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Seminário Bíblico Palavra da Vida

HISTÓRIA DO ORIENTE MÉDIO ANTIGO

2005
Autoria de Carlos Osvaldo Pinto

Proibida a reprodução sem autorização


ÍNDICE

INTRODUÇÃO: O Cenário e Os Atores ........................... 5

I. A MESOPOTÂMIA ANTIGA ...............................6

A. Contexto Histórico ................................6


1. Primórdios
2. O império acádico
3. O renascimento de Sumer
4. O domínio dos amorreus na Mesopotâmia
5. A dinastia cassita em Babilônia
B. Contexto Religioso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1. A religião suméria
2. A religião acádica
3. Quadro comparativo das divindades sumérias e acádicas

II. O EGITO ANTIGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

A. A Pré-História do Egito
B. Cronologia Dinástica do Egito
C. O Período Proto-Dinástico e o Reino Antigo
D. O Primeiro Período Intermediário
E. O Reino Médio
F. O Segundo Período Intermediário
G. O Reino Novo
H. O Reino Novo - Período de Amarna
I. O Reino Novo - Declínio
J. A Religião Egípcia

III. OS HITITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

A. Origens
B. O Reino Antigo
C. O Período Intermediário
D. O Império
E. Cultura e Religião
IV. OUTROS POVOS DO ORIENTE MÉDIO ANTIGO . . . . . . . . . . . . . . . . 32

A. Os Assírios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
1. O reino antigo
2. O reino médio
3. O reino novo
B. Os Hurrianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
C. Os Elamitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
D. Os Cananeus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
E. Os Amorreus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
F. Os Filisteus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
G. Os Arameus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
H. Os Caldeus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
I. Os Medos e Persas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

V. O PERÍODO INTERTESTAMENTAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

A. Contexto Político . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
1. O domínio persa sobre a Palestina
2. O domínio macedônio sobre a Palestina
3. A divisão do império macedônio
4. O domínio ptolemaico sobre a Palestina
5. O domínio selêucida sobre a Palestina
6. O domínio hasmoneano sobre a Palestina
7. O domínio romano sobre a Palestina
B. Contexto Religioso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
1. Templo, sinagoga e Torâ
2. Expectativa messiânica
3. Grupos religiosos

VI. TABELAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Introdução: O Cenário e os Atores

A história do OMA é, principalmente, a história dos povos semíticos e sua


interação no que é conhecido como o Crescente Fértil, uma faixa de terra em
formato aproximado de lua crescente, que se estende da fronteira entre o Egito e
Canaã, passando por Canaã, pelo Líbano, parte da Síria e ocupando todo o vale dos
rios Tigre e Eufrates, terminando na foz dos dois rios, no Golfo Pérsico.

Limitada a leste,
oeste e norte pelo Crescente
Fértil, está uma vasta região
árida que compreende a
península arábica e o deserto
da Síria, de onde tribos de
beduínos saíram de uma vida
de mera sobrevivência
nômade em busca de uma
vida mais farta nas áreas
férteis além do horizonte.
Depois de algum tempo,
abandonaram o nomadismo,
estabeleceram-se em tais regiões e absorveram a cultura à sua volta.

Os primeiros a se transformarem de pastores nômades em agricultores e


aldeões foram os acádicos (ou acadianos), que já ocupavam a parte central do vale
mesopotâmico quando os sumérios, povo de origem nebulosa (provavelmente indo-
arianos), se estabeleceram na parte meridional, próxima ao Golfo Pérsico. As datas
de tais eventos são difíceis de precisar, mas crê-se que os acádicos começaram a
ocupar a Mesopotâmia por volta do início do terceiro milênio a.C. As evidências mais
antigas da civilização suméria datam de aproximadamente 3000 a.C.

A onda migratória seguinte foi a dos amorreus, a quem os acádicos


chamavam de "povos do oeste". Na verdade, essas tribos saíram do deserto da Síria
tanto para o leste quanto para o oeste (cf. a sua presença na terra de Canaã ao
tempo de Abraão). Essa nova migração se deu por volta da virada do segundo
milênio a.C. Um evento contemporâneo a isso é a entrada dos cananeus no que
hoje é Israel e Jordânia.
6 • História do Oriente Médio Antigo

Próximo do final do segundo milênio, surgiram os arameus, que se


estabeleceram nas cercanias de Damasco e em pequenos bolsões próximos ao
Eufrates na Alta Mesopotâmia. Aparentados com estes últimos são os caldeus, que
se deslocaram para o delta dos rios Tigre e Eufrates, ocupando aquela região
pantanosa por vários séculos, até eventualmente dominarem toda a região no final
do século VII a.C.

Menos conhecidos, provavelmente por seu pouco envolvimento com a


história bíblica, são os cassitas, que dominaram Babilônia por quatro séculos (1530-
1150 a.C.), e que tinham alguma ascendência indo-européia, os hurrianos (na Bíblia
chamados de horeus), vindos da Armênia, que se espalharam por toda a região e
fundaram o reino de Mitanni, na parte central da Mesopotâmia (1500-1350 a.C.),
e os hititas (povo também de origem indo-européia), que estabeleceram um vasto
império centrado na Anatólia (atual Turquia). Esse império chegou a ser a segunda
potência no OMA, pouco depois do Êxodo.1 Os hititas (heteus na Bíblia) passam nas
páginas da história entre 1800 e 1200 a.C. Seu império foi destruído por mais uma
onda migratória, desta vez vinda do oeste e do mar, os chamados Povos do Mar,
cujos representantes bíblicos são os filisteus.

Um tanto ou quanto à margem do Crescente Fértil, mas a ele ligado


cultural, comercial, política e militarmente, estava o Egito, cuja população era um
misto de tribos camitas, vindas tanto do sul quanto da península arábica. Os inícios
da história egípcia coincidem aproximadamente com os primeiros vestígios da
civilização suméria (c. 3000 a.C.).

I. A Mesopotâmia Antiga

A. Contexto Histórico

1. Primórdios - Os Sumérios

A civilização e a cultura desceram gradativamente das montanhas e


vales da Alta Mesopotâmia (norte) para a Baixa Mesopotâmia (sul) a partir do fim
do quinto milênio, no início da chamada Era Calcolítica (Era da Pedra e do Bronze).
Da metade para o fim do quarto milênio a.C. houve o desenvolvimento da arte
cerâmica e da agricultura, com projetos rudimentares mas importantes de

1
Levando em conta a chamada cronologia alta, que situa o Êxodo por volta da metade do século XV
a.C.
A Mesopotâmia Antiga • 7

drenagem e irrigação, facilitando a vida sedentária e o surgimento de vilas e aldeias.


Isso trouxe maior complexidade comercial e social, o que estimulou o surgimento
das mais antigas cidades, organizadas em torno dos templos.

Durante o quarto milênio a.C. os sumérios, povo de origem geográfica


e racial desconhecida, e os semitas residentes conviveram na Baixa Mesopotâmia.
Por volta do século XXXV a.C. surgem as primeiras inscrições pictográficas em
Ereque (Uruk ou Warka), que gradativa-mente viriam a assumir o caráter
cuneiforme (houve a passagem pelo ideográfico e daí ao silábico).

Este período é realmente o limiar da


história documentada. As artes se desenvolveram e
as cidades cresceram, passando a serem protegidas
por muralhas. A de Ereque, por exemplo, tinha
quase dez quilômetros de extensão e possuía
novecentas torres. O Épico de Gilgamés atribui a
construção dessa muralha a Gilgamés, o lendário rei
de Ereque.2

Com a entrada do terceiro milênio cresceu a importância social do rei


na vida dos sumérios, e surge o período dinástico antigo (2850-2350 a.C.). Das
muitas cidades surgidas na época (Mari, Assur, Nippur,
Shuruppak, Eridu), a mais importante foi Ur, cuja
ascendência durou até 2350 a.C. Igualmente importante,
por ter preservado muito de sua história, foi Lagash. Ali
aconteceu o que se pode chamar a primeira reforma social
da história, promovida por Urukagina, que foi elevado ao
trono pelo povo e tomou medidas para proteger os pobres
e restringir a ganância dos sacerdotes.3 Um dos
governantes mais famosos de Lagash foi Gudea, cuja

2
Cf. ANET, p. 73. "Aquele que viu todas as coisas até os confins da terra, que tudo experimentou e
tudo considerou ... viu o que estava escondido, expôs o que não fora revelado. Ele trouxe um relatório
do que aconteceu antes do Dilúvio, realizou uma grande viagem, cansando-se e repousando. Toda a
sua labuta ele registrou numa estela de pedra. Ele construiu a muralha da cidade murada de Uruk e
da santa Eanna o puro santuário."

3
Cf. ANET, p. 526. Os textos legais posteriores nos deixam perceber o tipo de conteúdo dessas leis.
Eram formuladas em termos casuísticos. Por exemplo: "Se [um filho] disser a seu pai e a sua mãe:
Tu não és meu pai e tu não és minha mãe,' perderá [seu direito a] casa, campo, pomar, escravos
e [qualquer outra] propriedade, e eles poderão vendê-lo [como escravo] a dinheiro por valor pleno."
8 • História do Oriente Médio Antigo

representação em diversas estátuas apresenta uma espécie de ideal de vida para


a época – serenidade e piedade.

A hegemonia dos sumérios veio ao fim quando Lugalzaggisi, rei de


Umma, tentou unificar as diversas cidades-estado sob sua autoridade, destruindo
Lagash e submetendo outras localidades. Transformou Ereque (Uruk) em sua
capital, mas seu império sumério durou pouco; os acádicos, ex-nômades que
haviam se estabelecido na Mesopotâmia e assimilado a cultura suméria, estavam
prontos a assumir a condução política da região.

2. O Império Acádico (2360-2180 a.C.)

Sargão I foi o fundador do primeiro império da história, o império


acádico. Depois de derrotar Lugalzaggisi,4 o vigoroso monarca empreendeu as
conquistas de Ereque, Ur e todo o território sumério até o Golfo Pérsico. Aventurou-
se a leste, conquistando os elamitas, investindo ainda contra a região da atual Síria
e chegando até ao atual Líbano. Sargão construiu uma nova capital, Agade, cuja
localização é desconhecida.

Embora reverentes para com a cultura suméria, os acádicos


espalharam sua língua, cultura e arte militar por todo o Crescente Fértil. Por
duzentos anos os descendentes de Sargão regeram a Mesopotâmia, mas eventual-
mente a força dinástica se esgotou e o império foi conquistado pelos gutianos, povo
semi-bárbaro dos Montes Zagros, na região do moderno Irã.5 Por cem anos (2180-
2080 a.C.) a Mesopotâmia suportou um declínio cultural e social sob o domínio dos
gutianos.6

4
Cf. ANET, p. 267. "Sargão, rei de Agade, superintendente de Istar, rei de Kish, sacerdote ungido de
Anu, rei do país, grande ensi de Enlil; ele derrotou Uruk e derrubou sua muralha; na batalha com os
habitantes de Uruk ele foi vitorioso. Lugalzaggisi, rei de Uruk, ele capturou nessa batalha, trazendo-o
numa coleira até o portão de Enlil. Sargão, rei de Agade, foi vencedor na batalha contra os habitantes
de Ur, cidade que derrotou e cuja muralha derrubou ..."

5
Esta catástrofe foi explicada "teologicamente" num documento chamado "A Maldição de Agade" como
o abandono da civilização acádica pelos principais deuses (Inana, Ninurta, Enki e Utu) por causa da
atitude desafiadora de Naram-Sin, quarto regente acádico (provavelmente um dos netos de Sargão).
Cf. ANET 646-650. Naram-Sin (2254-2218 a.C.) lutou contra um povo que ele chamou de lullubi, que
talvez deva ser identificado com os gutianos

6
O Lamento pela Destruição de Sumer e Ur diz (linhas 223-4, 233): "’Ó minha cidade destruída, minha
casa destruída!', chorou ele amargamente. Eridu, a cidade que transbordava de grandes' águas foi
privada de água potável ... Os gutianos, os destruidores, nos estão esmagando ..." ANET, p. 615. A
A Mesopotâmia Antiga • 9

3. O Renascimento de Sumer (Terceira Dinastia de Ur, 2060-


1950 a.C.)

Ao destruirem o poder de Acade, os gutianos permitiram a recuperação


dos sumérios, que pouco sofreram ao sul da Mesopotâmia. O rei de Ereque,
Utuhegal foi o responsável pela derrota dos gutianos, mas quem dela se aproveitou
foi Ur-Nammu, de Ur, que se revoltou e tomou o título de "rei de Sumer e Acade".
Dessa época datam códigos legais que serviriam de base para
o famoso Código de Hamurábi.

Nessa fase, a cidade de Ur possuía cerca de 24 mil


habitantes e ocupava uma área de 640 mil metros quadrados.
Seu último rei foi Ibbisin, derrotado e aprisionado pelos
elamitas. Com ele morreram a unidade do império sumério-
acádico e o domínio dos sumérios sobre a Mesopotâmia.

Parte do Código
de Ur-Nammu (2050 a.C.)

4. O Domínio dos Amorreus Sobre a Mesopotâmia

Por cerca de 150 anos ocorreram disputas entre várias forças políticas
na região. Os elamitas obtiveram uma certa hegemonia na região próxima ao Golfo
Pérsico e no atual Irã. Em Babilônia um amorreu, Sumu-abum instalou-se como
governante independente, enquanto que ao norte, a Assíria, se
afirmava como a guardiã da tradição e da herança acádica.

Enquanto os elamitas assumiam o controle da Baixa


Mesopotâmia, os amorreus ("povos do oeste") se espalhavam e se
estabeleciam por todo o Crescente Fértil, dominando a Palestina e
a região próxima ao Médio Eufrates, adotando a cultura sumério-
acádica e estabelecendo cidades- estado por toda a região.

Na segunda metade do século XVIII a.C. os elamitas


pareciam encaminhar-se para o domínio completo da Baixa
Mesopotâmia, quando foram surpreendidos e suplantados pelo

cronologia alta, adotada neste curso, sugere que Abraão viveu em Ur durante o período de domínio
dos gutianos.
10 • História do Oriente Médio Antigo

amorreu Hamurábi, de Babilônia (1728-1686 a.C.). Depois de derrotar Rimsin, o


governante elamita de Larsa, Hamurábi conquistou Mari, um reino vassalo da
Assíria. Terminadas suas conquistas, Hamurábi se voltou para a administração de
seu reinado, para a qual preparou um código legal.7 Não foi uma obra original, mas
uma compilação e editoração de material já existente na legislação sumério-acádica
(códigos de Ur-Nammu e de Lipit-ishtar).

Exemplos de Legislação Mesopotâmica


Ur-Nammu (~2100 a.C.) Lipit-ishtar (~1950 a.C.) Hamurábi (~1700 a.C.)

Lei 6 - Se um homem se Lei 28 - Se um homem voltar Lei 138 - Se um nobre quiser


divorciar de sua primeira seu rosto contra sua primeira divorciar-se de sua esposa
esposa, deverá pagar a ela esposa ... mas ela não tiver que não lhe deu filhos,
uma mina de prata. saído de sua casa, a mulher devolverá a ela toda a quantia
que ele tiver desposado como de seu preço de casamento e
sua favorita é uma segunda também o dote que ela trouxe
esposa; ele terá que continuar da casa de seu pai, e só então
sustentando sua primeira poderá divorciar-se dela.
esposa.

Lei 11 - Se um homem acusar Lei 25 - Se um homem tomar Lei 131 - Se a esposa de um


a esposa de outro homem de esposa e ela lhe der filhos e nobre foi acusada por seu
fornicação e [a prova d]o rio os filhos estiverem vivos, e marido mas não foi apanhada
provar que ela é inocente, o uma serva também lhe der deitando-se com outro
homem que a acusou deverá filhos, e o pai conceder homem, ela fará juramento
pagar um terço de mina de liberdade à serva e seus em nome do deus e voltará
prata. filhos, os filhos da serva não para sua casa.
partilharão da herança com os
outros filhos de seu antigo
senhor.

Lei 28 - Se um homem Lei 10 - Se um homem cortar Lei 55 - Se um nobre, ao abrir


inundar o campo de outro uma árvore no pomar de seu canal de irrigação, se
homem com água, medirá outro homem, pagará meia mostrar relapso e permitir
para ele três kor de cevada mina de prata. que a água inunde um campo
para cada iku de campo. adjacente, dará como
indenização cereal
equivalente à produção do
campo inundado.

7
Há paralelos entre o Código de Hamurábi e o Pentateuco. Por exemplo: “Se um filho golpear seu pai,
sua mão será cortada” (lei 195); comparar com Êxodo 21.15: “Quem agredir o próprio pai ou a própria
mãe será executado” (NVI). Cf. ainda as leis 196 e 197, que são a versão mesopotâmica da lei de
talião. Via de regra, as punições bíblicas são mais severas.
A Mesopotâmia Antiga • 11

Depois de Hamurábi, Babilônia gradativamente perdeu seu poder,


lutando contra os cassitas, um povo de origem indo-ariana vindo da região do
Cáucaso, e finalmente sendo conquistada pelo rei hitita Mursilis I, em 1531 a.C.8 O
enfraquecimento foi tal que os cassitas, já estabelecidos em pequenos principados,
acabaram por ocupar Babilônia.

5. A Dinastia Cassita em Babilônia

Os cassitas, que se haviam estabelecido no nordeste


da Mesopotâmia, assumiram o controle de Babilônia ao final do
século XVI a.C. e somente o entregaram na metade do século XII
a.C. Durante esse período mantiveram lutas de fronteira com os
assírios e os hurrianos de Mitanni. Há evidências de contatos Carta de rei cassita a
Amenófis IV
diplomáticos com o Egito (cartas de Amarna), com a finalidade de
se protegerem mutuamente contra a expansão hitita.

Conflitos com a Assíria na metade do século XIII a.C.


resultaram na derrota dos cassitas, com o aprisionamento de
Kashtilliash IV em Assur, e na demolição das muralhas de
Babilônia. Apesar disso, a dinastia cassita ainda se manteve no
poder por mais cem anos. O golpe final contra ela foi dado
pelos elamitas, que saquearam Babilônia em 1155 a.C. e
levaram como troféus as estelas de Hamurábi (código legal) e
de Naramsin (comemorativa de sua vitória sobre os lullubi
Estela de quase 900 anos antes).
Naram-Sin

8
É intrigante essa fascinação pela conquista de Babilônia. Mursilis I levou seus exércitos a milhares de
quilômetros de sua terra para conquistar uma cidade que não poderia manter sobre seu domínio. A
resposta pode se achar no poema Enuma Elish, o épico acádico da criação, no qual encontramos a
idéia de que Babilônia fora construída pelos próprios deuses como recompensa a Marduk por sua parte
na derrota de Tiamat e na subsequente criação do universo (cf. ANET, pp. 68-69).
12 • História do Oriente Médio Antigo

B. Contexto Religioso

1. A Religião Suméria

A religião suméria era politeísta. O panteão de Sumer


envolvia deuses ligados às forças da natureza e, mais especialmente,
aos fenômenos relacionados à agricultura.9

Além disso, cada cidade-estado possuía o seu deus


patrono (ou deusa), com um templo local que era o centro da vida da
cidade. O abandono da cidade equivalia ao abandono do deus e era
algo impensado entre os sumérios. Isso torna ainda mais dramática Mini-estátua de Ur-
Nammu encontrada
a ordem divina a Abrão, "Sai da tua terra, da tua parentela e da casa no alicerce de um
templo
de teu pai ..." (Gn 12.1).

Havia vários rituais e festivais religiosos entre os sumérios. Havia festas


anuais, uma espécie de "aniversário" do deus, em que outras cidades eram
convidadas e traziam o seu deus para participar nas festividades. O mais elaborado
dos festivais religiosos era o chamado Akitu,10 a festa do ano novo, em que o rei se
unia à sacerdotisa, que representava Inanna, a deusa do amor e da fertilidade.11

Além deste, os rituais dedicados a Dumuzi, o deus da vegetação, que


se acreditava morrer com a chegada do calor intenso, e renascer no equinócio
outonal, trazido por sua esposa-irmã (Inanna) desde o mundo inferior. O quadro
abaixo resume o panteão sumério:

9
Um hino a Enlil como divindade governante do universo diz: “Ó poderoso, a chuva do céu, a água da
terra estão sob teu cuidado ... Pai Enlil, que fazes crescer as plantas, que fazes crescer os grãos ... que
fazes as aves se multiplicarem nos céus, enches o mar de peixes ...” (ANET, 576). Mesmo Ninurta,
geralmente associado com a guerra, é exaltado como Deus da vegetação: “Sêmem doador da vida,
semente doadora da vida ... a ovelha deu à luz o cordeiro, pronunciarei teu nome vez após vez
[gratidão] ... no campo cresceu o rico grão ... o mar se encheu de peixe ...” (ANET, 576-577).

10
Em Babilônia, um festival de ano novo chamado akitu era celebrado durante os primeiros doze dias
do mês de Nisan; este festival comemorava a renovação da criação por Marduque e o fato dele ser rei.
Alguns estudiosos (cf. a análise Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Testamento, pp. 540-
542) sugerem que tal festividade acontecia também em Israel e que os chamados salmos do reino
messiânico (47, 93, 96-99) retratam tais festividades. O fato é que a literatura histórica e legal de
Israel não contém o menor vestígio de tais celebrações ou de adaptação sincrética desse festival
babilônico, pelo menos em termos normativos.

11
A importância de Inanna pode ser vista nas primeiras linhas de um hino a ela dedicado: “Meu pai me
deu o céu, e me deu a terra. Eu, rainha do céu sou eu! Haverá algum deus que possa competir
comigo?” (ANET, 578). Ao final deste hino há uma lista de cidades onde se reivindica a autoridade de
Inanna, o que pode sugerir alguma medida de sincretismo.
A Mesopotâmia Antiga • 13

Nome do Deus Sua Área de Autoridade Cidade Sede do Culto

Inanna Amor e fertilidade Ereque

Anu Céu Ereque

Enki (Ea) Água doce Eridu

Nanna Lua Ur

Enlil Ar; deus-mór Nippur

Utu Sol Sippar

Dumuzi Vegetação Toda a Suméria

2. A Religião Acádica

Três fenômenos marcam a passagem da religião suméria para a


acádica. O primeiro é a mudança de uma religião agrícola para uma religião astral.
O segundo é um sincretismo, uma absorção semelhante àquela que se processou
entre o catolicismo romano e os cultos indígenas e africanos em nosso país. Houve
uma identificação entre deuses distintos mas que possuíam áreas semelhantes de
atuação ou influência. Por fim, o fato dos acádicos terem uma visão política
diferente dos sumérios, tendendo ao imperialismo, trouxe uma certa nacionalização
dos deuses, em contraste com a diversidade regional dos deuses sumérios.

A ascensão política de Acade foi acompanhada pelo crescente prestígio


do deus-sol dos acádicos, Shamash, filho do deus da lua, Sin. A tríade de deuses
principais era completada pela deusa de Vênus, Ishtar Anunitu.

O sincretismo acádico identificou Sin com o sumério Nanna, Ishtar com


Inanna e Shamash com Dumuzi (identificação esta um tanto surpreendente à luz
da diversidade de áreas de poder).

Os acádicos, bem como os sumérios, entendiam que


esta vida como que refletia a vida divina. Havia uma medida de
consubstancialidade, obtida por meio do culto, mas o cidadão
comum não participava da maioria dos rituais religiosos. O rei era
um tipo de representante dos deuses, que por sua vez não eram
especialmente generosos ou benevolentes para com os homens.
As condições adversas de vida para a enorme maioria da Deus acádico
população provocavam essa cosmovisão.
14 • História do Oriente Médio Antigo

O quadro abaixo apresenta o panteão acádico:

Nome do Deus Sua Área de Autoridade

Shamash Sol

Ishtar Vênus; amor; fertilidade

Sin Lua

Apsu Água doce

Tiamat Oceano

Enlil Ar

Nergal Mundo inferior

3. Quadro comparativo das divindades sumérias e acádicas

Nome Sumério do Deus Área de Autoridade Nome Acádico do Deus

An Céu Anu

Enki Água-Sabedoria-Mágica Ea

Enlil Ar Enlil, Ellil

Ninhursag, Nummah, Nintu Deusa-mãe Aruru

Nanna, Sin Lua Sin

Utu Sol Shamash

Inanna Amor; fertilidade Ishtar

Abzu Água doce Apsu

Ishkur Tempestade Adad / Marduk / Ashur / Bel

Nanshe Oceano Tiamat

Dumuzi Vegetação; rebanhos Tammuz

Ereshkigal (fem.) Mundo inferior Nergal (masc.)

Ashnan Cereais Dagan

Nidaba Escrita Nabu


A Mesopotâmia Antiga • 15

As Escrituras registram, sem apresentar desculpas, que havia uma


herança idólatra e politeísta em Israel. Gênesis 31.25-35 relata a realidade da
idolatria doméstica na família de Labão. Talvez seja a esse fato que Josué se refere
na cerimônia de renovação da aliança em Josué 24.15, ao mencionar os “deuses
que os seus antepassados serviram além do Eufrates”.

Séculos de influência sumero-acádica na Mesopotâmia certamente


devem ter influido no estilo de vida dos arameus de Além do Eufrates, como se
pode inferir das práticas de Balaão, o conjurador.
16 • História do Oriente Médio Antigo

II. O Egito Antigo

A. A Pré-História Egípcia

Há uma frase atribuída a Heródoto que diz que "o


Egito é uma dádiva do Nilo." A verdade é que as
inundações periódicas, que começam em junho e podem
durar até novembro, cobrem o vale do rio por vários
quilômetros em ambas as direções, restaurando a
fertilidade do solo.

A isso somou-se a atividade humana, com a


construção e manutenção de canais de irrigação, diques e
rodas d'água que permitiam a agricultura além da área
regularmente inundada pelo Nilo.

Há evidência arqueológica de contatos culturais


entre a Mesopotâmia e o Egito por volta de 3000 a.C., no
período anterior à primeira dinastia. Tumbas feitas de
tijolos da região do delta do Nilo contém artefatos típicos
da Mesopotâmia.

B. Cronologia Dinástica do Egito

A cronologia egípcia está baseada num fenômeno chamado o Ciclo Sótico,


que consiste da coincidência, a cada 1460 anos do ano civil com ano sótico, ou seja
com o raiar pré-matutino da estrela Sírius (Sothis na língua grega). Assim, no
calendário egípcio, o ano civil (12 meses de 30 dias mais cinco dias adicionais)
ficava defasado do ano astronômico aproximadamente um dia a cada quatro anos,
ou seja um ano a cada 1460 anos. Com a ajuda deste fenômeno, as datas dos reis
egípcios podem ser calculadas com razoável exatidão.

A classificação dos reis egípcios em trinta dinastias foi instituída por


Manetho, um sacerdote egípcio do terceiro século a.C., e ainda hoje é seguida pelos
egiptólogos. Suas datas aproximadas são as seguintes:
O Egito Antigo • 17

Período Dinastias Datas (a.C.)

Protodinástico I-II 2850-2615

Reino Antigo III-VI 2615-2175

1º Período Intermediário VII-XI 2175-1991 [Patriarcas]

Reino Médio XII 1991-1786 [Descida]

2º Período Intermediário XIII-XVII 1785-1570 [Hicsos]

Reino Novo XVIII-XX 1570-1065 [Êxodo]

Período Dinástico Recente XXI-XXXI 1065-332 [Monarquia]

C. O Período Proto-Dinástico e o Reino Antigo

O Egito antigo era, na verdade, dois reinos, o Alto Egito e o Baixo Egito.
Cada reino tinha duas capitais, uma política e outra religiosa (Necabe e Nequém;
Dep e Pê). Eventualmente esses dois reinos foram unidos sob uma só coroa
(capacete alto branco e diadema vermelho). Evidências arqueológicas sugerem que
o primeiro monarca a usar a dupla coroa do Egito unido foi Narmer, que era do Alto
Egito (sul). Foi provavelmente o seu sucessor, Menes, quem fundou Mênfis, a
capital do Reino Antigo, situada no Baixo Egito, próxima ao local onde o Nilo se abre
em seu delta.

O Reino antigo evidencia algum intercâmbio cultural e arquitetônico


com a Suméria (tumbas e os costumes mortuários são semelhantes).

Militarmente, há contatos com nômades do Sinai em disputa de minas


de malaquita (cobre) e turquesa. Há evidências de comércio
com Biblos, de onde os egípcios importavam o precioso cedro.
Há contatos também com a ilha de Creta.

A partir da terceira dinastia começa a prática de


construir câmaras mortuárias grandiosas, e na quarta dinastia
Pirâmide de Djoser, a começa a era das pirâmides. Snefru foi o primeiro faraó a
mais antiga do Egito
construí-las (3), e Queóps (Khufu) construiu a maior de todas
18 • História do Oriente Médio Antigo

(250 m de lado e 160 m de altura).12 Durante todo o Reino Antigo, os nobres


também construíam tumbas próximas à pirâmide real, como meio de assegurar sua
sobrevivência eterna como servos do rei.

As dinastias seguintes viram declinar a prosperidade da nação (entre


outras coisas devido aos excessos dos construtores de pirâmides). Ao fim da sexta
dinastia, com o reino de Pepi II (c. 2150 a.C.), houve o enfraquecimento do poder
central, que acabou por produzir a divisão entre os reinos "naturais" do Egito na
época da oitava dinastia.

Durante o Antigo Reino começou a prática


faraônica de doar pequenas vilas a indivíduos ("amigos do rei")
cujas famílias dali extraíam o necessário para fazer ofertas
funerárias ao rei e ao amigo falecido. Com isso, a idéia de
propriedade particular se espalhou pelo Egito, onde antes toda
a terra era considerada propriedade do rei. OBSERVE O PARALELO Pirâmides de Gizeh, da
QUE ESTA OBSERVAÇÃO TEM COM A HISTÓRIA DE JOSÉ EM GÊNESIS quarta dinastia

47.13-26. O Reino Antigo parece ter-se dissolvido em um sistema feudal em toda


a terra do Egito.

D. O Primeiro Período Intermediário

Pouco se sabe sobre este período, que durou cerca de cem anos (2150-
2052 a.C.), a não ser que a instabilidade político-social contribuiu para um
despertamento literário sem paralelo na história do Egito.

O caos político produziu um pessimismo generalizado e uma


depreciação do conceito da divindade do faraó. Por outro lado, cresceu a impressão
de uma responsabilidade individual perante os deuses. Um trecho do "Ensino ao Rei
Merikare" diz: Mais aceitável é o caráter do reto de coração do que o touro do
malfeitor,13 que pode ser comparado com Provérbios 15.8 e Isaías 1.11.

Durante este período ganhou popularidade o culto a Osíris, o deus dos


mortos, onde havia o conceito de um juízo final. Depois de morto por seu irmão

12
Djoser, faraó da terceira dinastia, construiu a famosa "pirâmide em degraus", em Saqqara, próximo
a Mênfis. Essa pirâmide foi o protótipo das que a seguiram, ainda que com uma forma distinta.

13
ANET, p. 417.
O Egito Antigo • 19

Seth, e depois de sua ressurreição acontecida com a intervenção de Ísis e Hórus,


Osíris é acusado por Seth perante os demais deuses. Por sua eloqüência ele é
considerado justo e, assim, se torna um modelo de "salvação pela eloqüência", uma
teoria que na prática se traduz na popularização dos textos mágicos, em que
orações, encantamentos e confissões eram oferecidas como garantia de obter o
título "verdadeiro de voz". Assim, ideais bem próximos da verdade bíblica foram
abafados e distorcidos pela idolatria.

A datação de eventos no período ganhou nova forma. Em lugar das


construções faraônicas, muito raras devido à instabilidade social, surgiram os selos,
dos quais o mais comum era aquele em forma de escaravelho, um besouro sagrado
para os egípcios por simbolizar a ressurreição. Como traziam gravados neles o nome
do monarca reinante, ajudam a datar os sítios arqueológicos em que são
encontrados.

E. O Reino Médio

A reunificação do Egito foi conseguida pelos Faraós da


11ª dinastia, cuja sede era localizada em Tebas. Mentuhotep II
conquistou Heracleópolis e unificou o reino em 2052 a.C. Uma
vez que Tebas estava localizada no Alto Egito, onde o terreno é
montanhoso, os faraós dessa dinastia abandonaram as pirâmides
e passaram a construir templos mortuários com grandes
colunatas. Os nobres de suas cortes, passaram a escavar suas
tumbas nas próprias montanhas adjacentes ao templo do
monarca.

Durante a 12ª dinastia a capital do país foi mudada de


volta para Mênfis, onde as pirâmides voltaram a ser construídas
(planície). Igualmente retornaram as tumbas à volta da pirâmide, indicação de que
o poder dos senhores feudais permanecia intacto.

Por volta do reinado de Sesostris III (1878-1841 a.C.) essas tumbas


dos nomarcas (senhores dos nomos, divisões do Egito) somem subitamente. Uma
explicação é que esse monarca resolveu eliminar a ameaça do feudalismo num só
golpe. UMA EXPLICAÇÃO ALTERNATIVA É A DA COMPRA DA TERRA POR FARAÓ, ATESTADA EM
GÊNESIS 47.
20 • História do Oriente Médio Antigo

F. O Segundo Período Intermediário

A 13ª e a 14ª dinastias, que se estendem de 1778 a 1670 a.C.


pertencem a um período de gradativa deterioração do poder real que acabou por
abrir as portas do Egito aos conquistadores hicsos. Estes ilustres desconhecidos
eram basicamente semitas, dominados por uma minoria de hurrianos e arianos,
grupos que haviam invadido o Norte da Mesopotâmia durante a primeira metade do
segundo milênio e deslocado as antigas populações da Síria e Palestina.

A minoria dominante era provavelmente uma classe guerreira (os


chamados marianni), responsável (segundo alguns historiadores) pela introdução
do cavalo e da carruagem de guerra no Egito. Foram também responsáveis pela
formação de um exército permanente, composto principalmente de mercenários
núbios.

Os hicsos formaram a 15ª e a 16ª dinastias, cuja capital era Avaris,


localizada no delta oriental, uma região semi-pantanosa, na qual pouca evidência
arqueológica restou. O reaparecimento de Tebas como reino vassalo marca o
começo da guerra de libertação contra os hicsos, no final do século XVII a.C.

Muitos estudiosos situam a descida de Jacó ao Egito no período dos


hicsos, advogando que a semelhança de origem favoreceria os primeiros israelitas,
e que a sua localização em Gósen era evidência da boa vontade dos reis hicsos para
com seus amigos asiáticos. Na opinião deste autor, os hicsos são melhores
candidatos ao título de opressores de Israel, pois em Êxodo 1.9, o faraó da
opressão afirma que Israel era mais numeroso que seu povo, o que seria impossível
no caso dos egípcios, mas perfeitamente possível no caso de uma oligarquia de
hurrianos e indo-arianos.

G. O Reino Novo

A guerra de libertação foi levada a efeito pelos primeiros faraós da 17ª


dinastia e completada por Kamosis e por seu irmão Amosis. A consolidação interna
do Egito foi rápida e os sucessores de Amosis na 18ª dinastia logo puderam
estender o poderio egípcio além das fronteiras antigas.
O Egito Antigo • 21

Tutmoses I conquistou a Núbia até a quarta catarata do Nilo, realizou


operações militares na Palestina e na Síria e chegou a cruzar o Eufrates. Ele foi
responsável pelo reinício da construção do templo de Amom em Tebas, e acabou
de vez com o costume de construir pirâmides como túmulos de faraós. NA
CRONOLOGIA PREFERIDA POR ESTE AUTOR TUTMOSES I FOI O FARAÓ DURANTE CUJO REINADO
MOISÉS NASCEU.

Depois de Tutmoses I seguiu-se Tutmoses II, um rei sem expressão,


fraco no físico e na mente. Quando sua esposa real e meia-irmã, Hatshepsut, foi
incapaz de lhe dar um herdeiro, Tutmoses II indicou um de seus filhos "não-reais"
como seu sucessor. Quando Tumoses II morreu, o menino, Tutmoses III, tinha
apenas seis anos. Teve que amargar um longo período de obscuridade, durante o
qual sua tia e madrasta usurpou o trono. Hatshespsut foi o poder efetivo de 1504
a 1480 a.C. Nos monumentos que mandou erigir ela se apresenta com roupas
masculinas, usando a coroa dupla dos faraós. Ela cultivou as artes e a religião,
reconstruindo templos no Alto Egito. Seu templo mortuário, na região de Tebas, é
de extremo esplendor.

Com a morte de Hatshepsut, Tutmoses III lançou-se à tarefa de


expandir o poderio egípcio. Ele conquistou toda a Palestina e chegou a enfrentar o
reino hurriano de Mitanni no Eufrates. Na sexta expedição à Síria Tutmoses
conquistou a cidade de Qadesh, no rio Orontes. Assim, o império egípcio se
estendeu por mais de 3000 quilômetros, do Orontes à quarta catarata do Nilo.

Tutmoses procurava promover relações amistosas entre os povos


subjugados e o Egito por meio de casamentos (e.g. uma princesa de Mitanni fazia
parte de seu harém) e da educação dos filhos de governantes conquistados na corte
em Tebas. Apesar disso, seu poder se baseava no militarismo, e isso deu origem a
uma casta de oficiais militares que progrediu muito na escala social do Egito.
Tutmoses III morreu em 1448 a.C., deixando no trono seu filho e co-regente
Amenófis II.

Exceto por uma incursão à Palestina e Síria, para consolidar as


conquistas de seu pai, seu reinado de 26 anos foi pacífico. A CRONOLOGIA AQUI
ADOTADA CONSIDERA QUE AMENÓFIS II FOI O FARAÓ DO ÊXODO, LEVANDO EM CONTA O LONGO
REINADO DE SEU PAI E A NECESSIDADE DE UM REINADO PACÍFICO PARA QUEM PERDERA SUA
CAVALARIA NAS ÁGUAS DO MAR DOS JUNCOS.
22 • História do Oriente Médio Antigo

Um fator que contribui para a identificação acima é que seu sucessor,


Tutmoses IV, não era o filho primogênito de Amenófis.
Uma estela de granito encontrada junto às patas da
Esfinge fala de um sonho em que o deus Harmaquis
prometera ao jovem o trono se ele removesse a areia
que ameaçava a Esfinge. Tal sonho não teria explicação
lógica exceto se essa não fosse a expectativa normal de
Tutmoses.14 Templo de Amom em Luxor

O reinado seguinte, de Amenófis III foi o ponto máximo do Reino Novo.


Desfrutando dos recursos derivados das conquistas de seus predecessores, o
monarca construiu grandiosamente. Sua maior obra foi o templo de Amom em
Luxor, acompanhada pelos dois "colossos" de Memnon, gigantescas estátuas do rei
construídas junto ao Nilo.

Datam de seu reinado as famosas Cartas de Amarna, mais de trezentos


tabletes com inscrições cuneiformes, que atestam, entre outras coisas, que o
prestígio e a autoridade do Egito na Palestina estavam se deteriorando com rapidez.
Em algumas delas há referências ao habiru/hapiru, hordas de invasores que
pilhavam cidades da Palestina.15 A grandeza do império cujo deus principal era o sol
pode ter contribuído, neste período, para a efêmera mudança para um sistema
monólatra que aconteceria no período seguinte, em que o Egito começa a declinar
como poder mundial.

H. O Período de Amarna

Embora tecnicamente pertença ao Reino Novo, o período de Amarna


merece ser destacado por algumas de suas características. A principal delas foi a
mudança religiosa, contemplada por Amenófis III mas promovida por Amenófis IV,

14
A narrativa desse oráculo se acha em ANET, 449. “Vê-me, olha para mim, meu filho Tutmoses! Eu
sou teu pai, Harmaquis ... Eu te darei o meu reino sobre a terra como cabeça dos viventes. Tu usarás
a coroa do sul e a coroa do norte no trono de Geb, príncipe real [dos deuses] ... As areias do deserto
se amontoavam sobre mim, mas esperei para te permitir fazeres o que está em meu coração pois
sabia que és meu filho e meu protetor.”

15
Cf. por exemplo, cartas 271 “... é forte a hostilidade contra mim e contra Shuwardata. Que o rei, meu
senhor, proteja sua terra das mãos dos apiru” e 106 “Saiba o rei, meu senhor, que o principal dos
Apiru se levantou em armas contra as terras que o deus do rei, meu senhor, me concedeu ... que o
rei me envie Yanhamu para guerrearmos efetivamente, e assim as terras do rei, meu senhor, sejam
restauradas a seus [antigos] limites!”, ANET 486-487.
O Egito Antigo • 23

que envolveu a fusão de várias divindades ligadas ao sol como objeto de adoração
exclusiva, sob o nome Aten, o disco solar.

Resistido a princípio pelos sacerdotes de Amom em Tebas, Amenófis


IV mudou a capital do reino para Amarna, situada a meio caminho entre Tebas e
Mênfis. Começada no sexto ano do reinado, a capital esteve em construção durante
doze anos e nunca foi terminada.

A mudança religiosa trouxe também mudanças de natureza artística


e prática. Os cemitérios egípcios, antes todos voltados para o oeste, passaram a
voltar-se para o leste, em respeito ao sol nascente. Cenas em túmulos se tornaram
mais fiéis à realidade e a concepção da divindade se aproximou mais daquela
encontrada nas Escrituras. O Hino a Aten é semelhante em conteúdo ao Salmo 104.

Apesar da devoção do faraó ao novo deus, o sincretismo e o politeísmo


egípcios eram mais fortes que a nova religião. As muitas faces da realidade exigiam
uma multiplicidade de deuses para os egípcios, que não viam problema nas
teologias discrepantes de Mênfis e Heliópolis. Além do descrédito doméstico,
Amenófis IV (que mudara seu nome para Akhenaten), perdeu o pouco prestígio de
que seu país gozava na Palestina. As Cartas de Amarna atestam a presença
desagregadora dos habiru/hapiru na Palestina, e muitos estudiosos os identificam
com os israelitas.

O filho de Akhenaten, Semenkhare, desapareceu depois de um curto


reinado, dando lugar a Tutenkhaten, genro de Akhenaten. Os sacerdotes de Amom
se aproveitaram da fraqueza do monarca e o persuadiram a retornar à antiga
religião e a trazer a corte real de volta a Tebas. O jovem monarca mudou seu nome
para Tutenkhamom e foi generosamente recompensado pela classe sacerdotal. Sua
tumba, descoberta em 1922, estava ricamente adornada e foi muito bem
preservada. É hoje um dos maiores tesouros arqueológicos do Egito.

I. O Reino Novo - Declínio

Os últimos reis do período de Amarna foram Eye, que não era de


estirpe real e reinou apenas cinco anos (1349-1345 a.C.). Eye foi sucedido por um
general, Haremhab, que reinou por 27 anos e esforçou-se por apagar os vestígios
do culto a Aten e recuperar a administração real. Ele é considerado o fundador da
19ª dinastia.
24 • História do Oriente Médio Antigo

O sucessor de Haremhab não foi seu filho, mas um outro general,


Ramses I. Este foi seguido, depois de breve reinado por Seti I, que fez muito para
reorganizar o exército e restabelecer o controle egípcio na Ásia. Ele submeteu a
maior parte da costa da Palestina, mas não conseguiu recuperar o controle da Síria,
onde os hititas estavam firmemente estabelecidos.

O monarca seguinte é um dos mais famosos, Ramses II, cujo reinado


de 67 anos (1301-1234 a.C.) representa o último pico de poderio egípcio. Ramses
II tratou de fortalecer suas fronteiras na Palestina e na Síria, ameaçadas pelo
expansionismo hitita de Muwatallis. A famosa batalha de Kadesh aconteceu em
1296 a.C. e nela o exército egípcio escapou de ser destroçado apenas por causa da
bravura do próprio Faraó.

A paz com os hititas só foi alcançada 16 anos depois, num tratado


celebrado entre Ramses II e Hattusilis III. Mais tarde, para confirmar o tratado,
Ramses II casou-se com uma das filhas de Hattusilis. Assim, a situação no Oriente
Médio se estabilizou até a invasão dos Povos do Mar, quando o império hitita entrou
em colapso e o próprio Egito quase sucumbiu.

No campo interno, Ramses II foi um grande construtor. Ao sul,


construiu o grandioso templo de Abu-Simbel. Ao norte, reconstruiu Avaris como
residência real. Ramses II morreu em 1234 a.C. e foi sucedido por seu décimo-
terceiro filho(!), Merenpta ou Merneptá (1234-1225 a.C.).

Em seu quinto ano de reinado Merneptá repeliu a primeira leva de


Povos do Mar, que se ajuntaram aos líbios e atacaram o Egito do oeste. Repelidos
no Egito, esses grupos agressivos acabaram por se instalar em Canaã (a leste), na
Etrúria, Sardenha e Sicília (a oeste). Seus representantes mais diretamente
relacionados à história bíblica são os filisteus. Merneptá celebrou sua vitória com
uma estela que ficou conhecida como "Estela de Israel", pois nela aparece, pela
primeira vez num documento egípcio, o nome Israel.

Os problemas do Egito com os Povos do Mar não pararam aí. Pouco


mais de vinte anos depois, novas hordas voltaram ao ataque e Ramses III (1197-
1165 a.C.) teve que se desdobrar em batalhas terrestres e marítimas para rechaçá-
los. Esta outra leva de invasores se transferiu para Canaã depois de derrotada no
Egito. Ramses III ainda defendeu com sucesso sua terra contra invasões dos líbios,
mas foi pouco a pouco perdendo o controle sobre a Palestina.
O Egito Antigo • 25

A 20ª dinastia teve apenas reis fracos depois da morte de Ramses III.
O último deles, Ramses XI, provavelmente já não governou sobre todo o Egito, pois
um certo Herihor, reivindicou a coroa em Tebas. Enquanto isso, ao norte, Smendes,
o fundador da 21ª dinastia assumiu o poder. Foi provavelmente um dos faraós
dessa dinastia, Psusenes, que deu sua filha em casamento a Salomão. Essa
condição de fraqueza e divisão permaneceu até a chegada da 22ª dinastia, ou
dinastia líbia, inaugurada por Sheshonk (o Sisaque de 1 Reis).

J. A Religião Egípcia

De todas as religiões do OMA, a religião egípcia é a que mais intriga o


estudante moderno. Havia em Heliópolis, ao tempo do Reino Antigo, uma enéade
de deuses principais. Atum, que havia gerado Shu (ar) e a
deusa Tefnet. Do conúbio entre esses dois nasceram Geb
(terra) e Nut (céu), que por sua vez geraram dois pares, Osíris
e Ísis, Seth e Neftis. A multiplicidade de deuses menores sob
as formas mais incríveis acaba por criar contradições
inaceitáveis à mente moderna, mas que eram perfeitamente
Imagens da deusa aceitáveis para a elástica tolerância religiosa dos egípcios.
Sekhmet
Estes eram capazes de conservar o velho e adaptar o novo
sem verem incongruência ou se preocuparem com contradições.

A religião primitiva do Egito parece ter sido um culto animista à


natureza com uma variedade de espíritos tutelares ligados aos diversos nomos ou
distritos do delta e do vale do Nilo. Esses espíritos eram incorporados em animais
típicos da região, sendo amistosos ou ameaçadores de acordo com a natureza do
animal. O favor das divindades era obtido por meio de encantamentos e fetiches,
realizados em casas (templos) para eles construídas na cidade ou região de sua
adoração. O quadro abaixo é uma tentativa de representar os deuses egípcios mais
importantes:16

16
Este quadro não pode ser de maneira alguma visto como abrangente ou definitivo. Mesmo a enéade
de deuses aqui mencionada não era a única lista de deuses maiores.
26 • História do Oriente Médio Antigo

Animal
Nome do(a) deus(a) Área de autoridade Local de Adoração
representativo

Tot Íbis / Babuíno Ciência; escrita Hermópolis


Anubis Chacal Túmulos; mortos Cinópolis
Sebek Crocodilo ? Al Fayyum
Taweret Hipopótamo Gravidez
Heqt Rã Parto
Ernutet Cobra Colheita
Nekhbet Abutre Alto Egito
Wadjit Cobra Baixo Egito
Ra Falcão Sol Nekhen
Horus Falcão Todo o Egito
Homem
Seth Mal; morte Delta
animalizado
Hathor Vaca Céu; deusa-mãe Dandarah
Aten Disco Solar Amarna
Amon Ar; atmosfera Tebas
Ptah Boi (Ápis) Fertilidade Mênfis
Osíris Vida; vegetação Todo o Egito
Ísis Fertilidade Todo o Egito

Os egípcios tinham uma preocupação quase obsessiva com o pós-vida,


para o que faziam elaboradas preparações, chegando ao absurdo das pirâmides.
Havia, por trás disso, uma noção de uma alma eterna que sobrevivia à morte do
corpo. Para que a alma não se perdesse do corpo de seu "proprietário" foi
desenvolvido um cuidadoso processo de preservação.
Os Hititas • 27

III. Os Hititas

A. Origens

Por muitos anos a Bíblia foi escarnecida por mencionar (e.g. 2 Re 7.6)
os hititas (ou heteus) como um povo capaz de influenciar batalhas. Não havia
evidência conclusiva da existência desse povo até o começo do século XX, quando
Hugo Winckler trouxe à luz milhares de inscrições e ruínas monumentais na região
de Bogazkhoy, na Turquia central. Inscrições acádicas e egípcias descobertas depois
disso mencionam a "terra de Hatti" e a "terra de Heta", respectivamente. Assim, o
que era motivo de zombaria de críticos radicais se tornou a comprovação das
palavras bíblicas.

É geralmente aceito que os hititas migraram, junto com outros povos


indo-arianos, da parte meridional da moderna Rússia, no começo do segundo
milênio a.C. Depois de atravessar o Cáucaso, dirigiram-se para o oeste, ocupando
a Ásia Menor.17 Ali entraram em contato com as civilizações mesopotâmicas, de
quem absorveram a escrita cuneiforme e algumas idéias religiosas.

Os hititas não formavam uma etnia particular, sendo um ajuntamento


de grupos que envolvia os hititas propriamente ditos, os palaianos e os luvianos. A
história dos hititas pode ser dividida em três períodos: o Reino Antigo (1800-1450
a.C.), o Período Intermediário (1450-1400 a.C.), e o Império (1400-1200 a.C.).

B. O Reino Antigo

A unificação de vários clãs hititas parece ter sido resultado dos esforços
bélicos e políticos de um certo Anittas. Seus sucessores não são conhecidos e
provavelmente não houve uma dinastia estabelecida ou capital reconhecida até o
tempo de Labarnas, cujo filho adotou o mesmo nome e era conhecido como "rei de
Kussara". Foi ele quem transferiu a capital para Hattusas, e assumiu o nome de
Hattusilis. A esta altura a nobreza já havia cedido ao rei o direito de nomear seu
sucessor.

17
Alguns historiadores preferem uma origem mais ocidental para os hititas, que teriam assim cruzado
os Balcãs e caminhado para o leste em direção à Ásia Menor. (Cf. Jaan Puhvel, "Hittites",
Encyclopaedia Britannica, 11.551).
28 • História do Oriente Médio Antigo

Hattusilis foi o primeiro hitita a empreender guerras de conquista,


atravessando a cadeia do Taurus e atacando Aleppo, na Síria. Este empreendimento
fracassou, e talvez o rei tenha sofrido ferimentos suficientemente graves na batalha,
dos quais veio a falecer. Antes, porém, designou o filho mais novo, Mursilis, como
seu sucessor, deixando de lado filhos mais velhos e outros parentes.

Com Mursilis I os hititas influem pela primeira vez na história da


Mesopotâmia. Depois de vingar seu pai, tomando Aleppo, o jovem monarca
embarcou numa série de ataques a cidades da Mesopotâmia, concluindo a
destruição de Mari (começada por Hamurábi) e saqueando Babilônia (c. 1531 a.C.),
então nas mãos dos amorreus. Além disso, enfrentou os hurrianos no Alto Eufrates
e retornou a Hattusas com riquezas, escravos, e fama. Isso não impediu um golpe
palaciano em que ele foi assassinado a mando do próprio irmão, Hantilis.

C. O Período Intermediário

Com a morte de Mursilis I começou um período de enfraquecimento


para os hititas. Hantilis ainda procurou manter um expansionismo moderado, mas
foi apertado por invasores hurrianos e por bandos de montanheses rebeldes. Assim,
preferiu investir na fortificação da capital Hattusas. Depois da morte de Hantilis
aconteceu uma série de lutas internas pelo poder, nas quais a família real se auto-
destruiu.

Um parente distante, Telipinus, assumiu o poder e criou legislação para


evitar novas lutas internas, submetendo questões políticas ao pankus, um colégio
eleitoral dos nobres hititas. Essa legislação foi respeitada até o fim do império hitita,
e exceções só aconteceram quando acompanhadas de longas justificativas (o caso
de Hattusilis III).

A atividade internacional de Telipinus limitou-se à defesa de suas


fronteiras. Parte desse esforço foi a diplomacia, que permitiu aos hititas viver em
paz com os egípcios, cujo poderoso monarca Tutmoses III realizou incursões à Síria,
onde o poder de outro grupo indo-europeu, os hurrianos, ameaçava sua soberania.

Um período de duração desconhecida, cerca de 100 anos talvez, marca


os sucessores de Telipinus. Certos historiadores duvidam até da existência de
alguns dos reis desse período! Foi um tempo de opressão por parte dos hurrianos
Os Hititas • 29

em toda a Anatólia, e a influência desses invasores se faria sentir no período do


Império.

D. O Império

Com o acesso de Tudhaliyas II ao trono começa uma renovação


dinástica que haveria de produzir o Império hitita. Os começos foram difíceis, pois
apesar de conseguir uma campanha militar contra Aleppo, que se aliara aos
hurrianos de Mitanni, Tudhaliyas viu o sul da Ásia Menor se aliar a seus inimigos.

Por algum tempo os hititas ficaram entre o malho e a bigorna no


conflito entre os egípcios e os hurrianos, sofrendo ataques de províncias não
subjugadas (aliadas ao Egito de Amenófis III) que chegaram a saquear a capital
Hattusas ao tempo de Tudhaliyas III.

O libertador e reconstrutor do poder hitita foi Suppiluliumas, que subiu


ao trono por volta de 1375 a.C. Ele reconstruiu Hattusas e provavelmente fortificou
as muralhas da cidade. Politicamente ele consolidou a autoridade de Hatti sobre as
províncias ao sul e a oeste e reorganizou o governo distribuindo a autoridade sobre
as províncias a pessoas da família real.

Suppiluliumas tirou partido da instabilidade egípcia, causada pelas


reformas religiosas de Akhenaten (Amenófis IV) e anexou todo território sírio até
o Rio Kelb, ao norte da moderna Beirute. Submeteu ainda toda a Ásia Menor e o
reino de Mitanni. Astutamente, o conquistador hitita celebrou um tratado com o filho
do rei hurriano, Mattiwaza, dando uma de suas filhas em casamento e assim
estabelecendo um estado-tampão hurriano entre Hatti e a Assíria, que começara a
crescer sob o comando de Ushur-uballit I.

O prestígio de Suppiluliumas era tanto que a viúva de Tutankhamen


lhe escreveu solicitando que um dos filhos do rei hitita lhe fosse dado em
casamento. Se isso tivesse sido concretizado, esse príncipe hitita teria se tornado
faraó. Eventualmente, todavia, ele foi assassinado a caminho do Egito por ordem
de Eye, que aspirava ao trono egípcio.

O verdadeiro sucessor de Suppiluliumas foi seu neto Mursilis II, pois


o filho do grande rei morrera pouco depois da morte do pai, vitimado pela mesma
doença. Mursilis teve que lutar para manter unido o império construído pelo avô.
30 • História do Oriente Médio Antigo

Sua estratégia militar e política foi tão eficiente que quando seu filho Muwattalis
subiu ao trono não teve que enfrentar a série de rebeliões provinciais que
caracterizaram a história hitita.

Foi Muwattalis que enfrentou Ramses II na famosa batalha de


Kadesh, no Orontes, em 1296 a.C. Embora o faraó tenha registrado a batalha como
uma vitória egípcia, o resultado mais provável foi um empate, já que os hititas
mantiveram suas fronteiras na Síria. Ao retornar da campanha contra o Egito,
Muwattalis mudou sua residência para o sul, deixando o norte sob a liderança de
seu irmão Hattusilis, que eventualmente tomou o poder do sobrinho Urhi-Teshub,
que herdara o trono do pai. Essa quebra do protocolo hitita foi longamente explicada
na biografia do novo rei, Hattusilis III.

Depois de longa guerra contra o Egito, Hattusilis III acabou celebrando


um tratado de paz com Ramses II, oferecendo-lhe uma de suas filhas em
casamento. Por outro lado, teve que enfrentar a ameaça crescente da Assíria nos
reinados de Adad-Nirari II e Salmaneser I, acabando por ceder a fronteira leste aos
assírios.

Os sucessores de Hattusilis III tiveram que enfrentar um poder


crescente vindo do oeste, tribos migrantes que os hititas chamavam de Ahhiyawa,
que alguns associam à Acaia. É provável que essas invasões estejam ligadas às
grandes migrações dos dóricos e ilirianos nos Bálcãs, que motivaram a
movimentação bélica dos chamados "Povos do Mar". Tecnologicamente equivalentes
aos hititas no uso do ferro e com poderio sobre o mar, esses invasores
despedaçaram o império hitita, do qual apenas alguns bolsões sobreviveram na Síria
(e.g. Hamate, ao tempo de Davi) e, por deslocamento, em Canaã.

E. Cultura e Religião

Os hititas eram historicamente bilíngües. Sua língua nativa, indo-


européia, era usada para a administração interna, e o acádico servia como língua
diplomática. A escrita era cuneiforme, aprendida com os acádicos e usada em
documentos, ou hieroglífica, usada em inscrições monumentais.

A elite indo-ariana manteve o poder para si, entre os nobres primeiro


e depois de maneira dinástica. O rei era visto como representante terreno do deus
Os Hititas • 31

da tempestade, uma espécie de sumo-sacerdote que se envolvia em inúmeras


atividades e funções religiosas.

A sociedade era essencialmente feudal, e os nobres possuidores de


terras formavam também uma elite militar, provavelmente responsáveis pela
cavalaria e pelas carruagens de guerra.18 Havia castas zelosamente preservadas:
lavradores, artesãos, escravos e párias. A lei hitita, todavia, parecia zelar pelos
"direitos" de cada uma.

A lei hitita era regulada por um código com cerca de duzentas leis de
natureza casuística. Dois aspectos dignos de nota são a rejeição de um espírito
vingativo e a preferência pela restituição em lugar da punição. A pena de morte era
usada para casos de estupro, incesto, bestialidade e desobediência civil.

Os hititas eram politeístas como todos os seus


vizinhos. Além disso, eram mais dispostos a assimilar as
divindades das nações à sua volta, especialmente os
deuses hurrianos e sumério-acadianos. Os principais
deuses são os seguintes:

Deus hitita do trovão

Nome do(a) deus(a) Área de Autoridade Paralelo Estrangeiro


Arinna/Wurusemu Sol; deusa-mãe
Taru Tempestade Adad (Acádico)
Istanus Sol; juízo Shamash (Babilônico)
Shaushka (f) Vida; fertilidade Ishtar (Acádica)
Hebat (f) (Hurriana)
Teshub Tempo (clima) (Hurriano)
Kushuh Lua Sin (Acádico)

18
As carruagens de guerra hititas eram diferentes das egípcias. Estas possuíam uma “tripulação” de
apenas dois homens – condutor e arqueiro, ao passo que as hititas eram maiores e levavam três –
condutor, escudeiro e arqueiro.
32 • História do Oriente Médio Antigo

IV. Outros Povos do Oriente Médio Antigo

A. Os Assírios

A terra-mãe dos assírios é o nordeste do Crescente Fértil, junto ao rio


Tigre e às montanhas do Curdistão. O nome da região e da cidade onde a civilização
assíria floresceu é Asshur, idêntico ao da divindade nacional. Sua população era de
semitas que haviam absorvido a cultura anterior. Esses semitas produziram uma
civilização culturalmente inferior à de Babilônia, porém mais dinâmica e
militarmente orientada.

A Assíria aparece pela primeira vez na história depois do reinado de


Sargão I de Acade, depois da queda da terceira dinastia de Ur, por volta de 1950
a.C. A primeira razão pela qual os assírios foram reconhecidos historicamente foi
sua atividade comercial com colônias na Ásia Menor.

1. O Reino Antigo

A primeira fase do poderio assírio está ligada à pessoa de Shamshi-


Adad I (1747-1717 a.C.). Ele tomou a cidade de Asshur à frente de uma tribo de
beduínos, e dali começou a mover-se em direção a Mari, cidade que acabou por
atacar e conquistar. Sustentando-se contra os ataques dos hurrianos ao norte,
manteve controle da Mesopotâmia setentrional e restaurou o comércio com as
colônias na Ásia Menor.

Depois da morte de Shamshi-Adad I, seu filho Ishme-Dagom não


conseguiu resistir às pressões externas. Aliou-se ao rei amorreu de Eshnunna para
combater o inimigo comum, Hamurábi de Babilônia, mas este acabou por conquistar
toda a Mesopotâmia. É possível que Ishme-Dagom tenha permanecido como rei
vassalo, mas depois dele não há registros históricos confiáveis sobre a Assíria.

2. O Reino Médio

Por cerca de 150 anos os assírios estiveram sob a influência, se não sob
o domínio do reino hurriano de Mitanni, de que começam a emergir sob a liderança
de Puzur-Asshur III (c. 1490-1470 a.C.). No começo do século XIV os assírios
Outros Povos do Oriente Médio Antigo • 33

aparecem em liga com o Egito contra a expansão dos hititas, mas acabam se
curvando ao imperialismo de Suppiluliumas.

Um famoso rei assírio que seguiu essa política foi Asshur-Uballit I, que
manteve suas fronteiras diante do poderio hitita e expandiu seu domínio para o
leste, chegando a invadir Babilônia (c. 1350 a.C.). Seus descendentes tiveram que
lutar em várias frentes, enfrentando tribos nômades ao norte, conquistando
território de Mitanni e tornando-se um poder que o próprio império hitita tinha que
respeitar. O monarca que realizou tais façanhas foi Salmaneser I (1265-1235 a.C.).

O filho de Salmaneser, Tukulti-Ninurta (1235-1198 a.C.), que tinha em


seu nome o nome do deus da guerra, foi um grande conquistador. Ele estendeu o
domínio assírio da Armênia ao Golfo Pérsico, capturando o rei cassita de Babilônia
e demolindo suas muralhas. Quando sua sede de poder foi acalmada, Tukulti-
Ninurta se dedicou à construção de palácios e templos, perdendo contato com a
política e afinal sucumbindo a um golpe palaciano que envolveu seu próprio filho.
Este não tinha a capacidade paterna e acabou sendo dominado pelos cassitas de
Babilônia. A Assíria passou então por um período de inferioridade política e militar,
especialmente durante o reinado de Nabucodonozor I (c. 1128-?), que expulsara os
cassitas e tomara o trono de Babilônia.

Com o declínio de Babilônia depois da morte de Nabucodonozor I, a


Assíria voltou a ter certa hegemonia na região. Foi a época de Tiglate-Pileser I
(1115-1077 a.C.), um conquistador cujas façanhas se tornaram o modelo dos reis
assírios pelo resto de sua história. Ele transformou o exército assírio numa
formidável máquina bélica que espalhava terror por todo OMA. Tiglate-Pileser I
expandiu o domínio assírio para o oeste até a Ásia Menor e a costa do Líbano, até
o Mar Negro ao Norte e até o Golfo Pérsico, além de conquistar mais uma vez
Babilônia, a cidade-ideal da Mesopotâmia.

Tiglate-Pileser embelezou suas cidades com templos e palácios e foi


provavelmente o responsável pela criação da primeira biblioteca assíria. As
circunstâncias de sua morte são desconhecidas e seus sucessores não conseguiram
emular seu sucesso. A sede de poder mundial do deus assírio, Asshur, acabava por
esgotar os recursos humanos e materiais do reino. Seguiram-se vários séculos de
relativa inexpressividade, enquanto os nômades arameus se estabeleciam em
território assírio e formavam reinos independentes, que eventualmente se uniriam
durante o século X a.C.
34 • História do Oriente Médio Antigo

3. O Novo Reino

Os arameus haviam ocupado a Síria e tomado Babilônia. Por mais de


cem anos a Assíria permaneceu impotente no cenário do OMA, até Asshur-dan II
subir ao trono (932-910 a.C.). Seu sucessor, Adad-Nirari II (909-889 a.C.)
recuperou o exército e reinaugurou a era das conquistas, capturando Babilônia e
fazendo um tratado político com ela.

A necessária subjugação dos arameus veio com Assurnasirpal (Asshur-


nasir-apli II; 883-859 a.C.), que foi responsável pelo engrandecimento e
embelezamento das cidades assírias. Seu sucessor, Salmaneser III (Shulman-
Asharid III; 858-824 a.C.) levou adiante as guerras de
conquista, mas seu poder foi efetivamente confrontado
por uma aliança ocidental na batalha de Qarqar, em 853
a.C., batalha da qual participaram Acabe, rei de Israel
e Ben-Hadade, rei da Síria. Eventualmente os assírios
voltaram à carga, e o famoso Obelisco Negro de
Salmaneser apresenta Jeú, rei de Israel, curvado diante
do monarca assírio.
Detalhe do Obelisco Negro

Duas gerações mais tarde, a Assíria novamente encontrou condições


favoráveis ao seu crescimento e Adad-Nirari III realizou extensas campanhas no
oeste. Ajudou Israel esmagando o reino de Damasco, e sujeitou a tributos toda a
Palestina. Seus seguidores foram reis fracos e permitiram que um vácuo de poder
se estabelecesse no Crescente Fértil, do que se aproveitaram Israel e Judá durante
os reinados de Jeroboão II e Uzias.

À frente de uma revolta militar, Tiglate-Pileser III (Tukulti-apal-


Esharra; 745-727 a.C.) recolocou a Assíria no mapa do poder. Depois de derrotar
o reino de Urartu, ao norte, e derrotar uma coalizão de 19 reis em Hamate, Tiglate-
Pileser III voltou seus exércitos contra a Síria, que foi conquistada em 732 a.C.
(eventos contemporâneos a Isaías 7-11). O enérgico monarca reconquistou
Babilônia em 729 a.C. e se proclamou "rei do universo, rei da Assíria, rei de
Babilônia, rei de Sumer e Acade, rei dos quatro cantos do mundo". Apenas junto ao
Golfo Pérsico, os caldeus resistiam ao seu poder. Dali ao Egito, por toda a
Mesopotâmia até o mar Cáspio e o Mar Negro a Assíria reinava soberana.
Outros Povos do Oriente Médio Antigo • 35

Seu filho e sucessor, Salmaneser V (726-722 a.C.), manteve uma


política de boas relações com Babilônia e de conquista e repressão a oeste, onde
Israel caiu sob sua ira. Apesar de vitorioso no campo de batalha, foi alvo de uma
rebelião e perdeu o trono para Sharru-kin, que assumiu o reino sob o nome místico
do primeiro conquistador acádico como Sargão II.

Sargão II continuou a tradição militarista de Tiglate-Pileser III. Sob seu


poder a Assíria destruiu Samaria, conquistou Carquemis, o último bolsão hitita na
Mesopotâmia, Urartu ao norte, e a Cilícia na Ásia Menor. Depois de muitas
escaramuças, Sargão II conquistou Babilônia, que fora antes ocupada pelo príncipe
arameu (caldeu) de Bit Yakin, Marduk-apal-idina (o Merodaque-Baladã de Isaías
39).19

O filho e sucessor de Sargão II foi Senaqueribe (Sin-akhkhe-eriba;


704-681 a.C.). Ele manteve o império unido a ferro e fogo, conquistando
novamente toda a Palestina, à exceção de Jerusalém. No front oriental, ele lutou
contra o perene Marduk-apal-idina, que voltara ao trono de Babilônia. Em 689 a.C.,
todavia, Senaqueribe voltou à carga e arrasou a cidade, levando cativa a imagem
de Marduque, e trucidando milhares de habitantes.

Depois dele reinou seu filho Esar-haddon (Ashur-akh-iddina; 680-669


a.C.), que levou a cabo a mais audaciosa das empreitadas militares da Assíria, a
conquista do Egito. Depois de uma expedição mal sucedida, derrotada por Tirhakah
às portas do Egito, uma segunda campanha foi bem sucedida e o Egito foi
conquistado até Mênfis. Depois de voltar à Assíria, Esar-haddon foi confrontado com
revoltas domésticas e estrangeiras. Depois de sufocar a rebelião interna, Esar-
haddon marchou outra vez contra o Egito, mas morreu a caminho. Assumiu o trono
seu filho mais novo, Assurbanipal (Assur-bani-apli; 668-631 a.C.), o último dos
grandes reis assírios.

Os grandes méritos de Assurbanipal foram a reconquista do Egito em


663 a.C. (queda de Tebas) e um renascimento cultural em Nínive. Com ele a Assíria
chegou ao zênite de seu poder. A violência pela qual vivera e de que tanto se
gloriava havia de alcançar Assurbanipal, entretanto. Seu irmão, Shamash-shum-
ukin, que Esar-haddon havia colocado como regente em Babilônia, rebelou-se
contra o rei. Assurbanipal conquistou-a sem muita destruição e levou a guerra até

19
Esse capítulo está fora de ordem cronológica, pois as atividades diplomáticas de Bit Yakin contra os
assírios são anteriores às invasões de Senaqueribe.
36 • História do Oriente Médio Antigo

o território de Elam. Esse esforço a leste deixou o Egito livre para mais uma
rebelião, que os assírios não mais puderam debelar.

Segue-se uma lista de reis cada vez mais fracos, enquanto que a leste
crescia o poder dos caldeus em Babilônia e o dos medos além dos Montes Zagros.
A conjunção dessas forças haveria de pôr fim ao império assírio. Nínive caiu em 612
a.C., e Asshur-uballit II perdeu Harã para as forças conjuntas de Babilônia, Média
e Uman-Manda20 em 609 a.C. Quatro anos depois, na famosa batalha de Carquemis,
os últimos vestígios do império assírio desapareceram, depois de séculos de domínio
mantido à base da força e do terror.

B. Os Hurrianos

Este povo, provavelmente de origem indo-ariana, ocupava originalmente


uma região entre o rio Tigre e as montanhas Zagros. Pressionados por outras tribos
indo-iranianas eles se movimentaram em direção à Mesopotâmia setentrional, onde
se localizaram principalmente no vale do rio Tigre.

Seus contatos com os sumérios datam do fim do terceiro milênio a.C.


e aos poucos os hurrianos estabeleceram centros culturais e comerciais importantes
como Mari e Nuzi, cujos contatos chegavam a Babilônia, a sudeste, e à costa da
Palestina. Há indícios de que os horeus, mencionados no AT, eram colonos hurrianos
em Canaã. Os hurrianos nos legaram comprovações de vários costumes
mencionados no livro de Gênesis; esses documentos são os famosos Tabletes de
Nuzi, que datam da era patriarcal. Além disso, os hurrianos estiveram claramente
envolvidos com o movimento dos hicsos no século XVIII a.C., dando assim sua
parcela de contribuição à história bíblica.

Por volta do século XV a.C. essas cidades estado se fundiram num


reino poderoso chamado Mitanni, situado ao norte da Síria, liderado por uma
oligarquia militar denominada marianni. Esse grupo teve alguma influência sobre os

20
Esta é a designação tradicional de um grupo de tribos citas, originário das estepes da Sibéria
ocidental e Rússia meridional, entre os mares Negro e Cáspio. Eram nômades guerreiros (cavaleiros)
que gradualmente se deslocaram para a área da Mesopotâmia. Ali ajudaram os assírios durante o
cerco de Nínive pelos medos em 630 a.C., mas depois voltaram-se contra seus aliados no ataque a
Harã. Ainda no século VII a.C. invadiram a parte costeira da Palestina, e ameaçaram conquistar o
Egito, o que foi evitado por um pagamento feito por Psamético I. Séculos depois, fixaram-se na
península da Criméia, de onde comerciavam com os gregos. É a esse grupo sedentário, mas possuidor
de uma história de nomadismo que Paulo faz referência em Colossenses 3.11.
Outros Povos do Oriente Médio Antigo • 37

hititas, a oeste. O apogeu da cultura hurriana se deu entre 1470 e 1350 a.C.,
quando o reino de Mitanni foi por fim subjugado pelos hititas.

C. Os Elamitas

O nome Elam ou Elão ocorre em Gênesis 10.22, na tabela das nações,


e 14.1, 9, na lista de reis da Mesopotâmia que invadiram Canaã ao tempo de
Abraão. Eles são os predecessores dos persas, e ocupavam a região montanhosa
a leste do Golfo Pérsico.

Os elamitas foram um espinho no flanco dos ocupantes da


Mesopotâmia meridional. Por duas vezes eles conquistaram Babilônia e se
estabeleceram na região: a primeira vez foi ao tempo da terceira dinastia de Ur por
volta de 1950 a.C., e a segunda ao tempo dos cassitas, em 1155 a.C.

D. Os Cananeus

Em contraste com a maioria dos povos do OMA, os cananeus


praticamente não deixaram traços históricos relevantes de sua passagem. Não há
uma cidade central que empreste seu nome ao povo (como Assur ou Babilônia),
nem uma história claramente delineada em documentos literários ou inscrições
monumentais; há apenas referências ocasionais em documentos originados em
povos que tiveram contato com os cananeus em diversas fases da história. Há
documentos egípcios, israelitas e ugaríticos.21

A primeira definição bíblica dos cananeus se acha na tabela das nações


em Gênesis 10, onde Canaã, o neto de Noé surge como o "pai" de Sidom e Hete,
dos jebuseus, amorreus, girgaseus, heveus, arqueus, sineus, arvadeus, zemareus
e hamateus. Os cinco primeiros adjetivos pátrios depois de Hete são posteriormente
indicados no Pentateuco como os habitantes da Terra Prometida. A evidência
cumulativa das Escrituras e inscrições egípcias sugere que as fronteiras da terra se
estendiam de Gaza até Hamate, do Mar Mediterrâneo até o Rio Jordão (além dele
nas Escrituras).

21
Ugarit era uma cidade-estado situada a norte da Síria, próximo ao Mar Mediterrâneo. Sofreu
influência dos amorreus e dos hurrianos, ficando eventualmente na órbita hitita de influência. Era um
centro comercial e cultural, de religião sincrética e língua semelhante ao hebraico.
38 • História do Oriente Médio Antigo

Millard sugere que o desenvolvimento de uma cultura cananita se


deveu à interação de elementos egípcios e mesopotâmicos na região de Biblos, por
volta do final do terceiro milênio e começo do segundo milênio a.C. Os hurrianos (cf.
horeus) vieram como migrantes e foram acompanhados pelos amorreus, que ainda
se deslocavam pelo OMA; estes últimos levaram consigo essas influências e
acabaram por se radicar na parte meridional da Palestina, adotando um estilo mais
sedentário de vida e formando povoados e cidades, em contraste com o nomadismo
da antiga população cananita. Assim, um amorreu seria um cananeu sedentário.22

A civilização cananita não produziu um grande centro que dominasse


sobre a região, mas um número de cidades-reino, basicamente independentes mas
ocasionalmente unidas contra agressores comuns (cf. exemplos em Gênesis 14 e
Josué). Este detalhe bíblico é confirmado pelos Textos Execratórios do Egito. Havia
uma oligarquia que dominava o comércio e desfrutava de razoável conforto,
enquanto a maioria da população camponesa e artesã vivia de maneira muito
simples e despojada de qualquer luxo.

A maior contribuição dos cananeus para a história da humanidade foi


a criação do alfabeto. Situados entre dois sistemas pouco práticos de grafia, o
hieroglífico do Egito e o cuneiforme silábico da Mesopotâmia, os cananeus criaram,
sem que se possa precisar uma data definida para o processo, um sistema de sinais
para representar sons que formavam palavras.

Em termos de religião os cananeus são famosos por dois fatores: a


ubiqüidade dos "altos" e a promiscuidade de seu culto. Em geral os deuses são
personificações de forças e objetos da natureza. El era o deus maior, o cabeça do
panteão, que aos poucos perdeu em importância para Hadade, o deus do clima.
Esse deus também era conhecido pelo nome genérico de Baal, que significa
"mestre, senhor". Por controlar as chuvas, a neblina e o orvalho, Hadade era
fundamental para a preservação da vida. Suas relações sexuais com Astarte (cf.
Ishtar da Mesopotâmia) eram reencenadas no culto, com o fim de garantir os ciclos
de chuva e produtividade da terra. Outros deuses cananeus estão alistados no
gráfico abaixo.23 Práticas comuns entre os cananeus eram a prostituição cultual e

22
A. R. Millard, "The Canaanites", em Peoples of Old Testament Times, editado por D. J. Wiseman, pp.
36-38. Millard prefere a chamada cronologia baixa, fixando tais acontecimentos por volta de 1850 a.C.
Compare a proposta deste autor no Quadro Comparativo de Cronologia do Antigo Testamento, onde
se adota a cronologia alta.

23
Ver os gráficos de John Walton em Quadros Cronológicos do Antigo Testamento para complementar
a informação aqui oferecida.
Outros Povos do Oriente Médio Antigo • 39

a idolatria, na qual a figura do touro era predominante como representação da


divindade (cf. os touros de Jeroboão).

Equivalente em outras
Nome da Divindade Área de Autoridade
culturas no OMA

El Deus chefe do panteão Anu


Deus do clima, da Marduque, Bel, Enlil,
Hadade (Baal)
tempestade Teshub
Dagom Deus da agricultura Dumuzi, Tamuz, Dagan
Mot Deus da morte Ereshkigal, Nergal
Anate (f.) Deusa da guerra Ninurta (m.)
Deusa do amor, da
Astarte Ishtar, Inanna
fertilidade
Deus do mar, água
Yam Tiamat, Nashe
salgada

Com o estabelecimento dos filisteus como uma força política no litoral


sul e dos israelitas como um império na parte central da Palestina, os cananeus
foram reduzidos aos centros localizados no litoral norte da região, chamada de
Fenícia. Os fenícios de Tiro e Sidom foram os grandes comerciantes e marinheiros
da antiguidade, estendendo seus contatos e suas colônias por todo o Mediterrâneo.
Dessas colônias a mais famosa foi Cartago (situada onde hoje é a Tunísia),
destinada a tornar-se maior que a própria terra-mãe, e que teve papel importante
na história posterior da bacia mediterrânea.

E. Os Amorreus

Os amorreus são mencionados com frequência no Pentateuco, mas nem


sempre são distinguidos adequadamente dos cananeus. Os amorreus são semitas
que migraram do deserto da Síria para a Mesopotâmia. Mostram afinidades
linguísticas com os cananeus e com os acádicos.

Espalhados por toda a Mesopotâmia, os amorreus conquistaram Asshur


e Mari, e ali desenvolveram sua civilização até serem conquistados por Hamurábi,
outro amorreu, que se tornara rei em Babilônia. Os amorreus se estabeleceram
também na Palestina, onde exerceram poder e influência desde o tempo de Abraão
40 • História do Oriente Médio Antigo

até a época da conquista. Documentos de Mari atestam costumes patriarcais e


contêm nomes semelhantes a Abraão, Jacó, Serugue, Terá e Naor.

No período de Amarna, os amorreus se uniram num reino situado na


região montanhosa do que é hoje o Líbano, e ali viveram uma existência precária
como estado tampão, ora servindo como vassalos do Egito, ora do império hitita.
Suppiluliumas impôs a vassalagem definitiva aos amorreus, que durou até o final
do século XIII a.C., quando as convulsões sociais da região da Síria puseram fim à
existência do reino amorreu como estado independente.

F. Os Filisteus

1. Origem

Há grande debate sobre a origem dos filisteus. Gênesis afirma que eles
eram descendentes dos casluim, um grupo camita originário de Mitsrayim, ou Egito.
Amós 9.7, todavia, afirma que Caftor (Creta) é seu local de origem. O mais provável
é que ambos estejam certos.

Amós estava falando da linhagem dos filisteus, ao passo que Moisés,


descrevendo grandes movimentos de povos, apontava para migração desse grupo
étnico até a Palestina, terra que acabou por herdar o nome daqueles que jamais a
possuíram por completo.

2. Cronologia

Gênesis sempre foi ridicularizado por mencionar filisteus em contato


com os patriarcas, quando a história secular só registra suas invasões no final do
século XIII a.C. Todavia, esse grupo descrito em Gênesis 20 e 26 é claramente
distinto daquele que invadiu Canaã séculos mais tarde. São pacíficos e adaptáveis,
pois seu rei exibe um nome semítico. Sua atitude pacífica é típica de grupos
pequenos, que estão colonizando uma região ou estabelecendo postos comerciais
avançados, e não procurando subjugá-la pela força das armas.

A segunda leva de filisteus chegou à Palestina via Egito, onde foram


sucessivamente derrotados por Merneptá e Ramsés III, durante o século XIII a.C.
Com sua chegada a Palestina ingressa efetivamente na Idade do Ferro.
Outros Povos do Oriente Médio Antigo • 41

3. Sociedade

Os filisteus não formavam um reino, mas uma anfictionia, isto é, uma


liga de cidades independentes que se uniam apenas em ocasiões de guerra ou
perigo. As principais cidades eram Ascalom, Asdode, Ecrom, Gate e Gaza, todas
situadas na planície costeira de Canaã.

Depois do período da conquista e até o tempo de Davi os filisteus foram


o chicote divino contra Israel. Sua superioridade tecnológica lhes garantia um
exército melhor equipado, e seus soldados eram valorosos ao ponto de Davi ter um
contingente de mercenários filisteus.

4. História Posterior

Mesmo depois de derrotados por Davi, os filisteus continuaram como


um vizinho incômodo para Israel, e um "osso duro de roer" para os grandes
impérios conquistadores. Assírios e caldeus tiveram que lutar bravamente para
conquistar cidades como Ascalom e Gaza.

Ainda depois do exílio, ao tempo de Neemias, os asdoditas


continuavam a figurar entre os inimigos de Israel. A migração contínua de árabes
em séculos posteriores acabou por "dissolver" a identidade dos filisteus.

G. Os Arameus

A referência mais antiga aos arameus data do século XXIII a.C. Vários
reis da Mesopotâmia reportam contatos hostis com bandos de nômades a quem
chamam de akhlamu. Esses nômades se estabeleceram ao norte da Mesopotâmia,
aproveitando a fraqueza momentânea dos assírios (século XI a.C.).

Os vários micro-reinos então formados acabariam por unir-se em dois


grandes blocos. Um deles formou o que o Antigo Testamento chama de Síria, ou
Aram, posterior à monarquia unida, quando ainda existiam como grupos distintos
(cf. 2 Sm 10). Um bolsão de arameus se formou na extremidade sul da
42 • História do Oriente Médio Antigo

Mesopotâmia, no terreno pantanoso próximo ao Golfo Pérsico, assumindo o nome


de Bit Yakin. Esses viriam a ser os caldeus do século VII a.C.

Nos séculos X e IX a.C. os arameus foram o espinho na carne do reino


do norte, até que seu poder começou a ser reduzido pela expansão assíria de Adad-
Nirari III. Seu fim veio ao tempo de Tiglate-Pileser III, que conquistou Damasco e
subjugou a maior parte de Israel em 732 a.C. Curiosamente, a dissolução de Aram
como estado significativo no OMA coincidiu com a disseminação de sua língua, o
aramaico, como a nova língua franca da região, substituindo o acádico.

Com o advento dos grandes impérios persa e grego, os arameus foram


assimilados e desapareceram como povo. Sua língua sobreviveu até depois de
iniciada a era cristã, e sobrevive na Peshitta (a Bíblia em siríaco), e no Talmude
judaico.

H. Os Caldeus

Esse nome não deve ser confundido com "babilônios". Os caldeus, ou


kasdim, eram descendentes de nômades aparentados com os arameus, que haviam
se estabelecido junto à foz dos rios Eufrates e Tigre, região que era chamada pelos
assírios de "terra do mar". Por longo tempo vassalos dos assírios, os caldeus de Bit
Yakin, começaram a se afirmar como poder importante no final do oitavo século a.C.

Marduk-apal-idinna (o Merodaque-Baladã das Escrituras) foi um


mestre de intriga internacional a incomodar os assírios, e, com a ajuda dos
elamitas, chegou a tomar Babilônia, onde reinou por cerca de 11 anos (721-710
a.C.)! Depois de derrotado por Sargon II, Marduk-apal-idinna voltou a invadir
Babilônia em 703 a.C., sendo expulso por Senaqueribe.

A posse de Babilônia foi disputada pelos assírios, pelos elamitas e pelos


caldeus por mais quinze anos, até que a cidade foi arrasada por Senaqueribe em
689 a.C., quando ela era controlada por um caldeu, Mushezib-Marduk. Esar-haddon,
filho de Senaqueribe era pró-babilônico em sua política, e empreendeu a
restauração da cidade. O domínio assírio seguiu inconteste até 652 a.C., quando o
caldeu Shamash-shun-ukin se rebelou, com a ajuda de Psamético I, do Egito, e de
tribos elamitas e sírias. Assurbanipal, filho de Esar-haddon reconquistou Babilônia,
e colocou como governante um certo Kandalanu. Com a morte deste em 627 a.C.
a anarquia se instalou na região, do que se aproveitou um caldeu de origem
Outros Povos do Oriente Médio Antigo • 43

aparentemente humilde, Nabu-apal-usur (Nabopolassar), que assumiu o controle


da região e se fez rei de Babilônia em 626 a.C.

A ascensão dos caldeus se deveu, obviamente, ao enfraquecimento da


Assíria, e foi fulminante. Em cerca de um século passaram de uma obscura província
do império assírio a dominadores do OMA. Seu domínio sobre Babilônia, já no século
VII a.C., deu àquela cidade famosa seus dias de maior glória. Os arquitetos dessa
glória foram Nabopolassar (625-605 a.C.) e seu filho, Nabu-kudurri-usur (Nabuco-
donozor II, 605-562 a.C.). O pai aliou-se a Ciaxares, rei da Média, para pôr fim ao
império assírio. O filho derrotou o Egito e seus títeres palestinos e submeteu todo
o Crescente Fértil ao seu despotismo iluminado.

Durante os primeiros anos de seu reinado Nabucodonozor dedicou-se


ao estabelecimento de sua soberania na região da Síria-Palestina, com três
expedições contra a região, responsáveis pelas três levas de exilados judeus e pela
destruição de Jerusalém. Em anos posteriores o monarca se dedicou ao
embelezamento de Babilônia e ao desenvolvimento das artes e da ciência, numa
espécie de reavivamento da cultura acádica.

Os reis que se seguiram a Nabucodonozor tiveram reinos breves e sem


expressão política ou militar. Amel-Marduk (o Evil-Merodaque das Escrituras, 562-
560 a.C.) tem como realização notável o perdão que ofereceu ao rei Joaquim.
Seguiram-no seu cunhado Nergal-shar-usur (Neriglissar, 559-556 a.C.), conhecido
por algumas edificações e por uma campanha militar na Cilícia, e seu filho menor,
Labashi-Marduk (556).

Subiu então ao trono o último rei dos caldeus, Nabu-na'id (Nabonido,


556-539 a.C.). Natural de Harã, Nabonido era devoto do deus local, Sin, deus da
lua. Ele procurou substituir o patrono de Babilônia, Marduque (ou Bel) pelo deus de
sua devoção, Sin, incorrendo assim na ira da casta religiosa de Babilônia.
Aproveitando a oportunidade, Nabonido se retirou de Babilônia, passando a viver
em Tema, na península da Arábia, localidade que usou como base para incursões
contra tribos árabes. Deixou em seu lugar seu filho Bel-shar-ushur (o Belsazar do
livro de Daniel), que serviu de regente até a conquista de Babilônia pelos persas em
539 a.C.

Os caldeus foram conquistadores esclarecidos, e sob sua égide os


judeus cativos se estabeleceram por todo o império, mas principalmente em
Babilônia. Não houve tentativas premeditadas de forçar a religião dos caldeus,
44 • História do Oriente Médio Antigo

basicamente astrológica, sobre os judeus, que todavia ali assimilaram influências


que haveriam de se manifestar séculos mais tarde na prática do cabalismo. No
gráfico abaixo estão alistadas as principais divindades babilônicas.

Nome da Divindade Área de Autoridade


Marduque (Bel) Jovem deus da tempestade
Deus da escrita; secretário do
Nebo (Nabu)
panteão
Ea Deus da água doce
Sin Deus da lua
Enlil Deus da tempestade
Ishtar Deusa do sexo e da fertilidade
Shamash Deus do sol

I. Os Medos e Persas

Ciro, o Grande, reivindicava ascendência dos medos e dos persas.


Ambos os povos eram descendentes de tribos arianas que haviam se deslocado para
o sul, vindos das estepes russo-siberianas e, por volta do ano 1000 a.C. haviam se
estabelecido às margens do Lago Urmia, no que hoje é o extremo noroeste do Irã.

Gradualmente os medos se deslocaram para o leste e ocuparam a


região ao sul do Mar Cáspio, ao passo que os persas migraram para o sudeste e se
estabeleceram mais próximo ao Golfo Pérsico.

Por mais de dois séculos os medos ficaram sob dominação assíria (até
pouco depois da morte de Sargão II). É provável que os descendentes de um certo
Deioces, levado cativo por Sargão II tenham conseguido recuperar sua liberdade
com o enfraquecimento do império assírio. Com o passar do tempo, os medos foram
novamente conquistados, desta vez pelos citas, que dominaram aquela região
montanhosa entre 650 e 625 a.C.

Surge então o nome de Ciáxares (Huvakhshthra, em persa antigo), a


quem cabe o crédito de unificar as tribos do Irã. Ele reorganizou o exército médio
e renovou a guerra contra a Assíria, de cuja destruição participou em 612 a.C., na
Outros Povos do Oriente Médio Antigo • 45

queda de Nínive e em 609 a.C, na conquista de Harã. Ciáxares manteve uma


política expansionista, conquistando o reino de Urartu e fazendo campanhas contra
a Lídia até 585 a.C., quando um tratado foi formalizado entre os dois reinos, com
a fronteira fixada no Rio Halis. O filho e sucessor de Ciáxares, Astíages, assumiu a
liderança dos medos em 583 a.C. e aliou-se aos persas, tribos aparentadas que
viviam ao sul.

No começo do século VII a.C. o persa Hakhamanish (Aquemenes)


estabeleceu um domínio em Parsumas. Este foi estendido para o sul por seu filho
Teispes (675-640). Aproveitando o domínio dos citas sobre a Média, Teispes
prosseguiu sua campanha para o sul e depois dividiu seu território entre os filhos:
Ariaramnes ficou com o sul e Ciro I (Kurush, em persa antigo) ficou com o norte.
Estes foram feitos vassalos de Ciáxares, que subjugou toda a região do Irã.

O filho de Ciro I, Cambises I (Kanbujiya em persa antigo), casou-se com


a filha de Astíages, neta de Ciáxares. Dessa união nasceu Ciro II, que viria a ser
conhecido como Ciro, o Grande. Ciro foi vassalo de seu avô, Astíages, governando
uma região conhecida como Anshan. Fez de Pasárgada sua capital, e foi unificando
as tribos persas a seu redor. Num gesto de desafio ao próprio avô, Ciro fez aliança
com Nabonido, rei de Babilônia, que era o principal adversário de Astíages. Quando
foi convocado para dar explicações, Ciro recusou-se a ir a Ecbátana, e veio a guerra.
O exército de Astíages o abandonou e Ciro conquistou a Média. Em questão de um
século a situação havia se revertido, e a Pérsia era senhora do império medo, que
ia do Golfo Pérsico ao Rio Halis.

Imediatamente, Creso, rei da Lídia, reagiu à ameaça expansionista


persa. Ciro o atacou, forçou-o a voltar para Sardis, e ali o derrotou (547 a.C.).
Nessa campanha Ciro travou contato com os gregos, que mais tarde serviram como
mercenários em seu exército. Depois dessa conquista, apenas Babilônia se
apresentava como adversário para Ciro, mas um adversário já vencido por sua
própria exaustão político-cultural-religiosa. Em 539 a.C. Ciro enviou contra Babilônia
um exército sob a direção de Gubaru (Gobryas), que conquistou a cidade sem muita
luta e absolutamente sem destruição, com Dario, o medo, filho de Assuero,
assumindo o controle .24

24
Há muito debate sobre a identidade de Dario, o medo. Alguns crêm que se trata do próprio Ciro (D.
J. Wiseman); outros, preferem o general Gubaru (John Whitcomb); uma terceira sugestão é Cambises
II, filho de Ciro.
46 • História do Oriente Médio Antigo

Ciro preferia manter o status quo nos territórios que conquistava,


evitando assim o ódio e o ressentimento que os conquistados haviam devotado aos
assírios e caldeus. Uma área em que isso ficava evidente era a religiosa, pois ele
não impunha sua religião aos povos conquistados. Isso o levou a promulgar o edito
religioso de 538 a.C., diretamente ligado à história do povo de Israel. Esse monarca
politicamente correto continuou a expandir e consolidar seu reinado até morrer em
batalha contra os massagetas junto ao Rio Jaxartes, na Ásia Central.

O sucessor de Ciro foi seu filho mais velho, Cambises II (529-522 a.C.),
que foi em tudo o reverso do pai. Seu único grande mérito foi haver conquistado o
Egito (525 a.C.). Confrontado com uma rebelião liderada por um certo Gaumata,
que alegava ser Smerdis, o irmão que Cambises mandara matar, o rei
aparentemente suicidou-se a caminho da Pérsia.

O usurpador Gaumata era contrário ao Zoroastrismo, e em resposta a


ele levantou-se Dario (Daryawesh em persa antigo), filho de Histaspes, um dos
netos de Teispes, e que possuía legítimo sangue aquemênida. Após eliminar
Gaumata, Dario passou cerca de dois anos pacificando o império, e outros trinta e
seis consolidando seus domínios, que se estendiam da Líbia e do Mar Egeu à Índia,
do Mar Negro e do Mar Cáspio ao Oceano Índico.

O brilho de suas realizações foi empanado por sua fragorosa derrota


contra os gregos em Maratona, em 490 a.C. Dario morreu enquanto preparava uma
nova expedição, que foi assumida por seu filho e sucessor, Xerxes (Khshayarsha em
persa antigo; 486-465 a.C.). Depois de pacificar à força tanto o Egito (484) quanto
Babilônia (482), Xerxes fez seu exército de um milhão de soldados atravessar o
Helesponto e invadir a Grécia. Apesar de longas preparações e dramática vantagem
numérica, Xerxes foi derrotado tanto no mar (batalha de Salamis, 480 a.C.) quanto
em terra (batalha de Platéia, 479 a.C.).

O sucessor de Xerxes foi seu filho Artaxerxes I (Artakhshathra em persa


antigo; 465-423 a.C.), que conseguiu pacificar algumas regiões rebeladas e manter
o império intacto, apesar de perder território asiático para os gregos. Ele é mais
conhecido por ter assinado o decreto que permitiu a reconstrução dos muros de
Jerusalém (Ne 2; cf. Dn 9.24-27).

Depois dele seguiram-se imperadores cada vez mais fracos, incapazes


de sustentar a unidade do império e deter o crescimento dos gregos no ocidente.
Dario II (423-404 a.C.) tem contato com a história israelita por estar no poder
Outros Povos do Oriente Médio Antigo • 47

quando a colônia judaica na ilha de Elefantina, no Rio Nilo, solicitou ao governador


persa em Jerusalém, Bigvai (Bagoas), permissão e ajuda para a construção de seu
templo alternativo (fim do século V a.C.).

O império persa continuou em colapso interno, com revoltas e golpes


palacianos, até que no reinado de Dario III (336-331 a.C.), acabou por cair diante
dos macedônios de Alexandre, depois de três batalhas memoráveis, Granico, Isso
e Arbela (ou Gaugamela).

A religião persa merece alguma consideração, pois muitos estudiosos


vêem nela pontos de contato com a religião de Israel. Seu fundador, Zoroastro (em
persa Zarathustra), não pode ser localizado historicamente com precisão. Seu
nascimento tem sido situado entre os extremos de 1000 e 700 a.C., e mesmo essas
datas não são definitivas. O local de seu nascimento também varia com as fontes
gregas consultadas, sendo apresentado como medo, bactriano, ou persa. Escritos
persas sugerem a região noroeste da Média como o local de seu nascimento.

A pessoa de Zoroastro é histórica, mas assumiu caráter lendário nos


escritos religiosos posteriores. Ele surge como a alegria da criação (Yasht 13,93),
o conquistador dos demônios (Yasht 17,19) e aquele que triunfa sobre o tentador
(Vendidad 19,6).

A antiga religião iraniana tinha notáveis semelhanças com o politeísmo


indo-ariano encontrado nos Vedas. Zoroastro não podia aceitar o caráter
moralmente reprovável de algumas daquelas deidades, e por isso voltou-se para
uma religião popular ainda mais antiga, que conseguiu introduzir em sua terra natal
com a ajuda oficial de um rei semi-lendário chamado Vishtaspa, que se tornou
discípulo e protetor de Zoroastro.

A religião proposta pelo novo mestre concebia dois espíritos ou duas


divindades pré-existentes, uma das quais era moralmente boa (Ahura Mazda) e
outra moralmente má (Angro Mainyush). Ambos possuíam poderes criativos, com
o primeiro exercendo tal poder para o bem, criando luz e vida, e tudo que é puro
e bom; o segundo, por sua vez, é a essência da escuridão, imundícia e morte.
Apesar desse dualismo, os escritos sagrados do zoroastrismo apresentam Angro
Mainyush com menos atributos de plena personalidade e individualidade.

Em comum com outras religiões orientais, o Zoroastrismo tem o


conceito de bons e maus espíritos (amesha spenta e daeva), que são emanações
48 • História do Oriente Médio Antigo

de Ahura Mazda e Angro Mainyush respectivamente. Entre as emanações de Ahura


Mazda se encontra Mithra, cuja religião se desenvolveu mais tarde entre os gregos
e romanos. Algumas dessa emanações são personificações de virtudes morais, ao
passo que outras são personificações de forças da natureza, resquícios animistas
da religião que o zoroastrismo substituiu. Na medida em que os próprios livros
sagrados (Avesta) sugerem o caráter divino de tais espíritos e encorajam sua
adoração é impossível dizer que o zoroastrismo representa um progresso em
relação à religião de Israel.

O caráter de Ahura Mazda, em contraste com Yahweh, no Velho


Testamento, não pode ser definido essencialmente como santo. A designação
speñta muitas vezes traduzida como "santo" significa mais apropriadamente
"frutífero" ou "produtor" indicando a idéia de aumento e largueza.

A soteriologia do zoroastrismo é essencialmente uma questão de boas


obras. Se os atos virtuosos de um indivíduo forem mais "pesados" que os seus atos
ímpios, ele terá acesso ao paraíso e à vida de eterna bênção, passando por uma
ponte (cinvatu peretu, a "ponte do contador"; cf. Islã). Caso contrário, ele será
lançado ao inferno onde viverá para sempre sob o poder de Angro Mainyush. Caso
a balança fique perfeitamente equilibrada, a alma do indivíduo passará para um
estado intermediário aguardando o julgamento final do fim dos dias. Assim o
Zoroastrismo nada conhece de perdão de pecados mediante substituição penal,
apesar de usar termos como arrependimento, expiação e remissão.

Na área da escatologia, o julgamento final deverá acontecer depois de


9.000 anos de conflito entre Ahura Mazda e Angro Mainyush, com a vitória do
primeiro, devida à sua presciência. Houve desenvolvimentos posteriores na
escatologia, afirmando que o fim da história se dará 3.000 anos depois de
Zoroastro, com o aparecimento de um descendente do profeta, a ressurreição dos
mortos, e o aparecimento de um novo mundo livre da corrupção.
O Período Intertestamental • 49

III. O Período Intertestamental

A. Contexto Político

1. O Domínio Persa sobre a Palestina

Quando o Antigo Testamento se encerrou, por volta de 430 a.C. os


persas ainda eram o poder dominante no Oriente Médio. Seu império se estendia
da Índia a Turquia e não havia ameaça imediata à sua hegemonia.

Depois de suas derrotas humilhantes diante dos gregos no começo do


século V a.C. os persas conduziram uma política mais cautelosa, jogando os
espartanos contra os atenienses durante as Guerras do Peloponeso (431-404 a.C.)
e assim tirando partido da falta de unidade dos gregos, para manter e,
ocasionalmente, recuperar território na Ásia Menor.

O relacionamento dos persas com os judeus se manteve amistoso,


apesar de ocasionais concessões à intriga internacional dos samaritanos e outros
povos circunvizinhos, conforme registrado em Esdras 4 e em várias passagens de
Neemias. Um exemplo dessa política amistosa foi o decreto favorável de Dario II
(em 419 a.C.), permitindo aos judeus de Elefantina, no Egito, reconstruir seu
templo a Yaho e oferecer sacrifícios animais, apesar de episódios violentos de
oposição dos egípcios às práticas religiosas dos colonos judeus.

Depois que Artaxerxes II subiu ao trono (404 a.C.), o império persa


começou a desmoronar. Rebeliões estouraram no Egito, e uma tentativa frustrada
de recuperar aquela satrapia teve o efeito colateral de violência contra Jerusalém
e taxação pesada sobre os judeus.

Sob o governo de Artaxerxes III (358-338 a.C.), o Egito foi


reconquistado pelos persas, mas nem mesmo este sucesso permitiu ao monarca
escapar a um golpe palaciano que culminou com seu envenenamento. Arses, filho
de Artaxerxes, ficou menos de três anos no trono, sendo também ele envenenado
por ordem de um ministro influente, de nome Bagoas, em 336 a.C.

Um novo imperador, Dario III, foi designado em 336 a.C. Dario


conseguiu escapar a um novo golpe arquitetado por Bagoas, mas não teve herdeiros
no trono persa que dominassem o Oriente Médio. Na Macedônia um novo poder se
erguera e iria, eventualmente, engolfar o gigantesco império persa.
50 • História do Oriente Médio Antigo

2. O Domínio Macedônio sobre a Palestina

Filipe da Macedônia morreu em 334 a.C. antes de realizar seu sonho


de unir os gregos e de espalhar a cultura grega pelo mundo. Essa tarefa caiu sobre
os ombros de seu filho e herdeiro, Alexandre, que tinha então vinte anos de idade.

O jovem príncipe, que fora pupilo de Aristóteles, partilhava do sonho


e da visão de seu pai. Depois de derrotar e arrasar Tebas, que se revoltara contra
a dominação macedônia, Alexandre motivou os gregos a se juntarem a ele na tarefa
hercúlea de conquistar a Pérsia.

Alexandre mobilizou um exército de dimensões modestas, quando


comparado aos mastodônticos exércitos mercenários dos persas. Suas forças
tinham, porém, um treinamento superior e muito maior mobilidade. A primeira
batalha decisiva foi travada junto ao Rio Granico, na Ásia Menor, em 334 a.C., e
abriu as comportas da influência grega sobre o Oriente Médio. Dario III foi
derrotado mais uma vez em Isso, na Cilícia (333 a.C.), e fugiu de volta para a
Pérsia.

Alexandre desviou sua marcha para o sul, conquistando a Palestina e


o Egito, tarefa facilitada pela boa-vontade egípcia em escaparem à odiosa
dominação persa, e completada em 331 a.C. No Egito, fundou Alexandria, uma
cidade grega destinada a ser um centro irradiador da cultura helênica e fundamental
mais tarde na moldagem tanto do judaísmo e do cristianismo. Reza a tradição
judaica que ao aproximar-se de Jerusalém Alexandre se defrontou com uma
embaixada judaica, encabeçada pelo sumo-sacerdote Jadua, que lhe mostrou o livro
de Daniel e as profecias de que fora objeto, e mudou sua disposição para com
Jerusalém e os judeus, liberando-os do pagamento de tributos no ano sabático.25

A ascensão meteórica de Alexandre continuou quando ele marchou


para o norte e derrotou Dario III na planície de Gaugamela, a noroeste da antiga
Nínive (também conhecida como batalha de Arbela) em 1º de outubro de 331 a.C.
Apesar de lutar contra forças numericamente superiores, Alexandre empregou
táticas brilhantes que garantiram sua vitória. Pouco a pouco o jovem general foi
ocupando as principais cidades do império – Babilônia, Susa e Persépolis.

25
Flávio Josefo, Antiguidades dos Judeus, 11.8.4-6.
O Período Intertestamental • 51

Quando Dario III foi assassinado, Alexandre lhe concedeu pompas


fúnebres dignas de um rei, e assumiu para si o título de Rei da Ásia. Sua marcha
para o leste continuou até chegar ao vale do Rio Indo, em 325 a.C. De lá, retornou
para o ocidente, estabelecendo pelo caminho, outras Alexandrias, como nas
províncias de Bactria e Sogdiana. Nem tudo foram flores nessa marcha de
conquista, pois os generais de Alexandre lhe deram quase tanto trabalho quanto as
províncias do império que ainda restavam para conquistar. Ao voltar, ainda teve que
corrigir distorções administrativas impostas por seus representantes durante sua
ausência de cinco anos. Quando de sua volta, aceitou a deificação, recebendo a
proskynesis dos persas, mas isentando os gregos de tal prática.

A morte de Alexandre foi tão súbita quanto sua carreira de líder


mundial. Em 13 de junho de 323 a.C., com a idade de trinta e dois anos, Alexandre
morreu, provavelmente de malária, sem deixar sucessor. Sua esposa, a princesa
sogdiana Roxane, com quem se casara como garantia da pacificação daquela
província, estava grávida, mas seu filho jamais chegou a ser considerado herdeiro
do trono. O chifre notável da profecia de Daniel 8 fora quebrado, e outros quatro
chifres emergiriam do seu gigantesco império.

3. A Divisão do Império Macedônio

Uma longa disputa sobre os direitos de governar os territórios de


Alexandre foi finalmente resolvida em 301 a.C., quando Antígono, o general que
tentara obter a exclusividade do poder foi morto em batalha. Quatro sátrapas, que
haviam previamente (303 a.C.) concordado em dividir o império em quatro partes,
assumiram seus governos como reis sobre territórios independentes. O gráfico
abaixo indica como o império macedônio foi dividido:

Governantes Territórios
Ptolomeu Egito e Palestina
Seleuco Frígia, Síria, Mesopotâmia e Pérsia
Cassandro Macedônia e Grécia
Lisímaco Trácia e Bitínia

Este arranjo durou apenas vinte anos, depois dos quais os selêucidas
estabeleceram controle sobre a Ásia Menor, e Antígono Gônatas, neto do general
52 • História do Oriente Médio Antigo

de Alexandre, assumiu o controle da Macedônia. Esses três reinos (Egito, Síria e


Macedônia) duraram até o advento de Roma como uma superpotência.

4. O Domínio Ptolemaico sobre a Palestina

Os primeiros herdeiros do império macedônio prestaram pouca


atenção à Judéia, que continou a ser controlada pelo sumo-sacerdote, que era
diretamente responsável por enviar a Alexandria o tributo anual.

A segunda geração de líderes, porém, Antíoco I e Ptolomeu II, começou


a competir pelo controle da Palestina, e assim começaram as chamadas guerras
sírias. Na gangorra política e militar que se seguiu, a Síria e a Fenícia trocaram de
mãos várias vezes, mas a Judéia permaneceu sob controle egípcio por quase um
século.

5. O Domínio Selêucida sobre a Palestina

Quando o segundo século a.C. começou, Antíoco III (o Grande) tentou


unificar (militarmente) os reinos rivais (Síria e Egito), mas fracassou em suas
tentativas de invasão do Egito. Depois de duas fragorosas derrotas nas mãos dos
romanos (Termópilas [191 a.C.] e Magnésia [190 a.C.]), Antíoco recorreu a uma
política de saques, que acabou por se transformar num esforço de helenização
quando Antíoco IV (Epífanes) subiu ao trono em 175 a.C.

Seus esforços para helenizar os judeus foram canalizados


primeiramente pela venalidade das lideranças judaicas. A corrupção era tal que
Menelau, um judeu pró-helênico e não arônico veio a ser sumo-sacerdote!

Em suas lutas contra o Egito, Antíoco Epífanes acabou por despertar a


ira dos romanos, que dependiam da agricultura egípcia e não queriam perdê-la para
quem já era seu inimigo na Ásia Menor. Humilhado pelos romanos, que o forçaram
a sair do Egito, Epífanes voltou à Síria firmemente decidido a helenizar totalmente
os judeus, de modo a ter uma retaguarda confiável entre si e as legiões romanas
de Popillius Laenas, estacionadas no Egito.

Antíoco entrou à força em Jerusalém e iniciou seu programa de


helenização profanando o Templo. Em 25 de quisleu de 167 a.C., um altar ao Zeus
O Período Intertestamental • 53

Olímpico foi erigido no lugar do altar do holocausto, e ali foi sacrificada uma porca.
A circuncisão foi proibida por lei e a adoração compulsória de deuses gregos era
exigida em bases mensais.26

Isto levou à revolta dos macabeus, que começou com a reação de


Matatias, um velho sacerdote que matou um judeu apóstata e um representante
sírio em sua aldeia, Modina. O terceiro filho de Matatias, Judas, liderou os judeus
numa luta de guerrilhas que logo escalou para uma guerra convencional. Depois de
três anos Judas conseguiu derrotar os sírios em toda a Palestina, e obteve a
libertação de Jerusalém, onde o Templo foi purificado e o culto normal
restabelecido. A data da purificação, 25 de quisleu de 164 a.C. marca o começo da
celebração de Chanukkah, a festa da dedicação.

6. O Domínio Hasmoneano sobre a Palestina

A despeito das vitórias espetaculares de Judas e seus irmãos, e do fato


de que a liberdade religiosa dos judeus foi assegurada a partir do reinado de Antíoco
V, a verdadeira independência política ainda demoraria 22 anos para surgir. A
instabilidade política crescente na Síria permitiu ao irmão de Judas, Simão, obter
concessões significativas de Demétrio, um dos rivais ao trono da Síria.

Simão estabeleceu a Judéia como uma nação independente, e sua


própria família como príncipes-sacerdotes sobre Israel. Seu filho, João Hircano (135-
104 a.C.), perdeu e reconquistou a independência da Judéia e, com o
consentimento de Roma, estendeu as fronteiras judias de modo a incluir Edom,
Samaria e Galiléia. Foi durante seu reinado que se definiu a duradoura rixa entre os
fariseus (descendentes religiosos dos hasidim da época dos macabeus) e os
saduceus, a classe sacerdotal dominante, que apoiava os governantes
hasmoneanos.

Alexandre Janeu, um dos filhos de João Hircano, conquistou ainda mais


território, tornando o reino hasmoneano quase tão extenso quanto o de Davi. A
consequência de seu reino de violência foram lutas internas que duraram quase
quarenta anos, e que virtualmente extinguiram a linhagem hasmoneana.

26
E. Schurer indica que esse processo já estava adiantado entre os mais cultos e aristocráticos em
Judá, e que esses grupos de fato promoveram o programa de Antíoco, que se tivesse continuado teria
destruído o judaismo, que já naquela ocasião tinha os contornos básicos da era do Mishnah (The
History of the Jewish People in the Age of Jesus Christ, edição revisada, 1:142, 145).
54 • História do Oriente Médio Antigo

Depois de quase um século de auto-governo, os judeus voltaram a ser


dominados por uma potência estrangeira quando Pompeu interveio na Judéia para
por fim aos conflitos surgidos entre os filhos de Salomé Alexandra, viúva de
Alexandre Janeu. O quadro abaixo resume a história dos macabeus e seus
descendentes político-religiosos, os hasmoneanos.

Governantes Hasmoneanos na Palestina


Governantes Datas Eventos Principais
Simão Macabeu 143-135 Independência da Síria
Invasão síria. Aliança com Roma e
João Hircano 135-104 reconquista da independência. Expansão
territorial. Cunhagem de moedas.
Aristóbulo I 104-103 Conquista da Galiléia
Alexandre Conquistas territoriais. Lutas internas.
103-76
Janeu Perdas de território para os nabateus.
Salome
76-67 Crescimento da influência dos Fariseus.
Alexandra
Luta fratricida contra Hircano II. Roma
Aristóbulo II 67-63 intervém e termina a soberania da
Judéia.
Líderes perdem o título de rei, retendo
apenas o sumo-sacerdócio. Crescimento
Hircano II 63-40
do controle idumeu sobre a política
judaica.
Conflito contra Hircano II. Roma designa
Herodes como rei. Antígono é
Antígono 40-37
decapitado. Fim da linhagem
hasmoneana pura.

7. O Domínio Romano sobre a Palestina

Os romanos, que tinham o controle efetivo da Palestina desde a invasão


de Pompeu em 63 a.C., finalmente desistiram de arbitrar as intermináveis lutas
entre os hasmoneanos, e indicaram Herodes, filho de Antipater, chefe de uma
O Período Intertestamental • 55

família iduméia que crescera em prestígio fazendo o jogo político e econômico dos
romanos na Palestina, como o rei dos judeus. Com ajuda romana, ele conquistou
a Galiléia e depois Jerusalém. Escolhendo cuidadosamente a quem apoiar nas lutas
que se seguiram ao assassinato de Júlio César em 44 a.C., Herodes reconquistou
muito território. Sistematicamente eliminou a competição no cenário doméstico,
matando sem hesitar até esposas e filhos para assegurar sua posição.

Herodes foi um administrador e negociador capaz, conseguindo agradar


tanto a romanos quanto a judeus, que sempre se ressentiram de sua ascendência
iduméia e de como mandara matar os últimos governantes hasmoneanos. Foi um
ávido construtor de palácios, fortalezas, monumentos e templos, um dos quais
dedicado a Otávio Augusto. o Templo de Jerusalém, sua obra máxima, foi começado
por ele, mas ainda estava em construção parcial ao tempo do ministério de Jesus,
mais de trinta anos depois da sua morte .

Os muitos casamentos de Herodes fomentavam a intriga palaciana e


as lutas domésticas. Isso levou a seis testamentos diferentes e a uma série de
execuções de suas próprias esposas e filhos, o que levou Otávio a dizer que
v ). A
preferiria ser o porco de Herodes (u|~ em grego) a ser o filho de Herodes (uiJo~
divisão final do reino de Herodes foi estabelecida cinco dias antes de sua morte, e
está registrada nas páginas do Novo Testamento. Arquelau recebeu o governo da
Judéia, Filipe a tetrarquia de Gaulanitis, Traconitis, Batanéia e Panéia, e Herodes
Antipas a tetrarquia da Galiléia e Peréia.

Quando o Senhor Jesus Cristo iniciou seu ministério, a Judéia estava


novamente sob governo romano direto. Arquelau, o etnarca idumeu havia sido
deposto e banido, e o governo era exercido por procuradores romanos. Os outros
dois filhos de Herodes retiveram suas posições, mas viviam debaixo de supervisão
romana. Antes que o Novo Testamento fosse concluído, Israel desaparecera como
nação instalada em sua própria terra. O quadro abaixo alista imperadores romanos
e governantes romanos na Palestina entre 27 a.C. e a.D. 96, bem como sua relação
com eventos do Novo Testamento.
56 • História do Oriente Médio Antigo

Governantes Romanos e Sua Relação com o Novo Testamento

Procuradores e
Imperadores Datas Eventos Bíblicos
Datas

Copônio (a.D. 6-10)


Nascimento e infância de
Otávio César 27 a.C.-a.D. 14 Ambívio (10-13)
Jesus
Anio Rufo (13-15)

Valério Grato (15-26)


Ministério público de
Tibério 14-37 Pôncio Pilatos (26-36) Jesus.
Pentecostes. Conversão
Marcelo (36-37) de Paulo.

Caio Calígula 37-41 Marulo (38-41)

***27
Morte de Tiago.
Cuspio Fado (44-46) 1ª viagem de Paulo.
Cláudio 41-54
Tibério Júlio (46-48) Concílio de Jerusalém.
2ª viagem de Paulo
Ventídio (49-52)

Marco Félix (52-59) 3ª Viagem de Paulo.


Prisão.
Pórcio Festo (60-62)
Nero 54-68 Ministério pós-prisão.
Albino (62-64) Martírio de Paulo.
Perseguição aos cristãos.
28
Galba, Otão, Géssio Floro (65-70)
68-69
Vitélio

(Destruição de
Vespasiano 69-79 Vetuleno (70-72)
Jerusalém)

Tito 79-81 Lucílio Basso (72-75)

Perseguição. Exílio de
Domiciano 81-96 Salvieno (75-86)
João.

27
De 41 a 44 não houve procurador romano na Judéia, pois Herodes Agripa I reinou sobre toda a
Palestina, inclusive a Judéia.

28
De 66 a 70 Jerusalém esteve em revolta contra Roma e foi sitiada por Vespasiano e por Tito.
O Período Intertestamental • 57

B. Contexto Religioso

1. Templo, Sinagoga e Torah

Depois de seu retorno de Babilônia, os judeus não mais se deixaram


enredar pela idolatria, sua antiga nêmesis. Durante sua permanência em Babilônia
uma nova ênfase surgira no estudo e aplicação cuidadosos da Torah, e isso foi
levado de volta à Palestina.

Assim, quando o Templo foi reconstruído, enfrentou feroz competição


do que poderia ser chamado "a religião da pequena comunidade", centrada na
sinagoga, que estava presente em quase todas as cidades dos judeus, e onde uma
religião mais pessoal podia ser buscada por meio do estudo da Torah.

2. Expectativas Messiânicas

Quando o Antigo Testamento se encerrou, Malaquias apontava para a


vinda do profeta Elias antes do aparecimento do Dia do Senhor. Na medida em que
os anseios judaicos por independência eram continuamente abafados por uma série
de nações conquistadoras, suas expectativas messiânicas ganhavam um sabor
distintamente político, associado a um cenário apocalíptico, extraído e desenvolvido
da profecia vétero-testamentária. A literatura pseudepigráfica judaica e os
documentos de Qumran oferecem exemplos eloquentes disso, enfatizando figuras
messiânicas de caráter político e religioso.

Épocas como a perseguição de Antíoco IV Epífanes e a opressão dos


romanos geraram um messianismo que era ao mesmo tempo especulativo e prático,
com graus variados de mobilização popular. O testemunho do Novo Testamento é
que movimentos messiânicos estavam em voga quando o cristianismo adentrou no
cenário religioso do primeiro século (cf. Atos 4.36-37; 21.37-38).

3. Grupos Religiosos

A tensão religiosa já mencionada entre o Templo e a sinagoga


encontrou expressão humana nos dois principais grupos do judaismo, os fariseus
e os saduceus.
58 • História do Oriente Médio Antigo

Os fariseus eram os herdeiros espirituais dos hasidim, os judeus


piedosos que haviam se alinhado com Matatias e seus filhos na luta contra a
helenização no século II a.C. Consideravam revelação divina todo o Antigo
Testamento e reverenciavam a tradição oral, ao ponto de fazê-la mais importante
que a própria Escritura (cf. Marcos 7). Vinham das camadas inferiores e medias da
população e tinham a sinagoga por plataforma de expressão. Sua teologia
enfatizava a predestinação, a imortalidade, a ressurreição e a vinda de um Messias
libertador político. Opunham-se sistematicamente a qualquer cooperação com as
potências opressoras.

Os saduceus eram a classe sacerdotal elitista cujo envolvimento


religioso se limitava ao Templo. Sua religiosidade era mais formal e elaborada, e por
isso menos pessoal. Sua origem é obscura; alguns a fazem remontar a Zadoque,
mas os próprios saduceus não o faziam. Sua origem como classe parece ter ocorrido
na agitada segunda metade do segundo século a.C., quando judeus ricos
competiam pelo sumo-sacerdócio e pelo poder e prestígio que o acompanhavam.
Sua teologia era bem menos rígida que a dos fariseus; aceitavam apenas o
Pentateuco como revelação, acreditavam na autonomia do homem, negavam
completamente a imortalidade e a existência de seres espirituais, quer angélicos
quer demoníacos. Por estarem no topo da pirâmide social israelita, não desfrutavam
de grande prestígio com as massas.29

Os essênios têm sido associados e desassociados da comunidade de


Qumran por várias vezes nas últimas décadas. Parece agora que essênios e
qumranitas eram um e o mesmo grupo, também historicamente relacionados aos
hasidim, zelosos por pureza religiosa e ainda mais radicais em suas expectativas
messiânicas.30 W. S. LaSor vê uma ruptura histórica nos hasidim que acabou por
produzir essênios e qumranitas.31

Os essênios eram separatistas, praticavam batismo (não como rito


iniciatório) e vida comunitária, e submetiam-se a um ascetismo rigoroso.32 Tal como

29
Josefo afirma: "Eles só atraem os ricos; o povo não está ao seu lado" (Antiquidades dos Judeus,
13.10.6).

30
Concordam com essa posição os seguintes estudiosos: Geza Vermes, E. L. Sukenik, A. Dupont-
Sommer, Roland de Vaux e W. F. Albright.

31
William S. LaSor, "The Dead Sea Scrolls", em The Expositor's Bible Commentary, 1:398-9.

32
Novamente é Josefo quem afirma: "Eles evitam os prazeres como um vício, e consideram a
moderação e o controle das paixões como a essência da virtude" (Guerras Judaicas, 2.8.2). O
historiador indica ainda que comiam apenas o bastante para aplacar a fome e a sede (Ibid., 2.8.5),
O Período Intertestamental • 59

os fariseus, os essênios eram deterministas, criam em anjos e demônios, tinham


uma vaga concepção de ressurreição individual, e criam numa iminência messiânica,
afirmando que viviam nos últimos dias.

Embora fossem mais um fenômeno sócio-político do que um grupo


religioso, os zelotes eram uma continuação dos macabeus, e acrescentaram o aço
de seus punhais às esperanças de libertação que outros centravam no futuro, mais
ou menos próximo. Atos 5.37 menciona um certo Judas, o galileu, que pode ter sido
o originador do movimento contra o domínio romano. Josefo pode fazer menção a
este indivíduo, que o situaria em Seforis, na Galiléia, por volta de a.D. 6.33 Um dos
discípulos de Jesus pode ter participado deste movimento (cf. Mateus 10.4).

"contentando-se com a mesma alimentação dia após dia, pois amavam a frugalidade e rejeitavam o
luxo como uma doença da alma e do corpo" (Filo de Alexandria, Hypothetica 11.11).

33
Antiguidades dos Judeus, 17.10.5.

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