este processo da seguinte forma:
O recebido inicialmente seria constituído a partir
das impressões de coisas que se congregam no
inconsciente e atraem para elas outras
apresentações de coisas que formam núcleos ali.
Elas se tornam condensações de milhares de
experiências e enquanto vivemos e pensamos, com
o tempo, nossa mente cresce. O inconsciente
receptivo arquiva percepções inconscientes,
organiza-as e é a matriz da criatividade9.
Este é o modelo bollasiano de como pensamos. E, por ser
bastante intrigante, sua descrição de matrizes psíquicas
interativas evoca uma imagem visual que é muito próxima da
realidade fisiológica da atividade das células cerebrais. Em
contraste com a teoria freudiana do recalcamento, o
inconsciente receptivo envolve um movimento fluido, de vai-e-
vem, entre os mundos interior e exterior. Isso também põe em
evidência os efeitos específicos que os objetos exercem sobre
nós, um aspecto do qual trataremos nos capítulos 3 e 7.
Bollas não discorda de Freud quanto a existência de
matrizes no inconsciente que sejam constituídas via trauma,
uma vez que experiências dolorosas produzem áreas
defensivas de recalque. Trauma e genera são disposições
fundamentais do ego para com a realidade. Em qualquer
indivíduo, elas sempre aparecerão em combinação, com um
equilíbrio flutuante entre os dois.
Em “Genera psíquicos” (SP), Bollas destaca os aspectos
do personagem e a função daqueles dois tipos de constelação.
As experiências danosas se acumulam em matrizes de
trauma que visam proteger o self de incidências posteriores,
minimizando o contato com o mundo objetal, criando
confusão entre realidade e fantasia. Elas têm a ver com a
vinculação da energia do self, bloqueando o contato,
26
rompendo vínculos e criando uma sensação de vazio,
preferível à dor. Elas produzem isolamento porque a confiança
no mundo exterior foi perdida.
Tais experiências são resultantes de formas de
funcionamento patológico com as quais os clínicos estão
bastante familiarizados. Pessoas assim gravitam em torno do
negativo: para elas, somente as experiências ruins contam.
Elas se apegam às mágoas e com frequência transformam
uma experiência potencialmente generativa em algo
destrutivo. Inconscientemente, sabotam relacionamentos e
atacam a criatividade mental de si mesmas e dos outros. Isso
incita a rejeição, reforçando a imagem que têm do mundo
como um lugar hostil.
Por sua vez, os genera psíquicos são constelações
inconscientes que promovem receptividades e conexões. Eles
são formados a partir da “incubação psíquica de catexias
libidinais do mundo objetal”10. A palavra “incubação” tem uma
ressonância importante aqui. A percepção que é recebida no
inconsciente não existe apenas em estado estático: ao se
associar a outras experiências, ela muda e se desenvolve,
protegida das demandas da consciência, como o feto é
protegido no útero. Os genera psíquicos promovem a
receptividade e a exploração. Eles engendram uma visão
criativa da realidade, elaborada simbolicamente, enquanto o
self busca o crescimento e o aperfeiçoamento pelo seu
engajamento com objetos externos. Bollas resume tudo isso
da seguinte maneira:
A teoria do recalque aponta apenas para o
banimento do indesejado, e estou convencido de
que outros tipos de ideias são convidados para o
inconsciente. Para complementar a teoria do
recalque, precisamos de uma teoria da recepção que
designa algumas ideias como as recebidas e não
como as recalcadas, embora tanto as recalcadas
quanto as recebidas necessitem da barreira
protetora proporcionada pelas anticatexias da pré-
consciência. Mas se o objetivo do recalcamento é
evitar os julgamentos censórios ou persecutórios da
consciência, o objetivo da recepção é permitir
desenvolvimentos inconscientes sem o efeito
intrusivo da consciência11.
Bollas explora as experiências subjetivas da atividade
dos genera, assinalando que tanto os artistas quanto os
cientistas descrevem uma etapa preliminar no processo
criativo na qual experimentam uma abstração do problema.
Aspectos díspares começam a convergir, em primeiro lugar,
experienciados como uma imagem mental, e convertendo-se,
depois, em uma forma ou conceito consciente. Isso requer um
estado de receptividade, uma fluidez criativa. Com implicações

27
claras para a situação clínica, Bollas enfatiza a importância
vital para qualquer processo criativo, científico, artístico ou
psicanalítico, da espera, da tolerância ao estágio de não saber.
Bollas também liga a atividade dos genera ao conceito de
intuição. Ele sugere que, embora pareça imediato e sem
esforço, do ponto de vista da mente consciente, o que
experimentamos como intuição pode, na verdade, ser o
resultado de concentrações de pensamentos generativos
inconscientes, até então protegidos da consciência prematura.
Se admitirmos o inconsciente receptivo como um modelo
metapsicológico válido, devemos esperar que ele ofereça uma
maneira de pensar sobre o desenvolvimento da mente e do
self, para iluminar nossa compreensão da psicopatologia e da
saúde e para contribuir com a teoria de técnica terapêutica.
No que se segue, espero mostrar que a metapsicologia de
Bollas realmente oferece conceitos inovadores que enriquecem
todas essas áreas do pensamento psicanalítico.

Notas
1. Bollas, C. “O que é a teoria?” MF pp.72-3.
2. Freud, S. (1915e) “O inconsciente”, The Standard Edition of
the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, ed.
Strachey, J. (Londres: Hogarth) XIV p.165.
3. Freud, S. (1912e) “Recomendações aos médicos praticantes
de psicanálise”, SE XII p.115.
4. Freud, S. (1915e) “O inconsciente”, SE XIV p.193.
5. Bollas, C. “Transformações psíquicas”, MF p.27.
6. Bollas, C. “Gênese psíquica”, SP pp.67-8, nota de rodapé.
7. Ibid., P.73.
8. Ibid.
9. Bollas, C. “Transformações psíquicas”, MF pp.27-28.
10. Bollas, C. “Gênese psíquica”, SP pp. 67-8.
11. Ibid., Pp. 73-4.

28
Capítulo 3
Idioma

Textos essenciais:
“Ser um personagem” (SP)
“A pulsão do destino” (FD)
“The necessary destruction of psychoanalysis” (MT)
“O objeto transformacional” (SO)
“Uma teoria para o self verdadeiro” (FD)
Conceitos-chave: idiomas; o objeto transformacional; o
momento estético; fado e destino; futuros

No capítulo anterior, exploramos o inconsciente


receptivo, a essência do modelo metapsicológico de Bollas, no
qual o crescimento da mente ocorre por meio de um processo
de receptividade associativa. As experiências emocionalmente
impregnadas se inscrevem no inconsciente como matrizes ou
conjuntos de impressões, fantasias e sentimentos
interconectados. Estes interagem dinamicamente uns com os
outros e também influenciam o envolvimento do self com o
mundo exterior.
Vejamos agora, por meio do conceito bollasiano de
idioma, porque uma experiência particular pode ser
significativa para a criança.

29
Bollas sustenta que cada indivíduo nasce com um
núcleo essencial do self: “um correlato psíquico da impressão
digital humana”1. Ele descreve isso da seguinte maneira:
Temos dentro de nós o senso de um núcleo que dá
origem a nossa estética particular de ser. Temos
uma noção de agência do self, de algo que é
irredutível e que nos determina2.
Para se referir a este cerne do self, ele usa a palavra
idioma. Como a nossa impressão digital física, nós nascemos
com ela como parte de nossa identidade. Nunca podemos
alterá-la ou perdê-la, e ninguém mais a terá, exceto nós
mesmos. Este “núcleo de lógica” gera a estética única que
orienta nossa relação idiossincrática com o mundo, a maneira
pela qual, inconscientemente, abordamos nossa experiência.
A fisiologia determina que nascemos com certas
predisposições inatas, e um aspecto disso é que os bebês são
naturalmente orientados para diferentes modos sensoriais.
Eles, portanto, variam consideravelmente nos tipos de
experiência a que eles reagem com mais intensidade. Alguns
bebês podem ter uma tendência a responder aos estímulos
visuais, sua atenção é mais facilmente atraída por cores e
formas em movimento. Outros podem ser mais intensamente
auditivos, ficando perdidos no som de um eletrodoméstico, de
vozes humanas ou de música. Outros respondem
quimicamente, seu humor transformado pelo balançar, revirar
ou dançar nos braços de sua mãe.
Assim, as crianças naturalmente ressoam com formas
particulares de experiência. Este é um tema a que Bollas
retorna reiteradas vezes, e a questão da forma é central em
seus conceitos de idioma. Ele escreve:
O idioma que dá forma a qualquer caráter humano
não é um conteúdo latente de significado, mas uma
estética na personalidade, procurando não imprimir
o significado inconsciente, mas descobrir objetos
que se conjugam em uma experiência carregada de
significado3.
Em seu primeiro trabalho seminal “O objeto
transformacional” (SO), ele descreve o desenvolvimento do
idioma na primeira fase da vida. Nesta fase, a realidade da
criança é governada principalmente pela forma como o meio-
ambiente responde a ela e, em particular, pela capacidade da
mãe para prover cuidados satisfatórios. Os atos cotidianos de
cuidar de seu bebê — a alimentação, a limpeza, o ninar, as
brincadeiras — podem transmitir reciprocidade ou
desconexão, incentivo ou embaraço. Em uma extensão do
conceito de Winnicott da “mãe-ambiente”, Bollas sugere que
esses atos diários comuns produzem alterações no estado de
self do bebê. A mãe é, portanto, experimentada pelo bebê
como um objeto transformacional. Ele escreve:
30
Antes da língua, antes de compartilhar a imagem
governada por palavras, todos nós estamos em
comunhão com a energia indistinta das formas que
moldam nosso mundo. Não vemos o que “isto” é, e é
por isso que escrevi que a mãe é percebida como
um processo de transformação, como um “objeto
transformacional”. Ela é a forma por trás da forma
das coisas4.
Em “O espírito do objeto como a mão do fado” (SO),
Bollas elabora essa ideia com seu conceito de momento
estético. É importante enfatizar que ele está usando a palavra
‘estético’ não em sentido estrito que implica sofisticação
artística, mas para se referir a qualquer experiência de
transformação interna criativa. À medida que a mãe oferece
objetos ao seu bebê e os mesmos atraem o interesse dele e lhe
dão prazer, ela dá forma ao idioma da criança. Portanto,
Bollas considera a experiência que o bebê tem do idioma da
mãe como a primeira estética humana. Ao longo de nossas
vidas, isso gera o desejo e a expectativa de que a experiência
seja redescoberta, à medida que os aspectos de nosso idioma
se encontram e ressoam com elementos do mundo exterior,
colocando-nos numa relação subjetiva com os objetos.
Para alcançar a confiança básica, o bebê precisa sentir
não só que seus impulsos instintivos — fome, paixão e
agressão — são contidos, mas também que seu idioma, sua
subjetividade única, é percebida, reconhecida e bem-vinda. O
profundo conhecimento da mãe sobre o seu bebê permite que
ela sinta seus interesses, necessidades e desejos, e uma parte
crucial da provisão materna é o instinto de oferecer objetos
particulares infantis com os quais o bebê ressoará
instintivamente:
Se a mãe conhece seu bebê, se ela sentir suas
intenções figurativas, seus gestos expressivos de
necessidade e desejo, ela fornecerá objetos
(incluindo ela mesma) para servir como
elaboradores experienciais de seu potencial de
personalidade. Desta forma, ela auxilia o esforço
para se estabelecer o self5.
Objetos emocionalmente significativos não fornecem
apenas conteúdos psíquicos à criança. Sua descoberta
desenvolve estruturas do ego que irão negociar a interação dos
desejos idiomáticos e do meio ambiente.
À medida que o bebê se desenvolve em uma criança
pequena, a gama de objetos potenciais se expande. À medida
que ela se torna verbal, a experiência de transformação
adquire dimensões adicionais, e o que acontece nesta fase
afetará suas expectativas inconscientes sobre a possibilidade
de comunicar seu mundo interior e de ter seu idioma
compreendido.
31
Se for relativamente estável e emocionalmente livre, a
criança vai procurar objetos que lhe permitam elaborar seu
idioma, desfrutando a emoção da novidade e da imaginação.
No entanto, se ela está lutando com um conflito emocional, a
escolha de objetos ficará restrita. Em termos do modelo do
inconsciente receptivo, crianças que são governadas por
matrizes traumáticas bloquearão o contato com os elementos
generativos da mente inconsciente. Bollas escreve:
Se a criança sente que sua subjetividade é mantida
por algum recipiente composto de ambiente de
cuidado parental suficientemente bom e,
posteriormente, da estrutura em evolução de sua
própria mente, então a subjetivação do mundo se
sente autorizada, subscrita e garantida. Mas se
esse direito não está assegurado, então a criança
ficará hesitante em liberar os elementos do self
para a experimentação6.
A ideia de uma estética inata e individual que impulsiona
a busca de aspectos do mundo externo que ressoam com o
nosso idioma é central para o pensamento de Bollas. Em “O
Objeto Evocativo” (SP), ele ilustra isso citando dois escultores,
Barbara Hepworth e Alexander Calder, que escreveram sobre
suas experiências do processo criativo. Embora tenham
claramente em comum um impulso para criar objetos
tridimensionais, o contraste entre eles ilustra a sutileza e a
individualidade da questão do idioma.
Hepworth descreve como ela adquiriu seu senso
instintivo de forma quando criança, ao passar de carro pelas
paisagens de sua cidade natal Yorkshire, sentindo-se
absorvida pelo movimento físico sobre as colinas e vales
ondulantes. Ela estava ciente de que, à medida que se
formava escultora, a internalização dessas primeiras
experiências físicas espaciais produzia uma forte estética
individual nas formas arredondadas, macias e curvas de suas
obras, algumas em uma escala monumental. Em outras
palavras, as primeiras experiências evocativas, que falaram
tão fortemente em seu idioma particular, estabeleceram-se
como estruturas psíquicas, gerando a forma característica de
sua escultura. Ela escreve: “A sensação nunca me deixou. Eu,
a escultora, sou a paisagem”7.
Calder, por sua vez, descreve sua inspiração como
resultado da imagem de corpos celestes que flutuam no
espaço, vistos em relação uns aos outros e constantemente
em movimento. Ele se refere a isso como “a fonte ideal de
forma”8. Ele passou a produzir esculturas cinéticas,
construídas a partir de componentes separados e
relacionados, suspensos em um delicado equilíbrio.
Constantemente em movimento, eles mal parecem amarrados
ao chão.

32
O que é importante aqui não é o conteúdo — o assunto
das esculturas — mas a pulsão para a expressão de um senso
intrínseco de forma que reflete o idioma individual. Os dois
artistas demonstram em suas escritas que certos traços do
mundo exterior eram, para ambos, sempre altamente
evocativos. Eles estavam conscientes de que suas atividades
artísticas estavam em essência ligadas a eventos iniciais em
suas vidas que constituíam o que Bollas chama de
“experiências transformativas do self”9.
Estes exemplos ilustram como cada indivíduo é atraído
para elementos particulares na realidade exterior que estão
conectados ao núcleo do self. Desde que o ambiente tenha
sido suficientemente facilitador, objetos significativos serão
buscados e engajados criativamente enquanto navegamos pela
vida, de modo que cada indivíduo se torne “uma cultura
privada desenvolvida, mas estruturada”10.
Os psicanalistas sempre tenderam a se concentrarem
mais no conteúdo das comunicações do paciente do que na
sua forma. A forma é mais difícil de ser expressa em palavras;
porque é essencialmente inconsciente, lutamos para encontrar
um vocabulário conceitual com o qual falar sobre ela. Bollas
escreve:
Quando Freud teorizou o ego inconsciente, ele
chegou a algo que tinha esse tipo de inteligência
densa: algo que realmente tem a ver com a
organização estética do self ou com o self enquanto
uma organização estética11.
Na seguinte passagem de seu livro Cracking Up, Bollas
relaciona essas ideias com a situação clínica, enfatizando a
natureza altamente individual do idioma:
O psicanalista desenvolve uma noção distinta de
cada paciente, sintonizado com a inteligência
precisa da forma do analisando, à medida que o
paciente conduz o analista através de um processo
que deriva inteiramente do ser estética existencial.
O paciente educa a sensibilidade do analista,
movendo-o junto a caminhos lógicos que o analista
agora sabe serem posições ideacionais. O analista
chega a perceber os pressupostos básicos
peculiares ao ser do analisando, a partir dos quais
ele desenvolve uma noção do idioma do paciente12.
Por mais eficaz que sejam as percepções produzidas
pelas interpretações do analista, a experiência do paciente
com a forma do analista enquanto uma presença pode (e
algumas vezes não pode) ser transformacional em si mesma. É
uma experiência comum no final de um tratamento bem-
sucedido que, embora o paciente tenha adquirido uma
compreensão conceitual bem melhorada dos eventos e
relacionamentos em sua vida, ele acaba por reter pouca
33
lembrança do que foi exatamente falado em todo o tempo da
análise. O que o analisando de fato leva consigo, no entanto, é
um profundo senso de ser conhecido. Seu idioma foi
intimamente recebido e apreciado. O analisando, muitas
vezes, fica sentindo que seu analista o conhece melhor do que
qualquer outra pessoa, e isso atesta a profundidade do
significado relativo à nossa experiência formal do objeto. Esta
relação profunda baseia-se na díade materna original (não
mais na memória consciente) dentro de uma configuração
física instintivamente arquitetada por Freud para espelhar
esse estágio inicial da vida.
Como o conceito de idioma de Bollas se relaciona com o
“verdadeiro self” de Winnicott?13 Eles certamente têm
elementos em comum. Ambos se referem ao núcleo do self
como um potencial herdado, e ambos reconhecem a
importância de um ambiente facilitador suficientemente bom,
permitindo que a pessoa entre em contato com esse núcleo.
Na verdade, nos escritos iniciais de Bollas, ele usa o termo
“verdadeiro self” e “idioma” de forma mais ou menos
intercambiável, mas, ao desenvolver melhor seu conceito, este
adquire um teor significativamente diferente.
A teoria de Winnicott sobre o verdadeiro self refere-se a
uma capacidade interna de espontaneidade, estando
relacionado à vida instintiva e, portanto, ao id. Winnicott o
descreve como vulnerável e carente de proteção: o verdadeiro
self é frágil demais para se permitir que tenha acesso não
mediado ao mundo exterior. O “falso self” forma, portanto,
algo como uma defesa necessária que protege o verdadeiro
self de ameaças, como parte da negociação do ego com a
realidade exterior.
O conceito bollasiano de verdadeiro self, por outro lado,
refere-se a algo mais robusto. Embora possa ser restrito em
seu desenvolvimento, nosso idioma nunca pode ser atacado
ou danificado; ele não requer proteção; e, como nossa
impressão digital, ele simplesmente existe. Além disso, ele vem
com uma pulsão inata para expressar-se e elaborar-se; então,
ao contrário do verdadeiro self de Winnicott, que deve ser
mantido cativo para sua própria segurança, na teoria
bollasiana o verdadeiro self busca ativamente a interação com
o mundo exterior.
Este contato não envolve uma falsidade protetora, mas
um verdadeiro engajamento criativo. Ao longo de nossas vidas,
procuramos atender às nossas necessidades, desejos e
interesses através da seleção e uso de objetos psiquicamente
significativos, em constante interação entre nosso idioma,
nosso ambiente imediato e a cultura humana em geral. A vida
psíquica, portanto, consiste em nossa disposição inata indo ao
encontro do mundo exterior.

34
A importância central que Bollas atribui ao
desenvolvimento contínuo do idioma levanta outro problema.
Tradicionalmente, a psicanálise tem se preocupado com os
significados da memória e do passado e tem, de modo quase
sistemático, ignorado a importância, em nosso mundo
interior, de planos, esperanças e fantasias sobre o que está
por vir. Bollas sugere que, assim como o recalque das
memórias, também pode haver um recalque do que ele chama
de futuros.
Em “A pulsão do destino” (FD), Bollas destaca esse
elemento de movimento prospectivo com uma distinção entre
os conceitos de fado e destino. Ele nomeia como experiências
fatídicas aquelas que são imprevisíveis e externamente
determinadas e estão fora do controle do sujeito. Isso implica
uma imposição prévia que restringe a liberdade do self e
interfere na capacidade de se viver com criatividade. Se uma
pessoa é presa de sintomas neuróticos, fixações de caráter ou
psicose, ela pode ser descrita como fadada. Essa pessoa vive
em um mundo interior de representações do self e objetais,
um mundo no qual ela tenderá a repetir os mesmos cenários
com pouca noção de compreensão potencial ou em curso. Ela
se sente impotente para influenciar sua própria vida;
aprisionada pelos ecos opressivos do passado, o futuro lhe
parece desprovido de esperança. O trauma inicial e, em
particular, a perda do objeto primário, podem impactar não só
no uso futuro desse objeto, mas também, crucialmente, nas
articulações do self em evolução. Isso traz um luto
inconsciente pela perda de selves potenciais.
Em termos de inconsciente receptivo, esta pessoa será
governada por matrizes de trauma e irá rejeitar
defensivamente vínculos com o mundo exterior. Se o ambiente
inicial não foi propício à expressão e à elaboração de seu
idioma, uma das tarefas de um analista será permitir que ela
encontre uma maneira de sair desses embaraços fatídicos
para que possa se habilitar à realização de seu destino.
O conceito bollasiano de destino refere-se a uma
trajetória na vida do indivíduo para a efetivação de seu
potencial único. Isso implica auto realização, expansão e
criatividade, e será ativado nos primeiros estágios de
desenvolvimento por pais que estão em sintonia com o idioma
da criança. Se formos livres para buscarmos o nosso destino,
nossa percepção de futuro será projetada em fantasias,
esperanças e aspirações: visões do que pode vir a acontecer
em nossas vidas. A pessoa que está em contato com seu
destino tem uma expectativa de progressão; ele pode delinear
sua própria trajetória. Esta projeção endopsíquica dá-lhe um
senso de direção, estimulando um investimento entusiasmado
em objetos e atividades, enquanto se engaja psiquicamente
com seu futuro e empenha-se em criar as condições que irão
propiciar sua realização.
35
De certa forma, a pulsão do destino de Bollas e o
“princípio do prazer” de Freud14 têm conotações similares. No
entanto, a pulsão do destino implica algo para além da
satisfação instintiva: ela envolve uma dimensão e objetivo
estéticos — o prazer particular do ser individual em elaborar
seu idioma. Claro, mesmo na melhor das circunstâncias, o
destino só é parcialmente cumprido, e Bollas sugere que esta
pode ser a origem das muitas teologias de uma vida após a
morte — seja o céu ou a reencarnação — que oferecem uma
promessa de realização suprema.
Assim, o conceito de idioma refere-se à estética singular
em nossa personalidade que dá forma peculiar à dinâmica
intrapsíquica e promove um engajamento idiossincrático com
o mundo exterior, orientando nossas escolhas de objetos. Ao
determinar os tipos de experiências que ressoam em nós como
valiosas e significativas, o idioma exerce uma influência vital
no desenvolvimento psíquico.
Na metapsicologia bollasiana este conceito tem uma
implicação radical: a centralidade da pulsão para expressar e
elaborar o nosso idioma sugere que o inconsciente tem um
propósito. O idioma, portanto, desloca o instinto como o
núcleo da mente. Ele escreve:
Não proponho que a vida instintiva não exista. Eu
simplesmente não atribuo a ela a mesma primazia
que Freud lhe atribui. Os desejos somáticos operam
o tempo todo na mente. As pulsões do id exigem
expressão, uma tarefa realizada pelo ego. Contudo,
cada pessoa organiza o id de forma diferente e esse
design único — que cada um de nós é — é mais
fundamental para a escolha e uso de um objeto do
que os requisitos energéticos do soma que, em si
mesmos, expressam o idioma do verdadeiro self15.

Notas
1. Molino, A. (ed.) (1997) Freely Associated: Encounters in
Psychoanalysis. London: Free Association Books, p.12.
2. Ibid., p.29.
3. Bollas, C. “Sendo um Personagem”, SP pp.64-5 (grifo
nosso).
4. Bollas, C. China on the Mind, p.56.
5. Bollas, C. “Uma teoria para o verdadeiro self”, FD p.10.
6. Bollas, C. “Ser um personagem”, SP p.53.
7. Hepworth, B. Pamphlet in the Barbara Hepworth, St. Ives,
citado em “O objeto evocativo”, SP.

36
8. Calder, A. (1968) “What abstract art means to me”. In
Theories of Modern Art, Chipp, H. (ed.). University of
Califórnia, Berkeley, p.561, citada em Sendo um Personagem.
9. Bollas, C. “O objeto evocativo”, SP p.40.
10. Molino, Freely Associated, p.7.
11. Ibid., p.8.
12. Bollas, C. “A separate sense”, CUP p.37.
13. Winnicott, D. (1960) “Ego distortions in terms of true and
false self”. In The Maturational Processes and the Facilitating
Environment. London: Karnac, 1990.
14. Freud, S. (1911) “Formulations on the two principles of
mental functioning”, The Standard Edition of the Complete
Psychological Works of Sigmund Freud, ed. Strachey, J.
(London: Hogarth) XII.
15. Bollas, C. “Uma teoria para o verdadeiro self”, FD p.12,
nota de rodapé.

Capítulo 4
O conhecido não pensado

Textos essenciais:
“Sendo um personagem” (SP)
“O que é a teoria?” (MF)
“Humores e o processo conservativo” (SO)
“O conhecido não pensado: considerações iniciais” (SO)
Conceitos-chave: o conhecido não pensado; lógica
processional; humores; o objeto conservativo

Devemos focar agora outro aspecto crucial da realidade


da criança à medida que ela se desenvolve, apresentando o
que talvez seja o conceito bollasiano mais disseminado: o
conhecido não pensado.
Em “O que é a teoria?” (MF), ele escreve sobre a evolução
incipiente do self na da relação maternal primária:

37
O inconsciente formado entre o bebê e a mãe e
depois entre a criança e a mãe, ocorre, na teoria
freudiana, antes do inconsciente reprimido. É a era
da construção da arquitetura psíquica do self. A
comunicação materna — uma lógica processional
— informa a visão de mundo do bebê. O que é
conhecido não pode ser pensado, ainda assim
constitui o conhecimento fundante do self:
“conhecido não pensado”1.
A partir do conceito de “apresentação de coisa” de Freud,
o conceito bollasiano do conhecido não pensado refere-se aos
pressupostos aprendidos inconscientemente pelo bebê sobre a
natureza da realidade, baseados crucialmente em experiências
que se inscrevem na mente antes do advento da linguagem.
Nos primeiros meses, quando o self ainda está envolto na
ordem materna, o conhecimento pré-conceitual sobre o ser e o
relacionar-se é absorvido pelo bebê a partir das experiências
comuns da vida diária. À medida que a mãe alimenta o bebê,
ele absorve leite (conteúdo), mas ele também absorve a
natureza e a qualidade específicas (a forma) da experiência
que ela fornece. O termo ‘lógica processional’ refere-se à
estrutura inconsciente da abordagem idiomática da mãe ao
manejar seu bebê e com ele se relacionar. O bebê não avalia
esses processos de cuidados e interações: eles são
simplesmente sua realidade. Bollas escreve:
A mãe, por exemplo, instrui a criança em inúmeros
axiomas do ser e do relacionar-se, apresentados
através da lógica de suas ações. Essas ações são
assimiladas pelo ego do bebê para se tornarem
paradigmas formativos que governam em parte o
self infantil2.
Consideremos um aspecto comum da vida cotidiana de
um bebê, para ver como a experiência se estabelece como uma
suposição inconsciente. Vamos comparar duas maneiras
diferentes pelas quais um bebê pode ser despertado pela
manhã.
O primeiro bebê está dormindo no berço. Todos os dias,
a mãe entra no quarto, abre a cortina e lhe fala com
entusiasmo, carinho e humor, comunicando-lhe a expectativa
de que ser despertado é excitante e divertido. Quando o bebê
abre os olhos, a mãe pega-o, dá voltas pelo quarto com ele e
lhe fala entusiasticamente sobre o que eles podem ver pela
janela, encorajando-o a se envolver com o mundo exterior.
O segundo bebê também está dormindo. Sua mãe entra
no quarto caminhando em silêncio, na ponta dos pés.
Deixando as cortinas fechadas, ela fica ao lado do berço e
acaricia bem levemente a cabeça do bebê. Ele acorda aos
poucos, com sonolência, então, enquanto ele percebe
gradualmente a presença materna e começa a mover seus
38
membros, ela faz sons suaves e reconfortantes, esperando que
ele a informe que está pronto para começar o dia.
Essas duas formas de agir refletem idiomas maternos
bastante diferentes. Nenhum deles é certo ou errado, mas
para os dois bebês eles contribuirão para a formação de visões
inteiramente diferentes de um certo aspecto do mundo. A
transição do sono para o despertar cria no bebê suposições
inconscientes sobre a experiência de mudança de estados do
self, e modelos como estes influenciarão experiências
similares ao longo de toda a vida. O que acontece no início de
cada dia não será lembrado conscientemente mais tarde, mas
essas experiências serão profundamente formativas e tornam-
se parte do conhecido não pensado — “a arquitetura psíquica
do self”.
Assim, o relacionamento materno primário, envolvendo a
interação entre o idioma inato do bebê e a lógica inconsciente
do cuidado maternal, provê o fundamento da experiência do
self. Em “Sendo um personagem” (SP), Bollas continua a
considerar o período subsequente, no qual o núcleo do ser do
bebê começa a se expandir em um self e a se inserir na vida
familiar, à medida que ele ocupa seu lugar na complexa
dinâmica dos pais e irmãos, todos os quais serão, também,
governados por suas próprias combinações singulares de
elementos inconscientes. Ele escreve:
Eu acredito que cada um de nós, ao nascer, é
dotado de um idioma único de organização psíquica
que constitui o cerne de nossos selves e, nos
subsequentes primeiros anos de nossas vidas, nos
tornamos filhos de nossos pais, instruídos pela
lógica implicada de suas inteligências relacionais
inconscientes no modo de ser da família: nos
tornamos uma teoria complexa para sermos um
self sobre o qual a criança ainda não pensa, mas
que adquire operacionalmente3.
Assim, à medida que a criança cresce, os axiomas
inconscientes sobre a realidade serão estabelecidos em muitos
elementos da vida cotidiana da família, incluindo horários de
refeições, horários de dormir, humores dos pais, atividades
físicas, aprovações e punições. À medida que a lógica
intrapsíquica do idioma da criança atende à lógica
intersubjetiva da família, essas experiências paradigmáticas
se tornam um campo de premissas em contínuo
desenvolvimento, com rara representação conceitual, mas com
influência extensa no controle de suas expectativas da
realidade.
Que evidências podemos encontrar, mais tarde, desse
momento fundacional e crucial no desenvolvimento do self?
Assim como os vestígios do Big Bang ainda ecoam através do
universo, o conhecido não pensado permeia e alicerça toda a
39
nossa vida. Em certos momentos, aparecem alguns indícios, e
Bollas sugere que estes, às vezes, são expressos através de
uma forma particular de experiência do self a que nos
referimos como um humor, ou estado de espírito. Em
‘Humores e o processo conservativo’ (SO) ele explora a
natureza desse aspecto onipresente, mas bastante
negligenciado, do nosso mundo intrapsíquico, sugerindo que
os estados de espírito têm funções específicas para o self.
Os humores, ou estados de espírito, apresentam uma
série de características marcantes. Eles são determinados de
modo inconsciente e não podem ser conjurados
arbitrariamente. Eles têm sua própria temporalidade: nós
entramos, e mais tarde saímos, de um humor, como saímos de
um sonho. Uma pessoa pode estar “com um humor”, mas
ainda ser capaz de lidar com a vida comum.
Independentemente de ela tentar expressar seu humor com
palavras, o mesmo terá um efeito sobre o outro, em quem
pode evocar uma sensibilidade particular. Tendemos a achar
que devemos respeitar os limites do espaço de humor do outro,
cônscios de que pode ser intrusivo comentar sobre isso.
Somos instintivamente cuidadosos com a pessoa, como se
estivéssemos lidando com uma criança pequena, e, de fato,
podemos ter o pensamento consciente de que a pessoa parece
ter regredido de seu funcionamento normal de adulto para um
estado mais primitivo.
Bollas sugere que esses humores recriam elementos
particulares das primeiras experiências não pensadas do self,
incluindo estados específicos de ser. Alguns parecem ser
criativamente valiosos, até mesmo imprescindíveis ao bem-
estar: uma parte do self se retira para um enclave autista
generativo, a fim de solucionar alguma tarefa interna
complexa. Alguns humores estão relacionados com objetos;
eles são destinados a serem testemunhados. Pode haver um
objetivo inconsciente de influenciar o outro a fornecer algo
para o self. Isso não constitui uma retirada generativa, mas
um processo interpessoal coercivo que pode oferecer um
indício de um certo tipo de relacionamento inicial formativo.
Ele destaca um tipo específico de humor que tem como
objetivo encapsular um aspecto da experiência da criança
para preservá-lo. Ele funciona como “um contêiner mnêmico
de um estado particular do self”4. Ele sugere que certos
eventos infantis se inscrevem no mundo interior, não como
uma representação de objeto, mas na forma de um senso
específico de identidade. Se esta não estiver vinculada a um
objeto, ela permanecerá não simbolizada e, portanto,
persistirá no inconsciente como uma experiência preservada
que nunca foi transformada ou modificada. O humor permite
que ela seja re-experienciada diretamente na forma de um
estado-de-ser vívido. Ele escreve:

40
...a pessoa terá uma relação contínua com esses
estados de self conservados tanto quanto com seus
objetos representados. Durante esse estado de ser
especial que permite a libertação do objeto
conservativo — em humores — o indivíduo
permanecerá em contato com aquele self infantil
que vivenciou e preservou os aspectos
irrepresentáveis da experiência de vida5.
Os humores podem, portanto, permitir que os momentos
conhecidos não pensados da experiência acessem a
consciência sob a forma de um sentimento subjetivo que
também comunica algo de si ao outro. Inevitavelmente,
trazemos nossas suposições existenciais para cada encontro
humano, mas geralmente é apenas no contexto psicanalítico
que elas se tornam um foco implícito e, às vezes, explícito.
O analista e o paciente saberão algo um do outro antes
mesmo de terem pensado sobre o que eles sabem. Este “algo”
representa a interação entre dois conjuntos de suposições e os
efeitos inconscientes mútuos do idioma — um aspecto que
será explorado mais extensamente no capítulo 6. De início, o
uso idiomático que o paciente faz do analista pode basear-se
predominantemente no mecanismo de projeção, mas, de
forma gradual, ambos os participantes começam a pensar o
conhecido não pensado.
Quando o analista encontra um paciente que está
impregnado de um humor, ele traz consigo uma atmosfera
muito particular e pode oferecer uma experiência direta de
elementos não pensados no mundo interior. Ao apresentar um
humor para o analista, o paciente pode estar recriando
inconscientemente um aspecto de seu ambiente inicial,
permitindo que o analista experimente para si algo que é
muito familiar para ele.
Entre outras coisas, isso irá fornecer evidências
implícitas dos efeitos sobre a criança da forma idiomática da
lógica intersubjetiva da mãe. Embora possa parecer
patológico, esse tipo de “performance” pode representar uma
tentativa inconsciente do paciente de preservar uma
intimidade arcaica. Se a função do humor é preservar um
elemento do relacionamento primário, pode haver uma
sensação de contato com algo crucial para o self. Se for esse o
caso, a tentativa de análise pode parecer ameaçadora e
defrontar-se com uma resistência intensa. No entanto, Bollas
sugere que isso oferece uma oportunidade especial:
O objeto conservativo tem um potencial terapêutico
formidável, precisamente devido ao seu caráter
essencial de preservar algum aspecto rejeitado do
verdadeiro self da criança, o momento da ruptura
do relacionamento com seus pais e a falha no
funcionamento dos pais como objetos
41
transformacionais. No estado de humor, o paciente
está disponível para a potencial transformação do
que até então tem sido experiência de humor em
conhecimento consciente. À medida que o analista
gradualmente percebe, identifica e aborda o humor,
ele já está funcionando efetivamente onde os pais
não o fizeram — como um objeto transformacional 6.
A transferência envolve uma retomada das relações
passadas e muitas vezes inclui uma representação do self da
criança. Todavia, em “O conhecido não pensado:
considerações iniciais” (SO), Bollas sugere que isso também
possa constituir uma nova experiência, na qual elementos do
conhecimento inconsciente que não tenham sido pensados
anteriormente podem aflorar na consciência.
Ao longo de nossas vidas, a mente consciente é
sustentada pelo conhecido não pensado. Suas primeiras
raízes residem primordialmente nos axiomas da maneira como
mãe de faz as coisas. Então, à medida que as demandas da
fase edipiana perturbam a díade materna e os acordos são
negociados entre os impulsos idiomáticos da criança e as
regras e hipóteses da realidade social, o conhecimento não
pensado continua a ser formado.
Como adultos, todos os aspectos da vida que
encontramos ao longo de um dia são confrontados com
modelos inconscientes que refletem uma combinação singular
de idioma e experiência. Bollas escreve: “Existe em cada um
de nós uma divisão fundamental entre o que pensamos que
sabemos e o que sabemos, mas talvez nunca sejamos capazes
de pensar7.

Notas
1. Bollas, C. “Articulações do inconsciente”, MF, p.34 (grifo no
original)
2. Bollas, C. China on the Mind, pp.2-3.
3. Bollas, C. “Sendo um Personagem”, SP p.51.
4. Bollas, C. “Humores e o processo conservativo”, SO p.110.
5. Ibid., p.112.
6. Ibid., p.114.
7 Bollas, C. “O conhecido não pensado: considerações iniciais”,
SO p.282.

42
Capítulo 5
As relações do self

Textos essenciais:
“O self como objeto” (SO)
“What is this thing called self?” (CUP)
“Mind against self” (MT)
Conceitos-chave: estados do self; doença normótica

Após termos examinado o idioma e o conhecido não


pensado, duas teorias fundamentais de Christopher Bollas,
agora vamos seguir adiante e explorar seu conceito de self.
Na entrevista a Antony Molino, Bollas salienta um
paradoxo inerente: nosso uso da palavra “self” pode implicar
43
um todo — refere-se ao nosso próprio ser distinto do outro —
e temos, pelo menos às vezes, um sentimento subjetivo de
unidade. Entretanto, existe ao lado disso, um quadro
composto e complexo:
...este self que somos tem muitas representações de
si, juntamente com muitas representações dos
objetos. Em um único dia, passamos por diversos
estados de self, o que por si só implica uma
pluralidade em nossa experiência de nosso próprio
ser. E não é uma pluralidade ocasional: é uma
estrutura. Estamos fadados a ser múltiplos1.
Em “What is this thing called self?” (CUP), ele descreve a
realidade intrapsíquica como consistindo de uma experiência
do self em movimento contínuo, a qual inclui nossa relação
com objetos internos.
Enquanto que para Melanie Klein os objetos internos
eram personificações inconscientes e fantasiosas das forças
instintivas primitivas, o conceito de genera psíquico de Bollas
(sua versão de objetos internos) é diferente e inerentemente
mais complexo, apresentando, como já vimos, uma intrincada
relação entre interior e exterior. Embora cada matriz
inconsciente mantenha um caráter e uma presença distintos
no mundo intrapsíquico, os genera não são entidades fixas e
circunscritas, mas constelações de associações em contínuo
desenvolvimento que criam um ambiente interno dinâmico.
Bollas descreve-os como “texturas psíquicas altamente
condensadas, o rastro de encontros com o mundo objetal” 2.
Temos uma relação — parcialmente consciente, parcialmente
inconsciente — com cada uma dessas constelações
individualmente, mas também com o conjunto das
constelações internas como um todo.
Para Bollas, o self é composto dessas presenças internas
interativas. Ele ilustra isso sugerindo que pensemos em um
episódio específico em nossa vida — um momento da infância,
talvez. Isso compreenderá muitas formas distintas de
memória, incluindo conteúdos que possam ser, por exemplo,
emocionais, táteis, auditivos, visuais, narrativos, relacionais,
somáticos, imaginários ou simbólicos. Enquanto lembramos o
incidente, esses conteúdos coalescem e, apesar de sua
complexidade, um senso interior e pleno do evento pode
lampejar em nossas mentes num instante, com a velocidade
de uma imagem de sonho. O que rememoramos
conscientemente é uma experiência particular do self.
Esses estados psíquicos intensos, rememorados, podem
ser evocados associativamente de muitas maneiras: por uma
palavra ou um nome, um cheiro, um som, uma fotografia, um
encontro casual. À medida que acumulamos inúmeras
experiências ao longo de nossa vida, nosso senso do self se
expande, formando uma rede cada vez maior, e nossa textura
44
psíquica singular é moldada pelos ingredientes dessas
experiências.
Entre os vários nódulos de significado que existem
dentro de nós, haverá uma constelação que representa nossa
experiência do self. Mas podemos dizer que temos um
relacionamento com o nosso self? Isso parece implicar em
sermos, simultaneamente, sujeito e objeto, onda e partícula.
Enquanto as crianças estão aprendendo uma língua,
elas normalmente falam consigo mesmas em voz alta, em
especial quando estão sozinhas. Na verdade, mesmo o
balbucio da criança, muitas vezes é interpretado como um
meio de auto conforto, ou a prática de sons vocais, pode
representar uma conversa intencional com self, ainda que não
seja na forma de palavras.
À medida que envelhecemos, aprendemos a convenção
de manter o diálogo interior privado, mas, enquanto seguimos
nossa vida cotidiana, estamos constantemente objetivando o
self, engajando-nos conversas internas que nos ajudam a
organizar nossos dias, a lidar com cenas imaginárias e a
gerenciar nossos estados mutáveis de sentimentos e
ansiedades. Discutimos, de maneira semiconsciente, o que
preparamos para o café da manhã, se caminhamos ou
pegamos o ônibus; ponderamos se vamos ao cinema ou
ficamos em casa. Enquanto conversamos com o nosso self:
“Por que não você termina isso, antes de sair?”, “Você precisa
mesmo deixar este capítulo menos confuso” — as vozes
internas carregam identificações, especialmente com os pais,
as pessoas que primeiro se dirigiram a nós como ‘você’.
Portanto, a natureza do nosso convívio intrapsíquico reflete
inconscientemente nossas relações iniciais com o mundo
exterior, combinada com as complexidades do idioma e
fantasia inconsciente.
No ‘Self como objeto’ (SO), Bollas escreve:
A abordagem de nosso próprio self como um objeto,
em parte herda e expressa a história de nossa
experiência enquanto objetos parentais, de modo
que em cada adulto, é apropriado dizer, certas
formas de percepção, facilitação, manejo e recusa
do self expressam o processo parental
internalizado, ainda envolvido na atividade de
manuseio do self como objeto. Através da
experiência de ser o objeto do outro, que
internalizamos, estabelecemos uma sensação de
dualidade em nosso ser3.
Freud percebeu um aspecto desta objetivação do self
com sua teoria do superego, e a psicanálise tem estado muito
interessada na natureza das relações entre as diferentes
partes do self. No entanto, Bollas sugere que a familiar
estrutura tripartite do id, do ego e do superego não nos
45
permite conceitualizar de maneira adequada a complexidade
dessas negociações intrapsíquicas.
Outro aspecto do self como objeto refere-se ao
desenvolvimento da consciência do corpo. Isso envolve uma
cisão: quando o bebê reconhece seu rosto no espelho, ele
percebe o corpo como um objeto externo. No entanto,
enquanto o corpo visível desempenha seu papel na realidade
externa, compartilhada, existe também outra versão
intrapsíquica do self físico. Privado, sutil e matizado, esse é o
cenário da vida instintiva. É o self erótico, que habita uma
existência paralela — invisível, secreta e inextrincável da
fantasia.
Como podemos pensar sobre a relação entre o self e a
mente? Parece paradoxal separar os dois, porém, já a partir
da fase edipiana, a criança começa a perceber que sua mente
é um aspecto distinto de si mesma, e que se espera que ela
seja cada vez mais capaz de usá-la e controlá-la de muitas
maneiras diferentes. Não mais protegida dentro da díade
materna, mas confrontada com a estruturação paterna da
existência e das demandas do mundo em geral, ela também
descobre que outras pessoas têm mentes e que estas podem
ser imprevisíveis e, às vezes, incompreensíveis.
A mente, portanto, torna-se um objeto para o self. Ela
pode conter ideias perturbadoras — produz preocupação e
vergonha; ela pode nos atacar com pesadelos e pensamentos
intrusivos e obsessivos. Contudo, ela é também um lugar onde
entendimentos significativos podem ser armazenados para
serem resguardados; ela pode até ser uma fonte de prazer
privado.
Em “Mind against self” (MT), Bollas escreve:
O que vemos é um ritmo emergente de consciência
plena, inconsciência e objetivação da mente como
um objeto de pensamento à medida que a criança
se move, às vezes cheia de ideias, mas não
pensando em plenitude, às vezes tão compenetrada
em algo que ela nem parece ciente de ter uma
mente, ou, noutro extremo, pensando sobre sua
mente e na maneira como ela atende às
curiosidades do pensamento4.
O relacionamento que mantemos com nossa própria
mente se desenvolve ao longo da vida de maneiras muito
diferentes. Alguns psicanalistas têm escrito sobre ataques à
mente, quando o pensamento é suprimido como uma defesa
contra o trauma intrapsíquico. Nessas circunstâncias, a
segurança residiria na alienação mental.
No entanto, existem outras formas possíveis de
inconsciência. Em algumas tradições, ela é cultivada como um
estado específico e elevado do self, um nirvana pacífico que

46
transcende a ruidosa complexidade mental. Bollas sugere que
a inconsciência também pode representar o oposto da
simplicidade:
A inconsciência pode referir-se a um estado
inconscientemente informado do ser, quando
operamos em tantos planos de ideações diferentes e
interseccionados, que nenhuma linha de
pensamento isolada poderia comportar a
disseminação densa. Estamos inconscientes não
porque nada está acontecendo mentalmente, mas
porque coisas demais estão se processando e não
conseguimos representá-las5.
E quanto às formas enigmáticas e paradoxais do self que
experienciamos em nossos sonhos? Em “The wisdom of the
dream” (CBR), Bollas aborda o fenômeno dos múltiplos selves
dos sonhos. Quando sonhamos, uma parte do self é
representada como o self que experiencia, enquanto outras
partes podem aparecer como personagens do drama. Os
sonhos, portanto, constituem relações objetais complexas, e
em cada indivíduo, eles tendem a ter um teor idiossincrático
particular. Os sonhos incluem desejos sexuais? O sonhador é
constantemente confrontado com tarefas a executar? Eles
envolvem cenários ansiosos, repletos de objetos ameaçadores,
persecutórios? Eles são tipicamente bizarros e desconexos ou
eles apresentam uma história lúcida?
Tanto os sonhos noturnos quanto os devaneios permitem
ao sujeito localizar uma parte objetivada de si mesmo dentro
de um script. A figura do sonhador é como um duplo, um
emissário do mundo do inconsciente. Quando o analista e o
paciente fazem associações com as imagens dos sonhos e as
ações do self sonhador, o sonho é revelado como um rendez-
vous para as partes do self. Às vezes, o sonho irá objetivar um
dilema da vida atual e pode até fornecer uma resposta. Pode
parecer, então, que o self desperto e o self sonhador estão
trabalhando juntos. Bollas escreve:
Os dois aspectos do self estão cientes um do outro.
Na verdade, eu acho pertinente considerarmos isso
uma forma de relacionamento. É um
relacionamento intrasubjetivo, constituído de duas
posições subjetivas — o self noturno e o self diurno
— que são permanentemente interdependentes ao
longo da vida e que parecem reconhecer suas
posições relativas6.
O que acontece quando o relacionamento com o self dá
errado?
Em numerosas vinhetas clínicas, Bollas aborda várias
formas de transtornos do self, e estes também servem para
destacar aspectos particulares do funcionamento normal do
self. Uma pessoa pode, por exemplo, não ter um espaço
47
interno para receber seus próprios desejos ou para a
satisfação de desejos. Ou pode não ter capacidade para a
mediação de conflitos entre desejos, inibições e restrições
externas. Algumas pessoas vivem em um mundo de devaneios
satisfatórios, rejeitando o engajamento com o exterior. Embora
não sejam psicóticas, essas pessoas muitas vezes se retiram
para uma realidade paralela, habitada por personagens
imaginários, em que os cenários de fantasia estendida se
reproduzem, com frequência ao longo de muitos anos.
Alguns dos ensaios de Bollas sobre psicopatologia
seguem categorias de diagnóstico tradicionais. Outros
identificam novas formas, como “O trisexual” (SO), “O
antinarcísico”
(FD) e “A personalidade fantasmagórica” (FD).
Em seu artigo “Doença normótica” (SO), ele se concentra
no que acontece se o nosso idioma for inibido severamente.
Ele cunha a palavra ‘normótico’ para descrever alguém que
está no extremo oposto do espectro do psicótico. Enquanto
que uma pessoa esquizofrênica pode se retirar da realidade
para a fantasia, a pessoa normótica se retira da fantasia para
a realidade, para afastar-se da experiência subjetiva.
Esta é uma pessoa que se sente desinteressada, até
mesmo perplexa, diante da ideia de um mundo interior.
Esquivando-se da introspecção, ela é regida pelo objetivo; ela
valoriza o fazer em vez do ser, e seus dias são organizados em
torno de horários e atividades. Embora tenha uma persona no
mundo exterior, há uma sensação de que o self ainda está por
nascer. Bollas escreve: “O que falta é essa subjetividade
originadora que informa o uso do simbólico”7.
Essa pessoa geralmente foi criada de maneira estável e
amorosa. No entanto, embora sua infância não contenha
nenhum trauma óbvio, um cuidado material adequado
mascarou uma sutil, mas crucial privação: os pais não
conseguiram se comunicar visceralmente com o idioma da
criança. Isso significa que a categoria de realidade interior
nunca se consolidou e a vida imaginativa da criança passou
despercebida e desprestigiada. Acima de tudo, esse tipo de
família prioriza a normalidade convencional; as atividades
substituem o viver desde o núcleo do self. Bollas resume esta
situação da seguinte forma:
...algumas pessoas são insolitamente normais. Elas
estão inusitadamente enraizadas em serem
objetivas, tanto em seus pensamentos quanto em
seus desejos. Elas atingem um estado de
normalidade anormal, erradicando o self da vida
subjetiva, enquanto se esforçam para se tornarem
um objeto em seus próprios seres8.
De fato, por definição, é extremamente improvável que as
pessoas normóticas busquem tratamento analítico, pois
48
geralmente não têm consciência do que lhes falta. No entanto,
com bastante frequência o psicanalista é confrontado com
pacientes que se queixam de se sentirem vazios; eles podem
descrever explicitamente, ou expressar inconscientemente,
uma sensação de que eles não têm self.
Em “What is this thing called self?” (CUP), Bollas sugere
que, ao tentar entender a ausência aparente do self, é
instrutivo observar o que não foi perdido. A pessoa não perdeu
seu idioma; é evidente que ela retém sua identidade essencial
— ela ainda é indubitavelmente ela mesma. Essa situação
também é nitidamente diferente do quadro psicótico de perda
da mente — a pessoa está ciente de ter conteúdos mentais e
ela sabe que está pensando, sentindo e sonhando. E, embora
seu senso de capacidade de agir possa parecer exaurida, ela
não está sem ego. Ela ainda está usando a parte operacional
da mente para executar as tarefas comuns da vida.
Então, o que é que está faltando? Embora, em muitos
aspectos, a pessoa ainda esteja operando como um self,
parece que ela não percebe um senso da presença do self, a
partir dos seus processos psíquicos internos. Ela está fora de
contato com sua lógica orientadora interna e perdeu sua
relação com a formação de inteligência que está por trás das
capacidades práticas do ego. Parece que o self não é apenas a
soma de suas partes — aqueles aspectos distintos sobre os
quais podemos refletir. O self envolve nossa consciência de
nossa inteligência estética individual, o que nos fornece um
lugar para ser, internamente, e pode ser uma experiência
tenebrosa se não estiver lá.
Como sabemos, a ruptura mais radical do self acontece
no transtorno psicótico. Em “Mind against self” (MT) e mais
amplamente em When the Sun Bursts: The Enigma of
Schizophrenia (2015), Bollas discute a psicose do ponto de
vista, não de conteúdos mentais, mas da estrutura da relação
entre self e mente.
Em circunstâncias normais, quando algo nos faz refletir,
isto chama a atenção para a mente como um objeto com o
qual se precisa interagir. Criamos uma bifurcação temporária
para esclarecer nosso entendimento antes que nossa
experiência do self se reintegre. Durante o dia normal,
oscilamos entre estados de calma inconsciência e momentos
de foco e debate interno.
Na doença psicótica, no entanto, a mente pode se tornar
irrevogavelmente separada do self que experiencia, muitas
vezes manifestando-se como uma voz incorpórea que controla
o self com ordens imperiosas. Isso pode se transformar em um
relacionamento poderoso e secreto com um conspirador
interno. À medida que a mente é vista, cada vez mais, como
uma ameaça, a pessoa tenta evitar o contato com ela e o fosso
crescente entre mente e self agora se torna a sede do
49
problema. Esses pacientes sofrem profunda ansiedade em
relação à mente e, numa situação terapêutica, eles podem
experimentar um grande alívio ante a oportunidade de pensar
sobre ela como um objeto, com alguém que não está
apreensivo com isso.
Então, o que podemos concluir sobre o significado do
termo self? Está claro que, para Bollas, essa é uma questão
muito complexa. Ele escreve: “na palavra ‘self’ encontramos
um termo que contém o mais alto grau do não pensado”9. Em
“Sendo um personagem” (SP), ele nos traz de volta à
complexidade densa da experiência interna, descrevendo-a do
seguinte modo:
Nosso mundo interior, o lugar da realidade
psíquica, é inevitavelmente menos coerente que
nossas representações dele; uma mistura volátil de
pensamentos parciais, visualizações incompletas,
fragmentos de diálogo, lembranças, presenças
ativas esquecidas, estados sexuais, antecipações,
impulsos, necessidades desconhecidas e presentes,
intenções vagas, lucidezes mentais efêmeras, ações
parciais não vividas — pode-se continuar
indefinidamente a tentativa de caracterizar a
complexidade da subjetividade, e ainda assim um
esboço de suas qualidades fica muito aquém da sua
realidade10.
Do ponto de vista teórico, podemos conceitualizar o self
de várias maneiras: como uma soma das representações
internas, como objeto de um diálogo interno, ou como um
conglomerado de estados mutáveis do self. O self tem
presença no real, mas sempre se evadirá à nossa
compreensão. Nesse sentido, ele é análogo ao sonho: existindo
como uma entidade circunscrita, ainda que com significados
que se disseminam, potencialmente para sempre, em
inúmeras direções. É tanto uma unidade quanto uma rede
infinita.
Na introdução de A Sombra do Objeto, Bollas escreve:
Durante toda a vida objetivamos, conhecemos e
“nos relacionamos” com os muitos e diferentes
estados de nosso ser. As realidades emocionais e
psicológicas trazem consigo estados do self que se
tornam parte de nossa história. O conceito de self
deve se referir às posições ou pontos de vista a
partir e através dos quais percebemos, sentimos,
observamos e refletimos sobre experiências
distintas e separadas em nosso ser11.

Notas

50
1. Molino, A. (ed.) (1997) Freely Associated: Encounters in
Psychoanalysis. London: Free Association Books, p.29.
2. Bollas, C. ‘Sendo um Personagem’, SP p.59 (grifo original).
3. Bollas, C. ‘O self como objeto’, SO p.51.
4. Bollas, C. ‘Mind against self’, MT p.86.
5. Ibid., p.79.
6. Bollas, C. ‘The wisdom of dreams’, CBR p.254.
7. Bollas, C. ‘Doença normótica’, SO p.141.
8. Ibid., p.156.
9. Bollas, C. ‘What is this thing called self?, CUP p.176.
10. Bollas, C. ‘Sendo um Personagem’, SP pp.47-8.
11. Bollas, C. ‘Introdução’ SO pp.9-10.

Capítulo 6
Personagem e inter-relações

Textos essenciais:
“Ser um personagem” (SP)
‘Character and interformality” (CBR)
Conceitos-chave: apresentação do self e representação do
self; interformalidade

51
Tendo examinado algumas das complexas relações
internas que coexistem no self, devemos considerar agora o
que acontece quando dois selves se encontram e interagem.
Bollas usa o termo personagem para se referir à forma
em que nos comunicamos inconscientemente com outra
pessoa, ou somos por ela percebidos. Para ele tal forma e “o
padrão do ser e do relacionar-se gerado pelo idioma do self de
cada pessoa”1.
Esta é uma das ocasiões em que ele toma uma palavra
em uso comum e atribui-lhe um significado idiossincrático. Ao
fazê-lo, ele normalmente está destacando um aspecto muito
específico do nosso mundo interior, e neste caso, é um
aspecto que é relativamente pouco considerado pela
psicanálise. Seu interesse no conceito de personagem, como
algo que tem um impacto sobre o outro, reflete seus
precedentes acadêmicos no campo da literatura. Ele ressalta
que as peças e filmes lidam centralmente com a simulação do
personagem e seus efeitos.
Quaisquer que sejam as nossas complexidades
intrapsíquicas individuais e por mais que possamos sentirmo-
nos fora de contato com nós mesmos, cada um de nós tem
algum senso de familiaridade interior. No entanto, quando
somos confrontados com a impressão externa de nós mesmos
— se ouvimos uma gravação de nossa voz, e especialmente se
nos vemos em vídeo — encaramo-nos a nós mesmos como a
um objeto externo. A percepção de que este ser, de uma
estranheza às vezes desconcertante, é o que o mundo está
percebendo todos os dias, pode nos ocasionar um impacto
considerável. Parece existir uma desconexão entre o senso de
consciência que temos de nós mesmos e o efeito inconsciente
que temos sobre o mundo exterior.
De forma aparentemente contra intuitiva, Bollas sugere
que nunca podemos conhecer nosso próprio personagem,
embora para outros seja facilmente observável na forma como
interagimos com nossos objetos. Ele relaciona esta atmosfera
pessoal essencial ao idioma de uma obra artística.
Experimentamos um fenômeno comum, mas ainda assim
impressionante, quando ligamos o rádio e podemos
reconhecer o compositor a partir de algumas acordes
musicais, mesmo que não tenhamos ouvido essa peça
específica antes. O mesmo pode ser aplicado a uma pintura
ou a leitura de um poema. O idioma do compositor, artista ou
poeta é transmitido pela forma característica da obra,
independentemente do conteúdo ou tema específico.
Qualquer encontro com outro self é altamente complexo.
Imaginemos que chegamos a um jantar. Somos amigos
íntimos do anfitrião e conhecemos alguns dos convidados,
mas há outros que não encontramos anteriormente.
52
Trazemos, para o encontro com as pessoas conhecidas, a
totalidade da nossa história compartilhada — atividades,
amigos comuns, conversas passadas, graus variados de
atração consciente, empatia ou suspeita e uma intrincada
rede de associações inconscientes. Com aqueles que são novos
para nós, não pode haver tal histórico pessoal, mas somos, de
alguma forma, imediatamente tocados por uma impressão de
cada pessoa, algo que seria impossível de se colocar em
palavras. Antes de experimentarmos qualquer coisa que a
pessoa diga ou faça, sua presença tem um efeito sobre nós.
É claro que nossa resposta inevitavelmente incluirá
nossas próprias projeções. A teoria da identificação projetiva
permite-nos examinar um aspecto importante de um encontro
humano: uma pessoa recebe e mantém uma parte separada e
projetada da outra, e são atribuídos, inconscientemente,
diferentes papéis às duas. No entanto, Bollas sugere que este
conceito familiar pode ser usado de forma muito simplista. Ele
escreve: “a densidade do ser de qualquer pessoa e seus
axiomas do relacionar-se são muito complexos para serem
entendidos meramente como projeções discretas e discerníveis
ou representações de papéis”2.
A influência do personagem relaciona-se com uma
variável intrigante na situação clínica, algo que também
envolve o enigma da comunicação inconsciente. À medida que
o paciente fala sobre si mesmo e suas experiências, o analista
desenvolve um senso das pessoas na vida dessa pessoa. Essas
impressões internas podem ser vívidas ou elusivas. Diante de
alguns pacientes, rapidamente formamos uma impressão
clara de seus amigos, colegas e parentes — às vezes até
sentimos que os reconheceríamos se os encontrássemos na
rua — enquanto que diante de outros, nossa perspectiva
permanece desfocada.
Em “Sendo um personagem” (SP), Bollas explora a
questão do idioma e da comunicação em termos de forma
versus conteúdo. Quando falamos com um amigo, sobre nossa
experiência de uma terceira pessoa, ele sugere que evocamos
a sensação dessa pessoa, não apenas com as palavras que
escolhemos para descrevê-la, mas também, de modo
inconsciente, através da forma de nossa comunicação. Ele
escreve:
Posso conversar sobre o meu pai com o meu
analista, mas o que acontece ao longo do tempo é
que ele virá a conhecer meu pai menos através dos
conteúdos precisos das minhas associações do que
através de algum efeito intrigante sobre ele mesmo,
que agrega em seu ato de experimentar interior algo
da natureza do que eu mantenho dentro de mim3.
As pessoas variam muito em seus graus de
permeabilidade. A comunicação inconsciente do idioma do
53
outro envolve o ser destinatário, in-formado por ele, como
Bollas o coloca. A origem desta capacidade tem relação com a
experiência da criança com a receptividade da mãe ao bebê,
começando com a preocupação materna primária — sua
capacidade de ser absorvida. Bollas sustenta que, se o
analista pretende ser receptivo dessa forma, ele precisa
esvaziar sua mente para que a recepção do personagem
inconsciente seja possível.
Em “Character and interformality” (CBR), ele explora
ainda mais a dicotomia de forma e conteúdo em relação à
comunicação do self, fazendo uma distinção entre dois
conceitos: apresentação do self e representação do self. Ele
escreve:
A representação do self é o ato verbal de descrever
o self e seu mundo. Ela transmite um conteúdo de
pensamento — nossa história, nossa personalidade,
nossos gostos — e é uma forma de comunicação
auto reveladora, especialmente popular em culturas
altamente verbais. [...]
A apresentação do self, do ponto de vista
linguístico, transmite o ser do self através da forma
inconsciente da narrativa. É o movimento formal do
self de alguém agindo sobre o mundo do objeto4.
Então, quando elaboramos e expressamos nossos
pensamentos em palavras, estamos representando
intencionalmente os outros elementos de nós mesmos e do
nosso mundo interior. Isso estará relacionado à narrativa
interna consciente que tecemos sobre nós mesmos, mas
também vai envolver uma mistura parcialmente inconsciente,
por exemplo, de clareza e obscuridade, honestidade e
hipocrisia, profundidade e superficialidade. Ao mesmo tempo,
porém, a outra pessoa estará recebendo uma comunicação
mais profunda e não verbal, uma apresentação direta do
nosso personagem que não é concebida pela nossa
consciência. A apresentação do self manifesta-se por meio de
ações — movimentos e gestos físicos, expressões faciais e
formas de fala idiossincráticas.
A transmissão de conteúdos mentais e os efeitos
inconscientes do idioma são duas categorias de comunicação
diferentes e complementares. A pessoa com quem falamos
considerará bastante perturbador se houver uma óbvia
disparidade entre nossa apresentação do self e nossa
representação do self. Isto é como a mensagem dupla criada
deliberadamente por um cineasta que usa uma música
incidental que está em desacordo com o conteúdo expresso de
uma cena. Nesta situação, sentimos instintivamente que é a
música — a comunicação não-verbal — que contém a verdade
maior. Por causa de seus vínculos diretos com o inconsciente,
a forma é sempre mais reveladora do que o conteúdo.
54
Bollas sugere que em qualquer interação entre duas
pessoas, ambas são inevitável e internamente reestruturadas
pelo encontro, embora muitas vezes de forma sutil. Ele chama
esse processo de interformalidade: os efeitos recíprocos do
movimento das formas idiomáticas de dois selves. Esse
processo começa antes do evento real. Pensar em um próximo
encontro com um amigo desperta pensamentos associativos
conscientes e constelações inconscientes inter-relacionadas,
uma vez que antecipamos o efeito, em nós, desta pessoa em
particular.
Bollas afirma que este processo de interformalidade é, em
maior ou menor grau, intrinsecamente traumático porque
causa uma ruptura no estado de self que experimentávamos
antes do encontro. Se o efeito consciente sobre nós é
agradável ou perturbador, muitas vezes nos encontramos
respondendo a este micro trauma com a premência de falar
com alguém sobre isso. Ao fazer isso, estamos traduzindo a
experiência em uma forma que a tornará concebível,
movendo-a da apresentação para a representação, para que
possa ser mediada pela consciência. Ele escreve:
O falar tem como objetivo transformar o real em
simbólico, e mesmo que a fala fracasse em
representar as apresentações da experiência ela
adere a esta e transmite suas sequelas na forma
verbal. Mesmo que não nos voltemos para outros
reais, podemos ter um diálogo interno sobre o
encontro recente, onde a memória funciona como
um contêiner dinâmico para as consequências do
real5.
Ele ressalta que esta é uma função importante da
situação psicanalítica. Quando o analisando descreve um
encontro social, ele está transformando seu impacto
inconsciente, tornando-o traduzível em palavras e
pensamentos.
É inevitável que tanto a representação quanto a
apresentação do self desempenhem um papel no
relacionamento clínico — e isso funciona de ambos os modos.
O analista está em sintonia tanto com a narrativa do paciente
como com o subtexto apresentado por seu personagem. Por
sua vez, embora responda ao paciente no nível da
representação, oferecendo observações e interpretações, ao
mesmo tempo, o analista também se comunicará em um nível
mais sutil, por meio de um toque particular na sua escolha de
palavras e de suas inflexões vocais. A forma da resposta do
analista comunicará algo sobre o que ele percebeu, operando
inconscientemente a partir e no interior do domínio de
apresentação de seu próprio personagem. Ambos analista e
paciente são in-formados pela influência do outro.

55
Então, como podemos definir nosso conhecimento do
personagem? Bollas escreve:
Este é um conhecimento que apenas é. É um
conhecimento relacionado à matriz da intuição
humana. Nós intuímos uns aos outros; e, como um
meio para o outro, fomos in-formados por seu
idioma. Então, usamos essas informações para nos
guiarmos nas inúmeras decisões inconscientes
sobre o que, quando e como dizer algo, bem como
todas as sugestões sutis que retransmitimos ao
outro como parte desse movimento de
interformalidade .
6

Separar os conceitos de idioma, self e personagem — três


aspectos distintos, mas intimamente conectados, da nossa
subjetividade — ajuda-nos a esclarecer os aspectos da nossa
experiência interna e a refletirmos sobre os mesmos. A
situação clínica envolve dois idiomas, dois selves complexos e
o impacto inconsciente mútuo da inter-relação entre duas
pessoas. Manter esta complexidade em mente pode ajudar o
clínico a evitar uma hipótese reducionista sobre o mundo
interior do paciente. Usando nossa consciência dos atalhos
intrincados de nossa inteligência singular e em formação,
esperamos permitir que nossos pacientes explorem com maior
liberdade criativa os padrões complexos criados por seus
idiomas inatos, as relações internas de seus selves e as
performances de seus personagens no mundo exterior.

Notas
1. Bollas, C. “Character and interformality”, CBR p.240.
2. Ibid., p.242.
3. Bollas, C. “Sendo um personagem”, SP p.62.
4. Bollas, C. “Character and interformality”, CBR p.241.
5. Ibid., p.242.
6. Ibid., p.247.

Capítulo 7
Objetos evocativos

Textos essenciais
“O objeto evocativo” (SP)
56
“The evocative object world” (EOW)
“O espírito do objeto como a mão do destino” (SO)
“Identificação perceptiva” (MF)
Conceitos-chave: objetos evocativos; integridade estrutural;
identificação perceptiva; objetos projetivos, mnêmicos,
aleatórios e terminais; abatimento estético.

Vamos agora explorar, em detalhes, outro aspecto


central da teoria bollasiana: o efeito evocativo dos objetos e da
interação entre objetos e idioma. É um tema que se repete ao
longo de sua obra, talvez mais do que qualquer outro, e Bollas
nos fornece uma visão cronológica do desenvolvimento dessas
ideias no terceiro capítulo de The Evocative Object World.
A expressão “escola britânica de relações objetais”
(British Object Relations School) deve sua origem a uma
tentativa de distinção entre o modelo mental baseado em
instintos de Freud e as teorias de Klein, Winnicott e os
primeiros independentes, todos os quais consideravam a
relação inicial do bebê com os objetos como central para a
formação e desenvolvimento da psique.
No entanto, o termo obscurece uma diferença crucial.
Para Klein, o conceito de relações objetais referia-se
primordialmente a objetos internos, de fantasia, derivados dos
instintos e, em particular, do confronto com as ansiedades
primitivas (agressão e inveja inatas) associadas ao instinto de
morte. Em contraste, os teóricos independentes, seguindo
Balint, Fairbairn e Winnicott, priorizavam a relação do bebê
com objetos humanos, no ambiente externo.
A exploração que Bollas faz da interação entre o self e o
mundo dos objetos desenvolve o ponto de vista independente,
oferecendo uma veia rica de pensamento sobre a subjetividade
humana. Sua abordagem conceitual, altamente criativa e
detalhada, sobre a questão de como e por que interagimos
com objetos externos é inovadora em três sentidos. Primeiro,
sua teoria do inconsciente receptivo propõe que as percepções
do mundo objetal sejam fundamentais para a formação e o
funcionamento da mente. Em segundo lugar, ele trata
amplamente da nossa experiência do mundo inanimado —
algo incomum no pensamento psicanalítico. Em terceiro lugar,
ele explora a ideia de que os objetos são significativos, não
apenas por causa do que projetamos neles, mas por suas
próprias qualidades intrínsecas.
Para Bollas, a seleção e uso de objetos é um meio
primário de expressar e elaborar o idioma do indivíduo. Como
vimos no capítulo 2, sua teoria do inconsciente receptivo
envolve um processo de mão dupla, recíproco. A mente
inconsciente é constituída, não apenas a partir de matrizes de

57
experiências traumáticas recalcadas, como Freud sustentava,
mas também de elementos psiquicamente significativos do
mundo objetal que são convidados para a consciência por
razões criativas. Cada nova impressão torna-se parte de uma
rede de genera psíquicos em desenvolvimento — constelações
de pensamentos inconscientes. Além de formar interligações
cada vez mais intrincadas dentro da mente, essas
constelações também geram uma busca de objetos
relacionados que irão articular o idioma do self. Um objeto
será evocativo se tiver ressonância inconsciente para esse
indivíduo.
No capítulo 3, exploramos a ideia da mãe como um
objeto transformacional, que fornece ao bebê, de maneira
instintiva, experiências as quais estão em sintonia com idioma
dele e que, portanto, podem provocar uma transformação em
seu estado de self — o que Bollas define como um momento
estético. À medida que a criança cresce e se desenvolve, ela se
depara com um mundo objetal cada vez mais diversificado e
cria maneiras diferenciadas de relacionar-se com esse mundo.
Em suas brincadeiras, ela escolherá, de forma inconsciente,
um brinquedo específico para realizar um tipo particular de
pensamento. O uso do objeto é uma extensão de sua realidade
interna.
Como adultos, também estamos fazendo escolhas
constantes em nossa interação com o mundo ao nosso redor.
Embora muitas dessas decisões sejam feitas em um nível
consciente, elas também estão impregnadas de ressonâncias
inconscientes. Pela manhã, escolhemos uma roupa para
vestir, mas se não estivermos em sintonia com nós mesmos
em um certo dia, podemos errar a mão e nos sentirmos
desconfortáveis com nossa escolha — um pouco como a mãe
que oferece ao bebê o brinquedo errado, no momento errado.
Este exemplo comum demonstra o estreito vínculo entre
estados do self inconscientes e a seleção de objetos externos.
Outras escolhas são feitas de forma mais fugaz: nós
escolhemos uma certa caneca para o nosso café, olhamos
para uma determinada vitrine e não para outras.
Bollas salienta que raras vezes a escrita psicanalítica
considerou o mundo dos objetos inanimados, ainda assim este
é um aspecto crucial do nosso relacionamento com a realidade
externa. Na verdade, ele faz uma declaração radical:
Para o inconsciente, não há diferença entre um
objeto evocativo material e um não material; ambos
são igualmente capazes de imergir o self em uma
experiência interior complexa1.
Em outras palavras, por sermos sutilmente
reestruturados, em nosso interior, a cada encontro com um
outro ser humano, cada aspecto do ambiente inanimado
também terá um efeito direto sobre nós.
58
Podemos usar um objeto para fins projetivos, quer para
conter uma parte do self da qual desejamos nos livrar, quer
para nos salvaguardarmos. No entanto, há outro aspecto
concernente ao uso de objetos, e ele diz respeito à interação de
nosso idioma com as próprias características intrínsecas do
objeto — algo que recebemos do objeto. Bollas escreve que
somos afetados pela integridade estrutural da coisa em si.
Estes dois aspectos da relação com o objeto — o projetivo e o
receptivo — costumam ocorrer simultaneamente.
Imagine duas experiências diferentes de participação em
uma reunião. Na primeira ocasião, encontramo-nos em uma
sala simples e moderna, pintada de branco, com um teto
baixo e uma iluminação fluorescente. A segunda reunião é
realizada em uma biblioteca elisabetana de painéis de
madeira, em que prateleiras de volumes encadernados em
couro estão intercaladas com molduras ancestrais. A
experiência de entrar nessas duas salas é radicalmente
diferente em vários níveis. Nós respondemos,
inconscientemente, com nossas projeções e associações
individuais, mas, a despeito de nossa contribuição com o
nosso mundo interno, também experimentamos de forma
consciente e inconsciente, uma influência externa muito forte,
pelo que os dois ambientes nos apresentam. Cada um tem seu
próprio idioma; cada um nos formará de uma maneira
particular, e as duas experiências muito distintas
permanecem conosco depois que a reunião acabar.
No terceiro capítulo de O Momento Freudiano, Bollas
postula um estágio de desenvolvimento, seguindo a posição
depressiva kleiniana e o estágio winnicottiano de uso
transicional de objetos, quando a criança se torna consciente
da integridade do objeto. Bollas define esse estágio como
identificação perceptiva. O objeto transicional de Winnicott é
significativo porque representa outras experiências, mas no
estágio de identificação perceptiva é a especificidade do próprio
objeto que é crucial. Isto envolve o reconhecimento de que o
objeto tem uma existência distinta do self e de que o self é
afetado pelo contato com ele. Bollas escreve: “Este modelo
pressupõe o gozo, a jouissance da diferença (não a
semelhança) e aprecia implicitamente a separação do objeto” 2.
Ele ressalta que a capacidade de identificação perceptiva
é um pré-requisito para a forma madura do amor. Em vez de
ser governado por processos narcisistas, ela representa uma
verdadeira profundidade íntima com o objeto, que é amado
pelo que é e não porque reflete o self. Aqui ele contrasta esse
conceito com a identificação projetiva:
Se a identificação projetiva penetra o outro, a
identificação perceptiva permanece fora, para
perceber o outro. O termo “identificação” significa
coisas bastante distintas para cada conceito. Na

59
identificação projetiva, o termo expressa a
identificação com o objeto, na identificação
perceptiva ele expressa a percepção da identidade
do objeto. Ambas as formas de conhecimento
precisam trabalhar em conjunto, em uma oscilação
criativa entre apreciar a integridade do objeto e
perceber sua identidade, e então projetar partes do
self no objeto, uma forma de imaginação3.
Em “O objeto evocativo” (SP), Bollas discute em detalhes
muitos aspectos da interação do self com o mundo externo,
desenvolvendo a ideia de que buscamos e selecionamos
objetos específicos porque eles oferecem diferentes formas de
experiência. Eles representam “conceitos de ser” para os quais
nosso idioma é atraído. Ele escreve:
...os objetos sugerem tipos psicologicamente
distintos de experiência do self, de modo que,
quando uma pessoa emprega um objeto, é
interessante notar o que é conceitualmente
solicitado. A escalada, a música de câmara, o
mergulho e as festas são experiências diferentes
envolvendo diferentes objetos e, portanto, diferentes
conceitos do ser de alguém, que conceitualizam
formas psicologicamente diferentes de ser, usar e
relacionar-se. Assim, quando pensamos em nos
relacionar com cada um desses objetos, uma noção
psíquica diferente do que devemos fazer vem à
mente, que opera nos níveis consciente, pré-
consciente e inconsciente4.
Nossas relações com os objetos sucedem-se de diversas
maneiras. Nós os experimentamos através de sensações
físicas; somos afetados estruturalmente por sua integridade
individual, e conceitualmente, pois objetos diferentes suscitam
em nós linhas de pensamento específicas. Os objetos também
podem funcionar simbolicamente, ao associarmos seus nomes
a outros significantes; mnemicamente, quando lhes atribuímos
um significado histórico pessoal; e projetivamente, quando os
usamos para processar aspectos do nosso mundo interno.
Objetos diferentes, portanto, cumprem diferentes funções para
o self.
Bollas explora em detalhes os efeitos intrapsíquicos das
várias categorias de objetos, e vamos considerar três delas a
seguir.
O objeto mnêmico relaciona-se com a memória. É uma
forma de objeto subjetivo que contém um fragmento de
experiência passada do self e permite que ele se reconecte com
o presente. Considerando que a identificação projetiva
geralmente resulta na perda da parte projetada do self, os
objetos mnêmicos nos mantêm em contato com os estados
anteriores do self, e, portanto, podem conter uma riqueza
60
evocativa particular. Como exemplo, Bollas cita a madeleine
de Proust, que funciona não apenas como um recipiente para
conter uma memória particular, mas como um portal para um
vasto domínio de associações proliferantes. Esses objetos
altamente catexiados criam nódulos de intensidades e
significâncias no inconsciente, deixando uma marca que
combina as qualidades do objeto em si com seu significado
individual para nós — sua interação com nosso idioma e
nossa história.
Então, somos atraídos para alguns objetos pelo potencial
evocativo que sua integridade estrutural tem para provocar
ressonâncias com o nosso idioma, e nós, inconscientemente,
designamos outros como receptáculos para os fragmentos de
nossas experiências. Todavia, com frequência também
encontramos fenômenos que chegam de forma inesperada.
Estes, Bollas denominam objetos aleatórios — objetos que
chegam por acaso. Ele escreve:
Esses objetos aleatórios evocam texturas psíquicas
que não refletem as valorizações do desejo. Nós não
selecionamos, por assim dizer, um objeto aleatório
para expressar um idioma do self. Em vez disso,
somos defrontados com a chegada inspiradora do
não selecionado, que muitas vezes produz um tipo
de prazer muito especial: o da surpresa. Ele nos
abre, liberando uma área como uma chave que se
encaixa na fechadura5.
Podemos buscar o desejado, mas também somos
animados pelas atividades espontâneas de nossos objetos. A
surpresa é uma experiência muito particular. Isso supera
nossas defesas; somos inundados de associações
condensadas, tanto conscientes quanto inconscientes, e isso
muitas vezes produz uma transformação, um senso de
expansão interna. Contudo, somos capazes de apreciar a
surpresa somente se pudermos lidar com a interrupção que
ela causa ao nosso mundo interior.
Ao contrário dos objetos mnêmicos e aleatórios, os
objetos terminais não são evocativos e não propiciam a
elaboração do idioma da pessoa. Eles se relacionam com
estados de ser que se encapsularam no início da vida porque
não podiam ser conceitualizados ou representados
simbolicamente. Os objetos terminais, deste modo, incorporam
estados primitivos de defesa e renúncia.
Na situação clínica, um paciente que é governado por um
objeto terminal estará desconectado tanto de sua própria
criatividade inconsciente quanto do desejo de conexão com a
vida exterior. Ele terá uma profunda resistência ao
pensamento associativo e a qualquer elaboração do self. Em
termos do modelo do inconsciente bollasiano, estas pessoas
são dominadas por matrizes de trauma, desligadas da ativa
61
criatividade dos genera psíquicos, e essa situação geralmente
produz uma poderosa reação de contratransferência no
analista. Ele sente seu próprio pensamento associativo se
desativando diante do vício do paciente à influência sufocante
do objeto terminal.
Bollas considera a seleção de objetos como uma forma de
pensamento inconsciente. Nós escolhemos um objeto que
atende a algumas necessidades internas num dado momento.
As qualidades intrínsecas desse objeto ressoam conosco de
forma idiossincrática e evocam aspectos de nosso idioma,
nosso senso instintivo de forma. Desta forma, a realidade
exterior atende a realidade interior. Em “Aspectos da
experiência do self” (SP), ele escreve:
À medida que conferimos significados psíquicos aos
objetos, transitamos em meio a nossa própria
dimensão significativa e, às vezes, muito tempo
depois de termos atribuído significado a uma coisa,
deparamo-nos com ela outra vez, desvelando seu
significado, embora, como devo ressaltar, tais
significantes com frequência não cheguem à
consciência6.
Quando nos encontramos em um ambiente complexo,
composto de muitos objetos diferentes, cada aspecto
individual do que percebemos, conscientemente e
inconscientemente, provocará em nós um estado de self
diferente. Bollas ilustra o caráter multifacetado desta
experiência com o exemplo de alguém entrando em uma
grande loja de departamento:
Cada seção da loja, cada parte de tal seção, cada
unidade do espaço visual, contém objetos
evocativos. À medida que os vemos, seus designs
suscitam sensações dentro de nós, suas funções e
seus nomes vêm à mente — os genéricos e os de
marca — emergindo na consciência. Quanto ao
registro inconsciente de tais objetos, só podemos
supor que, assim como uma loja agrupa objetos
similares em certas unidades, nossa mente faz a
mesma coisa, com a exceção notória de que
adicionamos significado pessoal a todos e cada uma
das coisas que vemos7.
Assim, à medida que avançamos através do conjunto de
experiências oferecidas pelo mundo externo, os objetos agem
sobre nós de diferentes maneiras e reagimos com muitas
formas específicas de resposta. Cada um destes objetos será
governado por nossa própria inteligência estética particular, e
cada um provocará sua própria rede de associações. Haverá
também um espectro de intensidade interna que envolve as
polaridades de familiaridade versus novidade. Algumas
pessoas desejam novas experiências; outras gravitam para o
62
conhecido. Nossas escolhas de objeto refletem nossa
predisposição para o grau de estimulação que ressoa mais
confortavelmente com nosso idioma.
Em China on the Mind, Bollas discute o tipo de relação
com o objeto que ocorre através de poemas e, em particular,
as formas concisas de poesia, altamente evocativas, que são
tradicionais no oriente. Em tais casos, a projeção nos objetos
é refinada em uma forma de arte sutil, uma vez que
sentimentos pessoais intensos estão contidos e representados
por elementos individuais do mundo natural.
Este processo é incorporado na estrutura da língua
chinesa. Um único carácter escrito consiste em um conjunto
pictórico de ideias associadas que se combinam para
transmitir um significado intrinsecamente complexo, o qual
repercutirá em cada indivíduo de uma forma diferente. Um
carácter pictórico agrega objetos aparentemente dispares em
um relacionamento ressonante:
A natureza independente de cada imagem, a
justaposição surpreendente dos objetos, é algo que
em si mesmo tem uma integridade evocativa. [...]
Estes poemas recebem e usam a natureza
ideográfica da língua chinesa; cada carácter é em si
um pequeno poema. Eles unem imagem e som com
emoção pessoal e, ainda assim, tecem o particular
na ordem social. Um poema breve pode, portanto,
ser tanto único como universal ao mesmo tempo8.
Em “Architecture of the unconscious” (EOW), um ensaio
escrito originalmente para uma audiência formada por
arquitetos, Bollas explora o impacto dos edifícios como objetos
evocativos que refletem nosso pensamento inconsciente
individual e fornecem metáforas para aspectos da mente.
Embora o ensaio não esteja redigido em linguagem
psicanalítica, ele inclui referências implícitas às dicotomias do
destino e do fado, dos traumas e genera psíquicos.
Bollas sugere que um novo edifício pode oferecer uma
visão criativa do futuro, mas também pode nos afetar como
uma invasão do presente pelo futuro. Seu design envolverá
uma combinação de funcionalidade e intenção evocativa. Se
substituir um edifício antigo, ele simbolizará, ao mesmo
tempo, a criação e a destruição. Por conseguinte, pode
representar o nascimento, bem como a presença da morte e a
libertação de vínculos anteriores.
Assim como todo edifício individual tem sua presença
idiomática e será atendido como um objeto único, Bollas
sugere que cada cidade também tem seu próprio idioma que,
por sua vez, cria um efeito evocativo característico. Ele chama
nossa atenção para o fato de, mesmo em nosso ambiente
familiar, muitas vezes desconhecemos a função de muitos dos

63
edifícios. Sem referentes conceituais, eles nos afetam como
objetos puramente visuais, através de suas formas
idiomáticas. Portanto, permanecem na ordem da percepção e
da imaginação; a ordem materna pré-conceitual.
Assim como acontece com todos os objetos, a nossa
experiência no ambiente construído é uma combinação de
nossas projeções e associações e os efeitos sobre a nossa
integridade estrutural. Como uma cidade que se transforma
ao longo do tempo, as novas formas arquitetônicas —
aparecendo primeiro como objetos aleatórios — acabam por
nos apresentar a novas percepções. Um edifício que
desempenhou um papel importante na nossa vida também
funciona como um objeto mnêmico, um portal para
experiências passadas e para todas as memórias e associações
que os acompanham. A cidade, como objeto evocativo, é um
processo inconsciente complexo.
A exploração de Bollas sobre o entrelaçamento de
realidades internas e externas fornece uma perspectiva a
partir da qual pode-se considerar várias formas de patologia e
a atitude do paciente com o mundo objetal pode ser um
importante critério de diagnóstico. A energia e o entusiasmo
na seleção de objetos servem à pulsão inata para elaborar o
idioma e a liberdade na interação com uma ampla gama de
objetos é um indicador de saúde psíquica.
No entanto, novos objetos, especialmente aqueles que
convidam a um engajamento intenso e instintivo, podem
abalar as estruturas. Nas pessoas regidas por matrizes de
trauma, o instinto de busca de experiências generativas fica
limitado pela necessidade de proteger o self. O trauma
restringe os genera. Usando o conceito de Winnicott de “área
intermediária”9, Bollas escreve:
Alguns indivíduos são relutantes em viver na
terceira área (a área intermediária de experiência),
insistindo que a característica evocativa do objeto
seja recusada. Eles impõem sua visão sobre o
mundo objetal e criticam a faceta evocativa —
transformacional — dos objetos. Eles podem
restringir a escolha de objetos, eliminando aqueles
com alto potencial evocativo10.
No capítulo 5, vimos o conceito bollasiano de patologia
normótica, quando as pessoas vivem uma vida regida pela
conformidade com as normas sociais em detrimento do
investimento no mundo interior e subjetivo. Embora as
atividades externas organizadas possam ser realizadas com
entusiasmo (este é o team player ideal), as escolhas de objetos
feitas pelo normótico não refletirão liberdade exploratória. O
recalque do primitivo de Freud, o falso self de Winnicott, a
frustração inerente à convencionalidade rígida: tudo isso pode
tolher a elaboração do idioma. O gesto espontâneo é suspeito,
64
e o engajamento com o mundo objetal é usado a serviço, não
da expressão individual, mas do pertencimento a qualquer
custo.
Em “Preocupation unto death” (CUP), Bollas discute três
estados de self relacionados que são essencialmente
vinculados aos objetos: concentração, preocupação e
obsessão. Eles representam um espectro que vai, de um lado,
desde o envolvimento criativo intenso até, de outro lado, uma
psicopatologia intratável. Aqui ele diferencia obsessão e
preocupação:
A obsessão patológica visa a manter um objeto
terminal que cessa todo o uso inconsciente do
objeto: ideacional, afetivo, somático ou
transferencial. Uma preocupação permite a
migração de sentimentos para a situação: o objeto é
submetido ao uso ao passo em que é submetido à
fantasia e, portanto, pode elaborar aspectos do
sujeito11.
A pessoa obcecada sente-se impactada pelo objeto;
como em seu antigo uso, é como ser possuído por
um demônio, enlouquecido por uma ideia intrusiva.
A pessoa preocupada parece fazer algo bastante
diferente: ela conjura um espaço mental para o
qual traz todos os seus interesses — neste caso, um
objeto — levando à exclusão de tudo mais12.
Às vezes, seja em um relacionamento pessoal próximo ou
em uma situação de trabalho, ou no sentimento de vivermos
em um lugar particular, podemos nos encontrar presos a um
desajuste estrutural entre o self e o objeto. Bollas sugere que
alguns objetos nunca ressoam conosco, e isso pode ser uma
questão não de patologia, mas de idioma: simplesmente
achamos certas coisas exóticas. Se esta situação não for
reparável, ela pode produzir uma forma profunda de
depressão que ele denomina dejeção estética13.
Um resultado do tratamento psicanalítico pode ser a
mudança na abordagem habitual do paciente aos objetos. À
medida que o mundo interno se torna um lugar menos
perigoso, ele abandona gradualmente o uso defensivo de
elementos no meio ambiente — para manter um status quo
patológico, por exemplo, ou para desativar o pensamento — e
desenvolve novas capacidades de uso espontâneo e criativo de
uma variedade maior de objetos.
Muito do pensamento psicanalítico é ponderado em favor
da realidade interna e do papel da fantasia inconsciente, mas
Bollas com frequência enfatiza, além disso, a importância da
experiência vivida no mundo externo. Pacientes novos na
psicanálise muitas vezes comparam o conceito do
inconsciente, com o sentir consciente de que as coisas são
profundamente significativas. Se eles continuam a considerar
65
a subjetividade insular como a arena para o trabalho
psicanalítico, existe o perigo de deixarem suas vidas diárias
fora do consultório. Bollas acredita no contrário disso:
segundo ele, para que os pacientes se tornem conectados aos
seus núcleos idiomáticos, eles precisam desenvolver um
interesse, não só pelos temas profundos e dilemas que os
levaram à análise, mas também pelas minúcias da vida
comum, pois são tais detalhes que revelam o pensamento
inconsciente representado pelas suas escolhas de objeto.
Em “O objeto evocativo” (SP), ele escreve:
...o trabalho que caracteriza o ego inconsciente é o
inconsciente não-representativo, que seleciona e
usa objetos para disseminar o self nas vivências
que o articulam e o enriquecem14.

Notas
1. Bollas, C. “The evocative object world”, EOW p.79.
2. Bollas, C. “Identificação perceptiva”, MF p.66.
3. Ibid., p.68.
4. Bollas, C. “O objeto evocativo”, SP p.34.
5. Ibid., p.37.
6. Bollas, C. “Formas de experiência do self”, SP pp.12-13.
7. Bollas, C. “The evocative object world”, EOW p.80.
8. Bollas, C. China on the Mind, p.37.
9. Winnicott, D. (1971) “The place where we live”. In Playing
and Reality. London: Tavistock.
10. Bollas, C. “Formas de experiência do self”, SP p.31.
11. Bollas, C. “Preocupation unto death”, CU pp.78-9.
12. Ibid., p.79.
13. Bollas, C. “The evocative object world”, EOW pp. 90-2
14. Ibid., p.42

Capítulo 8
Complexidade inconsciente
66
Textos essenciais:
“Dissemination” (CUP)
“Articulações do inconsciente” (MF)
“Transformação psíquica” (MF)
A Questão Infinita
Conceitos-chave: categorias de comunicação; linhas de
pensamento ramificantes; foco psíquico e disseminação
psíquica; associações livres radicais.

Tendo examinado a inter-relação entre o mundo interior


e o mundo objetal exterior, agora vamos analisar com mais
detalhes a natureza do inconsciente sob a perspectiva da
metapsicologia bollasiana.
O modelo do inconsciente receptivo propõe uma mente
surpreendentemente intrincada. Bollas emprega uma analogia
musical como uma forma de conceitualizar essa
complexidade. Ele sugere que os elementos presentes em uma
sessão psicanalítica podem ser retratados de modo visual
como uma partitura de orquestra, em que há uma progressão
horizontal da esquerda para a direita, representando
movimento temporal e um eixo vertical consistindo de uma
linha individual para cada instrumento. Tudo se sucede,
simultaneamente, dentro da obra musical, com variados graus
de proeminência, conflito e cooperação.
Nesta analogia, as linhas instrumentais representam os
muitos segmentos de significado, conscientes e inconscientes
que fazem parte da sessão. Eles serão expressos de muitas
formas diferentes, e Bollas as descreve como categorias de
comunicação. Podem incluir, por exemplo: a narrativa
consciente do paciente e sua apresentação; os pensamentos e
sentimentos à medida que evoluem no paciente e no analista;
a expressão corporal; as diversas vertentes da história
individual do paciente e a história compartilhada do trabalho
analítico; a relação de transferência predominante e outros
fenômenos transferenciais transitórios; as implicações
relacionais mais amplas da narrativa; os modos intrapsíquicos
flutuantes (por exemplo, paranoide-esquizoide ou depressivo);
os usos projetivos do objeto analítico; as disposições do
paciente sobre os aspectos do seu caráter; as periodicidades
de humores e intensidades psíquicas; os usos do humor, tanto
defensivos quanto espontâneos; e estruturas psíquicas
inconscientes que representam paradigmas derivados de sua
experiência inicial (o conhecido não pensado).
Muitos outros itens podem ser adicionados a esta lista e
a complexidade não para aqui. Se colocarmos qualquer

67
categoria individual sob o microscópio, achamos que ela se
ramifica, como fractais, criando uma rede potencialmente
infinita. Cada uma poderia ser examinada e desconstruída,
mas, como exemplo, vamos considerar a categoria da
linguagem.
Em paralelo significado pretendido, manifesto da
narrativa do paciente, a categoria linguística também incluirá
gramática e sintaxe — as regras pré-existentes que regem o
idioma em particular que está sendo falado — e a versão
idiomática da linguagem característica do paciente. Isso
incluirá, por exemplo, uma combinação única de restrição e
expressividade; uma abordagem idiossincrática da lógica
narrativa, descrição e figuras de discurso; o timbre ou a
qualidade tonal de sua voz e seus graus de adequação ao
assunto, tanto em seus aspectos conscientes quanto
inconscientes; o volume de sua fala, inflexões habituais,
variações rítmicas e mudanças no compasso; e a proporção, a
extensão e a qualidade dos silêncios.
Todos esses elementos linguísticos operam juntos para
criar uma rede subdivisível de comunicação consciente e
inconsciente. Em A Questão Infinita, Bollas escreve:
...as palavras evocam grupos de ideias que irão
ligar outros grupos, eles mesmos também se
movendo em sequência. Então, vemos que mesmo
dentro da categoria linguística em si — e se nos
concentrarmos apenas na potencialidade fonêmica
e semântica das palavras — já temos um
agrupamento de significados movendo-se em tempo
sequencial. Se adicionarmos dimensões da
categoria sônica — acento, tom, cadência, duração,
silêncio — essas linhas de expressão abrem o
campo da expressão inconsciente ainda mais
ampla, espessa e profundamente1.
Ele chama nossa atenção para as micro comunicações
sutis e fugazes que acompanham o conteúdo da narrativa do
paciente. Por exemplo, a ênfase temática pode ser transmitida
por uma súbita hesitação, uma mudança de volume ou uma
repetição. Uma palavra que se mantém recorrente é muitas
vezes um significante complexo, representando vários
significados que podem se relacionar com diferentes linhas de
pensamento inconsciente. Um momento de confusão sintática
pode indicar uma re-vivência rápida e subliminar de um micro
trauma passado que diferiu o afeto e a compreensão.
Alguns pacientes produzirão um non sequitur, um
comentário aparentemente sem conexão com o material
anterior. Bollas descreve esse fenômeno como uma associação
livre radical. Isso cria um momento marcante, muitas vezes
resultando em uma intensificação da percepção inconsciente
no analista. Numerosas mudanças de rumo indicam a fluidez
68
psíquica e a liberdade de fazer conexões inconscientes. Da
mesma forma, o surgimento de novas metáforas ou uma
vivacidade particular na escolha das palavras produz um
aprofundamento da comunicação.
Pode haver uma mudança na forma da apresentação do
paciente à medida que ele se abre para uma categoria de
comunicação diferente. Ele pode, por exemplo, passar da
narrativo para o projetivo, a fim de facilitar novas ideias
inconscientes. Às vezes, um período de reflexão silenciosa é
rompido por um surto de algo teatral ou infantil; uma quebra
na sintaxe adulta pode indicar a presença de uma parte
infantil do self. Em certo momento, o paciente pode parecer
expressar-se na voz de outra pessoa, muitas vezes sua mãe ou
pai. Essa articulação inconsciente de uma identificação
envolve uma convergência das categorias relacional e sônica.
Quando diferentes ordens de articulação são usadas ao
mesmo tempo para expressar a mesma ideia, isso estimula
uma intensidade particular do foco inconsciente. Em outras
situações, diferentes linhas de pensamento inconsciente
podem estar presentes simultaneamente. A narração de um
evento cotidiano talvez seja o que é mais importante na mente
do paciente, mas o analista pode surpreender-se, por exemplo,
com a falta de convergência entre as palavras articuladas e a
linguagem corporal observada. O paciente pode estar falando
dentro da transferência, mas, ao mesmo tempo, talvez ele
articule preocupações inconscientes bem diferentes por meio
da forma de sua sequência narrativa ou do efeito sonoro de
sua voz, o que pode enfatizar ou contradizer o sentido
consciente da narrativa.
Ficará claro que Bollas geralmente não compartilha a
visão de que um colapso na coesão psíquica constitui um
ataque à mente do analista. Ele sustenta que as justaposições
espontâneas de ideias aparentemente desconectadas, longe de
indicar uma rejeição do significado, são evidências de um
nível profundo de comunicação inconsciente. Certas formas de
expressões podem indicar uma defensiva: o paciente que é
loquaz ou irreverente, hesitando entre objetos superficiais,
sem permanecer numa posição por tempo suficiente para
pensar, pode estar evitando o engajamento analítico. No
entanto, o que pode parecer psicótico — fala agitada,
brevidade, urgência — também pode representar uma
inundação de conteúdos inconscientes.
O potencial de ramificação de cada categoria de
comunicação significa que muitos temas inconscientes serão
inevitáveis em qualquer momento. Em certos instantes,
alguns desses tópicos, como alguns instrumentos orquestrais,
podem ficar em silêncio por um tempo, mas isso não significa
que sua influência desapareça. Quando o analista opta por
fazer uma interpretação, isso irá destacar um certo aspecto,

69
mas sempre envolverá a exclusão de muitos outros. Enquanto
permanecer relativamente sem interferências, esta intrincada
e interconectada orquestração dará forma à sessão, conduzida
pelo inconsciente do paciente.
Certas categorias tendem a ser especialmente
congruentes com o idioma de qualquer indivíduo, e as várias
formas de comunicação requerem diferentes formas de
engajamento do analista. Com uma pessoa, ele pode
encontrar-se, com frequência, respondendo ao que é expresso
através do tom de voz, enquanto outro paciente pode se
comunicar de forma não verbal através de várias partes do
corpo enquanto se posiciona no divã. Nunca haverá dois
pacientes que proporcionarão ao analista a mesma
experiência, e cada clínico responderá com mais naturalidade
a certas formas de comunicação. Embora a consciência seja
expandida através de treinamento analítico, o analista nunca
pode escapar das predisposições de seu próprio idioma. Esta é
uma forma de conceituar a questão do “ajuste” entre clínico e
paciente.
A visão bollasiana do inconsciente, altamente complexa,
desenvolve-se a partir do conceito freudiano de “pontos
nodais”: pontos de intensidade psíquica formados pela
convergência de fios inconscientes. Na seguinte passagem d’A
Interpretação dos Sonhos, Freud descreve o mecanismo pelo
qual os vários significados de momentos relevantes do
devaneio são condensados em uma imagem de sonhos
hipercatexiada:
... [os pensamentos oníricos] geralmente surgem
como um complexo de pensamentos e memórias da
estrutura mais intrincada possível, com todos os
atributos das linhas do pensamento que nos são
familiares durante nossa vida em vigília. Não raro
essas são linhas de pensamento que se originam
em de mais de um ponto nodal, embora tenham
pontos de contato2.
Bollas enfatiza que este processo não se restringe aos
sonhos. Em qualquer momento durante o dia, estamos
operando em muitos planos sobrepostos de realidade
psíquica, com momentos de intensidade gerados
continuamente à medida que a nossa atividade mental interna
encontra objetos evocativos no mundo externo. São nesses
momentos de altíssima intensidade que os genera psíquicos
são criados. Bollas descreve a textura do inconsciente em
“Transformações psíquicas” (MF):
Nosso inconsciente é uma fábrica dinâmica de
pensamento que vai tecendo “infinitas” linhas de
pensamento, as quais se combinam e se expandem.
Algumas das linhas juntam-se por um tempo e
criam pontos nodais e é por isso que um peso
70
psíquico acentuado pode vir à consciência, mas, ao
longo de todo o tempo, é claro, existem, nesta
fábrica expansível, milhares e milhares de outras
linhas de pensamento que continuam
separadamente. [...]
Essa combinação infinita de pensamento
emergentes é, na minha opinião, a teoria central de
Freud do inconsciente e claramente um modelo de
desenvolvimento mental3.
Este processo de intensificação e ramificação também se
manifesta como uma dualidade em nossa experiência
subjetiva. Em “Dissemination” (CUP), Bollas descreve como,
momento a momento, oscilamos entre foco psíquico e um
estado de dispersão.
Para tomar um exemplo cotidiano: estamos caminhando
pela rua em estado de devaneio. De repente, algo chama a
atenção e temos uma experiência de intensidade psíquica. O
objeto “mantém a nossa atenção” — contém nossa
subjetividade — e então nos encontramos dividindo-nos em
uma rede de pensamentos, memórias e sentimentos
associados. Aí seguimos em frente. À medida que o objeto sai
de nosso campo visual, também deixa, aos poucos, nossa
mente; as associações se dissolvem em nossa consciência e
retornamos a um estado disperso, onírico, até que outro
objeto reivindique nossa atenção. Quanto mais profunda a
intensidade do momento, mais ela se disseminará em
pensamentos constitutivos divergentes. Bollas escreve:
...enquanto pensamos em pessoas, lugares,
eventos, eles sempre estão ligados a um grupo de
ideias (quer nos lembremos ou não) e é esse
movimento do grupo de ideias, ou constelações de
pensamento, que eu acredito que melhor
caracteriza o modo como pensamos4.
Este modelo propõe um nível de criatividade no
inconsciente que confronta o psicanalista com uma
complexidade quase desconcertante. Quando um analista faz
o relato de uma sessão a colegas, muito mais será deixado de
fora do que será comunicado, e algumas categorias de
comunicação são mais fáceis de se transmitir para um terceiro
que outras. É impossível captar suficientemente em palavras
uma mudança subtil na atmosfera ou as nuances do tom de
voz de uma pessoa. Via de regra, a totalidade da experiência
será simplificada e, até certo ponto, deturpada, e o tópico que
um analista escolhe para discutir com um paciente pode não
ser o que pareça a outro analista como a questão mais
prevalente.
Por mais tentador que seja, em tais discussões clínicas,
tentar identificar exatamente o que está acontecendo, será
impossível para o analista seguir, com plena consciência, mais
71
do que algumas das linhas de pensamento presentes. Pode ser
uma lição de humildade perceber o quanto deixamos passar,
contudo, também pode ser salutar se isso nos afastar do
reducionismo e simplificação em nossa compreensão do que
está acontecendo em uma sessão.
Pode ser que o paciente esteja apegado a uma versão
simplista de si mesmo, levando o analista a manter uma
consciência dos aspectos mais profundos do mundo interior
do analisando. Quando esses pacientes começam a encontrar
sua complexidade psíquica — confrontados, talvez, com um
momento de pensamento ou contradição paradoxal — às vezes
eles sentem que devem estar mentindo. Eles têm uma
necessidade de se limitarem a um único significado, porque
sem essa certeza eles arriscam um sentimento de
desintegração. Nesta situação, muitas vezes resulta em um
grande alívio descobrir que as contradições podem ser
sancionadas e até mesmo recebidas pelo analista que, longe
de demandar um apego inflexível ao que seja “verdadeiro”, ele
ajuda a transformar um medo em uma sensação de
possibilidade criativa. Bollas escreve:
“A técnica praticada por um psicanalista reconhece
implicitamente a complexidade densa e móvel que é a
elaboração fragmentária do idioma do paciente” 5.
A saúde psíquica, podemos supor, é um estado
relativamente simples que se torna complicado pela patologia.
No entanto, Bollas contrapõe-se a essa suposição: sintomas
patológicos produzem restrição e funcionamento simplificado,
enquanto a saúde implica uma capacidade de experiência
intrapsíquica em constante expansão. Ele adverte os clínicos
psicanalíticos sobre a limitação de uma preocupação com a
patologia; ele considera o potencial criativo da complexidade
inconsciente como um aspecto mais fundamental da mente do
que sintomas, repressão, resistências ou transferências. Ele
escreve:
Se tivesse que escolher uma área na qual eu
acredito que a psicanálise sofre de uma cegueira
devastadora, seria esta: a falta de compreensão da
criatividade inconsciente do analisando6.

Notas
1. Bollas, C. A Questão Infinita, p.27.
2. Freud, S. (1900) “The interpretation of dreams’, The
Complete Psychological Works de Sigmund Freud, ed. Strachey,
J. (Londres: Hogarth) IV, pp.310-11.
3. Bollas, C. “Transformações psíquicas”, MF p.17.
4. Ibid., p.29.

72
5. Bollas, C. “A separate sense”, CUP p.40.
6. Bollas, C. “Articulações do inconsciente”, MF p.54.
Capítulo 9
Associação livre

Textos essenciais
“Free Association” (EOW)
“The goals of Psychoanalysis” (MT)
“Creativity and psychoanalysis” (MT)
A Questão Infinita
Conceitos-chave: vínculos fonêmicos; palavras polissêmicas;
transformadores de idiomas; lógica da sequência; cadeias de
perguntas e respostas.

Com o modelo de complexidade inconsciente em mente,


passamos agora para o que é provavelmente a contribuição
mais extensa de Christopher Bollas para a teoria da técnica
clínica: seu desenvolvimento do conceito de associação livre.
Ele descreve as inovações clínicas fundamentais de Freud
como “a realização mais revolucionária da psicanálise” 1.
Embora o uso da associação livre sempre tenha sido
uma característica proeminente, tanto de sua própria
abordagem clínica como em seus debates com colegas, nos
últimos 15 anos a defesa dessa técnica tornou-se uma
campanha apaixonada. Com sua monografia intitulada Free
Association (publicada pela primeira vez em 2002 pela Icon
Book e reimpressa como o primeiro capítulo de The Evocative
Object World), e, mais tarde, com A Questão Infinita, Bollas
oferece uma exploração abrangente da teoria e prática da
técnica psicanalítica de Freud. Embora, em seu trabalho
clínico, também faça uso integral de muitos outros aspectos
da teoria e da prática, ele considera a associação livre uma
ferramenta central em todos os pontos de uma análise e em
todas as patologias, desde a neurose até a esquizofrenia.
Não é possível incluir todos os elementos de suas
discussões sobre este tema, e os aspectos técnicos detalhados
não serão abordados aqui. Sua maneira de trabalhar aparece
em vinhetas clínicas ao longo de seus escritos, mas sua
discussão técnica mais extensa é encontrada em A Questão
Infinita.
Embora reconheça que o foco britânico na relação de
transferência tenha produzido entendimentos inestimáveis,
Bollas salienta que isso também trouxe uma mudança de
ênfase e, com ela, um desvio radical da principal via freudiana
73
para a compreensão do inconsciente. A associação livre
passou a ser considerada como algo dado, e hoje,
especialmente no Reino Unido, ela gera pouca curiosidade ou
exploração e geralmente é abordada de forma insuficiente nos
treinamentos clínicos, tornando-se um pressuposto cuja
importância só diminui.
No entanto, se a associação livre tem sido marginalizada
na prática moderna, Bollas sugere que isso se deve, em parte,
às muitas revisões que ocorreram no próprio trabalho de
Freud. Desde o início, o foco psicanalítico mudou-se
continuamente: desde a descoberta de ideias recalcadas e
desejos instintivos latentes até a remoção de resistências, e
depois a liberação da libido de suas fixações e a libertação do
ego. Esses vários objetivos representam diferentes desejos no
analista e, assim como os campos de interesse em
desenvolvimento de Freud trouxeram novos objetivos, ele se
interessou mais pelo que foi produzido por associação livre do
que pela eficácia do próprio método. O conteúdo substituiu a
forma, desviando a atenção da profunda complexidade da vida
mental para manifestações específicas de patologia.
Se aceitarmos que a associação livre proporciona acesso
aos conteúdos inconscientes, nossa compreensão deste
conceito vai depender do nosso modelo de inconsciente. Por
exemplo, se pensarmos desde o ponto de vista do modelo
freudiano de recalque, devemos esperar que as associações do
paciente revelem indícios de material censurado e
egodistônico. Por outro lado, se a mente do analista focar a
transferência como o aspecto inconsciente central, ele estará
atento à evidência disso na narrativa do paciente.
E quais são as implicações para esta técnica da teoria de
Bollas sobre o inconsciente receptivo?
Ao propor uma psique constituída de uma teia de ideias
associadas em constante evolução, ele expande amplamente o
alcance do conceito de associação livre. Como observou Freud,
não são apenas as imagens oníricas que são saturadas de
condensação de pensamentos relacionados; em nossas vidas
em vigília, nós também pensamos de forma associativa. Na
situação clínica, a associação livre (a que Bollas às vezes se
refere como conversa livre) é, antes de tudo, um meio de obter
acesso ao fio desta complexa rede interna, já que as ideias
anteriormente não pensadas encontram seu caminho para a
consciência através dos detalhes narrados da vida cotidiana.
Bollas empenha-se em re-focalizar nossa atenção na
descoberta original e profunda de Freud como base para a
prática psicanalítica, e ele começa sua exploração lembrando
o leitor desde o básico. Com o analista em um estado de
“atenção uniformemente suspensa”2. O analisando é
encorajado a expressar seu monólogo privado e interno, que é,
assim, trazido para um diálogo como parte de um
74
relacionamento singular de duas pessoas. Ele enfatiza que
Freud dá uma ênfase especial, não a pensamentos
desagradáveis que são, por certo, recalcados dinamicamente,
mas àqueles que parecem triviais e irrelevantes. Se o
analisando simplesmente expressar o que ele quiser, em sua
constante narrativa privada, surgirão vínculos que trazem
detalhes inesperados do inconsciente para a superfície.
A ideia é radical: o paciente deve dispensar a busca pelo
saber e simplesmente relatar o que há, naquele instante, em
sua mente consciente. Contrariamente às expectativas de
muitas pessoas que iniciam um tratamento psicanalítico, o
processo não depende do paciente se forçar a contar seus
pensamentos escondidos mais perturbadores. Como Freud,
Bollas sugere que paciente iniciante simplesmente fale sobre o
que está passando por sua mente. Contudo, ele enfatiza a
necessidade de ser específico. A tendência de generalizar ou
oferecer “manchetes” desativa a participação inconsciente do
analista e do paciente. É através da imersão nos detalhes,
mesmo que sejam aparentemente insignificantes, que fala o
inconsciente.
Neste contexto, o que queremos dizer com a palavra
“livre”? Nunca podemos ser livres da censura inconsciente —
de fato, como mostrou Freud, é inevitável que o processo
associativo livre revele conflitos inconscientes, e estes são um
aspecto valioso da comunicação do paciente. Mas outras
liberdades são cruciais: a liberdade de não planejar os
conteúdos da sessão, para que a lógica do pensamento
inconsciente possa revelar-se; a livre circulação entre temas; a
liberdade de se interromper uma linha de pensamento sem
explicação se outros pensamentos intercorrerem. Existe
também a liberdade das convenções da linguagem relacional
comum e da exigência social de considerar as necessidades da
outra pessoa.
De forma mais central, ainda, existe a liberdade de não
ser coerente. Não exigimos que os pacientes se apresentem de
forma consistente ou inteligível. Bollas reconhece que eles
podem experimentar alguma ansiedade inicial sobre essa
atividade incomum; “no entanto, com o tempo, eles podem
apreciar essa notável e estranha liberdade de falar em
fragmentos, cada um referindo-se a pequena “aparição” de
uma ordem de pensamento diferente”3.
Ao propor uma união implícita dos conceitos freudiano
de freie Assoziation (a ligação de ideias) e freier Einfall (a
“entrada” na consciência de um pensamento inesperado),
Bollas descreve o processo associativo livre da seguinte forma:
...falando sobre o que está na mente, passando de
um tópico para outro em uma sequência livremente
móvel que não segue um roteiro. O analista pode
encorajar o paciente a expor esses pensamentos
75
provenientes dos interstícios mentais e, como
Freud, irá enfatizar a necessidade de interromper
uma narrativa se surgirem outros pensamentos;
mas, mesmo que pacientes raras vezes alcancem
isso completamente, contudo eles estão realizando
associações livres ao transitarem com autonomia de
um tópico para outro em uma hora analítica4.
A associação livre reflete, de várias maneiras, todas as
dualidades que encontramos no pensamento bollasiano. O
materno e o paterno conduzem formas opostas de desejo: a
articulação expansiva que dá forma ao nosso idioma, versus o
instinto epistemofílico focado — a pulsão do saber. Em vista
do desejo consciente de Freud por certezas mecanicistas e
científicas, sua invenção da associação livre foi um movimento
inconsciente bastante marcante. Bollas escreve: “ao propor
esse tipo de fala, Freud liberou-nos para sermos
continuamente misteriosos para com nós mesmos e para com
os outros”5.
Ele sugere que a técnica da associação livre subverte, de
modo fundamental, a ordem patriarcal ocidental que privilegia
a consciência e o pensamento objetivo. Quando o analista
perscruta a narrativa do paciente, instando associações para
uma palavra ou uma ideia, a estrutura paterna da mente
inconsciente é desafiada. O cenário psicanalítico em si tem as
características do maternal — o paciente reclina-se,
submetendo-se ao cuidado do analista, em uma atmosfera
imbuída de comunicação inconsciente. Aqui, Bollas liga o
relacionamento clínico com a díade materna:
O analista, em um estado de suspensão uniforme
— não intrusivo, concentrado, receptivo, onírico —
obtém esta técnica de apresentação dos
constituintes da criatividade materna. E, assim
como a mãe recebe e transforma as comunicações
da criança, transmitindo através de cada momento
do cuidado materno um tipo de devoção ao
desenvolvimento do idioma da criança, do mesmo
modo a função do psicanalista dentro da ordem
materna provoca efetivamente a apresentação do
idioma do analisando com vistas a uma melhor
articulação6.
A associação livre envolve uma espécie de cisão. No
entanto, esta não é a divisão defensiva relatada por Klein, que
é um prelúdio para a projeção, livrando o self dos conteúdos
indesejados. Esta é uma fragmentação em inúmeros fios
associados de significado, e é uma maneira de entrar em
contato com as partes inconscientes relacionadas da mente.
Se essa decomposição de significado não acontece — em casos
de extrema obsessão, por exemplo, ou depressão grave — a
consciência torna-se estática em vez de fluida. Bollas escreve:

76
A associação livre é uma destruição criativa [...]. É
essencial para liberdade pessoal fragmentar
unidades lúcidas de pensamento, para que a
consciência não se torne uma forma de
encarceramento ideacional. De fato, quanto mais
profunda a intensidade psíquica, menos
permanente é seu registro na consciência, pois as
ideias que dela derivam logo engendram uma
plenitude de pensamentos adicionais e divergentes
que se disseminam de múltiplas maneiras7.
Dentro deste equilíbrio flutuante — materno/paterno,
foco/disseminação — o analisando que associa livremente
apresenta ao analista alguns vislumbres de seus pensamentos
latentes. Se a narrativa puder progredir com naturalidade,
elos inconscientes serão encadeados e, por fim, os temas
chegarão à consciência de forma pensável. Em outras
palavras, se não houver interferência no inconsciente, ele
usará a situação analítica para articulação, exploração e
compreensão.
A teoria bollasiana de um inconsciente infinitamente
complexo é, como já vimos, muito diferente do modelo de
recalque freudiano. No entanto, ao se concentrar nos
múltiplos aspectos coexistentes do mundo interior do
paciente, ele desloca a perspectiva da associação livre para
ajustá-la à concepção freudiana do inconsciente sofisticado
que cria o sonho. Ele escreve:
A teoria de Freud sobre a densidade dos processos
inconscientes, integrada em sua teoria das linhas
de pensamento que se cruzam, significa que
nenhuma sessão poderia se concentrar na
recuperação de uma ou mais ideias recalcadas
particulares. Haverá pontos de convergência, e às
vezes isso trará a descoberta de material esquecido
que pode elucidar a estrutura de um sintoma ou
ajudar a desvendar o significado de um sonho8.
A relação do analisando está entrelaçada a todas essas
complexidades, em todas as áreas da vida, com objetos
evocadores. A análise que Bollas faz de nosso encontro com o
mundo exterior (discutido no capítulo 7) aprofunda nossa
apreciação das ressonâncias na narrativa do paciente e
enriquece nossa percepção da expressão do idioma. Ele
escreve:
Por meio da associação livre o paciente seleciona
inconscientemente objetos de desejo e articula,
através desses objetos, experiências evolutivas do
self [...]. Estamos falando aqui, é claro, de objetos
mentais: de objetos que entram na mente através
dos quais os estados nascentes do self são
liberados para a articulação9.
77
Agora vamos observar em maiores detalhes quatro
aspectos da livre associação que Bollas considera cruciais: o
significado fonêmico das palavras; a lógica da sequência
inconsciente que rege a narrativa do analisando; a presença
de um processo subjacente de perguntas e respostas; e o valor
terapêutico intrínseco do processo associativo livre.
O interesse de Bollas pelo aspecto fonêmico da
associação livre reflete seu interesse pela psicanálise francesa.
Em “Dissemination” (CUP), ele retoma a ideia de Lacan de que
uma palavra individual pode se tornar um significante
complexo em virtude de sua estrutura sônica:
A teoria de Lacan do significante indica uma lógica
de operação através da estrutura da linguagem [...]
a compreensão do simbólico nos permite apreciar
milhares de evoluções lógicas separadas que
transbordam de um único evento, cada um dentro
de sua própria cadeia lógica10.
Embora o paciente possa escolher uma determinada
palavra para um significado conscientemente pretendido, o
analista pode encontrar-se atingido por algo no som da
palavra que sugere vínculos inconscientes bem diferentes.
Algumas palavras são polêmicas; suas sílabas individuais
proporcionam raízes para novas associações, introduzindo
novos grupos de ideias que, por sua vez, produzirão sua
própria cadeia de significância psíquica. Como uma imagem
de sonhos sobredeterminada, os significados múltiplos podem,
portanto, ser condensados em uma única palavra evocativa.
Bollas considera a escolha de tal linguagem, pelo analisando,
como uma atividade criativa inconsciente. Registrados muitas
vezes subliminarmente pelo analista, os nexos fonêmicos são
uma das maneiras pelas quais as mentes inconscientes do
analisando e do analista se comunicam diretamente, sem
envolver a consciência.
A presença de conteúdo latente e um desejo inconsciente
de se comunicar são indicados por recursos linguísticos como
trocadilhos, rimas, repetições e metáforas indicam. No
entanto, as palavras também podem ser usadas para manter o
outro fora, e o analisando que se defende intransigentemente
do contato com o mundo interior tende a evitar o uso de
formas de linguagem tão ressonantes. Em “Doença Normótica”
(SO), Bollas cunha o termo “transformadores linguísticos” 11.
Estas são frases clichê: “Você sabe o que quero dizer”; “É
realmente estranho”; “É o meu pior pesadelo” — que pode ser
usado casual e habitualmente pelo analisando como um meio
inconsciente de despojar o discurso de significado evocativo,
idiomático e bloquear comunicação.
Estará claro, a partir da discussão da complexidade
inconsciente no Capítulo 8, que, em qualquer momento da
sessão, muitas formas distintas de lógica estão presentes e
78
ativas. Existe a lógica da projeção, na qual a análise se torna
um teatro de múltiplos selves e múltiplos objetos. Existe a
lógica da transferência e contratransferência, na qual
elementos de relações anteriores são inconscientemente
reeditados. Há também a lógica apresentada pelas
manifestações da estrutura do personagem. Para Bollas, no
entanto, o componente central no processo associativo livre é
o que Freud denomina a lógica da seqüência12.
Isso se refere ao significado inconsciente e latente
contido na sequência de tópicos aparentemente desconectados
que aparecem no decorrer de uma sessão. O ponto crucial
aqui é que o significado não reside apenas no conteúdo
manifesto e latente do que é dito, mas no pensamento
inconsciente que liga um conjunto de ideias ao próximo. Bollas
considera que esta é uma forma mais significativa de
representação inconsciente do que os vislumbres ocasionais
de material recalcado fornecido pelos deslizes e significados
não intencionais do analisando, pois dá acesso à vasta rede de
associações que compõe o inconsciente receptivo. Em A
Questão Infinita, ele usa exemplos clínicos extensos para
rastrear a lógica inconsciente revelada à medida que o
material do analisando vai se desvelando.
O aspecto sequencial da narrativa analítica é análogo à
lógica inerente em uma peça musical. Objetivamente, a
música ocorre no tempo, e a experiência subjetiva do ouvinte
é também um desdobramento temporal. Não faria sentido
explorar, ou tentar entender, uma obra musical a não ser na
sequência em que está escrita e é ouvida. As primeiras
declarações de um paciente em uma sessão são bastante
similares aos momentos iniciais de harmonia em uma peça
musical ou as primeiras notas de uma melodia: podemos
esperar interpretá-las somente depois de terem adquirido
significado dentro de um contexto, uma vez que a sequência
lógica tenha sido estabelecida.
Sempre que o analista intervir na narrativa, o analisando
terá uma resposta às interpretações, e isso é suscetível de
perturbar a trajetória anterior da sequência inconsciente. No
entanto, Bollas ressalta que uma técnica baseada na
associação livre responde, pelo menos em parte, a acusação
de falta de objetividade da psicanálise. Ele escreve: “A ordem
da apresentação dos pensamentos é um texto oral e constitui
a integridade da evidência do analisando na hora clínica” 13.
A apresentação narrativa não é o único ingrediente na
situação clínica a ser estruturado dessa forma. Se lembrarmos
da analogia da partitura orquestral, representando as
múltiplas formas de comunicação que coexistem durante uma
sessão, ficará claro que operamos simultaneamente dentro de
várias formas diferentes de lógica sequencial. As sequências
de tons de voz, expressão corporal, humor e emoções, por

79
exemplo, evoluirão ao longo da sessão e também serão
indicadores de significado inconsciente. Bollas escreve:
Por causa da natureza do trabalho do sonho —
condensação, deslocamento, substituição,
compósitos, e assim por diante — qualquer ideia
inconsciente vai viajar por muitas formas
diferentes. Ela pode ser embalada dentro de uma
imagem que contém outras ideias, deslocadas como
um afeto em outro pensamento “inocente”,
substituído por uma “suplente”, comprometida pela
fusão com outro objeto único. Seguir qualquer
cadeia lógica significa viajar pelas trilhas que se
movem através de diferentes formas de
representação. Assim, quando uma ideia
inconsciente segue seu caminho sequencial, ela se
move dentro e fora de vários modos de articulação
para se completar14.
Em A Questão Infinita, ele explora um outro problema.
Ele descreve como ele notou, progressivamente, no decorrer de
seu trabalho clínico, que é muito comum os pacientes
iniciarem uma sessão com uma pergunta. Esta pode ser
implícita ou explícita, consciente ou inconsciente. Uma vez
que a questão inicial foi colocada, as associações
subsequentes do paciente, embora possam parecer não
relacionadas, muitas vezes inconscientemente fornecem uma
resposta que, por sua vez, anuncia uma série de questões
adicionais. O questionamento pode ser ansioso e obsessivo, ou
libertador e transformador; as respostas podem ser previsíveis
e supressivas ou inesperadas e generativas. Qualquer
compreensão é baseada em uma questão implícita, e isso tem
uma profunda implicação: a associação livre é uma forma de
pensamento inconsciente.
Assim como as ondas sonoras têm comprimentos de
onda diversos, produzindo variadas amplitudes, os pontos
temáticos de uma análise aparecem em periodicidades
distintas. Se o analisando apresentar uma questão complexa,
algumas vertentes de significado podem esperar até futuras
sessões se tornarem elaboradas. Cada pessoa tem seu próprio
ritmo psíquico e os pensamentos voltam à consciência após a
operação inconsciente necessária ter sido alcançada. As
mesmas perguntas podem ser recorrentes durante uma
análise e elas vão acarretar respostas diferentes com o passar
do tempo. As peças do quebra-cabeças mental podem circular
por muito tempo antes do momento em que são organizadas
em uma imagem que traz informações criativas.
Na música, descobrimos também que os padrões de
perguntas e respostas estão em todos os lugares, formam a
relação entre os fragmentos de frase mais pequenos para a
estruturação arquitetônica de movimentos inteiros ou mesmo

80
obras completas. (Para uma experiência de uma “resposta”
emocional mais profunda, pense no impacto psíquico do coro
final da Paixão de São Mateus de Bach.) Essas variações de
escala correspondem às periodicidades variáveis de perguntas
e respostas, tal como aparecem no material analítico, desde a
inter-relação das frases verbais adjacentes até a meta-
estrutura de uma análise, à medida que ela evolui ao longo de
vários anos.
Tal como, teoricamente, não haveria um ponto final na
interpretação de um sonho, a sequência de perguntas e
respostas também é um processo potencialmente infinito.
Bollas escreve: “esse interrogatório parece ser o impulso do
processo do próprio pensamento, como se, desde o
nascimento até o instante da morte, vivemos em um estado de
contínuo questionamento sobre nossas vidas”15.
No capítulo 11 de A Questão Infinita, Bollas ilustra esse
impulso fundamental, mostrando como dois dramas seminais,
Édipo Rei e Hamlet, são movidos, do início ao fim, por
perguntas após perguntas. Ele sustenta que essas grandes
peças simbolizam o modo como nossa mente funciona.
Sófocles e Shakespeare estão, essencialmente, perguntando:
que eu sei que ainda não foi pensado? Bollas escreve: “a força
do questionamento reside na pressão exercida sobre a mente
para pensar um conhecimento não pensado”16.
Parece, portanto, que a lógica da pergunta e resposta
(relacionada à pulsão epistemofílica) é uma forma intrínseca,
um modelo na psique humana que é, por si só, formativo e
criativo, precedente e independente de qualquer referente
conceitual específico. Bollas sugere que isso se origina na
infância, assim que o bebê começa a tomar consciência do
abismo entre a mente maternal e a sua. Um sentimento de
perplexidade para com as coisas que não podemos alcançar,
conscientemente, permanece conosco, simbolizado pela
experiência intrigante e misteriosa do sonho. Ele afirma que, à
medida que crescemos e envelhecemos, tornamo-nos menos
dedicados a buscar soluções e mais intrigados ante a
constatação de que o processo de questionamento nunca se
torna obsoleto pelas respostas.
Até agora consideramos algumas das muitas formas de
comunicação presentes no material da associação livre.
Embora imensamente valioso para os conteúdos inconscientes
que revela, Bollas também vê o processo de associação livre
como terapêutico em si mesmo, como mentalmente formativo
tanto para o analisando quanto para o analista. Esse processo
desenvolve capacidades inconscientes, e isso, para Bollas,
constitui o objetivo mais profundo e central do tratamento
psicanalítico.

81
Mas pode-se esperar que esta técnica funcione em todas
as circunstâncias? Um paciente que está severamente
perturbado é capaz de fazer associações livres?
Bollas efetivamente afirma que esse método desenvolvido
por Freud pode e deve ser a base do trabalho psicanalítico
com todos os tipos de patologia. Assim como o paciente
neurótico “normal” vai ter suas teorias conscientes sobre si
mesmo libertadas por suas descobertas associativas, o
simples processo de falar em detalhes sobre a vida cotidiana
pode fornecer um contraponto aos mecanismos patológicos
que mantêm preso o paciente gravemente doente. Bollas
escreve: “O gênio terapêutico deste método é que ele, bastante
naturalmente, faz colapsar a autoridade paralisante de
qualquer sintoma ou estrutura patológica”17.
Comecemos com a patologia borderline. A experiência
interior da pessoa borderline é geralmente baseada na busca
de diferenças turbulentas com seus objetos. O convite para
relatar os acontecimentos de sua vida comum pode enfurecê-
la, porque essas questões parecem-lhe como desvios
irrelevantes. Ela prefere reiterar sua teoria sobre o quão mal o
mundo a trata e apresentar generalizações que sirvam para
corroborar sua mágoa central. No entanto, se o analista
calmamente persistir em encorajá-la a falar específica e
detalhadamente sobre sua vida, a pessoa começará, a despeito
de si mesma, entrar em contato com ilhas de criatividade
comum no ego, e isso irá facilitar, pouco a pouco, a formação
de objetos internos novos e menos contaminados — ou seja, o
início dos genera psíquicos. Como ela é encorajada a ouvir
suas próprias associações, ela começa a renunciar ao seu
vício exclusivo para um mundo interior tóxico e se torna mais
capaz de habitar seu ambiente. Aos poucos, ela adquire um
lugar para estabilizar-se e começar o trabalho de exploração
analítica.
Bollas sugere que o paciente esquizofrênico experimenta
a repetida dissolução de seu ser. Esta é uma vida vivida
dentro de uma forma fragmentada de lógica onírica que pode
parecer sem sentido aos outros. Na verdade, o analisando está
falando diretamente do inconsciente, porém ele não consegue
refletir sobre o que diz, e pode não ter acesso ao entendimento
do sentido de suas próprias palavras.
Nesta situação, afirma Bollas, é vital ouvir com especial
atenção o que o paciente esquizofrênico está realmente
dizendo. Ao interromper o fluxo do discurso psicótico para
comentar em detalhes sobre o que o paciente acabou de dizer,
o analista mostra-lhe que suas ideias são, de fato, de intenso
interesse e, além disso, que podem ser reflexionadas. Ao
ajudar o paciente a se escutar dessa forma, as partes não
psicóticas da mente se tornam capazes de um pensamento de
processo secundário que é reconhecido por ambos os

82
participantes e, dessa forma, ele começa, de forma gradativa,
a decodificar um pouco do significado codificado dentro de
sua loucura aparente.
No caso da doença maníaco-depressiva, Bollas considera
como prioritário ajudar o paciente a se reconectar com os
eventos específicos da vida que precipitaram o colapso
psíquico e reapresenta-lo à lógica comum de sua história,
seus relacionamentos e responsabilidades. Um tanto quanto a
borderline, a pessoa maníaca resistirá a isso, descartando a
estratégia como trivial e irrelevante. No entanto, insistir em
detalhes ajuda a diminuir o episódio maníaco, reinserindo o
paciente de volta em seu mundo cotidiano. Isso facilita o
retorno dos aspectos depressivos cindidos da personalidade e
reduz a intensidade da mania.
Na fase depressiva da doença, o paciente experimenta
uma perda de iniciativa sufocante, e ele apresentará uma
intensa relutância em animar-se a descrever os detalhes da
vida comum. No entanto, se o analista insiste delicadamente
no exame da experiência vivida, isso reestabelece os vínculos
com o mundo exterior e reduz o foco depressivo na renúncia e
autopunição.
Em todas essas situações, o analista está demonstrando
uma escuta diligente e diferenciada, provando que ele está
imerso em aspectos da vida do paciente que o próprio paciente
está desconsiderando. O analista-como-ouvinte gradualmente
torna-se internalizado, e os significados inconscientes,
inerentes às palavras do analisando, expandem-se em um
vocabulário compartilhado de conhecimento e compreensão.
Quando persiste em incentivar a associação livre, o analista
ajuda o paciente a ver o que é comum em estados de espírito
aparentemente extraordinários, e isso ajuda a desconstruir o
domínio do pensamento psicótico.
À medida que associamos livremente com sonhos,
memórias e eventos da vida atual, chegamos a insights
presentes, mas também semeamos a semente de explorações
futuras. Mais uma vez é uma questão de forma versus
conteúdo: por mais significativos que sejam os momentos
individuais de realização, isso sempre será secundário ao
inestimável processo de re-formar e ampliar constantemente
nosso entendimento, liberando-nos das “garantias mentais” de
certeza.
Esta abordagem permite que o analisando expanda seu
relacionamento com a rede de ideias associadas em sua
mente, apenas ocasionalmente reduzindo o foco quando há
algo específico — pode ser um sintoma, um elemento de
patologia do caráter ou implementação da transferência — que
está pronto para ser entendido. Se ele pode explorar suas
associações sem ser limitado por significados prematuros, isso
permite que ele desenvolva uma consciência e uma
83
curiosidade sobre a complexidade de seu mundo interior. Esta
maneira de trabalhar reflete a confiança central de Bollas, não
só na sabedoria do inconsciente do paciente, mas no valor da
capacidade do analista de responder inconscientemente.
O paciente que está imerso no processo analítico muitas
vezes espera suas próximas sessões com uma mistura de
ansiedade, curiosidade e antecipação, e a experiência
expansiva de descobrir novas conexões com o inconsciente
pode ser profundamente criativa. Bollas descreve um prazer
intrínseco na liberdade de articular o mundo interno, algo que
é bem conhecido pelos psicanalistas e analisandos, mas que é
raramente discutido. O fato de que a elaboração criativa do
idioma parece prazerosa em si desafia a noção kleiniana de
que a criatividade evolui para fazer uma reparação
inconsciente do dano. Na visão bollasiana, a criatividade não
pressupõe a culpa; o que ela pressupõe é a busca pela
transformação do self. Em ‘Creativity and psychoanalysis”
(MT), ele escreve:
Quando inicia a análise, uma pessoa nunca mais
será a mesma. Ela terá encontrado um novo objeto
para a transformação do self e não há nada como
isso, assim como não há nada como a pintura,
nada como poesia e nada como música18.

Notas
1. Bollas, C. “The goals of psychoanalysis?”, MT pp. 68-9
2. Freud, S. (1923) “Two encyclopaedia articles”, The Complete
Psychological Works de Sigmund Freud, ed. Strachey, J.
(Londres: Hogarth) XVIII.
3. Bollas, C. “Introduction”, MT p.2
4. Bollas, C. “Free association”, EOW, pp. 8-9 (original italics)
5. Bollas, C. “Introduction”, MT p.1
6. Bollas, C. “Free association”, EOW, pp.37-8
7. Bollas, C. “Dissemination”, CUP p.53
8. Bollas, C. A Questão Infinita, p.135
9. Molino, A (ed.) (1997) Freely Associated: Encounters in
Psychoanalysis. London: Free Association Books, pp.22-23
10. Bollas, C. “Dissemination”, CUP p.61
11. Bollas, C. “Doença normótica”, SO pp. 154-5
12. Freud, S. (1933a) “New introductory lectures on pscyho-
analysis”, SE XXII.
13. Bollas, C. “Articulações do inconsciente”, MF p. 57 (itálico
original)
14. Bollas, C. A Questão Infinita, p.10 (itálico original)
84
15. Ibid., p.22
16. Ibid., p.144
17. Bollas, C. “Introduction”, MT p.2
18. Bollas, C. “Creativity and psychoanalysis”, MT p.176

Capítulo 10
O par freudiano

Textos essenciais
“O Muro e as interpretações” (FD)
“O uso da associação livre pelo psicanalista” (SP)
“Communications of the unconscious” (CUP)
“Interpretação de transferência como resistência à associação
livre” (MF)
“The necessary destruction of psychoanalysis” (MT)
Conceitos-chave: a dialética da diferença; estados de self
simples e complexos

O tópico da relação analítica é abordado sob diversos


ângulos ao longo dos escritos de Bollas. Este capítulo
considerará algumas das implicações de suas ideias teóricas
sobre a parceria única que ele chama o par freudiano — o
relacionamento criado quando o paciente, em associação livre,
encontra a “atenção uniformemente suspensa” do analista.
Bollas descreve isso como “a descoberta revolucionária de
uma nova relação de objeto”1.
Todos os aspectos do seu modelo de metapsicologia estão
presentes no consultório: o inconsciente receptivo e os genera
psíquicos, a elaboração do idioma através da seleção e uso de
objetos, a complexidade infinita do inconsciente, a
apresentação e representação do self e o potencial singular da
associação livre. O relacionamento analítico também
85
incorpora as várias dualidades que sustentam seu
pensamento: materno e paterno, subjetivo e objetivo,
disseminação e foco, forma e conteúdo.
Bollas deixa claro para o novo paciente que a psicanálise
será um esforço conjunto:
Penso que é uma parte importante da aliança
terapêutica o analista informar o analisando sobre
como ele ou ela está criando a análise. Por mais
importante que seja o papel do analista, este papel
é, em última instância, dependente do que o
paciente cria. A maioria dos analisandos é
inconsciente de sua própria criatividade. Ao refletir
sobre suas muitas linhas de pensamento,
indicamos ao analisando quão rica é a fonte de
pensar que ele ou ela realmente é2.
No capítulo 6 discutimos o conceito de interformalidade
de Bollas. Uma reestruturação sutil e inconsciente de ambos
os selves ocorre em qualquer encontro entre duas pessoas e a
relação colaborativa do par freudiano não é exceção. Embora a
sessão analítica se baseie nas associações livres do paciente, o
processo opera entre analista e analisando. Além de ser
absorvido nas narrativas, sonhos, história e conflitos do
paciente, o analista também está envolvido em um tipo de
intimidade mais sutil: o efeito direto da apresentação do self
do paciente. Bollas escreve:
...existe um outro tipo de saber, o trabalho de “in-
formação”, pois o caráter particular de uma pessoa
afeta o outro como um idioma de apresentação.
Então, há o conhecimento do conteúdo e posso
descrever o que meu paciente diz ao contar-me seu
sonho. No entanto, não posso descrever o idioma ou
o estilo de apresentação. Eu teria que ter estado lá
e experienciado pessoalmente, visto que este
conhecimento é, em geral, impensável e
irrepresentável3.
Os temas abordados conscientemente serão conduzidos
por inúmeros fios de interesses psíquicos, e a compreensão
será o resultado de um discurso interno paralelo e
mutuamente receptivo dentro dos dois participantes. O
analisando perceberá essa intersubjetividade inconsciente,
através dos detalhes da resposta do analista, que dependerá
de um sentido intuitivo do que dizer, de como frasear as
coisas e ideias e de quando permanecer em silêncio.
Conforme a estética constitutiva de sua própria
personalidade e sua crescente percepção do idioma do
paciente, o analista desenvolve um estilo específico para cada
indivíduo. Ele aprende a falar de uma maneira que é
vantajosa para a inteligência receptiva do paciente em
particular. Bollas salienta que, especialmente quando se lida
86
com alguém que foi vítima de severa privação de
desenvolvimento, muitas vezes o crucial não é a análise dos
conteúdos mentais, mas a experiência das ideias e o
sentimento de se ser transformado em palavras — o idioma
sendo plasmado.
Existe uma dimensão educativa para sua abordagem. Às
vezes, é útil ao paciente se ele puder desenvolver um senso da
maneira como a mente do analista está operando durante o
ato psicanalítico. Se ele indica os processos de pensamento
que o levaram a uma interpretação, isto ilustra algo sobre o
uso livre e criativo da mente. Isto também demonstra os
limites do entendimento do analista, contrapondo-se às
ilusões de onisciência.
Bollas enfatiza os perigos inerentes ao analista quando
este assume o papel de contar ao paciente o significado
inconsciente de suas comunicações, e ele defende a
neutralização disso, às vezes, pela franca admissão de não
saber tudo. Isso funciona contra o cenário autoritário que,
consciente ou inconscientemente, é uma suposição quase
inevitável nas expectativas do analisando. O paciente tanto
teme quanto deseja um analista onisciente, porém, em última
instância, isso é limitante e muito menos valioso do que a
experiência de ser instruído pela própria mente.
Algumas linhas de pensamento inconscientes levam a
áreas de recalque — ideias sexuais e agressivas mascaradas
que são censuradas pelo ego — e a conscientização de defesas
habituais e decepções cotidianas é uma experiência
inerentemente humilhante. Não obstante, Bollas sugere que
será menos difícil para o paciente aceitar esses aspectos de si
mesmo se não os perceber como informações apresentadas
por uma poderosa figura paternal ou maternal, mas como
sendo originários de suas próprias comunicações
inconscientes.
Na verdade, basear a análise na própria associação livre
subverte a ideia de que o entendimento se origina na mente do
analista. Bollas escreve: “A reflexão freudiana é
profundamente respeitosa para com os conteúdos específicos
da mente do paciente, sua própria lógica singular de
pensamento e suas próprias palavras”4.
Quando necessário, o paciente reconhecerá a
possibilidade muito real de que o que disse pode estar
equivocado. Se o analista for transparente com o analisando
quando perceber que ele comete um erro, isso criará um novo
espaço, potencializando a chegada do conhecido não pensado.
Também reduz a ansiedade do paciente em dizer algo que não
está bem. Esta abordagem analítica ajuda a reduzir o
autoritarismo, mas também modela o relacionamento do
analista com sua própria subjetividade. Ele está
demonstrando que, da mesma forma que as associações do
87
paciente são apreciadas, suas próprias ideias também podem
ser consideradas.
Outro aspecto relacionado da técnica que encoraja uma
atmosfera livre e fluida é o que Bollas denomina a dialética da
diferença. Em “O muro e as interpretações” (FD), ele descreve
como explicitamente concede ao paciente o direito e a
oportunidade de se diferenciar dele; concede-lhe o direito de
discordar ou modificar o que está sendo sugerido sem que isso
seja automaticamente tratado como indício de resistência. De
forma descontraída e não padronizada, isso estabelece a
diferença comum como um fator não-traumático e essencial
na análise e, por extensão, na vida mental em geral.
Bollas sustenta que esta instância democrática não
interfere nos usos projetivos ou transferenciais do analista
feitos pelo analisando — estes são poderosos mecanismos
inconscientes que não serão impedidos de operar. No entanto,
pode ser útil para ajudar a gerir situações que, de outra
forma, poderiam ficar estagnadas, como uma regressão
potencialmente maligna ou uma neurose de transferência
intensa que restringe ao invés de fomentar o processo
analítico.
Ao se estabelecer a categoria de diferença também se
modela o estágio de desenvolvimento da identificação
perceptiva (discutido no capítulo 7), no qual a capacidade de
perceber o objeto como algo separado aprofunda e enriquece o
potencial da relação. Esta função pode ser bloqueada por uma
técnica demasiadamente interpretativa, e é uma das maneiras
pelas quais tal abordagem pode torna-se infantilizante. Bollas
escreve:
...não pode haver identificação perceptiva se o
analista ou terapeuta intervier antes que o
analisando seja capaz de estabelecer sua identidade
narrativa, afetiva e de personagem na sessão. Tais
intervenções precoces são o material da
identificação projetiva, quando o analista julga que
sabe o que está acontecendo de saída5.
A tarefa principal do par freudiano é facilitar a expressão
do pensamento inconsciente. Haverá momentos em que o
trabalho importante está acontecendo internamente, sem que
qualquer pessoa perceba conscientemente o que é, em
especial se o paciente estiver imerso em um processo de
elaboração inconsciente. As funções desempenhadas pelo
paciente em associação livre e o analista em escuta livre
tornam-se estruturadas ao longo do tempo, de modo que a
consciência se torna o “outro” para o inconsciente e vice-
versa.
Bollas ressalta que o paciente é, como o próprio Freud
era no início de suas explorações, tanto o objeto da
investigação quanto o sujeito que realizava a pesquisa.
88
Contudo, ao ouvir o paciente, o analista também se volta para
a posição freudiana de autoanálise. Freud propõe uma técnica
que promova a criatividade inconsciente em ambos os
participantes, e isto requer uma fluidez na mente do analista.
Ao invés de limitar-se a seus entendimentos conceituais, que
nunca podem ser mais que a ponta do iceberg, ele se permite
expandir-se para o mundo condensado, simbólico e
sobredeterminado do pensamento inconsciente. Bollas
escreve: “o ato psicanalítico e o relacionamento analítico
sempre serão derivados conhecido não pensado que reside em
cada um”6.
Ao passo que a comunicação inconsciente permite ao
analista sintonizar com o idioma do paciente, recebendo suas
linhas de pensamento latentes, os dois participantes
desenvolvem uma capacidade conjunta para o pensamento
inconsciente. Bollas sustenta que, para funcionar desse modo,
os analistas precisam aumentar suas habilidades
inconscientes e se contentar em adiar o entendimento
consciente. Assim como se solicita que o analisando não
providencie uma agenda, o analista deve evitar a escuta
seletiva de modo a estar aberto a uma comunicação
inconsciente. Se ele está esperando para flagrar qualquer
lapso linguístico ocasional ou está à espreita de manifestações
de transferência, ele não será livre para receber o fluxo de
ideias do paciente, com suas múltiplas linhas de interesse
psíquico. Bollas escreve:
O método de escuta inovador desenvolvido por
Freud honra essa complexidade e encoraja o
analista a conhecer o analisando em uma área
intermediária na qual compartilham algo do mesmo
estado de espírito.
As questões práticas decorrentes desta técnica são
pouco flexíveis. Em primeiro lugar, ambos os
participantes têm que abrir mão do desejo
compreensível de “decifrar” o que está sendo dito à
medida que a sessão prossegue7.
Mas como sabemos que o analista está realmente em um
estado de devaneio sintonizado e não apenas vagamente
desconectado?
Em “O muro e as interpretações” (FD), Bollas discute a
diferença entre um estado de vagueza mental, que representa
uma falta de experiência, e o estado de espírito mais exigente,
de não-saber, que é “uma condição necessária para a criação
de um espaço potencial, uma tela analítica que sustentamos e
que registra o idioma do paciente” 8. Ele sugere que o melhor
indicador de sintonia analítica é a reação do paciente. Se ele
responde aos comentários do analista, não apenas com uma
resposta supressiva de anuência ou rejeição, mas com um

89
fluxo de material associativo novo, isso indica a presença de
comunicação inconsciente.
O par freudiano opera nas ordens maternas e paternas, e
essa dualidade é simbolizada no decurso da sessão. Bollas
escreve:
A psicanálise opera a partir das ordens maternas e
paternas e entre ambas, que estão presentes
simultaneamente na temporalidade vinculada e
não-vinculada da hora analítica. A sessão é
limitada no tempo, de acordo com as leis paternas:
o tempo do pai; porém, dentro dessa temporalidade
vinculada há portais através dos quais o self é
transportado para a infinita temporalidade
materna9.
No mais das vezes, o modo de escuta do analista é
receptivo e não explicativo. À medida que o pensamento
racional se dissolve no pensamento associativo, o par
freudiano é levado para algo próximo à atmosfera da díade
materna. Isto é inferido a partir das famosas instruções de
Freud ao analista:
A experiência logo mostrou que a atitude a qual o
médico analítico poderia adotar mais
vantajosamente era entregar-se a sua própria
atividade mental inconsciente, em um estado de
atenção uniformemente suspensa, para evitar, tanto
quanto possível, a reflexão e construção de
expectativas conscientes, para não tentar consertar
qualquer coisa que ele tenha ouvido
particularmente em sua memória, e por esses
meios captar a movimento do inconsciente do
paciente com seu próprio inconsciente.10
Em algum momento, analisando e analista emergirão da
ordem paterna para se engajarem na articulação e exploração
da experiência inconsciente que têm compartilhado. Eles
usarão a separação, a diferenciação e a estrutura para
alcançarem uma compreensão consciente. A interpretação
cuidadosamente considerada, a que se chegara após muito
ajuntamento de fios inconscientes, será sobredeterminada —
o resultado de um processo de condensação na mente do
analista.
Desta forma, o materno e o paterno se unem para
produzir um crescimento integrado. Bollas sugere que, assim
como nos primeiros estágios da vida, o maternal deve preceder
o paternal:
O que é necessário é uma experiência inicial de
sucessivas transformações do ego, as quais são
identificadas com o analista e o processo analítico.
Nesses momentos, o paciente experimenta

90
interpretações por elas poderem coincidir com seus
humores, sentimentos ou pensamentos, e esses
momentos de empatia levam o paciente a
“reexperienciar” a relação objetal
transformacional .
11

Percebi que um dos equívocos mais comuns relativo à


obra de Bollas é a ideia de que ele não usa a transferência.
Em vista do seu significativo enfoque na associação livre,
talvez isso não surpreenda, mas está longe da verdade.
Sua abordagem à transferência é de fato bastante
matizada e sutil. Bollas ressalta que ao olhar para um
material clínico, podemos notar imediatamente a evidência da
transferência predominante do paciente para o analista, mas
ao mesmo tempo suas associações muitas vezes revelam
outros padrões de transferência mais sutis, os quais são mais
profundamente inconscientes. Ele sugere que, se o analista
estiver aberto a tais padrões, reduz-se a tentação de insistir
repetidamente em um único tema transferencial.
Bollas não considera que a transferência tem uma
importância preeminentemente axiomática, mas que está
integrada à complexidade do inconsciente.
Enquanto a transferência é uma ordem que ocorre
o tempo todo, o fato de que ela está presente não
significa que ela subsuma em si todas as outras
ordens e suas categorias de pensamento
inconsciente. Conforme discutido, Freud nunca
imaginou a transferência dessa maneira. A
transferência pode ser “irrepreensível”, o que
significa que nada de significado inconsciente
estava operando lá. O paciente pode estar usando a
mente do analista para coadjuvar seu próprio
processo de pensamento inconsciente. Isso é uso do
objeto. A transferência é uma forma de pensar12.
Para Bollas, uma das tarefas basilares da psicanálise é
permitir uma ampliação da curiosidade e do prazer do
paciente com sua própria complexidade inconsciente. Isso
envolve a capacidade de fazer um uso flexível e variado do
analista. A liberdade de ser complexo dependerá de forma
significativa da experiência do indivíduo com a relação
primária, e isso será trazido para a situação analítica via
transferência. Se a mãe não forneceu experiências
transformacionais suficientes à criança, o analisando pode
achar-se limitado em sua capacidade de usar o analista de
formas criativas e diferenciadas.
Freud descreve a relação psicanalítica como consistente
de um paciente em associação livre e um analista em
uniforme suspensão. No entanto, igualmente importante, a
atividade do par freudiano envolverá a associação livre do

91
analista e a liberdade do paciente de estar em um estado de
devaneio.
Ao considerar esta relação singular, Bollas retorna a
outra dualidade relacionada às ordens maternas e paternas: a
oscilação entre estados do self simples e complexos. Em “O
uso da associação livre pelo psicanalista” (SP), ele examina
um equilíbrio que é necessário no analista entre uma posição
de subjetividade — um modo de experienciar o self em que
seu inconsciente pode engajar-se com o material de forma não
mediada — e um modo objetivo que envolve um self complexo
e reflexivo.
Na categoria de subjetividade, ele inclui as respostas
espontâneas do analista — suas associações, conjecturas,
ideias fugazes, impressões e palpites. Além de controlar a
formulação de interpretações, o modo objetivo inclui todos os
elementos estruturantes na situação clínica, como a
neutralidade moral, a consistência, a sensibilidade à resposta
do paciente às interpretações, a consciência de sua
compreensão de sua história pessoal (inevitavelmente uma
mistura de mito e reconstrução) e o monitoramento da
transferência e da qualidade das relações objetais mais
abrangentes, transmitidas por aspectos do diálogo. Acima de
tudo, Bollas também inclui a priorização do direito do
paciente à associação livre.
Aqui, ele descreve a oscilação entre diferentes estados do
self no analista e no analisando e entre eles:
É uma dialética operando entre duas disposições
mentais diferentes, à medida que os participantes
trocam as posições de self simples e complexo.
Num momento, o analisando, perdido no
pensamento narrativo, é acompanhado por seu
analista, que também está imerso na experiência de
ouvir. Noutro momento, o analista move-se para
uma posição de self reflexiva e complexa, antes de
reassumir o estado de experiência. Por vezes, o
analista está em um estado de self simples,
seguindo linhas de lógica associativa interna,
enquanto o paciente está se objetivando, talvez
contando ao analista o que ele acha que suas
associações anteriores significam13.
Ele ressalta que, em certos aspectos, as associações do
analista podem ser mais livres que as do analisando.
Concentrado em estados de self variáveis, fragmentos de
devaneios e sentimentos flutuantes, às vezes ele se verá
insistindo num detalhe da narrativa quando a mesma já foi
adiante. Ao passo que o paciente tem a tarefa de organizar
seus pensamentos e sentimentos em palavras, ao analista,
paradoxalmente, é permitido ser menos coerente. Durante a

92
maior parte do tempo ele pode permanecer em silêncio, dentro
de seu próprio mundo interior receptivo e imaginativo.
Conforme exploramos no capítulo 8, Bollas mostra como
nossas mentes se movem continuamente entre um estado
concentrado de foco psíquico e um modo disseminado em que
há uma expansão difusa do self. Cada estado depende, para
seu potencial, do outro e a saúde psíquica requer a
capacidade de alternar livremente entre os dois. Essa
oscilação está presente, momento a momento, em nossa
subjetividade comum; ela se manifesta na experiência
subjetiva de ambos os participantes no par freudiano; e ela é
um elemento necessário na técnica do analista. Ele precisa ter
a capacidade de utilizar tanto um estado de associação livre e
expansivo quanto uma posição objetiva e sintetizadora, na
qual ele pode reunir seus entendimentos em uma
interpretação.
Em “The necessary destruction of psychoanalysis” (MT),
Bollas relaciona essa dualidade com outro par psicanalítico
familiar: “A destruição é o trabalho conjunto do instinto da
morte, que rompe vínculos para reduzir a excitação e o
instinto da vida, que cria novas combinações de
pensamento”14. E, na passagem seguinte, insere a teoria dos
genera psíquicos:
O trabalho de uma análise opera entre essa
oposição binária. Diante de vastas áreas de
material, uma parte do analista é
comparativamente livre de mente para responder,
entretanto outra parte sua busca os núcleos
organizadores das verdades psíquicas. Uma única
palavra, uma frase, uma imagem ou a memória de
uma sessão anterior poderão parecer impregnadas
de significado. Com o passar do tempo, uma
pequena câmara psíquica enche-se com esses
objetos mais densos e, de repente, em um momento
de iluminação, o analista vê por que eles se
associam; a partir deste genera surge uma
interpretação15.
Modos intrapsíquicos simples e complexos representam
diferentes formas de desejo: um, é o desejo de habitar o
idioma do self; o outro, é a pulsão para satisfazer o instinto
epistemofílico — a vontade de saber.
Talvez haja uma ambivalência natural no analista sobre
a revelação, aos colegas, dessa relação única e íntima do par
freudiano. Já tem sido constatado que, em qualquer relatório
clínico, muito do que pode ser relatado será deixado de fora, e
o simples estado do self, na experiência direta e não mediada,
é especialmente difícil de ser comunicado. Embora em uma
discussão clínica a elucidação do significado e a busca de
uma compreensão precisa possam ser esforços louváveis,
93
aceitar que, na maior parte do tempo, o analista e analisando
estão imersos em uma teia de significados inconstantes é algo
mais próximo da realidade da situação. O analista que pode se
permitir perder-se no processo talvez não ganhe prêmios por
clareza conceitual, mas ele será profundamente mais valioso
para o analisando.

Notas
1. Bollas, C. “Transformações psíquicas”, MF p.13
2. Bollas, C. “Articulações do inconsciente”, MF p.56
3. Bollas, C. “The place of the psychoanalyst”, MT p.26
4. Bollas, C. “The mystery of things”, MT p.186
5. Bollas, C. “Identificação perceptiva”, MF p.67
6. Bollas, C. China on the Mind, p.64
7. Bollas, C. A Questão Infinita, p.20
8. Bollas, C. “O muro e as interpretações”, FD p.62
9. Bollas, C. China on the Mind, p.61
10. Freud, S. (1923) Two encyclopaedia articles’, The Complete
Psychological Works de Sigmund Freud, ed. Strachey, J.
(Londres: Hogarth) XIX p. 239
11. Bollas, C. “O objeto transformacional”, SO p.23
12. Bollas, C. “Articulações do inconsciente”, MF p.52 (grifo
original)
13. Bollas, C. “O uso da associação livre pelo psicanalista”, SP
p.106
14. Bollas, C. “The necessary destruction of psychoanalysis”,
MT p.27
15. Ibid., p. 34

Capítulo 11
Mundos separados

Textos essenciais:
“Regressão comum à dependência” (SO)
“Sobre a interpretação da transferência como uma resistência
à associação livre” (MF)
“Transformação psíquica” (MF)
“O que é a teoria?” (MF)
“Identificação perceptiva” (MF)
94
“Conjuntos históricos e o processo conservativo” (FD)
“The mystery of things” (MT)
China on the Mind
Conceitos-chave: pluralismo teórico; teorias como formas de
percepção; conjuntos históricos.

A metapsicologia de Bollas oferece um modelo


diferenciado da estrutura e do funcionamento da mente.
Contudo, paralelamente, ele apresenta um argumento
poderoso em prol do pluralismo teórico.
Todas as nossas várias teorias psicanalíticas nos
permitem conceitualizar um aspecto particular da mente que,
de outra forma, poderia permanecer inconsciente e não
pensado, e cada uma oferece conceitos relevantes para a
compreensão de elementos particulares de nossa experiência.
Assim, como vimos no capítulo 2, o recalque é melhor
conceituado com uso da metáfora espacial do modelo
topográfico de Freud, enquanto que o desenvolvimento
psíquico e a dinâmica conflitual dentro da mente são mais
proveitosamente abordados com o modelo estrutural mais
antropomórfico. Sem toda a gama de teorias psicanalíticas,
não seríamos capazes de pensar em certos tipos de
fenômenos.
No entanto, em “O que é teoria?” (MF), onde explora o
status e a limitação de ideias psicanalíticas, Bollas sugere que
uma teoria fornece algo ainda mais fundamental do que uma
maneira de pensar. Ele escreve que as teorias são “formas de
percepção”1. Assim como usamos nossos vários sentidos
físicos para registrar diferentes aspectos da realidade externa,
os psicanalistas precisam de todos os seus conceitos teóricos
porque cada um deles permite perceber os fenômenos de uma
maneira singular, distinta. Se seus repertórios conceituais
não possuem teorias como, por exemplo, o complexo de Édipo
de Freud, as posições paranoides, esquizoides e depressivas
de Klein, ou os fenômenos transicionais de Winnicott, haverá
coisas no consultório que eles simplesmente não perceberão.
Assim como as teorias do clínico afetam a forma como
ele percebe e conceitua seus pacientes, estes também moldam
a forma como ele trabalha com aquelas, e Bollas adverte
contra uma preocupação excessiva com qualquer ponto de
vista teórico. Observar o analisando através de uma única
lente irá obscurecer a complexidade da mente e suas
comunicações, e o analista que está muito apegado a uma
determinada orientação psicanalítica estará focando a escuta
em detalhes no material e não estará livre para ser absorvido
na experiência inconsciente.

95
Bollas, portanto, defende que o analista se imerja em
tantas maneiras diferentes de pensar quanto possível, mas,
uma vez que ele tenha se familiarizado com uma determinada
teoria, permita que esta mantenha-se no fundo de sua mente,
de modo que ele não seja controlado por preconcepções
relacionadas a qualquer modelo em particular. O paciente
detectará inconscientemente o alcance da consciência no
analista. Quanto maior for esse alcance, tanto mais o trabalho
terapêutico terá o potencial de ir além da análise de patologia
ou personagem e permitir que o paciente se envolva na
exploração livre de sua mente inconsciente.
Em “O que é teoria?”, e com mais pormenores em China
on the Mind, Bollas contrasta as abordagens muito divergentes
das escolas de pensamento que são predominam no cenário
da psicanálise britânica moderna. A seguir, reunirei as
principais vertentes de sua discussão e explorarei o lugar do
modelo metapsicológico de Bollas nesta tradição dividida.
É importante enfatizar que, ao fazer isso, estarei
abordando os princípios gerais. É evidente que o trabalho de
qualquer psicanalista deriva de várias fontes formativas. Ele
terá experimentado uma combinação única de influências, e
ele terá suas teorias preferidas que abordará em sua própria
maneira idiomática. No entanto, se parecer haver um certo
grau de caricatura no que se segue, acredito que existe um
valor na generalização com o fim de compreender as
características essenciais dessas orientações. Elas diferem
fundamentalmente: em seus pressupostos sobre a estrutura e
o funcionamento da mente, nas suas abordagens à técnica
clínica e sua lógica, e nas suas visões da tarefa terapêutica.
Do ponto de vista metapsicológico, a tradição kleiniana
baseia-se numa visão completamente diferente da vida mental
quando a comparamos com a proposta pela teoria dos sonhos
de Freud e desenvolvida por Bollas. Em vez de redes
infinitamente ramificantes de ideias associadas, que se
desenvolvem constantemente ao longo da vida, o modelo de
inconsciente de Klein é o de um contêiner preenchido com
objetos internos. É uma arena para o desenrolar do drama
das fantasias inconscientes e é caracterizada por pulsões
primitivas e ansiedades, mecanismos de clivagem e projeção e,
em particular, pela luta contra o poder do instinto de morte.
Isso produz uma ênfase clínica na natureza de nossos objetos
internos, em nossas fantasias inconscientes sobre o que
fazemos com elas e o que elas podem fazer conosco e sobre
como essas relações objetais primitivas são refletidas e
recriadas na experiência aqui e agora com o analista.
Embora os conhecimentos adquiridos por essas
explorações sejam indiscutíveis — e Bollas, sem dúvida,
valoriza muitas das ideias teóricas que vieram da tradição
kleiniana — não é segredo que ele contesta a técnica baseada

96
na frequente interpretação da transferência. Ele alude a isso
em todos os seus escritos, mas suas objeções mais
fundamentais são apresentadas, em termos inequívocos, em
“Sobre a interpretação da transferência como uma resistência
à associação livre” (MF). Este ensaio pode surpreender — seu
teor “sem reservas” já fica claro desde o título — mas, se
Bollas ocasionalmente exagera ao apresentar suas teses, elas
são teses que nos fazem confrontar diferenças substantivas.
Comparado com a postura freudiana basicamente
receptiva, a técnica kleiniana é mais ativamente
interpretativa, e Bollas discute vários sentidos nos quais isso
pode ser antitético à associação livre.
O analisando é convidado a resistir à tentação de chegar
à sessão com uma agenda consciente, mas Bollas ressalta que
o analista, cuja mente tenha sido treinada para se concentrar
na transferência, terá uma agenda própria: um conceito prévio
do que ele espera ouvir. Ele será, portanto, obrigado a
interromper o desenrolar da narrativa do paciente
intempestivamente, dirigindo-lhe a atenção para o que mais
lhe interessa. Se não tiver oportunidade, o paciente não
poderá falar livremente e, se ao inconsciente não for permitido
escolher a trajetória do material, nenhum dos participantes
pode saber como ele, o inconsciente, terá se desenvolvido ao
longo da sessão.
Nessa situação, a atitude freudiana de atenção
uniformemente suspensa é suplantada pela tarefa de traduzir
o significado, a compreensão torna-se redutora em vez de
expansiva, e o paciente perde a liberdade crucial de seguir
uma sequência exploratória da lógica inconsciente. Bollas
insiste em que a elucidação da transferência não equivale a
compreender a complexidade mental: “a ação profunda do
inconsciente é interditada com a célere operação da relação
interpretada”2.
Ao passo em que a abordagem freudiana incentiva a
ramificação disseminada de interesses psíquicos
inconscientes, a técnica de Klein concentra-se na dinâmica
relacional primitiva e na concretização de ideias abstratas. Na
verdade, a forma freudiana mais receptiva e menos
interpretativa é susceptível de ser considerada por alguns
como uma esquiva ante o imediatismo da patologia do
paciente.
Se o material for relacionado, de modo contínuo, à
transferência, o analisando irá inferir que esta questão tem
prioridade na hierarquia do significado. Esta técnica pode
levar a uma situação de imobilidade em que um padrão de
transferência predominante é interpretado reiteradas vezes,
enquanto outros aspectos da vida e da mente dos pacientes
permanecem excluídos. A tradução da narrativa em uma
metáfora para o relacionamento analítico pode parecer
97
oferecer uma tentadora resolução à confusão e à ambiguidade.
Ela promove a cura por meio de um relacionamento quase
parental e de uma reestruturação narrativa em que a
complexidade do self é reduzida aos princípios relacionais
cruciais do objeto. Bollas escreve: “A transferência se torna a
solução para a questão do inconsciente do analisando” 3.
Além de interferir com a competência do paciente para a
associação livre, Bollas afirma que essa maneira de trabalhar
representa uma contradição fundamental à primazia essencial
dos processos inconscientes. Embora os analistas kleinianos
usem certamente o conceito de comunicação inconsciente,
sua visão disso é quase sempre orientada pelo mecanismo de
identificação projetiva, entendido em termos de ação defensiva
mediante os objetos.
Como vimos, Bollas considera a questão da expressão
inconsciente de uma forma muito mais ampla. Na passagem a
seguir, que se refere a muitos dos elementos discutidos nos
capítulos 8 e 9, ele descreve o alcance das comunicações
multifacetadas e sutis oferecidas pela narrativa do paciente:
As primeiras palavras cruciais de uma sessão, a
seleção inconsciente de tópicos, os padrões de
ideias que se revelam (eventualmente) através do
movimento de um tópico para outro, o volteio de
certas frases, o efeito evocativo e proliferante de
uma única palavra, a abrangência sugestiva de
uma metáfora4.
Uma técnica baseada em acompanhar de perto o que o
paciente está dizendo e fazer interpretações frequentes
depende do pressuposto de que a mente consciente do analista
é capaz de seguir o significado latente da narrativa do
paciente. Isso limita o potencial do uso do analista pelo seu
próprio inconsciente, privilegiando mecanismos de projeção e
introjeção à custa de funções receptivas e evocativas. O
conceito do par freudiano em um estado de devaneio mútuo é
perdido e Bollas chega a dizer que essa abordagem ativa pode,
na verdade, evitar a comunicação inconsciente.
O paciente que repetidamente escuta seu analista
traduzindo o significado de suas palavras logo virá a esperar
explicações e considerá-las como sendo o objetivo da análise.
Ele também começará a assumir que as “respostas” estão na
mente do analista, o que intensificará o relacionamento
transferencial, e o paciente pode ficar tão preocupado com
essa dinâmica que opta pela tarefa básica de falar sobre sua
vida. As interpretações de transferência podem se tornar uma
história poderosamente reconfortantes. Para algumas pessoas,
isso é gratificante; para outras, será constrangedor e
mentalmente claustrofóbico. Se essa intensa pseudo-
intimidade com o analista é alcançada à custa da fala livre, e

98
será negada ao paciente a oportunidade de experimentar o
potencial expansivo inerente ao seu inconsciente.
Longe de ser um esforço conjunto democrático, quando
esta situação dá errado, ela pode resultar em um desequilíbrio
traumático de poder. Se o analista se tornar uma figura
superegóicas severa, na mente do paciente, este se sentirá
facilmente julgado e criticado, e pode ficar demasiado ansioso
para ser capaz de engajar-se em associações livres. Aqui,
Bollas descreve o pior cenário:
Não tenho dúvidas de que essa perspectiva de
audição colapsa o desejo do analisando de ser
inconscientemente comunicativo. Isso pode levar o
analisando a se retirar para um enclave, a fim de
afastar a intensa intrusão do analista. Tal retirada
é vista pelo analista como evidência da ambição
maliciosamente destrutiva da transferência
negativa do analisando e, em minha opinião, isso é
uma profunda tragédia não apenas para o
analisando, mas também para a psicanálise5.
As implicações dessas questões são profundas.
Comparando as abordagens freudiana e Kleiniana, Bollas
escreve:
Elas diferem no tipo de mentalidade que convida a
participação inconsciente do paciente. Eles diferem
no destino da participação inconsciente do paciente
na sessão. Eles diferem em suas orientações para
as ordens visuais e verbais, ou para o imaginário e
o simbólico. Eles diferem em suas concepções de
tempo e espaço analíticos. Eles diferem nas
consequências de uma análise6.
Como temos discutido, Bollas certamente considera a
transferência como um elemento altamente significativo na
situação terapêutica. No entanto, ele apoia a distinção entre
interpretar a transferência e trabalhar dentro dela. Uma
manifestação particular da relação de transferência pode ser
óbvia, mas ele pode optar por não a interpretar explicitamente
em termos do que o paciente está fazendo naquele momento,
uma vez que isso pode provocar excitação e uma
intensificação do sentimento que pode prejudicar o fluxo
natural de associações. Ele acredita que trabalhar dentro da
transferência evita a armadilha de confrontar o paciente
repetidas vezes com um aspecto particular de seu mundo
interno. Isso reduz o perigo do autoritarismo e demonstra um
respeito inerente ao paciente, concedendo-lhe a liberdade de
usar os aspectos transferenciais da relação analítica de
maneira fluida e criativa, sem se sentir afrontado, acusado ou
preso.
No treinamento psicanalítico britânico, a ênfase na
transferência tornou-se um pressuposto inquestionável. (Eu
99
não posso ter sido a única estagiária ansiosa que
experimentou este pensamento de culpa: “Eu tenho um
seminário clínico amanhã — é melhor eu fazer uma
interpretação de transferência”). Isso levou a uma situação em
que o principal objetivo terapêutico tem sido modificado do
uso da associação livre para se explorar a complexidade da
mente inconsciente para a reformulação da dinâmica das
principais relações do paciente. Em vez de ser considerado um
elemento importante em um cenário mais amplo, a
transferência tornou-se a nova característica definidora da
psicanálise.
A crítica de Bollas à técnica kleiniana é poderosa, e
agora está claro que sua própria abordagem tem uma lógica
diferente e prioridades terapêuticas muito diferentes. Por
outro lado, em certos aspectos, o sabor de sua escrita clínica
tem muito em comum com Winnicott, e muitas vezes atrai
leitores por motivos semelhantes.
Winnicott era defensor um estado de devaneio onírico e
não integrado que refletia a natureza integrada e sustentadora
da díade primária materna. Para ele, o objetivo predominante
era permitir o surgimento do verdadeiro self. Para facilitar
isso, ele criaria um relacionamento benigno e nutritivo que
promoveria a regressão como uma ferramenta terapêutica
central.
Assim como ele reconhece a importância do trabalho
adequado na transferência, Bollas reconhece o valor
terapêutico, às vezes, de um estado de regressão benigna. Na
verdade, ele descreve seu treinamento com Masud Khan, que
ele muito estima, como uma experiência essencialmente
regressiva, e seu primeiro artigo “Regressão comum à
dependência” (SO) é uma contribuição sensível e imaginativa
para essa maneira de trabalhar.
Entretanto, Bollas faz uma declaração radical em China
on the Mind. Ele sugere que, embora em muitos aspectos a
abordagem winnicottiana ocupe a extremidade oposta do
espectro psicanalítico em relação à técnica kleiniana, ela
também representa uma saída significativa da visão original
de Freud.
Ao contrário de Klein, Winnicott aguardava em silêncio
por longos períodos, a fim de incentivar o desmantelamento
das falsas autodefesas do analisando e o surgimento do
verdadeiro self. Ao contrário de Freud, ele não exigia que o
paciente pusesse em palavras seu mundo interno. Ele não
estava primariamente preocupado com o significado dos
conteúdos latentes; na verdade, ele tendia a considerar
associações verbais abertas como uma defesa contra a falta de
forma essencial da existência humana. Aqui, Bollas sintetiza
essa diferença:

100
Em uma análise freudiana, uma imagem é uma
concentração de palavras possíveis. A fala desvela a
imagem, pois as palavras expressam significados
latentes com uma cadeia de significantes. Em uma
análise winnicottiana, a imagem chega do nada,
aparentemente de fora do self. É um momento no
tempo. Ela exerce grande influência, mas é
evanescente e sem significância articulada. Não é
para ser falada, pois assim, seria reconhecer a sua
separação do self7.
Bollas afirma que um tratamento baseado na recriação
de estados incipientes do self, embora possa ser
profundamente impressionante e potencialmente terapêutico,
não pode ser essencialmente analítico porque não consegue
familiarizar o analisando com uma compreensão dos
componentes de sua mente. Ao privilegiar a ordem materna
pré-verbal, o analista winnicottiano priva o analisando do
potencial exclusivo da associação livre como meio de explorar
o inconsciente. Além disso, essa abordagem pode dar origem a
uma profunda dependência do analista — não porque o
analisando está sob os auspícios de uma figura parental
omnisciente que traduz o que ele quer dizer, mas porque ele
está incorporado a uma díade quase-maternal primitiva.
Bollas sugere que, se forem levadas ao extremo, nem a
abordagem kleiniana nem a winnicottiana promoverão no
analisando uma relação madura e autônoma com o
inconsciente e a capacidade de viver de forma ativa, criativa e
independente no mundo externo. Seu raciocínio implica que a
análise de Winnicott pode produzir um outro cenário em que o
analisando abandona seu senso de agência e permanece em
contínua dependência do analista.
Em seu trabalho clínico, Bollas sem dúvida faz uso
seletivo das técnicas kleiniana e winnicottiana. Quando uma
manifestação de transferência ou enactment eclipsa o trabalho
de associação livre e exige atenção, ele irá interpretá-la e
analisá-la como uma comunicação significativa, derivada do
inconsciente do analisando. Ele também respaldará o direito
do paciente de regredir, temporariamente, a um estado
dispersivo quando o trabalho inconsciente profundo está em
andamento. Todavia, ele alinha sua própria técnica
firmemente com o projeto original de Freud: entender a mente
inconsciente por meio de exploração associativa que revelará
sua complexidade e suas conexões lógicas.
Para viabilizar isso, Bollas põe bastante ênfase na
capacidade do analista de guardar silêncio e ser receptivo, não
só para propiciar um ambiente materno primitivo, mas para
permitir que seu próprio inconsciente seja in-formado pelo
idioma do paciente. Na passagem a seguir, ele reconhece o
potencial criativo de um estado similar no paciente:

101
O estado de espírito receptivo é um estado
condicional; ele depende de uma atitude
descontraída e não vigilante por parte do sujeito, e
pode ser vista em analisandos que usam o silêncio
para alcançar uma orientação receptiva interna. A
partir desta posição, memórias, devaneios,
fantasias e novos objetos internos são evocados. O
analisando usa o analista para manter o setting,
para preservar o direito a este estado de espírito e,
portanto, ele está fundamentalmente
despreocupado com o analista como um objeto. A
comunicação de transferência é suspensa. O ego é
direcionado para dentro, para receber
representações da realidade psíquica interna e não
está primordialmente envolvido em uma dialética
projetiva-introjetiva com objetos externos e suas
representações internas8.
Bollas frequentemente nos lembra a ênfase que Freud
deu à comunicação inconsciente, e ele deixa claro que este
trabalho não pode ser precipitado. Em “The mystery of things”
(MT), ele escreve:
Essa maneira de escutar leva muito, muito tempo.
É preciso tempo para que a lógica da sequência seja
apreendida, leva tempo para que o movimento
evocativo do discurso do paciente afete a vida
inconsciente do analista. Este aspecto de uma
análise leva a uma maior apreciação tanto do
tempo quanto do pensamento inconscientes; de
fato, isso dá aos participantes uma nova apreciação
do tempo em si9.
O estado de atenção uniformemente suspensa do
analista exige dele que abandone a busca pela compreensão
imediata. Ele deve confiar nisso e não se sentir tentado a criar
um significado prematuro em um esforço para prover a
garantia da certeza. Na maior parte do tempo, o objetivo é
apoiar a expansão do material do paciente em vez de limitá-la
ou interditá-la com explicações.
Às vezes, o analista que está em sintonia com esse nível
de comunicação pode ecoar uma determinada palavra ou
imagem sem saber por que, exceto que ela repercute de uma
forma surpreendente em sua própria mente. À medida que a
análise se desenvolve, objetos mentais específicos emergem
como memoráveis; eles se coalescem em representações de
linhas inconscientes de pensamento. Esses genera analíticos
criados conjuntamente podem adquirir um significado
consciente apenas de maneira muito gradual, e às vezes eles
nunca se tornam totalmente vinculados à consciência. No
entanto, se o par freudiano estiver operando por meio da
associação livre, conduzida pelo paciente, quando o

102
significado de uma cadeia de ideias inconscientes
eventualmente surgir, a evidência será clara para ambos os
participantes: não será um significado conjectural imposto de
fora.
Além de resgatar a centralidade da associação livre,
Bollas também defende a importância do relacionamento do
paciente com sua história pessoal. De diferentes maneiras,
tanto Klein quanto Winnicott privilegiam a experiência inicial:
aquela, concentrando-se nas primeiras e fantasiosas relações
objetais internas e este através da recriação da díade materna
primitiva. Ambos tendem a atribuir menos relevância à
história em curso da vida do paciente. Na verdade, o passado
tende a ser relegado à “reconstrução”, um processo
considerado secundário em importância terapêutica.
Bollas, por outro lado, dá uma ênfase explícita à
experiência de vida da pessoa. Em “Conjuntos históricos e
processo conservativos” (FD), ele discute o relacionamento
mutante do paciente com sua narrativa sobre o passado,
dando importância tanto à lembrança da experiência real
quanto aos elementos da história que se baseiam na fantasia
e nos efeitos de après-coup.
Seu termo conjunto histórico refere-se a um conjunto de
memórias que se relaciona com uma época específica na vida
da pessoa e, portanto, é ancorado em um espaço e tempo
específicos. Alguns elementos — o conjunto edipiano, o
conjunto de latência, o conjunto da adolescência e assim por
diante — são de desenvolvimento e universais. Outros
relacionam-se a experiências que são únicas para o indivíduo.
A criação de um conjunto histórico não é um simples ato de
reconstrução. É algo psiquicamente complexo e
sobredeterminado, a cristalização de um momento existencial
significativo que encapsula um estado de self. Em vez do
humor conservativo, discutido no capítulo 4, o conjunto
histórico é um ato de preservação que inclui reflexão
retrospectiva sobre a realidade emocional de uma era
particular da vida. Talvez não seja uma memória factual, mas
pode ser profundamente evocativa e analiticamente
informativa.
Para que essa dimensão seja acessível à análise, o
paciente precisa falar sobre seu passado, livremente e em
minúcias. Esta narrativa muitas vezes mudará no decorrer do
trabalho analítico, à proporção que a história é retrabalhada e
compreendida de muitas maneiras diferentes. Bollas sustenta
que os analistas que tratam a lembrança automaticamente
como uma comunicação de transferência, e aqueles que
privilegiam o estado não-verbal como a forma mais profunda
de comunicação, tendem a negligenciar a função psíquica da
reflexão histórica. Ele sustenta que o analisando sentirá o
grau de interesse do analista nesses aspectos de sua

103
experiência do self e poderá aprender a não os relatar se ele
sentir que o significado dos mesmos é depreciado. Ele escreve:
O pensamento histórico é uma realização psíquica. Ele
reflete uma área receptiva interna no analista que permite ao
analisando desenvolver uma parte da psique que armazena a
história do self. Para mim, é importante que o analista possua
uma verdadeira consciência histórica, pois esta é uma função
psíquica, não apenas uma postura intelectual. Tal função é
um receptor inteligente das lembranças do paciente, que serão
acolhidas pelo analista10.
O pensamento clínico de Bollas abrange muitas das
descobertas teóricas das tradições kleiniana e winnicottiana.
No entanto, sua concepção da mente, tanto em sua amplitude
como em seus detalhes, altera a ênfase da psicanálise clínica,
mantendo sempre em primeiro lugar um foco no crescimento
das capacidades inconscientes do paciente.

Notas
1. Bollas, C. “O que é a teoria?”, MF p.77
2. Bollas, C. “The goals of Psychoanalysis?”, MT p.71
3. Bollas, C. “Sobre a interpretação da transferência como
resistência à associação livre”, MF p.94 (grifo original)
4. Bollas, C. “Identificação perceptiva”, MF pp.66-7
5. Bollas, C. “Transformações psíquicas” MF p.7
6. Bollas, C. “The mystery of things”, MT p. 189
7. Bollas, C. China on the Mind, p. 79
8. Bollas, C. “Conjuntos históricos e o processo conservativo”,
FD p. 202
9. Bollas, C. “The mystery of things”, MT pp. 186-7
10. Bollas, C. “Conjuntos históricos e o processo
conservativo”, FD p.201

Capítulo 12

104
Uma teoria integrada

O termo metapsicologia foi inventado por Freud para


distinguir sua criação, a psicanálise, tanto das psicologias
clássicas da consciência quanto do que ele considerava serem
imaginações delirantes da metafísica. É um termo abrangente
que reúne os conceitos e princípios fundamentais que
sustentam seu modelo teórico da mente.
É uma audácia usar essa palavra para se referir à
contribuição de Bollas?
Espero que este livro tenha demonstrado que seus
muitos conceitos teóricos individuais realmente resultam em
um modelo metapsicológico integrado. Embora suas origens
se encontrem em aspectos das descobertas revolucionárias de
Freud, o modelo bollasiano tem suas próprias ênfases e
equivale a uma teoria única da mente.
Adotando sua ideia de que as teorias são formas de
percepção, o que seu modelo nos permite perceber? Os
conceitos que ele oferece nos proporcionam novos modos de
pensar?
Ao adotar a pluralidade teórica, Bollas reconhece a
amplitude da psique humana. Existem forças universais
atuando sobre todos nós: o desenvolvimento instintivo, a
jornada da infância e o complexo de Édipo, os ajustes às
demandas da sociedade na infância e na adolescência e
diversas exigências das etapas subsequentes da vida adulta.
Estes tem sido o foco de mais de um século de exploração
psicanalítica.
A contribuição de Bollas é uma metapsicologia que
destaca a jornada do indivíduo. Ele oferece uma teoria que
abrange nossa motivação para a curiosidade sobre o mundo, e
os mecanismos inconscientes que regem as interações
multifacetadas que ocorrem, tanto dentro do self quanto em
relação a objetos externos. Com isso, ele refina a concepção
psicanalítica do que é ser um ser humano.
Seu ponto de partida é o inconsciente altamente
sofisticado da teoria dos sonhos de Freud, o qual seleciona
elementos de significado psíquico a partir da experiência do
dia, remodela-os via condensações, deslocamentos e
simbolizações, e os oferece à consciência de forma codificada
como o sonho. Sua adição mais relevante ao modelo onírico
freudiano é o conceito de idioma — o núcleo inato do self.
Embora, como mostra Freud, o recalque é, sem dúvida, um
ingrediente poderoso, Bollas sustenta que o caráter do nosso
idioma é uma força motivadora mais influente no
inconsciente. Constitui um princípio subjacente, uma estética
fundamental que dá forma à nossa experiência individual,

105
estimulando o uso criativo do meio ambiente e
desempenhando um papel crucial em nossos relacionamentos,
intrapsíquicos e externos.
Ele oferece formas de conceitualizar aspectos do
inconsciente percebidos por Freud, mas não teorizados
extensivamente, em especial os fenômenos de percepção
inconsciente, criatividade inconsciente e comunicação
inconsciente. O modelo de inconsciente receptivo põe esses
elementos em primeiro plano, proporcionando uma maneira
de entender sua inter-relação e sua centralidade na estrutura
e no funcionamento da mente.
O trabalho dos genera psíquicos envolve a transformação
criativa contínua das percepções que são convidadas para o
inconsciente por serem de interesse idiomático. Os genera não
operam só dentro da mente individual; eles também podem
ser formados em conjunto por duas pessoas que estiverem em
um relacionamento íntimo. A intimidade única do
relacionamento psicanalítico — o par freudiano — leva à
criação de genera analíticos que, ao longo de uma análise, têm
sua própria trajetória criativa, produzindo redes ramificantes
de complexidade associativa na mente de analisandos e
analistas.
A visão de Bollas de nossa inter-relação essencial com os
objetos é outra área rica de inovação. Os aspectos da
realidade exterior são selecionados e usados, conscientes e
inconscientemente, para elaborar o nosso idioma, expandir e
transformar a experiência do self através de momentos de
intensidade estética. Isso envolve não apenas a atividade
projetiva, mas também os efeitos estruturantes sobre a
integridade intrínseca do objeto em si.
Acima de tudo, Bollas insiste na primazia dos processos
inconscientes. Sua teoria de que somos constantemente
formados pelo idioma do outro oferece uma maneira de
conceitualizar a questão da comunicação inconsciente.
Paralelamente ao conteúdo consciente de nossas vidas — as
muitas maneiras pelas quais pensamos e falamos sobre nós
mesmos e sobre nossas experiências — nossa forma essencial
e sua manifestação através dos efeitos inconscientes do
personagem, constituirão sempre o tipo de comunicação mais
profundo. Não importa o quão exaustivamente sejamos
analisados, nunca perdemos nossa impressão digital psíquica
e seu efeito exclusivo sobre o outro.
A forma de relacionamento mais fundamental que temos
é aquele entre nossos selves consciente e inconsciente. As
várias dualidades relacionadas que permeiam o pensamento
de Bollas colocam-nos em contato com um equilíbrio
subjacente na experiência humana, um que se aplica
igualmente à experiência subjetiva, momento a momento, e à
estrutura geral de uma personalidade. Ele nos lembra
106
continuamente de que as comunicações mais significativas
ocorrem ao nível da forma e não do conteúdo.
Quais são as implicações da metapsicologia bollasiana
para as tarefas e os objetivos da psicanálise?
As várias tradições psicanalíticas privilegiam diferentes
áreas do pensamento teórico — instintos, relações de objeto,
espontaneidade verdadeira do self, empatia, transferência —
que produzem uma variedade de objetivos terapêuticos. Para
Bollas, cada um desses elementos desempenha o seu papel,
no entanto ele considera a psicanálise como uma aspiração
muito mais abrangente e inclusiva: a exploração do
inconsciente como um todo.
Os meandros da experiência subjetiva e intersubjetiva
nos apresentam uma visão infinitamente complexa e Bollas
insiste em que nossa técnica clínica deve refletir, habilitar e
honrar essa complexidade. A psicanálise — análise da mente
— não deve ser reduzida à análise de sintomas,
relacionamentos ou experiências da vida infantil. Por mais
importantes que tais elementos sejam, permitir que qualquer
aspecto delineie o escopo de uma análise seria como examinar
uma característica arquitetônica de uma casa, sem nunca se
distanciar o suficiente para apreciar a construção como um
todo.
Sua insistência em que é o inconsciente do paciente e
não as teorias do analista que deve orientar o curso de uma
análise o traz de volta à descoberta inicial de Freud sobre o
uso terapêutico da associação livre, com foco na lógica latente
da narrativa do analisando. Sob várias perspectivas, Bollas
mostra como essa abordagem permite ao paciente habitar um
espaço transformador que libera a criatividade intrínseca do
inconsciente.
A visão que Bollas tem do alcance da psicanálise só pode
ser plenamente apreciada se estiver relacionada com a sua
metapsicologia como um todo: o inconsciente receptivo com
sua estrutura de genera psíquico — em desenvolvimento
contínuo — a interação intrincada do idioma com os objetos
evocativos, a multiplicidade dos estados de self, as muitas
categorias de comunicação inconsciente e a presença ubíqua
do conhecido não pensado.
Os psicanalistas têm escrito pouco sobre o que constitui
a mente saudável. Eles a tomam como algo certo, talvez. Para
Bollas, no entanto, a imagem da mente criativa saudável
sustenta sua compreensão de todos os aspectos do trabalho
clínico e enfatiza a importância de receber as partes
funcionais da mente do analisando no consultório. Seu
objetivo terapêutico, portanto, transcende a ausência de
patologia. Ao considerar a elaboração do idioma como a força
motriz do self, ele postula um propósito intrínseco, um senso

107
de futuro no indivíduo, e isso, afirma ele, deve ser reconhecido
e apoiado pela psicanálise.
A metapsicologia de Bollas oferece um quadro
abrangente e integrado, um modo de pensar sobre a mente
que é teoricamente coerente e clinicamente esclarecedor. Ele
oferece um vocabulário conceitual que amplia nossa
compreensão, tanto de redes infinitamente complexas de vida
mental quanto de extraordinário potencial da psicanálise.

108
Apêndice

Este livro centrou-se nos fundamentos da teoria da


mente de Bollas. Para os leitores que gostariam de explorar
outras áreas de sua escrita, a seguir vai uma lista cronológica
de artigos selecionados nos quais ele aborda psicopatologia,
psicanálise, técnica psicanalítica e questões de cultura e
sociedade.

I) Psicopatologia

‘O trissexual’ (SO)
O trissexual seduz os membros de ambos os sexos para
ganhar confiança a fim de que os outros desejem o seu self.
Ele é cativante e as pessoas se sentem privilegiadas por
estarem com ele, mas as relações são gradualmente
assexualizadas. Ele se torna um corpo sem gênero — uma
presença virgem. Seu objetivo é derrotar a sexualidade e
transformá-la em admiração.

‘O ódio afetivo’ (SO)


O ódio implica necessariamente a destrutividade? O ódio
afetivo pode ser usado para conservar o objeto, para
representar uma forma inconsciente de amor ou para compelir
o objeto a um relacionamento apaixonado. Ele pode preservar
uma identidade visando sobreviver à idealização parental,
antídoto para ser visto como o filho modelo, atendendo a
necessidade de expressar as partes primitivas do self. Alguns
pacientes desenvolvem um ódio pelo analista como forma de
garantir um relacionamento íntimo, porque a raiva dos pais
era a única experiência emocional, profundamente engajada,
disponível para eles enquanto filhos. O principal objetivo do
ódio afetivo é aproximar-se do objeto.

‘Doença normótica’ (SO)


Uma família cuja prioridade é ser convencional pode
criar na criança uma pulsão exacerbada para ser normal. A
vida é baseada em atividades; o contato com o mundo
subjetivo interior é perdido, ou nunca se formou de fato, e isso
traz uma dessimbolização do conteúdo mental. A vida consiste
em fazer em vez de ser. Um colapso mental ou uma tentativa
de suicídio pode ser o único modo de recusar a estrutura
normótica da família.

109
‘Introjeção extrativa’ (SO)
A identificação projetiva envolve livrar o self dos
elementos indesejados transferindo-os para outra pessoa. A
introjecção extrativa é o contrário: uma pessoa invade a mente
de outra pessoa e rouba uma parte de sua vida psíquica,
privando-a de um aspecto de seu próprio pensamento. Uma
criança que é constantemente atacada por suas traquinagens
perderá contato com sua própria culpa e a substituirá pela
ansiedade. Ela pode acabar com um sentimento generalizado
de injustiça porque sente que lhe são negados os elementos de
sua própria vida mental. Ela se sente vazia porque seu
conteúdo psíquico foi extraído.

‘O mentiroso’ (SO)
Mentir não é necessariamente o oposto de dizer a
verdade. A mentira psicopática é uma expressão da realidade
psíquica da pessoa; ela libera uma rede de significados
inconscientes e seus efeitos associados. Esse tipo de mentira
pode originar-se como uma fantasia reparadora, como a
tentativa de substituir os pais ausentes. O mentiroso pode
enganar as pessoas, isso confirma sua crença de que ele pode
manipular a realidade e isso lhe dá uma sensação de
segurança. Ele precisa da mentira para tornar real sua
experiência do self. A confusão do analista sobre o que é
verdade e o que é mentira constitui a possibilidade de
experiência de todo um ambiente interior.

‘A personalidade fantasmagórica’ (FD)


Algumas pessoas se afastam do contato espontâneo com
o mundo exterior e estimulam objetos alternativos que existem
dentro de um espaço mental interno construído, delimitado
por uma “linha fantasma”. Quando uma representação de
objeto passa por esta linha, ela é alterada e redefinida como
uma presença interior única. Ela sobrevive internamente
como um espírito, ou fantasma, que está dentro do controle
do indivíduo. Existe uma profunda recusa do ambiente
exterior; o mundo fantasmagórico atua como uma presença
confinadora que representa uma espécie de fetalização
retrospectiva dos estados do self.

‘O antinarcísico’ (FD)
O narcisismo positivo e realista é saudável, mas algumas
pessoas cultivam um narcisismo negativo que exclui a
elaboração do self. A auto difamação e a auto recriminação se
110
transformam em uma negatividade penetrante e dominante.
Se a criança experimenta idolatria pela mãe em lugar de uma
relação genuína, ela pode recorrer a embates com o pai na
tentativa de experimentar um relacionamento real. Cultivar
seus talentos reais pode fazer com que ela seja, mais uma vez,
idolatrada, então ela sabota suas próprias habilidades. Ela
constrói um self negativo para se opor à devoção irrefletida da
mãe.

“A inocência violenta” (SP)


A negação geralmente não é vista em termos de uma
relação objetal. No entanto, ela se torna uma espécie de
inocência violenta quando uma pessoa usa a incriminação de
outra como uma defesa. Ela simplifica a consciência do sujeito
e transfere os fenômenos desestabilizadores para outras
áreas. Ao fazer indagações aparentemente inocentes
destinadas a produzir transtornos, por exemplo, o inocente
violento cria confusão no outro enquanto exime-se de toda a
responsabilidade pelo mal que causa. Uma posição de
inocência é adotada como uma negação da percepção do
outro.

“Preocupation unto death” (CUP)


Existe um espectro que compreende a concentração
apaixonada, a preocupação e a obsessão. A obsessão paralisa
o trabalho natural da vida inconsciente através da criação de
falsas intensidades psíquicas. O objeto obsessivo é um
recipiente para a vida psíquica evacuada, e isso evita o uso
normal do objeto inconsciente. O analisando se sente
impactado e enlouquecido pelo objeto. A preocupação não
veda a liberdade interior da mesma maneira, mas cria-se um
espaço mental no qual o objeto existe para exclusão de tudo o
mais. A concentração apaixonada envolve um direcionamento
criativo e generativo de interesse pelo objeto em si, o que
auxilia as explorações inconscientes do mundo.

“Mind against self” (MT)


A psicose é discutida em termos, não de conteúdo
mental, mas da estrutura da relação entre o self e a mente. A
raiz de muitas doenças mentais reside no fato de se ver a
própria mente com alarme. A psicanálise é eficaz com a
psicose porque o analista não está alarmado com a mente do
paciente e pode quebrar seu poder ao se envolver com seus
conteúdos. Se o clínico também considera a mente do paciente
perigosa isso preserva a patologia já que as catexias tóxicas
não são desafiadas e os significados inconscientes não são
trazidos à tona.

111
“Mental Interference” (MT)
Em um paciente com uma depressão consolidada, a
mente torna-se insensível, ensejando um ataque contínuo ao
self. A ruminação substitui o pensamento e a regressão
representa um retorno inconsciente ao cuidado materno da
infância. Isso enfraquece o ego e os estados de confusão
atacam o funcionamento mental generativo. Ao fornecer
contenção e ao analisar o ódio nos processos mentais, o
analista gradualmente reanima o paciente, contrariando a
resistência passiva e a defensiva estase mental pela criação da
curiosidade.

“Dead mother, dead child” (MT)


No contexto de um paciente esquizoide com fantasias
paranoicas violentas, uma dicotomia é introduzida entre os
conceitos de introjeto e interjeto. Considerando que um
introjeto decorre de necessidades ou desejos do self, um
interjeto é um objeto interno resultante, por exemplo, de uma
identificação projetiva dos pais ou de um trauma na realidade
que viola o self. Essa interrupção agressiva do idioma do self
produz a sensação de falta de significado gerado
inconscientemente. A intrusão do real na pessoa causa um
estado suspenso, e a dor causada pelo trauma original torna-
se o principal sentido de self. Os pensamentos parecem
perigosos, pois estariam prestes a se tornarem eventos
insuportáveis no real.

“Borderline desire” (MT)


Para as pessoas que vivenciam a condição borderline, a
turbulência emocional torna-se o principal objetivo do desejo.
Perder o controle emocional e expressar queixas atinge um
efeito recorrente no self e isso causa satisfação. Os
sentimentos comuns são intensificados em experiências
intensas e perturbadoras. Para estabelecer a intimidade, eles
devem forçar esse estado primário no outro. Eles são
psiquicamente propensos a acidentes, qualquer coisa que não
seja a catástrofe parece sem vida. A turbulência é preferível ao
vazio.

Hysteria (Londres: Routhledge, 2000)


Neste livro, Bollas argumenta que o conceito de histeria
desapareceu da cultura contemporânea, sendo incluído em
outras categorias diagnósticas que obscurecem a centralidade
da sexualidade. Ele argumenta que a consciência da
sexualidade é inerentemente traumática, pois destrói a relação

112
primária com a mãe como cuidadora, transformando-a no
objeto sexual do pai e também da criança. A personalidade
histérica torna-se organizada em torno de uma recusa ao
conhecimento do corpo e da sexualidade. Os capítulos tratam
de diferentes aspectos, como a epifania sexual, as funções do
pai, a sedução, a demonstração, o self como o teatro e a
histérica perversa. Os capítulos 1 e 14 contêm valiosos
resumos e comparações dos diferentes transtornos do caráter.

When the Sun Bursts: The Enigma of Schizophrenia


(Yale, 2015)
Este é um relato evocativo e altamente pessoal das
experiências de Bollas ao trabalhar com crianças e adultos
que sofrem de esquizofrenia. Ele explora a estrutura e a lógica
do pensamento esquizofrênico e faz um apelo apaixonado por
uma abordagem psicanalítica intensiva, enfatizando a
necessidade de intervenção o mais rápido possível após a
constatação doença. Ele considera uma tragédia que muitos
pacientes esquizofrênicos sejam tratados com o
encarceramento desumanizante, medicamentos que alteram a
mente e isolamento. Os seres humanos têm um instinto
inerente para recorrer ao outro quando angustiados, e ele
argumenta que, mesmo nos estados mais profundos de
perturbação psíquica, esse deve ser o fundamento da cura.

II) Técnica psicanalítica

“Autoanálise e contratransferência” (SO)


Na psicanálise, a experiência deve vir antes da
interpretação. A capacidade de ser receptivo requer
tranquilidade — um estado de espírito relaxado e não
vigilante. Se o analista se abstém da interpretação, isso
promove o desenvolvimento do mundo privado do paciente.
Existem muitas formas de transferência. À medida que a
análise progride, há um deslocamento a partir da
transferência projetiva para o analista como um objeto
externo, e da transferência em direção ao analista como um
objeto interno, empregada como auxiliar no processo de
conhecer o self. A visão clássica da contratransferência era
que ela seria resolvida e a atenção uniformemente suspensa
retomada. Nos últimos tempos, ela tem sido reconhecida como
um estado de ser sempre presente no analista, disponível para
ser usado pelo paciente.

“Regressão comum à dependência” (SO)

113
Durante uma análise, haverá períodos de regressão
normal e benigna, em que o analista suspende a intervenção
ativa. Isso permite um processo generativo crucial: parte da
relação interna do analisando com as experiências do self. À
medida que a regressão se aprofunda, as mudanças no estado
de self resultarão em diferentes qualidades de silêncio. À
medida que cai em uma auto preocupação intensa e privada,
semelhante ao sensorial e ao poético, o analisando mergulha
no experimentar inconsciente.

“O muro e as interpretações” (FD)


Este artigo aborda a relação do analista com sua própria
subjetividade: pensamentos difusos, fantasias, sentimentos,
coisas que ele pensa em dizer, mas não diz, mudanças
graduais em sua concepção imaginativa do paciente. Cada
paciente é vivenciado de forma diferente, e grande parte do
trabalho analítico toma lugar dentro do analista. Existe um
perigo de enquadrar o paciente em um conjunto de
interpretações. A capacidade de não saber é uma realização e
a função de não saber precisa desempenhar um papel
explícito nas interpretações, transmitindo um elemento da
sensibilidade analítica. Este aspecto da técnica, descrito em
termos da dialética da diferença, mitiga o perigo de a
interpretação interferir na associação livre.

“A celebração do analisando pelo psicanalista” (FD)


A literatura psicanalítica é fortemente tendente à
consideração do que não funciona na psique humana. No
entanto, o tratamento analítico não deve consistir apenas do
negativo. Pode parecer mais problemático para o analista
analisar os instintos da vida do paciente, incluindo o amor
pelo analista. Assim como a análise da destrutividade não
deve ser condenatória, a análise dos instintos da vida não
deve ser gratificante ou abonadora. Deve haver
reconhecimento e aceitação do prazer envolvido em trabalhar
em conjunto e das capacidades reais do paciente, caso
contrário, o analista corre o risco de interferir nas
experiências de verdadeira espontaneidade criativa.

“A função múltipla do psicanalista” (FD)


A interpretação por si só não constitui um insight.
Somente quando o paciente pode usar as ofertas do analista
como objetos é que ele pode perceber algo dentro de si mesmo.
A técnica deve variar de acordo com o que está acontecendo.
Se, por exemplo, os sentimentos positivos são invariavelmente
interpretados como projeções, os pacientes sentirão que sua
capacidade de perceber o valor no outro é diminuída. As

114
várias escolas da psicanálise dão ênfases diferentes às
características da vida mental e, portanto, proporcionam ao
paciente objetos analíticos diferentes. Daí o pluralismo se
fazer necessário. O analista deve ser um objeto que
desempenha várias funções. O paciente evocará
inconscientemente diferentes partes da personalidade do
analista para desempenhar funções específicas. Precisamos de
uma “teoria das relações do sujeito” que reconheça o idioma
único de cada pessoa.

“O uso da associação livre pelo psicanalista” (SP)


O analista utiliza tanto sua própria subjetividade
disseminadora como uma perspectiva objetivadora. A
transferência e a contratransferência formam um diálogo
objetal-relacional o qual envolve uma dialética entre selves
simples e complexos que ocorre em ambos os participantes.
Ambos irão associar livremente; ambos serão receptivos. A
narrativa do paciente se dissemina na mente do analista, sua
lógica é apreendida, menos pelo pensamento do processo
secundário e mais pelos efeitos próximos da poesia ou da
música. As interpretações são formadas por muitos
elementos, como associações, observações, pensamentos e
imagens. A psicanálise tende a temer o aparentemente
irracional. Trata-se realmente de um temor da subjetividade
em si? O trabalho de análise será sempre muito mais
complexo do que qualquer teoria.

“A separate sense” (CUP)


O analista desenvolve um sentido distinto para cada
analisando, derivado da estética individual do paciente em
ser. Isso envolve um conjunto único de ideias, sentimentos,
imagens visuais e metáforas sônicas que implicitamente
reconhecem a complexidade densa e móvel da elaboração do
idioma pelo analisando. De modo inconsciente, ambos os
participantes desenvolvem um sentido, uma percepção
mútua, como processo, escolhendo qual disseminação seguir,
designando áreas a serem investigadas e propiciando a
formação de gravidades psíquicas que levam a novas
perspectivas. Estas são formas comuns do insólito, tanto para
o analista, que encontra o idioma do analisando, quanto para
este, que vivencia esse reconhecimento profundo.

“Sobre a interpretação de transferência como uma


resistência à associação livre” (MF)
Este artigo é uma crítica radical à técnica analítica que
se baseia na interpretação continuada da transferência. A
natureza essencialmente inconsciente da situação analítica é

115
negada pelo analista que tem uma agenda. Ele também deixa
de lado o resto da mente do analisando. Ao lado de
manifestações óbvias da transferência, muitas outras linhas
de pensamento inconsciente estarão se desenvolvendo dentro
e ao redor da situação relacional imediata. Ao apresentar os
casos aos colegas, o analista pode sentir uma intensa pressão
para se concentrar na transferência, repetindo assim a
experiência do paciente que é repetidamente confrontado com
ele na sessão. Ambos são suscetíveis de acatar o pressuposto
prevalecente e fornecer o que o grupo, ou o analista, espera
ouvir. Um fato selecionado é, portanto, transformado em uma
verdade total. Este foco reduzido constitui uma resistência ao
engajamento com a amplitude de ideias inconscientes
reveladas por meio do processo de associação e escuta livres.

“Free Association” (EOW)


Escrito para o leitor comum, trata-se de uma pesquisa
sucinta, mas abrangente sobre o tema da associação livre. Ele
também fornece uma síntese de muitos aspectos do
pensamento de Bollas, que defende um retorno à técnica de
Freud, baseado em associação livre e atenção uniformemente
suspensa, enfatizando a importância de se ouvir francamente
o que o analisando traz, sem prejulgar seu significado ou
impor qualquer hierarquia de significância. O objetivo é
desenvolver capacidades inconscientes em ambos os
participantes, um processo que é terapêutico em si mesmo.
Nele são discutidas as comunicações inconscientes e a
complexidade profunda do material associativo, na qual as
várias formas de lógica estão presentes — lógica da sequência,
da projeção, da transferência e da contratransferência e do
personagem — e ele introduz a ideia de um processo de
pergunta e resposta que é inerente à mente. Ele considera a
associação livre como uma forma de pensamento inconsciente
que serve ao impulso do self para elaborar o idioma.

A Questão Infinita (Londres: Routhledge, 2009)


Este livro desenvolve mais os tópicos discutidos no artigo
“Free Association”. Ele tem um foco mais técnico, usando
comentários altamente detalhados sobre material de caso para
demonstrar o desenrolar da lógica sequencial inerente à
narrativa do paciente. Ele também explora muitos outros
aspectos da associação livre, tanto do ponto de vista clínico
quanto teórico.

Catch Them Before They Fall (London: Routhledge, 2013)


Bollas descreve uma abordagem radical para o
tratamento de pacientes não psicóticos que estão à beira de
um colapso psíquico. Isso envolve a continuação do trabalho
116
psicanalítico, mas (por um período limitado) com intensidade
aumentada, proporcionando a oportunidade de fazer a
experiência com o núcleo de um self em seu estado mais
vulnerável e indefeso. Bollas acredita que, nesta situação, a
psicanálise é o tratamento de escolha, e que ao entregar o
paciente à medicação ou à internação, o analista nega o
potencial profundamente transformador do colapso psíquico.

Quando o Sol Explode: O Enigma da Esquizofrenia (Yale,


2015)
Veja a descrição na seção III deste apêndice

III) Sociedade e cultura

“Não preocupe o seu pai” (FD)


Este artigo explora o lugar na psique infantil do próprio
pai e do mundo do pai que existe fora da realidade do lar.
Pode haver uma dupla experiência, poderosa e frágil, do pai, e
seu retorno para casa protegido e orquestrado pela mãe, a
qual lhe oferece uma versão limitada do que aconteceu em sua
ausência. As rotinas temporais do pai são contrastadas à
atemporalidade da vida da criança junto da mãe. As fantasias
sobre a vida de trabalho do pai fornecem um prelúdio ao
envolvimento subsequente da própria criança com a realidade
que existe fora da família.

“O estado de mente fascista” (SP)


O fascismo pode existir na mente do indivíduo e do
grupo. Sob a pressão de intensa necessidade ou ansiedade, o
self/grupo perde seu modo democrático de funcionar e
começa a projetar. A mente deixa de ser complexa, pois perde
o caráter polissêmico da ordem simbólica e começa a operar
de maneira tirânica, eliminando toda a oposição. Em vez de
dúvida, incerteza e autoquestionamento, ela emprega a função
patológica da certeza, e isso deixa um vazio moral. Uma vítima
é escolhida para conter esse vazio, e ela deve ser exterminada.
Assim, um estado de mente torna-se um ato de violência e o
processo de aniquilação é idealizado. O processo de genocídio
intelectual envolve distorção dos pontos de vista do oponente,
descontextualização, depreciação, caricatura e assassinato de
personagem. Também pode haver genocídio intelectual por
omissão: os oponentes são eliminados por uma ausência de
referência ao seu trabalho ou cultura.

“The structure of evil” (CUP)

117
Neste artigo, Bollas expande nossa compreensão do
porquê de a palavra “mal” tem uma força tão evocativa.
Referindo-se ao livro do Gênesis, ele define o mal como
sequência de eventos em que a pessoa má começa por se
aproximar de um outro que está necessitado. Ele oferece
ajuda que é aceita com gratidão, barganhando, assim, com a
relação objetal mais primordial: a confiança básica em um
outro acolhedor. A vítima acredita na bondade do perverso,
que então cria uma reversão apocalíptica em que a vítima
percebe que ele confiou em quem desde sempre tencionava
fazer-lhe mal. O serial-killer simboliza essa estrutura, pois a
vítima percebe que ele ou ela será assassinada como resultado
dessa confiança.

“Creativity and psychoanalysis” (MT)


A arte reflete a densa sobredeterminação da vida
psíquica. Bollas discute a influência de Freud, e
especialmente do processo associativo livre, sobre os intensos
desenvolvimentos artísticos do século XX. Em particular, o
expressionismo abstrato representa uma influência
inconsciente que pode ser observada, mas não prontamente
compreendida. Freud rejeitou o significado do elemento
estético na vida mental, mas, assim como a realidade psíquica
pode ser transmutada para uma obra artística, o sonho
materializa a experiência interna do dia através de um
processo transformacional semelhante. A associação livre
oferece outros meios de autotransformação que aprimoram as
habilidades inconscientes do self.

China on the Mind (Londres: Routhledge, 2013)


Bollas compara as profundas diferenças nas
mentalidades das civilizações oriental e ocidental, vinculando-
as às ordens maternas e paternas. Os pensamentos orientais
favorecem o ser; os ocidentais priorizam o fazer. A linguagem
oriental é implícita e interpretativa; a verbalização ocidental
objetiva a lucidez explícita. Os aspectos de nossas diferentes
tradições psicanalíticas refletem essas polaridades, e ele vê a
abordagem freudiana como tendo potencial para conjugar as
duas formas de funcionamento psíquico.

Christopher Bollas Reader (Londres: Routhledge,


2011)
Esta é uma coleção de 16 ensaios, a maioria já fora
previamente publicada em outros volumes, que ilustram a
amplitude do pensamento bollasiano.
Duas entrevistas com Bollas são particularmente
esclarecedoras. Uma, com Anthony Molino, foi publicada em
118
Freely Associated: Encounters in Psychoanalysis (ed. Molino,
A., London: Free Association Books, 1997); outra, com
Vincenzo Bonaminio, forma os dois primeiros capítulos de O
Momento Freudiano (London: Routhledge, 2007)

The Vitality of Objects: Exploring the Work of


Christopher Bollas (ed. Scalia, J., London: Continuum,
2002), é uma vasta coleção de ensaios sobre a obra
bollasiana, os quais foram escritos por Joel Beck, Arne
Jemstedt, Adam Phillips, Gabriela Mann, James Grotstein,
Anthony Molino e Wesley Shumar, Jacqueline Rose, Joane
Feit Diehl, Michael Szollosy Greg Grasler e Kate Browne.

Generation: Preoccupations and Conflicts in


Contemporary Psychoanalysis de Jean White (London:
Routhledge, 2006) refere-se às ideias de Bollas num amplo
estudo comparativo da psicanálise contemporânea.

The Independent Mind in British Psychoanalysis de


Eric Rayner (London: Free Association Book, 1990) é um
relato enciclopédico da tradição Independente que inclui
muitas referências à obra de Christopher Bollas.

119
Índice remissivo
‘A personalidade fantasmagórica’ (Bollas), 47
‘A pulsão do destino’ (Bollas), 29, 32
apresentação do self, 52-55, 85
A Questão Infinita (Bollas), 65, 66, 71, 77, 78, 79
“Architecture of the unconscious” (Bollas), 62
‘Articulações do inconsciente’ (Bollas), 20, 66
A Sombra do Objeto: Psicanálise do Conhecido não Pensado
(Bollas): ‘Humores e o processo conservativo’, 36, 38; ‘Doença
normótica’, 46-8, 76; ‘Regressão ordinária à dependência’, 94,
99; ‘O self como objeto’ 42, 43; em relações do self, 42, 44, 45-
6, 48; ‘O espírito do objeto como a mão do destino’, 29-30, 55;
‘O objeto transformacional’, 28, 29; ‘O trisexual’, 46; ‘O
conhecido não pensado: considerações iniciais’, 36, 40
Aspectos da experiência do self’ (Bollas), 60
associação livre: uso pelo analista da, 91-2; em ‘Creativity and
psychoanalysis’, 81; definição e descrição da, 73-4;
‘Disseminação’ em, 76; seleção evocativa de objetos e, 75;
‘Free Association’, 72; O Par Freudiano baseado na, 84-93; o
idioma expresso através da, 75; em A Questão Infinita, 72, 77,
78, 79; conceitos-chave da, 72; principais ensaios e livros
sobre, 72; transformadores linguísticos ou frases de clichê na,
76; a lógica de sequência inconsciente na, 76-78; na
metapsicologia de Bollas 67, 72-81, 75-93, 96-103; a analogia
da música com a, 77, 78; ‘Doença normótica’ na, 76;
significado fonêmico das palavras na, 76; palavras
polissêmicas na, 76; dualidades psíquicas refletidas através
da, 74; formação de gênero psíquico através da, 80; processo
de perguntas e respostas, 79-80; radical, na complexidade
inconsciente, 67; inconsciente receptivo e, 72; desdobramento
ou destruição criativa através de 74-5; abordagens teóricas
pluralistas, 96 a 103; valor terapêutico do processo, 79 (ver
também par freudiano) ‘Associação livre’ (Bollas), 72
Balint, Michael, 56
Bettelheim, Bruno, 12
Bion, W. R., 13
Bollas, Christopher: a educação de, 12; as influências de, 12-
14; a metapsicologia de (ver metapsicologia de Bollas); o
histórico profissional de, 12-13; a escrita de, 13-15 (ver
também Apêndice e obras específicas)
Brennan, Eric, 12

120
Calder, Alexander, 23
‘Character and interformality’ (Bollas), 51, 52
China on the Mind (Bollas) 18, 61, 93-4, 89
‘Communications of the unconscious” (Bollas), 84
complexidade inconsciente: categorias de comunicação, 66-9;
potencial criativo, 69-70; ‘Disseminação’, 69; o par freudiano
explorando a, 91, 92; congruência idiomática, 68; A Questão
Infinita, 66; conceitos-chave, 66; principais ensaios e livros
em 66; a linguagem explicada pela, 66-8; na metapsicologia de
Bollas, 66-70, 91, 92; analogia musical para, 66, 68; foco
psíquico versus disseminação, 69, 91; Genera psíquicos
criados através da, 68-69; ‘Transformações psíquicas’, 68-69;
Associações livres radicais, 66
‘Conjuntos históricos e processo conservativo’ (Bollas), 94, 102
Cracking Up (Bollas): ‘Communications of the unconscious’,
84; ‘Dissemination’ 66, 69, 76; sobre o idioma, 32;
‘Preoccupation unto death’ 64; ‘What is this thing called self?
43, 48
‘Creativity and Psychoanalysis’ (Bollas), 72, 81
dejeção estética, 64
De Kooning, Willem, 13
destino, 34-5
‘Destruição necessária da psicanálise’ (Bollas) 29, 84, 91
distúrbios depressivos, 64, 74-5, 80
‘Dissemination’ (Bollas), 66, 69, 76
distúrbio maníaco-depressivo, 80
doença normótica, 45-6, 61
‘Doença normótica’, (Bollas) 46-7, 76
doença psicótica, 48-9
dualidades psíquicas: teoria integrada de Bollas, 105-6; China
on the Mind, 18; integração de análise de sonhos, 17;
pensamento oriental versus ocidental, 18; associação livre que
reflete as, 74; o par freudiano simbolizando, 89 a 92; de
ordens maternas e paternas, 17-19, 89-91; na metapsicologia
de Bollas, 17-20, 74, 89-92, 105-6
ego, 21, 23, 26, 31, 33-4, 35, 37, 41, 45, 48, 64, 73, 81, 86,
89, 100
esquizofrenia, 12, 46, 47-8, 80
fado, 34-5
Fairbairn, Ronald, 56
Forças do Destino: Psicanálise e Idioma Humano (Bollas): ‘O
antinarcísico’, 46; ‘A pulsão do destino’, 29, 33; ‘A
personalidade fantasmagórica’ 46; ‘Conjuntos históricos e
processo conservativo’, 93, 100; ‘O muro e as interpretações’,
84, 87, 89; ‘Uma teoria para o verdadeiro self’, 29
formas de arte, metapsicologia em relação às 12, 31, 43, 51-2,
68, 77, 79-80
Freud, Anna, 12
Freud, Sigmund: Bollas influenciado, 12; em associação livre
71-5, 77; par freudiano baseado em técnicas de, 88-91; teoria
integrada original de, 103; ‘metapsicologia’ cunhada por, 103;

121
sobre pontos nodais, 67; princípio do prazer de, 35; sobre
recalque/repressão, 20, 21-22, 23, 25, 93, 104; sobre
objetificação do self, 44; teoria estrutural de, 20-1, 22-3;
pluralismo teórico, incluindo conceitos de, 94-102; conceito de
apresentações de, 37; teoria topográfica de, 18-19, 22-23;
sobre o inconsciente, 19-22, 32
genera psíquicos: teoria integrada de Bollas, 104; definição e
descrição dos, 24, 43; livre associação e formação dos, 80; o
par freudiano, 93-4; links de intuição para, 26; ‘Genera
psíquicos’ em 25; inconsciente receptivo, 22-25; self composto
de, 41-2; complexidade inconsciente criando,68-69
‘Genera psíquicos’ (Bollas), 19, 26
Green, André, 12
Grupo de Estudo Europeu para o Pensamento Inconsciente,
12
Harris, Matte, 12
Heimann, Paula, 12
Hepworth, Barbara, 31
id, 20, 21, 33, 34-5, 44
‘Identificação perceptiva’ (Bollas), 56, 93
identificação projetiva 51, 57-59
idioma: momento estético formado pelo, 29-30, 31, 56;
artistas que refletem o idioma pessoal, 32; teoria integrada de
Bollas em 104-6; personagem e inter-relação influenciados
pelo, 50, 51-3, 55; congruência de comunicação com, 68;
Cracking Up, 32; ‘A pulsão do destino’ no, 33; ‘O objeto
evocativo’ no, 31; objetos evocativos que refletem o, 56-7, 58-
62, 63; expressão e elaboração do, 34-5, 56-7, 58-62, 63; fado
e destino em relação ao, 34-5; forma vs. conteúdo refletindo
31-2; associação livre expressando, 75; o par freudiano
percepção e sintonização de 85, 86-9; como núcleo do self, 29-
30, 34, 105; conceitos-chave, 29; principais ensaios, 29;
materno 36, 39; papel materno em reconhecer, 29-30, 32, 46,
56; inconsciente receptivo em relação ao, 30-31, 34; relação
do self impactada pelo, 46-7; ‘O espírito do objeto como a mão
do destino’, 29-30; objeto transformacional para o, 29, 32, 56;
‘O objeto transformacional’, 28; matrizes traumáticas
impactando 29-30, 33-34; conceito de self verdadeiro versus,
32-3; conhecido não pensado, 37-8, 39-40
inconsciente: inconsciente receptivo, 19-26, 29-31, 34, 51-2,
56, 72, 104-7; recepção inconsciente do personagem, 52;
comunicação inconsciente, 22, 23, 51-3, 67-8, 88-9, 97-8,
100-102, 105-6; complexidade inconsciente, 65-70, 91, 92;
criatividade inconsciente, 66-70, 91, 92; criatividade
inconsciente 21, 23, 105; percepção inconsciente, 21-22, 23,
105; o conhecido não pensado, 37-40, 88
inconsciente receptivo: em Sendo um Personagem, 23; teoria
integrada de Bollas, 104-6; objetos evocativos no, 56;
associação livre e, 72; teoria estrutural de Freud em, 20-21,
22-23; e idioma, 29-30, 34; conceitos-chave, 19; principais
ensaios, 18; na metapsicologia de Bollas, 18-25, 29-30, 33,

122
50-3, 55, 71, 103-6; genera psíquicos e, 22-25, 29-30; ‘Genera
psíquicos’ no, 24; repressão vs. receptividade no, 20-22, 23,
24-26; matrizes traumáticas impactantes no, 52; comunicação
inconsciente no, 22, 23, 51-2, 105-6; criatividade inconsciente
no, 21, 23, 105; percepção inconsciente no, 21-2, 23, 105; ‘O
que é teoria?’ no, 20
interformalidade, 53-5, 84
‘Interpretação de transferência como resistência à associação
livre’ (Bollas), 84
Interpretação dos Sonhos, (Freud), 21, 68
inter-relações, ver personagem e inter-relação
intuição, 26
Khan, Masud, 98
Klein, Melanie/tradição kleiniana, 12, 42, 55, 56, 75, 96-102
Kohut, Heinz, 13
Lacan, Jacques, 13, 76
mães ver a ordem materna
Mahler, Margaret, 12
matrizes traumáticas: objeto evocativo e 60, 62; idioma
afetado por 30-1, 33-4; interformalidade, 53; inconsciência
como resposta a, 46; inconsciente receptivo impactado por 20,
25, 30-1, 34
Meltzer, Donald, 12
metapsicologia de Bollas: caráter e inter-relação em 50-3;
objetos evocativos (Bollas), 35, 37
momento estético, 29-30, 57
não pensado: transferência analista-paciente, 39-40; ‘Sendo
um personagem’, 37; noção consciente do, 39-40; o par
freudiano como derivado do, 88; idiomas que influenciam o,
37-8, 39-40; conceitos-chave, 37; principais ensaios, 37;
ordem materna e desenvolvimento do, 37-39, 88; ‘Humores e o
processo conservativo’, 37; humores refletindo, 37-39; lógica
processional formativa para o, 37; ‘O conhecido não pensado:
considerações iniciais’, 32; ‘O que é a teoria?’, 37 ‘O
antinarcísico’ (Bollas), 47
obsessão, 63, 73
objetos aleatórios, 60, 63
objetos transformacionais, 29, 32, 41, 57
‘O antinarcísico’ (Bollas), 47
“O conhecido não pensado: considerações iniciais” (Bollas)
37, 39
O Ego e o Id (Freud), 21
‘O objeto evocativo’ (Bollas), 39, 40, 64, 66, 73
objetos evocativos: dejeção estética a partir do desajuste com,
63 objetos aleatórios como, 59, 62 ‘Arquitetura e o
inconsciente’, 61; forma de arte dos, 61-2; ‘Aspectos da
experiência do self’, 60; a teoria integrada de Bollas sobre,
103; China on the Mind, 61; a concentração, 63; ‘O objeto
evocativo’, 58, 64; The Evocative Object World, 56; livre
associação e a seleção, 75; O Momento Freudiano, 57; o
idioma expresso através dos, 56-7, 58-65; o ambiente

123
inanimado dos, 56, 57-8, 60; os conceitos-chave, 56;
principais ensaios sobre, 56; na metapsicologia de Bollas, 56-
64, 75, 103; objetos mnêmicos como, 58, 59, 62; doença
normótica e seleção, 62; obsessão com, 63; patologia refletida
através, 62-3; identificação perceptiva de, 57-8; em
‘Preoccupation unto death’, 63; preocupação com, 63;
identificação projetiva de, 57-59; resposta inconsciente
receptiva, 56; objetos terminais não, 59-60, 63; matrizes
traumáticas e, 60, 62; pensamento inconsciente via seleção
de, 60-62, 63; objetos aleatórios, 60, 63
objetos transformacionais, 29, 32, 40, 56
‘O espírito do objeto como a mão do destino’ (Bollas), 29-30,
56
‘O objeto transformacional’ (Bollas), 29, 30
‘Os objetivos da psicanálise’ (Bollas), 72
O Momento Freudiano (Bollas): ‘Articulações do inconsciente’,
20, 65; em objetos evocativos, 57-58; ‘Sobre a interpretação de
transferência como resistência à associação livre’, 95, 96;
‘Identificação perceptiva’, 56, 93; ‘Transformações psíquicas’,
20, 66, 78-79, 93; ‘Interpretação de transferência como
resistência à associação livre’, 85; ‘O que é teoria?’, 20, 37,
93-4
‘O muro e as interpretações’ (Bollas), 84, 87, 89
O par freudiano: dialética da diferença no, 87-8; associação
livre como base para o, 84-92; percepção idiomática e
sintonização no, 84, 88-9; interformalidade no, 85; conceitos-
chave do, 84; ensaios essenciais sobre o, 84; na
metapsicologia de Bollas, 84-92; ‘Destruição necessária da
psicanálise’ no, 93; ‘O muro e as interpretações’ no, 98, 100;
evasão de ilusão de onisciência no, 88; identificação
perceptiva no, 88; dualidades psíquicas simbolizadas pelo, 88-
92; genera psíquico no, 91-2; ‘O uso da associação livre pelo
psicanalista’ no, 90; consciência de repressão no, 87;
oscilação de estado do self no, 90-1; transferência no, 89-90;
comunicação inconsciente no, 87-88; complexidade
inconsciente explorada pelo, 90, 91 “O que é teoria?” (Bollas),
20, 37, 93-4
“O que é isso chamado de self?” (Bollas) 43, 48
ordem materna: links de associação livres com a, 74; o par
freudiano operando na, 89-91; idioma reconhecido na, 29-30,
32, 46, 56; idioma, 37, 40; mãe como objeto de
transformação, 29, 32, 56; dualidades psíquicas do paterno e
da, 17-18, 89-91; o conhecido não pensado refletindo a, 37-
39, 40; privilégio winnicottiano da, 99, 100, 102
ordem paterna: associação livre subversão, 74; o par
freudiano operando na, 88-91; dualidades psíquicas da
identificação perceptiva materna e, 17-18, 89-91, 57-8, 88
‘O self como objeto’ (Bollas), 43, 44
pais ver ordem paterna
personagem e inter-relação: em “Sendo um personagem”, 51-
2; ‘character and interformality’ em, 52; a definição de, 51;

124
sobre forma x conteúdo da comunicação de, 52-7; a influência
do idioma, 51, 52-5; interformalidade em, 54-5; teoria da
identificação projetiva em, 52; representação do self vs.
apresentação do self em, 53-4
personalidade borderline, 81-2
pluralismo teórico: China on the Mind, 95, 99; associação livre
impactada por 96-103; conceitos freudianos, 96-103;
‘Conjuntos históricos e o processo conservativo’, 102;
conceitos de conjuntos históricos, 102-3; conceitos-chave, 94;
principais ensaios e livros, 94; tradição kleiniana, 96-103; na
metapsicologia de Bollas, 14, 94-102; ‘The mystery of things’,
101; na interpretação de transferência como uma resistência à
associação livre, 96; ‘Regressão ordinária à dependência’, 99;
conceitos de regressão, 97-8, 100-102; ‘O que é teoria?’, 94-5;
abordagem winnicottiana, 99-103
Pontalis, J.-B., 12
‘Preoccupation unto death’ (Bollas), 64
princípio do prazer, 35
psicanálise: metapsicologia de Bollas de (ver metapsicologia de
Bollas); britânica, 12, 13, 15, 55, 72, 95-103; francesa, 12-13,
76; freudiana, (ver Freud, Sigmund)
Psicanálise britânica/British Independent Group/Escola de
Relações Objetais Britânica, 12-16, 56, 72, 85-93
psicanálise francesa, 12-13, 76
psicopatologia: personalidade borderline como, 79-80;
transtornos depressivos como, 62, 74, 80; doença normótica
como, 46-7, 62; obsessão como, 63, 74; doença psicótica
como, 47-8; esquizofrenia como, 12, 46, 47-8, 80
regressão, 89-80
‘Regressão ordinária à dependência’ (Bollas), 94, 99
relacionamento analítico ver O par freudiano
relações do self: ‘O antinarcísico’ em, 46; consciência do self
em, 46-47; ‘Sendo um Personagem’, 48; corpo em, 44;
distúrbio ou psicopatologia em, 46-48; sonhos refletindo, 46-
46; ‘A personalidade fantasmagórica’, 46; idioma afetando, 46-
7; diálogos internas em, 43; conceitos-chave, 43; principais
ensaios, 43; na metapsicologia de Bollas 43-9; ‘Mind against
the self’, 43, 46; mente, 43-4, 46-7; ‘Doença normótica’, 45-6;
pluralidade de, 43, 44, 47; genera psíquicos, 43-43; ‘O self
como objeto’, 44; objetificação do self, 43-8, 47-80; ‘O
trisexual’, 46; unidade de, 43, 48; ‘O que é isso chamado de
self?’, 43, 47; ‘A sabedoria dos sonhos’, 45
representação do self, 52-4
repressão/recalque: consciência do par freudiano, 87; Freud
sobre, 20-1, 22, 24, 93, 104; receptividade vs., 20-21, 22, 23-
24
Sendo um Personagem: Psicanálise e Experiência do Self
(Bollas): ‘Aspectos da auto-experiência’ 61; ‘Sendo um
personagem’ 29, 37, 38, 49, 51-2; ‘O objeto evocativo’, 31, 37,
56, 64; ‘Genera psíquicos’ 20, 26; ‘O uso da associação livre
pelo psicanalista’ 84, 90; inconsciente receptivo, 23

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‘Sobre a interpretação da transferência como resistência à
associação livre’ (Bollas), 93, 95
sonhos: teoria integrada de Bollas sobre os, 103-4; análises de
sonhos integração de dualidades psíquicas, 17; associação
livre, 72, 75, 77, 78; relações do self, 45-6; a complexidade
inconsciente dos, 68; o papel do inconsciente no trabalho dos,
20, 21, 22
superego, 20, 22, 44, 98
teoria integrada: sonho, 103-4; objetos evocativos, 103; idioma
em 104, 105-6; implicações para a psicanálise, 105-6;
metapsicologia de Bollas como, 103-6; dualidades psíquicas,
104-5; genera psíquico, 104; inconsciente receptivo em 103-6
The Christopher Bollas Reader (Bollas): ‘Character and
interformality’, 51-2, 53; ‘The wisdom of dreams’, 45
The Evocative Object World (Bollas): ‘Arquitetura e
inconsciente’, 61; ‘The evocative object world’, 56; ‘Associação
livre’, 71
The Mystery of Things (Bollas): ‘Creativity and
psychoanalysis’, 13, 81; ‘Os objetivos da psicanálise,’ 71;
‘Mind against the self’, 43, 44-5, 47; ‘The mystery of things’
101; ‘As necessárias destruições da psicanálise’ 29, 83, 92
‘The wisdom of dream’ (Bollas), 45
transferência, 39-41, 90-1, 96-9, 100
‘Transformações psíquicas’ (Bollas) 20, 66, 78-69, 93
‘Trisexual’ (Bollas), 46
Tustin, Francis, 12
‘Uma teoria para o verdadeiro self’ (Bollas), 29
verdadeiro self, 32-3
When the Sun Bursts: The Enigma of Schizophrenia (Bollas),
39
Winnicott, Donald/A abordagem winnicottiana, 12, 13, 29,
32-3, 55, 57, 62, 99-103
York, Clifford, 12

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