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Introdução
1
Assistente Social, Especialista em Educação, Didática e Metodologia no Ensino Superior,
Especialista em Filosofia Contemporânea, Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Serviço Social,
membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Identidade (NEPI) da PUC-SP, coordenado pela
Profª Drª. Maria Lúcia Martinelli e Membro do Comitê Científico de Serviço Social do Centro de
Investigação de Estudos Transdiciplinares (CET) Latino americano da Bolívia.
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Para Netto (2007, p. 77), o neoliberalismo representa “[...] uma argumentação teórica que restaura o
mercado como instância mediadora societal elementar e insuperável e uma proposição política que
repõe o Estado mínimo como única alternativa e forma para a democracia”.
3
De acordo com Barroco (2011, p. 209), “[...] o neoconservadorismo busca legitimação pela
repressão dos trabalhadores ou pela criminalização dos movimentos sociais, da pobreza e da
militarização da vida cotidiana. Essas formas de repressão implicam violência contra o outro, e todas
são mediadas moralmente, em diferentes graus, na medida em que se objetiva a negação do outro:
quando o outro é discriminado lhe é negado o direito de existir como tal ou de existir com suas
diferenças”.
das políticas públicas, fenômeno, esses, próprios e tipicamente relacionados à
“ofensiva neoliberal” que privilegia o grande capital e os interesses imperialistas.
Diante deste quadro, a expansão do discurso neoconservador vem
exacerbando a criminalização das lutas e dos movimentos sociais que buscam
defender os direitos históricos e socialmente conquistados, por meio de atitudes
visíveis de intolerância, opressão, violência, aumento do pauperismo e de
subordinação aos ditames do capital, revelando as características marcantes da
sociabilidade contemporânea, a falência do Estado e das instituições burguesas.
Esse cenário gera um clima de insegurança e medo na população, levando as
massas a atitudes reacionárias e que reforçam antigas instituições, sobretudo, “[...] a
família e o clã como refúgio contra o mundo hostil, ao retorno de formas místicas e
autoritárias ou fundamentalistas de religião e à adesão à imagem da autoridade
política forte ou despótica” (CHAUÍ, 2006, p. 325), frequentemente associada ao
bloqueio da ação intersubjetiva e sociopolítica, que oculta a luta de classes e o
enxugamento dos espaços públicos, ampliando, assim, os espaços privados
(BARROCO, 2011).
Os cortes nos gastos públicos, principalmente, na Educação e na Seguridade
Social, impõem regressões de direitos sociais historicamente conquistados, redução
de incentivos à pesquisa, desmantelamento das universidades públicas, das
políticas de educação, saúde, assistência e previdência social, o que implica em
reformas que privilegiam os interesses empresariais e do capital, precarizando ainda
mais as políticas e os serviços sociais.
A “ofensiva neoliberal”, em marcha na América Latina desde os anos de 1970,
significou, ainda, drásticas reduções dos recursos dos fundos públicos, com o seu
deslocamento para financiar o grande capital, por meio de processos de
privatizações e pagamentos dos juros das dívidas externa e pública, caracterizando-
se por uma “verdadeira contrarreforma”, na medida em que são observados seus
aspectos sobre as expressões da “questão social” 4 e que se expressam,
sobremaneira, na vida cotidiana das pessoas e nas relações de trabalho (BEHRING,
2003).
4
Segundo Iamamoto (2008a, p. 177),“[...] na atualidade, a “questão social” diz respeito ao conjunto
multifacetado das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista
madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. A “questão social” expressa desigualdades
econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediadas por disparidades nas relações de
gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos
da sociedade civil no acesso aos bens da civilização” (idem, ibidem).
2
Como produto dessas atitudes regressivas, contabiliza-se “[...] níveis
extremos de desemprego e violência, aumento de impostos de todas as ordens,
atrasos e parcelamentos de salários, adoecimento de profissionais, dificuldades
extremas, falta de assistência à população, entre outros fatores que expõem a
perversa face da atual agutização da ‘questão social’” (MENDES; LEWGOY,
MAURIEL; SILVA, 2017, p. 8).
Estas análises conjunturais revelam as situações contraditórias do
capitalismo, das ofensivas e contrarreforma do Estado burguês, ocasionando um
retrocesso na história deste país. No âmbito dos espaços sócio-ocupacionais, onde
os assistentes sociais atuam, o trabalho interventivo tem sido cada vez mais
precarizado, ocasionando o adoecimento dos profissionais, o sentimento de
impotência diante dessa situação e o engessamento da atuação profissional em
atitudes burocráticas, pragmáticas, imediatistas e tecnicistas.
Por outro lado, os espaços acadêmicos de formação também têm sido
comprometidos diretamente pelos cortes dos investimentos em ensino, pesquisa e
extensão, o que afeta a formação profissional, impondo imensos desafios à
coletividade dos profissionais e as instâncias representativas, acadêmico-cientificas
e políticas da categoria profissional.
Não podemos desconsiderar, ainda, que as mudanças da sociedade
capitalista, ocorridas de maneira brusca e desordenada, têm gerado uma inversão
de valores que envolvem também o campo educacional, principalmente, no que diz
respeito às consequências do avanço da industrialização, da tecnologia, da ciência,
da globalização e, consequentemente, das expressões multifacetadas da “questão
social”. O impacto do processo industrial, tecnológico, da globalização e da
mundialização das relações financeiras e do capital tem alterado significativamente a
vida dos seres humanos, abrindo as portas para um mundo diverso, plural e
contraditório (VERONEZE, 2010), o que afeta significativamente à formação técnica,
intelectual e ético-moral das classes subalternas e proletárias.
Especialmente no caso brasileiro, esses problemas ainda estão atrelados à
violência, a corrupção, à má distribuição dos bens e da riqueza socialmente
produzida, à exploração, à fome, à miséria, entre outras expressões da “questão
social”. Tais implicações contribuem para criar uma mentalidade egocêntrica e
individualista que fortalece a concepção da “lei do mais forte”, num pragmatismo
selvagem que tem como base as relações econômicas e sociais hegemônicas do
pensamento burguês, fundamentadas em uma “moral de resultados” e de lucro
3
acima de qualquer coisa, onde o individualismo e a competitividade são os traços
mais marcantes do capitalismo.
Essa mentalidade acaba por se instaurar em todos os poros das relações
humanas e sociais - no Estado, nas empresas, nos grupos sociais, nos meios de
comunicação, nas religiões, enfim, em todos os lugares – como um espectro voraz
que influencia negativamente as relações humanas e promove a falência dos valores
éticos e morais.
O próprio processo de trabalho e de produção, estabelecido numa sociedade
em que a lei da concorrência e do lucro gera o abandono das antigas normas de
convivência, decência e honestidade, favorecem a reificação do ser humano
(VERONEZE, 2014). A rivalidade e a concorrência que, na maioria das vezes, desde
tenra idade, é uma constância, principalmente no que diz respeito às desigualdades
sociais e a ascensão social. O desejo do triunfo, do sucesso e do poder a qualquer
custo, com menor esforço, menor tempo e menor preço, é promovido, muitas vezes,
pelos pais, já no início da vida escolar.
Estes valores concorrenciais impulsionam os indivíduos sociais a atitudes e
crenças maquiavélicas, sectárias, opressoras e de intolerância gerando, na maioria
das vezes, atitudes desmobilizadoras da consciência de classe e da dicotomia entre
capital/trabalho. Por outro lado, Segundo Barroco (2011, p. 208), “[...] a ideologia
dominante exerce uma função ativa no enfrentamento das contradições sociais e da
luta de classe”, buscando manter a ordem social em momentos expressivos de
contrarreforma do Estado burguês que faz uso da força para manter o acirramento
das tensões entre burguesia e proletariado, ocasionando, desse modo, a
despolitização e individualização da sociedade.
Ainda, a ideologia neoliberal e ultraconservadora veicula pela mídia falada e
escrita, principalmente em Redes Sociais, notícias ideologicamente falsas
(Fakenews), falseando a história, naturalizado as desigualdades, moralizando a
“questão social”, incidindo a comportamentos e práticas nazifascistas (xenofobia,
homofobia, racismo etc.) que circulam abertamente pelos meios de comunicações
(BARROCO, 2011).
Em tempos de crises, retomar o debate acerca das dimensões formativas e
interventivas do Serviço Social, de modo a potencializar as forças de sociabilidade
humanizadores, recolocar o papel fundamental da formação acadêmico-profissional
e o despertar da consciência ético-política do assistente social, em suas dimensões
4
do particular e do universal, nos parece uma necessidade urgente e um desafio
contemporâneo à profissão.
Portanto, este ensaio visa, por meio de uma revisão bibliográfica e da
observação empírica, refletir sobre a dicotomia teórico-prática e prático-teórica que,
em grande medida, tem provocado a cisão entre o pensar, agir e fazer no âmbito da
formação e do exercício profissional, de modo a evidenciar a redução do [...]
distanciamento entre o trabalho intelectual, de cunho teórico-metodológico, e o
exercício prática profissional cotidiana”, conforme nos aponta Iamamoto (2005, p. 52
– destaque da autora).
5
No entanto, segundo pesquisas e levantamentos realizados por Gatti (2017,
p. 728), “[...] temos graves problemas no processo de alfabetização das crianças e
essa condição é fator de não favorecimento à meta de equidade social que as
políticas colocam com tanta veemência em seus documentos”. Tais fatores implicam
diretamente na formação universitária, conforme temos observado cotidianamente
no universo da sala de aula.
Em relação à entrada de jovens no Ensino Superior, os dados estatísticos 5
tem sido satisfatórios, tendo em vista os programas governamentais de incentivo
econômico ao estudante, principalmente o FIES, ProUni e Pronatec. Por outro lado,
as avaliações de desempenho promovidas pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Enade - que integra o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), composto também pela
Avaliação de Cursos de Graduação e pela Avaliação Institucional que juntos formam
o tripé avaliativo que permitem conhecer a qualidade dos cursos e instituições de
educação superior brasileira, entre outras avaliações internacionais e estaduais -,
mostram que o nível de desempenho dos estudantes continua baixo.
Estudos confirmam que o principal determinante do desempenho dos alunos
na escola é o nível econômico e educacional das famílias, que está fortemente
relacionado com o atraso escolar e com as próprias condições de funcionamento
das escolas. Contudo, Gatti (2017; 2013) ainda apresenta graves problemas na
formação de educadores e professores que precisam ser equacionados, pois os
docentes são “[...] as bases institucionais e curriculares mais condizentes com os
desafios que as novas gerações estão a colocar, que os novos conhecimentos
colocam, que novas e conflitantes relações no social se mostram desafiando nossas
compreensões” (GATTI, 2017, p. 723). Tais fatores rebatem significativamente na
formação universitária.
Muitas políticas educacionais têm entrado na agenda de discussões
buscando melhorar o nível do ensino no Brasil. Estas mudanças vão desde
alterações nos currículos escolares, através dos novos parâmetros curriculares,
novos investimentos da formação dos professores, até a melhoria dos livros
5
Dados de 2016 revelavam que mais de 50% dos jovens que pretendem cursar o nível superior
contava com programas sociais de educação do Governo Federal, principalmente para conseguir
cursar uma faculdade. Desde, a maioria é proveniente de escolas públicas e acreditavam que
possuíam menos chances de concorrer a uma vaga nas universidades públicas. Além disso, era
unânime a opinião de que o Governo não deveria reduzir os investimentos nos programas de
incentivo a educação superior (Disponível em: https://www.abmes.org.br/noticias/detalhe/1689/jovens-
brasileiros-dependem-dos-programas-sociais-para-cursar-ensino-superior, acesso em: 27/08/2019).
6
didáticos e das bibliotecas, porém, o abismo entre quantidade e qualidade ainda é
uma constância.
Medidas governamentais para melhorar a qualidade do ensino público e
privado têm sido engendradas, mas, ainda, não existem evidências que estas
políticas estejam apresentando resultados significativos do ponto de vista da
qualidade, a ponto de reduzir o efeito das condições sociais dos estudantes.
Em relação ao Serviço Social, do ponto de vista ensino/aprendizagem, o
maior desafio enfrentado se relaciona a dicotomia entre a relação teórico-prática e
prático-teórica6, ou seja, há uma constante dificuldade dos estudantes e profissionais
em “dar respostas” acerca das possibilidades, contrações e dicotomias da realidade
social em relação ao arcabouço teórico-metodológico, ético-político e técnico-
operativo adotado pelo pensamento hegemônica da profissão e norteado pela
tradição marxista e o legado marxiano.
Cardos e Doi (2017) nos dão uma amostra deste processo ao refletirem sobre
a dimensão técnico-operativa na formação profissional. O artigo produzido pelas
autoras é fruto de observações inquietantes de diversos estudantes e profissionais
ao expressarem dificuldades ao enfrentarem cotidianamente os desafios e tensões
da dimensão técnico-operativa do Serviço Social, principalmente e em relação a
formação acadêmico-profissional, no sentido de buscar uma intervenção qualificada
e politicamente direcionada.
Não podemos desconsiderar que o Serviço Social é uma profissão que
forma profissionais, pesquisadores e formadores (MARSIGLIA, 2008), questão muito
importante para o debate acerca da formação acadêmico-profissional do assistente
social, pois é fundamental para o seu desenvolvimento que haja uma reflexão
contínua e uma formação continuada.
Contudo, é no cotidiano que o assistente social observa muito próximo os
fenômenos e as contradições da vida social, sobretudo, às mazelas humanas. O
6
A prática do Serviço Social é indissociável do seu arcabouço teórico-metodológico, ético-político e
técnico-operacional. A teoria adotada pela profissão, enquanto pensamento hegemônico, inspira
processos de conhecimentos que devem ser considerados em sua unidade com a prática profissional.
Teoria não se desvincula da prática, aliás, ela se nutre da prática, como também, a prática se
retroalimenta de arcabouços teóricos, por isso, entendemos a prática profissional do assistente social
enquanto práxis. Tomando por base a afirmação de Guerra (1999, p. 4) de que “[...] o exercício
profissional implica uma ação e, portanto, habilidades; o exercício profissional implica em escolhas, e,
portanto, valores”. De modo, consideramos que é necessário que o profissional tenha claro domínio
de conhecimentos reflexivos e interventivos, não dimensionando o “saber fazer” em detrimento do
questionamento sobre “por que fazer”, entendendo somente as necessidades imediatas, deixando,
assim, de realizar a reflexão e a articulação entre os saberes prático-teórico e os saberes teórico-
prático. As dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa se articulam,
substantivamente, com as dimensões, denominadas por Guerra (2002), como dimensão técnico-
instrumental, teórico-intelectual, investigativa, formativa e pedagógica.
7
assistente social é um dos profissionais que chega mais próximo dos problemas
sociais, das comunidades, das famílias e das pessoas.
Refletir sobre esta dimensão profissional visa, primeiramente, refletir sobre o
significado da educação/formação e os fundamentos e pressupostos basilares das
Diretrizes Curriculares que norteiam os diversos currículos de formação acadêmico-
profissional, adotados pelas Instituições de Ensino Superior (IEF) espalhadas pelo
país. Este assunto carece de pesquisas e debates acadêmicos para avaliar a
qualidade da Educação e do ensino em Serviço Social.
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Podemos ainda afirmar que o processo educativo/formativo é um complexo
constitutivo da vida social dos sujeitos sociais. Conforme os apontamentos de
SANTOS (2005, p. 1) é por meio da educação que o ser humano se instrumentaliza
“[...] culturalmente, capacitando-se para transformações tanto materiais como
espirituais”, de modo que, para o autor “[...] a educação é o cerne do
desenvolvimento social” (idem, ibidem) dos indivíduos sociais.
Para Sacristán (2007), a escola tem a função de educar para a vida,
possibilitando as condições intelectuais e culturais para a construção de um projeto
de ser humano e de sociedade: “[...] Educar para a vida é educar para um mundo
em que nada nos é estranho. A educação vê-se obrigada a repensar suas metas e a
revisar seus conteúdos” (idem, p. 15).
Nada obstante, de acordo com o pensamento de Mészáros (2007), poucos
negariam hoje que a educação e os processos de reprodução mais amplos da vida
estão intimamente ligados, sejam estes intelectuais, culturais, profissionais,
existenciais e espirituais, em sua complexidade e em seu amplo acesso.
Consequentemente, não podemos pensar numa reformulação significativa da
educação/formação sem pensar nos quadros correspondentes que implicam a
transformação do conjunto social no qual as práticas educacionais da sociedade
estão vinculadas ao modo de produção capitalista e a lógica burguesa (MÉSZÁROS,
2007).
De certo modo, a educação ainda está presa ao sentido corretivo,
estrutural/positivista e funcional, pouco atendendo a proposta crítica, propositiva e
revolucionária que a entende enquanto bem e direito social a ser efetivado,
inseparável da formação e do desenvolvimento do ser social e que tem papel
relevante na transformação da sociedade.
As tendências políticas neoconservadoras, ultraconservadoras,
funcionalista/burocrática, fundamentalista e reacionária da atualidade anulam a
perspectiva crítica, criativa, democrática e de liberdade dos indivíduos sociais. É
comum rupturas epistemológicas, introduzidas por ideias de indeterminação,
instabilidade, descontinuidade e de um pluralismo teórico que rompe com as
pretensões de uma cultura e de uma ciência universal e hegemônica, trabalhando
com teorias conflitantes, ou mesmo contrapondo análises conjunturais e universais
da sociedade, imponto conceitos e categorias diversificadas que anulam a dicotomia
de classe e do pensamento crítico/revolucionário, instigando a reformas e ajustes
sociais.
9
Neste sentido, é de fundamental importância discutir sobre o papel da
educação e da formação acadêmico-profissional no interior das contrarreformas do
Estado burguês e pelos regimes de exceção, conforme estamos vivenciando no
presente, buscando confrontar - e não conformar – com o que é colocado como
regra geral pré-estabelecida, firmada nos ditames do capital e da hegemonia do
pensamento burguês. De acordo com Mészáros (2007, p. 109), torna-se necessário
“[...] romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma
alternativa educacional significativamente diferente” (destaque do autor), tomando
como pressuposto de que a compreensão de educação/formação não deve ser
analisada sem destacar a sua centralidade na dinâmica da vida social.
Outros pressupostos que não podemos desconsiderar sobre o processo de
ensino/aprendizagem são aqueles estabelecidos pelas políticas neoliberais em
marcha desde os anos de 1970, na América Latina, oriundo das teorias econômicas
e sociopolíticas preconizadas e espalhadas por instituições financeiras
internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial,
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), as
comissões provenientes da União Europeia e, atualmente, pela Organização
Mundial do Comércio (OMC), que tem alimentado a ideia de que a escola é
considerada “[...] um certo modelo escolar que considera a educação como um bem
essencial privado e cujo valor é antes de tudo econômico” (VASCONCELOS, 2003,
p. 1044).
Deste modo, partimos do pressuposto de que o significado da
educação/formação, construído a partir dos referencias críticos, está diretamente
vinculado ao estatuto antropológico e ontológico do ser social, tendo como mote que
“[...] ser cultos7 é o único modo de sermos livres” (José Martí citado por MÉSZÁRO,
2007, p. 122).
Para Mészáros (2007), a educação nos últimos 150 anos tem servido
significativamente aos propósitos do capital e impulsionado a maquinaria produtiva
de expansão do capitalismo e dos interesses dominantes, reforçando, sobremaneira,
a subordinação, a alienação e a reificação. Para ele, “[...] as determinações
abrangentes do capital afetam profundamente cada domínio singular com algum
7
No sentido de ter acesso à cultura letrada, escrita, falada, científica ou técnica.
10
peso na educação, e de forma alguma apenas as instituições formais” (idem, p. 116
– destaque do autor).
Nada obstante, estamos vivendo mais um período de “crise aguda” do capital,
em que novamente a projeção da brutalidade e da violência se impõem, objetivando
impor valores defendidos pelo poder hegemônico da burguesia para manter o seu
status quo. As instituições formais de ensino – parte destas integradas ao sistema
financeiro global – servem ao Estado burguês que, por sua vez, se rende
cotidianamente aos interesses dos setores econômicos e as instituições financeiras
internacionais.
Tais fatores tem condicionado a precarização do ensino, defasagem
educacional, produtivismo acadêmico, aceitação/resignação do poder dominante
sobre a sociedade, cortes de verbas e incentivos, perseguição ideológica a
professores e alunos, flexibilização do trabalho, entre outros fatores que se adequam
a um novo regime de escravidão e servidão voluntária.
Isto é um grande e grave problema que tem abatido as universidades,
sobretudo as faculdades de Serviço Social – mas não somente - que tem em seus
marcos históricos lutas e resistências no enfrentamento da destrutibilidade do
capitalismo, norteado por um referencial teórico-metodológico e ético-político firmado
em bases críticas.
De acordo com Mendes, Lewgoy, Mauriel e Silva (2017), os desafios
profissionais e acadêmicos que se impõem aos profissionais do Serviço Social são
imensos, nos convocando coletivamente a intensificar as lutas e resistências
políticas em sintonia com os pressupostos basilares das Diretrizes Curriculares de
1996 que evidencia que “[...] a formação profissional expressa uma concepção de
ensino e aprendizagem calcada na dinâmica da vida social, o que estabelece os
parâmetros para a inserção profissional na realidade sócio-institucional” (ABESS,
1996).
Apesar da formação em Serviço Social estar sobre bases críticas e
revolucionárias e ter um projeto ético-político-profissional que norteia o fazer
profissional, ainda é difícil despertar às consciências para ações coletivas e para o
protagonismo dos seus profissionais, de modo a avançar no debate e eliminar a
concepção que “na prática a teoria é outra”. Além disso, nos deparamos todos os
dias com alunos que reverberam as deficiências do ensino básico, conforme já
apontamos, o que dificulta ou mesmo inviabiliza os processos de
ensino/aprendizagem.
11
Sem sombras de dúvidas, é fato que em conformidade com a ordem social
estabelecida, o referencial crítico está na contracorrente do poder hegemônico
burguês e da lógica do capital. Contudo, a questão chave, não é o conformismo, a
adaptação ou mesmo o reformismo. Em outras palavras, a questão colocada é de
enfrentamento, resistência e de transformação, buscando estratégias de lutas para
irmos contra as “ofensivas liberal e neoconservadores” que tem buscado moralizar e
judicializar as expressões da “questão social”, induzindo ideologicamente à
conformidade, ao consenso ou à barbárie.
Nos dizeres de Mészáros (2007, p. 116),
12
[...] não há qualquer atividade humana da qual se possa excluir toda a
intervenção intelectual – o homo faber não pode ser separado do homo
sapiens. Também todo o homem, fora do seu emprego, desenvolve alguma
atividade intelectual; ele é, por outras palavras, um “filósofo”, um artista, um
homem experiente, ele partilha a concepção do mundo, ele tem uma linha
consciente de conduta moral e, portanto, contribui no sentido de manter a
concepção do mundo, isto é, no sentido de encorajar novas formas de
pensamentos.
Deste modo, podemos afirmar que não há uma separação entre uma
“educação teórica” e uma “educação prática”, ambas se coadunam; ambas
compõem a práxis8 profissional enquanto práxis revolucionária9. Somos chamados a
refletir sobre o seu papel social numa sociedade em que os valores ético-morais
estão invertidos. Por conseguinte, somos chamados a uma ação coletiva e
revolucionária para a transformação social.
É evidente, conforme aponta Mészáros (2007), que uma educação que se
prese e mantenha a base racional vinculada ao poder hegemônico do capital, tenha
em-si seus representantes. Contudo, quando a grande maioria se afasta do debate
político e dos processos democráticos de decisão, evidencia a subserviência em
face da ordem dominante estabelecida, o que implica a despolitização da classe
proletária, sobretudo, daqueles que estão em situação de subalternidade ou em
situação de “precariados”.
Considerando, ainda, a massificação e precarização do ensino com a
superlotação de salas de aulas, desgaste físico, mental e moral dos docentes,
desinteresse por parte dos alunos e a falta de verbas e incentivos para a produção
de conhecimento e desenvolvimento da criatividade dos discentes, tem-se
legitimado as desigualdades sociais perante a educação e a cultura. O aprendizado
8
O termo práxis (do grego – πράξις – ação) utilizado aqui em seu sentido lato como o conjunto de
todos os tipos de atividades humano-sociais objetivadas no cotidiano; e em seu sentido stricto como
ação transformadora do ser social através do trabalho, em outras palavras, ao transformar a natureza,
o ser social transforma a si mesmo concomitantemente, numa relação dinâmica e dialética. A ação
transformadora é entendida enquanto atividade específica do ser social. Atividade prática consciente
capaz de criar e recriar necessidades e capacidades materiais e/ou espirituais, instituindo, por sua
vez, um ponto concreto, antes inexistente. Segundo Vázquez (2007, p. 28), “[...] a práxis ocupa lugar
central na filosofia que se concebe a si mesma não só como interpretação do mundo, mas também
como elemento do processo de sua transformação”, portanto, é uma atividade prático-consciente,
capaz de criar e recriar possibilidades objetivas às suas carências e necessidades objetivas e
subjetivas. Ocuparemos desse assunto mais à frente (VEROEZE, 2018).
9
Entendemos aqui como práxis revolucionária o movimento de transformação social concreta e
dinâmica da vida social. Para Marx, em suas Teses sobre Feurerbach, “os filósofos apenas
interpretaram o mundo diferentemente, importa é transformá-lo” (MARX; ENGELS, 2007, p. 29 –
destaque dos autores). Não basta somente interpretar, expor, refletir sobre as condições ou
circunstâncias objetivas ou subjetivas de aspectos relacionados à vida humana, mas sim, ir além,
procurar condições e possibilidades concretas e objetivas de reverter ou minorar situações que
impedem que a vida humana se exponha a condições subumanas de sobrevivência e de exploração
(VERONEZE, 2018).
13
escolar, na maioria das vezes, é orientado somente para a inserção do aluno no
mercado de trabalho, sobrepondo a aquisição de conhecimento crítico e cultural,
pensando somente na competência técnica necessária ao trabalhador polivalente e
flexível.
Não podemos desconsiderar que o momento histórico atual tem permitido tais
facetas e que as condições objetivas 10, os valores e as crenças têm sido favoráveis
para tais consequências; por outro lado, tem crescido um movimento contra-
hegemônico entre os intelectuais orgânicos, tanto no meio acadêmico, como nas
esferas heterogêneas da sociedade, que tem, estrategicamente, mantido o debate
revolucionário e emancipatório, no sentido de romper com a lógica do capital.
Para Almeida (2010, p. 24),
[...] a educação pode ser tomada como um dos mais complexos processos
constitutivos da vida social. A compreensão da educação como totalidade
histórica ultrapassa em muito a abordagem da sua institucionalização nos
marcos das ações reguladoras do Estado.
10
Podemos notar que as dificuldades no momento para alterar o poder hegemônico do capital está
limitada pela natureza da crise estrutural do capital que vem assolando os países capitalistas, por
meio de crises financeiras e políticas periodicamente. Estas crises abrem brechas para que governos
e ideologias autoritárias, de extrema direita e de pensamentos ultraconservadores e reacionários se
infiltrem no ideário coletivo das massas, causando um clima de exceção, mantido por políticas
impostas de cortes orçamentários, minando, assim, as possibilidades de ação das instâncias da
sociedade civil e estatal e da classe proletária de se organizarem coletivamente enquanto resistência.
Tais fatores, abrem fissuras para as políticas voluntaristas, emergenciais, flexibilizadas e
terceirizadas, sendo manipuladas por ideologias artificiais e de alienação das massas ao invés de
assegurar direitos historicamente conquistados, inflamando um clima de ódio social e intolerância,
prezando pela meritocracia, pela moralização e judicialização da “questão social”. Outro fator a
considerar, é que, na maioria das vezes, as manifestações e movimentos sociais contra hegemônicos
têm sido reprimidos pela classe dominante e pelos poderes constituídos com violência, repressão e
distorção da realidade e da luta social.
14
plural que carrega em si múltiplas determinações. É consenso entre os sujeitos
envolvidos no universo educacional que a escola não está preparada para
compreender, refletir e propor ações que respondam aos agravantes das
expressões multifacetadas da “questão social” (VERONEZE, 2010).
Diante do exposto, nota-se que a herança sociológica na Educação e a
“questão social” perpassam tanto pela macroestrutura quanto pela microestrutura,
afetando, sobremaneira, diretamente aqueles que estão em formação. Tais
agravantes além de estarem correlacionados, influenciam diretamente no
desenvolvimento dos demais.
11
Homem, aqui, no sentido de ser humano.
15
O trabalho, tido em Marx, é o principal ponto mediador entre o humano e a
natureza, componente existencial mais substantivo para a vida humana. É por meio
do trabalho que o humano se socializa, se universaliza, toma consciência da
realidade, desenvolve a linguagem e constitui-se ser de liberdade e possibilidades,
sendo estas imanentes à humanidade e ao gênero humano (HELLER, 2004).
De acordo com Saviani (2007, p. 154),
[...] vamos constatar seu início no momento em que determinado ser natural
se destaca da natureza e é obrigado, para existir, a produzir sua própria
vida. Assim, diferentemente dos animais, que se adaptam à natureza, os
homens têm de adaptar a natureza a si. Agindo sobre ela e transformando-
a, os homens ajustam a natureza às suas necessidades.
16
Por intermédio do trabalho, o indivíduo conhece o mundo à sua volta e, ao
mesmo tempo, conhece a si mesmo. Portanto, constitui um processo que envolve
educação, reflexão, consciência e ação; em outras palavras, é a condição em que o
indivíduo reconhece sua “[...] capacidade de conhecer-se a si mesmo no ato do
conhecimento” (CHAUÍ, 1999, p. 118), capacidade esta de
reflexão/abstração/objetivação de sua própria natureza dinâmica e social – um
projetar-se na e para a vida social.
É sob essas premissas que Marx e Engels dão o passo decisivo para a
compreensão do ser social em seu processo de hominização/humanização, bem
como de sua socialização e educação. Em síntese: na vida social o ser humano age
por meio de projeções teleológicas e mediações, de modo a objetivar seus
resultados no mundo real e concreto (o cotidiano) por meio do trabalho
(VERONEZE, 2018).
Podemos, portanto, afirmar que o trabalho, para o legado marxiano e para a
tradição marxista, é entendido como processo de educação/objetivação, processo
esse, no qual há aprendizagem por meio da transformação e da objetivação da
atividade concreta (da práxis) e pelo processo teleológico, ou seja, da capacidade de
projetar na mente finalidades e construir mediações possíveis de serem realizadas
e, dentre elas, escolher uma para sua objetivação (VERONEZE, 2013).
As reflexões trazidas por Gatti (2017; 2013) e por Iamamoto (2014) nos
mostram a radicalidade do debate contemporâneo sobre a Educação e a formação
acadêmico-profissional do Serviço Social.
Iamamoto (2014) destaca que o exercício profissional exige um profissional
que tenha competência para propor e negociar suas propostas, defender seu campo
de trabalho, suas qualificações e atribuições profissionais, de modo a estabelecer
uma rotina de trabalho cotidiano que busque apreender o movimento real da
sociedade em suas contradições, possibilidades e tendências a serem apropriadas
pelo profissional em sua totalidade.
Estas reflexões nos direcionam a analisar as atribuições e competências dos
profissionais em Serviço Social, sejam aquelas realizadas na sua formação ou nos
diversos espaços sócio-ocupacionais que são orientadas pelos direitos e deveres
17
inscritos no Código de Ética Profissional de 1993, na Lei que Regulamenta a
Profissão (Lei 8.662/1993) e nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996).
Nos dizeres de Iamamoto (2002, p. 16), competência se expressa pela “[...]
capacidade para apreciar ou dar resolutividade a determinado assunto, não sendo
exclusivas de uma única especialidade profissional, mas a ela concernentes em
função da capacidade dos sujeitos profissionais” e atribuições diz respeito às “[...]
funções privativas do assistente social, isto é, suas prerrogativas exclusivas”.
Reconhecendo o objeto de intervenção profissional às expressões
multifacetadas da “questão social” em suas múltiplas determinações da e na vida
social, torna-se primordial fazer uma análise a apreensão crítica da realidade de dos
processos sociais de produção e reprodução das relações sociais na perspectiva da
totalidade, para tanto, torna-se necessário analisar o movimento histórico da
sociedade, apreendendo as particularidades do capitalismo em sua globalidade e
regionalidade, de modo a compreender o significado social da profissão e seu
desenvolvimento sócio-histórico, no cenário internacional e nacional, desvendando
as possibilidades de ação cotidiana, firmada em referenciais críticos que norteiam a
intervenção profissional. Estes fatores permitem identificar as demandas presentes
em sua complexidade, visando responder profissional e eticamente aos desafios
postos a profissão, considerando suas atribuições privativas e competências
(ABEPSS, 1996).
Deste modo, exige-se do assistente social uma necessária autonomia entre o
seu trabalho cotidiano e a política pública. Em outras palavras, cabe ao profissional
em Serviço Social fazer as suas próprias análises, tecer suas próprias definições e
escolher entre as alternativas válidas para efetivar a sua ação: a “[...] profissão não
se confunde com a política pública de governo ou de Estado e nem o Serviço Social
se confunde com assistência social, ainda que esta possa ser uma das mediações
persistentes da justificativa histórica da existência da profissão” (IAMAMOTO, 2014,
p. 611 – destaque da autora).
No podemos esquecer que o assistente social não é mero agente burocrático
e operacionalizador das políticas demandadas pelo Estado e que a profissão não se
confunde com as responsabilidades de governos, Estados ou mesmo partidos
políticos. A assistência social é um direito social, inscrito no campo da Seguridade
Social, e que, portanto, é de responsabilidade do Estado a sua formulação,
implementação, gestão, financiamento de políticas e programas sócio-assistenciais.
18
O enfrentamento às expressões da “questão social” envolve lutas e
resistências para a construção, materialização e consolidação dos direitos sociais
historicamente conquistados. Na atualidade, uma das formas para acessar e garantir
estes direitos ainda é por meio das políticas sociais que, de certo modo, ainda se
constitui como uma instância seletiva e excludente.
Para enfrentar esta situação, o assistente social necessita ser formado por
meio de referenciais críticos, propositivos, compromissado com o projeto ético-
político-profissional e que tenha competência teórica, ético-política e técnica rigorosa
para enfrentar as correlações de forças das ofensivas “neoliberais e
neoconservadores”, que responsabilizam os sujeitos sociais pelas suas condições
de penúria, subalternidade e miserabilidade.
Cabe ao profissional identificar e resignificar os objetos e objetivos da sua
intervenção profissional, elaborar propostas de intervenção, fundamentando suas
ações em suas dimensões teórico-metodológica, ético-político e técnico-operativa,
distinguindo-as do trabalho de qualquer leigo (CFESS, 2002).
A formação acadêmico-profissional do assistente social tem que buscar
atender as suas necessidades frente as suas atividades, tais como: visitas
domiciliares, elaboração de relatórios, pareceres e laudos sociais, perícias,
encaminhamentos e serviços comunitários para aquisição de bens e direitos,
informações sobre direitos e serviços, estudos sócio-econômicos, supervisão de
estágio, elaboração de projetos, plantões sociais, atendimentos emergenciais,
acompanhamento institucional, atendimento individual, contato com recursos
comunitários, treinamento, assessoria, palestras, pesquisas, coordenação, controle
de benefícios, triagens, educação de grupos e indivíduos, gestão e avaliação de
planos, programas e projetos sociais, ação educativa, ação conjunta com os
movimentos sociais, entres outras atividades que atendam a implementação da
Política Nacional de Assistência Social e dos direitos sociais, bem como outras
especificidades da profissão.
Uma das grandes dificuldades que muitos profissionais têm enfrentado está
em relação à análise de indicadores sociais, financiamento de políticas e serviços
sociais e gestão da Política Nacional de Assistência Social. Neste momento histórico
de desmonte das políticas públicas e de cortes de gastos governamentais, é um
grande desafio de gestores, trabalhadores e cidadãos de direito, usuários da política
de assistência social e que tem compromisso ético e político em resistir ao desmonte
19
do SUAS, discutir sobre o co-financiamento e as contrapartidas dos entes
federativos na garantia dos direitos sociais.
Os quesitos mais atacados na atualidade são a proteção não-contributiva, a
equidade social, a gestão democrática, o controle social por parte da sociedade civil,
as seguranças socioassistenciais, o desmonte da previdência social e a legislação
que responsabilize os entes federativos frete as desproteções sociais, entre outras
reivindicações.
Os objetivos das atribuições privativas do assistente social implicam no
resgate da cidadania, melhoria das condições de vida dos sujeitos sociais,
socialização das informações, humanização no atendimento, prestação de
assistência aos cidadãos de direitos e à comunidade, capacitação profissional
continuada, qualidade nos serviços prestados, garantia das necessidades dos
sujeitos atendidos, assessorias aos movimentos sociais, instituições ou a outros
profissionais e lutar pelo seu espaço e autonomia nas instituições socioassistenciais
(CFESS, 2002).
Embora saibamos destas atribuições e competências profissionais que
predefinem o fazer profissional e que são exigências jurídico/legal, não há garantias
de que elas sejam respeitadas na prática, tanto pelo Estado como pelas instituições.
A formação acadêmico-profissional precisa estar atenta a oferecer conhecimento
teórico-metodológico e técnico-operativo para que o profissional em formação possa
valer-se de seus direitos e lutar pela garantia do seu espaço, autonomia e respeito a
sua condição de profissional liberal, bem como encontrar nas dificuldades cotidianas
estratégias que garantam o seu fazer profissional de forma crítica e propositiva para
a efetivação dos direitos sociais.
Somente a competência, a vontade política e a consciência ética adquirida
pelo conhecimento teórico-metodológico é que é capaz de decifrar e dar significado
ao fazer profissional. Não há como delimitar com precisão as limitações e
interferências políticas nos campos profissionais. Apesar da profissão já estabelecer
legalmente as competências e atribuições privativas do fazer profissional, não
equivale dizer que elas estão prontas ou serão respeitadas no cotidiano profissional.
Na maioria das vezes, o profissional terá que se articular entre as organizações da
categoria para enfrentar as correlações de forças que limitam o seu fazer
profissional, fortalecendo-se perante os desafios posto a ele.
Somente a competência e a consciência ético-político-profissional é que
permite com que o assistente social possa realizar uma análise crítica da realidade e
20
construir estratégias necessárias para responder às demandas que se apresentam
cotidianamente, implicando desafios e resistências as providências escolhidas pelo
profissional para o enfrentamento de suas limitações.
Os desafios postos à profissão implicam também em avançar na implantação
das Diretrizes Curriculares de 1996, que buscam qualificar e dar densidade as
respostas cotidianas dos profissionais em Serviço Social.
21
além dos desmontes das pesquisas e extensões, sucateando a formação ainda
mais, frente à mercantilização do ensino.
A ABEPSS, através do Projeto ABEPSS Itinerante, desde 2011, numa
proposta de educação continuada, tem se preocupado com a exponencial expansão
dos cursos de Serviço Social, em EaD, os cursos do REUNI, a precarização dos
cursos mais antigos e a inserção de novos sujeitos no debate sobre a formação
acadêmico-profissional, diante de uma forte tendência de mudanças regressivas no
perfil profissional, que exige seguir no aprofundamento de formulação de estratégias
coletivas para fortalecer o Projeto de Formação Profissional (ABEPSS, 2019, on-
line).
É evidente que, tendo em vistas as diversas mudanças na política de
assistência social e demais políticas, e as mutações das expressões da “questão
social”, alterações no mundo do trabalho e no padrão de acumulação capitalista,
estas inquietações implicam, sobretudo, na avaliação/atualização continuada dos
currículos escolares da formação, tendo como referência o questionamento de
Cardo e Doi (2017, p. 42) formulado das seguintes formas: “[...] Estamos formando
profissionais capacitados ética, técnica e politicamente para o exercício profissional?
[...] Como dar conta da preparação do profissional para seu trabalho sem perder de
vista o refletir e o escolher em sua ação?”.
De modo geral, torna-se necessário a valoração da pesquisa, em definir
linhas de investigação, em impedir a censura ideológica aos docentes, avançar nos
desafios para a implantação das Diretrizes Curriculares, numa dimensão em que
não privilegie somente a esfera técnico-operativa, nas propostas que busquem
substituir a formação generalista e científica por uma formação funcional e técnica
que atenda aos interesses do capital, em conformidade com os valores ético-
político-profissionais que norteiam a profissão, não perdendo de vista o despertar da
consciência humanitária, em defesa da classe proletária e de um projeto societário
para uma sociedade justa, democrática e libertária.
É fato que os conhecimentos adquiridos na graduação, em sua grande
maioria, não dão conta de atender todos esses desafios. Faz-se, assim, necessário
uma aprendizagem continuada que permita atualizar e revisar os conhecimentos já
adquiridos, orientar para a consciência em-si e para-si, em suas dimensões teórico-
metodológica e ético-política, tendo como finalidade a “competência profissional” 13.
13
A noção de “competência profissional” aqui destacada implica, sobremaneira, na valoração dos
conhecimentos teórico-metodológicos, ético-político e técnico-operativo da práxis profissional, por
meio de um conjunto de técnicas e instrumentais teóricos e práticos que permitam aplicar a teoria ao
cotidiano profissional da vida social, através de estratégias, valoração da dimensão ontológica do ser
22
Portanto, cabe ao profissional do Serviço Social construir, em-si e para-si,
essa identidade, para lutar em conformidade com os princípios estabelecidos pelo
Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social, respeitando as prerrogativas
éticas que norteiam a profissão.
23
que, aparentemente sabe fazer, mas não consegue explicar as razões, o conteúdo,
a direção social e os efeitos de seu trabalho na sociedade” (destaque nosso).
Entretanto, é preciso levar em conta os limites institucionais, individuais,
políticos, econômicos, emocionais e sociais dos profissionais em Serviço Social para
não cairmos num processo de alienação e estranhamento da própria profissão ou
num teoricismo pragmático desvinculado dos pressupostos histórico-críticos da
profissão, conforme ainda salienta Iamamoto (2008b).
Gomes e Diniz (2012, p. 05), apontam que as atividades profissionais se
configuram num complexo quadro de áreas de intervenção e que “[...] se
entrecruzam e rebatem todas as múltiplas dimensões das políticas sociais e as quais
a ação profissional se move entre a manipulação prático-empírica de variáveis que
afetam imediatamente os problemas sociais e a articulação simbólica que pode ser
constelada nela e a partir dela”.
De modo geral, as manifestações e inquirições dos assistentes sociais são de
que não há uma concepção ou compreensão de teoria e da prática que dê conta da
intervenção profissional. Santos (2012, p. 14) aponta que “[...] a ausência de
entendimento sobre a prática profissional aparece muitas vezes, associando-se a
prática profissional como práxis social e práxis revolucionária, assim como a
reduzindo à aplicação de instrumentos e técnicas”.
Na colocação de Santos (2012), observa-se um discurso recorrente entre a
categoria profissional de que há uma dicotomia entre teoria e práxis. Ora a ação
interventiva está carregada de elementos da militância política – enquanto práxis
revolucionária; ora está fragmentada em pura ação técnica, funcional, utilitarista e
pragmática.
Conforme vimos, a concepção de trabalho aqui utilizada inclui uma série de
elementos constitutivos da práxis e da educação dos sujeitos sociais. Podemos
afirmar, diante do exposto, que a definição de prática pressupõe apenas uma ação
mecânica.
Portanto, tendo em vista os apontamentos de Iamamoto (2005), a intervenção
do Serviço Social se traduz como um trabalho especializado, do qual o assistente
social é um profissional graduado e formado numa determinada concepção teórico-
metodológica, técnico-operativa e ético-política e está inscrito na divisão sócio-
técnica do trabalho, logo, não desempenha uma função ou realiza uma ação não
consciente, sem finalidade, imediata e pragmática, mas, sim, sua ação interventiva
24
deve se constituir enquanto um saber sócio-histórico acumulado que se traduz
enquanto práxis.
A possibilidade de um novo debate sobre o Projeto de Formação acadêmico-
profissional do Serviço Social frente aos desafios atuais, evidenciamos a
necessidade permanente de avaliação/revisão do pensamento conservador, seus
desdobramentos na formação e no trabalho profissional e seus rebatimentos no
projeto ético-político profissional, tendo em vista que, muitas vezes, este
pensamento impregna muitos estudantes, professores e profissionais.
Atrelado a estes fatores, temos as condições precárias de muitas
universidades públicas e privadas, formação ineficiente de professores,
descompromisso com a categoria, poder institucional massacrante, fatalismo
exacerbado, acúmulo de funções burocráticas, conservadorismo revitalizado, falta
de reciclagem dos conhecimentos e debates contemporâneos, ineficiência em
trabalhar em rede, enfim, uma série de fatores desgastantes e negativos que levam
os profissionais em Serviço Social a não visualizar alternativas concretas para
melhor intervir na realidade cotidiana apresenta.
O Serviço Social vem construindo uma trajetória histórica de lutas e
resistências para romper definitivamente com as práticas conservadoras submissa,
distributiva, caritativa e filantrópica, propondo a profissionalização de todos os
setores públicos e privados que estão vinculados às condições da vida humana.
Diante do quadro apresentado, as novas gerações tem um horizonte muito
escuro a ser revelado. Portanto, aprimorar formas interventivas que atendam aos
requisitos internos das problemáticas sociais inerentes à profissão, bem como
contribuir para estes mesmos objetivos seja extensivos a outras categorias
profissionais e que contemplam um compromisso ético-político com os segmentos
mais vulneráveis e com a classe proletária, é o grande desafio da
contemporaneidade para os assistentes sociais.
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